A Arte de Ser Feliz

Page 1

A Arte de Ser Feliz

Na Visão da Ética Aristotélica




Conselho Editorial Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antônio Carlos Giuliani Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Eraldo Leme Batista Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa

Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Magali Rosa de Sant’Anna Prof. Dr. Marco Morel Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt

©2017 Luiz Claudio Tonchis Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

T61 Tonchis, Luiz Claudio A Arte de Ser Feliz: Na Visão da Ética Aristotélica/Luiz Claudio Tonchis. Jundiaí, Paco Editorial: 2017. 100 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-462-0755-8 1. Aristóteles 2. Filosofia 3. Felicidade 4. Ética. I. Tonchis, Luiz Claudio. CDD: 152.42

Índices para catálogo sistemático: Prazer, felicidade , alegria Filosofia IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal

Av. Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 contato@editorialpaco.com.br

152.42 100


“Toda gente, meu irmão Galion, deseja uma vida feliz; mas quando se trata de ver claramente aquilo que a torna assim, é confusão mental.” Sêneca, 262 a.C.



SUMÁRIO Apresentação Introdução

9 11

Capítulo 1

O bem e a função humana 1. O que é o “bem”? 2. A função do ser humano

17

17 21

Capítulo 2

Reflexões e pensamentos

1. A ética de cada dia 2. Desejo e razão 3. Desejo e amor 4. Os prazeres 5. Sofrimento e superação 6. A inevitável bipolaridade existencial: bem-estar e angústia 7. A beleza e o cuidado de si 8. A semente do amor

25 25 28 32 36 41

45 47 52

Capítulo 3

A felicidade hoje

1. A complexidade e o verdadeiro sentido da felicidade 2. A linguagem como remédio, veneno e cosmético

55 55 57


Capítulo 4

A concepção de felicidade na ética aristotélica

1. A virtude do equilíbrio e a recompensa pelo uso da razão 2. Ser e estar feliz 3. As escolhas 4. O ser humano em sociedade 5. A pólis: viver e agir bem 6. O fazer-se humano 7. As virtudes 8. As virtudes morais e as virtudes intelectuais 9. A relação entre as virtudes morais e as virtudes intelectuais 10. A amizade e a felicidade

Considerações finais Referências

61 61 62 64 67 71 73 76 78 82 84

93 95


Apresentação Aristóteles via a Felicidade não apenas como algo que tem a ver com sentirmo-nos bem ou mal, mas era como conceito que se relacionava com as relações sociais e com o sentido da Vida. Para ele, o fim supremo do ser humano é a Felicidade. A Felicidade é o resultado do desenvolvimento harmonioso das tendências de um ser. É a consequência natural do exercício perfeito da função que o especifica. Sendo a Razão a atividade característica e essencial do ser humano, a contemplação de Deus, que é a verdade mais alta e inteligível, será o seu Fim último e a sua Felicidade suprema. O meio de alcançá-la é o exercício da Virtude, que consiste em dominar os apetites irracionais e em subordinar a atividade prática ao império da Razão.

9



Introdução Certamente, entre todos os bens que almejamos, a Felicidade pode ser qualificada como o principal objetivo, o mais significativo. Ela é o bem que motiva e dá sentido à existência humana, pois viver uma vida sem ter a intenção de ser feliz não teria sentido. É difícil imaginar uma pessoa que planeje para a sua vida ser infeliz. O que podemos afirmar que estar ou ser infeliz é uma condição, de forma geral, indesejável para homens e mulheres. No entanto, a infelicidade pode acontecer em qualquer momento da vida e por vários motivos. Para Aristóteles, por exemplo, o mau uso da razão pode incorrer em infelicidade. A razão é o nosso guia, orienta as nossas escolhas, sejam elas para o bem, sejam para o mal. A “má sorte”, segundo Aristóteles, também poderá comprometer a Felicidade. Por exemplo: viver em uma determinada época, ou em um contexto em que as condições sociais não sejam favoráveis ao desenvolvimento das potencialidades do indivíduo e, consequentemente, à realização de sua satisfação pessoal. Além disso, podemos ser afetados pelos acidentes de percurso, sejam eles pessoais ou de pessoas de quem gostamos, como, por exemplo: morte, separação, doença, necessidades materiais ou de outra natureza. A Felicidade é, então, uma combinação dessa disposição íntima com os fatores externos e a sua medida tem relação com a somas de sensações positivas e negativas. A Felicidade não é uma dádiva natural – é sempre um fim a ser atingido e ela necessita ser construída por cada pessoa. Cada um possui a potencialidade para ser feliz e, para que ela possa vir a ser, necessitamos exercitar a nossa razão para um modo de agir, um modelo de vida, no qual o bem esteja sempre em vista. A Felicidade virá na proporção das boas escolhas realizadas deliberadamente. Não podemos confundir Felicidade com prazer. O prazer é uma experiência única e somente a experiência vital nos pode fornecer, pela sua natureza, uma noção clara e precisa. Ele, em geral, 11


Luiz Claudio Tonchis

nos aparece como um estado afetivo agradável, resultado da satisfação de alguma atividade. O oposto de prazer é a dor. A dor é o resultado de um estado afetivo desagradável, isto é, quando a experiência ou a atividade é imperfeita. Pois bem, todas as nossas atividades ou ações, realizadas em sã consciência, têm o objetivo de nos trazer alguma satisfação agradável – o prazer. Ninguém realiza uma determinada atividade para sentir dor e para sofrer. Esse comportamento é, por si mesmo, insano. Dizer “farei isso ou aquilo para sofrer muito” seria um absurdo. Toda atividade humana, seja ela correta ou errada, do ponto de vista moral, tem a intenção de gerar alguma satisfação positiva ou algum prazer. Quando agimos no Bem e para o Bem, é muito provável que estas ações nos tragam não somente o prazer momentâneo resultado da atividade realizada, mas um prazer duradouro, de longo prazo. A Felicidade é a soma de experiências positivas e agradáveis. Já quando a ação não é boa do ponto de vista moral, ela pode até trazer algum prazer instantâneo, mas somente a curto prazo e logo tende a trazer dor, que pode ser traduzida como um sentimento negativo, de sofrimento e, evidentemente, compromete aquilo que consideramos como Felicidade. É obvio que existem os equívocos da vida, a má sorte, etc. Por exemplo, escolhas realizadas em determinado contexto que achávamos a priori que eram corretas e perfeitas e, com o tempo, descobrimos que estávamos equivocados, ou até mesmo que algo deixou de ser bom e prazeroso. A vida é uma espiral, os pensamentos mudam, os valores se modificam com o tempo. Muitos exemplos poderiam ser citados para esclarecer estes fatos. Um deles poderia ser a separação de casais com décadas de convivência agradável, pois, de repente, o relacionamento deixa de ser bom para um dos dois ou para ambos. É evidente que quando um relacionamento torna-se insuportável, a melhor solução poderá ser a separação. No entanto, todo contexto deve ser minuciosamente analisado, pois pode ser que, em determinadas situações, a separação poderá não ser a melhor escolha e 12


A Arte de Ser Feliz

trará mais sofrimento. A perda da convivência com os filhos, por exemplo. A razão é sempre o melhor guia, ou seja, a pessoa deve ser capaz de analisar os pós e os contras. Cada caso é um caso. O importante é a pessoa evitar o máximo de sofrimento possível. Cada dose de sofrimento conta negativamente na escala métrica da Felicidade. Um outro exemplo de prazeres negativos são as drogas de uma forma geral. A droga pode até produzir prazer, mas momentâneo. Na verdade, um falso prazer. Suas consequências podem ser catastróficas num futuro próximo. As drogas prejudicam e trazem dor não somente para o drogado, mas para todos os seus entes queridos, principalmente a família. Usar droga não é (e nunca foi) uma boa escolha. Por isso, para a Felicidade, enquanto resultado da soma de sensações positivas, devemos fazer escolhas que tragam resultados de prazer a longo prazo. Por exemplo, ler um livro, debruçar nos estudos, enfim, buscar o conhecimento nem sempre produz prazer imediato, para muitos é um sacrifício, mas o resultado no futuro, geralmente, é muito prazeroso. Além disso, a Felicidade não é puramente subjetiva e pessoal, embora o lado individual conte muito. No entanto, fatores externos interferem positivamente ou negativamente na porção de sensações positivas que contam para a Felicidade. Por exemplo, a família, o trabalho, os amigos e a própria sociedade, quando estão bem, em harmonia e seguem os princípios morais e a ética, ou seja, quando o Bem se sobrepõe ao Mal há a contribuição para a construção da Felicidade de cada um e de todos. A má distribuição de renda, a pobreza, a miséria, a corrupção, famílias desestruturadas, enfim, tudo o que é negativo afeta as pessoas em geral e compromete, de certa forma, a escala de Felicidade de cada um. Pois bem, você poderá perguntar em suas reflexões: o egoísta, então, poderia ser feliz? Entendemos por egoísta aquele sujeito que, em um sentido moral, só pensa no amor exclusivo de si, ou seja, tem atitude de quem age tendo em vista apenas a satisfação de seus interesses pessoais. A resposta é certamente não. O egoísmo 13


Luiz Claudio Tonchis

em si é um vício, uma deformidade moral, e nenhum vício, segundo Aristóteles, contribui para a Felicidade. A Felicidade não pode ser confundida com prazeres momentâneos, fugazes e efêmeros. Mas ela é a soma das sensações positivas. É, também, uma disposição íntima da alma, uma força “viva”, uma potencialidade, um bem-estar que também se reflete no corpo físico e que é reconhecido pelo intelecto. É um ato puro, simples, suave e que se basta por si mesmo, não depende necessariamente de estímulos externos, como, por exemplo: poder, fama e riqueza. E nem é algo que pode ser potencializado com álcool ou outra droga qualquer. Pois bem, todas as nossas ações, em sã consciência, visam à concretização da Felicidade. Entretanto, quando se trata de Felicidade, ainda nos perguntamos: em que ela consiste? Existe alguma fórmula simples para sermos felizes? Quais seriam os meios para conseguirmos isso? Ela é objetiva ou subjetiva? Outro problema é que os seres humanos discordam consideravelmente quanto ao que conta como Felicidade e uns até mesmo duvidam que ela exista. Para muitos, só existem momentos felizes, para outros ela é uma ilusão mercadológica e que somente seria possível ter uma vida interessante, nada além disso. Este livro tem a pretensão de esclarecer essas dúvidas que tanto nos intrigam, além de tentar estabelecer uma relação entre Ética e Felicidade e qual seria a relação entre Prazer e Felicidade. Para isso, buscamos principalmente a fundamentação teórica no livro Ética a Nicômaco, de Aristóteles e também nos baseamos no pensamento de outros filósofos. Aristóteles, juntamente com Sócrates e Platão, do qual foi discípulo, compõem uma tríade grega que se complementa e por isso são denominados de “Clássicos”, pois são os expoentes das principais referências do pensamento ocidental. No ocidente, os paradigmas que transcorreram no decorrer da história são permeados de respeito e alusão à tradição grega. Nessa perspectiva, reconhecemos a importância da grandeza dos ensinamentos desses pensadores. 14


A Arte de Ser Feliz

E por falar em Ética, muitas pessoas têm dificuldade de compreender o seu fundamento. E sem entender, fica muito difícil avançarmos com esses princípios fundamentais de convivência. Falta reflexão, falta pensamento crítico, falta entender o que é ser feliz e como se deve agir para sermos um pouco mais felizes. Por isso, precisamos renovar a nossa capacidade de diálogo e propor um novo Projeto de Sociedade no qual o Bem de todos esteja realmente em vista. Certamente, a Ética a Nicômaco de Aristóteles poderá nos fornecer subsídios importantes na compreensão da relação entre Felicidade pessoal e Bem coletivo, principalmente no que tange às relações humanas e o que isso implicaria em nossa individualidade. É exatamente essa questão que pretendemos discutir. Neste nosso tempo marcado pela prática de uma política capitalista hiperconsumista, as pessoas concorrem entre si, seja pela luta por posses ou poder, ou mesmo por uma questão de sobrevivência. Isso leva as pessoas a compreenderem a Felicidade a partir de outros valores, muito diferentes da qual é a mesma em sua essência. A crise do estilo de vida contemporânea é a crise dos novos valores desta modernidade “líquida”: o rompimento com as tradições, crenças, verdades e as formas de conduta antigas, que agora se relativizaram. O consumismo, o modo de produção capitalista, a massificação tecnológica contribuem para um novo modelo de ser e de agir e, em decorrência, de uma nova configuração social. Isso tudo nos leva a constatar que as pessoas se revelam cada vez menos inclinadas para as reflexões éticas. O egoísmo e a ambição são mais fortes do que a solidariedade e isso nos tem levado a um beco sem saída, um caos social. Nessa busca desenfreada pelos prazeres efêmeros, que é própria deste nosso tempo, os princípios éticos são poucos exercitados. Muitos não acreditam na possibilidade do exercício autêntico da Ética, tanto que, na vida do dia a dia, deixou de haver lugar pra o silêncio e o sonho. Na verdade, nossos sonhos ficaram rasos, pequenos do ponto de vista da grandeza da potencialidade 15


Luiz Claudio Tonchis

humana. Necessitamos buscar caminhos alternativos para redescobrirmos a essência boa da vida, aquilo que está além dos prazeres fugazes e traçarmos caminhos de descoberta e de amadurecimento pessoal. A falta de pontos de referência atuais provoca a desorientação individual e coletiva e nos conduz a tomar decisões questionáveis, as quais, muitas vezes, tornam-se causa de frustrações que comprometem nossa Felicidade, às vezes, sem percebermos a falta de qualidade de vida, no sentido de real satisfação, de autêntico bem-estar íntimo. Por isso, não podemos pensar sobre a Felicidade pessoal sem antes pensar no todo (no Eu e no Outro). A manutenção das boas relações sociais deve visar tanto ao Bem individual quanto ao Bem coletivo. O exercício da cidadania, no verdadeiro sentido do termo, a prática do amor e das virtudes são fundamentais para que ocorra uma transformação do mundo. Aristóteles, baseado no contexto histórico do seu tempo, disse que devemos ter como alvo de nossas ações o Bem da sociedade como um todo, a vantagem comum, e não somente os interesses particulares. Então, a compreensão da Ética e de Felicidade numa perspectiva contemporânea se faz necessária.

16


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.