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Para Quando?
by ONG FASE
Organização nos locais de trabalho
Para quando?
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Maria do Carmo Martins Teixeira*
Em sua origem histórica e européia, os sindicatos são organizações que os trabalhadores criaram para combater a sua divisão por setores nas fábricas e a concorrência entre si, construindo uma união baseada na solidariedade, na consciência de compartilharem a mesma sorte e na revolta contra a exploração.
Nascidos na experiência do dia-a-dia na fábrica foram, aos poucos, conseguindo locais físicos de funcionamento, entendiam o sindicato como órgão de classe, de negociação e de ação, de união dos operários. Também com o tempo, uma "cultura operária", um "saber operário" foram sendo resgatados na medida em que os trabalhadores se organizavam, faziam as suas reuniões e o convívio social entre eles e as suas famílias. Daí que o prédio de funcionamento dos sindicatos era visto como ·"casa dos trabalhadores", capaz de abrigar as mais diversas atividades.
No Brasil, os sindicatos anarco-sindicalistas do periodo inicial, até à década de 20, tendiam a reproduzir em linhas gerais, esta concepção e este tipo de relacionamento entre os trabalhadores. Autônomos, mantidos política e financeiramente pelos seus membros em condições heróicas, não precisavam ocupar-se da criação de comissões de fábrica ou delegacias sindicais. Eram a própria base e respiravam o ar insalubre das fábricas junto com todos os trabalhadores.
A sua derrota e I iqu i dação na época foram condição para o surgimento do sindicato corporativo, atrelado, mas acima de tudo ausente dos locais de trabalho, existindo apenas das portas das fábricas para fora, criado por decreto e imposto dessa forma aos trabalhadores.
Desde então, não existe no Brasil, de forma generalizada, organização dos trabalhadores nos seus locais de trabalho; o que se criou com muita luta ainda é pouco comparado com a expansão da industrialização. O sindicato virou um prédio, freqüentemente luxuoso e imponente, em algum lugar da cidade. As federações e confederações tanto mais ricas quanto mais distantes dos trabalhadores completam a pesada estrutura que não escuta o trabalhador nem corre a mesma sorte que ele.
Os primeiros sindicatos existentes, constantemente perseguidos e ameaçados não conheceram a liberdade sindical. Os atuais nunca dela desfrutaram porque sempre foram demasiado "reconhecidos", reconhecimento esse que nada mais fez do que atrelar o movimento sindical ao Estado. Se nos referirmos aos termos em que a liberdade sindical é definida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), organismo da ONU composto por representantes dos trabalhadores, dos empresários e dos veremos como estamos distantes desse direito fundamental.
Declara a Convenção n9 87 da OIT:
"Os trabalhadores e os empregados, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações sob a única condição de se conformar corT os estatutos das mesmas. Artigo 2: As organ izações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de elaborar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de organizar a gestão e a atividade dos mesmos e de formular seu programa de ação.
As autoridades públicas deverão abster-se de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou entravar o seu exercício legal. Artigo 3."
Esta situação configura uma tradição velha de mais de 40 a 50 anos. Nascidos fora das fábricas, os sir.dicatos e os sindicalistas, os militantes e os ativistas tentam dirigir-se aos trabalhadores nas fábricas e nelas querem criar ra fzes. Porque sabem que essa é a condição para terem a força necessária para lutar pelos direitos dos assalariados e também para transformarem os sindicatos em entidades realmente representativas.
Mais recentemente, vem-se tomando consciência de que não adianta dirigirem-se aos trabalhadores que estão dentro das fábricas, os sindicatos têm que adentrar os portões das fábricas generalizadamente. A consciência, a organização dos trabalhadores não se dão de fora para dentro, elas nascem, surgem e tomam corpo no sindicalismo de dentro para fora das fábricas.
A partir de 1964, com a redução ainda maior das possibiiidades de ação através dos sindicatos, a criação de comissões de fábrica, ainda que clandestinas, ou melhor, forçosamente clandestinas, não só surgiu como uma alternativa mas foi, aos poucos, idealizada como uma solução para os "males" dos trabalhadores ou como a ante-sala da revolução.
A longa luta de resistência contra a ditadura militar e as próprias experiências, quase sempre breves, de criação dessas comissões, foram, aos poucos, impondo uma visão menos idealizada do papel, das potencialidades e dos limites das tão desejadas comissões de fábrica.
As lutas travadas, as dificuldades encontradas, as derrotas sofridas, chegaram até mesmo a representar, para alguns, a prova de que comissões de trabalhadores nos locais de trabalho não valem o esforço de constru f-Ias por se revelarem "inúteis" ou, o que é pior, permeáveis à manipulação patronal. Alguns, com a mesma rapidez com que viam nelas os embriões de um poder alternativo da classe operária, molas do levantamento contra o domínio do capital, agora as negam como experiência de organização, de sociabilidade e de luta.
No entanto, há também aqueles que sabem amadurecer junto com as suas categorias e a sua classe. Aqueles que conservam a lucidez suficiente para observar o que está acontecendo e para pensar no caminho das mudanças. Entre eles escolhemos quatro depoimentos, ou melhor, participamos de quatro reflexões de trabalhadores que viveram experiências significativas em comissões de fábrica e na militância sindical. O fato de que todos eles pertencem a um mesmo setor dos metalúrgicos de São Paulo, aglutinado em torno da Chapa 2 nas últimas eleições para o seu sindicato, longe de caracterizar uma uniformidade estreita, revela, nas convergências e na diversidade de suas declarações, a riqueza e a abrangência do tema e das novas questões que se colocam para a prática sindical em São Paulo.