FAU UFRJ 2022.1 - TFG1

Page 1

TFG 1

OSCAR TANOMARU



oscar kei | 2022.1

(in)visibilidade no Rio de Janeiro necrópole: espaço de memória e reflexão sobre a cidade que mata

aluno: Oscar Kei Kabumoto Tanomaru orientadora: Fabiana Izaga coorientador: Rodrigo d’Ávila trabalho final de graduação da faculdade de arquitetura e urbanismo - FAU UFRJ


fau ufrj


oscar kei | 2022.1

agradecimentos

Batian

Pai

Andréa

Hélio

Francis

Tio Marinho

Mariana

Anely

Ricardo

Pedro

Fabs

Matheus

Fabiana

Rodrigo


fau ufrj

resumo

A ideia do Trabalho Final de Gradução parte da intenção de criar um espaço de memória e reflexão no que tange o tema da necropolítica no Rio de Janeiro. O termo necropolítica é um conceito do filósofo, historiador e teórico político camaronês Achille Mbembe (2018) e se refere às políticas de controle social pela morte. A partir deste entendimento, este trabalho busca compreender melhor o termo introduzido no âmbito da cidade do Rio de Janeiro ao discorrer um pouco sobre a história da cidade e, por meio de uma coletânea de imagens, apresentar expressões dessa política de morte explicitadas na metrópole ao longo do tempo. Além disso, procura definir uma área de intervenção que dialogue com o tema e com a arquitetura a ser proposta, sendo feitas análises históricas da região e estudos por meio de mapas e diagramas. Por fim, propõe-se o programa e a intenção de uma arquitetura que tenha como intuito trazer a questão da necropolítica à tona, de tal modo que o objeto resultante desta operação torne-se um tratado que dê visibilidade aos corpos ocultados pelo poder soberano. Pretende-se, portanto, que a proposta se institua como ato de memória e de não-invisibilização das pessoas que se foram ou podem partir devido à política de controle social pela destruição de corpos na cidade do Rio de Janeiro. Palavras-chave: necropolítica; soberania; estrutura de poder; invisibilização


oscar kei | 2022.1

abstract

The idea of ​​the Final Graduation Project starts from the intention of creating a space of memory and reflection regarding the theme of necropolitics in Rio de Janeiro. The term necropolitics is a concept by the Cameroonian philosopher, historian and political theorist Achille Mbembe (2018) and refers to the policies of social control through death. Based on this understanding, this work seeks to better understand the term introduced in the context of the city of Rio de Janeiro by discussing a little about the history of the city and, through a collection of images, presenting expressions of this policy of death made explicit in the metropolis at the same time. In addition, it seeks to define an area of ​​intervention that dialogues with the theme and with the architecture to be proposed, with historical analyzes of the region and studies using maps and diagrams. Finally, I propose the program and the intention of an architecture that aims to bring the issue of necropolitics to the fore, in such a way that the resulting object of this operation becomes a treaty that gives visibility to the bodies hidden by the sovereign power. It is intended, therefore, that the proposal be instituted as an act of memory and non-invisibility of people who left or may leave due to the policy of social control for the destruction of bodies in the city of Rio de Janeiro. Keywords:necropolitics; sovereignty; power structure; invisibility


fau ufrj


oscar kei | 2022.1

índice

introdução 1.

do conceito de necropolítica de Mbembe

2.

Rio necrópole

3.

espaço, poder e visibilidade

4.

programa

5.

estudos do recorte

6. desenvolvimento das ideias projetuais índice de figuras bibliografia


fau ufrj

introdução

A cidade do Rio de Janeiro é palco de grandes disputas políticas e é conhecida pelo seu histórico de violência. Muitas vezes associa-se a ideia de inimigo e gerador do caos na metrópole aos narcotraficantes e milícias. Esse julgamento equivocado faz com que muitas pessoas associem a ideia de que o Estado soberano é o representante do bem, o que legitima este a cometer atos criminosos contra seus inimigos em prol de um discurso de ordem. O poder soberano também divide grupos por gênero, classe e, principalmente, por raça para selecionar as vidas que devem ser descartadas, além de escolher espaços para segregar, sendo a favela a principal representante da desigualdade social na cidade do Rio de Janeiro. Tendo isso em vista, o presente trabalho utiliza o conceito de necropolítica do filósofo e historiador camaronês, Achille Mbembe, a fim de compreender preliminarmente sobre a estrutura de poder que determina quem deve morrer. Deste modo, o objetivo deste trabalho é propor um espaço de reflexão e homenagem às vítimas do Rio de Janeiro necrópole de maneira a dar visibilidade aos corpos que são ocultados pelo poder soberano.

1


oscar kei | 2022.1

Figura 1 - Rio de Janeiro necrópole. Desenho autoral.

2


fau ufrj

Em um primeiro momento, faz-se necessário percorrer alguns conceitos essenciais que fundamentam a ideia de necropolítica. Dessa forma, o trabalho busca fazer uma resenha sobre o livro de mesmo nome, escrita por Mbembe, a fim de dar subsídios para entender o porquê de o Rio de Janeiro ser considerado uma necrópole. Em seguida, o segundo capítulo apresenta de forma geral a história do Rio de Janeiro e, por meio de imagens, apresenta algumas formas como o necropoder se expressa em diversos eventos que ocorreram e ocorrem na cidade. Nesse sentido, o terceiro capítulo busca encontrar um ponto em comum entre essas diferentes faces da necropolítica, sendo a invisibilização o foco da discussão. Posteriormente, é definida a área de intervenção ao utilizar como base o livro “Espaço e Poder. Os três centros do Rio de Janeiro” da arquiteta Rachel Sisson. No quarto capítulo, são apresentados alguns estudos do recorte escolhido para receber a intervenção a ser proposta. Mais adiante, no quinto capítulo apresenta-se o conteúdo programático da proposta. Por fim, no sexto e último capítulo, são apresentados esboços de uma primeira proposta.

3


oscar kei | 2022.1

Figura 2 - Os retirantes, Portinari, 1944.

4


fau ufrj

5


oscar kei | 2022.1

1. do conceito de necropolítica de Mbembe

6


fau ufrj

A compreensão de como a necropolítica atua sobre a cidade do Rio de Janeiro, demanda o entendimento anterior sobre o conceito de necropolítica e demais conceitos que permitem uma melhor compreensão deste termo. O presente trabalho não tem como pretensão esgotar esses conceitos, apenas apresentá-los para subsidiar o entendimento sobre as análises que serão elaboradas. O termo necropolítica surge da obra do filósofo, historiador e teórico político camaronês Achille Mbembe. O autor nasceu em Camarões (n. 1957), é professor de História e Ciências Políticas na Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, África do Sul, e na Duke University, nos Estados Unidos. O teórico é reconhecido por ser estudioso da escravidão, descolonização e negritude tendo notável conhecimento histórico, filosófico e literário, além de ser leitor assíduo do filósofo Michael Foucault (1926-1984), autor no qual se baseou para propor o termo necropolítica. Em seu livro Necropolítica, Mbembe pressupõe que a expressão máxima da soberania residiria “no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer” (MBEMBE, 2018, p. 5). Desta forma, os limites da soberania constituem-se como o ato de matar ou deixar morrer, seus atributos fundamentais.

7


oscar kei | 2022.1

Ser soberano é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder. MBEMBE, 2018. p.5

8


fau ufrj

O autor compreende a soberania a partir do entendimento de Michel Foucault, de maneira que o termo se distancia das análises tradicionais encontradas na disciplina de Ciências Políticas. Portanto, Mbembe aborda o tema ao se basear nas críticas de Foucault à noção de soberania e sua relação com a guerra e o biopoder, termo este que remete ao controle do domínio da vida pelo poder. A partir disso, Mbembe procura responder sob quais condições práticas se exerce o direito de matar ou expor à morte, sobre quem seria o sujeito desta lei, o que a implementação de tal direito diz à respeito da pessoa a ser condenada à morte e, por fim, pergunta se “essa noção de biopoder é suficiente para contabilizar as formas contemporâneas em que o político, por meio da guerra, da resistência ou da luta contra o terror, faz do assassinato do inimigo seu objetivo primeiro e absoluto?” (MBEMBE, 2018, p.6). A primeira constatação de Mbembe é que a guerra é ao mesmo tempo tanto “meio de alcançar a soberania como uma forma de exercer o direito de matar” (MBEMBE, 2018, p.6). Dessa forma, o filósofo busca, por meio do ensaio, responder às questões anteriores relacionando os conceitos de biopoder, soberania (imperium) e estado de exceção. O conceito de estado de exceção é frequentemente atrelado ao nazismo, ao totalitarismo e aos campos de concentração e de extermínio. Porém, é possível observar essa questão também em outros contextos sociais, menos explícitos, mas bem característicos da ideia expressa pelo conceito. Ao mesmo tempo, entende que na estrutura político-jurídica de um campo de concentração, o estado de exceção deixa de ser uma suspensão temporal do estado de direito e adquire um arranjo espacial permanente que se mantém fora do estado normal da lei.

9


oscar kei | 2022.1

Figura 1 - Crianças atrás de uma cerca de arame farpado no campo de concentraçãonazista de Auschwitz no sul da Polônia.

10


fau ufrj

Mbembe (2018) vai afirmar que a expressão máxima da soberania é a “produção de normas gerais por um corpo (povo) composto por homens e mulheres livres e iguais” (MBEMBE, 2018, p.9). Nesse sentido, a política é ao mesmo tempo “um projeto de autonomia e a realização de um acordo coletivo mediante comunicação e reconhecimento” (MBEMBE, 2018, p.9), ou seja, existe uma separação na modernidade entre razão e desrazão (paixão, fantasia), em outros termos, entre a política (exercício da razão na esfera pública) e a barbárie. Essa política ideal, que busca abarcar uma vida plena e tornar-se um agente plenamente moral, nem sempre cumpre o que promete, da mesma forma, a soberania também tem o ideal no qual se implica em uma discussão individual que é um processo de auto instituição e de autolimitação de fixar em si a própria lei, como se fosse um convite ao exercício da liberdade. Na prática, a soberania ideal costuma ser um projeto de destruição material de corpos humanos. Com a soberania usada sob esse pretexto, os governos políticos utilizam-na a fim de decidir quem pode viver e quem pode morrer.

11


oscar kei | 2022.1

Minha preocupação é com aquelas formas de soberania cujo projeto central não é a luta pela autonomia, mas a “instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material de corpos humanos e populações”. MBEMBE, 2018, p.10-11

12


fau ufrj

Ao discutir o campo da morte, Mbembe desenvolve uma leitura política diferente do discurso filosófico da modernidade sobre a ideia de soberania e sujeito. Dessa forma, afirma que “em vez de considerar a razão a verdade do sujeito, podemos olhar para outras categorias fundadoras menos abstratas e mais palpáveis, tais como a vida e a morte” (MBEMBE, 2018, p.11). Assim, retoma o pensamento de dois filósofos, sendo o primeiro o filósofo alemão Hegel, que vai discutir sobre a relação entre a morte e o “devir sujeito”, visto que a concepção de morte estaria centrada em um conceito bipartido de negatividade. Desse modo, o ser humano nega a natureza por meio do esforço para reduzir a mesma e suas próprias necessidades de forma a tornar-se sujeito na luta e trabalho pelos quais enfrenta a morte. Outro filósofo que Mbembe traz é o francês George Bataille. Para este pensador, “a vida é falha apenas quando a morte a toma como refém” (MBEMBE, 2018, P.13), ou seja, a soberania “é a recusa em aceitar os limites a que o medo da morte teria submetido o sujeito” (MBEMBE, 2018, P.15). Tanto Hegel quanto Bataille, vão trazer a tese de que o sentido da vida passa pelo enfrentamento da morte, isto é, a morte dá sentido para a vida, e é detentora de grande significação, como um meio para a verdade. O ser humano é consciente do seu tempo de vida e de que vai morrer, por isso a vida gira em torno do enfrentamento com a morte.

13


oscar kei | 2022.1

Figura 2 - O sétimo selo.

14


fau ufrj

Na sequência, Mbembe vai tratar sobre o biopoder, conceito de Foucault, responsável por relacionar o biopoder aos conceitos de estado de exceção e estado de sítio. Em tais instâncias, o poder apela à exceção, à emergência e a uma noção ficcional do inimigo.

15


oscar kei | 2022.1

Na formulação de Foucault, o biopoder parece funcionar mediante a divisão entre as pessoas que devem viver e as que devem morrer. Operando com base em uma divisão entre os vivos e os mortos, tal poder se define em relação a um campo biológico – do qual toma o controle e no qual se inscreve. Esse controle pressupõe a distribuição da espécie humana em grupos, subdivisão da população em subgrupos e o estabelecimento de uma cesura biológica entre uns e outros. Isso é o que Foucault rotula com o termo (aparentemente familiar) “racismo”. MBEMBE, 2018, P.17

16


fau ufrj

Foucault também aponta que o estado nazista foi o maior exemplo de um Estado que acreditava no direito de matar. A partir desse ponto, Mbembe faz uma reflexão sobre a violência do Estado e do estado de exceção a partir do exemplo do nazismo. Além disso, afirma que mecanismos desenvolvidos entre a Revolução Industrial e a Primeira Guerra Mundial, permitiu uma serialização de mecanismos técnicos para conduzir as pessoas à morte, sendo as câmaras de gás e o forno a maior representação do processo de desumanização e industrialização da morte.

17


oscar kei | 2022.1

A percepção da existência do Outro como um atentado contra minha vida, como uma ameaça mortal ou perigo absoluto, cuja eliminação biofísica reforçaria meu potencial de vida e segurança, é este, penso eu, um dos muitos imaginários de soberania, característico tanto da primeira quanto da última modernidade. MBEMBE, 2018, P.19-20

18


fau ufrj

Figura 3 - A industrialização da morte em Auschwitz.

19


oscar kei | 2022.1

Posteriormente, Mbembe (2018) traz o exemplo da Revolução Francesa (1789), como um evento que marcou a modernidade por fundir a razão com o terror, de maneira que o terror é instaurado como um componente necessário da política. O teórico critica o Iluminismo ao afirmar que a racionalização do mundo moderno não exclui, mas abraça o terror e suas consequências. Por isso, a ideia do direito de matar não é um sinônimo da ausência de lei. É justamente com a lei que se passa a discutir outras formas de legitimar o direito de decidir quem deve viver e quem deve morrer.

20


fau ufrj

Em última instância, o terror não está ligado exclusivamente à utópica crença no poder irrestrito da razão humana. Também está claramente relacionado a várias narrativas sobre a dominação e a emancipação, apoiadas majoritariamente em concepções sobre a verdade e o erro, o “real” e o simbólico herdados do Iluminismo. MBEMBE, 2018, P.24

21


oscar kei | 2022.1

Figura 4 - Nicolas-Antoine Taunay, Le triomphe de la guillotine, óleo sobre tela, 129x168cm, 1795-1799.

22


fau ufrj

Partindo desse ponto, Mbembe traz a relação entre terror e escravidão ao afirmar que “qualquer relato histórico do surgimento do terror moderno precisa tratar da escravidão, que pode ser considerada uma das primeiras manifestações da experimentação biopolítica” (MBEMBE, 2018, p.27), exemplo disso é a comercialização da vida do outro. O autor afirma que a própria condição de vida dos escravos equivale a uma morte em vida, “uma contradição entre a liberdade de propriedade e a liberdade da pessoa” (MBEMBE, 2018, p.29). Tendo isso em vista, Mbembe identifica que nas fazendas a relação entre abuso do corpo do outro e o direito de matar é evidente por se ver o tempo todo alguém submetido a condições terríveis de existência e de não-existência, assim, a existência do escravo é a figura perfeita de uma “sombra personificada”. É apenas nas colônias e no apartheid que o terror se organiza pela concatenação entre o biopoder, o estado de exceção e o estado de sítio. Na colônia, o poder passa a ser exercido à margem da lei, e a própria ideia de paz assume a face de uma guerra sem fim autorizada pela própria lei. Tanto na colônia quanto na condição do apartheid, vão haver pessoas que não são consideradas dignas de viver naquele ambiente. A lei, portanto, legitima a possibilidade de alguns indivíduos exercerem o direito de tratar pessoas consideradas “selvagens”, em uma condição de humilhação, de afastamento do ambiente social e, até mesmo, a decisão sobre a vida destas. Deste modo, “as colônias são o local por excelência em que os controles e as garantias de ordem judicial podem ser suspensos – a zona em que a violência do estado de exceção supostamente opera o serviço da ‘civilização’”. (MBEMBE, 2018, p.35).

23


oscar kei | 2022.1

A guerra colonial não está sujeita a normas legais e institucionais. Não é uma atividade codificada legalmente. Em vez disso, o terror colonial se entrelaça constantemente com um imaginário colonialista, caracterizado por terras selvagens, morte e ficções que criam o efeito de verdade. A paz não constitui necessariamente a consequência natural de uma guerra colonial. De fato, a distinção entre guerra e paz não é pertinente. As guerras coloniais são concebidas como a expressão de uma hostilidade absoluta que coloca o conquistador face a um inimigo absoluto. MBEMBE, 2018, p.36-37

24


fau ufrj

Figura 5 - O apartheid na África do Sul.

25


oscar kei | 2022.1

Quando Mbembe trata sobre a relação entre o necropoder e a ocupação colonial na modernidade tardia, o autor destaca o fato de que a soberania começa a se distanciar cada vez mais da possibilidade de autonomia e da primeira ocupação moderna, particularmente em sua combinação entre o disciplinar, a biopolítica e a necropolítica, e se configura como a capacidade de definir quem é “descartável” e quem não é. “O espaço era, portanto, a matéria prima da soberania e da violência que ela carregava consigo. Soberania significa ocupação, e ocupação significa relegar o colonizado a uma terceira zona, entre o estatuto de sujeito e objeto” (MBEMBE, 2018, p. 39). A exemplo disso, cita a ocupação colonial contemporânea da Palestina como sendo a forma mais bem sucedida de de necropoder. Tendo em vista o caso da Palestina, mais especificamente na Faixa de Gaza, Mbembe diz que a ocupação dessa área apresenta três características do necropoder. A primeira é a fragmentação territorial (como no caso dos subúrbios em que parte da população é afastada de determinados ambientes), depois o acesso proibido a certas zonas e, por fim, a expansão dos assentamentos. Nesse contexto, a ocupação colonial não equivale apenas ao controle, à vigilância e à separação, mas também à reclusão, visto que o cotidiano das pessoas é militarizado e a própria vida fica em segundo plano. Dessa maneira, ocorre uma proliferação dos espaços de violência e, tanto a superfície terrestre, quanto o espaço aéreo e o subsolo, são transformados em zonas de conflito. “Às execuções a céu aberto somam-se matanças invisíveis” (MBEMBE, 2018, p.49).

26


fau ufrj

Figura 6 - Guerra na Palestina.

27


oscar kei | 2022.1

Após examinar o funcionamento do necropoder no contexto da ocupação colonial contemporânea, Mbembe fala sobre as máquinas de guerra, destacando o fato de que na modernidade as guerras assumem um aspecto novo. Assim, retoma a tese de Zygmunt Bauman e explica que vivemos na época das guerras da era da globalização, as quais consistem em provocar ataques relâmpagos. Exemplo do crescente abismo entre os meios de guerra de alta e baixa tecnologia, a Guerra do Golfo tomou a forma de uma guerra infraestrutural ao destruir redes de abastecimento e infraestrutura de maneira a resultar na falência do sistema de sobrevivência do inimigo. Assim, as guerras dessa era visam forçar o inimigo à submissão. Mbembe (2018) afirma ainda que o exército regular não é o único meio de executar o direito de matar. Sendo, portanto, as milícias, a segurança privada e o próprio Estado, outros exemplos de atores que exercem esse papel. A partir disso, as modernas “máquinas de guerra”, ideia que Mbembe pega emprestado de Deleuze e Guattari, assumem outras configurações que não só o tanque de guerra. As máquinas de guerra modernas têm outra configuração dentro da própria cidade em um ambiente diferente dessa situação extrema como o campo de concentração. “Essas máquinas são constituídas por segmentos de homens armados que se dividem ou se mesclam, dependendo da tarefa e das circunstâncias. Organizações difusas e polimorfas, as máquinas de guerra se caracterizam por sua capacidade de metamorfose. Sua relação com o espaço é móvel” (MBEMBE, 2018, p.54).

28


fau ufrj

Cada vez mais, a guerra não ocorre entre exércitos de dois Estados soberanos. Ela é travada por grupos armados que agem por trás da máscara do Estado contra os grupos armados que não têm Estado, mas que controlam territórios bastante distintos; ambos os lados têm como seus principais alvos as populações civis desarmadas ou organizadas como milícias. MBEMBE, 2018, p.59-60

29


oscar kei | 2022.1

Figura 7 - Guerra do Golfo.

30


fau ufrj

Em seguida, o filósofo camaronês discute exemplos sintomáticos do Estado de guerra na modernidade. Em um primeiro momento, discute sobre a lógica de sobrevivência, no qual “o horror experimentado sob a visão da morte se transforma em satisfação quando ela ocorre com o outro [...] que faz o sobrevivente se sentir único. E cada inimigo morto faz aumentar o sentimento de segurança do sobrevivente” (MBEMBE, 2018, p.62). Mbembe expõe, também, a ideia de lógica do martírio, que vai ser representado pela figura do “homem-bomba”, que é alguém faz com que a arma seja contida na forma do corpo de maneira invisível e esteja tão intimamente ligada ao corpo que ao detonar, aniquila seu portador e demais corpos ao seu redor. O corpo, então, é transformado em arma e a morte do sujeito anda de mãos dadas com a morte do outro, ou seja, transforma o próprio corpo em meio de matar e morrer. “Homicídio e suicídio são realizados no mesmo ato” (MBEMBE, 2018, p.63).

31


oscar kei | 2022.1

Figura 8 - 11 de setembro.

32


fau ufrj

O autor vai destacar que “a partir da perspectiva da escravidão ou da ocupação colonial, morte e liberdade estão irrevogavelmente entrelaçadas” (MBEMBE, 2018, p.68), assim, surge a contradição inerente à ideia da morte própria como o caminho para a libertação do terror e da servidão. Se é o direito de matar que o opressor exige, a morte da outra pessoa é sempre um conflito entre a liberdade e a noção de redenção. A morte no sentido de uma decisão sobre a própria vida, um ato de poder e de caráter transgressor. Quando uma pessoa decide tirar a própria vida para se livrar da opressão, surge o paradoxo entre o fato de frustrar e aceitar o plano no opressor, ou seja, o opressor queria o poder de decidir sobre a vida do oprimido e este, por sua vez, decide tirar a própria vida por conta da condição de servidão. Pode-se referir à prática de suicídio em massa ou individual por escravos encurralados pelos caçadores de escravos. Há, então, uma contradição entre o uso da liberdade ao mesmo tempo em que se cede à condição terrível de dominação de ser subjugado ao outro, ou seja, o espaço da morte é onde a liberdade e a negação operam.

33


oscar kei | 2022.1

O que liga o terror, a morte e a liberdade é uma noção “extática” da temporalidade e da política. O futuro, aqui, pode ser autenticamente antecipado, mas não no presente. O presente em si é apenas um momento de visão - visão da liberdade que ainda não chegou. A morte no presente é mediadora da redenção. Longe de ser um encontro com um limite ou barreira, ela é experimentada como uma “libertação do terror e da servidão”. MBEMBE, 2018, p.69-70

34


fau ufrj

Figura 9 - Adriana Varejão, Pele Tatuada à Moda Azulejaria, óleo sobre tela 140x160cm, 1995.

35


oscar kei | 2022.1

Em suma, Mbembe demonstra que “as formas contemporâneas subjugam a vida ao poder da morte (necropolítica) reconfiguram profundamente as relações entre resistência, sacrifício e terror” (MBEMBE, 2018, p.71), e sugere que a violência é usada para destruir um maior número de pessoas consideradas inimigas e criar o que chamou de “mundos de morte”. Tendo isso em vista, é importante pensar o conceito de raça em todos os discursos políticos atuais de maneira a repensar as condições às quais vastas populações são submetidas a ponto de ser conferido a estas, o estatuto de “mortos-vivos”.

36


fau ufrj

37


oscar kei | 2022.1

2. Rio necrópole

38


fau ufrj

Fundado em 1565, o Rio de Janeiro é a segunda maior metrópole do Brasil (IBGE, 2010) e é o maior destino turístico do Hemisfério Sul (OGLOBO, 2010). Dessa forma, exerce grande influência nacional, seja do ponto de vista cultural, econômico ou político. O município foi capital do país entre 1763 e 1960 (ano em que a capital mudou para Brasília), tendo como um dos eventos mais importantes a chegada da corte portuguesa em 1808, que marcaria profundamente a cidade, já proeminente centro portuário e econômico. A metrópole também foi palco principal dos movimentos abolicionistas e republicano na metade final do século XIX. Com a Proclamação da República em 1889, enfrentou graves problemas sociais advindos do crescimento rápido e desordenado, visto que, com o declínio do trabalho escravo, houve o crescimento da imigração de grandes contingentes de europeus e ex-escravos atraídos pelas oportunidades de trabalho assalariado. Além disso, perdeu força política para São Paulo e Minas Gerais durante a República Velha (1889-1930) devido à decadência de suas áreas cafeeiras. Desta maneira, houve o aumento da pobreza que, por sua vez, agravou a crise populacional de maneira que espaços como os cortiços começaram a se multiplicar na região central. Assim, muitas doenças como cólera, febre amarela e varíola se espalharam, o que conferiu à cidade fama internacional de porto sujo.

39


oscar kei | 2022.1

Figura 1- Desapropriação dos cortiços.

40


fau ufrj

Após as reformas urbanas de Pereira Passos, vários cortiços foram demolidos e a população pobre da região central foi deslocada para encostas de morros, dando início ao processo de favelização. Esse processo consiste em criar áreas suburbanas constituídas por conjuntos de domicílios que crescem de maneira desordenada, densa e que são desprovidos de infraestrutura adequada. Dessa forma, essa urbanização precária, apresenta diversos problemas relacionados às condições subalternas de moradia, saúde, educação e segurança, sendo grandes símbolos da forte desigualdade social. A infraestrutura deficitária ou inexistente desses espaços, contribuem para a intensificação da injustiça social, da pobreza, do narcotráfico e da violência, tornando-os “mundos de morte” ao retomar os conceitos de Mbembe.

41


oscar kei | 2022.1

Figura 2 - Favela da Rocinha.

42


fau ufrj

Ao compreender a história da cidade do Rio de Janeiro, depreende-se que desde sua fundação até os dias atuais, ocorreram diversos momentos de barbárie, violência e de negligência do Estado com alguns grupos. Entende-se que o Estado soberano divide esses grupos por meio de classe, gênero e, principalmente, pela raça, de maneira a utilizar técnicas de submissão de corpos para promover o genocídio desses indivíduos considerados matáveis, sendo o racismo o principal instrumento e regulador dessa política de morte.

43


oscar kei | 2022.1

Figura 3 - Jean-Baptiste Debret, Feitores açoitando negros na Roça, 1828.

44


fau ufrj

É possível elencar uma série de eventos na história do Rio de Janeiro de forma a associá-lo à necropolítica. Desde a invasão, massacre de corpos indígenas, o uso de mão de obra escrava, até a instauração de instituições como manicômios e prisões, além da ditadura, violência policial, formação de milícias, segregação socioespacial, desenvolvimento de áreas suburbanas (do cortiço à favela) e, mais recentemente, a negligência em relação à populações periféricas e pobres no que tange ao fornecimento de condições básicas para o enfrentamento contra a pandemia de COVID-19.

45


oscar kei | 2022.1

Figura 4 - Augustus Earle, Mercado de escravos no Rio de Janeiro.

46


fau ufrj

Ao observar as formas como o poder soberano mata as vidas consideradas sacrificáveis, é possível traçar um paralelo com o que Mbembe fala sobre a Revolução Francesa, no qual os inimigos do Estado são mortos em guilhotinas e não mais enforcados, já que a população não aceitava mais a forma humilhante como os condenados morriam quando executados na forca, ou seja, cria-se uma morte “mais civilizada”. Dessa forma, o Estado utiliza a lei para ditar a morte além de buscar silenciar e, principalmente, invisibilizar a morte desses sujeitos. Não se dão nomes às pessoas que são vítimas desse sistema ditado pelo necropoder para que não haja comoção e revolta por parte da população. Não se sabe quem morreu na escravidão, nos manicômios, nas prisões, assim como na ditadura, no qual os corpos eram ocultados para que se apagassem histórias e eliminassem as evidências de crimes. Atualmente, isso ocorre por meio de violência policial (exemplo das “máquinas de matar”, segundo Mbembe) dentro das favelas, negligência do Estado em relação ao enfrentamento à pandemia da Covid-19, pessoas em situação de fome e vulnerabilidade social etc. Esses corpos muitas vezes não recebem os rituais de despedida da vida.

47


oscar kei | 2022.1

Figura 5 - Vida militarizada.

48


fau ufrj

Todos esses fatores representam o semblante do necropoder pairando sobre a cidade. Percebe-se, portanto, que a metrópole é formada pela expansão da lógica colonial, possuindo o Estado como poder dominante que utiliza a lei como instrumento de terror, abandono, modo de regulação, administração de corpos e invisibilização. Desta maneira, o Rio de Janeiro pode ser definido como necrópole.

49


oscar kei | 2022.1

Figura 6 - Cais do Valongo.

50


fau ufrj

51


oscar kei | 2022.1

3. espaço, poder e visibilidade

52


fau ufrj

Perante à violência do Estado, das chacinas, das injustiças sociais, dos crimes cometidos pelo poder soberano e por outras instituições, um evento recorrente no Rio de Janeiro são as manifestações de revolta de parte da população. Muitas vezes, também são construídos memoriais para prestar homenagem às vítimas da necropolítica. Porém, esses memoriais costumam ser destruídos a fim de ocultar a história dessas pessoas mortas. Nota-se que, em geral, esses atos de manifestação são realizados em espaços de grande visibilidade.

53


oscar kei | 2022.1

Figura 1 - Manifestação em Copacabana pelas mortes por COVID-19.

54


fau ufrj

Figura 2 - Instalação de placas na Lagoa Rodrigo Freitas em protesto à morte de crianças e policiais causada pela violência no Rio de Janeiro.

55


oscar kei | 2022.1

Figura 3 - Destruição da placa de Marielle Franco.

56


fau ufrj

Figura 4 - Polícia destrói memorial feito para vítimas de operação em Jacarezinho.

57


oscar kei | 2022.1

Tendo isso em vista, a área de intervenção na qual este trabalho procura propor uma arquitetura em respeito a essas vítimas da necrópole, situa-se na Praça XV de novembro, localizado no centro do Rio de Janeiro. Buscou-se compreender a história, a evolução urbana e os aspectos culturais e territoriais da região da Praça XV, por intermédio do livro “Espaço e Poder: os três centros do Rio de Janeiro” da arquiteta Rachel Sisson. A obra discorre sobre os primeiros centros de poder do Rio de Janeiro ao “apresentar os fundamentos e a formação de unidades espaciais e marcos edificados que representaram o poder em sucessivos períodos políticos e administrativos no Brasil” (JANOT, 2008, p.9). Dessa maneira, o espaço foi escolhido para receber o projeto por sua relevância, pela configuração historicamente significativa e, como consta no livro, por ter sido o primeiro espaço de poder do Rio de Janeiro. A região tem sua formação a partir da expansão da cidade pela várzea. Em meados do século XVII, foi construído o Convento do Carmo. Já no final do século XVIII, com a construção conjunta de um cais dotado de uma grande escadaria e de um chafariz, obra de Mestre Valentim, completou-se a regularização do logradouro. Assim, de acordo com a progressiva regularização e redução das dimensões, resultantes do processo de urbanização em curso, o largo recebeu diversas denominações.

58


fau ufrj

Figura 5 - Jean-Baptiste Debret, Largo do Paço.

59


oscar kei | 2022.1

Próximo ao fim do período colonial, o antigo Largo do Carmo apresentava-se como uma praça nua, cujo cais funcionava como elemento defensivo e limite entre terra e mar, sendo portanto, acesso à cidade-sede do poder colonial e local privilegiado de trocas entre a metrópole e colônia. Além disso, o espaço também servia como área de lazer e de comércio de pequenos capitalistas.

60


fau ufrj

Figura 6 - Jean-Baptiste Debret, Praça Quinze, século XIX.

61


oscar kei | 2022.1

Em 1750, o Rio de Janeiro passa a ser sede do governo da Repartição do Sul e, em 1763, torna-se sede do Vice-Reinado de modo que a Casa dos Governadores tornou-se Paço dos Vice-Reis, o edifício mais representativo do poder colonial. Ao norte da edificação, estava o Largo do Paço e edifícios agregados ao largo como a Câmara, que acompanhou de perto a construção do Pelourinho.

62


fau ufrj

Figura 7 - Jean-Baptiste Debret, Escravo no pelourinho sendo açoitado.

63


oscar kei | 2022.1

Em 1808, a Corte Portuguesa transfere-se para o Rio de Janeiro e este torna-se capital portuguesa, o que resultou em novos usos dos prédios do Largo do Paço. O Palácio dos Vice-Reis passa à categoria de Paço Real (1815) à medida que o Brasil foi elevado a Reino Unido, permanecendo até 1822, ano em que a Independência foi proclamada. Diante disso, o largo passa a concentrar elementos representativos da autoridade colonial local e metropolitana. Justifica-se considerar o Largo do Paço um “nó”, um dos elementos-tipo propostos por Kevin Lynch (1995) para a análise da imagem da cidade, visto que a área se apresenta como uma confluência de importantes caminhos que ligam diversas edificações de grande relevância.

64


fau ufrj

Figura 8 - Johann Jacob Steinmann, Largo do Paço.

65


oscar kei | 2022.1

“O exercício da centralidade do Largo do Paço deu-se, portanto, em relação a distintas combinações de unidades espaciais concêntricas, em função da própria centralidade exercida pela cidade do Rio de Janeiro, num contexto de importantes processos de centralização governamental e de consolidação da unidade territorial.” SISSON, 2008, p.45

66


fau ufrj

Posteriormente, em 1857, em decorrência da construção do Cais do Pharoux, o antigo piso da Praça XV foi aterrado e, por consequência, três degraus do chafariz foram aterrados. O chafariz foi desativado em 1880 e um pequeno lago foi construído em seu entorno. Em 1960, é inaugurado o Elevado da Perimetral que, por sua vez, foi demolido em 2014 e substituído pelo Túnel Prefeito Marcello Alencar (Mergulhão da Praça XV) em 2016.

67


oscar kei | 2022.1

Figura 9 - Largo do Paço, início do século XX.

68


fau ufrj

Apesar de o poder do Largo do Paço passar para outras áreas como o Campo de Santana (segundo espaço de poder) e, posteriormente, para a Praça Floriano (terceiro espaço de poder), a atual Praça XV ainda possui âmbito de centralidade e apresenta grande significado e valor histórico, com unidades espaciais remanescentes que representam o poder, estabelecendo-se como uma área livre cercada por edificações de certa unidade morfológica e estilística dentro de padrões representativos de cada período correspondente. Além disso, a Praça XV é um importante modal de transporte público e conta com VLT e barcas, de onde saem linhas para os bairros de Cocotá e Paquetá e para a cidade de Niterói. Ademais, o acesso ao local pode ser feito por meio de ônibus e metrô da estação Carioca. Levando em consideração a importância da Praça XV, como espaço de poder com grande valor histórico, além de grande fluxo de pessoas, justifica-se a determinação desse espaço como área a receber a proposta de intervenção arquitetônica. Dessa forma, espera-se criar um espaço de memória e reflexão que dê visibilidade às questões da necropolítica no Rio de Janeiro.

69


oscar kei | 2022.1

Figura 10 - Praça XV.

70


fau ufrj

71


oscar kei | 2022.1

4. programa

72


fau ufrj

Como resultado da escolha do tema e da apresentação dos fatores mencionados nos capítulos anteriores, a ideia do programa proposto consiste em um espaço cultural que tem como objetivo servir como lugar de memória, reflexão e sensibilização. Dessa forma, o espaço passará a fazer parte do complexo de museus e centros culturais já existentes na região e tem como público-alvo um conjunto amplo, plural e variado de indivíduos, a fim de abranger desde moradores locais até estudantes e turistas. Segundo Foucault (1976), a ideia de poder está associada ao domínio de alguma forma de saber que emana de diferentes direções, pessoas e instituições, ou seja, poder e saber estão diretamente atrelados. Dentro dessa perspectiva, o espaço cultural é dispositivo essencial de formação e educação popular que constrói imagem e linguagem a partir da instrumentalização para reconstruir um discurso identitário de tal modo a encontrar o sentido do presente e, até mesmo, do futuro. Procura-se, portanto, criar uma edificação que se constitui simbolicamente como um espaço manifesto contra a necropolítica no Rio de Janeiro e construa uma narrativa articulada que dê ao espectador consciência do contexto político-social no qual se insere. Além disso, que sirva como aparato sensibilizador, local de homenagem às vítimas da necrópole e de visibilidade desses corpos ocultados pelo poder soberano. O dispositivo arquitetônico deve atuar no campo da memória e cumprir relevante função cultural e educacional de tal maneira que o acesso à informação seja democratizado, além de promover ações efetivas que gerem conhecimento e consciência de seu passado, origens, posição social, direitos e deveres. Desse modo, a abrangência do espaço proposto é amplo e democrático e busca articular processos culturais, educacionais, sociais e artísticos de forma a atingir diferentes camadas da problemática social e política. Logo, torna-se o invisível, visível no Rio de Janeiro necrópole.

73


oscar kei | 2022.1

Programa de necessidades Zona de acervo aberta ao público Galeria de longa duração. Área: 1000m² Galeria de exposições temporárias. Área 800m² Zona de acervo fechada ao público Carga e descarga de veículo de acervo em trânsito. Área: Área de recepção de obras e embalagem e desembalagem. Área: 100m² Reserva técnica de obras em trânsito. Área: 100m² Sala de equipe de montagem/desmontagem. Área: 50m² Zona sem acervo aberta ao público Hall (recepção, informação, guarda volumes, bilheteria). Área: Área educativa. Área: 180m² Loja/livraria. Área: 70m² Cafeteria. Área: 150m² Auditório (foyer, cabine projeção, copa). Capacidade: 200 pessoas Sala vip. Capacidade: 20 pessoas Restaurante: 200m² Sala multiuso: 100m² Zona sem acervo fechada ao público - Área de apoio administrativo Sala de armazenagem de equipamentos de apoio à exposições e educativo. Área: 120m² Oficina de elétrica e hidráulica. Área: Almoxarifado administrativo. Área: Almoxarifado de serviços gerais. Área: Refeitório para funcionários. Estimativa de 60 funcionários. Vestiário para funcionários/terceirizados. Estimativa de 40 funcionários. - Área administrativa Diretoria executiva e assessoria. 2 pessoas Diretoria cultural e assessoria. 2 pessoas Relações institucionais e comunicação. 2 pessoas Curadoria. 2 pessoas Produção e programação visual. 2 pessoas Museologia. 3 pessoas Educativo. 2 pessoas Administrativo/financeiro. 3 pessoas Secretaria geral. 1 pessoa Serviços gerais. 3 pessoas Sala de reuniões. 12 pessoas - Áreas técnicas (Ar-condicionado; subestação elétrica; gerador de emergência; combate à incêndio; detecção e alarme; água potável; esgoto sanitário; águas pluviais; águas de reuso; processamento de resíduos sólidos; sistemas eletrônicos; salas técnicas de sistema wi-fi; luminotécnica; áreas específicas; CPD e Sala de Segurança). -Áreas específicas Área de embarque e desembarque do público Portaria geral e acessos principais Elevador de carga

74


fau ufrj

75


oscar kei | 2022.1

5. estudos do recorte

76


fau ufrj

A delimitação do recorte estudado teve como premissa o projeto municipal dos anos 1970 de revitalização urbana do Rio de Janeiro, o Corredor Cultural. Segundo Sandra Machado (2015), o projeto nasceu de um trabalho feito por Augusto Ivan de Freitas Pinheiro em sua pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional na Holanda. O projeto definia três corredores culturais, sendo eles o Corredor Cultural do Saara, da Praça XV e da Lapa/Cinelândia, além de incluir a área do entorno da rua da Candelária. Os três corredores incluem os três espaços de poder dos quais Sisson (2018) discorre em seu livro ‘Espaço e poder. Os três centros do Rio de Janeiro’. Tendo a Praça XV sido definida no terceiro capítulo deste trabalho como área de intervenção, as análises apresentadas abarcam apenas o Corredor Cultural desta. Dessa forma, procura-se apresentar mapas que envolvem os limites desse Corredor e principais características da área como ocupação por instituições públicas e mobilidade. Dois dos mapas expostos são feitos a partir dos estudos apresentados pela professora Flávia Brito do Nascimento (2020), sendo eles o “Mapa de decretos de preservação ambiental e paisagística na área central do Rio de Janeiro (1979)” e o “Mapa do Plano do Corredor Cultural”. Deste modo, o objetivo desses estudos é compreender qual seria a melhor área para receber a proposta e seu conteúdo programático.

77


oscar kei | 2022.1

78


fau ufrj

79


oscar kei | 2022.1

MAPA DE FIGURA E FUNDO Legenda: Áreas edificadas Mar

80

0 20

50

100

200


fau ufrj

81


oscar kei | 2022.1

MAPA DO CORREDOR CULTURAL Legenda: Áreas edificadas

Mar Limite do Corredor Cultural da Praça XV

82

0 20

50

100

200


fau ufrj

83


oscar kei | 2022.1

MAPA DE DECRETOS DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL E PAISAGÍSTICA NA ÁREA CENTRAL DO RIO DE JANEIRO (1979) Legenda: Bens tombados Federais e Estaduais até 1979 Decreto n° 2216 de 20 de Junho de 1979 Limite do Corredor Cultural da Praça XV

84

0 20

50

100

200


fau ufrj

85


oscar kei | 2022.1

MAPA DO PLANO DO CORREDOR CULTURAL Legenda: Bens tombados Estaduais e Federais até 1983 Área de proteção ambiental Área non aedificandi

Área de renovação urbana: Gabarito de 10,5 a 12,0m Gabarito de 35,0 a 39,0m Gabarito de 45,0 a 57,0m

Gabarito de 75,0m Gabarito de 81,3m

Limite do Corredor Cultural da Praça XV

86

0 20

50

100

200


fau ufrj

87


oscar kei | 2022.1

MAPA DE INSTITUIÇÕES E PRAÇAS Legenda: Museu

Atração turística Instituição Teatro Igreja

Praça Chafariz Hospital

Universidade

Instituição financeira Limite do Corredor Cultural da Praça XV

88

0 20

50

100

200


fau ufrj

89


oscar kei | 2022.1

Cocotá

P

XV raça

XV Paquetá

cotá

- Co

- Praça

XV

etá

V - Paqu

Praça X

- Praça

a

Praç

oia Ararib

V

ça X

- Pra

Praça XV - Praça Arariboia Praça XV - Charitas

Charitas - Praça XV

MAPA DE MOBILIDADE Legenda: Bicicletário VLT

Ônibus Metrô

Barcas Táxi

Estacionamento

Percurso a pé Limite do Corredor Cultural da Praça XV VLT Linha 1 VLT Linha 2 VLT Linha 3 Principal conexão entre o metrô da Carioca e as barcas

90

0 20

50

100

200


C

B

A

fau ufrj

D

E

G

F

91


oscar kei | 2022.1

D

E

B

A

G

F

C

MAPA DO CORREDOR CULTURAL Legenda: Áreas edificadas

Mar Limite do Corredor Cultural da Praça XV

92

0 20

50

100

200


fau ufrj

93


oscar kei | 2022.1

CORTE A.A.

CORTE B.B.

CORTE C.C.

CORTE D.D.

CORTE E.E.

CORTE F.F.

CORTE G.G.

94


fau ufrj

95


oscar kei | 2022.1

MAPA ÁREA DE INTERVENÇÃO Legenda: Áreas edificadas

Mar Limite do Corredor Cultural da Praça XV Área escolhida para intervenção 96

0 20

50

100

200


fau ufrj

97


oscar kei | 2022.1

6. desenvolvimento das ideias projetuais

98


fau ufrj

99


oscar kei | 2022.1

100


fau ufrj

101


oscar kei | 2022.1

102


fau ufrj

103


oscar kei | 2022.1

104


fau ufrj

105


oscar kei | 2022.1

106


fau ufrj

índice de figuras Introdução p.02 - Figura 1 - Rio de Janeiro necrópole. Desenho autoral. p.04 - Figura 2 - Os retirantes, Portinari, 1944. <https://masp.org.br/acervo/obra/retirantes-da-serie-retirantes-1944-1945> 1. do conceito de necropolítica de Mbembe p.10 - Figura 1 - Crianças atrás de uma cerca de arame farpado no campo de concentração nazista de Auschwitz no sul da Polônia. <https:// guiadoestudante.abril.com.br/estudo/libertacao-de-vitimas-de-auschwitz-maior-campo-de-exterminio-nazista-completa-70-anos/> p.14 - Figura 2 - O sétimo selo. <https://cinemarden.wordpress.com/2012/02/27/o-setimo-selo/> p.19 - Figura 3 - A industrialização da morte em Auschwitz. <https://super.abril.com.br/historia/a-industria-da-morte/> p.22 - Figura 4 - Nicolas-Antoine Taunay, Le triomphe de la guillotine, óleo sobre tela, 129×168 cm, 1795-1799. <https://artrianon.com/2017/07/19/ obra-de-arte-da-semana-o-triunfo-da-guilhotina-de-nicolas-antoine-taunay/>

107


oscar kei | 2022.1

p.25 - Figura 5 - O apartheid na África do Sul. <https://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/o-apartheid-na-africa-do-sul-10991391> p.27 - Figura 6 - Guerra na Palestina. <https:// www.brasildefato.com.br/2019/05/14/estado-de-israel-completa-71-anos-manchado-por-violencia-e-expulsao-de-palestinos> p.30 - Figura 7 - Guerra do Golfo. <https://brasilescola.uol.com.br/guerras/guerra-golfo.htm> p.32 - Figura 8 - 11 de setembro. <https://exame. com/mundo/11-de-setembro-de-2001-relembre-os-atentados-mais-mortais-da-historia/> p.35 - Figura 9 - Pele Tatuada à Moda de Azulejaria, óleo sobre tela 140 x 160cm, 1995. <http://www.adrianavarejao.net/br/imagens/categoria/10/obras> 2. Rio necrópole p.40 - Figura 1 - Desapropriação dos cortiços. <http://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/estude/ historia-do-brasil/rio-de-janeiro/66-o-rio-de-janeiro-como-distrito-federal-vitrine-cartao-postal-e-palco-da-politica-nacional/2914-o-bota-abaixo-as-criticas-e-os-criticos> p.42 - Figura 2 - Favela da Rocinha. <https://www.caurj.gov.br/a-favela-da-rocinha-precisa-de-atencao-imediata-do-poder-publico/ rocinha-2/>

108


fau ufrj

p.44 - Figura 3 - Jean-Baptiste Debret, Feitores açoitando negros na Roça, 1828. <https://www. gazetadopovo.com.br/ideias/a-historia-da-tortura-no-brasil-3g7rlohgzwxa94j12jaw505hz/> p.46 - Figura 4 - Augustus Earle, Mercado de escravos no Rio de Janeiro. <https://enciclopedia. itaucultural.org.br/obra9872/mercado-de-escravos-no-rio-de-janeiro> p.48 - Figura 5 - Vida militarizada. <https://www.brasildefatorj.com.br/2020/10/27/ defensoria-questiona-policia-militar-sobre-operacoes-em-favelas-do-rio-de-janeiro> p.50 - Figura 6 - Cais do Valongo. <https://www.palmares.gov.br/?p=46296> 3. espaço, poder e visibilidade p.55 - Figura 2 - Instalação de placas na Lagoa Rodrigo Freitas em protesto à morte de crianças e policiais causada pela violência no Rio de Janeiro. <https://extra.globo.com/casos-de-policia/ong-rio-da-paz-instala-placas-pelas-mortes-de-meninas-policiais-mortos-em-protesto-na-lagoa-rv1-1-24826240.html> p.56 - Figura 3 - Destruição da placa de Marielle Franco. <https://veja.abril.com.br/politica/candidato-que-destruiu-placa-de-marielle-e-deputado-mais-votado-no-rio/>

109


oscar kei | 2022.1

p.57 - Figura 4 - Polícia destrói memorial feito para vítimas de operação em Jacarezinho. <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/policia-destroi-memorial-feito-para-vitimas-de-operacao-que-matou-28-pessoas-no-rio/> p.59 - Figura 5 - Jean-Baptiste Debret, Largo do Paço. <https://diariodorio.com/histria-da-praa-xv/> p.61 - Figura 6 - Jean-Baptiste Debret, Praça Quinze, século XIX. <https://oglobo.globo. com/rio/obra-de-debret-que-retratou-cotidiano-da-cidade-no-seculo-xix-sera-tema-de-mostra-15404860> p.63 - Figura 7 - Jean-Baptiste Debret, Escravo no pelourinho sendo açoitado. <https://www.anf.org.br/lei-da-maioridade-penal-postes-e-pelourinhos/> p.65 - Figura 8 - Johann Jacob Steinmann, Largo do Paço. <https://vejario.abril.com.br/coluna/ daniel-sampaio/praca-xv-steinmann/> p.68 - Figura 9 - Largo do Paço, início do século XX. <http://imperiobrazil.blogspot.com/2018/02/paco-imperial-em-montagem.html> p.70 - Figura 10 - Praça XV. <https://pt.wikipedia.org/wiki/Pra%C3%A7a_ XV_%28Rio_de_Janeiro%29>

110


fau ufrj

bibliografia BALDIOTI, Fernanda. Rio de Janeiro é o principal destino turístico do Hemisfério Sul, segundo consultoria. OGLOBO, Rio de Janeiro, 28/01/2010. Disponível em: <https://oglobo. globo.com/rio/rio-de-janeiro-o-principal-destino-turistico-do-hemisferio-sul-segundo-consultoria-3062220>. Acesso em: 20/06/2022. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976), (trad. de Maria Ermantina Galvão). São Paulo: Martins Fontes, 2000. IBGE. Rio de Janeiro Panorama. Censo 2010. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/ brasil/rj/rio-de-janeiro/panorama>. Acesso em: 20/06/2022. LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. MACHADO, Sandra. Corredor Cultural preserva memória do Rio. Multirio, Rio de Janeiro, 06/01/2015. Disponível em: <http://www.multirio. rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/993-mapa>. Acesso em: 23/06/2022. MBEMBE, Achille. Necropolítica. 3. ed. São Paulo: n-1 edições, 2018. PCRJ. Corredor Cultural. Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação Geral. Rio de Janeiro, 1979.

111


oscar kei | 2022.1

NASCIMENTO, Flávia Brito do. O Corredor Cultural e os processos históricos da preservação do Centro do Rio de Janeiro, 1970-1989. Cadernos PROARQ, v. 36, p. 165-184, 2020. PCRJ. Plano Urbanístico Básico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1977. PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO. Decreto n. 1707 de 17 de Agosto de 1978. PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO. Decreto n. 1768 de 15 de Setembro de 1978. PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO. Decreto n. 2216 de 20 de Junho de 1979. PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO. Decreto n. 2556 DE 28 de março 1980. SISSON, Rachel. Espaço e poder - Os três centros do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Editora Arco Produções, 2008.

112



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.