Almanach #4 Literário ou como plantar e cultivar falsidades

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LITERÁRIO HaroldoeDécioem1963 COMO PLANTAR E FALSASENOTÍCIASCULTIVARHISTÓRIAS #4 AGOST0 22 Claudio Ferlauto

Ruínas

Ou teria sido no bordel da Salomé? Brada ruínas sonoras.

uando isso terminar, ou seja, aquele ‘mundo que já acabou’ estará em ruínas. Teremos saudade dos destroços da modernidade porque elas ainda parecem encerrar uma promessa que desapareceu da nossa era: a de um futuro alternativo.

— Lá adiante, uma prisão à Piranesi, a peste à Camus, um capricho ruinoso à Canaletto.

— Teremos saudades das ruínas recentes, digitais e enganadoras. Representadas por imagens dúbias/geminianas, de caráter bipolar, representados por esquadros e compassos, softwares e PDFs, pincéis e lápis, html e java, papel e monitores, telas e mouses.

Q

— Uma vizinha, meio distante, e da qual não conhecemos idade, escolaridade e rosto, tenta emular, na sacada, um tenor milanês da internet que canta O sole mio, ao emitir sons estranhíssimo de uma canção gospel-sertaneja que aprendeu no templo do Salomão.

Falsidades

P

edem, no email, que separemos um poema para ‘intercambio’. (Não sabemos bem o que isso pode significar) Ao espelho-espelho-meu, indago como fomos parar na lista, onde não identificamos ninguém. É uma pirâmide poética que promete nos tornar riquíssimos poeticamente, mesmo se o banco central da poesia denunciar os organizadores por fraude literária. — Chega um newsletter com notícias de ontem. Muito semelhantes às do dia anterior. Entre todas nos surpreende um artigo sobre a realidade brasileira de alguém que vive em Portugal ou na Alemanha e quando no país, mora em Brasília.

pós jantar na estação da água San Benedetto que no rótulo estampa Dei colli dela Toscana consulta o espertophone para Ferraù: ferraguto, significar un coltello na Itália; un cuchillo em espanhol. Significados esperança de encontrar uma pista dos ancestrais Ferragut longínquos armas brancas ou, pelas Descobre que são poéticapersonagensdeMatteo Orlando Furioso em Ferrara, no fica procuramatutandoovagão AFicção

Benedetto e do vinho Dela Torre, estampa orgulhosamente a origem: Toscana. Enquanto esvazia os copos, espertophone em busca de significados ferraguto, do latim ferracutus, que pode coltello affilato ou strumenti taglienti cuchillo afilado ou herramientas afiladas, Significados que não lhe dão muita encontrar no ferreiro da montanha ancestrais mediterrâneos. Talvez estes longínquos fossem armeiros, afiadores de pelas navalhas, simples barbeiros. que Ferraguto ou Ferraù, em italiano, personagens no Orlando Innamorato, obra Matteo Maria Boiardo, e em Furioso de Ludovico Ariosto, escritas no período Renascentista. Serpentin matutando ancestralidades enquanto vagão do trem na plataforma.

estação ferroviária, bebe o que sobrou

No jardim

U

ma mancha escura, preta, negra, se desloca na área sombreada, de um lado para o outro, com tiques nervosos de pássaros grandes, galinhas, patos, galos. É um frango altivo e elegante que passeia no seu território, em segura distância dos humanos, ciscando nas folhas secas, desconfiado. Um bem-te-vi rasga o espaço sonoro e a tensão muda, a figura escura, preta, negra desaparece, não totalmente, entre as ramas baixas da mata, ainda mostra a crista vermelha e sua cabeça não deixa de observar os outros seres do cenário matutino verdejante. Um casal de aracuãs e o filhote passam calmamente para o terreno vizinho por entre arames farpados e cactos floridos. Cuidadosos e ariscos. O sol sobe forte e o canteiro do composto orgânico é ocupado por quatro galinhas branquíssimas escoltadas pelo preto frango. Se fosse um shopping estariam, como peruas, refesteladas na praça de alimentação bicando um hambúrguer e a saladinha do regime.

Voos

Q uase ao nível do mar a grande planície está pronta para o deslizar de pequenas aeronaves, helicópteros, pássaros marinhos e urubus. Abrigam alguns terráqueos com roupas coloridas, ácidas, cítricas, brilhantes, disfarçados para caminhar ou correr. Todos levam seus celulares para passear, olham seus umbigos e não olham a montanha. Estão ocupados com o xixi e o cocô dos pets. Bicicletas chispam nos dois sentidos com pescadores, surfistas, mães e filhos pequenos na cestinha da frente ou no assento traseiro. Donas de casa carregam sacos do supermercado e peixes do mercado. Um helicóptero cheio de ruídos e barulhento prá danar, surge do nada e desce na borda da planície entre ventos e poeiras. Parado, silenciado, perde o encanto. Os vira latas que passam para o sul, mijam no esqui de pouso, e somem atrás da cerca viva. Um grupo de urubus aterrisa ao lado do ‘avião de rosca’ e todos ficam espreitando as colunas de ar quente para subir. De longe ninguém mais se importa com máquinas e aves. Terráqueos recebem mensagens banais no espertophone 5 G.

Virtuais Giulia, saiu do banco trabalhar em Londres; lim, mas ocasionalmente tinua no interior do pela Índia, onde cantava vive em Montevidéu; rim, Itália, ainda não mais voltou; Hans, Santos; Zé, depois de pós graduação em Potsdam; Krzystof nunca saiu vivia na Basileia; Vera passou muitos invernos York mesmo depois do Parkinson; Martin, nasceu Baixos; Irmi, está em Essen, Alemanha; Celso, Rafic, trabalha na Escola da Cidade, de São Paulo; agora vive e trabalha na Gamboa, SC; Eduardo, em Montevidéu; Jéssica, continua no Pará; Maria, Mallorca; Mario, viveu muito anos em New York, Thais e Carla trabalham com design em Dublin; assim como Maykon; Luis, agora está em Buenos Symony, para Ohio; Álvaro, para Barcelona; Ricardo tuérpia, aposentado vive em Petrópolis no RJ.

banco e foi para Berlim; Adriana, se formou e foi Londres; Alex e Bruna também trabalham em Berocasionalmente aparecem no Tatuapé; Angélica, condo Rio Grande; Maria José, andou muitos anos cantava e cozinhava; Rodolfo ainda trabalha e Montevidéu; Gisa, está no Canadá; Jean, nasceu em Tunão casou;  Sônia, foi para Toulouse e nunca Hans, continua em Maidstone, Kent e Fabrício, em de Lisboa foi para o sul da França; Barbara fez saiu da Cracóvia onde conviveu com Sonja que invernos em Barcelona; Steve, sempre morou em New nasceu em Baarn e mora em Arnhem nos Países Celso, continua morando perto do Parque Augusta; Paulo; Rik, é de Amsterdã e mora em Paris; Ana, Eduardo, vive na beira do mar em Guarujá; Marcelo, Maria, Ricard, Diana e Liza, estão em Palma de York, agora está em Canguaretama, RN; Keyla, Dublin; Cibele, continua professora em Londrina, Buenos Aires; Melanie, casou e foi para a Flórida; Ricardo ficou em Osasco; Freddy nasceu na AnÀs vezes aparecem em S.Paulo ou no Feice.

Almanach #4 Literário São Paulo, Agosto/InvernoSP 2022 Claudio Ferlauto clauf4455@gmail.comContato Textos salvos do lixo de uma caixa postal mal humorada …no céu lua sol e venus em trígono com sol do teu mapa…“Mas você é doido… isso não vai dar certo...”

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