Historia e cultura

Page 1


Conselho Editorial Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antônio Carlos Giuliani Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Eraldo Leme Batista Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa

Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Magali Rosa de Sant’Anna Prof. Dr. Marco Morel Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt

©2017 Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

H62925 História e Cultura: práticas de pesquisas/Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro (org.) – 1. ed. – Jundiaí, SP: Paco 2017. 176 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-462-0790-9 1. História 2. Metodologia de Pesquisa 3. Identidade brasileira 4. Goiás I. Ribeiro, Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante.

CDD: 981 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal

Av. Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 contato@editorialpaco.com.br


Sumário Apresentação......................................................................................5 Capítulo 1

Lúcia Ramos de Souza

Processos-crime: entre fatos e fábulas. A construção da criminosa na Província de Goiás no século XIX.......................11 Capítulo 2

Neide de Souza Almeida Rodrigues

Aspectos históricos e representações femininas nas fotografias de casamento de Antônio Faria em Bela Vista...........................45 Capítulo 3

Wayne Gonçalves da Silva

Cantoras de rádio em Goiânia nas décadas de 1950/1960.......63 Capítulo 4

José Carlos Henrique

O teatro goiano no contexto da Ditadura Militar: a dramaturgia de Miguel Jorge e o GEN (Grupo de Escritores Novos).........75 Capítulo 5

Camila de Melo Santos

O candomblé aqui é caboclo: candomblé e seu sincretismo religioso na cidade de Goiânia......................................................97 Capítulo 6

Ederson Gomes de Oliveira

Patrimônio, memória e identidade..............................................123


Capítulo 7

Luciana Maria de Moura Melo

O mestiço como símbolo nacional latino-americano no pensamento de José Vasconcelos................................................153 Sobre os(as) autores(as).................................................................171


Apresentação Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro Clerismar Aparecido Longo

A presente coletânea, História e Cultura: práticas de pesquisas, é resultado dos trabalhos – dissertações de mestrado – desenvolvidos por alunas e alunos do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PPGHIS/PUC-Goiás), Área de Concentração Cultura e Poder. Parte de suas pesquisas foram financiadas pela bolsa sanduíche discente CAPES do Projeto de Pesquisa PROCAD PUC-Goiás/UnB Fronteiras Móveis: Histórias, Culturas, Identidades, abrigado na linha de pesquisa Identidades, Tradições e Territorialidades, com vigência nos anos de 2010 a 2015, coordenado pelas professoras Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro (PUC-Goiás) e Cléria Botêlho da Costa (UnB). Os objetos de estudo expressos nestes textos foram abordados na perspectiva da história cultural, entendendo esta como uma reconstrução das experiências humanas em diferentes temporalidades. Os/as pesquisadores/as, ao analisarem um objeto na perspectiva historiográfica, podem, dentro de suas possibilidades de escolhas, conjugar diferentes tempos históricos: passado e presente; passado, presente e futuro. Considerando apenas uma dessas possibilidades, a análise de experiências no passado, a conjugação deste com o presente é condição inevitável em uma pesquisa histórica. Pois, ao estabelecermos um diálogo com o passado, o fazemos a partir de um tempo que é o do presente. O olhar que lançamos sobre as experiências humanas pretéritas é mediado por escolhas temáticas, teóricas, metodológicas que são a do nosso tempo, do agora. Ainda, dentro desse conceito, 5


Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro (Org.)

entendo que o/a historiador/a da cultura, dentro de suas várias possibilidades de análises, intenciona compreender como as pessoas pensam, como interpretam o mundo, conferindo-lhe significados e infundindo-lhe emoções (Darnton, 1986). Nesse sentido, as autoras e autores dos textos que compõem esta coletânea tentaram apreender as práticas sociais de sujeitos que protagonizaram a construção de realidades tecidas no campo das religiosidades afro brasileiras; do patrimônio histórico e cultural; do teatro, no contexto da ditadura civil militar; das relações de gênero e sua interface com o campo da musicalidade, da justiça ou da conjugalidade; da construção de identidades, tendo como fonte de estudo a literatura. Essas práticas sociais se expressam por meio de representações sociais, construídas nas e pelas experiências, as quais nos permitem captar as marcas culturais dos tempos. Mas como acessar as experiências humanas, quando estas aconteceram em um outro tempo, que não o nosso? Segundo Sandra Jatahy Pesavento (2005), é possível acessá-las através das representações que as pessoas inscreveram sobre a realidade. Pois é por meio delas que as pessoas significam o mundo, atribuindo-lhes sentidos. Tais representações chegam até nós pesquisadores/as, por meio das mais variadas fontes: escritas, orais, visuais, dentre outras. Estas, por sua vez, contêm apenas uma mínima parte daquilo que um dia aconteceu, pois nem tudo o que acontece, em nível das experiências humanas, é registrado pelos contemporâneos de uma determinada época. As representações expressam a maneira como as pessoas entendem e significam a realidade social, inscrevendo nela sentidos que são socioculturalmente construídos e partilhados por determinados grupos sociais. Daí, uma forte relação com o conceito de cultura – categoria elaborada pelos antropólogos e que foi incorporada pelos historiadores que estudam a dimensão das significações. Segundo o antropólogo Clifford Geertz (2012, p. 4): 6


História e Cultura: práticas de pesquisas

O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado.

É sob esse viés que Neide de Souza Almeida Rodrigues, em Aspectos históricos e representações femininas nas fotografias de casamento de Antônio Faria em Bela Vista, analisou as representações femininas, no período de 1930 a 2000, nas fotografias de casamento, a partir do acervo fotográfico de Antônio Faria. José Carlos Henrique, no texto O teatro goiano no contexto da Ditadura Militar: a dramaturgia de Miguel Jorge e o GEN (Grupo de Escritores Novos), propõe uma análise do teatro realizado em Goiás, durante o Regime Militar e suas principais repercussões nos campos da cultura e das relações de poder estabelecidas nesse período. Para nortear a sua análise, utilizou-se da dramaturgia do escritor Miguel Jorge e trechos de seus textos, censurados à época. O Grupo de Escritores Novos, do qual foi um dos fundadores, se tornou de extrema relevância ao aglutinar diversas tendências literárias, tornando-se um polo importante de difusão de ideias para a arte goiana. O teatro era uma das vertentes de estudo para o GEN e repercutiu de forma intensa dentro do contexto estudado. Por meio de toda uma simbologia, conseguiu plasmar diversas vozes que se levantaram contra as leis vigentes, utilizando-se da transfiguração da linguagem e do imagético. Em O candomblé aqui é caboclo: candomblé e seu sincretismo religioso na cidade de Goiânia, Camila de Melo Santos destaca que, dentre as religiões de matriz africana, o candomblé é considerado o resultado do processo de ressignificação da cultura religiosa africana, que perdurou em terras brasileiras, tendo a Bahia como berço 7


Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante Ribeiro (Org.)

da religião. Originária da Bahia, a religião ganhou o Brasil em meados do século XX, devido ao processo de migração de Babalaôs e Ialorixás para outras áreas do país, em busca de melhores condições de vida. Foi neste cenário que o Candomblé chegou à cidade de Goiânia, durante meados da década de 1960, onde se fundiu às religiões já cultuadas na cidade, como a Umbanda, religião que agrega grande parcela dos adeptos do Candomblé na capital. O sincretismo religioso entre as religiões da Umbanda e Candomblé formou o que compreendemos neste texto como sendo o Candomblé de Caboclo, que é praticado por grande parcela das casas de culto de matriz africana na cidade de Goiânia. Luciana Maria de Moura Melo, em O mestiço como símbolo nacional latino-americano no pensamento de José Vasconcelos, estuda a construção da identidade nacional, a partir do olhar de José Vasconcelos Calderón, sobre a questão da mestiçagem em sua obra La Raza Cósmica. Vislumbra o pensamento de um intelectual que esteve profundamente inserido nos acontecimentos políticos e sociais do México, que muito contribuiu para o processo de estruturação da cultura mexicana e latino-americana nos anos de 1920. Norteia qual teria sido seu ideário ao criar expectativas, através do processo de mestiçagem, em que as projeções idealizadoras geraram a utopia de uma raça única, entendendo-a como o caminho para a construção da identidade na América Latina. Em Patrimônio, Memória e Identidade, Ederson Gomes de Oliveira estuda a relação dos moradores de Planaltina com o Patrimônio Histórico e Cultural existente nas praças São Sebastião e Salviano Monteiro, que é constituído pela Igreja São Sebastião, o Casarão de Dona Negrinha, o Museu Histórico e Artístico, a Antiga Farmácia, o Casarão Azul, a Casa do Idoso, o Hotel O Casarão e o Colégio Franciscano Irmã Maria Assunta. Lúcia Ramos de Souza, em Processos-crimes: entre fatos e fábulas. A construção da criminosa na província de Goiás no século XIX, através de 8


História e Cultura: práticas de pesquisas

uma minuciosa pesquisa documental, analisa, na perspectiva das relações de gênero, a construção da identidade da mulher criminosa, por meio de um olhar crítico sobre os processos-crimes da época. Ainda, dentro da perspectiva de gênero, Wayne Gonçalves da Silva, no texto Cantoras de rádio em Goiânia nas décadas de 1950/1960, através da interface entre história e relações de gênero, narram as experiências de mulheres cantoras de rádio na capital de Goiás. Ao disponibilizar estas pesquisas, a intenção é que elas possam inspirar os leitores e leitoras, interessados no mundo da história, a descobrir novas abordagens sobre temáticas ainda pouco historicizadas. Referências

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos, e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2012. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

9



CAPÍTULO 1 Processos-crime: entre fatos e fábulas. A construção da criminosa na Província de Goiás no século XIX Lúcia Ramos de Souza

Ao iniciar a leitura paleográfica dos processos-crimes, é como se estivesse aberto, diante dos olhos, um livro literário, de estilo romanesco, no qual rixas, intrigas, amores, ódios fossem os temas centrais de um enredo interpretado por protagonistas – mocinhas, donzelas, senhoras e antagonistas, vilãs, meretrizes, vagabundas. Mas, quando leio com o olhar de historiadora, o percebo como instrumento discursivo, em que as falas se organizam em torno de um fato específico: o crime. É possível ler as falas, mas também os silêncios. Há as que se calam ou talvez sejam caladas. Afinal, nos processos-crimes não só há lugares determinados de falas como também hierarquias entre elas. Algumas falas são mais importantes que as outras. Através dessas falas, por mais valores que sejam atribuídos diferentemente a elas é possível visualizar muito: costumes e a moral de uma época, preconceitos das mais variadas ordens – religiosa, científica, social, práticas cotidianas, relações de parentescos e de vizinhanças. Ao analisar os processos-crimes como um gênero discursivo é preciso lembrar que há um decurso de tempo entre a prática 11


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.