Educação e Migraçoes Internas e Internacionais

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Ed831 Educação e Migrações Internas e Internacionais: Um Diálogo Necessário/ Débora Mazza; Katia Norões (orgs.). Jundiaí, Paco Editorial: 2016. 332 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-462-0632-2 1. Educação 2. Migração Interna 3. Migração Internacional. I. Mazza, Débora. II. Norões, Katia. CDD: 370 Índices para catálogo sistemático: Educação Tratamento histórico e geográfico da Educação

370 370.9

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Sumário Apresentação Prefácio

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15 Parte 1 Educação, memória e migração

Capítulo 1 Imigração Portugal-África-Brasil e os desafios educacionais para crianças e jovens (década de 1970) Profa. Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini

Capítulo 2 Educação e identidade étnica: panorama histórico-sociológico das escolas rurais de origem germânica no estado de São Paulo

43

Profa. Dra. Maria Cristina dos Santos Bezerra Profa. Dra. Olga Rodrigues de Moraes Von Simson

Capítulo 3 “Piccolo Mondo, letture per le scuole elementari”: mutualismo e educação em uma escola étnica italiana de São Paulo Profa. Dra. Claudia Panizzolo

19

71

Capítulo 4 A migrante nordestina: a fazenda, a cidade e a vida escolar Ms. Daiane de Lima Soares Silveira Prof. Dr. Sauloéber Társio de Souza

93


Capítulo 5 Nunca voltamos, sempre chegamos – reflexões sobre processos e situações de deslocamentos fora do país de origem 119 Profa. Dra. Nima I Spigolon

Parte 2 Criança, migração e escolarização Capítulo 6 Nas diversidades étnicas, culturais e linguísticas, as crianças constroem suas culturas infantis 139

Profa. Dra. Rosali Rauta Siller

Capítulo 7 A educação escolar de refugiados e solicitantes de refúgio: um olhar exploratório sobre a cidade de São Paulo 163 Ms. Giovanna Modé Magalhães Dra. Tatiana Chang Waldman

Capítulo 8 De criança a migrante, de migrante a estrangeira(o): reflexões sobre a educação pública e as migrações internacionais 183 Ms. Katia Cristina Norões

Capítulo 9 Mobilidade humana e interculturalidade: uma reflexão centrada na experiência sócio-histórica cabo-verdiana Profa. Dra. Gertrudes Maria F. Silva de Oliveira

205


Parte 3 Juventude, migração e ensino superior Capítulo 10 As fronteiras relacionais entre os estudantes brasileiros e estrangeiros

Profa. Dra. Débora Mazza

235

Capítulo 11 A circulação estudantil no Brasil: a mobilidade acadêmica e a consolidação do processo de globalização na economia e na educação Ms. Ana Paula Silveira

259

Capítulo 12 Qualificação profissional por meio de experiência cultural internacional: estudantes de uma universidade canadense em uma universidade de Campinas-SP 283 Ms. Thaís Pinheiro Z. Anastácio Profa. Ms. Camila Brasil G. Campos

Capítulo 13 Pedagogia da “Migrância”: um estudo de caso na África do Sul 303 Ms. Bruno Botelho Costa Dr. Barend Rudolf Buys

Organizadoras Autoras(es)

323 325



Apresentação A partir da década de 1970, as viagens internacionais, antes reservadas a uma elite econômica e/ou relacional, estenderam-se para universitários com projetos de formação profissional, avaliados por comitês científicos de áreas do conhecimento1, tema que se tornou foco da pesquisa “Intercâmbios científicos internacionais nas Ciências Sociais do Estado de São Paulo (1970-2000)”, tendo em vista a formação de quadros qualificados, o fomento à pesquisa e os investimentos em Ciência e Tecnologia no horizonte da circulação internacional. Segundo o levantamento sobre as bolsas no exterior, no período de 1970 a 2000, realizado na Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), localizamos cerca de 16 mil brasileiros, das áreas das ciências humanas, exatas e biológicas que realizaram parte de sua formação em outros países. A pesquisa, realizada entre 2001 e 2005, deu destaque à contribuição das agências de fomento no processo de profissionalização dos cientistas sociais, na formação do pesquisador e na consolidação de redes internacionais de trocas acadêmicas. Posteriormente, tendo em vista aprofundar os efeitos da circulação internacional nas trajetórias pessoais, escolares, profissionais e nas dinâmicas institucionais a partir de uma pesquisa orientada pela perspectiva qualitativa, realizamos “um estudo de caso” com cientistas sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que vivenciaram este tipo de formação. A pesquisa, reali1. Mazza. Intercâmbios acadêmicos internacionais: bolsas Capes, CNPq e Fapesp. Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 137, p. 521-547. 7


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zada entre 2005 e 2009, apontou que a política pública do governo brasileiro de inserção dos profissionais de ciência e tecnologia em um nível de formação equivalente à dos principais países do mundo alterou o padrão de qualificação profissional do campo acadêmico. A possibilidade de circular internacionalmente, contando com o aporte financeiro de recursos públicos por meio de bolsas, transformou-se em um modelo a ser seguido, tendo em vista a exigência de credenciais internacionais para ingresso, concorrência e permanência nas principais universidades do país que ofertam condições de trabalho menos precárias.2 Posteriormente, iniciamos uma pesquisa intitulada “A circulação de pessoas, saberes e práticas: os estudantes estrangeiros na Unicamp” (2009-2012) junto aos estudantes estrangeiros que vieram para o Brasil realizar parte de sua formação pessoal, escolar e profissional. Nosso objetivo consistia em observar os fluxos internacionais no sentido inverso, ou seja, coletar dados qualitativos e quantitativos de recepção e não mais de envio de pessoas. Circunscrevemos a pesquisa na Unicamp considerando a visibilidade nacional e internacional desta instituição, o volume de estudantes estrangeiros por ela acolhidos e a exequibilidade da pesquisa.3 Nestas empreitadas de interseção entre diferentes áreas das humanidades, encontramos interlocutores experientes que adensaram a nossa formação no tema, como Rosana Baeninger4, Jose Marcos P. da Cunha5, Centro Scalibriniano de Estudos Migratórios (CSEM)6 bem como o legado dos estudos demográficos reali2. Mazza. A circulação internacional de pessoas saberes e práticas. REMHU, n. 31, p. 295-305. Mazza, “A internacionalização dos processos formativos no campo das Ciências Humanas. Do direito à exigência”, In: Mazza; Simson, Mobilidade humana e diversidade sociocultural, p. 97-126. 3. Mazza. Mobilidade humana e educação: os estudantes estrangeiros na Unicamp. Cadernos Ceru, v. 22, n. 1, p. 239-256. 4. Mazza, “Os estudantes bolivianos na Unicamp: migração, formação qualificada e trabalho”, In: Baeninger, Imigração boliviana no Brasil, p. 211-230. 5. Cunha, José Marcos P. (org.). Mobilidade espacial da população. Desafios teóricos e metodológicos para o seu estudo. Campinas: Nepo/Unicamp, 2011. 6. Mazza, Débora. O direito humano à mobilidade: dois textos e dois contextos. REMHU – Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana/CSEM, Brasília, ano 8


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zados pelo Núcleo de Estudos de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo-Unicamp). E no final da primeira década de 2000, avaliávamos que dispúnhamos de referências sobre as migrações contemporâneas nacionais (Patarra et al., 19977; Salles, 19958; Singer, 19739) e internacionais (Arab; Baby-Colli; Bertoncello, 200910; Castro, 200111; Massey; Espana, 198712; Massey, 199813); sobre os impactos demográficos, políticos, econômicos, jurídicos e diplomáticos destas mobilidades humanas (Feldman-Bianco, 201114; Prado; Coelho, 201515; Portes, 199916; Said, 200317; Sassen, 199318; Sayad, 199819; Wenden, 200120). Já contávamos XXIII, n. 44, p. 237-258, jan./jun. 2015. 7. Patarra, Neide L.; et al. (orgs.). Migração, condições de vida e dinâmica urbana em São Paulo. Campinas: Unicamp, 1997. 8. Sales, Tereza. O Brasil no contexto das novas migrações internacionais. Travessia – Revista do Migrante, São Paulo, n. 21, 1995. 9. Singer, Paul. Economia política da urbanização. São Paulo: Editora Brasiliense, 1973. 10. Arab, C.; et al. Les circulations transnationales. Lire les turbulences migratoires contemporaines. Paris: Armand Colin, 2009. 11. Castro, Mary G. (org.). Migrações internacionais: contribuições para as políticas públicas. Brasília: CNPD, 2001. 12. Massey, D.; Espana, F. The social process of international migration. Science New Series, v. 237, n. 4816, 1987. 13. Massey, D.; et al. New migrations, new theories. In: ______. Words in motion: understanding international migration at the end of the millenium. New York: Oxford University Press, 1998. 14. Feldman-Bianco, Bela; et al. (orgs.). La construccion social del sujeito migrante en America Latina. Practicas, representaciones y categorias. Quito: Flacso; Conselho Latiamericano de Ciencias Sociales; Clacso: Universidad Alberto Hurtado, 2011. 15. Prado, Erlan Jose P. do; Coelho, Renata (orgs.). Migrações e trabalho. Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2015. 16. Portes, Alejandro. Migrações internacionais: origens, tipos e modos de incorporação. Oeiras: Celta, 1999. 17. Said, Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. 18. Sassen, Saskia. La mobilidad del trabajo y del capital. Madrid: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1993. 19. Sayad, A imigração ou os paradoxos da alteridade. 20. Wenden, Catherine W. de. Un essai de typlogie des novelles mobilites. Hommes & Migration, n. 1233, 2001. 9


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com coletâneas traduzidas que reuniam as referências metodológicas clássicas de Courgeau, Hamilton, Lee, Loomis, Ravenstein, Sjaastad21, e reflexões hodiernas de Demartini e Truzzi (2005)22; Feldman-Bianco (2010)23; Taurus (2010)24, entretanto, poucos trabalhos partiam da interface a qual estes fluxos populacionais provocavam nas sociabilidades e instituições escolares. Nesse ínterim, pesquisas em nível de graduação (Silva Lopes, 201025), mestrado (Anastácio, 201526) e doutorado (Siller, 201127; Monteiro, 201228; Spigolon, 201429; Norões, 201530) foram acolhidas pela Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, 21. Moura, H. A. de (coord.). Migração interna. Textos selecionados, v. 1 e 2. Fortaleza: BNB (Banco do Nordeste do Brasil)/Etene (Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste), 1980. 22. Demartini, Zeila de Brito Fabri; Truzzi, Oswaldo (orgs.). Estudos migratórios: perspectivas metodológicas. São Carlos: EdUFSCAR, 2005. 23. Feldman-Bianco, Bela (org.). Nações e diásporas. Estudos comparativos entre Brasil e Portugal. Campinas: Editora da Unicamp, 2010. 24. Taurus, Alain. Pobres en migración, globalización de las economía y debilitamiento de los modelos integradores: el transnacionalismo migratorio en Europa meridional. Empiria – Revista de Metodologías de Ciencias Sociales, n. 19, p. 133156, jan./jun. 2010. 25. Silva Lopes, Glaucia Regina. Migrações contemporâneas: os estudantes estrangeiros na Unicamp. 2010. 82f. Trabalho de conclusão de curso (Pedagogia) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 26. Anastácio, Circulação internacional de estudantes dos cursos de graduação: o caso Unicamp. 27. Siller, Rosali Rauta. Infâncias, imigração: a vez e a voz das crianças pomeranas. 2011. 245f. Tese (doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 28. Monteiro, Viviane da Silveira. Educación en el contexto de la movilad internacional. In: II International Sociology Association – ISA. Forum Social Justice and Democratizacion, Buenos Aires. Anais: Migrantes: experiencias de vida, formas de organización, participación e inserción social. Buenos Aires, 2012. p. 405-406. 29. Spigolon, Nima Imaculada. As noites da ditadura e os dias de utopia... o exílio, a educação e os percursos de Elza Freire nos anos de 1964 a 1979. 2014. 506f. Tese (doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 30. Norões, Katia. Relações entre a educação pública e novos fluxos migratórios para São Paulo/Brasil. In: XII Congresso Luso-Afro-Brasileiro, 2015, Lisboa. Anais: XII CONLAB 1 Congresso da AICSHLP, 2015. v. 1. p. 4192-4202. 10


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nos quadros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Educação (GPPE). Tais produções versaram sobre migração e circulação internacional e suas relações com o campo educacional, estreitando as relações entre diferentes áreas de pesquisa nas Ciências Humanas, o que oferecia novos desafios ao pensamento educacional. Entendemos que essa tradição é tributária de pesquisas pioneiras realizadas por pesquisadoras das Ciências Sociais e Antropologia, e que muito contribuíram para o pensamento social na Faculdade de Educação e no Departamento de Ciências Sociais e Educação, como Zeila de Brito Fabri Demartini (1980)31, Neusa Maria Mendes de Gusmão (1990)32 e Olga Rodrigues de Morães von Simson (1988)33. As pesquisas na área da Educação priorizam incontestavelmente a “forma escolar” engendrada concomitantemente com a consolidação dos Estados nacionais desde o fim do século XVI. A “forma escolar” se caracteriza pela: 1- afirmação da escola como lugar separado da vida familiar e coletiva; 2- pedagogização das relações sociais de aprendizagem concernentes tanto ao que é ensinado, quanto à maneira de ensinar, quanto às práticas de todos os envolvidos; 3- sistematização do ensino objetivando a produção de efeitos duráveis de socialização valorizados pela escola e pelos espaços periescolares; 4- instauração de formas de relações sociais baseadas em um trabalho de objetivação e codificação por meio do qual as regras impessoais são impostas a todos; 5- domínio da língua escrita, codificada, fixa e normatizada como meio de acesso a qualquer outro tipo de saber. A escola fixou o trabalho escritural 31. Demartini, Zeila B. F. Observações sociológicas sobre um tema controverso: população rural e educação em São Paulo. 1980. Tese (doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 32. Gusmão, Neusa Maria M. A dimensão política da cultura negra no campo: uma luta, muitas lutas. 1990. Tese (doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 33. Simson, Olga Rodrigues de Moraes Von (org.). Experimentos com histórias de vida: Itália-Brasil. São Paulo: Vértice; Revista dos Tribunais, 1988. 11


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como forma dominante das práticas de linguagem operadas entre as gerações. A “forma escolar” se apresenta como conquista do mundo urbano e imprime um estilo de vida regulado por uma disciplina fixa e impessoal que, com rigor e detalhe, transborda para o conjunto das atividades cotidianas apagando as muitas diferenças e desigualdades que marcam o cotidiano dos coletivos nacionais e não nacionais (Vincent; Lahire; Thin, 2001)34. Soma-se o fato de que a categoria superexposta de estudos sobre a escola é o fracasso escolar que quando trabalhado pela psicopedagogia se alinha a uma perspectiva patologizante que se atenta para as dificuldades de adaptação de alguns alunos às praticas escolares; e quando trabalhado pela socioantropologia, destaca a distância social e cultural entre a escola e alguns grupos sociais. Assim, as várias abordagens perduram invisibilizando a relação entre educação e migração (Van Zanten, 2011)35. Por outro lado, os estudos migratórios, por sua vez, priorizam o diagnóstico dos fluxos e os motivos da migração e focam na busca por melhores condições de vida e de trabalho, na elasticidade trabalho-emprego e na população economicamente ativa, ou seja, homens e mulheres adultos trabalhadores. As dinâmicas instauradas pelas sociabilidades e escolaridade de crianças, jovens e adultos nos contextos de origem, trânsito e recepção permanecem pouco trabalhadas nos estudos sobre idas e vindas de pessoas, famílias e grupos que atravessam as fronteiras visíveis e invisíveis construídas pela arquitetura arbitrária dos Estados nacionais e dos espaços comuns negociados por acordos diplomáticos regionais e/ou internacionais, quase sempre orientados por interesses comerciais.

34. Vincent, Guy; Lahire, Bernard; Thin, Daniel. Sobre a História e a teoria da forma escolar. Educação em Revista – UFMG, Belo Horizonte, n. 33, p. 7-47, jun. 2001. 35. Van Zanten, Agnes (coord.). Dicionário de educação. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 465-471. 12


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Ainda assim, os movimentos sociais despontam por meio de manifestações sub-reptícias e emergem nos mares, nas ruas, nas praças, nos túneis, por entre os muros, nas escolas, revelando novas dinâmicas que impulsionam novas compreensões para os fluxos de mobilidade humana e, assim, os processos sociais nas instituições educativas. Com efeito, em junho de 2014, na condição de então coordenadora do GPPE, vinculado ao programa de pós-graduação em Educação da Unicamp, iniciamos uma chamada de artigos a fim de organizar um dossiê temático sob título “Educação e migrações internas e internacionais: um diálogo necessário”. Com a proposta de reunir pesquisadores que partiam dessa intersecção entre as áreas, Katia Norões e eu encaminhamos uma carta convite para submissão de artigos para dossiê temático. Levantamos não mais que uma dezena de pesquisadores que vinham intentando construir a interface entre os processos migratórios e a problemática educacional. De acordo com as temáticas dos artigos, organizamos o dossiê em três eixos de análise: Educação, memória e migrações – reúne textos em âmbito da História, da Sociologia e da Antropologia sobre coletivos de migrantes internos e internacionais e sua memória, presença e/ ou ausência nos processos educativos, no contexto escolar e no pensamento educacional. Contamos com produções da Profa. Dra. Zeila Demartini; Profa. Dra. Olga von Simson e Profa Dra. Maria Cristina Bezzera; Profa Dra. Claudia Panizzolo; Prof. Dr. Sauloéber de Souza e Ms. Daiane de Lima Silveira; Profa. Dra. Nima Spigolon. Criança, Migração e Escolarização – se detém nas crianças e nos jovens em contexto escolar, sua presença invisibilizada mas pungente, que se coloca por meio dos desafios da língua, religião, do status jurídico, dos acordos internacionais, entre outras caracterís13


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ticas que definem o nacional e não nacional. Com a presença e participação de autores nacionais e internacionais, desafios postos pelos coletivos de migrantes à educação formal foram discutidos nas produções da Profa. Dra. Rosali Siller; Ms. Katia Norões e Profa. Dra. Gertrudes de Oliveira, sendo o processo de escolarização de crianças em condição de refúgio aprofundado nas produções de Ms. Giovana Modé Magalhães e Ms. Tatiana Waldiman. Juventude, migração e ensino superior – reflete sobre os processos de circulação, globalização e internacionalização no âmbito do ensino superior e da formação profissional e os impactos que a presença de estrangeiros(as) acarreta na estrutura e no funcionamento intra e interinstitucionais Os não nacionais apresentam novas e velhas questões, revolvem teorias, ações políticas e dinamizam as estruturas educacionais. Com uma parte das pesquisas desenvolvidas desde 2001, orientações e rede de pesquisadores oriundas desse percurso, esse eixo conta com a última pesquisa por mim coordenada sobre educação e migrações internacionais, também parte da dissertação da Ms. Ana Paula Silveira, pesquisas conjuntas de Ms. Thaís Anastácio e Ms. Camila Brasil e as pesquisas de perspectiva filosófica sobre o ensino superior abordadas por Ms. Bruno Botelho Costa e Dr. Rudolf Buys. As contribuições dos(as) autores(as) para este livro revelam para além de suas pesquisas, ora individuais, ora coletivas. Revelam origens, relações culturais, parentais, memórias, circulação e fronteiras cruzadas que muitas vezes são secundarizadas pelas estruturas rígidas do processo de escolarização; por outro lado, vivido em outros espaços formativos, em outros espaços de vida e que desperta nosso interesse de pesquisa e o que tornou a pesquisa em educação mais diversa, plural e rica. Débora Mazza e Katia Norões Fevereiro de 2016. 14


Prefácio Os processos migratórios históricos e contemporâneos, referentes tantos aos deslocamentos internos quanto internacionais de população, sempre trazem o desafio de se conhecer e analisar os sujeitos envolvidos na construção social das migrações. É nesse sentido que a ousadia intelectual das organizadoras deste livro – Profa. Dra. Débora Mazza e Ms. Katia Norões – permitiu compor os capítulos da obra, nos convidando a enxergar a complexidade do fenômeno migratório em uma perspectiva interdisciplinar, focalizada no tema da educação. Crianças e jovens geralmente são invisibilizados na migração pela figura do “chefe de família migrante”, “do trabalhador migrante”, “da mão de obra necessária”. O livro Educação e migrações internas e internacionais: um diálogo necessário transforma “acompanhantes” da migração – crianças e jovens – em sujeitos portadores de direitos e, consequentemente, dá lugar à visibilidade das migrações e seus enfrentamentos nas sociedades receptoras. “Descendentes” nas migrações internacionais do final do século XIX, “segunda geração” no século XX, “filho de migrante” no século XXI são denominações que carregam o estigma, a discriminação e o preconceito frente a imigrantes nas escolas, em uma sociedade marcada entre o “nós” e os “outros”. Assim, este livro oferece ao leitor reflexões e análises referentes à imigração internacional e educação desde o final do século XIX, passando pelas migrações internas no século XX, até os movimentos migratórios recentes no país e o debate da inserção educacional e sociocultural. A temporalidade e periodização das migrações, apresentadas nos capítulos, apontam a continuidade histórica da questão da assimilação, das assimetrias e da opressão social em infâncias migrantes. Porém, nos estudos deste livro, 15


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é possível identificar a escola como o lugar onde crianças e jovens migrantes são sujeitos de mudança possibilita pelo espaço de vivência, de experiência e de interculturalidades, demandando alterações e transformando as normas vigentes. Este livro é leitura obrigatória para os estudiosos da migração e da educação. De um lado, para enfrentarmosos desafios teórico-metodológicos da relação entre migração e educação; de outro lado, pela necessidade de avanços nas políticas educacionais e sua interação com a diversidade de situações migratórias e os grupos sociais envolvidos. Nesse sentido é que os capítulos deste livro aprofundam a relação entre educação e modalidades migratórias – tais como: longa distância internacional e interna, do campo para a cidade, de refugiados, de circulação internacional de estudantes, de retorno, de exílio – contribuindo para um olhar do fenômeno migratório como um fato social total.

Rosana Baeninger Professora livre-docente Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Estadual de Campinas

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Parte 1 Educação, memória e migração

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