B de Bodoni/Rosari 2003/2016

Page 1



B DE

BODONI POR

CLAUDIO

FERLAUTO

EDIÇÕES

ROSARI

MMIII


[2003] Todos os direitos desta edição reservados à Edições Rosari Ltda. Rua Apeninos 930, 5º, s/51 Cep 04104 020 São Paulo SP Brasil. Fone 11 5571 7704 Fax 11 5575 7760. edirosari@uol.com.br www.rosari.com.br

© 2003 Claudio Ferlauto Coleção QUAL É O SEU TIPO? Coordenação editorial Claudio Ferlauto. Projeto gráfico QU4TRO Arquitetos SP, Claudio Ferlauto, Maialu Burger Ferlauto, Mari Monserrat. Revisão José Otávio Ferlauto

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil Ferlauto, Claudio B de Bodoni/Claudio Ferlauto. -- São Paulo: Edições Rosari, 2003. -- (Coleção Qual é o seu tipo?) ISBN 85-88343-20-7 1. Bodoni, Giambattista, 1740-1813 2. Design 3. Tipos para impressão I. Título II.Série 03-4244 CDD - 686.2247 Índices para catálogo sistemático: 1. Bodoni: Tipos para impressão: Tipografia: Artes gráficas 686.2247

2


I CLAUDIO ROCHA DE

TODAS AS VERSÕES, AS MAIS PRÓXIMAS DO ORIGINAL

(QUE NA VISÃO DO DAVE FAREY), MERECEM USAR O NOME BODONI SÃO AS DA ITC E A CLASSIC DA FONT FONT. SÃO AS ÚNICAS QUE MANTIVERAM UMA ESQUISITICE DO BODONI, QUE INCLUIU UMA BOLINHA NA TERMINAL DA PERNA DO R. ESPECIALISTA

II WILLIAM MORRIS no século 18

A SUFOCANTE FEIURA DAS LETRAS BODONI FAZEM DELAS O TIPO MAIS ILEGÍVEL JAMAIS PRODUZIDO ATÉ HOJE.

III

TRABALHANDO

NA MINHA

ZUZANA LICKO BODONI REVIVAL CHAMADA FILOSOFIA

CE DE CONHECER MELHOR ESTE CLÁSSICO DOS VELHOS TEMPOS.

TIVE A CHAN-

POR

OUTRO

LADO ESTE TRABALHO ME DEU IDÉIAS PARA DESENHAR TIPOS QUE NÃO SÃO DE FORMA ALGUMA REVIVALS.

QUANDO A DESENHEI NÃO OLHEI NENHUMA BODONI BODONI QUE ESTAVA NA MINHA MENTE. A FILOSOFIA CAPTUROU O ESPÍRITO DO ESTILO MODERNO DE FONTES ALTERANDO ALGUMAS QUESTÕES DE LEGIBILIDADE INERENTES AOS ORIGINAIS DO SÉCULO 18.

ESPECIAL.

BUSQUEI

LER A

IV CLAUDIO FERLAUTO

BODONI É O MOZART DA TIPOGRAFIA.

3


GALERIA DE

BODONIANOS

JOAN BROSSA A BODONI SEGUNDO ESTE ARTISTA CATALÃO [1919-1998]

JOÃO GILBERTO O MÚSICO BAIANO, CANTANDO ESTATE, DE BRUNO MARTINO E BRUNO BRIGHETTI

E A POESIA DE

JOÃO CABRAL DE MELLO NETO

É mineral, por fim, Qualquer livro: que é mineral a palavra escrita, a fria natureza. Da palavra escrita

4


INICIAÇÃO AO TIPO BODONI

ALFABETO PARA THEA Alfabetos, letras e tipos. É nesta ordem que conhecemos o mundo da escrita e o da tipografia. Até mais ou menos cinco ou seis anos de idade, enquanto desconhecemos a lógica do verbal, nossa cabeça viaja e brinca com todos os sentidos, dando lógica às coisas que ainda não "entendemos". Mudamos quando alfabetizados –nosso primeiro contato com o pensamento lógico e linear–, o momento em que perdemos a inocência e a liberdade que nos permitiam interpretar o mundo com fantasia e sonho, desenhando a "realidade" de modo irreal, naquilo que os adultos chamam de desenho infantil.

5

Mais tarde, muitas vezes, ao longo daquelas infindáveis manhãs dentro das salas de aulas do primário e do colegial, desenhei alfabetos nos quadradinhos do caderno de matemática. Alfabetos de pixels da idade da pedra, ou melhor, da idade do lápis Johann Faber e da borracha Mercúrio, montados com a simplicidade tosca das habilidades ainda desconhecidas para o desenho. Desta maneira eu "inventava" o alfabeto que havia sido inventado mil anos antes de Cristo pelos fenícios. "Navegadores e comerciantes fenícios levaram seu alfabeto –precursor do utilizado atualmente na maio-


ria dos países ocidentais"–, conta Heloisa Jahn em seu apanhado histórico sobre o livro, em O livro da gráfica, "e, provavelmente, também de boa parte dos alfabetos das culturas orientais, para regiões com que coO livro • Um apanhado histórico, em O livro da grá- merciavam, que o fica, Edições Rosaa seus ri, terceira edição, adaptaram 2000, São Paulo diferentes idiomas". Aos poucos fui descobrindo cada letra do alfabeto: o A, o H, o M, o T, o U, o V, o X com suas simetrias perfeitas, as letras B, C, D, G, J, O, P, Q, R, S e suas curvas quase impossíveis de desenhar com minha habilidade rudimentar, e as letras estrangeiras Y, W, Z, K pouco usuais no idioma que eu praticava, mas também alienígenas dentro de seu próprio grupo de vinte e poucos companheiros. E que

6

dizer dos primos E, F e L? Ou do N, que parece irmão mais novo do M? E nem vou falar das minúsculas todas, com excessão do [i] e de [l], impossíveis de serem representadas pelos meus softwares daqueles tempos.

CLASSIFICAÇÃO Nesta época minha classificação dos alfabetos era simplória: havia as letras de forma e as letras de mão. Só muito mais tarde, quando mordido pelas idéias modernistas, percebi a existência das serifas as quais passei a detestar, pois um bom modernista só deveria ser seduzido pelas letras bastonadas. Assim como a arquitetura moderna cujas características eram a simplicidade, as


linhas retas e o despojamento, entre outras coisas que seguiam a função, este foi o momento em que as letras ficaram muito simples e... funcionais. Houve até um período que eliminei as maiúsculas [como todos os modernistas...], só tinha olhos para a Helvetica ou para a Univers, e confesso que não via grandes diferenças entre elas. Para mim eram gêmeas univitelinas de tão igual que se vestiam, de tão semelhantes que se comportavam em rótulos de remédios e nos recla mes dos bondes da cidade.

çados, como os da revista Senhor (1958-1964) cujas páginas lembravam os cenários da arquitetura moderna e as paredes brancas da capela de Le Corbusier em Ronchamp na França

Um dia olhei com atenção um velho alfabeto moderno, de um italiano nascido em 1740, o primeiro a fazer uma serifa digna de Mies van der Rohe. Seu nome era Giambattista Bodoni, o Mozart da tipografia. Um dos primeiros a redesenhar com elegância e rigor o alfabeto de origem romana criado quinhentos anos Nessa época os alfabetos antes de Cristo. eram uns tipos bem folgados: Esse encontro mudou sutiocupavam pouco espaço mas lmente a minha vida. A primeira versão deste texto foi publiexigiam à sua volta grandes cada no trabalho de conclusão da designer Thea Severino, no curso de áreas brancas, espaços conDesenho Industrial da FAAP, São Paulo, em novembro 2002. siderados elegantes e avan-

7


O MANUALE TIPOGRAFICO É CONSIDERADO O MELHOR LIVRO DE TIPOGRAFIA IMPRESSO EM TODOS OS TEMPOS.

Os dois volumes do Manuale englobam cerca de 142 alfabetos romanos com seus correspondentes itálicos, os numerais, [em latim, tipos gregos e exóticos, uma coleção de vinhetas, hebraico, russo, ornamentos e motivos florais. Extremamente etrusco, turco, tártaro e etíope] bem impressos sobre papel feito a mão, representa a culminância do trabalho apaixonado de Bodoni pelas artes gráficas. A obra foi iniciada por volta de l790 e completada pela viúva Margherita em 1818, e foram impressos cerca de 250 volumes. 8


O

TIPÓGRAFO COMO DESIGNER imagem que muitos de nós fazemos dos tipógrafos é a de um velho trabalhador debruçado sobre um montão de letras metálicas esparramadas sobre uma mesa alta, ocupado naquela tarefa meio insana, de transformar pedacinhos de metal em palavras e impressos. Nada mais equivocado: este é o tipógrafo dos tempos da especialização mecanicista, não o tipógrafo antigo e tampouco o tipógrafo contemporâneo. É bom lembrar que no período que Bodoni trabalhou –final do século 18, início do século 19–, segundo Argan, nasceu "uma nova ordem hierárquica das atividades culturais: a distinção entre artes liberais e artes mecânicas. Liberais são as atividades que pressupõem princípios filosóficos e conhecimentos históricos: mecânicas são atividades manuais, que pressupõem uma experiência técnico-operacional".

A

Os tipógrafos, como John Baskerville e a família Caslon na Inglaterra, Bodoni na Itália e os da família Didot na França eram, antes de artistas ou designers, empresários que controlavam um negócio complexo e lucrativo assim como a Adobe, a ITC ou a Font Font fazem nos dias de hoje. Além de desenhar, de esculpir e de imprimir, estes homens de negócios precisavam vender suas matrizes para o maior número de imperadores, príncipes, empresas e países. Também precisavam ter clientes que os contratassem para imprimir seus documentos e livros, ou de bons títulos que vendessem o suficiente para pagar os custos e dar lucro. Eles foram os primeiros designers. Pode-se argumentar que não poderiam ser designers pois não existia a profissão e sequer a palavra design. Mas eles faziam o trabalho de um

{

Em 1963 o famoso editor italiano Franco Maria Ricci produziu um fac símile do Manuale Tipografico de Giambattista Bodoni com 900 cópias, impresso em papel Fabriano, com tintas especiais, num projeto que na época foi considerado excêntrico por impressores e editores.

9

}


O MUSEU BODONI É DEDICADO À OBRA DE

GIAMBATTISTA BODONI, QUE DIRIGIU A GRÁFICA REAL DE PARMA EM 1768. O MUSEU GUARDA VÁRIOS INSTRUMENTOS E DOCUMENTOS DA ARTE BODONIANA. O INGRESSO É GRATUITO MAS É PRECISO AGENDAR PREVIAMENTE AS VISITAS.

INFORMAÇÕES TELEFONE 0521-220411 PALAZZO DELLA PILOTTA 43100 PARMA ITÁLIA WWW.COMUNE.PARMA.IT/TURISMO/MU-BO.HTM HORÁRIOS DE SEGUNDA A SÁBADO DAS 9:00 ÀS 12:00

REPRODUÇÕES DE ORIGINAIS DE BODONI DO MUSEU BODONIANO, PARMA, ITÁLIA

O MANUALE TIPOGRAFICO PODE SER VISTO NO SEU TODO NO SITE WWW.OCTAVO.COM

10


designer ao criar produtos sofisticados e de alta tecnologia. Não eram apenas técnicos especialistas, eram mestres e compositores. Mestres, porque orientavam e guiavam a percepção visual do seu tempo. Compositores, porque compunham suas páginas com intenções que iam além daquelas de atender questões de legibilidade. Aliás para eles, como para os designers contemporâneos, a legibilidade não era tudo em seu trabalho. O que é certo é que não eram, como imaginamos romanticamente, profissionais solitários, pois dependiam de diversos fornecedores, escultores [punchcutter], fabricantes de papel, de impressores etc. Ao produzirem os primeros livros, a partir de projetos tipográficos excepcionalmente bem planejados, trabalhavam com todos os elementos que segundo o historiador italiano Renato de Fusco são os requisitos para a existência do desenho industrial, ou seja "o projeto, a produção, a venda e o consumo". Estima-se que por volta de 1500 já haviam sido produzidos vinte milhões de livros entre os quais alguns muito famosos como os da coleção de Manutius, a Biblia de Erasmo, o Novo Testamento de Lutero (1522) De Imitatione Christi (primeiramente editado em 1471), sem falar na Biblia de 42 linhas de Gutenberg de 1456 etc. Bodoni e muitos outros impressores iniciaram a tradição tipográfica da adoção e uso de uma única fonte como método e estilo de trabalho. Tradição que dominou por décadas o design O neo-clássico encontra seu maior modernista primeiramente na Europa intérprete em Giovanbattista (sic) [especialmente na Suíça], depois nos EstaBodoni que eleva a arte da impressão à sua própria função, aque- dos Unidos, e em seguida pelo o mundo la da mais fácil e agradável leitura. afora. Massimo Vignelli, na Itália e nos Seus caracteres derivam dos setecentescos do francês Pierre-Simon Estados Unidos foi um usuário compulsivo Fournier, redesenhados com diver- e autor de uma Bodoni. No Brasil os exemsas variantes (...). Outra característica do estilo neo-clássico de Bodoni plos estão na Univers usada pela Cauduro se afirma na severa elegância dos & Martino e na Helvetica por muitos frontispícios, nos quais estão excluídesigners e especialmente por Alexandre dos quase todos os elementos que não tenham uma natureza tipográfica", Wollner, ambos de São Paulo. diz Renato de Fusco no texto La stampa come design.

11


Giambattista Bodoni 1740-1813 Aquariano, Bodoni nasceu a 16 de fevereiro de 1740 em Saluzzo, Piemonte, norte da Itália. Foi seu pai quem lhe ensinou o ofício de impressor. Já adolescente vai morar em Roma para trabalhar na imprensa do Vaticano. Razões dramáticas –morte

de seu mentor e chefe– o fazem buscar novos caminhos e ele vai tentar a sorte em Londres. Esta viagem tinha uma escala em Saluzzo para despedidas familiares, mas uma súbita doença obriga-o a cancelar seus planos. Em 1768 torna-se diretor da gráfica que o duque Fernando, infante da Espanha, fundou em Parma. Ali supervisionou a publicação de livros como a Iliada, de Homero, e centenas de outras obras. Foi o autor do primeiro manual tipográfico moderno com caracteres romanos, o Manuale tipografico, onde seu trabalho finalmente se livra da influência de Fournier. O Manuale iniciado no final do século 18 é impresso em 1818, por sua esposa Margherita Dall’Aglio, depois de sua morte.

12


O MODERNO NEOCLÁSICO U

m pouco de história é necessário para entendermos e apreciarmos Bodoni, o tipo. Giambattista tem uma história simples e curta (ao lado), repetida em quase todas as fontes disponíveis, quer em livros, quer em sites especializados. É importante saber que ele viveu na passagem do século 18 para o 19. Foi contemporâneo de Wolfgang Mozart, de Johann Sebastian Bach, conviveu com o início da Revolução Industrial e com a instalação dos primeiros altos fornos na Inglaterra. Bodoni não era um simples criador de tipos. Segundo Allan Haley, cronista de tipografia da revista Step-by-Step "era em primeiro lugar impressor e tipógrafo, e em segundo um designer de tipos. Seu principal objetivo profissional era fazer livros, não tipos. Bodoni desejava criar belas páginas e seus tipos eram simplesmente meios para atingir este fim". Esta história começa com a origem do alfabeto ocidental formado pelas antigas letras romanas. Estas, apesar de serem chamadas romanas tem outra origem. Os romanos as copiaram dos gregos que haviam colonizado o sul da Itália. Não foi uma adaptação simples e direta, os romanos tiveram que adaptar algumas delas para simbolizar os sons romanos. As chamadas romanas ganham sua autonomia cerca de 100 anos depois de Cristo e um de seus mais belos exemplos estão gravados na Coluna de Trajano em Roma, São conhecidas pelo nome de capitalis romana, têm cerca de dez centímetros de altura, foram pintadas no mármore com pincel chato e em seguida esculpidas com cinzel, segundo o tipógrafo Jan Tchichold e muitos historiadores. As romanas tinham apenas as maiúsculas. As minúsculas foram criadas por Alcuin, bispo de York, contratado por Carlos Magno [742-814] e receberam o nome de carolíngias. Elas tinham a vantagem de serem escritas mais rapidamente do que as maiúsculas e são consideradas as pri-

13


meiras autênticas caixas-baixas da história dos alfabetos. Não são uma adaptação, mas uma invenção. Destas letras derivaram as blackletters –popularmente conhecidas como letras góticas– que eram usadas lado a lado com as romanas desde a criação da imprensa de tipos móveis por Gutenberg em meados do século 15. O passo evolutivo seguinte foi o da criação dos tipos humanistas, minúsculas adaptadas das carolíngias, que tiveram na Itália um desenvolvimento próprio na escrita conhecida como Cancellaresca. É bom lembrar que até Gutenberg todas estas letras eram desenhadas à mão com penas de ponta chata, cortadas retas ou em ângulos. O modo como se segurava a pena, a posição do braço e do corpo em relação à página eram fatores que determinavam o estilo da escrita de cada escrevente. Com o processo de industrialização, e conseqüentemente da mecanização da imprensa, os tipos foram sendo traduzidos para o metal levando consigo as características da escrita manual. Mas não por muito tempo. E é aqui que entram Granjean, Bodoni e outros profissionais. O caminho de influências e cópias não se restringe à representação do alfabeto manuscrito. No séculos 16 o francês Claude Garamond desenhou seu famoso tipo olhando os desenhos de Francesco Griffo. Por sua vez o também francês Robert Granjon se inspirou em Garamond, e Christopher Plantin, francês estabelecido na Holanda e, que segundo Claudio Rocha “não era tipógrafo e sim impressor e editor, comprava matrizes diretamente de Garamond e Granjon. O tipo que leva seu nome foi produzido no início do século 20”, copia idéias editoriais de Granjon. Bodoni por sua vez se espelha nas páginas criadas pelo inglês John Baskerville e nos tipos desenhados por seu rival Firmin Didot e em Fournier. Mais ou menos como hoje em dia Zuzana Licko ou Sumner Stone dirigem seus olhares para mestres do passado e do presente. É nesse filão romano-italiano que localizamos as origens das bodonis. Suas formas são também originárias do gestual que por 200 anos guardou em seus traços as características determinadas pelo pincel e pela pena caligráfica. Há historiadores que desconsideram a importância das capitalis romana na formação dos tipos do século 18, e em compensação dão a maior importância aos tipógrafos venezianos como Nicolas Jenson [que era francês], Erhard Ratdolt [alemão] e ao impressor Aldus Manutius, cujo escultor de tipos [punchcutter] era o bolonhês Francesco Griffo.

14


Para o historiador inglês Alan Bartram "Aldus representa os intelectuais do Renascimento, Garamond a nobreza francesa, e os impressores holandeses as novas classes mercantis" emergentes dos negócios gerados pelos descobrimentos de Colombo e Cabral. Um dos primeiros passos fora do trilho gestual foi dado pela racionalista França, sob Luis XIV. Ele encomendou de Philip Granjean a primeira romana desenhada com base científica. Isto é, traçada com régua e compasso, para a Imprimérie Royale e que ficou famosa com a denominação Romain du Roi. O trabalho de Granjean não resultou num grande desenho, sobre o qual trabalhou Pierre-Simon Fournier criando letras que vieram influenciar Giambattista na Itália e a família Didot na França. Outro passo foi dado pelo inglês John Baskerville, editor e tipógrafo inglês, de produção importante no período, que embora não tenha influenciado as formas dos tipos de Bodoni, foi o modelo para seus livros. Bodoni adotou de Baskerville o uso dos espaços Outros tipos vazios e das grandes margens das páginas. Entretanto, para considerados alguns cronistas da tipografia, foi Firmin Didot quem criou o modernos: Bell, Caledonia, primeiro alfabeto moderno em 1784. As características deste ITC Century, De Vinne, tipo são a geometrização das serifas, o eixo vertical [contrarian- Madison, ITC Modern 216, do a natural tendência à inclinação do desenho manuscrito] e a Tienman, Walbaum. oposição marcante entre as hastes finas e as grossas. Aqui finda a influência gestual como elemento importante na tipografia. Os Didots na França, Walbaum na Alemanha, Bell na Inglaterra e Bodoni na Itália criaram ao mesmo tempo tipos muito semelhantes, mas segundo Alan Halley, "Bodoni não foi um copiador" já que seus tipos revelam-se mais equilibrados nas suas relações formais, incluindo as curvas e as dimensões das serifas. Mal comparando os tipos didone –classificação aceita para os padrões de Didot e Bodoni– resultado da geometrização radical dos padrões das romanas, seriam para a tipografia o equivalente aos primeiros edifícios modernistas de Walter Gropius e Peter Behrens: austeros e puros mas ainda com alguns ornamentos clássicos em suas fachadas. A elegância formal de Bodoni, que pode ser entendida como uma ponte cultural entre o Renascimento e o mundo moderno, antecipa as transformações que a Revolução Industrial vai provocar na sociedade. Hoje devemos olhar para ela com respeito e curiosidade, de modo que possamos entender que todo desenho e todo design representa com precisão a sensibilidade do seu tempo.

15


Letra manuscrita, desenhado com pincel chato

Garamond, tipo esculpido em metal com base no desenho caligrĂĄfico

16

Baskerville, desenhada com a ajuda de instrumentos mecânicos como rÊgua e compasso


PHILIPPE GRANJEAN DE FOUCHY (16661714) fundidor e entalhador de tipos francês, foi comissionado em 1692 por Luiz XIV para desenhar uma nova fonte de estilo antigo de maneira matemática, usando régua e compasso. Sobre uma grade de 8 por 8 quadros, cada um deles subdividido em 6 por 6 quadros, Granjean baseado em estudos científicos da Academie des Sciences desenhou a fonte que ficou conhecida como Romain du Roi. Neste alfabeto a letra [O] era, na parte externa, um círculo perfeito que ocupava a largura e a altura total da grade. “Muito lógica e muito francesa –mas nada simpática para os olhos” segundo Alan Bartram, mostrou-se logo inadequada para as técnicas gráficas do seu tempo, mas ficou popular por ser a fonte oficial da Imprimerie Royale na França, fundada pela Cardeal Richelieu em 1639. Ficou pronta em 1702 quando foi impresso o primeiro livro a usar a nova fonte. Pierre-Simon Fournier, que influenciou profundamente o trabalho de Bodoni, desenhou uma versão de melhor qualidade formal desta Romain du Roi.

Bodoni, um dos primeiros desenhos modernos, o último sobre as formas das romanas

17


EM 1994 GERT WEISCHER DESENHOU FF BODONI CLASSIC PARA FONT SHOP INTERNATIONAL, COMO A “PRIMEIRA VERDADEIRAMENTE

A

AUTÊNTICA BODONI DE ACORDO COM AS

BODONI EM MANUALE, COMPLETA COM TODAS SUAS IMPERFEIÇÕES”. ALLAN HALEY.

ESPECIFICAÇÕES DE SEU

ZUZANA LICKO (1961- ). Como diz Claudio Rocha “Zuzana estava no lugar certo, na hora certa, com a ferramenta certa”. Ela é hoje um dos mais importantes tipógrafos contemporâneos: é o Bodoni de saias. Depois de um início profissional transgressor e meio punk, ela chegou ao entendimento que para inovar é preciso conhecer os fundamentos e a história. Sua produção inicia em 1987. Insatisfeita com as fontes disponíveis nos primeiros Macs, começou a criar seus próprios tipos no Font Editor, usados quase sempre nas publicações do Emigre. Segundo o historiador Phillip Meggs a característica de seus tipos foi influenciada por uma má experiência pessoal: “as aulas de caligrafia no colegial, onde ela era ZUZANA É AUTORA DA forçada a escrever com a BODONIANA FILOSOFIA, DA EMIGRE. mão direita, apesar de ser canhota, contribuiram para sua visão ori-ginal do design de fontes; ela sempre rejeitou a caligrafia, base tradicional das fontes convencionais”.

18


FF BODONI CLASSIC

19


A BODONI

DE

SUMNER STONE

ESTE PROJETO TEM UMA LONGA HISTÓRIA DE APROXIMAÇÃO COM A ITÁLIA, COM PARMA E COM GIAMBATTISTA BODONI. SUMNER STONE, CONTRATADO PELA ADOBE PARA DESENHAR UMA BODONI PARA A NOVA TECNOLOGIA MULTIPLE MASTER, VIAJOU DUAS VEZES A PARMA COM SUA EQUIPE [JIM PARKINSON, HOLLY GOLDSMITH, JANICE PRESCOTT FISHMAN]. NA PRIMEIRA PARA “CAPTAR O ESPÍRITO DE BODONI”.

NA SEGUNDA, PARA CONFERIR SE OS DESENHOS DESENVOLVIDOS NOS ESTADOS UNIDOS ESTAVAM À ALTURA DO MESTRE. EMBORA NÃO UTILIZADA COM A NOVA TECNOLOGIA ADOBE, A ITC BODONI É CONSIDERADA PELOS CRÍTICOS UMA DAS MAIS SENSÍVEIS AOS DETALHES DA OBRA BODONIANA COMO O USO DO PINGO NOS TERMINAIS.

A ITC BODONI FOI PRODUZIDA EM TRÊS VARIAÇÕES, COM DESENHOS DIFERENTES FEITOS A PARTIR DAS MATRIZES DOS CORPOS 6 PT, 12 PT E 72 PT, EM ROMAN, BOLD, ITALIC, COM NUMERAIS OLD STYLE E SMALL CAPS.

JONATHAN HOEFLER [1970- ]. “Eu sempre fui fascinado pela história do design, pela história da tipografia especialmente quando comecei a praticar como designer. Pesquisar é uma parte importante do design tipográfico, e saber

JONATHAN É AUTOR DA BODONI CLASSIC DA HOEFLER FOUNDRY

escrever é uma parte importante para se tornar um tipógrafo. Não se pode esquecer disso quando se é um designer gráfico”. ACIMA: PÁGINA DO CATÁLOGO DA HOEFLER FOUNDRY E TIPOS ITC BODONI.

20


BODONI ITC

21


NUMERAIS OLD STYLE DE BODONI NO LIVRO THE ART OF LOOKING SIDEWAYS DE ALAN FLETCHER

PÁGINAS DO MANUALE TIPOGRÁFICO NO LIVRO FIVE HUNDRED YEARS OF BOOK DESIGN DE ALAN BARTRAM

DE

A BODONI NO LIVRO DA GRÁFICA CLAUDIO FERLAUTO

22


BODONI ANTIQUE

23


DESENHOS MODERNOS DA BODONI, INCLUEM A BAUER BODONI [AO LADO] DESENHADA EM 1924 POR LOUIS HOELL. AS OUTRAS SÃO: ATF BODONI DE MORRIS FULLER BENTON ENTRE 1907 E 1915. MERGENTHALE LINOTYPE BODONI ENTRE 1914 E 1916 HAAS BODONI ENTRE 1924 E 1939 BERTHOLD BODONI EM 1930 INFORMAÇÃO DO SITE WWW.UNOSTIPOSDUROS.COM

DIDI Fonte desenhada por Tom Carnase e Ronne Bonder em 1970

24


BAUER BODONI

25


WALBAUM BERTHOLD

Justus Erich Walbaum [1768-1839] Walbaum foi tipógrafo, escultor [punchcutter] e criador de tipos que trabalhava na Alemanha no mesmo período de vida de Bodoni na Itália. Tinha sua fundição na cidade de Weimar –mais tarde uma das cidades que abrigou a famosa escola de arquitetura e design Bauhaus. Foi autor de diversas famílias de tipos entre as quais destacam-se a Antiqua Cursiva e a Walbaum Fraktur. Em 1836 vendeu seu negócio para uma empresa da cidade de Leipzig, e no início do século 20 suas matrizes passaram a ser de propriedade da famosa Berthold AG de Berlim.

26


BERTHOLD BODONI A PRIMEIRA BERTHOLD BODONI [ASSIM COMO A MONOTYPE, A HAAS E A STEMPEL] FOI DESENHADA ENTRE 1920 E 1930.

27


Firmin Didot [1764-1836] Nascido em família tradicional de impressores, editores e criadores de tipos, Firmin começa jovem a trabalhar na firma fundada em 1713 por seu avô Françoise. Entre 1783 e 1784 a fundição Didot produz o primeiro tipo moderno usado na impressão do livro Jerusalem liberta– da, de Tasso. Era um tipo romano já utilizado por seu pai Françoise Amproise em muitos trabalhos, de fácil leitura, com serifas delgadas e modulação vertical. O tipo lhe traz fama e reconhecimento como tipógrafo e Napoleão Bonaparte o nomeia diretor da Fundição Nacional. O tipo Didot rapidamente se transforma num símbolo nacional da França e logo surgem imitações por toda Europa.

Sua comparação com a Bodoni é inevitável, ainda mais sabendo-se que ambos estudaram com muito cuidado os trabalhos de William Caslon John Baskerville, Nicholas Jenson e outros mestres. Segundo os tipógrafos catalães Josep Patau y José Ramón Penela “não há dúvida nenhuma que Bodoni se baseou, entre outras referências, no tipo de Didot para criar o seu próprio, mas quando colocados lado a lado se observa que eles diferem em muitos pontos: Didot sugere mais suavidade e elegância, enquanto a Bodoni transmite maior dureza e força”.

28


DIDOT

29


BIBLIOGRAFIA ARGAN, Giulio Carlo. Clássico anticlássico, o Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. São Paulo. Companhia das Letras. 1999. BARTRAM, Alan. Five hundred years of book design. New Haven, Yale University Press. 2001. DE FUSCO, Renato. Storia del design. Roma. Editori Laterza. 2003. Eye Magazine, 43, vol. 11, Spring. 2002. Londres. Zuzana Licko in It’s not a problem of being a woman in a man’s world. It’s being a type designer in world that gives little recognition to this art form. FERLAUTO, Claudio. O tipo da gráfica, uma continuação. São Paulo. Edições Rosari. 2002. FLETCHER, Alan. The art of looking sideways. Nova York. Phaidon. 1994. FRIEDL, Friedrich; OTT, Nicolaus; STEIN, Bernard. Typographie. Wann Wer Wie. Colônia. Ed. Köenemann. 1998. GUERRERO, Manuel. Joan Brossa, o la revolta poetica. Barcelona. KRTV. 2001. HALEY, Allan. ABC’ of type. Nova York. Watson-Guptill Publications. 1990. HENDEL, Richard. On book design. Yale University Press. New Haven e Londres. 1998. Tradução brasileira: O design do livro. São Paulo. Atelier Editorial. 2003.

30


HELLER, Steven; FERNANDES, Teresa. Becoming a graphic designer. Nova York. John Wiley and Sons. 2002. JAHN, Heloisa; FERLAUTO, Claudio. O livro da gráfica. São Paulo. Edições Rosari. 2000. MEGGS, Philip. A history of graphic design. Third edition. Nova York. John Wiley and Sons. 2002. MELO NETO, João Cabral. O melhor da poesia brasileira 1. Rio de Janeiro. Livraria José Olympio Editora. 1979. PERFECT, Christopher; AUSTEN, Jeremy. The complete typographer. Rockport. Rockport Publishers. 1992. ROCHA, Claudio. Projeto tipográfico, Análise e produção de fontes digitais. São Paulo. Edições Rosari. 2002. Step-by-Step Graphics. September-October 1997. Peoria. Allan Haley in Giambattista Bodoni: King of typographers and typographer of kings.

DISCOGRAFIA Amoroso. João Gilberto. Violão e voz. WEA Discos 36022. 1997.

SITES www.octavo.com www.unostiposduros.com www.comune.parma.it/turismo/mu-bo.htm

31


Quosque tandem abutêre, Catilina, patientiâ nostrâ ? quamdium etiam furor iste tuus nos eludet ? quem ad finem sesse effrenata jactabit audacia?? nihilne te nocturnum prœsidium Palatii, nihil urbis vigiliœ, nihil timor M. TULLIUS CICERO ORATOR ATQUE PHILOS.

CÓLOFON ESTE LIVRO FOI CRIADO E DESENHADO EM 2003 IMAGENS POR CEREJEIRA DESIGN GRÁFICO IMPRESSÃO POR CROMOSETE GRÁFICA E EDITORA AGOSTO 2003





Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.