Olhares do Mundo - Especial Islã

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OLHARES 2017 do MUNDO edição 06

Universidade Presbiteriana Mackenzie



OLHARES doMUNDO Revista produzida pelos alunos do Curso de Jornalismo do Centro de Comunicações e Letras (CCL) do Instituto Presbiteriano Mackenzie Direção do CCL Prof. Dr. Alexandre Huady Torres Guimarães Coordenação de Curso Prof. Dr. André Cioli Taborba Santoro

digital_ o mundo em suas mãos

Coordenação Editorial Prof. Drª Márcia Detoni Projeto Gráfico Camila Lopes Endereço: Rua Piauí, 143 – CEP 01241-001 Fone: (11) 2114-8320 – São Paulo – SP www.mackenzie.com.br

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ao leitor Tradição x Modernidade Esta edição de Olhares do Mundo, produzida pelos alunos do 6º semestre de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, examina acontecimentos políticos, sociais e econômicos em países de maioria muçulmana, onde a religião tem forte influência na vida pública e na identidade cultural. A globalização da economia nas últimas décadas e os avanços tecnológicos nas áreas de Comunicação e Informação expandiram os negócios e os valores ocidentais, colocando enorme pressão sobre comunidades islâmicas tradicionais. O desenvolvimento desigual e a ameaça a estruturas sociais milenares no Oriente Médio, no Norte da África e em alguns países da Ásia, como Afeganistão e Paquistão, têm levado principalmente os mais pobres a buscar salvação numa Islã virtuoso retratado no Alcoråo. Grupos fundamentalistas ganham novos adeptos pregando um retorno aos tempos do profeta Maomé (570 d.C. a 632 d.C), nos quais a vida transcorria livre dos “vícios” da modernidade.


Os grupos radicais que recorrem à violência são minoria numa religião de paz seguida por mais de 1,2 bilhão de pessoas, mas representam uma forte ameaça à estabilidade de regiões islâmicas e à segurança do Ocidente, abalado por frequentes ataques terroristas. Várias reportagens desta edição tratam do tema, explicando as crenças por traz do extremismo de grupos como Al Qaeda, Estado Islâmico, Taliban e Boko Haram e as disputas políticas e religiosas que incendeiam Síria, Líbia, Iêmen, Iraque e Turquia. A pauta também inclui o papel da mulher no Islã, a luta dos curdos por respeito e autonomia, o drama dos refugiados sírios e a resistência da imprensa frente à censura e ao autoritarismo. Para nossos jovens repórteres mergulhar num universo tão distante em termos geográficos e culturais foi um grande desafio. Era preciso primeiro entender a história, os valores e os acontecimentos recentes do mundo islâmico. O trabalho jornalístico foi precedido

de intensa pesquisa e discussões em sala de aula no segundo semestre de 2016, e cada entrevista - feitas em inglês via e-mail, Facebook, Skype e WhatsApp, foi celebrada pelo grupo como uma grande conquista. Este livro reúne o material já publicado no blog “Olhares do Mundo”, que, desde o lançamento em junho de 2016, teve cerca de 40 mil visualizações. O blog, escrito pelos alunos da disciplina “Jornalismo e a Política Internacional, também começou a publicar as primeiras matérias em inglês, entre elas uma entrevista com a escritora iraniana radicada nos Estados Unidos Banafsheh Keynoush, professora da Universidade

Prof. Drª Márcia Detoni São Paulo, dezembro de 2016.


sumário 9. Desemprego e conflitos no Norte da África ameaçam estabilidade da Tunísia Por Ane Macedo, Bruna Pinheiro e Juliana Fernandes

13. Al-Sisi usa lei antiterror para calar a imprensa Por: Marcelo Rodriguez e Rafael Perez

17. Após cinco anos da morte de Kaddafi, Líbia enfrenta o caos Beatriz Boturão, Luisa Fragão, Maria Carolina Rossi e Rodolfo Vieira

21. Erdogan revive glórias do passado otomano para insuflar nacionalismo na Turquia Por Daniela Simões, Gustavo Lietti e Tamires Lietti

27. Curdos da Turquia enfrentam perseguição e preconceito Por Bruna Matos Martins, Joyce Farias, Nathália Zagari e Vivian Jordão

33. Intrépidas, democráticas e feministas, mulheres curdas combatem Estado Islâmico na linha de frente. Por Guilherme Celante Dias, Henrique Macedo, João Pedro Prieto e Nicole Thomaso

38. Turquia resiste ao radicalismo religioso Por Camila Anzolin e Mariana Lemoine

42. Solidários, canadenses repudiam preconceito ao Islã e acolhem sírios Por Marina Paulista e Ana Renata Ortega

49. Jornal sírio resiste a ataques e perseguições para denunciar as brutalidades de Assad Por: Amanda Amorim, André Burger, Catherine Barros, Fernanda Ambrosano, Isabella Zamberlan e Roberta Tinti


52. Duelo de Titãs: Arábia Saudita e Irã disputam influência no Oriente Médio Por Beatriz Oliveira, Mariana Araujo e Paola Duarte

59. Iêmen enfrenta o caos em meio a combates entre sunitas, xiitas e terroristas islâmicos Por Laura Cruz, Mateus Lopes e Nathalie Moreira

63. Sauditas financiam expansão do wahabismo no mundo e incentivam extremismo religioso Por: Fernanda Ramos, João Pedro Xavier e Renata Estimo

69. Sauditas reduzem poder da polícia religiosa, mas especialistas não acreditam em mudanças nos dogmas Por Ana Clara Scarabelli, Bianca Bell Pareja e Karen Meneghim

74. Comunidade Internacional pressiona Arábia Saudita a permitir o esporte feminino Por Ana Carolina Milagres, Giuliana Heymann, Julia Guerrero Borges e Ricardo Carvalho

79 Nova geração de mulheres se rebela contra a tirania dos fundamentalistas islâmicos Por Nathália Gaspar, Nathalia Perazzolo e Stephanie Tambor

85. Com ajuda de ONGs internacionais, afegãs reconquistam direitos Por Bárbara Ferlin, Camilla Aimeé, Carolina Alberti e Mayara Martins

88. Presas a dogmas religiosos, mulheres islâmicas enfrentam dificuldades com atendimento à saúde Por Carolina Rios, Claudia Ferreira e Maiara Costa

92 Cresce a perseguição aos cristãos no Oriente Médio Por: Arthur Henrique, Gabriel Tampelini e Guilherme Souza


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Desemprego e conflitos no Norte da África ameaçam estabilidade da Tunísia Precursor das manifestações da Primavera Árabe, o país foi o único da região a implantar um regime secular democrático. Especialistas ouvidos pela reportagem de “Olhares do Mundo” dizem, no entanto, que a crescente insatisfação com o desemprego, os conflitos na Líbia e a atuação de jihadistas em países vizinhos ameaçam a estabilidade política.

Por Ane Macedo, Bruna Pinheiro e Juliana Fernandes

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uando o vendedor de frutas e legumes tunisiano Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo em protesto contra o confisco de seu carrinho de trabalho por autoridades locais não imaginou que estaria, com aquele gesto, colocando um fim a 23 anos de ditadura. O ato desesperado de Bouazizi, que não tinha dinheiro para pagar os impostos nem a propina exigida por fiscais, desencadeou uma série de protestos que se espalharam pelo Oriente Médio e o Norte da África em

2011 e ficaram conhecidos como Primavera Árabe. As manifestações na Tunísia derrubaram o governo autoritário de Zine el-Abdine Ben Ali e levaram a eleição de um governo laico no final de 2014, mostrando às nações vizinhas a viabilidade de um estado secular e plural no mundo árabe. A estagnação econômica, o desemprego em alta e os conflitos étnicos e religiosos na Líbia e na Argélia ameaçam, no entanto, a estabilidade conquistada após a Revolta de Jasmin. Dos países sacudidos pelas manifestações,

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a Tunísia, com 11 milhões de habitantes, foi o único que conseguiu completar a transição para a democracia, com eleições livres para o Parlamento e a Presidência. Mohammed Béji Caïd Essebsi, de 88 anos, foi o primeiro presidente do país eleito pelo voto direto. Seu partido, Nidaa Tounes, defende a separação entre Estado e religião, o que foi assegurado pela nova Constituição. Para o professor no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo Álvaro Vasconcelos, o processo de democratização na Tunísia deu certo porque os políticos foram capazes de fazer as conciliações necessárias. “As Forças Armadas, depois de terem forçado a saída de Bem Ali, não manifestaram nenhuma pretensão de ter um papel político”, diz ele numa referência aos militares do Egito, que tomaram o poder em 2013, quando o presidente Mohamed Mohamed Morsi buscou aproximar Estado e religião. O general Al Sisi foi confirmado na Presidência em um pleito com baixa participação eleitoral em 2015 e tem sido constantemente acusado de perseguir a oposição. A Tunísia, como ocorreu nas primeiras elei-

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ções livres do Egito em 2012, também elegeu políticos religiosos para o Congresso. Mas o partido Ennahda, o segundo mais votado nas eleições de 2014, aceitou uma constituição laica, que defende a liberdade religiosa e afirmou o princípio da liberdade de consciência. A nova Constituição também garantiu o direito de igualdade entre homens e mulheres. Vasconcelos diz que a Tunísia pode ser considerada um exemplo a ser seguido pelos demais países árabes. “Mesmo que cada transição tenha um caminho próprio, hoje a experiência tunisiana vive uma transição por consenso e é objeto de estudo no mundo árabe.” A negociação entre os diversos grupos políticos que acelerou o processo de democratização foi reconhecida com o Prêmio Nobel da Paz de 2015, concedido ao Quarteto de Dialogo Nacional Tunisiano, formado pela central sindical União Geral dos Trabalhadores Tunisianos, pela entidade patronal União Tunisiana da Indústria, Comércio e Artesanato, pela Liga Tunisiana dos Direitos Humanos e pela Ordem dos Advogados. O correspondente do jornal norte-americano “The Washington Post” no Oriente Médio,


David B. Ottaway, membro do Wilson Center, um fórum de política não-partidária que trata de questões globais, observa que a democracia na Tunísia tem sido capaz de responder em alguma medida às demandas da Primavera Árabe. “Há mais liberdade política e de imprensa depois da revolução, mas o país ainda tem de lidar com questões sociais e econômicas. O número insuficiente de postos de trabalho é a melhor indicação de que a economia não cumpre as demandas da juventude”, afirma. O desemprego mantêm-se alto: cerca 15% em todo o país. Entre jovens diplomados, o número de desempregados chega a 32%, dado preocupante para um país onde cerca de 40% da população têm menos de 25 anos. O número de desempregados é bem maior no interio, mais pobre, onde o grande temor é o interesse de jovens desesperançados pelas promessas de grupos jihadista. Em Tunis e na faixa litorânea, mais desenvolvida, as tensões sociais se acumulam, com greves e manifestações contra a falta de oportunidades de trabalho. Rose Millburn, assessor de comunicação da Fitch Ratings, agência de classificação de risco de crédito que analisa a saúde financeira dos países,

disse ao “Olhares do mundo” que a situação do país melhorou depois da Primavera Árabe. Segundo ele, a Tunísia tem uma história de resistência a choques externos, além disso, a volatilidade da inflação e as receitas fiscais continuam menores do que as dos outros países da região. Embora o governo esteja sofrendo pressão de líderes internacionais para adotar um programa de austeridade fiscal, com corte dos subsídios ao combustível e a vários alimentos, o professor Vasconcelos, da USP, observa que o país demonstrou interesse em copiar um modelo de assistência social semelhante ao brasileiro para ajudar as camadas mais pobres a superar as dificuldades. “No capítulo das políticas sociais, a Tunísia está muito interessada em experiências brasileiras como o Bolsa Família”, conta. Apesar das conquistas políticas, o país vive em meio a instabilidades por conta dos conflitos armados no Norte da África. Os ataques terroristas de 2015 contra um museu nacional na capital Tunis e uma praia turística deixaram 60 mortos, a maioria estrangeiros, e afastaram investidores e visitantes. Para Ottaway é inevitável que o país seja afetado pelas disputas ét-

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nicas e religiosas na Líbia e na Argélia. “Um dos maiores redutos de militantes islâmicos na Tunísia fica nas montanhas ao longo da fronteira com a Argélia, onde eles ainda atuam apesar de dois anos de operações do Exército tunisiano para exterminá-los. A Líbia, ao leste, está em um estado de guerra civil e é a principal fonte de contrabando de armas para a Tunísia. A eliminação de todas as ameaças de militantes islâmicos é, portanto, extremamente difícil. Eles continuam sendo um grande desafio para o novo governo da Tunísia, que está nas mãos de secularistas, apenas com a participação simbólica pelo partido islâmico moderado Ennahda”, comenta o jornalista americano.

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A questão, segundo Ottaway, é saber para que lado tenderá o partido islâmico Ennahda, responsabilizado pelos secularistas por desastres de segurança, como o ataque terrorista no The Bardo Museum em março de 2015, que deixou 21 mortos e cerda de 20 feridos. O partido tem apenas um ministro no governo e pode criar problemas se resolver ir para a oposição. “Isso iria polarizar o país entre secularistas e islâmicos, afetando a estabilidade do governo e de todo o país”, afirma. “O fato de a Líbia ser hoje um estado frágil, com dois governos, mil milícias, em estado de guerra civil é hoje, talvez, a maior ameaça da transição na Tunísia. Grupos radicais tunisianos encontram na Líbia inspiração, apoio e armas para atuar no país vizinho”, concorda o professor Vasconcelos.


Al-Sisi usa lei antiterror para calar a imprensa Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) aponta número recorde de prisão de profissionais da mídia. Analistas dizem que governo utiliza artifícios legais para impedir críticas e reprimir a oposição.

Por: Marcelo Rodriguez e Rafael Perez

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jornalista egípcia Shahira Amin é correspondente da rede americana CNN no Cairo, mas ficou conhecida no Egito porque durante 11 anos atuou na estatal Nile TV como vice-presidente e uma das principais âncoras da emissora, onde enfrentou seguidas vezes a censura do então ditador Hosni Mubarak. Em fevereiro de 2011, durante a Primavera Árabe, quando foi impedida de cobrir os protestos na Praça Tahrir – epicentro do movimento contra Mubarak -, Shahira decidiu entregar o cargo. As mudanças no regime não trouxeram, no entanto, a liberdade de expressão tão esperada

por ela e por milhares de manifestantes que gritaram por democracia. “O clima da mídia continua bem restrito. Há muitos jornalistas presos e outros se autocensuram com medo de serem taxados de antipatriotas”, contou Shahira em entrevista por e-mail à “Olhares do Mundo”. De acordo com um relatório da organização Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), que monitora a liberdade de imprensa no mundo todo, o Egito apresenta um número recorde de profissionais presos, pelo menos 23, o maior desde de 1990, quando o documento começou a ser publicado. Um terço dos deti-

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dos foram condenados à prisão perpétua. Em termos de jornalistas presos, o Egito fica atrás apenas da China. Recentemente, agentes de segurança chegaram a invadir o Sindicato dos Jornalistas para prender dois profissionais críticos ao governo. Conforme comunicado do sindicato, foi a primeira vez na história que forças de segurança invadiram a entidade. Analistas de política internacional observam que o governo militar tem utilizado dispositivos legais de combate aos grupos radicais islâmicos para calar as críticas da imprensa e a oposição. A lei antiterrorismo adotada pelo governo do marechal Abdel Fatah al-Sisi em 2015 para combater jihadistas que atuam na Península do Sinai impõe multa severa a quem publicar informações contrárias à versão oficial dos acontecimentos. Com isso, dezenas de pessoas foram detidas até por postagens críticas em redes sociais. A jornalista fotográfica Esraa Taweel desapareceu e depois foi encontrada presa por ter publicado algumas fotos no Facebook. Um dos casos de maior repercussão internacional foi a repressão a três jornalistas da sucursal da rede de televisão Al-Jazeera no Cairo. Um deles, australiano, foi expulso do país.

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Os outros dois, de nacionalidade canadense e egípcia, foram julgados e sentenciados a três anos de prisão. Eles foram acusados de divulgar informações falsas e trabalhar sem as autorizações necessárias em 2013. O juiz responsável pelo caso chegou a dizer que eles não eram jornalistas. “A Al-Jazeera foi afetada especialmente por ter um discurso que, segundo o governo, era favorável à Irmandade Muçulmana. Mas as críticas eram às versões do canal em árabe, que são separadas editorialmente do canal inglês, cujos jornalistas foram presos em 2013”, observou Hugo Bachega, jornalista da BBC Brasil, que cobriu até 2013 os desdobramentos da Primavera Árabe no Cairo. “Outro detalhe é o financiamento da Al Jazeera, apoiada pelo governo do Catar, que era visto como um suposto financiador da Irmandade Muçulmana.” Bachega salienta que, após a queda do presidente Mohammed Morsi, em 2013, houve uma hostilidade generalizada contra jornalistas estrangeiros. “O governo alegava que a imprensa internacional não reportava os fatos de maneira correta e havia adotado um tom pró-Irmandade após centenas de pessoas, a maioria simpatizantes do grupo, terem morri-


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do em confrontos com forças de segurança. Já a imprensa local, amplamente a favor do Exército, adotava a versão oficial. Era comum ver nos canais locais a expressão “Egito luta contra o terrorismo”, conta Bachega. “A população era ‘bombardeada’ por essas visões – e, sem imprensa independente, era difícil contradizer a versão oficial. Naquele momento, muitos jornalistas estrangeiros deixaram de ir às ruas, com diversos casos de ataques contra repórteres. Mas, com a estabilização da situação no país, creio que estas restrições (de mobilidade) não existem atualmente”, afirma o jornalista da BBC. Al-Sisi foi eleito em 2014, depois de liderar um golpe militar que derrubou o primeiro presidente eleito do país, Mohhamed Morsi, da Irmandade Muçulmana. Os militares estavam descontentes com a introdução de uma visão religiosa islâmica no governo. Depois de desarticular a oposição, prendendo cerca de 15 mil partidários de Morsi, Al-Sisi venceu por ampla maioria as eleições organizadas por ele. Segundo Bachega, al-Sisi se amparou no apoio popular aliado à cumplicidade da imprensa local para colocar em marcha seu plano de poder. Mas as dificuldades econômicas, com desemprego em alta, diminuíram a popularida-

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de do governo. Shahira avalia que al-Sisi fez algumas promessas que não foram cumpridas e isso deteriora sua governabilidade. “No começo, as expectativas eram grandes, com a promessa de que a ampliação do Canal de Suez seria a escapatória para a crise do país, levando a população a uma vida melhor. Isto não aconteceu, e a maioria voltou a ficar frustrada e apática, o que ficou muito claro quando muitos cidadãos não compareceram à votação do legislativo”, enfatiza a jornalista. Shahira refere-se às eleições realizadas em novembro de 2015 para restaurar o Parlamento (dissolvido em 2013) e que foram vencidas por aliados do governo. Oposicionistas, como a Irmandade Muçulmana, declararam as votações ilegais e acusam o processo por ampla repressão. Para Bachega, a legitimação do poder militar por meio de eleições não amenizou a repressão à imprensa. “A oposição a al-Sisi é praticamente inexistente, o país tem sido atingido por ataques de supostos militantes, então o governo parece ter uma carta branca da população para agir e restaurar a segurança, caminhando rumo a um poder absoluto.”


Após cinco anos da morte de Kaddafi, Líbia enfrenta o caos Embate entre grupos rebeldes, Estado Islâmico e dois governos que reivindicam o poder, dificultam pacificação no país

Beatriz Boturão, Luisa Fragão, Maria Carolina Rossi e Rodolfo Vieira

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reconstrução das instituições do Estado é um dos principais desafios atuais da Líbia, hoje dividida entre dois governos que reivindicam legitimidade. Lutam pelo poder um grupo islâmico que estabeleceu o Governo de União Nacional da Líbia (GNA) na capital Trípoli e o Conselho de Representantes, que venceu as eleições parlamentares de 2014, mas, desafiado pelos militantes islâmicos, teve de fugir para a cidade de Tobruk, no leste do país. Além desses grupos, há também uma forte presença de terroristas do Estado Islâmico no norte, o

que agrava o quadro instável do país. A Líbia mergulhou no caos, com o esfacelamento da economia e aumento de pessoas que tentam deixar o país enfrentado o Mediterrâneo em direção a Europa. A situação é alarmante, mas especialistas ouvidos por “Olhares do Mundo” dizem que a solução para a crise política não virá por meio de intervenção internacional. “Nenhum país consegue intervir no outro e ficar consertando o que não é dele sem sofrer resistência da população, sem grupos políticos locais dizendo que é imperialista e dominador”,

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opina Heni Ozi Cukier, cientista político e fundador da consultoria Insight Geopolítico. Cukier já trabalhou na Organização dos Estados Americanos (OEA) e pensa que o controle da desordem na Líbia não deve ser levado à cabo por líderes armados, porque isso gera mais repressão e aumenta o risco de se voltar ao modelo ditatorial da época de Kaddafi. Além disso, reitera a alta probabilidade de um conflito armado repercutir em países vizinhos, como o Egito. Ainda na época dos combates contra a ditadura de Kaddafi, a ONU desenvolveu três grandes responsabilidades de intervenção na Líbia, que eram, respectivamente, proteger, intervir e reestruturar. As duas primeiras foram concretizadas e, depois que Kaddafi foi morto, a comunidade internacional abandonou a última responsabilidade, considerada a mais importante na visão de Andreas Dittmann, especialista em Oriente Médio e professor do departamento de geografia humana da Universidade de Giessen, na Alemanha. “A responsabilidade em reestruturar consistia em construir, reconstruir e desenvolver não só infraestrutura, mas uma base política confiável”, explicou em entrevista por e-mail.

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A única intervenção internacional viável, na opinião de Dittman, seria somente para combater o contrabando de refugiados e migrantes na costa do país. “Isso significaria uma perda da soberania do Estado da Líbia, mas salvaria a vida de muitos migrantes”, analisa o professor. O vácuo de poder no país abriu portas para esses grupos de tráfico de pessoas, responsáveis por levar migrantes da África e Oriente Médio até a Europa. Com relação às perspectivas de paz a curto prazo, na visão de Dittmann, as chances são mínimas. Deve existir um acordo entre os dois parlamentos existentes para que ambos reconheçam um ao outro e se disponham a construir um único parlamento de transição. Além disso, é essencial combater as bases do EI em Sirte, promover novas eleições e aceitar que provavelmente virá ao poder um governo de forte caráter islâmico. “O lado oeste do país prefere eleger semi-liberais a alguém de orientação islâmica, mas, se a comunidade internacional não aceitar e preferir um governo pró-oeste, a estabilização na Líbia irá falhar novamente”, completa.


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O que falta no país é um governo com recursos, reconhecimento como força legítima, exército estruturado e, sobretudo, um acordo entre os detentores de poder da Líbia que saibam como solucionar seu próprio conflito, antes mesmo de uma intervenção por parte da comunidade internacional – que poderia agravar ainda mais a situação. “Qualquer governo respeitável tem de deixar claro que é representativo de todos os líbios, independentemente das identificações regionais, tribais ou outras identificações”, analisa Stephen Zunes, professor de políticas e estudos internacionais da Universidade de São Francisco, Califórnia. Existe uma falta de confiança que é fruto de uma guerra onde existe ressentimento, armas e ninguém que dê segurança. “Não é só uma questão de ser reconhecido, o governo tem que mostrar que é capaz de entregar o que se propôs”, complementa. Desde 2011, depois da derrubada do ditador Muamar Kaddafi por um levante popular auxiliado pelas forças da Organização do Tratado do

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Atlântico Norte (Otan), a Líbia enfrenta inúmeros conflitos entre facções rivais. Em 2012, o país realizou as primeiras eleições parlamentares depois de Kaddafi. O eleito Congresso Geral Nacional foi encarregado da formação de um governo interino e da elaboração de uma nova Cosntituicao. Novas eleições realizadas em 2014 não foram reconhecidas por milícias islâmicas, que tomaram a capital pelas armas. O eleito Conselho de Representantes teve de fugir para Tobruk. Além destes dois grupos políticos que reivindicam poder, terroristas do Estado Islâmico dominam a cidade de Sirte desde 2015, considerada uma de suas principais bases, depois de Síria e Iraque. Recentemente, a pedido do governo islâmico GNA, com o aval do primeiro-ministro do grupo, Fayez Seraj, e da Organização das Nações Unidas (ONU), os EUA bombardearam Sirte como uma tentativa de combater o Estado Islâmico, mas intervenções armadas como essa são consideradas um equívoco por especialistas e condenados por parte da população local.


Erdogan revive glórias do passado otomano para insuflar nacionalismo na Turquia Elite secular turca vê com preocupação a construção de obras faraônicas e a aproximação do governo com a religião islâmica, enquanto o autoritarismo e a repressão a oposicionistas alarma o Ocidente.

Por Daniela Simões, Gustavo Lietti e Tamires Lietti

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uando o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, inaugurou a maior ponte suspensa do mundo, em agosto passado, ligando a parte europeia e asiática através do Estreito de Bósforo, a elite secular ficou alarmada. A ponte leva o nome de um antigo sultão do extinto Império Otomano: Yavuz Sultan Selim. Intelectuais, políticos e militares acusam Erdogan de incentivar o nacionalismo por meio de obras que revivem

as glórias do passado otomano. Decisões autoritárias e repressão a oposição e às minorias curdas também levam a acusações de que estaria transformando a presidência em sultanato. Desde que chegou ao poder em 2003 como primeiro ministro e como presidente em 2014, Erdogan tem trabalhado por uma nova Turquia, forte em termos econômicos e geopolíticos. Mas a aproximação do Estado com tradições islâmicas preocupa os defensores da democracia

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laica. Erdogan permitiu a volta do uso do véu no funcionalismo público, restringiu a venda de bebida alcóolica à noite e incentivou o ensino da religião nas escolas. Após a tentativa de golpe militar em julho de 2016, o governo acirrou a perseguição a oposicionistas e tenta reimplantar a pena de morte. As medidas, rejeitadas pela elite, tem, no entanto, grande apoio popular num país onde 98% da população é islâmica. Segundo o jornalista do diário espanhol “El País” em Istambul, Andrés Mourenza, a popularidade de Erdogan se deve a três fatores: o crescimento da economia e modernização do país, o carisma pessoal e a origem simples. “A parcela conservadora enxerga em Erdogan um líder extremamente carismático e bem articulado, o que faz com que o povo se sinta próximo de seu representante.” Segundo ele, no histórico político da Turquia, nunca houve um presidente que não fosse de famílias tradicionais. “Erdogan é de origem muito humilde, como o Lula, no Brasil. A maneira como ele se comunica faz

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com que o público se identifique com ele e sinta como se o representante estivesse muito perto e preocupado com a classe a qual pertence.” Apesar da origem humilde, Erdogan gosta de luxo e ostentação. Em 2015, construiu um enorme palácio presidencial de 300 mil metros quadrados e 1.150 cômodos aos custo de 615 milhões de dólares. A obra, construída numa área de preservação ambiental nos arredores da capital Ancara, foi considerada ilegal pela Justiça, mas não chegou a ser embargada. O palácio supera em tamanho a moradia do sultão de Brunei, considerado até então pelo Guiness a maior residência presidencial do mundo. Apesar de Erdogan ser um islâmico praticante, apenas cerca de 12% da população defende a institucionalização da lei islâmica, a Sharia, contra aproximadamente 50% que apoia o Estado laico. Para o professor de estudos da Turquia na Universidade de Graz, na Áustria, Karabekir Akkoyunlu, o carisma do presidente dialoga diretamente com os cidadãos nacio-


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nalistas e conservadores, não necessariamente com fundamentalistas religiosos radicais. Ao contrário, os fundamentalistas reivindicam reformas religiosas mais profundas. “Temos muçulmanos que desgostam muito de Erdogan por o considerarem próximo demais de países ocidentalizados, como a Rússia, além de se oporem ao nacionalismo exagerado”, diz o professor. Para entender melhor a postura adotada por Erdogan e o porquê de tantos debates ao redor do mundo a respeito da atual política da Turquia, é preciso voltar ao passado. Entre 2002 e 2015, o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), a qual pertence o presidente, venceu cinco eleições parlamentares no país. A frente política, embalada pelo desejo de ascensão econômica e tradicionalismo religioso, causou uma ruptura com o cenário político até então existentes em uma Turquia considerada moderna. Na mesma época os grupos islâmicos rivais Milli Gorus e Hizmet se juntaram contra o governo secular no poder. A ra-

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mificação Milli Gorus, que mais tarde tornou-se o AKP, era antimodernização e foi adotada por Erdogan, que também tinha uma visão a favor da aproximação entre religião e Estado. No ponto de vista de Talat Kamran, especialista do Instituto de Manheim, na Alemanha, a parcela tradicional da Turquia tem um pensamento retrógrado e utópico. “É preciso considerar que há dificuldades e limitações para ambos os lados. O ideal seria que houvesse um fusão equilibrada entre tradicionalismo e secularismo e que as pessoas entendessem melhor a diferença entre ser secular e ser laico.”

Importância estratégica Na política externa, Erdogan, depois de tentar sem sucesso o ingresso da Turquia na União Europeia busca um espaço de destaque no Oriente Médio. “A rota que a Turquia escolheu, com Erdogan, foi a aproximação com países muçulmanos sunitas para combater o Estado Islâmico


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e ao mesmo tempo confrontar o Irã de maioria xiita”, diz o jornalista do “El País” Andrés Mourenza. Junto a isso, também houve uma aproximação com o bloco Organização para Cooperação de Xangai (OCX), cujos principais autores são Rússia e China, num movimento que distancia o pais da União Europeia e EUA. As negociações com a Europa foram enfraquecidas desde que Erdogan assumiu a Presidência. O bloco europeu vê com maus olhos o autoritarismo do líder e discorda de muitas ações tomadas por ele. “Acredito que esse despotismo é o que dificulta qualquer negociação da Turquia com a União Europeia”, afirma Mourenza. O jornalista crê que as negociações de acesso e os acordos de imigração com os europeus só serão negociados quando a Turquia estiver em paz em termos políticos. “Por ora, todos os tratos feitos são apenas aqueles de extrema necessidade, dos quais não há como fugir”, completa. Para o jornalista turco Kamil Ergin, do

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OLHARES doMUNDO

“Zaman”, jornal de maior circulação na Turquia, a chance de adesão da Turquia à União Europeia foi zerada após o contragolpe do governo turco. Ele acredita que há alguns anos, a União Europeia tolerava a tendência autoritária do Erdogan devido à questão dos refugiados sírios. Hoje, os líderes europeus criticam duramente o presidente e adotaram uma postura mais rígida em relação as suas politicas de perpetuação no poder. “As relações entre Turquia e União Europeia não estão mal só pelo fato da islamização do país, mas sim por seus interesses geopolíticos que tem entrado em conflito com os dos principais países europeus”, comenta, numa referência aos confrontos de Erdogan com Israel, apoiado pelos EUA, e a aproximação com a Rússia e a China. A importância geoestratégica turca não pode, no entanto, ser ignorada pelos líderes mundiais. “O país é um player muito representativo na região. Em termos territoriais, representa um aliado para combater possíveis atos de terrorismo”, observa Mourenza.


Curdos da Turquia enfrentam perseguição e preconceito Durante o governo Lula, o país buscou uma aproximação maior com a África, mas a crise política e econômica do governo Di Com cultura e língua próprias, os curdos são a maior nação do mundo sem uma pátria. Na Turquia, eles representam 20% da população, mas não têm

Por Bruna Matos Martins, Joyce Farias, Nathália Zagari e Vivian Jordão

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açougueiro curdo Hasin, 35 anos, nasceu em Batman, uma província predominantemente curda localizada no sudeste da Turquia. Como a vida na região era muito difícil e as oportunidades poucas, mudou-se para Istambul. Lá, no entanto, deparou-se com algo inesperado, o preconceito. “Eu apenas gostaria de morar em um lugar em que as pessoas não atravessassem a rua ao cruzar comigo porque sou curdo. Que não me tra-

tassem como um bicho e que não mudassem seu comportamento ao descobrir minhas origens. Mesmo que esse lugar seja junto com os turcos, eu não me importo. Só queria ser respeitado e valorizado”, desabafou em entrevista a “Olhares do Mundo”. Hasin prefere não ser identificado por temer represálias. “Depois dessa tentativa de golpe (em julho de 2016) não podemos expressar nossa opinião. Não que antes pudesse, mas agora ficou pior. Muitos curdos,

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universitários e juízes foram presos”. Os curdos representam 20% da população da Turquia. São um povo com cultura e língua próprias e sonham com um país onde possam afirmar sua identidade. A luta de grupos separatistas por independência tem levado a ações repressivas por parte de sucessivos governos desde a década de 1980. Mais de 40 mil curdos já morreram nos conflitos. O PKK, Partido dos Trabalhadores do Curdistão, recorreu a armas e atentados a bomba e, por isso, muitos, na Turquia, veem os curdos como terroristas. A brasileira Roberta mora na cidade de Sakarya, a 150 quilômetros de Istambul, e diz que seu marido turco, assim como outros moradores da cidade, despreza os curdos. “São terroristas e safados”, alega ele. “Meu marido falou que poucos curdos seguem a religião islâmica e, se tem uma coisa que os turcos odeiam, são homens não mulçumanos”, diz a brasileira, que prefere não ser identificada. “Na minha opinião, os turcos são preconceituosos”. Formado em Relações Internacionais e morador de Trebizonda, no nordeste da Turquia, Yuxell, 29 anos, também sente dificuldades

no convívio com curdos. “Eu não sou preconceituoso. Eu até já fui amigo de curdos. Até mesmo já morei com um curdo. Mas, quando ele começou a elogiar e defender o partido terrorista PKK, tive que expulsá-lo de casa”, comentou, indignado. Seu amigo curdo afirmava que o PKK lutava pelos direitos de seu povo oprimido. Foi o que bastou para a amizade terminar. “Eu tenho certeza de que os curdos vão dar nosso país para os Estados Unidos e, então, vão querer exterminar nosso povo”, disse ele, que preferiu não ser identificado. Naim Kaya, 25 anos, nascido no vilarejo curdo de Gurpinar, na fronteira com o Irã, diz ter sentido o preconceito na pele, principalmente quando o PKK retomou os conflitos com Erdogan em 2003. “Começaram a explodir bombas em vários lugares públicos e o Erdogan acusou os curdos de terem feito isso. Infelizmente, utilizam a questão curda como um instrumento político. Os curdos são considerados cidadãos, pagam seus impostos. Enquanto agricultor, camponês, agropecuário, tudo bem. Mas, caso você queira fazer algum curso ou concurso, você é considerado perigoso”, disse o curdo, que decidiu mudar-se para o Brasil, onde, hoje, administra um pe-

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queno negócio. A retaliação ao povo curdo ocorre também em outros países. Seus mais de 30 milhões de habitantes vivem nas fronteiras da Turquia, Síria, Irã, Iraque, Armênia e Azerbaijão. Na divisão do Império Turco-Otomano após a Primeira Guerra Mundial pelas potências vencedoras, os curdos ficaram sem terras e até hoje lutam por autonomia. A Turquia é o país com a maior concentração de curdos, cerca de 15 milhões. Esse número tão expressivo dá aos turcos conservadores a certeza de que moram ao lado do inimigo, e as ações do governo de Recep Tayyip Erdogan têm contribuído para o fortalecimento desse pensamento. Ao chegar ao poder em 2003, Erdogan propôs uma série de medidas sociais que caminhavam para o reconhecimento oficial dos curdos na Turquia: a língua seria oferecida como disciplina optativa na escola, veículos de comunicação foram liberados e até mesmo bolsas escolares foram oferecidas. Esse “pacote de paz”, como ficou conhecido, ganhou o apoio de artistas, intelectuais, jornalistas e estudiosos, tanto curdos quanto turcos.

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Contudo, o PKK e outros partidos de maioria curda não quiseram apoiar as estratégias de Erdogan para permanecer no poder. O presidente tenta mudar o sistema parlamentarista para presidencialista, mas ainda não obteve votos suficientes no Congresso. As divergências fizeram com que os curdos voltassem a ser considerados inimigos do Estado, disse David Morgan, porta-voz do Congresso Nacional do Curdistão, coligação, sediada em Londres, formada por exilados políticos curdos, advogados e ativistas. “Infelizmente, Erdogan tem sido oportunista e implacável no seu conflito com os curdos. A perpetuação do regime autoritário depende do conflito, por isso o presidente intensifica o ataque”, explicou. A tensão na Turquia aumentou com os conflitos no Iraque e na Síria. Os curdos desses dois países têm, apoiados pelos americanos, lutado contra o Estado Islâmico com a expectativa de obter mais autonomia ao final dos conflitos. Os curdos do Iraque obtiveram autodeterminação com a queda de Saddam Hussein, e os da Síria já declararam uma república autônoma, Rojava, nas áreas onde habitam. A Turquia teme ação semelhante no seu território.


No entanto, Morgan descarta a possibilidade de um país curdo. Ele diz que os curdos podem sonhar com o seu próprio país, mas essa medida não está na agenda política atual e nem há previsão de quando possa ser discutida, pois existem interesses particulares dos líderes locais envolvidos. Há diferenças políticas entre diversos grupos, mesmo assim, as conquistas na Síria animam os curdos da Turquia. “O Curdistão Sírio oferece esperança de um futuro melhor e mostra que a mudança é possível a todos os povos da região, não só aos curdos. Os ativistas de direitos humanos precisam reforçar o pedido de ajuda para todas as pessoas afetadas pelos conflitos locais e pedir também que a União Europeia e os Estados Unidos exerçam pressão para que o conflito se encerre”, afirma o porta-voz do Congresso Nacional do Curdistão. Enquanto a conquista de um país independente não se torna realidade, os curdos buscam representatividade na política turca. Nas eleições legislativas de junho de 2015, o Partido Democrático Popular (HDP), que defende os direitos da população curda, teve uma votação expressiva e entrou para o parlamento

como uma terceira força política, tirando do governo Erdogan a maioria na assembleia. Segundo Eyyup Doru’s, representante do HDP na Europa, entre 60% e 90% dos votos foram obtidos no sudeste do país, região de concentração curda. Em cidades como Istambul, a maior da Turquia, o apoio ao projeto de uma sociedade igualitária e inclusiva chegou a ter 15% de adesão nas urnas. “Estes resultados demonstram claramente que o povo curdo tem dado inteiramente o seu apoio ao nosso partido, com a esperança de um retorno ao processo de negociação entre o PKK e o governo turco, e a esperança de chegar a uma solução pacífica da questão curda”, esclareceu Doru’s. No entanto, o representante europeu do HDP enfatizou que o governo faz distinção entre as áreas geridas pelos parceiros de Erdogan e as controladas pela oposição. “Recursos são fundamentalmente distribuídos de forma injusta por causa de estratégias do regime”. Ele complementa que, além da limitação financeira, nos últimos meses, os prefeitos e deputados eleitos pelo partido são ameaçados e detidos ilegalmente, o que impede que os curdos tenham suas reivindicações atendidas.

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A repressão se intensificou após a tentativa de golpe militar no país, em julho de 2016. Para conter facções das Forças Armadas que queriam derrubar o governo, Erdogan decretou estado de emergência e tomou atitudes que conduziram os povos segregados da Turquia a uma situação ainda mais delicada. Uma delas foi a suspensão temporária da Comissão Europeia de Direitos Humanos, que proíbe, entre outras coisas, tratamento desumano e garante o direito ao respeito da vida privada. De acordo com informações da ONU (Organização das Nações Unidas), a instituição tem recebido uma série de denúncias e relatos preocupantes de violações de direitos humanos, como bombardeios e assassinatos, principalmente na área sudeste da Turquia, povoada majoritariamente por curdos. No entanto, organismos internacionais de defesa dos direitos universais não têm conseguido autorização do governo para acessar essas regiões, impossibilitando o auxílio a essas populações e, até mesmo, a comprovação das denúncias. Marina Motta, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional afirma que, apesar do trabalho ser geograficamente dificultado, a instituição tenta, por meio de outros métodos, agir. “É justamente em momentos de instabilidade política que as liberdades institucionais,

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as garantias institucionais e o acesso à justiça devem ser reafirmados, isso só contribui para restaurar a estabilidade nos países. [Mesmo sem presença física], trabalhamos em rede, construindo coalizões com organizações locais a fim de trocar informação, trocar experiências e trabalhar de forma complementar e fortalecida”, relata Motta.


Intrépidas, democráticas e feministas, mulheres curdas combatem Estado Islâmico na linha de frente. Jovens combatentes quebram paradigmas no Oriente Médio para defender a liberdade do Curdistão sírio e enfrentam o califado jihadista que assusta a região Por Guilherme Celante Dias, Henrique Macedo, João Pedro Prieto e Nicole Thomaso

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uma região em que tradicionalmente as mulheres são consideradas subservientes aos homens, jovens curdas pegam em armas contra o Estado Islâmico para defender o território curdo no norte da Síria dos ataques e abusos dos extremistas. Em entrevista por e-mail ao Olhares do Mundo, as combatentes disseram que não poderiam ficar paradas e caladas diante de tanta brutalidade. “O Estado Islâmico é inimigo das mulheres”, explica o comando geral da Unidade de Defesa das Mulheres, conhecida pela sigla YPJ. “O comportamento deles e a ideo-

logia que carregam nos mostram isso.” O objetivo dos fundamentalistas islâmicos é matar as futuras gerações de crianças e mulheres, diz o comando. “Nossa batalha contra eles não é apenas pelas mulheres curdas, mas por todas as mulheres do mundo e todas as sociedades no planeta. Nós almejamos criar uma Síria democrática, onde todos possam viver livremente”. Pela primeira vez, dizem elas com orgulho, extremistas enfrentam mulheres. “Em qualquer exército do mundo, mulheres não são permitidas na linha de frente. A guerra é vista como algo para homens, no qual mulheres são ou estorvos ou in-

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capazes. No YPJ, isso não é o caso. Onde quer que haja homens, também há mulheres”, salientou o comando geral. Margaret Owen, uma advogada de direitos humanos engajada com a causa das combatentes curdas, explica que o EI além dos anseios territoriais e preconceitos que carrega com seu ultraconservadorismo, vê as mulheres como seres que devem ser totalmente sujeitos aos homens. A Unidade de Defesa das Mulheres é, por isso, repudiada. Mas há também um outro aspecto. “Elas são grandemente temidas pelo fato de que ser morto por uma mulher é visto para os extremistas como uma grande vergonha”, explica. Yaniv Voller, professor da Universidade de Kent, na Grã-Bretanha e autor do livro ”The Kurdish Liberation Movement in Iraq: From Insurgency to Statehood” (O Movimento de Libertação Curdo no Iraque: da Insurgência ao Estado), explica que os guerreiros do Estado Islâmico têm medo de lutar contra as mulheres, porque de acordo com a intepretação deles de martírio, um soldado morto por uma mulher não pode ser considerado um mártir e não poderá ir ao paraíso. Mas, por outro lado, o escritor faz questão de ressaltar que, “es-

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tejam eles preocupados ou não, isso não os tem impedido de lutar contra os grupos curdos”. As curdas já têm um longo histórico de participação nos esforços pela libertação de seu povo. Voller relata que mulheres lutaram nas forças curdas durante a batalha contra o regime de Saddam Hussein no Iraque e têm sido parte integral do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) na Turquia. “Muitas das ramificações do partido têm mulheres em postos importantes. Além disso, o partido conta também com uma milícia feminina conhecida como YJA-Star. O YPG, do qual o YPJ faz parte, tem sido grandemente inspirado pelo PKK”, observou o escritor em entrevista por e-mail a Olhares do Mundo. Os curdos são um grupo étnico que viveu durante séculos sob o jugo do Império Turco-Otomano junto a turcos, sérvios, croatas, árabes e vários outros grupos. Com a dissolução do império ao final da Primeira Guerra Mundial, eles tinham a expectativa de criar um estado próprio. Porém, os árabes e persas da região não permitiram a união das comunidades curdas no Oriente Médio. Assim, tornaram-se o maior grupo étnico do mundo sem um país, sendo submetidos a diver-


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sos regimes opressivos na Turquia, no Iraque, na Síria e no Irã. Margaret observa que a luta atual dos curdos não é pela independência do Curdistão, mas por autonomia nos territórios em que habitam. Eles querem o direito de usar a própria língua e preservar suas tradições. “Por aproximadamente cem anos, os curdos, ainda que divididos, nunca abandonaram seus sonhos e esperanças de ao menos poder usufruir de todos os direitos humanos nesses países em que estão inseridos”, diz Margaret. Para a advogada, é extraordinário que as mulheres curdas desfrutem de tanto poder, igualdade e ainda desempenhem papeis fundamentais sejam em instâncias políticas, civis ou militares. Este status igualitário foi diretamente promovido pelo líder curdo Abdullah Öcalan, preso político na Turquia, cuja luta tem como princípios a democracia, o pluralismo, a liberdade de crença, a vida em comunidade e o secularismo. “É por isso que, tanto na Turquia curda como no norte sírio, em Rojava (na qual YPG e YPJ atuam), todas as organizações, instituições, partidos políticos e milícias têm sempre dois presidentes, um homem e

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uma mulher.” E é isso que o próprio comando geral do YPJ deixa claro. “Nosso relacionamento é baseado em companheirismo, não em sedução.” Para assegurar a igualdade, todo combatente homem é educado a abandonar o patriarcalismo. “O Estado Islâmico é, antes de tudo, uma ameaça. Portanto, de certa forma, muitos curdos lutam pela sua sobrevivência e pelos seus lares”, explica o escritor Voller. A organização jihadista fez como alvo os curdos no Iraque e na Síria não apenas por motivos estratégicos de expansão territorial, mas também por diferenças religiosas. Voller vê no confronto uma oportunidade para os curdos. “Lutar contra o Estado Islâmico tem aumentado a atenção internacional à situação curda e seu longo sofrimento. E também coloca os curdos do lado dos considerados “mocinhos”, lutando contra a maior ameaça à segurança da região”. De acordo com o especialista, o YPG tem ganhado o suporte de Washington e Moscou, enquanto as ações do presidente turco Recep Tayyip Erdoğan, que considera terroristas o PKK e os curdos em geral, têm sido observa-


das por uma luz muito mais crítica, mesmo que os Estados Unidos e a Rússia sejam cuidadosos o suficiente para não condenarem publicamente Ancara. O que o YPJ tem feito em Rojava, para Margaret Owen, é “um modelo para toda a Síria, assim que ambos Assad e o Estado Islâmico se forem”. Atualmente, a cidade conta com metade da sua

população sendo composta por refugiados internos do governo ditatorial de Bashar al-Assad e do EI, como árabes, assírios, cristãos e turcomenos. Ao abrigar diversas etnias, línguas e religiões de forma que vivam em paz e harmonia, o YPJ já deixa claro o objetivo dos curdos sírios para quando o EI e a ditatura em que vivem chegarem a um fim.

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Turquia resiste ao radicalismo religioso As atrocidades dos extremistas do Estado Islâmico em países vizinhos, como Síria e Iraque, não amedontra a população. Adeptos do secularismo desde a fundação do país em 1923, os turcos praticam um islamismo moderado e difundem as vantagens do Estado laico por meio de de novelas e outros produtos culturais exportados para a região.

Por Camila Anzolin e Mariana Lemoine

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o trecho entre a estação de metrô de Gayrettepe, no centro de Istambul, até seu escritório, um trajeto de menos de dez minutos, o advogado brasileiro, Thiago Alves, 33, encontra todos os dias duas ou três famílias de estrangeiros que enfrentam, por longo tempo, temperaturas próximas a zero grau em busca de algumas moedas. O grande número de imigrantes, segundo ele, é o maior problema causado pelos conflitos na Síria e no Iraque, onde o Estado Islâmico tenta conquistar territórios. Apesar da proximidade dos combates, a espo-

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sa dele, a aeromoça turca Dilara Doser, 28, não teme ações de grupos extremistas na Turquia. “Existe uma tensão e conflito armado na zona de fronteira, mas, no dia a dia, o que é mais notável são os refugiados, um número que cresce visivelmente em Istambul.” O professor do Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade Sehir, de Istambul, Huseyin Alptekin aponta que a Turquia já teve alguns grupos extremistas no passado, como o Hezbollah turco, mas não vê possibilidade de o fundamentalismo terrorista crescer no país. “O terrorismo religioso sofre


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resistências e não tem apoio da população”, afirma. A guerra na Síria preocupa a sociedade turca, diz ele, mas o governo consegue manter o país isolado do conflito em toda a sua fronteira mais longa. “O islã praticado na Turquia, desde o Império Otomano, sempre foi conhecido como um Islã moderado e tolerante”, explica. Alptekin aponta que 80% da população turca se identifica como religiosa, enquanto 20% declaram-se envolvidos com a prática religiosa regular, isto é, uso do véu pelas mulheres e orações diárias. Desde a fundação da Turquia, em 1923, os sucessivos governos tem procurado separar a religião do Estado. Chegou-se a proibir o uso do véu nas escolas e repartições públicas, medida revogada pelo atual presidente Recep Tayyip Erdogan, um político mais próximo do islamismo, que também impôs restrições à venda de bebidas alcólicas no período da noite e incentivou o ensino da religião islâmica em escolas públicas. “Medidas como essas tem incomodado

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seguimentos mais liberais e progressistas da sociedade, que criticam o atual governo, considerado conservador”, observa Alptekin. Os liberais e progressistas seculares também reagiram com preocupacão as declarações de Erdogan e de líderes partidários conservadores sobre a inferioridade da mulher na sociedade e manifestações contra o sexo fora do casamento. A socióloga brasleira Eloise Elemen, formada pela Universidade Federal do Paraná, morou por quatro anos na capital Ancara e não vê risco de islamização na Turquia. Eloise observa que há uma tendência do governo atual de colocar a religião lado a lado com a política, porém, formalmente esse processo não tem sido implantando. Na análise da socióloga, o maior problema do governo Erdogan não é a simpatia pelas tradições islâmicas, mas o autoritarismo com que lida com divergências políticas. “Ao invés de engajar-se cada vez mais na democracia e nos direitos humanos, como havia prometido, ele está se voltando cada vez


mais para uma versão autoritária de governo”. Ameaçado por uma tentativa de golpe militar em julho de 2016, Erdogan decretou estado de emergência no país, calou a oposição e a imprensa, afastou juízes e funcionarios públicos de suas funções e prendeu milhares de soldados e opositores. O professor Alptekin observa que a Turquia é considerada um modelo democrático no Oriente Médio, com eleições multipartidárias livres e um governo eleito pelo povo. No entanto, faz ressalvas sobre a qualidade dessa democracia, “que sofre de precária liberdade de imprensa e desproporção no uso de forças policiais em manifestações públicas”. O professor acredita que a Turquia tem um grande potencial para ajudar na democratizacao da região por meio de redes culturais, econômicas e diplomáticas. “A Turquia terá uma melhor chance de difundir a democracia utilizando o seu poder brando”, afirma. Ele cita as novelas turcas, vistas em todo Oriente Médio, como um veículo para a difusão de um estilo

de vida diferente ao habitual em outros países, em particular no que diz respeito ao papel das mulheres na sociedade. Em 1987, a Turquia tentou entrar na União Europeia e foi reconhecida como candidata oficial em 1999. Apesar de ter realizado os ajustes econômicos exigidos pela UE e adequado sua legislação, a entrada de um país muçulmano no bloco cristão europeu enfrenta grande resistência. As fronteiras da Europa chegariam ate países árabes em conflito com fronteiras porosas por onde poderiam ingressar militantes extremistas. A relutância dos europeus aumentou diante das denúncias de abuso aos direitos humanos cometidos no país desde a tentativa de golpe militar e do pedido de Erdogan para que o Congresso aprove o retono na pena de morte. Decepcionada com a rejeição europeia, a Turquia, que sempre se identificou com o modelo de sociedade secular e democrática do Ocidente, busca agora uma posição de liderança no Oriente Médio.

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Solidários, canadenses repudiam preconceito ao Islã e acolhem sírios Cidadãos comuns apadrinham famílias de refugiados por meio de um programa de patrocínio particular. O país já recebeu mais de 35 mil sírios atingidos pela guerra

Por Marina Paulista e Ana Renata Ortega

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uando Muaz Ballani, sua esposa Sawsan e o pequeno Aboudi desembarcaram no Canadá em fevereiro deste ano, a família síria não conhecia ninguém no país. Desde 2012, os Ballani viviam na Jordânia, numa casa de três cômodos que dividiam com a mãe de Muaz, seus irmãos, cunhadas e sobrinhos. Na Jordânia, refugiados sírios são impedidos de trabalhar e recebem pouquíssimo dinheiro, uma quantia que mal cobre as necessidades básicas. Mas, se a chegada em solo estrangeiro trazia a promessa de condições melhores de vida, ela levantava também uma série de novas dificuldades: os

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recém-chegados sabiam apenas algumas palavras em inglês, não estavam familiarizados com a cultura ocidental e ainda temiam pelos familiares que ficaram para trás; alguns continuaram na Jordânia, outros nem conseguiram deixar a Síria. Um dos irmãos de Muaz foi baleado fatalmente no pescoço enquanto socorria vítimas de um bombardeio. “Não sabemos se meu irmão foi morto pelo Estado Islâmico ou outras pessoas. É impossível distinguir, só sabemos que eles matam qualquer um”, diz a irmã, Ramia Ballani. No aeroporto de Toronto, a família Ballani era aguardada por um grupo de


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canadenses ansiosos que, há meses, levantava fundos para ajudar os refugiados a se estabelecerem no país. São patrocinadores: grupos de pessoas comuns – colegas, vizinhos, membros da comunidade – que assumem a responsabilidade sobre uma família síria por um ano, não só oferecendo assistência financeira, mas também guiando os “novos canadenses” no início de suas novas vidas. Em agosto, seis meses depois da chegada, Muaz e Sawsan voltaram ao aeroporto, dessa vez para receber a família do irmão de Muaz, Mohamed Ballani, com quem compartilhavam a casa na Jordânia. “Por uma grande coincidência, nós conseguimos trazer dois irmãos para o mesmo lugar com patrocinadores diferentes; é uma situação muito incomum”, conta Chris McElcheran, 55, criador do grupo responsável pela família de Mohamed. Coincidentemente, ele já conhecia os patrocinadores de Muaz, já que os dois grupos pertencem a comunidades próximas, na mesma cidade. Os Ballani estão entre os mais de 35 mil refugiados sírios aceitos pelo governo canadense desde novembro de 2015.

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Desse número, aproximadamente 13 mil são “adotados” por grupos particulares de patrocínio, como o Allenby Community Welcomes Refugees (A Comunidade de Allenby dá boas-vindas aos refugiados), organizado por McElcheran. Para ser um patrocinador, é preciso entrar em contato com um órgão autorizado pelo governo (Sponsorship Agreement Holder, ou SAH) e se inscrever. O órgão, que frequentemente é uma igreja ou um centro comunitário, é o intermediário entre patrocinado e patrocinador: realiza a seleção de famílias para cada grupo, administra o dinheiro levantado pela comunidade e firma o compromisso de que, por um ano inteiro, os refugiados ficarão sob a tutela de seus patrocinadores canadenses. A igreja que atuou como SAH para a comunidade de Allenby, chamada Rosedale United Church, registra outros dezessete grupos com a mesma finalidade. Apesar de nunca ter participado antes de uma iniciativa desse tipo, McElcheran conta que mobilizar as pessoas foi relativamente fácil. “Comecei a conversar com membros da comunidade, eles foram receptivos e aí a coisa decolou e


começamos a arrecadar dinheiro. É uma daquelas coisas… você vê as notícias e simplesmente começa a fazer alguma coisa”, explica. O grupo, que inicialmente contava apenas com os moradores do bairro de Allenby, expandiu-se rapidamente, trazendo pessoas de comunidades próximas, amigos de amigos e assim por diante. Recebendo doações e organizando eventos para arrecadar fundos, o grupo conseguiu atingir a meta de 45 mil dólares canadenses para ajudar a família de Mohamed. O trabalho dos patrocinadores varia de acordo com as necessidades de cada família. A primeira coisa a fazer é encontrar uma casa ou um apartamento num valor razoável. Em situações extremas, alguns canadenses abrigam os refugiados em suas próprias casas, embora isso não seja o ideal. “A ideia não é só cuidar dessas pessoas, é conduzir os recém-chegados à autossuficiência ao longo de um ano. Quando esse tempo termina, eles precisam saber cuidar deles mesmos”, explica McElcheran. Além da moradia, os patrocinadores oferecem vários outros tipos de assistência: marcam con-

sultas médicas, auxiliam na emissão de documentos, encontram professores de inglês – ou ensinam por conta própria –, doam utensílios domésticos, matriculam as crianças em escolas e ajudam os adultos na busca por empregos. Para Alexa Gilmour, 42, o trabalho de ajudar quem busca asilo no Canadá começou muito antes dos conflitos na Síria. Ministra da United Church of Canada, uma igreja que também atua como SAH, ela auxilia refugiados de todos os tipos, desde homossexuais e transgêneros que sofrem perseguição em seus países de origem até pessoas que fogem de zonas de guerra e perseguição. A igreja chegou a abrigar uma família cigana que deixou a Hungria por serem perseguidos e constantemente ameaçados; para proteger a família de uma possível deportação, Alexa cedeu seu escritório dentro da igreja para Jozsef Pusuma, sua esposa Timea Daroczi e Viktoria, filha do casal, que moraram lá por um ano e meio. A família eventualmente foi forçada a voltar para a Hungria, mas conseguiu, em fevereiro, autorização para retornar ao Canadá e permanecer no país.

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“Depois que a família que viveu conosco foi embora, eu senti que nossa comunidade precisava de tempo para se recuperar. Então quando a crise da Síria ganhou atenção mundial, decidi que precisávamos fazer algo, mas não pensei que a igreja estivesse pronta para recomeçar nosso trabalho. Em minha pregação, falei sobre essa situação terrível e, no mesmo dia, cinco pessoas me perguntaram: ‘por que a nossa igreja não faz alguma coisa?’. Eles estavam mais do que prontos”, conta Alexa. Desde então, ela e seu time se tornaram responsáveis por três famílias sírias. Segundo ela, os voluntários não são apenas os frequentadores da igreja. “ Temos cristãos, muçulmanos, ateus e também pessoas que não desejam compartilhar suas crenças. Nós não nos importamos, todos são bem-vindos para ajudar quem precisa”. Embora os grupos de patrocínio particular atendam um número grande de pessoas, mais da metade dos refugiados que chegam ao Canadá não encontram esse amparo. Organizações como a Islamic Relief Canada, entretanto, tentam oferecer um auxílio similar ao dos patrocinadores.

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“Nós temos dois bancos de alimento que atendem os sírios e temos uma espécie de rede de assistência, para que possamos ajudá-los a encontrar um emprego, um lugar para morar, coisas domésticas como cortinas, colchões, cobertores e outras necessidades”, explica Reyhana Patel, 29, chefe da assessoria de imprensa da ONG. Reyhana, que nasceu em Barbados e foi criada na Inglaterra, acredita que a fama de generosidade e acolhimento que canadenses carregam é per feitamente justificada. “É a primeira vez que eu vejo uma comunidade que não só é composta por diferentes bases étnicas e religiosas, mas que realmente se importa com as causas. As pessoas realmente querem ajudar”, conta. Esse parece ser o consenso entre todos os entrevistados. Chris McElcheran descreve a iniciativa do patrocínio como algo “distintamente canadense”. Segundo ele, diferentemente dos Estados Unidos, o Canadá tem um histórico de preservação e respeito à cultura dos imigrantes que formam a população, o que contribui para a diversidade étnica e cultural do país. “É claro


que existem pessoas ruins aqui, também lidamos com preconceito, racismo e xenofobia. Mas, felizmente, eles não são maioria”. Para Alexa Gilmour, essas qualidades refletem os valores canadenses, mas é preciso ficar atento e lutar contra o pre conceito. “Nós somos um país imenso, com uma variedade enorme de valores e origens. Não somos imunes à retórica que divide tanto o povo dos Estados Unidos”. Desde a eleição de Trump, o Canadá também enfrentou uma onda de crimes de ódio, assim como os Estados Unidos, ainda que em menor intensidade. Alexa conta que vários cartazes de supremacia branca começaram a aparecer na cidade de Toronto e em Ottawa, uma mulher judia encontrou uma enorme pichação de uma suástica em sua por ta. “Devemos nos manter vigilantes a respeito de nossos valores canadenses e a ideia de que somos me lhores quando formamos um grupo diverso de pessoas, compar tilhamos nossos dons e reconhecemos todos como iguais”, completa. Os canadenses não parecem deixar

o temor de possíveis ataques terroristas – uma das bases da campanha d e D o n a l d Tr u m p – i m p e d i r q u e a ajuda seja oferecida a quem precisa. Pa r a S a m N a m m o u r a , u m v o l u n t á r i o de origem síria que se dedica a ajudar os refugiados, é preciso aceitar que ameaças de terrorismo existem, mas não fechar as por tas. “Não podemos ser ingênuos, não podemos ignorar o q u e t e m a c o n t e c i d o n o m u n d o. S e você é canadense, você sempre vai c o l o c a r o C a n a d á p r i m e i r o, s u a s e g u r a n ç a e m p r i m e i r o l u g a r. É p o r i s s o que focamos principalmente em fam í l i a s , m ã e s , p a i s e c r i a n ç a s ”. S e g u n do McElcheran, outro fator importante é o histórico do país: o Canadá nunca foi palco de um grande ataque terrorista e não compar tilha a paranoia que tomou os Estados Unidos após os atentados de 11 de setemb r o. Atualmente, o governo do Canadá tem mais de 20 mil pedidos de refúgio sendo processados e cerca de 4 mil sírios já aceitos, mas que ainda aguardam o momento da viagem.

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Jornal sírio resiste a ataques e perseguições para denunciar as brutalidades de Assad O semanário Enab Baladi, hoje impresso na Turquia, conta com uma rede de repórteres clandestinos em várias regiões sírias. Três jornalistas já foram mortos pelas forças do governo e alguns estão desaparecidos. Os exemplares são distribuídos no norte do país e em campos de refugiados

Por: Amanda Amorim, André Burger, Catherine Barros, Fernanda Ambrosano, Isabella Zamberlan e Roberta Tinti

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exército do ditador sírio Bashar al-Assad, acompanhado pela milícia pró-governo conhecida como Shabiha, transformou-se num impiedoso esquadrão da morte. Durante dois dias, em agosto de 2012, na cidade de Daraya, nos arredores de Damasco, a população viveu o horror de passar por um massacre. Ruas e becos foram manchados por sangue.

Casas invadidas e seus donos assassinados. Ao menos 300 pessoas foram violentamente mortas por essa tropa do terror. Os fantasmas de Assad, como a milícia é conhecida, são responsáveis pela repressão truculenta e brutal a civis. De saques a propriedades a chacinas em áreas urbanas, a Shabiha é a mão visível e violenta que faz o trabalho sujo para o governo. Em Daraya, famílias inteiras

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foram massacradas em represália pelos protestos do ano anterior contra o regime. Entre as centenas de prédios atingidos pelo bombardeio em Daraya estava o escritório do jornal Enab Baladi. Talvez por sorte, pouco antes das forças de Assad chegarem, os jornalistas fugiram do local, mas não conseguiram escapar das atrocidades da guerra. “Perdemos três membros da equipe devido aos bombardeios, vários outros foram presos pelas forças de Assad e não sabemos seu paradeiro”, conta Amer Mahdi, diretor do jornal, em entrevista por e-mail. No início dos levantes populares conhecidos como Primavera Árabe, em 2011, a periferia de Damasco fervilhava com os ideais contrários a Assad, criando o cenário perfeito para o nascimento do jornal Enab Baladi. Cidadãos e ativistas insatisfeitos com a repressão e falta de divulgação dos abusos a que estavam submetidos decidiram criar um veículo de comunicação que unisse todos os interessados na batalha. Foi preciso perseverar na luta contra todos os obstáculos encontrados para noticiar a verdade e informar aos moradores,

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principais envolvidos, e ao mundo qual era a dimensão do problema que se instalava na Síria. O jornal tem como missão divulgar informações que, em sua maioria, são protegidas pelo governo, – e promover a educação dos moradores das regiões afetadas, possibilitando um espaço democrático, que dê voz àqueles que mais sofrem com a guerra e que, muitas vezes, não são ouvidos. A publicação semanal conta com um exemplar impresso e um digital. A cada domingo, dia da entrega dos exemplares, 7 mil cópias são distribuídas para a parte norte da Síria, que não é totalmente controlada pelas forças de Assad, e para os refugiados na Turquia. Toda a movimentação da entrega é feita à noite, quando a vigilância perde um pouco do seu rigor e é possível alcançar a população sem correr o risco de forte represália. Sufocados pela grande censura imposta pelo governo, seja pelo bloqueio de domínios na internet ou pela propagação do medo, qualquer ação minimamente contrária pode levá-los a uma das prisões de Assad. Uma das


mais conhecidas é a prisão militar de Saydnaya, a 25 quilômetros ao norte de Damasco. As únicas informações disponíveis sobre a estrutura e sobre o que se passa dentro dos muros vêm de simulações feitas pela Anistia Internacional, através de imagens feitas via satélite e de experiências contadas por ex-detentos a grupos de defesa dos direitos humanos e à mídia internacional. Em um espaço de aproximadamente 2,35m por 1,65m, cerca de 15 pessoas dividem uma cela com capacidade para apenas uma. Frio, abstinência de comida e água, estupros, sessões de eletrochoque, suspensão pelos punhos durante horas, além da famosa “festa de boas-vindas”, em que o preso é espancado por todos os guardas quando chega no presídio, são algumas das formas de tortura praticadas pelo exército. Quem sobrevive a esses processos ainda é obrigado muitas vezes a passar dias ao lado de corpos já sem vida, contribuindo para a disseminação de doenças entre os detentos. Segundo a Anistia Internacional, entre 2011 e 2105, mais de 18 mil pessoas foram mortas sob custódia de Assad.

O jornalista Mahdi, inclusive, viveu na pele esse pesadelo. Preso até o início de 2012, foi libertado e fugiu ilegalmente para a Jordânia para que continuasse vivo. De lá, ficou sabendo da criação do Enab Baladi e viu na publicação uma maneira de ajudar seus compatriotas. “Eu vejo o jornal como a cara da Síria no futuro, uma Síria para todos os sírios, vivendo em paz e com prosperidade, apesar da guerra”, salienta. Para alcançar esse objetivo, entretanto, foi preciso superar várias adversidades, como a mudança da sede para a Turquia em 2013 após os conflitos do ano anterior. Quatro anos após o massacre, Daraya está nas mãos de tropas do governo. Rebeldes e civis contrários a Assad foram realocados em outras regiões. Neste verão, Daraya passou a não mais existir em essência, seus destroços são agora moradia para o “povo de Assad”. Não só o jornal mudou fisicamente de lugar, mas seus domínios na internet também, como uma tentativa de fugir da repressão do governo. A boa relação do Enab Baladi com outros jornais permitiu parcerias e um maior acesso ao povo sírio que permaneceu na região.

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Para isso, o grupo arquivou as edições produzidas no Syrian Prints Archive, uma plataforma que reúne exemplares de vários jornais sírios que surgiram em 2011, até mesmo dos que já foram extintos, com o intuito de preservar a história e a memória desse período e alcançar mais pessoas pela internet. O arquivo dispõe de mais de 240 edições do Enab Baladi – desde o dia 29 de janeiro de 2012 até a mais recente de 20 de novembro de 2016 –, as quais possuem, ao todo, quase 39 mil visualizações. O jornal não mede esforços para chegar a

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essa população e ampliar a sua voz. Os corajosos ativistas enfrentam bombas e massacres, munindo-se única e exclusivamente de um tipo de arma: as palavras. O grupo, muitas vezes, pensou em desistir. “Achamos que o fardo era pesado demais, mas as pessoas nos deram a esperança de que um dia voltaremos para casa para reconstruir nosso país”, diz Mahdi. O Enab Baladi cresce a cada dia nas redes sociais. O site do jornal conta com mais de 765 mil visualizações mensais e 787 mil fãs no Facebook.


Duelo de Titãs: Arábia Saudita e Irã disputam influência no Oriente Médio Fortes exportadores de petróleo e líderes de vertentes opostas no Islã, os dois países buscam firmar posição em meio as mudanças no cenário político regional. Por Beatriz Oliveira, Mariana Araujo e Paola Duarte

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ais uma vez, este ano, a Arábia Saudita proibiu a entrada de iranianos na peregrinação anual à Meca. Teerã reagiu. O líder supremo iraniano aiatolá Ali Khamenei acusou a família real saudita de ser infiel. A disputa parece religiosa: xiitas iranianos versus sunitas sauditas. Cada um dos lados reivindica ser o verdadeiro representante de Maomé no mundo muçulmano. Mas, em meio às escaramuças entre dois países que lideram as duas grandes vertentes do Islã, há, na verdade, segundo os analistas, uma crescente disputa por poder e influência no Oriente Médio. Os conflitos entre as duas potências do petróleo intensificaram-se após a revolução

iraniana de 1979, quando os aiatolás xiitas assumiram o poder no Irã e estabeleceram uma republica teocrática. Segundo Banafsheh Keynoush, autora do livro “Saudi Arabia and Iran: Friends or Foes” (Arábia Saudita e Irã: amigos ou inimigos?), os vizinhos sauditas ficaram alarmados com a possibilidade de os clérigos iranianos exportarem sua revolução para outros países com grande população xiita, como Iraque e Bahrein. “A tensão e a desconfiança desenvolveram-se originalmente quando o xá do Irã procurou fazer do país uma superpotência regional ‘policial’ do Golfo, na década de 1970, e após a captura iraniana de duas ilhas pertencentes aos Emirados Árabes Unidos. Isso preocupava os

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sauditas, mas eles ficaram especialmente alarmados depois da revolução iraniana, quando alguns grupos e líderes islâmicos mais radicais apelaram à exportação da revolução islâmica - como eles a chamavam - para outros países da região”, explicou Banafsheh em entrevista a Olhares do Mundo. “Os sauditas temiam a mobilização de sua própria população xiita, cerca de 10%, e da maioria da população xiita do vizinho Bahrein, mas também ficaram preocupados quando militantes islâmicos, sunitas desta vez, ocuparam Meca em 1979, pouco depois da revolução iraniana. Como resultado, a Arábia Saudita apoiou o Iraque em sua guerra contra o Irã (1980-88), e em troca ganhou a hostilidade iraniana.” A disputa religiosa entre os dois países se dá porque cada um crê em uma vertente do Islã. A diferença começou ano de 632. A morte do profeta Maomé abriu espaço para uma disputa sobre quem poderia ocupar a posição de principal líder político e religioso do Islã. Seu genro, Ali, reivindicava a sucessão por ser casado com Fátima, a única filha viva de Maomé na época, porém, a maioria dos muçulmanos não aceitou a reivindicação, escolhendo Abu Bakr, amigo do profeta. Quem apoia Ali, segue a ver-

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tente xiita, enquanto os simpatizantes de Abu seguem a sunita. “Religião é o fator-chave da relação saudita e iraniana, mas não é o principal motivador das disputas”, explicou Banafsheh. Segundo ela, a maior dificuldade das potências do Oriente Médio é preservar a segurança em um território volátil. Há também fortes divergências na área econômica. “Especialmente as políticas diametralmente opostas sobre os preços do petróleo: por várias razões, a Arábia Saudita prefere aumentar a produção e manter os preços relativamente baixos, mas o Irã, com sua população muito maior e uma base industrial mais desenvolvida, precisava de preços mais altos”, explica. Os anos 1980 foram conturbados e decisivos para a disputa entre Arábia Saudita e Irã. Durante a Guerra Irã-Iraque, a Arábia Saudita apoiou Saddam Hussein com o intuito de destruir o novo regime iraniano. O Irã respondeu com uma série de ataques aos navios sauditas. Em 1987, os iranianos apoiaram um grupo radical, o Hezbollah al-Hejaz, que tinha a intenção de realizar operações militares dentro da Arábia Saudita. Os militantes do al-Hejaz cometeram inúmeros ataques e fizeram várias ameaças à fa-


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mília real saudita, provocando ainda mais tensão. No mesmo ano, durante a peregrinação anual do Hajj, as forças de segurança saudita entraram em conflito com peregrinos iranianos, ocasionando mortes nas ruas de Meca. O incidente levou ao rompimento de relações entre os dois países. “Apesar do reatamento em 1991, as relações entre iranianos e sauditas são pontuadas por uma crescente hostilidade que oscila, mas não desvanece”, diz o pesquisador José Tufy Cairus, Ph.D. em História pela York University, de Toronto, e professor da Universidade do Estado de Santa Catarina. Cairus observa que, atualmente, o conflito ultrapassa os territórios sauditas e iranianos, com os dois países disputando influência em países vizinhos, como Líbano, Bahrein, Iêmen, Iraque e Síria. Na última década, o conflito entre o Irã e a Arábia Saudita vem se intensificando, com mortes, atentados e até mesmo proibições religiosas. Em janeiro de 2016, a Arábia Saudita executou o clérigo xiita Nimr Baqir al Nimr, uma importante figura do movimento de contestação contra o regime saudita que expunha o sentimento da minoria xiita, e outras 47 pessoas, sob a acusação de terrorismo. O Irã anunciou que o líder da Arábia Saudita iria pagar

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um preço alto pela morte do xeque. “A intensificação da rivalidade é, em grande parte, uma resposta aos acontecimentos da última década no território”, explicou o especialista americano Yezid Sayigh, analista sênior do centro internacional de pesquisas Carnegie Middle East Center, com sede em Beirute. Esses acontecimentos, segundo ele, são a invasão do Iraque pelos EUA, o declínio do papel de Washington no resto da região, os acordos do EUA com o Irã, a queda dos regimes em outros países árabes aliados da Arábia Saudita (Egito, Tunísia e Iêmen). Todos esses fatos alteraram o equilíbrio político na região, fortalecendo o Irã. Cairus acrescenta que o confronto se acirrou principalmente devido aos conflitos no Iraque, Iêmen e Síria. “O Irã passou a atuar decisivamente naqueles países, apoiando os xiitas em oposição aos sunitas, apoiados pelos sauditas”. O pesquisador diz que a situação ficou mais grave com o surgimento de grupos radicais sunitas. Um exemplo são as ideias do wahabismo, religião oficial da Arábia Saudita e alicerce do Estado Islâmico. “Estes grupos, nascidos da frustração coletiva, intervenções estrangeiras e décadas de propaganda radical promovem o atual caos geopolítico e criam novas frentes para o conflito já existente”, concluiu.


Disputa no Iêmen “Os sauditas criaram as condições para a catástrofe humanitária no Iêmen”, observou o russo Kristian Coates Ulrichsen, pesquisador da Rice University, no Texas. Segundo ele, a Arábia Saudita tem, nos últimos dois anos, reagido muito mais fortemente à ameaça iraniana e respondeu de forma exagerada aos acontecimentos que se desenvolveram no Iêmen no fim de 2014 e no começo do ano seguinte. Em 2015, acirraram-se as batalhas pelo território do Iêmen. Forças Houthis, da vertente xiita, tomaram o poder do governo sunita, que acabou fugindo. A partir daí, iniciou-se uma guerra civil que perdura até hoje. “O Iêmen é uma manifestação muito mais fraca de como a Arábia Saudita e Irã são hoje, em relação ao passado na

gestão de conflitos regionais”, disse a escritora Banafsheh Keynoush. O papel dos dois países se resume em apoios. Enquanto a população xiita é apoiada pelos líderes iranianos, a sunita tem o suporte da Arábia Saudita e de seus aliados, como Estados Unidos e Grã-Bretanha. Banafsheh salienta que, nas décadas de 1960 e 1970, a Arábia Saudita e o Irã foram capazes de negociar uma solução para os problemas iemenitas. “Eles de fato trabalharam em conjunto para apoiar os xiitas Houthis em algum ponto. Isso vai mostrar que, (a) quando eles foram fortes o suficiente para confiar um no outro, eles colocaram as diferenças ideológicas de lado, e que (b) a divisão xiita-sunita não foi um problema de relacionamento no passado”.

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Iêmen enfrenta o caos em meio a combates entre sunitas, xiitas e terroristas islâmicos Iniciada em 2012, a guerra entre forças políticas e religiosas rivais é alimentada por interesses regionais da Arábia Saudita e do Irã. Bombardeios frequentes assolam a população civil enquanto terroristas da Al-Qaeda e do Estado Islâmico aproveitam o vácuo de poder para ocupar territórios.

Por Laura Cruz, Mateus Lopes e Nathalie Moreira

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onsiderado um dos países mais pobres do Oriente Médio, com 65% da população analfabeta, o Iêmen enfrenta uma nova e sangrenta guerra civil fomentada por interesses estrangeiros. Ataques aéreos frequentes de forças sauditas aliadas do governo em regiões controladas pelo grupo rebelde houthi atingem civis e destroem a já combalida infraestrutura local. Desde o ano passado, 79 hospitais da ONG Médico Sem Fronteiras foram alvos de bombardeios e, em agosto, a organiza-

ção teve de retirar suas equipes do norte do país por falta de segurança. Estima-se que cerca de 7 mil pessoas tenham morrido desde que os combates começaram em 2012. O conflito no Iêmen se insere em uma disputa por influência local e regional com carácter religioso envolvendo os vizinhos Arábia Saudita e Irã. Os sauditas, da vertente sunita do Islã, apoiam militarmente o atual presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi. Por outro lado, os houthis, recebem apoio do Irã, de maioria xiita, e do ex-ditador Ali Abdullah 59


Saleh. Desde a queda do ditador Saleh em 2011, que permaneceu 32 anos no poder e comandou a unificação do país em 1990, diversos grupos étnicos procuram maior representatividade na política, provocando atritos com o governo. Os houthis, que pertencem a vertente xiita, são um dos maiores grupos na região atualmente e se concentram nos territórios ao norte do Iêmen. Eles participaram ativamente dos protestos contra Saleh, forçando a renúncia do ditador. “Eles não são um grupo de minorias, mas uma organização política,” enfatizou o geógrafo e professor Charles Schmitz, da Universidade Towson, nos EUA, em entrevista a “Olhares do Mundo”. Segundo o professor, embora as forças em disputa tenham divergências religiosas, a guerra iemenita é política. “A real questão é quem

fluência sobre o pais vizinho por temer uma possível futura aliança do houthis com o Irã. “O principal motivo de os sauditas estarem envolvidos na guerra é o medo da influência iraniana,” explicou o professor Schmitz, “porém o Irã não tem muita influência no Iêmen.” As revoltas foram um reflexo da chamada Primavera Árabe que teve seu início com uma revolução democrática na Tunísia em 2010. O ditador foi substituído pelo seu vice, Hadi, que assume interinamente a presidência e vence as eleições de 2012. Hadi pertence a vertente sunita (64% da população e sunita e 35% xiita) e afasta os houthis do cenário político. O fato gerou a revolta desse grupo, que passou a atuar de forma militar e conseguiu tomar a capital Saná em julho de 2015, obrigando Hadi a fugir para a Arábia Saudita. No entanto, o presidente se recusa a deixar o

estabelecerá a agenda no Iêmen e qual será poder e comanda as tropas governamentais a relação desse governo com o governo sau- na cidade de Áden ao sul do país. dita”. A Arábia Saudita quer garantir sua in-

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“O ex-ditador Ali Abdallah Saleh e a liderança houthi querem grande participação no futuro político do Iêmen, e o governo saudita quer limitar o poder deles através do governo de Al-Hadi,” explica Schmitz. “Nenhum dos lados tem a habilidade de governar sozinho, e a população iemenita sofre neste meio tempo”. A Arábia Saudita também tem apoio de outros países árabes no conflito, como o Egito e a Jordânia, além de ser aliada dos Estados Unidos. O apoio americano é fundamental para os sauditas, porque os EUA promovem frequentes bombardeios na região em áreas ocupadas pelo Estado Islâmico e pela da Al Qaeda, utilizando drones. Além disso, o governo americano possui embarcações militares na costa do pais, como no estreito de Bab al-Mandab, que possuí uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo. Enquanto as forças politicas combatem entre si, grupos terroristas avançam no país. Segundo dados da Agência Central de Inteli-

gência (CIA), o Estado Islâmico e a Al-Qaeda, organizações rivais que se enfrentam abertamente na Síria, estão colaborando mutualmente contra seus inimigos comuns, os houthis xiitas e as forças governamentais. Atualmente, a subdivisão da Al-Qaeda chamada Ansar al-Sharia, uma das mais violentas do grupo, ocupa território ao leste no Iêmen. Segundo o historiador israelense e professor da Universidade de Oxford, Ilan Pappé, qualquer ação diplomática visando enfraquecer a influência da Arábia Saudita, Irã e Estados Unidos na política iemenita criariam condições para um novo diálogo no país. “Apenas um processo que irá remover a intervenção externa pode levar a reconciliação,” reafirma o teórico. Já para Schmitz, a resolução para essa guerra é um governo nacional que inclua ambos os lados do conflito, porém ele não acredita que isso seja possível no momento, já que as forças sunitas e xiitas estão muito distantes de entrar em acordo.

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Sauditas financiam expansão do wahabismo no mundo e incentivam extremismo religioso Para especialistas ouvidos por “Olhares do Mundo”, os esforços sauditas para divulgar a vertente mais radical do Islã contribuem para o crescente ódio contra o Ocidente.

Por: Fernanda Ramos, João Pedro Xavier e Renata Estimo

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opularmente considerado a mãe de todos os movimentos fundamentalistas, o wahabismo conta com um forte financiamento de dirigentes sauditas para se espalhar pelo mundo. A expansão dessa vertente radical do Islamismo têm causado uma grande preocupação em alguns países como a França, que recentemente iniciou ações internas de combate ao extremismo religioso. Além de estudar a proibição do financiamento estrangeiro de mesquitas por um período de dez anos, a França fechou, desde dezembro de

2015, vinte mesquitas e salas de oração tidas como radicais em seu território. O financiamento saudita no wahabismo vêm acontecendo desde os anos 1970, quando foram construídas mais de 1500 mesquitas em regiões não-islâmicas. Atualmente o governo saudita presta assistência financeira, paga por ímãs, constrói mesquitas em todo o mundo e distribui traduções do Alcorão. Também presta suporte à várias organizações como a Liga Muçulmana Mundial, que divulga publicações e apoia programas em todo o mundo.

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A professora da Universidade de Boston, Natana DeLong-Bas, editora-chefe da Enciclopédia Oxford do Islã e Mulheres e presidente do Conselho Americano para o Estudo das Sociedades Islâmicas, observa que promover o Islamismo é considerado um dever dos muçulmanos, e a princípio, parte daí a motivação dos investimentos sauditas. “Esta é uma questão de política pública e é considerado o cumprimento da obrigação de participar no da’wa (nome dado ao trabalho de divulgação do Islã no mundo, que é uma obrigação de todo muçulmano) ou de ser missionário, e há um Ministério dedicado a isto”, explica Natana. Já para alguns especialistas, apesar de os sauditas afirmarem que estão apenas fazendo seu dever islâmico, o financiamento no wahabismo é uma maneira de maximizar a sua influência na política externa, especialmente desde que o Irã xiita afirmou que iria “exportar a sua revolução”. “Os sauditas proclamam a liderança da comunidade mundial de muçulmanos, porque eles são ‘servos dos Dois Lugares Santos (Meca e Medina)’. Isto é contestado por muitos, especialmente pelo Irã, e agora até mesmo por

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sunitas radicais, como a Al-Qaeda e o Estado islâmico. A ‘exportação da revolução Wahhabi’, por assim dizer, é uma maneira de combater as críticas de que a família real saudita e regime não são islâmicos suficiente”, opina James Piscatori, professor especialista nas relações internacionais do Islã e autor do livro “Islam in a World of Nation-States” (Islã no Mundo de Estados-Nações).


Por conta do apelo mundial que o wahabismo possui, impulsionado em grande parte por financiamentos rotineiros em escolas islâmicas, distribuição de livros didáticos religiosos e oferecimento de bolsas de estudos atraentes para universidades sauditas, como Umm al-Qura (em Meca) e Imam Muhammad ibn Saud University (em Riade), esse segmento do Islamismo está sendo exportado e incorporado para outros países do Oriente Médio e da África. Essa vertente religiosa já é presente em países como a Nigéria, Mauritânia, Mali, Somália, Quénia, Chade, Níger e República Centro-Africano. Natana DeLong-Bas observa que o wahabismo não prega a violência, mas pode incentivá-la por meio de comentários publicados em cópias do Alcorão . “A impressão e distribuição de cópias do Alcorão não parece ser diferente da impressão e distribuição de exemplares da Bíblia, o que tem atraído preocupação são os comentários que acompanham, que destinam-se a explicar como interpretá-lo. Este é o lugar onde vemos a influência do wahabismo em nível global. O que é preocupante sobre os comentários é que eles invocam o ódio a não-muçulmanos. Embora não possam ser considerados por si só

uma chamada à violência, pode haver algumas pessoas que sintam a necessidade de colocar o seu ódio em ação.” Como resultado dos vastos investimentos em difusão, o wahabismo vai crescendo e influenciando grandes grupos fundamentalistas islâmicos como o Estado Islâmico, nascido no Iraque, e o nigeriano Boko Haram. Para James Piscari, o crescimento de grupos fundamentalistas no continente africano se deve à soma da expansão do movimento wahabista e da insatisfação com a política local. “O surgimento de grupos fundamentalistas na África tem como causa, em grande medida, a disseminação de ideais religiosos radicais. Mas deve-se notar que as razões para o crescimento de grupos como o Boko Haram são complexos: sim, influência wahhabi, mas também queixas locais e uma sensação de que as elites políticas não estão respondendo às demandas sociais.” Natana considera, no entanto, que o Estado Islâmico e o Boko Haram, que se auto-intitulam wahabistas, seguem uma visão própria. “A ‘Ideologia’ do Boko Haram, se é que podemos chamar assim, alega ter sido inicialmente

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inspirada pelo wahabismo, mas, em seguida, mudou-se para tornar-se mais que um movimento Salafi-Jihad, enfatizando a Sunna (os exemplos do Profeta) de uma maneira muito literal e a jihad militante (guerra santa). Eles são particularmente notórios por sua oposição vigorosa e destrutiva à educação, particularmente à educação das mulheres. Alegar que é uma influência ‘Wahhabi’ não faz sentido dada a forte ênfase na educação no século 18, considerando escritos fundamentais do wahabismo e que estão documentados na literatura histórica e a ênfase do movimento Wahhabi quanto à recolha de livros e manuscritos”, explica a especialista. Outra consequência da ação saudita está na construção de mesquitas pelo mundo, cuja arquitetura mantém o estilo saudita e não reflete os costumes e a cultura locais. “Os sauditas também financiaram a reconstrução de mesquitas danificadas em conflitos, mas substituem essas estruturas por mesquitas sauditas, em vez de restaurá-las em seu estado original. Isso se tornou uma questão importante na Bósnia, por exemplo, uma vez que algumas das mesquitas danificadas foram declaradas

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patrimônio mundial da UNESCO. Substituí-las por estruturas diferentes não era o mesmo que restaurá-las”, comenta Natana. Os especialistas ouvidos por “Olhares do Mundo” consideram importante ressaltar que o wahabismo não é o mesmo que jihadismo, ou seja, a luta armada em defesa da religião muçulmana. “Jihadismo é simplesmente sobre a violência, poder e controle. Jihadismo é uma abordagem puramente política, que usa uma terminologia religiosa e imagens para criar a impressão de ser religiosa na motivação”, diz Natana. “As histórias de vida das pessoas que se juntam a movimentos jihadistas normalmente não contêm elementos religiosos fortes ou dedicação. Sempre que utilizam a linguagem religiosa, terminologia ou referências a história, eles são projetados para fazer reivindicações de poder. Eles parecem ser mais pessoas que estão com raiva, frustradas, despossuídas e alienadas de suas próprias sociedades, por uma variedade de razões, e estão à procura de um significado e da oportunidade de ter poder e sentir que eles estão fazendo algo com suas vidas, ao invés de apenas existirem e morrerem sem um sentido”, explica a professora da Universidade de Boston.


Nos passos de Maomé O Wahabismo é uma vertente do islamismo conhecida por interpretar o Alcorão de forma rigorosa e literal. A religião surgiu há mais de 200 anos como uma forma de reacender, reformar e purificar o movimento islâmico. Por volta do século 18, o pregador e estudioso Al Wahhab juntou-se a Muhammad Ibn Saud, líder de um pequeno território da Península Árabe para difundir as palavras do profeta Maomé. Unidos, assumiram o comando de muitas cidades da região. E assim deram início à expansão do wahabismo, que mais tarde se espalharia para quase toda a Península Árabe, tornando-se a religião oficial da Arábia Saudita.

Para muitos, os termos “wahabistas” e “salafistas” são sinônimos. Historicamente, no entanto, são movimentos com diferentes raízes que se fundiram a partir dos anos 1960. Natana DeLong-Bas, professora da Universidade de Boston, editora-chefe da Enciclopédia Oxford do Islã e presidente do Conselho Americano para o Estudo das Sociedades Islâmicas, explica as diferenças entre as duas vertentes: “O wahabismo é um movimento de reavivamento e reforma focada no monoteísmo absoluto e a purificação da religião. Salafismo é um desejo de reconstruir a vida do século 7 - a vida dos sucessores do Profeta Maomé - que pode ou não pode ter uma dimensão política”.

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Sauditas reduzem poder da polícia religiosa, mas especialistas não acreditam em mudanças nos dogmas Regime fundamentalista é pressionado pela opinião pública mundial a flexibilizar os rígidos costumes islâmicos, mas professores ouvidos por Olhares do Mundo acreditam que a ideia de um wahabismo mais liberal é uma contradição lógica.

Por Ana Clara Scarabelli, Bianca Bell Pareja e Karen Meneghim

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edo. Foi essa a sensação que a brasileira Gabriela Lírio Delfino teve ao se mudar para a Arábia Saudita com o marido no ano passado. Seis meses após chegar às novas terras ela ainda andava pelas ruas tomando o máximo de cuidado para não chamar atenção, principalmente dos Muttawas – membros da Polícia Religiosa encarregada de fazer cumprir a Sharia, a restrita lei islâmica. uando me mudei para a Arábia Saudita eu tinha muito receio de tudo. Antes de me mudar, pesquisei bastante sobre a famosa Polícia

Religiosa, e isso me fez vir para cá sem saber muito bem como reagir, estava muito assustada”, conta Gabriela, colaboradora do blog Brasileiras pelo Mundo. Para a advogada Nadia Schwab, que também mantém um blog sobre a vida no país, não foi diferente. Morando na Arábia Saudita há seis anos, a brasileira conta que a existência de policiais para fiscalizar assuntos cotidianos não é nada fácil. Os jovens e as mulheres são os alvos preferenciais dos Muttawas, que têm entre as suas atribuições assegurar que não haja álcool à

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venda (as bebidas alcoólicas são expressamente proibidas), que as mulheres estejam sempre usando a tradicional abaya (veste preta que cobre todo o corpo) e que não dirijam e nem confraternizem em público com qualquer homem que não seja seu familiar. “Quando soube da existência dos Muttawas, confesso que tive um pouco de medo por ainda não saber muito bem qual era o papel deles e por achar que qualquer coisa poderia ser considerada ofensiva”, apontou Nadia. Acusados de inúmeros abusos, os vigilantes Muttawas, fazem parte do Comitê para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício (CPVPV), popularmente conhecidos como Polícia Religiosa ou Polícia Moral. Considerados os olhos e o chicote” do governo para assegurar a Sharia, a polícia religiosa tem o papel de fiscalizar a vida social na Arábia Saudita para que a ordem islâmica seja cumprida. Diversos casos de abusos e violência cometidos pelos Muttawas foram amplamente divulgados. Em fevereiro deste ano houve grande polêmica quando uma jovem foi brutalmente agredida pelos vigilantes na porta de um centro comercial na capital Riade depois

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de ter resistido a uma ordem para tapar integralmente o rosto. Casos mais antigos também tiveram grande repercussão, como em 2012, quando os Muttawas, mesmo proibidos por um regulamento interno de fazer perseguições, provocaram um acidente de carro e, consequentemente, a morte do condutor, um pai de uma família que estava viajando, por ele ter se recusado a baixar o volume do rádio. Em 2002, a ação dos Muttawas chocou o mundo. Eles foram responsáveis pela morte de 15 alunas de uma escola de Meca ao impedirem a saída das estudantes do prédio durante um incêndio por não estarem usando o devido hijab, famoso véu islâmico. A Arábia Saudita segue o wahabismo, uma vertente do Islã sunita também conhecida como salafismo, o ramo mais puritano e radical da religião. Os wahabitas aspiram ao retorno ao estilo de vida de Maomé (571 d.C.632 d.C.), conforme descrito no Alcorão por acreditarem que os muçulmanos se distanciaram da verdadeira mensagem do Islã e dos princípios básicos da fé. As restritivas leis do wahabismo obrigam o fechamento das lojas durante as cinco orações do dia e colocam a


Polícia Religiosa nas ruas para percorrer os centros comerciais em busca de infratores ou para apreender material considerado não islâmico. Uma pequena brisa de esperança trouxe novos ares para o cenário saudita em abril deste ano, quando o Conselho de Ministérios modificou o regulamento de atuação da Policia Religiosa. Os Muttawas perderam o direito de perseguir, deter ou interrogar a população. Eles devem somente relatar “desvios de comportamento” de indivíduos à polícia civil, não podendo mais prender homens e mulheres pegos em socialização, além de qualquer pessoa envolvida em comportamento homossexual ou prostituição – principais casos de prisões antes da alteração. De acordo com o comunicado do governo, os Muttawas deverão cumprir sua missão de maneira “cortês e humana” e usar um distintivo que mencione seu nome, horário de trabalho e jurisdição, de maneira a evitar qualquer tipo de excessos. “Para muitas mulheres, a redução dos poderes de prisão da Polícia Religiosa é um fato muito importante a ser comemorado, seja por poderem sair sem o seu ‘guardião’ do sexo masculino, ou por estarem vestindo com uma

abaya um pouco mais moderninha”, explica Carla Ferreira, autora do blog Carioca Travelando que morou na Arábia Saudita cerca de quatro anos. “Eu particularmente, nunca fui parada pelos Muttawas, mas várias amigas próximas já passaram por diversas situações constrangedoras ao serem abordadas por eles. Apesar de celebrarem essa mudança de poderes da Polícia Religiosa, a maioria das pessoas ainda acredita que é cedo demais para esperar por ações maiores que beneficiem, principalmente, as mulheres do país, que são as mais afetadas”, comenta. Essa também é a opinião de David Cook, professor da disciplina ‘Origens e Evolução Histórica do Islã’ no departamento de religião da Rice University, no Texas, EUA. Ele acredita que essas mudanças dificilmente serão colocadas em prática. “A natureza deste grupo é praticamente invadir os espaços públicos e até mesmo o espaço privado de outras pessoas; e isso, naturalmente, atrai os fanáticos pela religião, até mesmo por grande parte dos Muttawas serem voluntários. Eu acho que será muito difícil eles desistirem do

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poder que lhes era conferido”, afirma. O professor considera ainda que sem uma revolução no sistema, as chances de um regime wahabita mais liberal são muito pequenas. “É possível que o regime vá liberalizar, em certa medida, mas está enfrentando desafios que vem do apoio ao Estado islâmico e a outros grupos wahabitas. O país não pode se dar ao luxo de se abrir muito, porque esses grupos são muito perigosos. A maneira de neutralizar o perigo é ser tão dogmático quanto o possível sobre questões de moralidade”, explica Cook. Para o fundador e diretor do Centro de Estudos da Política Islâmica (CSPI), Bill Warner, falar de um regime wahabita mais liberal é uma contradição lógica. Ele explica que, para entender a polícia moral, é necessária uma compreensão do aspecto civilizacional do Islã, onde ele não representa apenas uma religião, mas uma civilização inteira. “A Sharia é uma codificação de toda a doutrina para diferentes aspectos da vida, e o Islã, claramente, está preocupado em governar to-

dos os aspectos da vida”, explica. “A polícia moral é derivada de um verso muito importante da Sharia: ‘Haja surgir de um grupo de pessoas que convidam a tudo o que é bom, que ordena o que é certo, e proibindo o que está errado: Eles são os únicos para alcançar a felicidade’. Desta maneira, eles acreditam que a Polícia Religiosa é extremamente necessária, e que a vida pública deve ser forçada a seguir os ditames da Sharia”, acrescenta. Warner conclui que os motivos para as atuais mudanças nos poderes do Comitê para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício são resultantes de uma grande pressão. “Os sauditas estão sendo forçados pela opinião pública mundial a suavizar sua leitura do Alcorão e da Sunna, entretanto, existe uma grande incoerência aí, já que o termo liberal cai totalmente fora da doutrina do Islã. Os wahabitas seguem a doutrina do islã político e religioso até nos finos detalhes da vida. Acreditar que haverá um wahabismo mais liberal é uma contradição lógica”.

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Comunidade Internacional pressiona Arábia Saudita a permitir o esporte feminino Comitê Olímpico Internacional e organizações de defesa dos direitos humanos pedem igualdade para a mulher, impedida de praticar esportes ou até mesmo de assistir a competições. Governo saudita promete mudanças, mas apenas algumas escolas oferecem educação física para as meninas. Por Ana Carolina Milagres, Giuliana Heymann, Julia Guerrero Borges e Ricardo Carvalho

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a abertura das Olimpíadas 2016, a Arábia Saudita destacou-se como uma das primeiras delegações a entrar no Maracanã. O grupo chamou atenção por incluir apenas quatro mulheres, e isso por pressão do Comitê Olímpico Internacional, COI, que desde a competição de Londres exige da Arábia Saudita uma delegação mista. As atletas Joud Fahmy, Sarah Attar, Kariman Abuljadayel e Lubna Alomai entraram sorridentes no estádio com as tradicionais abayas (os longos vestidos que cobrem todo o corpo da mulher). Elas representam, no entanto, uma

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exceção dentro de um país que impede suas mulheres de praticar esportes em locais públicos ou de assistir qualquer tipo de competição. Críticas da comunidade internacional ao rígido código de conduta saudita, que limita a atuação da mulher na sociedade, têm forçado o governo a flexibilizar as regras e iniciar um programa de inclusão feminina. Uma nova divisão foi criada no órgão responsável pela área, a Autoridade Geral do Esporte, especialmente para cuidar das mulheres, mas profissionais do esporte ouvidos por Olhares do Mundo dizem que as mudanças ainda não são perceptíveis.


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Essa nova divisão, chamada Departamento de Mulheres da Autoridade Pública de Esportes, está sob o comando da princesa Reema Bint Bandar Sultan Al-Saud. Ela já liderou campanhas de luta contra o câncer de mama e causas feministas que ainda são tabu na Arábia Saudita. Além disso, ela faz parte do conselho consultivo da TEDx, iniciativa que organiza fóruns de discussão e troca de ideias inovadoras do mundo. A nomeação da princesa, divulgada internacionalmente, busca mostrar uma abertura social no país e satisfazer as exigências do COI. Em 2015, a Arábia Saudita estava disposta a fazer um acordo com o Bahrein para a formação de uma delegação conjunta para as competições do Rio, com participação de mulheres apenas do país vizinho. O presidente do COI, Thomas Bach, imediatamente recusou a alternativa. Para Bach, países como a Arábia Saudita devem esforçar-se para garantir que as atletas mulheres participem livremente.

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A pressão não vem apenas do COI, mas também de organizações de defesa dos direitos humanos. A ONG Human Rights Watch, com sede nos EUA, já enviou diversas solicitações ao governo para que a educação física seja obrigatória para meninas em escolas públicas. Mesmo sem obter respostas claras em relação às solicitações, os relatórios públicos dos últimos anos indicam que algumas escolas governamentais passaram a oferecer a disciplina para as garotas. Em escolas privadas, o esporte para mulheres já é permitido. O governo aprova a prática, desde que as garotas usem “roupas decentes” e sejam ensinadas apenas por instrutoras femininas, mas ainda são poucas as que passaram a oferecer a atividade. A professora de educação física portuguesa Ana Catarina Sousa, que mora na Arábia Saudita desde 2014, lamenta a falta de incentivo ao esporte feminino. “Algumas escolas privadas e universidades têm atividade física, mas nas públicas isso ainda não acontece, mesmo depois da participação feminina no Rio 2016”.


A portuguesa Joana Capaz, que trabalha há cinco meses no país como instrutora fitness, observa que de todos os países da região, a Arabia Saudita e o mais rígido em relação ao esporte feminino. “Vivi durante um ano e meio em Omã e lá existe a opção de praticar esportes coletivos, ha equipes profissionais e amadoras de praticamente todos as modalidades. Aliado a isso, existe a possibilidade de fazer esporte na rua, já aqui estamos sempre restritas a um lugar fechado”, comentou em entrevista ao Olhares do Mundo. São justamente as mulheres que buscam o esporte como profissão as que mais sofrem. Muitas não tem outra opção a não ser deixar o país para poderem seguir o sonho de serem treinadoras, atletas ou professoras de alto rendimento. Há várias atletas sauditas competindo nos Estados Unidos e na Europa. As atletas de alto rendimento não possuem locais adequados para treinar nem patrocínio, privado ou público e são discriminadas pela própria sociedade, que não as vê como um

bom exemplo. A montanhista saudita Raha Moharrak, 30 anos, decidiu, no entanto, enfrentar todos os obstáculos para conquistar seu sonho e escalar montanhas mundo a fora. “Eu sou uma mulher saudita nascida no deserto, praticamente tudo era difícil. Do treinamento até a preparação, pressão social e até dificuldade para tirar o visto. Tudo foi um desafio mas valeu absolutamente a pena”, disse ela em entrevista por e-mail. Raha, que hoje mora em Dubai, foi a primeira saudita a alcançar o topo do Monte Everest. Mas contou com a ajuda da família. “Meus pais sempre me apoiaram extremamente e me encorajaram, mas eu acho que nada os prepararia para a vida que eu escolhi, quero dizer, não é facial dizer a seus pais que você quer escalar montanhas perigosas, ainda mais sendo uma mulher saudita”, diz. “No fim das contas eles me amam, e a compreensão ganhou das limitações e restrições culturais. Eu tive muita paciência e tolerância para alcançar o lugar em que estou hoje.”

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Além da discriminação, a falta de atividade física leva a mulher saudita a ter doenças e problemas com o peso. As mudanças no esporte têm, em parte, a ver com outro problema existente na sociedade. Segundo Hosam Alqurashi, representante do Comitê Olímpico da Arábia Saudita, apenas 14% da população pratica atividades físicas. Um índice, que comparado com o resto da Europa, é muito baixo. Um estudo de 2010, revelou que 34,4% das crianças sauditas entre 5 e 18 anos estão com sobrepeso (23,1%), obesas (9,3%) ou severamente obesas (2%). De acordo com o Ministério da Saúde da Arábia Saudita, adultos obesos e com sobrepeso são mais de 70% da população. As mulheres são mais obesas que os homens, numa proporção alta, de 44% para 26%. A partir da obesidade e falta de exercícios outros problemas de saúde podem ser encontrados como, falta de vitamina D, osteoporose, diabetes, hipertensão, entre outros. As mulheres, por conta dos problemas citados acima começaram a perceber a importância do esporte. “As mulheres se deram conta de como o esporte é essencial em suas vidas, tanto a nível físico como interior, por isso é importante começar do básico”, diz Joana.

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Nova geração de mulheres se rebela contra a tirania dos fundamentalistas islâmicos Ongs e movimentos online incentivam jovens islâmicas a lutar pelo direito à educação e ao trabalho em países onde as mulheres são oprimidas.

Por Nathália Gaspar, Nathalia Perazzolo e Stephanie Tambor

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garota Malala Yousafzai atraiu a atenção mundial em 2014 ao ganhar o Prêmio Nobel da Paz por sua luta pelo direito das meninas paquistanesas de frequentar a escola. Ela foi baleada na cabeça em 2012, aos 15 anos de idade, no remoto Vale do Swat por fundamentalistas contrários à educação para mulheres. Malala sobreviveu e não desistiu. Hoje, aos 19 anos, estuda na Grã-Bretanha e leva suas tarefas tão a sério que mal sobra tempo para a militância. “Malala está na escola se preparando para as

provas e só poderá dar falar com a imprensa no final período letivo”, respondeu o Diretor de Comunicação da Fundação Malala, Louis Belanger, ao nosso pedido de entrevista. A fundação, criada com a ajuda de celebridades como Angelina Jolie, investe em organizações não governamentais de países islâmicos pobres que lutam pelo empoderamento da mulher. Grupos online, principalmente no Facebook, também incentivam meninas a defenderes seus direitos. Os países islâmicos com forte presença fun-

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damentalista impõe severas restrições ao desenvolvimento da mulher e sua participação na sociedade. Na Nigéria, o grupo extremista Boko Haram considera a educação feminina um pecado e tem sequestrado garotas em várias regiões do país para transformá-las em servas. Mulheres na Arábia Saudita, no Afeganistão, no Paquistão, no Quênia e na Somália também enfrentam sérias restrições: não podem andar na rua sem acompanhante, não podem dirigir e, ao se casarem, passam a ser propriedade do marido ou da família do marido. A mulher é vista como menos que o homem; não podem votar, nem ter acesso à educação ou ao trabalho. Na Somália, é muito comum a mutilação genital. A maioria das mulheres com mais de 25 anos já sofreu com essa tradição, onde o ideal é parecer “pura”. A mutilação é feita em meninas entre cinco e onze anos com o uso de uma navalha e sem anestesia. O Paquistão é famoso por casos de apedrejamento, chicotadas, violência doméstica e os famosos “crimes de honra”, que ocorrem quando o marido se vê lesado pela esposa. Foi o caso da paquistanesa Farzana Parveen, grávida, apedrejada até a morte

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pela própria família por ter se casado com um homem diferente daquele que a família impôs. Tudo isso aconteceu em frente ao Supremo Tribunal da cidade de Lahore e de policiais e pedestres. A punição contra a mulher prevista na lei islâmica, a sharia, é aceita pela população conservadora e geralmente não leva a condenação pela Justiça. O caso de Parveen foi uma exceção. Todos os envolvidos (seu pai, irmão e ex-noivo) foram condenados à sentença de morte devido a atenção internacional que o caso recebeu. Alia Ali é uma jovem síria de 18 anos que fugiu recentemente do seu país, assolado por combates políticos e religiosos, para conseguir viver com maior tranquilidade na Inglaterra. Embora haja mais liberdade para a mulher na Síria, ela também enfrentou dificuldades na família quando quis estudar. “Não é natural, normal, uma menina estudar. Até pouco tempo, nem meu avô entendia que eu poderia e deveria estudar, não entra na cabeça (dele)”. Alia também viu uma amiga, com 15 anos na época, ser obrigada a casar com um homem de 40 anos. Era o acordo que a família tinha feito e que a menina teria que honrar. Hoje, passa-


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dos alguns anos, a amiga se rebelou e fugiu da Síria em busca de uma nova vida. Ela acabou seguindo para a Alemanha e depois para os EUA, onde se casou novamente e hoje estuda Administração. “Entender que não preciso de um homem para andar comigo, para sair, é algo incrível. A (sensação de) liberdade é indescritível”, diz Alia, que ainda usa o véu porque gosta desta tradição religiosa que marca a sua identidade e origem. Em entrevista por e-mail ao “Olhares do Mundo”, ela diz que não pretende abandonar sua cultura. “Eu quero voltar (para a Síria), é minha casa, mas pretendo seguir algumas coisas que não são admitidas. Meus pais ficaram em choque quando me viram usar o Tumblr (rede social). Não quero perder essa vivência”, salienta a jovem, que atualmente cursa Engenharia em Londres. Maha Assaf nasceu no Brasil, mas tem origem libanesa. A estudante de Jornalismo da ESPM vai todo ano para o Líbano visitar a família. “O meu país (Líbano) é mais tranquilo, a nossa cultura se aproxima mais (da brasileira), quando visitei a Síria foi complicado”, conta Maha sobre a viagem que fez para a Síria em 2006 para visitar uma amiga e onde encontrou

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circunstâncias totalmente diferentes das vividas no Líbano. Ela afirma que, com a guerra, a situação se complicou ainda mais, há cada vez mais mulheres sozinhas, grávidas ou com filhos no colo andando pelas ruas a procura de alimentos e abrigo. “Elas não podem trabalhar livremente, muitas não sabem ler ou escrever. Com tanta opressão fica difícil saber como lidar, a gente não está acostumada a lidar com isso, não com tanta intensidade”. O Ocidente se espanta com a repressão à mulher nesses países, mas, como observa o especialista e professor de Relações Internacionais da Universidade Belas Artes, Sidney Leite, não podemos esquecer que, até os anos 1970, a condição das mulheres brasileiras em vários segmentos da sociedade era muito próxima a de muitos países islâmicos. Devemos considerar, segundo ele, o grau e a intensidade das mudanças que veem se operando no mundo contemporâneo em ritmos distintos. O problema, diz ele, é que em países mais ortodoxos, como Arábia Saudita, a posição de subalternidade e a dependência da mulher são praticamente impossíveis de se superar. “Na imensa maioria dos casos, as mulheres


nascem e se adaptam a cultura. A noção de tempo e a mudança de valores no mundo islâmico é mais lenta. As mulheres seguem um roteiro que está previamente escrito, as rupturas são a exceção, como a jovem paquistanesa Malala”, observa Leite. O grafite é um deles. Malina Suliman, professora de 24 anos, resolveu fazer arte para lutar contra a violência sofrida no Afeganistão. Ela começou na cidade de Candaar, onde há forte presença do grupo extremista Taleban, espalhando mensagens políticas em muros e paredes. Com medo, exilou-se um tempo na Índia, mas voltou recentemente ao país para continuar seu trabalho nas ruas e aumentar a consciência das mulheres sobre os seus direitos. Em alguns países islâmicos do Oriente Médio e Norte da África, como Líbano, Jordânia, Irã, Egito, Tunísia e Argélia, as mulheres não enfrentam os limites da interpretação rigorosa do Islã. “Elas têm o direito de voto, estudam em universidades e tomam posições políticas”, observa o professor Sidney Leite. “As lutas das mulheres estão dentro de contextos mais amplos, de lutas sociais e políticas como apresentadas na Primavera Árabe, isto é, o combate contra sistemas autoritários de reprimem a sociedade como um todo.”

A tunisiana Amal Arfaoui, 25 anos, é professora de inglês e considera uma benção ter nascido num pais islâmico que respeita os direitos da mulher. “Eu tenho até mais direitos que meu irmão e meu pai”, brinca. “Meu país me protege, tenho orgulho de ser mulher na Tunísia”. Amal ressalta que seu papel na sociedade como educadora é ajudar as pessoas a serem melhores. A estudante brasileira Maha, de origem libanesa, também cita casos de mulheres que fundaram várias ONGs no Líbano para ajudar refugiadas de países onde a repressão mata mulheres diariamente. Segundo ela, a sensação de “empoderamento feminino” nesses locais é muito grande e isso modifica muito a autoestima das mulheres, que chegam ali completamente desacreditadas e muitas vezes carregando seus filhos, principalmente meninas. Grupos online, principalmente no Facebook, são também uma ferramenta para o diálogo entre as próprias mulheres. Em grupos como “Islamic Feminism”, os temas vão desde orações e comentários sobre o Alcorão até a luta por direitos mais igualitário. O mais interessante nesse cado é que há um diálogo entre elas e sobre elas. Na rede, elas conseguem visibilidade.

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Com ajuda de ONGs internacionais, afegãs reconquistam direitos O grande desafio é levar educação a mulheres impedidas de estudar durante o regime fundamentalista do Talibã. Entre as oito milhões de crianças matriculadas em escolas do país, mais de 2,5 milhões são meninas.

Bárbara Ferlin, Camilla Aimeé, Carolina Alberti

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e Mayara Martins

ra um dia comum na vida da imigrante afegã Manizha Naderi. Ela estava andando pelas ruas de Nova Jersey, nos Estados Unidos, quando uma pessoa lhe entregou um folheto que divulgava o trabalho da Women For Afghan Womem - WAW (Mulheres pelas Mulheres Afegãs) uma pequena ONG americana que defendia os direitos das mulheres de seu país. Aquele simples folheto mudou a vida de Naderi e de muitas mulheres. Naderi nasceu em Cabul, mas cresceu nos Estados Unidos, estudou em Nova York e esta-

va morando em Nova Jersey quando se tornou voluntária da WAW, em 2003. Hoje, 13 anos depois, ela é diretora executiva da organização, que conta com mais de 700 membros e 30 centros em 13 províncias ao redor do Afeganistão. A determinação de Naderi fez com que a WAW se tornasse a maior organização não-governamental do país. A ONG já ajudou 21 mil mulheres e crianças, alfabetizou cerca de 290 mil afegãos - de mulás (clérigos muçulmanos) a líderes governamentais - e, nos Estados Unidos, cuida de cerca de 4 mil refugiados. Entretanto, fazer com que o trabalho fun-

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cione não é tão fácil. Mona Abu Rayyan, que trabalha na WAW, afirma que os maiores desafios de uma organização internacional são: segurança, financiamento e reposição membros. “Outro desafio que nós, constantemente, enfrentamos é a ignorância”, comentou a ativista em entrevista por e-mail. Com a ascensão do governo Talibã, em 1994, as mulheres afegãs perderam o direito de estudar e passaram a ter tarefas exclusivamente relacionadas à casa e aos filhos. Porém, com a virada do século, um novo capítulo se iniciou na história do Afeganistão. A invasão americana ao em busca da Osama Bin Laden, após o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, culminou na queda do regime fundamentalista. Apesar de alguns avanços registrados desde a saída dos talibãs, como a aprovação lei que elimina a discriminação contra a mulher, ainda há muito a ser feito. Segundo o Banco Mundial, em 2013, 28% das afegãs ocupavam cadeiras parlamentares (mais que no Brasil), mas o Afeganistão, apesar de possuir uma constituição que garante a igualdade de gênero, ocupa o 147º lugar no Índice de Desigualdade De Gênero da ONU, que avalia 208 países. Nove a

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cada dez mulheres sofrerem algum tipo de violência ou desrespeito aos Direitos Humanos. ONGs como a WAW têm ajudado a reescrever a história do país e as mudanças já podem ser notadas na prática. Em 2002, havia uma estimativa de que apenas garotos frequentavam as escolas, aproximadamente, 900 mil, mas, hoje, há mais de 8 milhões de alunos matriculados em escolas no Afeganistão e, cerca de 2,5 milhões são meninas, de acordo com a USAID – uma agência governamental norte americana que ajuda outros países a desenvolverem seu potencial. A expectativa de vida das mulheres também cresceu, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Aumentou de 60 anos, em 2010, para 62 em 2015. “As mudanças são drásticas, mas não são veiculadas pela mídia fora do Afeganistão, que está mais focada na violência”, lamenta Lauryn Oates, da organização Canadian Women for Women in Afghanistan (Mulheres Canadense pelas Mulheres Afegãs). A organização de Lauryn atua no Afeganistão educando mulheres sobre seus direitos e desenvolvendo ações para o empodeiramento feminino. “Você pode saber muito bem


que seus direitos estão sendo violados, mas se não puder ler ou escrever, então há pouco que possa fazer para alterar esta situação”, afirma. Para ela, a partir do momento que as mulheres têm acesso à educação, elas se tornam capazes de realizar ações em diversos âmbitos, como mobilizações, campanhas, petições e até divulgações na mídia. A Women for Women International – WfWI (Mulheres pelas Mulheres no Mundo) é outra organização que atua no Afeganistão. Desde 2002, a ONG desenvolve programas de conscientização sobre direitos, educação e inserção da mulher no planejamento da casa. O foco são mulheres marginalizadas sobreviventes de conflitos. A WfWI já ajudou 48 mil mulheres. “Antes do programa, meu marido não me deixava sair de casa para trabalhar ou estudar. Mas, agora que me juntei ao programa, aprendi o que fazer, e meu marido compreendeu os benefícios de eu trabalhar fora de casa”, relata uma das participantes do programa que prefere não ser identificada. Mona, da ong WAW, observa que as afegãs já tiveram muito mais autonomia no passado, mas perderam seus direitos com a chegada dos fundamentalistas islâmicos do Talibã ao

poder. “Nós, como mulheres mulçumanas e afegãs, somos vistas como dóceis, sem poder e fracas. Quando, na realidade, sempre fomos fortes matriarcas a participantes ativas da sociedade em que vivemos”, comenta. “O Afeganistão era considerado por muitos a Suíça da Ásia, mas isso mundo com os Talibãs”, diz Mona. A ativista comenta que os fundamentalistas impuseram um reino de terror que não reflete o verdadeiro Afeganistão. “O Talibã é como um culto de extremistas medievais, que são muito ignorantes, sem educação escolar e que sofreram uma lavagem cerebral ideológica que tem pouco a ver com tudo o que sabemos e amamos no nosso mundo, inclusive nossa cultura e nossa religião”. Segundo a ativista, há uma falsa percepção de que os direitos da mulher afegã têm sido negados porque elas vivem numa sociedade muçulmana. “Na verdade, as desigualdades estruturais que atuam contra as mulheres em nossa sociedade, em particular, e no mundo islâmico, em geral, tem pouca relação com o Islã”. Estão mais ligadas a praticas culturais e normativas que são inerentemente patriarcais e não tem lugar no Islã.

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Presas a dogmas religiosos, mulheres islâmicas enfrentam dificuldades com atendimento à saúde Impedidas de serem atendidas por homens e sem incentivos para a formação de mulheres profissionais da saúde, muçulmanas de vertentes mais tradicionais não buscam e não recebem tratamento médico adequado

Por Carolina Rios, Claudia Ferreira e Maiara Costa

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as comunidades onde prevalece uma interpretação estrita do livro sagrado muçulmano, o Alcorão, as mulheres são protegidas do convívio com homens e relutam em ser atendidas e tratada por médicos que não sejam de seu convívio familiar. As consequências têm sido mortais, denuncia a organi-zação internacional Women’s Islamic Initiative in Spirituality and Equality – WISE (Iniciativa das Mulheres Islâmicas em Espiritualidade e Igualdade, em tradução livre).

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Nos Emirados Árabes e na Arábia Saudita, por exemplo, o câncer de mama é a principal causa de morte. Um grande número de mulheres morre por não procurar atendimento a tempo”, afirma a organização. Além disso, em 70% dos casos, descobriu-se a doença quando a possibilidade de cura era menor.  A ginecologista Al Amoudi, ligada à WISE, tem feito apelos aos religiosos sauditas para que incluam a questão da saúde da mulher em seus sermões. “Ela foi a primeira mulher na Arábia Saudita a compartilhar sua ba-talha pessoal com o câncer



de mama e a primeira a quebrar o silencio sobre esse tabu”, salienta a organização em seu site. A enfermeira brasileira e pesquisadora em Ciências da Religião, Kayte Lima, observa que o atendimento clínico das mulheres muçulmanas varia conforme a visão que o marido e a família têm daquela situação. Se conside-ram ou não que princípios como pureza e honra serão violados pelo contato com um homem estranho, o tratamento pode ser impedido. Mas se houver a necessidade de um atendimento de emergência - quando a vida da paciente estiver em risco - a mulher islâmica poderá ser atendida pelo profissional mé-dico independente do seu sexo. Kayte relata o caso de uma islâmica, repudiada pelo marido após ter sido atendida por um enfermeiro que lhe mediu a pressão na triagem de um hospital. Ela ressalta, porém, que essa atitude não reflete a realidade de to-dos os islâmicos. “Um dos sheikhs que entrevistei (para minha pesquisa sobre o tema) disse que não repudiaria a esposa apenas pelo fato de um profissional de saúde ter encostado nela

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em uma situação de emergência”, completa. Entretanto, segundo um farmacêutico sírio ouvido por nossa reportagem e que prefere não ser identificado, não há barreiras religiosas para que a mulher procure ou não o atendimento médico ou que se consulte com um doutor. O corpo da mulher islâmica, com exceção do rosto, mãos e pés, não pode ser mostrado a pessoas que não pertencem ao grupo familiar. “Se houver uma necessidade doença, acidente ou fins educacionais - o homem pode olhar para estas partes”, explicou. Ele acrescenta, no entanto, que as mulheres se sentem envergonhadas e preferem ser atendidas por médicas. O advogado americano Qasim Rashid, autor do livro “The Wrong Kind of Muslim” (O Tipo Errado de Muçulmano, em tradução livre) e diretor de Direitos Civis e Políticos da ONG Karamah, de defesa dos direitos humano no Islã, observa que o patriarcado islâmico, entre outros obstáculos, tem prejudicado a saúde da mulher. “Em geral as mulheres enfrentam diversas barreiras para o tratamento adequado.


Isso inclui acesso a linguagem (no caso de imigrantes e refugiadas), recursos financeiros, e, muito frequentemente, a presença de figuras masculinas em suas vidas que a impedem do acesso adequado.” A Instituição busca auxiliar essas mulheres em vários países do mundo através de programas educacionais e atuando como porta-voz delas. Segundo Rashid, “isso inclui falar pessoalmente com a mulher em necessidade ou encaminhá-la a uma organização que lida especificamente com as questões particulares a cada uma.” Iniciativas como essas são importantes para o avanço dos direitos humanos no Islã e o bom atendimento das mulheres. Além disso, a pesquisadora Kayte Lima destaca a necessidade de uma maior compreensão dos dogmas religiosos por profissionais da saúde, para que saibam lidar com as diferentes situações. “Não se trata de islamizar a saúde, mas, caso determinadas mulheres muçulmanas necessitem de um olhar mais humanizado quanto às questões que ultrapassam a assistência, seria bom que houvesse esta compreensão”, completa.

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Cresce a perseguição aos cristãos no Oriente Médio Mais de 7 mil cristãos foram mortos no mundo em 2015. Iraque e Síria estão entre os países mais perigosos. A pesquisadora e ativista somali-americana Ayaan Hirsi Ali critica a mídia por não denunciar os massacres.

Por: Arthur Henrique, Gabriel Tampelini Guilherme Souza

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e acordo com a organização internacional Open Doors (Portas Abertas), que apoia seguidores do cristianismo em todo mundo, 7100 cristãos foram mortos ano passado por causa de sua fé, um aumento de cerca de 50% em relação a 2014. Os ataques têm sido tão intensos que, atualmente, apenas 250 mil cristãos permanecem no Oriente Médio. Estima-se que a população crente na região chegasse a 1,2 milhão em 1992. Além da perseguição, os cristãos também abandonaram a região devido às péssimas condições da economia, com

redução nas oportunidades de emprego e da qualidade de vida. A maioria dos assassinatos ocorre na Síria e no Iraque, área controlada pelo Estado Islâmico, grupo radical que realiza ataques terroristas em prol do Islã. A frente castiga todos aqueles que não reconhecem Alá como único deus existente. A correspondente internacional do Wall Street Journal em Beirute, Maria Abi-Habib, observa que os cristãos evitam tomar partido nos conflitos da região. “Eles não são a favor de ninguém, nem do governo nem da oposição. Tentam um caminho mais neutro

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entre os dois, não escolhendo nenhum lado para que, quando haja consequentemente um vencedor, eles não sejam alvos futuros”, afirma. De acordo com a jornalista, apesar de os cristãos serem alvos no Oriente Médio, o Estado Islâmico concorda com a permanência de alguns grupos desde que estes paguem a chamada Jizya, o dízimo islão. O pagamento dessa taxa autoriza os não muçulmanos a praticarem sua fé somente em casa ou em lugares reservados. “Eles podem viver ali, contanto que colaborem pagando o imposto”, explica. Segundo Maria Abi-Habib, os cristãos que querem permanecer no Oriente Médio têm procurado migrar para o Líbano, onde 40% da população segue a religião. “É uma ótima nação para os cristãos viverem, além de ser um país com melhores condições de vida e que segue o calendário cristão”, destaca a jornalista. A perseguição à fé cristã cresceu a partir de 2003, com a invasão do Iraque por uma coalisão militar ocidental liderada pelos Estados Unidos. Por consequência, grupos extremistas viram essa ação como forma de ajudar os cristãos. A eclosão da guerra civil na Síria em 2011 foi um ponto marcante na “caça aos que são de Cristo”, com a captura de uma ampla faixa de território pelo grupo Estado Islâmico e por ou-

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tros grupos fundamentalistas. Diversas frentes islâmicas se juntaram para criar um estado na Síria sob a sharia, a lei dos muçulmanos pautada pelo Alcorão. A Sharia coloca Alá como o único Deus e prevê uma série de punições, como a morte para quem insultar a figura do profeta Maomé ou os princípios islâmicos. Mesmo não sendo seguida nos países muçulmanos laicos, grupos como o Boko Haram, na Nigéria, exigem que o código seja aplicado integralmente nas regiões sob seu domínio. A ativista e pesquisadora de origem somali Ayaan Hirsi Ali, autora do livro Why Islam needs a reformation now (Por que o Islã precisa de uma reforma agora) critica o fato de as perseguições não receberem grande destaque na mídia ocidental. Segundo ela, existe uma “conspiração do silêncio” em relação ao massacre de cristãos. “O medo da mídia de gerar mais violência e o acobertar vindo da Organização de Cooperação Islâmica (uma espécie de Nações Unidas do Islã com base na Arábia Saudita) são os principais motivos do silêncio da imprensa”, diz Ayaan. Em artigo escrito para a revista NewsWeek, a ex-deputada pelo partido liberal do parlamento holandês ilustrou seus argumentos


ao dar exemplo as ações do grupo Boko Haram que, em 2011, destruíram mais de 350 igrejas em 10 estados da Nigéria, matando cerca de 500 cristãos. Ayaan também aponta o Egito e o Paquistão como outros países onde os cristãos são “perseguidos e massacrados”. A perseguição aos cristãos tem provocado forte declarações no Ocidente. Para o Ministério Público da Grã-Bretanha, “as decapitações, crucificações, tiros, incêndios, outros assassinatos, tortura, estupro e violência cometidos pelo Estado Islâmico contra os cristãos e outras minorias na Síria e no Iraque, com base na religião e na etnia, é claramente um genocídio”. A candidata à Presidência pelo partido Democrata Hillary Clinton também considerou a perseguição ao Cristianismo no Oriente Médio um ato genocida. De portas abertas O índex da perseguição aos cristãos, publicado desde 1997 pela frente global Open Doors, analisa anualmente a capacidade dos cristãos de viver a sua fé em diferentes países tanto na esfera privada, quanto familiar, social, civil e eclesiástica, atribuindo a cada critério uma nota mais ou menos elevada, segundo a gravidade da opressão sofrida. Na atualização para o ano de 2016, a organização divulgou que, mais uma vez, a persegui-

ção piorou em todos os continentes. A Coréia do Norte mantém o primeiro lugar, pelo 14º ano consecutivo, como pior nação para professar a fé cristã. No país, é proibido ser cristão por lei e, quando descoberto algum, os seguidores da fé são enviados para campos de trabalho forçado ou são mortos. O governo do ditador Kim Jong-un não hesita em torturar e matar qualquer um que possua uma Bíblia ou que esteja envolvido secretamente em algum ministério cristão, realizando reuniões ilegais e tendo contato com outros cristãos. A Eritreia, pequeno país localizado no chifre do continente africano, passou da 9ª para a 3ª posição no ranking, graças à ampliação do extremismo islâmico na região. No país, todas as igrejas evangélicas foram fechadas no ano de 2002, diante de uma lei criada por Isaias Afewerki, presidente desde 1991. A Open Doors realiza seu trabalho ano após ano através da divulgação de uma classificação que mede a liberdade que o cristão tem para praticar sua fé em cinco esferas na sua vida: na individualidade, na família, na comunidade, na nação e na igreja. A frente atua em mais de 60 países, estudando formas de socorro eficazes para cada região e atuam de forma discreta, garantindo a continuidade das operações.

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Creditos/fotos capa. Foto divulgação do site oficial/pág.19ACNUR / Helen Caux/pág. 32 https://en.wikipedia.org/wiki/Kurdish_Jews_in_Israel/påg. 28 https://www. flickr.com/photos/rogerblackwell/15526705535/pág 35 Foto divulgação do site oficial/pág 37 Photo by Maryam Ashrafi/pág 39. https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2015/11/uma-analise-primorosa-do-terrorismo. html/http://www.conmarcapropia.com/portal/otra-manera-de-entender-el-fundamento-islamico//pág 48 Enab Baladi/pág 62 AFP/pág 64 Magnus Johansson/pág 67 Ahmed Radi/pág 68 http://www.npr.org/sections/thetwo-way/2015/12/13/459554429/saudi-arabia-elects-its-first-woman-to-municipal-council/pág 72 http://nation.com.pk/international/07-Sep-2015/hate-crimes-against-muslims-rising-in-london/pág 75 Duan Zhuoli/ COI/pág 78 Saudi US Trade Group (SUSTG)/pág 81 Photo courtesy of Leslie Knott and commissioned by Women for Afghan Women/pág. 89 UN Photo/Mark Garten/pág 91 Steve Evans/pág 92 div.

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