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Entrevista com Francisco Viana

ENTREVISTA

FRANCISCO VIANA JÁ FOI DIRETORPRESIDENTE DA COGERH E DA FUNCEME, E SUPERINTENDENTE DE OUTORGA E FISCALIZAÇÃO DA ANA.

O senhor chegou na Cogerh em 1995, quando a Companhia ainda estava se estabelecendo. Como foi aquele começo? Essa experiência foi muito interessante porque ao mesmo tempo que estávamos fazendo concurso nacional para a Funceme em 1994, abrimos também o concurso da Cogerh. E eram dois perfis diferentes: um mais científico, e a Cogerh era um órgão de engenharia operacional, de gestão, de operação, manutenção, de gestão mesmo. O concurso da Funceme foi executado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e o da Cogerh foi pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Cogerh foi um perfil técnico, gerencial e operacional. E tivemos, eu diria, uma surpresa muito agradável. Primeiro, pela participação na gestão de um perfil na área de negociação socioeconômica. A água, mais que tudo, é um bem público, limitado. E na época precisávamos criar um ente. O concurso da Cogerh teve essa coisa interessante que foi a participação de sociólogos, economistas, contadores. Eram 39 vagas e só passaram 21. Mas foram 21 cadeiras históricas. A vaga era de Técnico de Planejamento de Gestão de Recursos Hídricos.

Que desafios o senhor encontrou na gestão da Cogerh? Os desafios foram da formatação. A Cogerh foi criada para ser uma empresa operacional e o perfil já era desenhado para buscar uma sustentabilidade operacional e financeira. Tinha o desafio de conseguir implantar essa cobrança de água bruta no Brasil, algo absolutamente pioneiro. Na época, o Tasso Jereissati (governador do Ceará de 1995 a 2002) chegou e disse:

FRANCISCO VIANA

“A COGERH FOI CRIADA PARA SER UMA EMPRESA OPERACIONAL E O PERFIL JÁ ERA DESENHADO PARA BUSCAR UMA SUSTENTABILIDADE OPERACIONAL E FINANCEIRA. TINHA O DESAFIO DE CONSEGUIR IMPLANTAR ESSA COBRANÇA DE ÁGUA BRUTA NO BRASIL, ALGO ABSOLUTAMENTE PIONEIRO”

FRANCISCO VIANA

“Olha, eu não quero criar mais uma empresa de mentirinha”. Tivemos negociações com setor da indústria, abastecimento, agricultura, para gerenciar, operacionalizar e disponibilizar essa água que, no caso do Ceará, não era de rio como no resto do Brasil e como é na grande parte do mundo. A Cogerh presta serviço. A Funceme trabalha com informação. É diferente de serviço operativo de guardar água, medir águas em subsolos, solo, superfície, canos, canais, construir e aduzir água para os usuários mais importantes. Era um grande desafio porque era inédito no Brasil e relativamente raro no mundo. Logo após a implantação da cobrança pelo serviço e direito de usar a água, o desafio foi buscar sustentabilidade. E, pelo ineditismo, não foi fácil. Evidentemente que a negociação se estabelece logo dentro do próprio governo e a Cogerh recebe a infraestrutura dos reservatórios. Uma das vertentes foi a construção do canal do trabalhador em 1993, quando Fortaleza se depara com o colapso de água. A primeira barreira foi do Estado, depois com as indústrias e depois com a irrigação, que foi um processo complexo.

Como foi o momento de transição para a Agência Nacional das Águas (ANA)? A ANA foi criada em 2000. A diretoria foi implantada em dezembro e no começo de 2001 foi feito uma seleção de temporários para implantar a ANA. Nessa eu fui chamado e levei algumas pessoas comigo. Lá, o desafio era ser o coordenador político e implementar o sistema de gerenciamento de recursos hídricos.

Como a experiência da Cogerh reflete na criação da ANA? Primeiro, do ponto de vista institucional. A repercussão da criação da Cogerh foi acompanhada pelo Banco Mundial por meio de financiamento da Prourb (Projeto de Desenvolvimento Urbano e Gestão de Recursos Hídricos), o primeiro programa de recursos hídricos em ambiente urbano. Em 1997, quando estava se consolidando esse programa de sustentabilidade da Cogerh, foi criada a Lei Nacional das Águas, a Lei das Águas. Há uma comunicação do presidente do Banco Mundial para o presidente do Brasil (Fernando Henrique Cardoso) felicitando o País por ter criado uma lei avançada de água. Então, tem uma ligação na gênese. O presidente chama o Tasso e pergunta: “O que tu andavas fazendo lá no Ceará que o presidente do Banco Mundial anda falando?” E ele fala que o Ceará tinha problema grave de água e tinha a empresa sendo implantada de forma sustentável para gerir a política de água. Eu era presidente da

CRÉDITO: MATEUS DANTAS Cogerh e ia todo mês fazer uma inspeção no grupo de implantação da ANA. Entro na ANA no final de 2001. Fiquei até 2013. Que ações da ANA são referências que vieram da Cogerh? A primeira referência importante que veio foi a expertise na área de gerenciamento. Foi muita coisa daqui nessa área de gestão, sobretudo essa experiência do semiárido que a ANA passou a induzir a implantação nos outros estados. Depois, foi a cobrança. Conseguimos implantar a cobrança em algumas bacias como Piracicaba, Rio Doce, São Francisco… Sentimos uma dificuldade porque a ANA não era uma agência de serviços como foi a Cogerh. Nunca foram criadas agências de água complexas no estilo que a Lei previa, que era o estilo francês. Nem ficou como era na França, nem como era no Ceará. Ficou uma coisa mais regulatória do que executiva. Depois, entrou o governo do PT que é bem mais estatizante. Para o perfil, era mais de autarquia do que de empresa. Esses serviços passaram a ser apenas o serviço cobrado pelo direito de usar a água. Na maioria das bacias, isso funciona. Mas no semiárido isso não funciona porque não tem água correndo o ano inteiro nas bacias.

Quando a Cogerh foi criada, o Brasil estava num momento econômico de transição. As privatizações explodiram na era pós-Collor. O que esse contexto representou para a criação da Cogerh? A Cogerh não sofre influência, foi criada antes disso. A água tem particularidades fortes de serviço, basicamente no Nordeste e em algumas outras regiões onde a qualidade da água é muito ruim e precisa ser trabalhada nas bacias e reservatórios de maneira intensa. A água é um bem, por isso é mais fácil privatizar a Cagece do que a Cogerh. A água bruta tem múltiplos usos. A nossa Constituição diz que a água é pública, limitada, passiva de cobrança pelo serviço derivado, mas ela é de acesso comum do povo. A água não tem propriedade. O cara constrói na propriedade dele uma barragem, um poço, mas ele não é dono da água. A terra é dele, mas a água não. Não existe água privada no Brasil. É claro que para tirar a água, colocar um canal, uma adutora, tem que ter uma concessão. Quem autoriza é a SRH. A ANA sentiu esse baque da nossa Constituição, uma Constituição muito parlamentarista, muito democrática, com uma base socialista muito forte. Os governos, o próprio FHC tinha esse perfil de privatizar serviços, não bens públicos, que é o caso da água. Diferentemente da energia, que é privativo da União.

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