OLHARES do MUNDO
2018 edição 07
Universidade Presbiteriana Mackenzie
OLHARES do MUNDO Revista produzida pelos alunos do Curso de Jornalismo do Centro de Comunicações e Letras (CCL) do Instituto Presbiteriano Mackenzie Direção do CCL Prof. Dr. Marcos Nepomuceno Duarte Coordenação de Curso Prof. Dr. Rafael Fonseca Santos
digital_ o mundo em suas mãos
Coordenação Editorial Prof. Drª Márcia Detoni Projeto Gráfico Larissa Iole de Freitas Endereço: Rua Piauí, 143 – CEP 01241-001 Fone: (11) 2114-8320 – São Paulo – SP www.mackenzie.com.br
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ao leitor Tragédia Humanitária Guerras, perseguições, pobreza e desastres naturais provocaram, nos últimos anos, o deslocamento de milhares de pessoas do Oriente Médio, da Ásia e da África para regiões mais seguras. A opção por rotas arriscadas, o transporte improvisado, a morte na travessia do Mediterrâneo em direção à Europa, a vida em acampamentos precários ou centros de detenção e a hostilidade por parte de grupos locais tornaram a migração a grande tragédia humanitária do século. A chegada à Europa de 1 milhão de pessoas em 2015, principalmente da Síria e do Iraque, estimulou a xenofobia e o crescimento de partidos nacionalistas de extrema direita. O número, quatro vezes maior que no ano anterior, criou alarme, virou agenda política e ganhou grande repercussão na mídia internacional. Mas, ao contrário do que vemos constantemente no noticiário, não são os países europeus ou os
Estados Unidos os mais sobrecarregados com o deslocamento de pessoas. De acordo com Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito abrigam cerca de 5 milhões de refugiados da guerra síria. No ano passado, na Ásia, em apenas quatro meses, mais de 650 mil pessoas da etnia Rohingya, vítima de conflitos religiosos, fugiram de Mianmar para a vizinho e pobre Bangladesh. O número de refugiados hoje no mundo, segundo a ONU, atingiu o recorde de 66 milhões de pessoas: 22 milhões vivem no exterior e 44 milhões estão deslocados dentro de seu próprio pais. Embora distante das principais rotas migratórias, o Brasil não está alheio nem imune aos conflitos internacionais. O número de estrangeiros buscando segurança e trabalho no país cresceu na última década com a chegada, principalmente de haitianos, bolivianos,
venezuelanos e africanos de diversas nacionalidades. São 700 mil estrangeiros vivendo em território nacional (o equivalente a 0,3% da população), entre eles 3 mil sírios. Tramitam no Ministério da Justiça 86 mil solicitações de refúgio, sendo que 10,1 mil pedidos foram acolhidos nos últimos dez anos. O drama dos refugiados, inclusive no Brasil, não passou despercebido da equipe de “Olhares do Mundo”, que dedica esta edição exclusivamente ao tema. Para compreender melhor o assunto e definir pautas, alunos do sexto semestre do Curso de Jornalismo participaram, em 2017, de uma palestra sobre migração preparada pelo jornalista Rodrigo Borges Bonfim, editor do portal MigraMundo. A partir dessa reflexão inicial, a equipe entrou em contato com especialistas e migrantes em várias partes do mundo, registrando desde o acolhimento a refugiados em comunidades solidárias, como no Canadá
e no Reino Unido, até o discurso de ódio contra estrangeiros, muçulmanos, latinos e negros nos Estados Unidos e na Europa, acirrado pela nova onda de deslocamentos. Todas as reportagens desta edição foram redigidas a partir de entrevistas originais realizadas pela equipe por meio de telefone, Skype, WhatsApp, e-mail e Facebook. As fontes residentes no Brasil foram ouvidas presencialmente. Esta publicação reúne o material divulgado ao longo de 2017 no blog de “Olhares do Mundo” e em nossa página no Facebook.
Boa leitura a todos!
Prof. Drª Márcia Detoni São Paulo, julho de 2018.
sumário 9. Canadá abre portas a imigrantes e refugiados para continuar a crescer
45. Migração fragmenta famílias venezuelanas e reduz qualidade da mão de obra
Por Gabriel Espinase, Julia Kosior, Mariana Ferraz
Por Pedro Cunacia, Ana Beatriz Lobo, João Vicente, Sergio Henrique e Thais Genovese
13. Americanos condenam supremacistas, mas recusam apoio a medidas de justiça racial, lamentam especialistas
49. Crise econômica leva haitianos a desistir do Brasil Por Alexa Meirelles, Guilherme Pin e Victor Russo
Por Daniela Nunes, Gabriel Santos e Giovanna Guelere
57. Novos e sonhadores, imigrantes bolivianos buscam prosperidade em São Paulo 18. Permanência de sírios na Turquia gera reação contra refugiados
Por João Izzo, Arthur Gabor, Lucas Antônio, Lucas Capeloci
Por Isabel Rocha e Stephanie Ramos
60. Refugiados no Egito enfrentam rejeição e racismo nas periferias das grandes cidades 22.“Precisamos de trabalho, não de ajuda”, dizem refugiados sírios
Por Beatriz Trevisan e Luiza Tozzato
Por Bárbara Araujo, Gisele Carvalho e Victória Rodrigues
64. Reconhecida por acolher refugiados, Suécia vê crescer movimento contra imigrantes 27. Refugiadas sírias usam a poesia como forma de resistência na Grécia
Por Demetrios Kyriopoulos, Giulio Antonelli e Lucas Garbelotto
Por Jamyle Rkain
33. Britânicos promovem cultura de acolhimento a refugiados
68. Perseguição da extrema-direita a refugiados só aumentou a entrada clandestina na Europa, diz especialista
Por Larissa Zapata, Mayara Zago e Victória Silva
Por Maria Clara Lucci
36. Brexit cria insegurança no Reino Unido e estrangeiros pensam em deixar o país Por Guilherme Celante Dias, Henrique Macedo, João Pedro Prieto e Nicole Thomaso
41. Políticos sul-africanos atacam imigrantes para obter apoio popular Por Brian Alan, Cecília Ferreira, Matheus Lima e Rebeca Simão
Canadá abre portas a imigrantes e refugiados para continuar a crescer Com a população em declínio e envelhecendo, o país norte-americano busca a força de trabalhadores estrangeiros para garantir o desenvolvimento econômico Por Gabriel Espinase, Julia Kosior, Mariana Ferraz
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m dezembro de 2015, o médico sírio Vanig Garabedian, 48, aterrissou em Toronto com a família e foi recebido no aeroporto pelo primeiro-ministro do Canadá, o liberal Justin Trudeau. O gesto de boas-vindas por parte da mais alta autoridade do país simboliza a postura solidária dos canadenses à crise dos refugiados sírios e de outras nações em um momento em que os Estados Unidos e vários países da União Europeia fecham os olhos e as portas para populações afetadas por grandes tragédias. “O Canadá está entre os poucos países do mundo que trouxe refugiados com a maior dignidade. Todo canadense 8
está tentando fazer a transição dos sírios tão rápida e suave quanto possível. Eu estou sendo tratado como se estivesse em casa. Os canadenses são muito emotivos e compreensivos com as pessoas que vieram da zona de guerra da Síria”, disse o médico em entrevista por e-mail ao “Olhares do Mundo”. Só nos últimos 15 meses, segundo dados do governo em Ottawa, o país acolheu mais de 40 mil refugiados sírios, que estão recebendo cursos de capacitação e oportunidades de emprego. Ao todo, o Canadá recebe 300 mil imigrantes por ano de 190 países. Beneficiado pelo programa, Garabedian reside hoje em Toronto, 9
junto com a mulher e as três filhas, onde trabalha em uma empresa de seguros, a TD Insurance, no departamento de benefício de acidente. O médico está reconstruindo sua vida e pretende trabalhar duro para retribuir a ajuda: “Estou disposto a pagar a bondade dos canadenses contribuindo para tornar o Canadá um lugar melhor.” Daniel Hiebert, professor do Departamento de Geografia da University of British Columbia, em Vancouver, e co-diretor do centro de pesquisa sobre imigração e diversidade cultural Metropolis British Columbia, explica que o Canadá precisa dos estrangeiros para crescer e prosperar. O país tem o segundo maior território do mundo e a décima economia, mas a densidade populacional é muito baixa: apenas 35 milhões de habitantes, 20,7% deles vindos de outro país. Por isso, desde 1960, os governos canadenses vêm promovendo uma política de portas abertas. “Nós podemos aceitar imigração, crescente diversidade cultural e mudança cultural, ou nós podemos aceitar continuidade cultural e declínio populacional”, comenta Hiebert, em 10
entrevista por e-mail. “ Essa é a opção para o Canadá e para muitos outros países. Por exemplo, como ficará o Japão quando a faixa etária média for 58 anos e a população for a metade de hoje?” Segundo a OCDE, os imigrantes representam, desde 2000, 31% do aumento de trabalhadores altamente qualificados no Canadá, bem acima dos 21% registrados nos EUA e dos 14% na Europa. A brasileira Rosa Maria Troes, 42, diretora da empresa Canadá Intercâmbio, que articular a ida de estudantes brasileiros para aquele país, confirma o bom acolhimento de estrangeiros. “A imigração é crucial para o crescimento e desenvolvimento do país. Outro grande motivo é que a população está envelhecendo e a projeção mesmo com a toda a imigração atual é de que, em 2030, 25% da população canadense terá mais de 65 anos. De acordo com as estatísticas parece que o governo está a caminho de alcançar o seu objetivo.” O professor Hiebert observa que o Canadá está sempre experimentando mudanças culturais associadas a uma maior
diversidade. Embora haja uma minoria nãomuito-vocal contra a imigração, a maioria chegou a aceitá-la. “Basicamente, onde não há imigrantes no Canadá, há declínio populacional (exceto para o extremo norte do país). Isso significa que, se você não gosta de imigrantes, você acabará por ver sua área se tornar demograficamente insustentável. Os canadenses absorveram esse conhecimento em grande parte. Acrescentar 40 mil refugiados em um programa humanitário de uma só vez no
mix não é uma grande mudança”, explica. De acordo com Rosa, que mora em Toronto, a chegada dos estrangeiros não descaracteriza a cultura canadense, mas traz evolução. “O Canadá é um país baseado na multiculturalidade, um mosaico onde as pessoas de diferentes experiências e vivências contribuem com esta nação”, salienta. “O Canadense acredita que os únicos nativos no país são os aborígenes e os demais são todos imigrantes vindos de algum canto do mundo e, desta forma,
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o Canadá foi crescendo e amoldando seus aspectos sociais políticos e culturais.” Conforme a pesquisa da Statistics Canada, até 2011 mais de 40 mil brasileiros moravam no país, sendo 69% em Toronto, Montreal ou Vancouver. E mais de 30% dos canadenses que moram em Toronto, sabem falar outra língua além de inglês e do francês. Atualmente, com o novo primeiroministro canadense progressista, Justin Trudeau, do Partido Liberal, o país tem
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se mostrado mais acolhedor ainda. Nos últimos meses, Trudeau publicou em seu Twitter que vai receber os refugiados rejeitados pelo Donald Trump nos EUA e que deseja boas-vindas a todos. “Todos os refugiados têm direito a apoio. Há suporte financeiro básico para um ano, treinamento de línguas gratuito e serviços de orientação gratuitos. Eles fazem parte do sistema universal de saúde. Depois de um ano, o governo nacional para de apoiar e os governos regionais (provinciais) se tornam responsáveis”, completa Hiebert. Porém, ele acredita que um ano é pouco tempo para se recuperar de um trauma, aprender uma língua e se instalar em um novo país. A maioria dos refugiados enfrenta dificuldades em se adaptar à cultura, à linguagem e às diferentes regras e tecnologias nas áreas de transporte e habitação. Garabedian e sua família não sofreram, no entanto, problemas de adaptação porque se preparam antes da partida do Líbano. Estudaram o sistema de educação, saúde, transporte, moradia e até a política do Canadá.
Americanos condenam supremacistas, mas recusam apoio a medidas de justiça racial, lamentam especialistas Professores da City University of New York (CUNY) ouvidos por “Olhares do Mundo” dizem que a maioria dos americanos se recusa a reconhecer o quanto a sociedade ainda privilegia injustamente os brancos. Imigrantes brasileiros e de outros países temem o ódio crescente contra negros e estrangeiros. Por Daniela Nunes, Gabriel Santos e Giovanna Guelere
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aynara Aguiar, 24 anos, é brasileira e reside em Denver no estado do Colorado, onde trabalha há um ano cuidando de crianças. Ela diz que a eleição de Donald Trump gerou grande apreensão na comunidade brasileira e entre, estrangeiros em geral, principalmente pelas mudanças em algumas leis imigratórias. “Eu tenho amigas que estavam com um visto de intercâmbio e (ao final dele) trocaram para o de turista. Passaram mais
de seis meses e eles não deram resposta nenhuma; elas ficaram ilegais, porque o governo não está facilitando e está demorando muito para dar as respostas, exigindo muito mais documentos e outras coisas além do que era antes”, comentou Maynara, uma jovem formada em relações públicas no Brasil que decidiu tentar a sorte na América e aguarda um visto de trabalho. “Você acaba não tendo saída, ou você volta a viver no Brasil, ou você fica ilegal”. De acordo com o Centro de Estudos 13
de Imigração (CIS), estima-se que cerca de 42 milhões de imigrantes vivem hoje nos Estados Unidos e 11 milhões deles encontram-se em situação ilegal. Em sua maioria latinos, eles possuem grande relevância na economia norte-americana. Maynara participou, em fevereiro deste ano, do movimento chamado “Um Dia Sem Imigrantes”. O protesto resultou em comércios paralisados, empresas fechadas e queda na prestação de serviços, uma vez que essas atividades são realizadas predominantemente por latinos, como é o exemplo da estudante. Ela aderiu ao protesto e, consequentemente, dificultou a rotina da casa onde trabalha. “Como eu não fui trabalhar, a minha patroa teve que ficar em casa cuidando do bebê. Foi um dia complicado para eles”. A jovem ainda ressalta a diferença no tratamento entre os imigrantes europeus e latinos, por exemplo. Aqueles que são provindos de países como Alemanha, Espanha e França têm melhores cargos e condições trabalhistas, além de mais respeito e igualdade por parte dos nativos estadunidenses.
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A hostilidade aos imigrantes cresceu muito nos Estados Unidos desde a campanha de Donald Trump. Outro sério problema é o crescimento de movimentos racistas e neonazistas. “Eu tenho feito pesquisas sobre a supremacia branca há mais de 25 anos, e o que estamos vendo agora é um ressurgimento dramático de uma adesão à ideologia da supremacia branca em todos os níveis da sociedade, desde as ruas de Charlottesville até a Casa Branca”, observa a socióloga Jessie Daniels, da City University of New York (CUNY). O historiador jamaicano Charles Mills, professor da CUNY e reconhecido internacionalmente por suas pesquisas na área de classe gênero e raça, diz que o crescimento do movimento supremacista branco se deu, principalmente, pelo racismo na campanha eleitoral de Trump, além da presença de pessoas conhecidas por visões nacionalistas brancas em seu círculo de apoiadores. “É preciso reconhecer que Trump representa, em certo sentido, o culminar de décadas de uma estratégia racial
republicana que apelou para os medos dos eleitores brancos, a chamada ‘‘estratégia do sul”, completa. Já para Jessie Daniels, especialista que leciona na mesma universidade, existem vários fatores. “Eu diria que, no nível mais amplo, é uma reação ao nosso primeiro presidente afro-americano. Uma reação ao sucesso do movimento ‘Black Lives Matter’ e outros movimentos sociais progressivos, como ‘The Dreamers’ (direitos pró-
imigrantes) e ‘Fightfor15’ (para aumentar o salário mínimo). ” Segundo dados da ONG americana Southern Poverty Law Center, estima-se que 917 grupos de ódio atuem nos Estados Unidos. A maioria está localizada na região sul do país, e o estado com maior número deles é a Califórnia (79 grupos). Esses grupos defendem a ideia de que existe uma superioridade branca e racial em relação a negros, homossexuais, judeus e imigrantes.
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A supremacia branca, segundo a visão de Jessie Daniels, é um movimento que representa a “preservação da raça branca”. Um número crescente de americanos se vê ameaçado pelo o que consideram um “genocídio branco”: crescimento da imigração, casamento interracial e multiculturalismo. É por isso, segundo a socióloga da CUNY, que as pessoas dos comícios de Charlottesville cantavam o refrão “você não vai nos substituir”. “Na raiz está uma profunda convicção de que os brancos são mais merecedores de todos os recursos da sociedade, da cidadania e da própria vida”, assegura. De acordo com Mills, os brancos
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representam um grupo ainda dominante e privilegiado no país em termos de renda média, riqueza, melhores empregos, residência em melhores bairros, acesso à educação superior, representação desproporcional em órgãos de governo democráticos, etc. Mills observa que muitos brancos americanos condenam os movimentos supremacistas, mas se recusam a reconhecer a necessidade de politicas de justiça racial. “Eles dirão que se opõe ao racismo, mas não admitirão até que ponto a sociedade continua a privilegiar injustamente os brancos. Então, enquanto condenam o racismo sob a forma de
movimentos da supremacia branca, eles não apoiarão as medidas de justiça racial corretivas necessárias para desmantelar as estruturas sociais da supremacia branca”, afirma. Daniels lamenta que a administração Trump tenha feito pouco para combater os movimentos neonazistas. “A agência governamental encarregada de rastrear extremistas violentos já não busca mais os grupos da supremacia branca, mas foca nos “grupos de identidade negra” e nos extremistas islâmicos. E, como outro exemplo, uma pequena organização sem fins lucrativos, chamada “Life After Hate”, que trabalha para ajudar as pessoas a deixar organizações violentas de supremacistas brancas teve seu financiamento cortado sob a administração atual”, comenta. Mills ressalta que a administração de Trump não pode condenar abertamente os supremacistas porque essas pessoas representam um componente significativo (se não flagrante) de sua base eleitoral.
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Permanência de sírios na Turquia gera reação contra refugiados Solidários, turcos acolheram os fugitivos da guerra na Síria, mas temem agora que a presença deles no país se prolonge e que haja disputas por emprego.Especialistas ouvidos por “Olhares do Mundo” dizem que a Turquia precisa de um novo plano para enfrentar a situação. Por Isabel Rocha e Stephanie Ramos
O
mar Kadkoy é especialista em relações internacionais e acompanha de perto o drama de milhares de refugiados que entraram na Turquia fugindo da guerra na Síria. Ele se formou em administração Universidade Internacional de Ciência e Tecnologia em Damasco, em 2012 e, com grande experiência na região, hoje é um dos principais nomes da Fundação de Pesquisa Política e Econômica da Turquia (Tepav), na capital, Ancara. Segundo ele, os turcos tiveram uma posição solidária com os vizinhos no início da crise, mas cresce, agora, no país o receio de que os refugiados 18
“roubem” empregos em uma época de forte crise econômica. efugiados retornem às suas casas com o fim do conflito. Observadores dizem, no entanto, que os sírios devem permanecer no país por um longo tempo. “Como um especialista de migração, eu vejo que é impossível eles voltarem para a Síria pelos próximos cinco ou dez anos, e isso significa que nós temos que viver juntos no futuro e que também precisamos criar um novo plano ou estratégia para este novo fenômeno”, disse o professor do Centro de Pesquisa em Imigração e Política da Universidade de Hacettepe, em Ancara, Murat Erdogan. 19
No momento, segundo Erdogan e Kadkoy, não existem fortes conflitos entre turcos e imigrantes e refugiados sírios. Há muito menos tensão do que na Europa. “Não ouvimos acusações de os migrantes serem ´pessoas incivilizadas’ como disse um político na Polônia, nem os habitantes locais se referem a eles como ‘animais e terroristas’, como na Hungria”, comenta Kadkoy. “As próprias normas do país não permitem um discurso social ruim contra os refugiados”. Mas a situação tende a mudar. Um dos grandes problemas, segundo o pesquisador, é que grande parte da população pensa que todo o dinheiro utilizado na ajuda aos refugiados vem dos cofres públicos e, por isso, se revolta. Na verdade, parte das verbas vêm de doações da União Europeia. “O público não sabe que são fundos de doadores e executados em parceria com instituições públicas. Para o público, este é dinheiro do governo para os sírios e deixa os cidadãos para trás. A vulnerabilidade dos sírios serviu como bode expiatório para a frustração social”, explica Kadkoy. A primeira ministra da Alemanha, Angela Merkel e o presidente da Turquia, Recep Erdoğan, fizeram, em março de 2016, um 20
acordo para conter a entrada de refugiados na Europa. “Eles pagaram para a Turquia 1.5 bilhões de euros em 2016 e devem pagar mais 3 bilhões de euros até 2018 e mais 6 bilhões de euros nos quatro anos seguintes. Isso é bom para a Alemanha, não para a Turquia”, salienta o professor Erdogan, explicando que todos esses bilhões ainda não são suficientes para custear os gastos do país com o acolhimento dos sírios. As autoridades turcas anunciaram que o país já contribuiu com mais de U$$ 30 bilhões para o apoio aos refugiados. Desde que foi assinada a Lei sobre os Migrantes e Proteção Internacional em
abril de 2013, a Turquia oferece residência, hospitais, educação e assistência social aos refugiados, além de emprego. “A lei estabeleceu diferentes alternativas para conseguir um trabalho, baseado no status concedido pelas autoridades nacionais”, explicou Selin Unal, representante da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) na Turquia. “Na área de educação, mais de meio milhão de crianças sírias estão assistindo aulas nas escolas do país. O programa de educação do Acnur tem focado em promover acesso ao sistema de educação nacional, o conhecimento da língua turca
e treinamento de outras habilidades, além de proporcionar o acesso à mais alta educação”, observa Selin. Mesmo assim, cerca de 40% das crianças, segundo ela, ainda não tem acesso ao programa de educação. “A Turquia ainda precisa de um suporte mais robusto da comunidade internacional; é clara a necessidade de mais recursos”, disse Selin em entrevista por e-mail. Em relação às altas taxas de desemprego na região sul do país, o pesquisador Omar Kadkoy explica que os sírios não são um problema, ao contrário, eles tem ajudado a economia porque falta trabalhadores de pouca qualificação para a indústria. “Nossas fábricas parariam se não fossem os trabalhadores sírios”, explicou Kadkoy. “Cerca de 80% dos sírios que vão para a Turquia têm oito anos ou menos de educação e portanto trabalham no setor industrial”.
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“Precisamos de trabalho, não de ajuda”, dizem refugiados sírios Desde 2011, o Brasil oferece auxílio e amparo aos deslocados pela guerra no país árabe. Mais de 2.500 obtiveram o visto de refugiado e tentam iniciar uma nova vida. Por Bárbara Araujo, Gisele Carvalho e Victória Rodrigues
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una Darweesh, 36, morava com a família em Lataquia, o principal porto da Síria. Mas, em 2013, em meio aos horrores da guerra civil, decidiu que ela, o marido e os quatro filhos pequenos deveriam partir. Eles seguiram para o Egito e lå perceberam que o Brasil seria uma boa opção. “O Brasil é mais fácil e barato. Escolhemos vir para cá porque não seria perigoso. Conseguimos o visto legal”, contou. Nenhuma unidade de medida é capaz de contabilizar a dimensão dos efeitos da guerra civil na Síria. São seis anos, quatrocentas mil mortes, cinco milhões de 22
refugiados. Por si só, os números traduzem o horror, a tristeza, e a necessidade de um novo e calmo lar. Ao desembarcar em Sao Paulo, a família procurou o apoio da Cáritas, um organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que atua em todo o país auxiliando refugiados, imigrantes e famílias carentes. Receberam ajuda financeira e assistência para obter moradia e escola para as crianças. Três meses depois, Muna já estava montando com o marido o seu próprio negócio, aproveitando o grande talento na cozinha. “Comecei vendendo doces na rua com meu marido, na frente de uma mesquita e na rua 25 de Março”, disse. 23
Após a iniciativa, Muna e o marido criaram um pequeno empreendimento de encomendas de comidas árabes, estruturado por meio de uma página no Facebook, A “Muna: Sabores e Memórias Árabes” tem quase seis mil seguidores na rede social. Hoje as encomendas garantem o sustento da família. “Precisamos de trabalho, nao de ajuda”, diz ela. A Cáritas conta com cerca de 15 mil voluntários. Fundada há quase 60 anos, o órgão ajuda refugiados de 65 nacionalidades e se preocupa em criar planos de apoio por tempo indeterminado, desde que seja do desejo do refugiado. Os programas são divididos em quatro eixos: Proteção Legal, Assistência Social, Integração Local e Saúde Mental. “Em primeiro lugar, após a chegada das famílias, mostramos que a Cáritas é um local em que eles podem confiar. Depois, buscamos alternativas de abrigamento, encaminhamento de saúde, ensino da língua portuguesa e trabalho, além de auxiliá-los em relação à solicitação de refúgio no Brasil,” diz Maria Cristina Morelli , coordenadora da Cáritas, Centro de Referência para Refugiados. O fato de terem que abandonar o
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país de origem para viver em locais totalmente desconhecidos abala muito esses refugiados, principalmente psicologicamente, observa Maria Cristina. “Aqueles que estão em situação de refúgio vão tentar se estabelecer onde quer que seja, mas jamais esquecerão que tiveram que sair forçadamente do seu país. Em geral, são pessoas muito corajosas e esperanças”. Além da questão psicológica, a condição social também é muito importante. Com tristeza na voz, Muna mostra sua dor por ter perdido contato com parte da família que ficou na Síria e com amigos que se espalharam principalmente pela Europa. Ela e o marido contaram com o apoio da Cáritas, porém, muitos refugiados sírios tentam se estabelecer por conta própria. Cidadão brasileiro há pouco tempo, o designer Ghadeer Ismael, 28, chegou ao Brasil em setembro de 2016 e, se mantém por meio de aulas de inglês. “Minha esposa e minha filha chegaram há pouco mais de três meses. Desde então, faço uns trabalhos freelancer que meus amigos alemães conse`guem. Sou desenvolvedor e designer profissional, então consigo um extra”, conta Ismael.
Natural da cidade de Homs, Ismael deixou a Síria com um misto de tristeza e alegria. “Apesar do perigo, meus amigos fizeram uma festa de despedida para mim. A última coisa que eu consigo lembrar é que foi muito difícil olhar pela última vez para a minha mãe, minha esposa e minha filha, que tinha um ano na época. Foi a primeira vez que chorei na frente da minha esposa.” Em março de 2016, o refugiado procurou a embaixada brasileira no Líbano para obter o visto brasileiro, porém só o conseguiu em
junho do mesmo ano. Apesar de hoje morar com a filha e a esposa no Brasil, seus pais e seus irmãos continuam enfrentando a guerra na cidade. Os pais não desejam deixar o país; lá viveram, lá querem morrer. Já os irmãos estão sem dinheiro para deixar o país. Enquanto o reencontro não acontece, o contato é feito por meio da internet. Uma vez por semana, Ismael se comunica com o restante da família por mensagem no Facebook e no WhatsApp; às vezes, quando a conexão está boa, é possível até mesmo conversar através de vídeo online. O bairro que Ismael morava foi sitiado pelo Estado Islâmico há pouco mais de um ano. Ele conta que, sem conseguir sair, a família e os demais moradores recebiam pão jogado de um helicóptero pelo governo. Hoje, o perigo no bairro é menor, por isso a sua família ainda mora lá. Conhecida como a “Capital da Revolução”, Homs é uma pequena província no oeste da Síria. Antes da guerra, era uma importante região economia e bem localizada geograficamente. Sua economia é importante para o país já que tem um dos principais centros industriais. Desde 2011, virou uma zona de conflito entre rebeldes
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e as forças governamentais. Em 2015 os rebeldes evacuaram a cidade e a retornou para a mão do governo. Questionado sobre como foi deixar seu país, diz que se sentia triste por deixar todos os familiares e amigos, mas, por outro lado, feliz por poder ter a oportunidade de construir um futuro com a esposa e a filha longe da guerra que paralisou suas vidas. “Como pessoa árabe, eu sei que no Brasil, se a pessoa trabalhar duro, pode conseguir tudo o que quiser”, afirma. Apesar da crise econômica no Brasil e o crescente desemprego, que já atinge 14 milhões de trabalhadores, o país ainda é visto pelos sírios como uma terra de oportunidades. Os motivos são diversos, mas os mais importantes, segundo Muna e Ismael, sao a receptividade e o multiculturalismo que enxergam aqui, onde observam um respeito pela cultura árabe. Em entrevista à Olhares do Mundo, ambos revelaram as suas visões de que, no Brasil, o trabalhador tem um futuro próspero e, por meio disso, esperam crescer profissionalmente no país.
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Refugiadas sírias usam a poesia como forma de resistência na Grécia Repetindo uma prática comum entre mulheres árabes em meio a conflitos geopolíticos e religiosos ao longo dos anos, refugiadas do campo de Ritsóna, na Grécia, relatam suas dores e seus desejos por meio da poesia Por Jamyle Rkain
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s mulheres no Oriente Médio buscaram na literatura uma forma de comunicação em relação aos conflitos em seus países. A palestina Fadwa Tuqan (19172003) é um dos exemplos mais intensos disso. Em 1968, o ministro da Defesa israelense que comandou a Guerra dos Seis Dias, Moshe Dayan, alertou para que Fadwa não fosse convidada a recitar poemas em Israel. Para ele, cada poema dela seria “capaz de criar dez soldados” contra os israelenses e que ler seus poemas eram “equivalente a enfrentar 20 comandos inimigos”.
O ato de resistência poética de Fadwa se repetiu entre outras mulheres e, agora, diante da guerra na Síria, não é diferente. Espalhadas por campos de refugiados na Europa, muitas mulheres encontraram na escrita uma forma de lidar com as dores e com os desejos de liberdade, de se aproximar de parentes que estão longe e de restituição da pátria. A oitenta quilômetros norte de Atenas, na Grécia, vivem aproximadamente 600 refugiados no acampamento de Ritsóna. A maioria dessas pessoas vem da Síria, somando 74%. Os outros 26% têm
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origem diversa, vindos de países da África, como Nigéria e Camarões, e outros países do Oriente Médio, como Irã e Iraque. Em Ritsóna, é possível encontrar uma quantidade significante de mulheres que usam a literatura como forma de resistir. Uma dessas mulheres é Doha Almasry. Com 34 anos de idade hoje, ela apagou voluntariamente muito de seu passado da memória. Prefere esquecer o caminho doloroso feito há pouco mais de três anos, desde que deixou sua terra, onde morava com a família. O marido e o filho mais velho, de 11 anos, conseguiram visto para a Alemanha. Foram os primeiros a deixar a Síria. “Eles foram para lá e fiquei com meus outros dois filhos em Al-Hameh. Desde então nunca mais os vi. Logo depois, deixei meu país também e vim para Ritsóna com os mais novos”, lamentou Doha. Apesar de não verbalizar muito sobre isso, achou outra forma de se expressar sobre os cenários que tem avistado desde que a guerra tomou conta de seu país. Nos pequenos cadernos abarrotados de poemas, guardados em um gabinete ao lado de sua cama, ela escreve sobre suas 28
dores e seus desejos. “Eu não consigo me expressar de outra forma sobre as coisas que não seja por meio da poesia”, admitiu. O marido e o filho distantes, a situação no acampamento, a repressão do governo de Bashar al-Assad e o desejo de se instalar com a família em um lugar onde tenha paz e silêncio são os temas mais usuais para ela hoje: “Escrevendo poemas, eu consigo falar sobre tudo e para todos”. Não é de agora o contato de Doha com a poesia: “Eu comecei a escrever aos 16 anos, mas não me lembro ao certo quando comecei a me interessar por literatura”. Essas lembranças também são dolorosas para ela, pois Doha deixou muita coisa para trás para facilitar a fuga, o que inclui seus vários cadernos com poemas que um dia foram permeados de temáticas mais otimistas. Apesar de achar a vida no campo de refugiados um tanto difícil, ela diz não reclamar. “Eu agradeço a Deus toda hora por tudo”, confessa. Além disso, ela afirma que o local tem uma atmosfera que a incentiva a escrever mais. Doha confessa se inspirar em Nizar Qabbani, poeta sírio conhecido por seus poemas de crítica a governos opressores 29
e à visão ocidental sobre o mundo árabe. Ele também o favorito de Sida Hasan, 18, vinda da província de Al-Hasakah, no nordeste da Síria. “Para nós, sírios, ele é o nosso Shakespeare”, afirma. Cada palavra de Sida saía como um suspiro sôfrego, mas ela mantinha o sorriso no rosto enquanto era entrevistada: “A vida aqui é muito ruim. Temos inúmeros problemas e tudo o que eu mais quero é sair daqui com a minha família”. Ela também confessa que o acampamento não
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está entre os cenários de sua escrita, ela gosta de escrever apenas sobre a Síria: “A poesia para mim, aqui, significa não perder a esperança de um futuro melhor”. A relação mais forte de Sida com a poesia começou desde que saiu da Síria com a família, há quatro anos, e foi para o Iraque. “Vivíamos em um campo de refugiados. Lá conheci meu marido e nos casamos. Poucos meses depois, viemos para cá”. Por receio do marido não gostar, Sida preferiu não ser fotografada. Deixou, porém, que
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fosse fotografado um pedaço de papel amassado encontrado pelo acampamento, no qual tinha escrito um poema curto. Segundo a brasileira Olívia Seiko Tarora, coordenadora de comunicação e diretora de conteúdo criativo da I AM YOU, uma das ONGs que trabalham no acampamento, é comum encontrar outras mulheres falando sobre poesia ou escrevendo algumas em Ritsóna. “Nas tentativas de conseguir me aproximar delas, aprendi mais sobre seus gostos e desgostos. Assim, descobri que muitas gostam de escrever poemas”, contou Olivia. Procuradas pela reportagem para falar sobre seus poemas, outras refugiadas preferiram não se manifestar. Muitas dela ainda não possuem status de refugiada ou de asilo, outras preferem preservar o nome e a imagem pela religião ou por causa dos companheiros.
Britânicos promovem cultura de acolhimento a refugiados Alarmados com o tratamento dado pela população e pelo governo a imigrantes que chegavam ao Reino Unido, voluntários criaram um movimento para conscientizar a comunidade e gerar ações e pensamentos positivos Por Larissa Zapata, Mayara Zago e Victória Silva
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a zona rural de Cambridgeshire, na Inglaterra, a escola pública Sawtry Village Academy, de ensino médio, chama atenção por uma mobilização incomum às escolas da região: arrecadação de alimentos para um abrigo local de refugiados libaneses . A ação reuniu um grupo de estudantes e professores com o objetivo de promover na comunidade uma cultura de acolhimento a recém chegados. A escola é a primeira instituição do condado de Cambridge a fazer parte de um projeto internacional chamado City of Sanctuary (Cidade Santuária). O City of Sanctuary atua em diversos
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países, mas tem presença mais forte no Reino Unido, onde desenvolve atividades em escolas, igrejas e centros comunitários em todo o país. “Sentimos que é importante promover uma cultura de recepção e hospitalidade aos que pedem asilo no Reino Unido em busca de um lugar seguro porque sao perseguidos em seus países”, explicou Sarah Eldridge, representante do City of Sanctuary, em entrevista a “Olhares do Mundo”. “Alguns britânicos sao resistentes aos imigrantes por uma série de razões. Talvez eles se sintam marginalizados pela pobreza, insegurança, etc. Nós tentamos lembra-los
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que os refugiados sofreram e precisam de um santuário. Tentamos promover ações e sentimentos positivos”, salienta. O projeto City of Sanctuary nasceu há dez anos em Sheffield, no norte da Inglaterra. A ideia, segundo Sarah, veio de um reverendo da igreja Metodista, Inderjit Bhogal, que estava alarmado com o modo como as pessoas tratam os refugiados e, em especial, a maneira como o governo britânico os prende em centros de detenção. O projeto também foi uma resposta à representação negativa dos refugiados na mídia nacional e no discurso de alguns políticos. Por meio de palestras e eventos em escolas e locais públicos, voluntários do projeto passam informações sobre as dificuldades enfrentadas em várias nações do mundo, como guerras e fome, e proporcionam aos moradores locais um encontro com refugiados e imigrantes. “Uma de nossas principais atividades e aumentar a consciência sobre fatos relacionados à imigração. Um de nossos voluntários é um refugiado político que treina outros refugiados a falar sobre porque tiveram de fugir de seus países e como é 34
ser um imigrante. Ele os leva às escolas, grupos comunitários e centros de serviço para contar histórias pessoais e responder questões”, conta Sarah. “Muitas pessoas sao bem positivas quando encontram um refugiado pessoalmente”. Tony King, representante do projeto em Cambridge, conta que apesar da boa receptividade em relação ao movimento na cidade, já teve que enfrentar algumas respostas negativas quando buscou conscientizar os britânicos da importância da inserção dos refugiados e imigrantes na sociedade. “Eu já encontrei muita ignorância, mesmo por parte das pessoas mais inteligentes, quando o assunto em questão é migração e refúgio. Essas pessoas continuam achando que os refugiados podem ‘voltar para onde eles vieram’. E que ‘os migrantes estão apenas abusando dos recursos do país de hospedagem’, mesmo que na verdade a realidade seja o oposto disso”, completa King. As escolas sao prioritárias dentro do projeto porque, segundo King, existe uma facilidade muito maior em aproximar as crianças de uma cultura de acolhimento
a estrangeiros do que adultos que já possuem uma visão formada, muitas vezes preconceituosa. “É difícil manter as pessoas engajadas em algo social. É por isso que o foco do projeto sao as crianças – quanto mais nova a pessoa, mais abertas e empáticas com a situação elas são”, comentou. King ressalta que o projeto está convidando escolas a se tornarem ‘Escolas Santuárias’: locais onde as crianças podem ser ensinadas sobre migração e necessidades dos refugiados. “As crianças aprendem também como respeitar os migrantes e refugiados em sua chegada.” Crianças refugiadas Além do City of Sanctuary, outros projetos internacionais se empenham para que cada vez mais seja garantido o bem estar das crianças e jovens refugiados. O Refugee Child Backpacks (Mochilas para Crianças Refugiadas), por exemplo, promove a distribuição de mochilas com itens essenciais de sobrevivência, como comida, água, produtos de higiene pessoal e brinquedos. Na mesma linha, o projeto Refugee Council (Conselhos de refugiados), único no Reino Unido para crianças
“desacompanhadas”, oferece atendimento, cuidados e escolas aos meninos e meninas que chegam ao país sem os pais. A organização tem um setor para jovens, o Youth Development Project (Projeto de Desenvolvimento Juvenil), empenhado em dar aulas de inglês, matemática e música e promover viagens para integração. Ao todo são sete projetos no Refugee Council voltados para diferentes faixas etárias. Todos com o objetivo de tentar garantir aos jovens um recomeço. A demanda aumenta cada vez mais com a chegada de novos refugiados, mas o número de projetos também tem crescido para ajudar os refugiados a se sentirem “em casa”. Hoje, segundo a ONU, há cerca de 22,5 milhões de pessoas ao redor do mundo em situação de refúgio por causa de conflitos em seus países. Segundo Sarah, a gravidade da crise, ao mesmo tempo em que estimula o crescimento de grupos de extrema direita contrários aos estrangeiros, também comove um número maior de europeus, que se sentem solidários e aceitam a imigração como uma responsabilidade pública.
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Brexit cria insegurança no Reino Unido e estrangeiros pensam em deixar o país Cidadãos com nacionalidade europeia temem perder empregos com a saída do Reino Unido do bloco europeu e se sentem ameaçados pelo crescimento da xenofobia Por Guilherme Celante Dias, Henrique Macedo, João Pedro Prieto e Nicole Thomaso
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temor de que a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) afete a vida de estrangeiros tem levado muitos imigrantes a deixar o país. “A sensação vivida por muitos é de alerta em relação ao que pode acontecer”, diz o correspondente da TV Record em Londres, André Felipe. “Muita decepção e angústia sobre o futuro. Os crimes de ódio também aumentaram contra estrangeiros. A sensação é de que o Reino Unido fechou as portas para quem se sentia bem-vindo”, disse o repórter em entrevista a “Olhares do Mundo”.
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Uma pesquisa realizada em 2016 pelo Instituto Nacional de Estatísticas (ONS) de Londres mostrou que, mesmo antes da votação do Brexit, cerca de 117.000 cidadãos da UE deixaram o Reino Unido naquele ano, 31.000 a mais que em 2015, a maior estimativa registrada desde 2009. A brasileira, Marcela Fernandes, 34, mora há quatro meses em Londres e afirma que, caso seja necessário, também deixará o país, mesmo não sendo de sua vontade. “Meu maior medo é que quem possui passaporte da União Europeia, como eu, precise sair às pressas”, comenta.
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A preocupação dos imigrantes aumenta a cada dia porque o governo britânico ainda não se pronunciou em relação à permanência de cidadãos da União Europeia no país. O problema afeta mais aqueles que moram no Reino Unidos há pouco tempo. A advogada brasileira Vitória Nabas, especialista em imigração com escritório em Londres, explica que, se o estrangeiro já morar no Reino Unido por cinco anos pagando impostos (ou dentro de uma de outras categorias do Tratado de Roma), poderá pedir a residência permanente e, após um ano, a cidadania britânica, sem se preocupar com o Brexit. Mas aqueles que ainda não completaram cinco anos, devem fazer seu “Registration Certificate” para ter o registro inicial. “Os europeus, agora se veem numa posição que nunca haviam sentido antes. Porém quem está fazendo tudo o que o tratado de Roma prevê, não tem o que temer. Não acredito que alguém seja convidado a se retirar”, diz a advogada. Além da insegurança jurídica, os estrangeiros temem o crescimento da xenofobia, principalmente depois dos recentes ataques terroristas no país, que 38
levaram a novas restrições imigratórias. De acordo com um relatório da Polícia britânica, os crimes de ódio aumentaram 30,2% após a votação do Brexit. “[Estrangeiros] acabaram sendo objeto de ataques por aqueles com posições anti-imigração, ou por problemas pontuais, como a utilização de forma errada dos benefícios sociais oferecidos”, afirma o repórter da BBC News Hugo Bachega. “Os ataques são usados por muitos como uma justificativa para maiores controles imigratórios – apesar de a maioria dos autores dos ataques na Inglaterra ser britânica”. Segundo o repórter da BBC, muitos imigrantes se ressentem porque as contribuições que deram e dão ao país não são devidamente reconhecidas. Segundo a Organização Internacional de Migração (OIM), os imigrantes ocupam 13,20% da população total de residentes do país e são ativos na economia local. O cientista político e professor de Teoria Política da Universidade de Cambridge, John Dunn, salienta que a Grã-Bretanha ganhou muito mais do que perdeu ao participar da União Europeia e sua saída do bloco terá repercussão
econômica, inclusive do ponto de vista de perda de trabalhadores. “Penso que certamente causará danos muito graves à economia, à facilidade cultural e ao padrão de vida da grande maioria da população, especialmente entre os que provavelmente votaram a favor do Brexit”, afirmou Dunn em entrevista por e-mail. Nabas explica que a saída dos imigrantes, que atualmente representam 11% da mão de obra do país, pode afetar diretamente a economia britânica, visto que o emprego no Reino Unido é suprido pelo trabalho estrangeiro. “Já é possível ver um certo pânico e incertezas de alguns empregadores que preferem não contratar imigrantes, uma vez que não sabem o que ocorrerá no futuro”, afirma. O impacto econômico é um dos pontos de maior crítica por parte dos que não querem a saída do bloco. Em um relatório realizado pela British Retail Consortium (BRC), órgão de pesquisa do setor industrial britânico, 56% dos industriais e varejistas afirmam ter preocupações de que seus colegas da União Europeia percam o direito de viver no Reino Unido. Para Bachega, o impacto causado pela
incerteza do Brexit já pode ser sentido no país; a cotação da moeda nacional, a libra esterlina, tem sofrido variações e perda de valor para o dólar americano e para o Euro, e isso tem causado um aumento de custos para os britânicos, além de inflação e redução de investimentos. “Além disso, se empresas e instituições forem forçadas a relocar, mesmo que parcialmente, suas estruturas para a Europa, haverá não só fuga de investimento, mas de empregos”, acrescenta. A britânica Valeria Cavellucci, de 48 anos, foi uma das que votou pela permanência do país na União Européia e já está sentindo as alterações. Casada com um italiano, ela diz que o Brexit afetou não só os estrangeiros, levandoos a sair, como também muitos britânicos que se sentem traídos pelas decisões do governo. “O clima de pessimismo é geral”, disse em entrevista. “Com o Brexit aconteceram muitos cortes na área social, e já ouvi falar que vai piorar. Nesse caso me afeta porque tenho um filho autista e estão diminuindo muito os benefícios que tenho para ele, não necessariamente financeiro, mas apoio na escola, etc.
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Políticos sul-africanos atacam imigrantes para obter apoio popular Refletindo a onda conservadora nos Estados Unidos e na Europa, autoridades sul-africanas adotam discurso xenófobo e culpam os estrangeiros pelo desemprego Por Brian Alan, Cecília Ferreira, Matheus Lima e Rebeca Simão
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m julho de 2017, o vice-ministro de Segurança sul-africano, Bongani Mkongi, alarmou especialistas e a imprensa ao atacar imigrantes numa visita a cidade de Hillbrow, próxima a Joanesburgo. “Como uma cidade da África do Sul pode ser 80% estrangeira? Isso é perigoso. Os sul-africanos renderam sua própria cidade aos estrangeiros”, disse ele em discurso a policiais numa delegacia local. O pronunciamento de Mkongi repercutiu fortemente na mídia, refletindo o crescimento da xenofobia no país. Desde a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, o discurso contra imigrantes 40
passou a ser cada vez mais explorado por políticos sul-africanos em busca de apoio popular. Com 50 milhões de habitantes, a África do Sul é o território mais rico do continente e acaba recebendo muitos imigrantes de países vizinhos, assolados por fome e guerras. Para o diretor do Centro Africano de Migração e Sociedade da Wits University, em Joanesburgo, Loren Landau, a xenofobia sempre foi parte do discurso político, mas geralmente em nível local, em campanhas e encontros fora da imprensa nacional. Ele observa, no entanto, que as declarações xenófobas passaram agora a fazer parte dos níveis mais altos da política. “Percebo 41
que isso acontece por dois motivos: um deles é que os políticos aprenderam que usar a xenofobia como um bode expiatório é uma estratégia efetiva para mobilizar a população. Em segundo lugar, a política partidária tornou-se repentinamente mais competitiva”, afirmou o especialista em entrevista por e-mail a “Olhares do Mundo”. Usar os imigrantes como culpados dos problemas da população tornou-se uma tática recorrente. Em fevereiro de 2017, o prefeito da cidade de Joanesburgo, Herman Mashaba, acompanhou um grupo de policiais em uma invasão de um bairro com imigrantes prometendo livrar a cidade do crime e das pessoas que estavam ali ilegalmente. No mesmo mês, lojas de propriedade estrangeira na cidade de Pretória foram saqueadas. Em 2015, o rei zulu Goodwill Zwelitjini, disse que os estrangeiros deveriam fazer as malas e abandonar o país. Dias depois de sua declaração, dois cidadãos moçambicanos que moravam na África do Sul foram assassinados na cidade de Durban. Segundo o professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Wits, David Dickinson, é mais importante olhar para o porquê de os políticos adotarem 42
tais discursos. “A realidade é que existe uma xenofobia profunda e generalizada entre grandes setores da população. Alguns políticos estão respondendo a isso, enquanto outros tentam mais responsavelmente unir as pessoas. No entanto, a unidade política só é possível se as motivações da xenofobia forem abordadas”, afirmou em entrevista por e-mail. Em um país com uma taxa de desemprego muito alta, cerca de 35%, um dos principais motivos de a população atacar os estrangeiros é a competição por trabalho, principalmente em áreas que exigem pouca qualificação. Segundo Dickinson, “há relativamente poucos sentimentos xenófobos em relação aos imigrantes altamente qualificados, porque é um país de habilidades baixas, e há muito menos concorrência por empregos altamente qualificados.” A África do Sul sofre até hoje com as consequências do Apartheid, política racial implantada no país que mantinha todo o poder político e econômico nas mãos de uma minoria branca, enquanto à imensa maioria negra era obrigada a obedecer rigorosamente à legislação separatista.
Sharon Ekambaram, gerente do Programa de Direitos dos Refugiados e dos Migrantes da ONG Advogados por Direitos Humanos (Lawyers for Human Rights), observa que a África do Sul é uma das sociedades mais injustas do mundo. Políticas econômicas fracassadas aprofundaram o desemprego e resultaram no aumento da pobreza. “Os políticos culpam os estrangeiros por tirar o emprego da população”, lamenta. “Enquanto os estrangeiros continuarem a serem usados como peões políticos em uma corrida cada vez mais competitiva por votos, o sistema permanecerá disfuncional e deixará este grupo vulnerável da nossa sociedade de lado”. O último senso realizado no país, em 2016, apontou a presença de aproximadamente 1,6 milhão de estrangeiros. Landau reconhece que o país não tem estrutura adequada para receber tantos imigrantes. “A África do Sul claramente não se preparou, institucionalmente ou politicamente, para lidar com os desafios da imigração. Isso inclui desemprego, urbanização, educação, entre outros. Porque é incapaz de suprir as necessidades de seus próprios cidadãos, pode-se dizer que o país está mal equipado para lidar com a presença de estrangeiros”,
afirma. Em relação às políticas públicas para imigração no país, o professor da Wits University as julga inconsistentes e incapazes de prover segurança econômica ou física para os sul-africanos. “Se há uma coisa que eu posso afirmar sobre a política da África do Sul é que ela é baseada em mitos e conceitos incorretos, ao invés de fatos”, lamenta. Em junho deste ano, o Ministro dos Assuntos Internos da África do Sul divulgou um novo documento sobre Migração Internacional, o chamado “Green Paper”, que pretende ser uma estrutura política para discutir a questão. “Esta é a primeira vez que a política de migração foi revisada desde o final da década de 1990 e nós agradecemos a oportunidade de falar sobre questões de gerenciamento de migração”, aponta Sharon. Ela lamenta, no entanto, que as ações do Departamento tamento de Assuntos Internos (DAI) têm deixado aqueles que procuram asilo em um limbo, com pouco acesso a serviços ou proteção. Ao olhar para os números do Green Paper, há mais de um milhão de pedidos de requerentes de asilo. Porém, quando se analisa o documento com mais 43
profundidade, nota-se que, na verdade, há apenas 70 mil permissões ativas de candidatos à asilo, menos que 10% do arquivado nos livros do DAI. Segundo a advogada, esses números inflados foram mal utilizados para instalar o medo na opinião pública de que a África do Sul está sendo “invadida por estrangeiros”, enquanto números menores são utilizados para justificar a redução de serviços.
Migração fragmenta famílias venezuelanas e reduz qualidade da mão de obra Segundo a ONU, mais de 52 mil já solicitaram refúgio em outros países em 2017. Além da dor da separação, o país perde grande número de profissionais capacitados. Especialistas ouvidos por Olhares do Mundo observam que até as universidades estão ficando vazias Por Pedro Cunacia, Ana Beatriz Lobo, João Vicente, Sergio Henrique e Thais Genovese
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venezuelano José Raphael Rodriguez, 38 anos, é formado em Economia, mas sobrevive vendendo lanches para a vizinhança em Anápolis (GO). Ele, a mulher (também formada em Economia) e a filha de 7 anos tinham uma vida confortável em El Tigre-Anzoategui, na Venezuela, mas abandonaram tudo há dois anos porque a vida em seu país ficou insustentável. “Não tem medicamentos, nem para uma gripe. Há vários mortos por falta de remédios
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básicos”, conta. “As famílias de classe média estão magrinhas. Pode imaginar como estão os que não são de classe média? Quem era pobre virou indigente”, lamenta o casal em entrevista a “Olhares do Mundo”. Nestor Monsalve, 32 anos, gerente em uma loja de construção, chegou em novembro de 2016 com a esposa e a irmã, fugindo não só das enormes filas para a compra de alimentos, mas da violência. Durante um almoço num restaurante
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na cidade de Barquisimeto, no estado de Lara, ele e os demais clientes foram assaltados e, por não terem o que entregar aos bandidos, foram ameaçados com uma arma na cabeça. Logo depois, três pessoas foram mortas num assalto no condomínio em que ele morava. “Naquele dia, depois que o susto e o nervosismo passaram, a gente tomou a decisão de ir embora”, comentou.Para Yorelis Acosta, psicóloga social da Universidad Central de Venezuela (UCV) com especialização na área de protestos, o mais doloroso desse processo de emigração é a fragmentação das famílias. “Psicologicamente é complicado, porque todas as semanas nos despedimos de amigos e familiares, o que causa dor e nostalgia nas pessoas. Em toda nossa história, não tivemos um momento de emigração tão forte, pelo contrário, a Venezuela sempre recebeu outras pessoas no país, tanto da Europa, como da América do Sul”, contou Yorelis em entrevista por e-mail. Com a saída de muitos venezuelanos do país, a mão de obra local também sofre modificações. A professora da UCV diz que
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a migração de tantos trabalhadores abre espaço no mercado de trabalho para os que ficam, o que alivia a pressão sobre o governo, mas a migração afeta a qualidade da produção. “Se por um lado é bom para a Venezuela ter menos desempregados, por outro, fica cada vez mais complicado encontrar trabalhadores capacitados no país”, explica Yorelis. “Além disso, as universidades também ficam carentes de professores, porque a maioria não consegue viver com o salário da profissão e, por consequência, o ensino é prejudicado. As universidades estão ficando desertas”, lamenta. A maioria dos imigrantes venezuelanos entra no Brasil pela fronteira entre Santa Elena de Uairén e Pacaraima (RO) seguindo para outras cidades brasileiras, preferencialmente o sul. Monsalve chegou a Boa Vista (RR), em Roraima, com visto de trabalho, mesmo assim enfrentou grandes dificuldades para encontrar uma ocupação. Atualmente mora com a família em Florianópolis (SC), e foi lá que ele obteve visto de refugiado. Segundo ele, com este tipo de visto é mais fácil solicitar a carteira
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de trabalho brasileira. Monsalve conseguiu o protocolo de refugiado em apenas cinco dias, porém isso não é definitivo: “Nosso protocolo de refúgio está em processo de aprovação no CONARE (Comissão Nacional de Refugiados) e estamos aguardando a decisão deles”, explicou. Mesmo enfrentando crise econômica e desemprego, o Brasil se apresenta como uma alternativa de sobrevivência para milhares de venezuelanos. Acredita-se que mais de 12 mil tenham buscado refúgio no país desde que a crise política e econômica na Venezuela se acentuou três anos atrás. Segundo dados da Polícia Federal de Roraima, o número de venezuelanos que solicitaram refúgio subiu de 9 pessoas em 2014, para 2.230 em 2016. Estima-se que 30 mil venezuelanos vivam em território brasileiro. De acordo com a ONU, mais de 52 mil já solicitaram refúgio em outros países em 2017. O número equivale a quase o dobro do verificado em 2016, quando havia 27 mil venezuelanos requerendo asilo em diferentes partes do mundo. Anitza Freitez, professora de demografia da Universidad Católica Andrés Bello e especialista no tema emigração, observa 48
que, com o acirramento da crise econômica na Venezuela, uma nova classe passou a se refugiar no Brasil. “Antigamente, eram os ricos que deixavam o país. Atualmente, o cenário mudou e são os mais pobres que migram para território brasileiro”, comenta. “O pior disso é que não existe uma perspectiva de melhora, porque enquanto a os meios de comunicação tentam propor um debate sobre o tema através de reportagens e publicações, o governo adota uma medida de não se pronunciar sobre esse assunto”. No Brasil, os imigrantes Rodriguez e Monsalve acompanham ansiosos os desdobramentos da crise política e econômica na Venezuela. O sonho é retornar ao país de origem com seus filhos. “Eu tenho a esperança de que algum dia nossos filhos venezuelanos, mas nascidos no estrangeiro, regressem, a uma Venezuela bonita, próspera, cheia de verdadeiras oportunidades para todos”, disse Monsalve.
Crise econômica leva haitianos a desistir do Brasil Em meio às altas taxas de desemprego e dificuldades de inclusão social, imigrantes e refugiados buscam novas oportunidades no Chile
Por Alexa Meirelles, Guilherme Pin e Victor Russo
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eneviève Cherubin, ou Gene, como gosta de ser chamada, leva uma vida diferente daquela enfrentada pela maioria dos imigrantes haitianos. No Brasil desde 2015, a professora de francês, 35 anos, diz achar que, às vezes, incomoda as pessoas por estar sempre feliz e sorrindo. Ao contrário de seus conterrâneos, Gene consegue bancar o aluguel de um cômodo no bairro do Cambuci, Zona Oeste de São Paulo. Ainda assim, impressiona-se com o alto custo de vida no Brasil. O quarto onde vive, em uma pensão, custa mensalmente cerca de R$ 600,00. Ela se lembra de como tudo era mais barato no Equador, onde
ficou durante seis meses antes de vir para o Brasil. “Esse aluguel equivale a uma casa de três quartos com garagem lá. Em São Paulo, não dá”. Gene é um ponto fora da curva quando se fala em imigração haitiana para o Brasil nos últimos quatro anos. Em um movimento de contramão, a professora chegou ao país quando os haitianos começaram a sair daqui em busca de melhores oportunidades no Chile . A crise econômica que teve seu auge em 2015 resultou na queda brusca de empregos. O Brasil recebeu um número significativo de haitianos a partir de 2010. Dados do Sistema de Tráfego Internacional (STI) da 49
Polícia Federal mostram que mais de 72 mil entraram pelas fronteiras brasileiras. O terremoto que assolou a pequena ilha na região caribenha naquele ano matou cerca de 200 mil pessoas e deixou quase um milhão e meio de pessoas desabrigadas, vulneráveis e sem condições básicas de sobrevivência. O êxodo foi massivo e inevitável – “o país mais pobre das Américas” era um lugar impossível para se viver ou de se ter qualquer tipo de perspectiva de ascensão social ou profissional. Milhares de haitianos empacotaram seus pertences e rumaram para o norte e o sul do continente, principalmente para o Brasil, que na época chegou a ter um crescimento econômico de 7,5%. O cenário, contudo, mudou. Sem perspectiva em no Haiti, esses imigrantes também não conseguem mais se estabelecer aqui. Os poucos empregos que encontram, geralmente, são precários – sobretudo, na construção civil. “Eu continuei fazendo o que sabia fazer lá. Mas tem gente que chega aqui e muda tudo, faz o que não
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gosta, ou tem que estudar outra coisa para sobreviver”, lamenta Gene. Levantamento realizado por Luís Felipe Aires Magalhães, pós-doutorando no Observatório das Metrópoles (PUCSP) e pesquisador no Observatório das Migrações (Unicamp), mostra que, em 2015, o número de carteiras de trabalho emitidas a haitianos diminuiu 7,66%. O número de admissões no mercado formal de trabalho caiu de forma significativa. Enquanto em 2014 mais de 60 mil imigrantes foram admitidos, em 2015 esse número baixou para cerca de 29 mil. Esse desemprego afeta não apenas a vida do imigrante no Brasil, mas sobretudo, a economia da ilha. Dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) mostram que entre 2005 e 2015, as remessas de dinheiro enviadas por imigrante aos seus familiares representavam entre 22 e 26% do PIB do país. Gene diz que enviar dinheiro para família já é uma “tradição” para os imigrantes. Apesar de conseguir se sustentar aqui, ela sabe que, para
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todos os outros, é difícil mandar dinheiro ao Haiti. “Quando estamos trabalhando e temos que enviar para lá metade do salário, não é fácil”, diz a imigrante. A frustração no Brasil está relacionada também ao fato de o país não conseguir oferecer aos haitianos trabalho compatível com a formação acadêmica de muitos deles. Alex André Vargem, sociólogo e membro do Instituto do Desenvolvimento da Diáspora Africana no Brasil (IDDAB), diz que a dificuldade de inclusão, a xenofobia e o desamparo por parte do poder público tem levado muitos desistir do país. “O salário precário que recebem em relação aos dos brasileiros que exercem a mesma função, a exploração da mão de obra, a não compatibilidade com a função exercida são alguns dos motivos que estão fazendo os haitianos deixarem o Brasil”, explica o sociólogo. A alternativa tem sido buscar outras nações. “Entre 2015 e 2016, milhares já deixaram o país rumo ao Chile, alguns estão na fronteira do México para tentar entrar nos Estados Unidos, outros querem retornar para o próprio Haiti”, comenta Vargem. 52
Segundo dados do Boletim Informativo do Departamento de Extranjería y Migración (DEM) do Chile, entre 2006 e 2015, o número de haitianos que conseguiram sua permissão para permanência definitiva no país subiu de 1 para 1.183 pessoas, sendo que mais de mil delas obtiveram a documentação depois de 2012. O Boletim ainda mostra que houve um crescimento maior de vistos temporários outorgados nesse mesmo período. Foram quase nove mil vistos liberados a partir de 2006, e mais de cinco mil após 2012. Apesar do crescimento da migração para o Chile, os Estados Unidos são atualmente o país mais procurado pelos haitianos. Segundo dados da imprensa internacional, mais de cinco mil imigrantes se encontram nas “cidades-fronteira” de Mexicali e Tijuana. Outros cinco mil imigrantes entraram sem visto no país em 2016. A agência de notícias EFE divulgou dados da Guarda Costeira americana que interceptou 1.208 haitianos tentando entrar ilegalmente nos Estados Unidos em embarcações em 2016. Atualmente, entre 50 e 60 mil haitianos
nacionalizados vivem nos Estados Unidos com o Temporary Protected Status, ou Status Temporário de Proteção, do imigrante. O TPS é dado a imigrantes cujas condições do país de origem impedem que eles retornem de forma segura. Patricia Elizee, advogada hatiana estabelecida em Miami com especialização na área de imigração lamenta as declarações do governo Trump de que não irá renovar o
TPS para haitianos. Possivelmente os imigrantes serão deportados, o que Elizee julga como prejudicial à fraca economia hatiana. “Não há trabalhos suficientes no Haiti para esses 50 ou 60 mil que voltarão”. Com medo da deportação, mais de 2500 haitianos buscaram refúgio no Canadá desde julho, segundo informações do France Presse. A agência EFE diz que de janeiro a junho deste ano, o estado
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do Québec recebeu mais de seis mil solicitantes de refúgio, sendo, segundo autoridades canadenses, a maioria de origem haitiana. No Brasil, Gene se considera sortuda por ter encontrado emprego um mês após chegar ao país. Ela dá aulas de francês no projeto Conectados, uma ferramenta virtual gratuita que facilita a venda de produtos e contratação de serviços oferecidos por refugiados e imigrantes que moram em São Paulo para outros brasileiros. “Era como se o emprego tivesse me esperando”, comenta. Deixou a mãe e o irmão no Haiti; o filho de 15 anos vive com o exmarido dela nos Estados Unidos. Diz, com saudosismo, que poderia ter ficado por lá, mas queria conhecer coisas novas. Sobretudo, saiu em busca de independência. “Quando você é adulto, você quer ter independência. As coisas no Haiti são muito ruins, a situação econômica, não tem emprego”. Os familiares da professora preferem, no entanto, permanecer na ilha. “Na nossa cabeça, tudo é melhor no Haiti. Mas o
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Haiti somos nós mesmos, não a terra”. A Nova Lei de Migrações foi aprovada com o objetivo de facilitar a inclusão dos imigrantes e refugiados, retirando entraves à cidadania, à participação política e à garantia de Direitos Humanos. Ainda assim, o pesquisador Luís Felipe Magalhães não julga a medida suficiente. “Por ora, imigrantes haitianos infelizmente seguem sendo subalternizados no país, não obstante as enormes contribuições que têm dado a nossa economia e sociedade”.
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Novos e sonhadores, imigrantes bolivianos buscam prosperidade em São Paulo Acordos do Mercosul permitiram aos cidadãos do bloco fixar residência nos países membros; trabalhadores ilegais conseguiram sair da clandestinidade e melhorar de vida no Brasil
Por João Izzo, Arthur Gabor, Lucas Antônio, Lucas Capeloci
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afael Aguilar tem 40 anos, 15 deles vividos em São Paulo, onde progrediu do trabalho extenuante e mal pago em tecelagens para a posição de professor de modelagem em uma escola de costura. Aos domingos, para uma grana extra, ele instala sua barraca de DVD’s de música boliviana na praça Kantuta, no bairro do Pari, local de diversão de boa parte da numerosa comunidade boliviana na capital paulista. “Hoje em dia dá para se sentir gente”, diz Aguilar, satisfeito com os acordos do Mercosul, que permitiram aos cidadãos 56
do bloco econômico fixarem residência nos países membros. “Não somos mais ilegais, a parte de documentação mudou muito; em dez minutos, você consegue a documentação na Polícia Federal”, comenta. De acordo com dados do governo, cerda de 300 mil bolivianos vivem legalmente no Brasil, 200 mil deles no estado de São Paulo. Na capital, é na Kantuta, praça que leva o nome de uma flor boliviana, que se pode apreciar a riqueza cultural de um país que reúne 37 etnias. Há barracas com quitutes típicos, como as salteñas, temperos andinos, 57
produtos industrializados populares na Bolívia, instrumentos musicais de sopro, malhas e bordados tradicionais. Não faltam também no local as festas organizadas pela ADRB (Associação de Residentes Bolivianos). A organização, sem fins lucrativos, visa integrar a comunidade boliviana em São Paulo por meio de atividades culturais. Realiza também parcerias para atendimento médico e dentário. A secretária-geral da ADRB é Rosana Camacho, 54, filha de imigrantes. Os pais dela chegaram no Brasil nos anos 1960 e são os fundadores da associação. Rosana explica que a primeira geração de imigrantes bolivianos, vindos nas décadas de 1950 e 1960, chegou ao Brasil para se profissionalizar em nível técnico e acadêmico; eram pessoas oriundas das principais cidades da Bolívia. Tinham ascendência europeia e foram morar em bairros ricos, como Higienópolis e Morumbi. A segunda leva chega a partir dos anos 1980 motivada pela crise econômica. São trabalhadores de baixa renda em busca de trabalho. As dificuldades econômicas e o sudesenvolvimento da Bolívia já expulsou 58
do país pelo menos menos 2,5 milhões de bolivianos, um quarto de sua população. Destes, cerca de 190 mil saíram apenas no ano de 2006. As maiores comunidades estão na Espanha (350 mil) e no Brasil. “A segunda geração passou por problemas de hiperinflação, instabilidade do governo e fechamento das minas, o que causou grande fluxo para a Argentina e Brasil a partir dos anos 1980 e 1990”, salienta Rosana. A secretária geral da ADRB observa que, atualmente, diante da estabilidade política e do crescimento econômico registrado na Bolívia, muitos imigrantes estão voltando para a casa devido. “O presidente Evo Morales abriu programas sociais, e, como a cultura possui um nível comunitário, diferentemente do Brasil, as pessoas acabam retornando”, afirma. De acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), a pobrezana Bolívia recuou de 59,6% a 38,6% entre 2005 e 2015. Mas o setor têxtil em São Paulo continua atraindo bolivianos de baixa renda que almejam melhores moradias, alimentação e salário, além de um futuro melhor para suas próximas gerações.
“A comunidade boliviana (em São Paulo) está formada em 70% de pessoas que trabalham na área da confecção. É uma mão de obra desqualificada”, lamenta Rosana. “A maioria dos imigrantes fica deslumbrada com as possibilidades e acaba ficando aqui pensando em constituir família no Brasil. É um perfil jovem, de 18 a 25 anos, com homens e mulheres solteiros”. O problema central, segundo ela, é que os bolivianos chegam com muita ilusão e altas expectativas que acabam não se realizando. Apesar das denúncias na imprensa em relação ao trabalho escravo e de mais fiscalização por parte de órgãos públicos, ainda há trabalho irregular e exploração. Para Aguilar, o principal inimigo do imigrante boliviano é o próprio compatriota que o engana e o estimula a deixar o país, prometendo dinheiro fácil e boas condições de vida no Brasil. “Eles fazem isso para tentar tirar alguma vantagem, normalmente colocando seu conterrâneo em alguma situação bem adversa, como trabalho exploratório”, diz o professor de modelagem a respeito de bolivianos que estabelecem negócios em São Paulo e passam a explorar conterrâneos.
Aguilar conta que já trabalhou em diversas tecelagens, e, quando o patrão se negava a pagar o salário justo ou ameaçava denunciá-lo para a polícia federal, ele fugia pelo telhado e procurava outro emprego em melhores condições. “Só é escravo quem é, eu fugia sem pensar duas vezes”, comenta.
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Refugiados no Egito enfrentam rejeição e racismo nas periferias das grandes cidades O país recebeu mais 5 milhões de árabes e africanos que fogem de guerras e da fome. Voluntários brasileiros relatam conflitos com a população mais pobre, situação de miséria e descaso por parte do governo Por Beatriz Trevisan e Luiza Tozzato
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edro Pilleco, 19, estudante de engenharia química da Universidade Federal de Santa Maria (UFMS), no Rio Grande do Sul, aterrissou no Cairo em 2017 para um trabalho voluntário junto a crianças pobres. Lá, ajudou em orfanatos e deu aulas de inglês para filhos de refugiados. O intercâmbio foi organizado pela agência Aiesec, uma organização não governamental administrada por estudantes, que promove programas de trabalho voluntário no mundo inteiro. No Egito, Pilleco atuou junto à ONG Tadamon, um Centro Multicultural de Refugiados Egípcios. 60
O estudante brasileiro ficou impressionado com a situação de pobreza dos refugiados árabes e africanos que chegam ao Egito fugindo de guerras, perseguições ou da fome. Milhares de pessoas, em sua maioria fugindo da Síria, mas também do Iraque, Etiópia, Somália, Sudão do Sul e Eritréia vivem hoje nas periferias da capital egípcia e em campos improvisados. Pilleco observa que o apoio dado pelo governo ao orfanato egípcio era “de primeiro mundo” se comparado ao atendimento às crianças refugiadas. “Elas não recebiam nada”, lamentou. “Os egípcios não são ‘braços abertos’, não
gostam muito dos refugiados, tanto que eles vivem segregados e não são bem tratados”. Segundo dados do governo egípcio, o número de refugiados no país já passa dos 5 milhões. O professor de história e atualidades Daniel Pereira, que acompanha a situação para suas aulas no Curso Pré-Vestibular Poliedro, explica que o Egito é um dos países mais estáveis da região e tem uma economia diversificada. Isso acaba atraindo um número maior de imigrantes. “A quantidade de pessoas que
estão chegando no Egito é muito maior do que o país pode suportar. O que resulta na história já conhecida: o governo não dá o suporte necessário a essa parcela da população, fazendo com que eles sejam dependentes de ONG’s”, comenta. A taxa de desemprego no Egito é de 11% da força de trabalho, mas, de acordo com a ONU, 30% da população vive na pobreza, e a chegada de estrangeiros gera grande tensão, principalmente nas áreas mais carentes. O Cairo possui uma das maiores populações refugiadas urbanas do mundo, e ela se 61
concentra justamente nas regiões mais marginalizadas, levando a fortes disputas por recursos com os vizinhos egípcios. Há relatos de conflitos e de racismo. “Na verdade, essa imagem de local onde há emprego é uma ilusão, então o refugiado acaba disputando espaço na economia justamente com a população mais pobre”, explica Pereira. Tasnim Mohamed, 22 anos, estudante egípcia de artes plásticas, membro da equipe da Aiesec Egito, diz que o trabalho da Tadamon é dar apoio aos refugiados no primeiro ano de vida no país. A organização oferece abrigos, escolas e serviços médicos e psicológicos. “O governo egípcio não tem um papel importante para os refugiados, toda a ajuda que eles recebem é do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e das ONGs locais”, explica Tasnim. A voluntária egípcia diz que os refugiados têm histórias de vida muito tristes. Uma das que mais a marcou foi a da etíope Farida, hoje com 30 anos. Ela se perdeu de sua família quando tinha 7 anos, foi estuprada até os 15, teve um filho, mas o perdeu na guerra civil do seu país. Tentou atravessar o mar em busca de uma nova vida no Oriente Médio e acabou 62
sendo sequestrada e largada na Arábia Saudita. De lá, se refugiou no Egito onde vive há cerca de 2 anos. Encontrou ajuda na Tadamon. Na ONG, Farida participou de sessões de acompanhamento psicológico e empoderamento feminino. No início, não conseguia nem falar. “Em uma das sessões, ela desenhou um mapa do caminho que queria seguir. Pedimos para pendurá-lo na parede de sua moradia, então ela riu dizendo ‘não tenho uma parede ou até mesmo um tijolo, então vou pendurá-lo na ONG’”, contou Tasnim. As dificuldades de Farida no Egito mostram o cenário vulnerável dos refugiados. Tal situação foi agravada por uma lei aprovada pelo parlamento em 2017 e ratificada pelo presidente reeleito Abdel Fatah al-Sissi. A nova legislação regulamenta a atuação das ONGs e proíbe o financiamento externo, o que, para grupos ativistas e para a Anistia Internacional, é uma forma de repressão dos direitos humanos porque restringe a ajuda humanitária e o trabalho voluntário. Tasnim diz que a lei criou várias dificuldades para a Tadamon e outras organizações locais. “Se o governo descobrisse qualquer levantamento de
fundo, principalmente estrangeiro, colocava a ONG sobre investigação e podia levá-la a fechar. Lembro de isso ter acontecido com outras organizações”. Marcelo Mariano, 22 anos, formado em relações internacionais pela PUCGO, trabalhou no Cairo em 2017 com voluntário na Tadamon. Ele acredita que trabalho voluntário seja efetivo e auxilia bastante na situação, mas não é “nem de longe o suficiente”, porque deveria haver maior cooperação do governo. O professor Daniel Pereira esclarece que as ONGs são alvos de muita desconfiança de governos. “Em especial dos governos autoritários, porque elas podem ser usadas como uma forma de espionar e podem também servir de fachada para outros tipos de organizações políticas. Além de poderem trazer ideias de fora que nem sempre são bem vistas”. As suspeitas se estendem também a voluntários estrangeiros. Pilleco sentiu a pressão. Segundo ele, os refugiados podem ser mais hospitaleiros que os egípcios. “Eles não entendiam que a gente era voluntário e ia trabalhar em uma ONG de refugiados, então não eram tão receptivos”.
O racismo também é um problema frequente. Pilleco conta que, ao chegar ao Egito, uma voluntária brasileira negra foi levada para uma sala separada no aeroporto e obrigada pelos agentes de segurança a retirar a roupa. “No entanto, o exemplo mais claro de racismo aconteceu quando um egípcio cuspiu nela no metrô”, relata. “Quando comentei com meus colegas egípcios na ONG, eles disseram que cuspir em negros era uma realidade recorrente lá”. A estudante de direito da USP-SP Julia Borges, 20 anos, que também atuou como voluntária no país, sentiu como a cor de pele é determinante para a integração na região. Lembra que as reclamações sobre isso eram constantes na ONG. Segundo ela, uma das explicações para o racimo frequente é o fato de o Egito não se enxergar como um país africano, embora esteja na África Mediterrânea. A discriminação contra os negros já é vista como comum. Júlia salienta que a maioria das pessoas acolhidas pela ONG era negra e encontrava na Tadamon uma espécie de refúgio da extrema hostilidade que sofriam.
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Reconhecida por acolher refugiados, Suécia vê crescer movimento contra imigrantes Partidos de extrema-direita sobem na preferência do eleitorado, mas analistas atribuem a tendência à austeridade econômica. Por Demetrios Kyriopoulos, Giulio Antonelli e Lucas Garbelotto
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om aproximadamente 10 milhões de habitantes, a Suécia recebeu cerca de 200 mil refugiados desde 2015, o que equivale a 2% da população. O contingente é o dobro do recebido pela Alemanha se comparado à população per capita, e a convivência mais próxima com estrangeiros gerou tensões políticas no pais, como o crescimento da extrema-direita. A nova onda migratória coincidiu com o aumento da criminalidade nos últimos três anos, principalmente de ataques com armas em regiões que receberam estrangeiros.
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O número de tiroteios subiu 20% de 2014 para 2016. Os dados levaram os partidos opostos à imigração, como os de extremadireita, a atrelar a violência aos refugiados. O antropólogo sueco Erik Olsson, da Universidade de Estocolmo, diz que as políticas equivocadas de inserção dos refugiados na sociedade sueca, que os envia para regiões periféricas, têm contribuído para a situação. “Eles encontram condições precárias lá e acabam se relacionando com crimes e com as poucas gangues que existem no país. O que deve ser lembrado é que
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a maioria desses crimes foi cometido por suecos e, em alguns casos, suecos que têm origem de outros países e automaticamente pertencem às faixas mais pobres da nossa população”. A Suécia sempre acolheu refugiados nos momentos mais críticos da história mundial. Durante a Segunda Guerra, os suecos receberam judeus perseguidos por alemães na Dinamarca. Também recebeu iranianos tentando escapar do Xá, chilenos fugindo do General Augusto Pinochet, entre outros. A principal qualidade do país foi sempre tratar os refugiados como seus próprios habitantes ao oferecer os mesmos serviços sociais. O país está entre os mais solidários da Europa na recepção de imigrantes do norte da África, contudo, esse panorama começou a mudar. Com um discurso xenófobo, o partido anti-imigração Democratas Suecos conquistou nas eleições parlamentares de 2017 uma votação inédita, subindo de 1% dos votos em 2002 para 13% em 2014. Daniel Hedlund, pesquisador no departamento de estudos infantojuvenis na Universidade de Estocolmo, 66
afirma, no entanto que o aumento da extrema-direita no país nórdico não se deve à recepção de imigrantes. “Acredito que a maior razão para esse crescimento seja o descontentamento da população com os cortes de verba nas instituições de assistência social e com a instabilidade no mercado de trabalho. As políticas austeras crescem na Europa e consequentemente, uma grande parte do eleitorado sente que não está sendo ouvida”. Hedlund diz que a xenofobia e o racismo foram apenas um elemento extra na busca por votos. “Quando os partidos de extrema-direita crescem, eles também passam a virar mais comuns a fim de buscar novos apoiadores, o que implica principalmente o coro racista sueco. Nas últimas semanas, vimos por aqui tentativas de ex-integrantes do Partidos dos Democratas Suecos formarem um novo partido (Alternativas para a Suécia). Isso pode causar um conflito e enfraquecimento da extrema-direita a curto prazo”, comenta. Na última eleição pelo governo da Suécia, em 2014, a esquerda se manteve no
poder, com 31,2% dos votos, mas partidos da extrema-direita tiveram aumentos expressivos em relação a 2010. O severo avanço nos índices de voto refletem o momento vivido pelo continente europeu. A tendência é que, nos pleitos deste ano, a parte conservadora mantenha a linha de crescimento atual. Os partidos conservadores e nacionalistas vêm se fortalecendo em países europeus como França, Alemanha, Áustria, Holanda e Grã-Bretanha. O Brasil também enfrenta uma onda conservadora, com bom desempenho nas pesquisas de intenção de voto de um candidato simpatizante da ditadura militar e defensor da distribuição de armas à população para o combate à criminalidade. Segundo o professor da USP e vice-diretor do Instituto de
Relações Internacionais, Amâncio Nunes de Oliveira, a emergência da extremadireita no Brasil não tem relação com imigração, mas sim com o aumento da criminalidade. “A criminalidade serve, no mínimo, para potencializar o sentimento de insegurança. Isso dá base à narrativa de que é necessário um governo duro e, no limite, militar”. Quando questionado sobre a influência do governo americano conservador e protecionista de Donald Trump nos rumos adotados em outros países, o professor da USP diz que o reflexo pode se dar nas duas direções. “A primeira direção no sentido de aumentar a esperança com a direita conservadora antiglobalização. A segunda vai em relação à frustração com as políticas forjadas pela direita”.
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Perseguição da extrema-direita a refugiados só aumentou a entrada clandestina na Europa, diz especialista O pesquisador da USP Gabriel Pietro Siracusa observa que a ação de grupos nazifascistas levou à proliferação de rotas clandestinas, intensificou as redes de tráfico
reduzir o apoio a políticas multiculturais. “As recorrentes manifestações de ódio contra imigrantes têm dificultado muito a recepção e o diálogo intercultural entre as pessoas. Quando o cidadão europeu “comum” vê um representante político proferir um discurso racista e incitando o ódio contra o migrante, ele se sente legitimado para fazer o mesmo.” Leia a seguir, a íntegra da entrevista de Siracusa a “Olhares do Mundo”:
humano e provocou mortes desnecessárias no Mediterrâneo
O que tem causado o crescimento da extrema-direita na Europa?
Maria Clara Lucci*
A
nalista de Relações Internacionais e pesquisador da USP na área de economia política, Gabriel Pietro Siracusa diz que a mobilização da extremadireita europeia contra os imigrantes não conseguiu, como era seu objetivo, impedir a entrada de novos refugiados no continente. Mas a ação de grupos racistas e xenófobos aumentou a exposição dos imigrantes a situações de risco, com a proliferação de rotas clandestinas e a intensificação de redes de tráfico de pessoas. “Isto, somado 68
às péssimas condições de viagem, levou à perda de inúmeras vidas humanas, em especial no Mediterrâneo”, lamentou Siracusa. O pesquisador observa que a extremadireita se aproveita das crises econômicas e da queda nas condições de vida da população para estimular um ódio doentio contra imigrantes e refugiados, que são retratados como responsáveis por gastos públicos excessivos e pela falta de empregos. Os movimentos nazifascistas, segundo ele, têm sido bastante eficientes também em
É preciso pontuar, antes de mais nada, que se trata de um crescimento de movimentos antissistema, ou “anti-establishment”, que podem se localizar à direita ou à esquerda no espectro político. Digo isso para enfatizar que o sentimento “anti-establishment” não precisa ser, necessariamente, mobilizado por uma política racista – característica dos partidos de extrema direita. Este crescimento está intimamente ligado aos efeitos da crise de 2008 – retração nos índices de crescimento econômico, aumento do desemprego e da desigualdade, piora nos indicadores sociais, etc. – e à
incapacidade dos partidos de centro – e do sistema político em geral – de dar respostas à população. Um exemplo interessante é o caso grego, no qual o Syriza (coalizão de extrema esquerda) foi eleito com uma plataforma anti-austeridade e visando uma maior distribuição de renda, mas que não conseguiu enfrentar a chamada Troika (Fundo Monetário internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). Mesmo tendo a seu favor a ampla maioria da população – com vitória em plebiscito a respeito do pagamento da dívida -, a pressão internacional, em especial do sistema financeiro, foi tamanha que obrigou o governo a recuar. Este caso é emblemático, pois ajuda a entender a crise democrática pela qual estamos passando em grande parte do mundo. Independente do governo eleito, os resultados práticos tendem a ser muito similares – e normalmente pouco efetivos – o que alimenta um sentimento de que apenas as eleições não resolvem os problemas concretos da população. No caso da extrema direita, precisamos levar em consideração sua grande diversidade: ela abrange desde movimentos abertamente neonazistas – como o Aurora Dourada 69
na Grécia -, até forças que se integram no jogo político institucional com um discurso menos radicalizado. No entanto, o que todos têm em comum são: o ultranacionalismo, a xenofobia, o racismo, o ódio contra minorias (ciganos, LGBTs), a islamofobia e o anticomunismo. Além disso, se aproveitam da piora das condições de vida da população para estimular um ódio doentio contra imigrantes e refugiados, que são retratados como causa das dificuldades pelas quais passam os europeus – embora, saibamos, a crise de refugiados é ela própria resultado de múltiplas crises: social, econômica, política, etc. Poderíamos lembrar, ainda, diversas manifestações de antissemitismo, misoginia e autoritarismo por parte dessas correntes políticas, que demonstram claro desprezo pela democracia. É preciso ressaltar que, embora tanto a extrema esquerda quanto a extrema direita se coloquem contra o sistema político atual, seus programas são absolutamente opostos e não existem, até onde tenho conhecimento, manifestações xenófobas ou racistas que partam de partidos de esquerda ou extrema esquerda.
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Qual a relação da extrema direita europeia com os movimentos fascistas das primeiras décadas do século XX? Embora a crise econômica de 2008 e os conflitos no Oriente Médio tenham colaborado para a ascensão da extrema direita – e para o crescimento de seu discurso de ódio junto à população -, é preciso lembrar que grande parte da extrema direita europeia tem ideário fascista ou neonazista, se colocando como herdeira direta dos movimentos extremistas de direita da década de 1930 – inclusive, quadros fundadores de muitos desses partidos tiveram ligações históricas estreitas com o fascismo e com forças de colaboração com o Terceiro Reich. Outros, inclusive, reivindicam-se abertamente neonazistas. É importante mencionar o fator histórico, para não cairmos no erro da interpretação economicista. Em três dos países que mais sofreram com a crise econômica a extrema direita continua marginal: em Portugal, hoje governado por uma coalizão de centro-esquerda, inclusive com participação de comunistas;
na Espanha, que observa o surgimento de um fenômeno político novo, anti-sistema, anti-austeridade, o Podemos; e na Grécia, onde, embora o Aurora Dourada tenha ganhado força, foi derrotado pelo Syriza. Na Suíça e na Áustria, países não tão afetados pela crise, a extrema direita racista tem se fortalecido de forma preocupante.
Qual a força política dos partidos de extrema-direita hoje nos EUA e na Europa? Varia muito de país para país. Na Alemanha, a Alternativa para a Alemanha (AfD) obteve um crescimento surpreendente nas últimas eleições legislativas. Embora não defina claramente seu lugar no sistema político, o partido se apresentou com um
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virulento discurso anti-imigração e anti-Islã, se radicalizando no decorrer da campanha. Diferentemente do que ocorreu na França, onde a Frente Nacional tentou moderar seu discurso para atingir um espectro mais amplo de eleitores , na Alemanha a AfD apostou na exacerbação do discurso de ódio, o que é preocupante. O partido ficou em terceiro lugar, com 12,9% dos votos, o que lhe permitiu a entrada no Parlamento alemão – foi a primeira vez que isto ocorreu desde o final da Segunda Guerra mundial. Ao mesmo tempo, é de se notar o crescimento do partido de esquerda Die Linke, que chegou a 9% e também entrará no Parlamento alemão. Na Itália, a derrota do primeiro ministro Matteo Renzi em plebiscito recente, que sugeria a mudança em alguns pontos da constituição, foi encarada como uma vitória dos movimentos “anti-establishment”, tanto os de esquerda, quanto os de direita. Na França, Marine Le Pen, da Frente Nacional, chegou a liderar algumas pesquisas, mas acabou derrotada por Emmanuel Macron, do centro. Também podemos lembrar o fenômenos Jean-Luc Mélenchon, que alcançou inesperados 19%
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e quase foi ao segundo turno. É preciso lembrar que Mélenchon não era o candidato da esquerda “tradicional” – esta estava representada por Benoît Hamon, do partido socialista -, mas, mesmo assim – ou talvez, por causa disso – teve um crescimento importante. No Reino Unido, tivemos a aprovação recente do Brexit e a ascensão de Nigel Farage, do direitista Ukip (Partido da Independência na sigla em inglês). Por outro lado, nas últimas eleições os conservadores da primeira-ministra Theresa May perderam a maioria e tivemos o crescimento do partido trabalhista, agora liderado por Jeremy Corbyn. Corbyn vem da ala mais à esquerda do partido e tem adotado um discurso antiausteridade com forte penetração social. Na Áustria, o líder do partido de extrema direita, Norbert Hofer, ficou em segundo lugar nas últimas eleições – o vencedor foi o candidato do Partido Verde. Movimentos nacionalistas e anti-imigração também ganham terreno em países de tradição multicultural, como Holanda, Dinamarca e Suécia, mas, ao mesmo tempo, vemos um partido-movimento como o Podemos se consolidar como uma alternativa factível
na Espanha, após a eleição de suas candidatas para as prefeituras de Madri e Barcelona. Enfim, o que quero enfatizar é que, embora os partidos de extrema direita tenham ganhado força junto ao eleitorado, é preciso cuidado para não superestimar seu desempenho e lhes dar mais força do que eles já têm. Além disso, chamar a atenção para o crescimento de forças políticas que se opõem a esses partidos é importante para que possamos dimensionar que a disputa política permanece em aberto. A extrema-direta europeia já conseguiu limitar as políticas públicas de acolhimento de imigrantes? Desde setembro de 2015, com o aumento do número de refugiados vindos do Oriente Médio, temos visto a retomada de alguns controles de fronteira em países membros do Tratado de Schengen – acordo que estabelece a livre circulação de pessoas e que entrou em vigor em 1995, abrangendo mais de 25 países europeus. Embora todos os controles estivessem em conformidade com as regras do acordo, foi a primeira
vez que foram aplicados em tão grande escala. Além disso, existe a pressão, por parte desses grupos de extrema direita, de aumentar o controle das fronteiras externas, impedindo a entrada de refugiados e imigrantes. Ao mesmo tempo, não há sinais de que tais esforços tenham impedido a entrada de refugiados, mas sim aumentado sua exposição a situações de risco, com a proliferação de rotas clandestinas e a intensificação de redes de tráfico de pessoas. Isto, somado às péssimas condições de viagem, levou à perda de inúmeras vidas humanas, em especial no mediterrâneo. Segundo dados da OIM (Organização Internacional para Migração), o número de mortes é maior em 2017 (1.530) do que em 2016 (1.398) – embora menos pessoas tenham tentado realizar a travessia do Mediterrâneo em direção à Europa neste ano. O principal risco que o crescimento eleitoral destes partidos apresenta é, ao meu ver, empurrar os governos para tomar medidas que, de outra forma, não tomariam – não necessariamente na forma de novas leis anti-imigração, mas medidas administrativas que dificultem a vida dos
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migrantes (por exemplo, o governo húngaro impediu, em 2015, o acesso de refugiados à estação central de trem de Budapeste). Quer dizer, mesmo que não sejam eleitos, ao demonstrarem ter força social podem usar isso como forma de pressão política para fazer avançar sua agenda conservadora. Para além de seu eleitorado, esta extrema direita pode influenciar, com suas ideias, a chamada direita “clássica” e, até mesmo, parte da centro-esquerda, como observou o sociólogo Michael Löwy. Como isso tem afetado a vida de imigrantes que vivem na Europa? De maneira bastante negativa. As recorrentes manifestações de ódio contra imigrantes têm dificultado muito a recepção e o diálogo intercultural entre as pessoas. Quando o cidadão europeu “comum” vê um representante político proferir um discurso racista e incitando o ódio contra o migrante, ele se sente legitimado para fazer o mesmo. Na verdade, opera aqui a mesma lógica do “eu x outro” ou do “nós x eles” que mobilizaram as manifestações mais
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sangrentas da história da humanidade – do nazifascismo aos colonialismos. Ao retomar esta lógica, os partidos de extrema direita visam reduzir o migrante – uma pessoa como outra qualquer, com medos e anseios, dificuldades, esperanças, defeitos, etc. – a uma coisa, uma ameaça à segurança e à estabilidade, a alguém que pode – e deve – ser descartado e expulso. Esta mesma lógica de coisificação do outro que possibilitou os campos de extermínio do holocausto e a escravidão moderna. E é ela que move as práticas da extrema direita europeia hoje. Ainda assim, é preciso destacar, conforme afirmei na primeira questão, que nem todos os movimentos anti-establishment tem como pauta uma perspectiva xenófoba, racista ou anti-imigrante. Como você vê as políticas de recepção dos governos para os imigrantes? Em geral, os governos europeus não demonstram estar preparados para receber os imigrantes. Por vezes, estes são tratados pela ótica da segurança doméstica, quando deveriam ser vistos como uma questão
humanitária. Os principais interessados parecem não ser as pessoas que estão migrando ou pedindo refúgio, mas os Estados-nacionais e suas fronteiras, o que é inadmissível. Os migrantes precisam ser compreendidos pela ótica dos direitos humanos. Aliás, devemos ter em mente que o deslocamento forçado de pessoas já é, por sua vez, reflexo de uma violência anterior, por vezes da negação de direitos sociais básicos. Tal negação se dá como resultado de conflitos políticos/militares – como no caso da Síria -, mas é um problema mais amplo e que vai além de questões de conflito, sendo o resultado, também, das crescentes miséria, pobreza, etc. As políticas de recepção deveriam ser pautadas pela garantia da dignidade humana e pela minimização do sofrimento dessas pessoas. No âmbito da ONU, a Convenção sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes, adotada em 1990, estabelece parâmetros protetivos mínimos que devem ser adotados pelos Estados-partes para garantia dos direitos dos trabalhadores migrantes, independentemente de seu status migratório. Dentre esses direitos,
destacam-se: direito à vida; a não ser submetido à tortura ou a tratamentos cruéis de qualquer espécie; a não ser constrangido a realizar um trabalho forçado; à liberdade de culto e de religião; à segurança pessoal; a ser tratado com humanidade, dignidade e respeito à sua identidade cultural; dentre outros. Por fim, gostaria de destacar que, segundo a ACNUR, a região do mundo que mais recebe refugiados é a África, seguida por Ásia e Pacífico. A Europa fica em terceiro lugar, recebendo cerca de 17% dos refugiados. Os países que mais recebem refugiados no mundo são: Turquia (2.9 milhões), Paquistão (1.4 milhões), Líbano (1 milhão), Irã (980 mil), Uganda (941 mil) e Etiópia (792 mil). Nenhum deles é europeu e nenhum figura nas manchetes mundiais como sofrendo uma “crise de refugiados”. *Com a colaboração de Elen Cristiane
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Creditos/fotos capa. Massimo Sestino.UNHCR | pág. 11 The Globe and Mail | pág.12 Kenneth Allan | pág. 15 Daniel Arauz | pág. 16 Chip Somodevilla Getty Images | pág. 17 WFTU | pág 18 e 32 DFID - UK Department for International Development | pág. 18 ACNUR | pág. 20/21 e 26 UNHCR | pág. 23 e 25 Gisele Carvalho | pág. 28 Olívia Seiko Tarora | pág. 37 David Holt | Armando Franz | pág. 40 Ihsaam Haffejee | pág. 44 Zimasa Mpemnyama | pág. 46 Marcelo Camargo | pág. 60 Meabh Smith |pág. 61 Armando Franz | pág. 64 BM Imigration | pág. 71 Arquivo Pessoal Gabriel Pietro |
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OLHARES 2018 do MUNDO edição 07
Universidade Presbiteriana Mackenzie
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