Moços & poetas

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Moços & Poetas quatro poetas na Amazônia




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B4373 Cruz, Benilton Moços e Poetas: quatro poetas na Amazônia/Benilton Cruz. Jundiaí, Paco Editorial: 2016. 104 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-462-0636-0 1. Poesia 2. Amazônia 3. Modernidade 4. Ensaio I. Cruz, Benilton.

CDD: 800 Índices para catálogo sistemático: Poesia

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IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal

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Aos meus irmĂŁos Bernardino (in memoriam) e Beatriz.



“Se é um jovem de sentidos delicados ou de cérebro facilmente inflamado, o interesse desta série de experiências impõe-se-lhe fora de toda a proporção ao prazer que recebe. Não é a beleza o que ele ama, nem é prazer o que ele procura, embora o possa pensar; o seu desígnio e recompensa suficiente é verificar a sua própria existência e saborear a variedade dos destinos humanos”. (Robert Louis Stevenson. Carta a um jovem Cavalheiro que se propõe enveredar pela carreira das artes, 2012, p. 33)



Sumário Apresentação.............................................................................11 Capítulo 1 O mais moço dos poetas...........................................................15 Capítulo 2 O resto da salsugem – Paulo Plínio Abreu e os fragmentos de Orfeu....................................................................................43 Capítulo 3 Vozes ibéricas no poema “Romance” de Mário Faustino.....................................................................................65 Capítulo 4 Cifras do sujo e cacos do informe.............................................85



Apresentação O presente livro aborda quatro poetas que viveram suas juventudes em Belém do Pará entre as décadas de 1920 a 1950. São textos originários de duas pesquisas desenvolvidas no Campus Universitário do Baixo Tocantins (CUBT) da Universidade Federal do Pará. A primeira, com apoio do Proint, chamou-se Poética da voz e produziu o artigo sobre Mário Faustino. A segunda, a Regionais modernos, proporcionou um estudo mais detalhado de quatro importantes nomes da poesia escrita no nosso estado. A pesquisa teve por nome “Dissimetrias modernistas”, um projeto mais amplo, investigando as inovações estéticas que, vindas de fora, por algum motivo, acabaram por inverter ou reformular antigas visões de arte e de literatura diante do prisma da Modernidade. O objetivo é decifrar os poetas como tradutores de acontecimentos culturais, filosóficos e estéticos. Os nomes escolhidos carregam mais coisas em comum do que o simples fato de terem vivido em Belém do Pará. No primeiro ensaio, mostraremos um Antônio Tavernard sem a mística da dor e do sofrimento. A ideia é revelar uma poesia mais ligada à juventude, intensamente vivida sob o vigor da experiência vital menos romântica e mais consciente de uma poética plural e moderna. Seu nome será defendido dentro da noção de poesia relutante da forma, e, em alguns casos, metapoética, a que é convidativa e questionadora de sua linguagem. O segundo ensaio trata de um tema muito importante na obra de Paulo Plínio Abreu: a órfica reconstituição de um mundo fragmentado que, todavia, aponta outra direção: o poeta é um anti-Orfeu e não vai reunir um mundo despedaçado, como ainda se enxergava nas interpretações do mítico cantor dos Argonautas feitas por Rainer Maria Rilke. Para esse autor austríaco, ainda havia a crença do poeta lírico como aquele que completa a obra divina e eterniza as coisas perecíveis. O poeta paraense, por sua 11


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vez, via tudo isso como o “resto da salsugem”, ou seja, o lodo salgado e sujo, deixado no fundo das embarcações, como rescaldo da travessia da existência. Diante da multiplicação dos fragmentos, como estilhaços de um cosmo inevitavelmente condenado a derruir sua totalidade, essa sensação de um Orfeu impotente, ou melhor, de um anti-Orfeu, é daquele que não consegue agregar o homem à natureza, como outrora se entendia a tarefa do mítico poeta da Trácia. O terceiro texto avalia a contribuição do romanceiro ibérico em Mário Faustino, redescobrindo as “vozes” medievais em um poema moderno. Trata-se de um dos mais musicais poemas da nossa literatura, o que leva nome de “Romance”, do autor de O homem e sua hora, o que compõe um dos livros mais importantes na moderna poesia brasileira. O que há de medieval no poema de Mário Faustino? Vamos discutir a autonomia da poesia moderna e sua relação com a poesia dos romanceiros. Teria o romance da tradição ibérica uma essência de natureza profana, emblema de criação e justaposição musical, metafísico e mortal, repercutindo ainda no poema de Mário Faustino? O quarto ensaio coloca em evidência um Max Martins, aquele que inverte atributos poéticos ocidentais e orientais, na troca proposital, a que poderemos enquadrar com aquilo que estamos chamando de “olhar transverso” na moderna literatura brasileira. Um dos pontos da nossa obra foi o de mapear como nossa identidade estética tem sido erguida com alguma inversão do que vem do exterior. No caso de Max, o olhar transverso força brechas e caminhos novos, aproximando culturas e estéticas diferentes. O poeta de Não para consolar cultiva palavras “não confiáveis”, expondo uma poesia “impura”: as cifras do sujo como substância do informe, o não delineado, como parte de sua poesia. Reviver esses poetas é tocar na memória individual de cada um, exatamente em leituras feitas em momentos distintos. A poesia tem algo de universalidade, e a “culpa” é dos gregos que, 12


Moços e Poetas: quatro poetas na Amazônia

primeiramente, a entenderam em toda parte, fruto de um “fazer” tocado, justamente, pelo “espírito poético”. Este livro procura encontrar o que há em comum entre esses poetas, não mais pela noção de poesia dada pelos gregos, mas, por uma via diferente, a que esbarra na “antipalavra”, ou melhor, o contraste, o confronto, o transverso, o impuro, o estranhamento, o destravar de linguagens novas e arrojadas. Convidaremos o leitor a entrar neste recinto com a seguinte ressalva: poetas merecem ser respeitados por aquilo que realmente foram: artistas que aceitaram o destino de serem poetas. A ideia inicial é ajuntar os cacos dessas vozes muitas vezes desencontradas e responder a seguinte pergunta: o que há em comum entre Antônio Tavernard, Paulo Plínio Abreu, Mário Faustino e Max Martins? São nomes inseridos na História da Literatura da Amazônia, a que clama reconhecimento e, ao mesmo tempo, reclama sua marginalidade. São poetas merecedores de nossa atenção por serem justamente diferentes e em alguma coisa semelhantes. O Moços & Poetas apresenta um pouco da História da Poesia no Pará, exatamente através da experiência estética que se revelou, dissimetricamente, aberta ao distante e próxima como linguagem e como identificação. Para Hegel, a poesia sempre responde pelos anseios espirituais e anda em paralelo com tudo que pode motivar não apenas o que é de natureza particular do poeta, mas das assimilações que rondam o seu exterior. Mais ainda é a postura dialética do poeta como criatura de exílio e de liberdade, algo que nos faz redobrar a atenção. Assim sendo, este livro quer lançar luz sobre o lado obscuro dessa Modernidade, a que, tocando a parte criativa da linguagem, resulta na descoberta de linguagens que nem sempre se conjugam em interação, mas quase sempre em conflito. Agradecimentos aos colegas professores da Faculdade de Ciências da Linguagem e do Conselho do Campus do Baixo 13


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Tocantins pela liberação da carga-horária semanal dedicada à pesquisa, à orientação de bolsistas e voluntários, e à preparação dos minicursos. Minha vida é como taça de cristal partida em que beberam deuses e animais. (Antônio Tavernard – Prece de Natal) Com as palavras que hoje restam da infância edificarei meu reino e nele estrelas cairão de noites puras. de corações mais puros tombarão as águas em que os animais virão matar a sede. (Paulo Plínio Abreu – Orfeu) Rapaz, em minhas mãos cheias de areia Conto os astros que faltam ao horizonte Da praia soluçante onde passeia A espuma de teu fim, pranto sem fonte. (Mário Faustino – Onde paira a canção recomeçada) Ou isto (por aquilo que vibrava dentro do peito) o coração na boca atrás do vidro a cavidade o cavo amor roendo o seu motor-rancor - ruídos (Max Martins – Isto por Aquilo)

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Capítulo 1

O mais moço dos poetas Grandes homens suportam grandes dores; os maiores transformam a dor em poesia. É o caso de Antônio Tavernard, que não merece ser chamado de “exilado” ou de “mártir” como se reportou Vicente Salles (1998) em um texto premiado. A alegria na poesia do Poeta da Vila é surpreendente porque contorna a dor de ter sofrido, em boa parte de sua juventude, do mal de Hansen, doença que o vitimou aos 28 anos incompletos. Sua poesia transparece, em muitas passagens, luminosa e alegre, como a dos grandes nomes que fizeram da juventude o seu entusiasmo. É por isso que se torna necessário defender Antônio Tavernard como o poeta da vitalidade, autor da poesia como legítima condutora de humanidade. A um primeiro momento, não há como negar a sua poesia “romântica” ou “simbolista”, retrato de um artista amazônico, vivenciando a explosão de mundos em permanente estado de criação, em uma região marcada pela diversidade, pelo contraste de riqueza e miséria, fauna e flora, climas e cores e principalmente, o dilema de viver, culturalmente, “próximo” da Europa e distante do Sul-Sudeste, o então ”eixo” do Brasil desenvolvido. Antônio Tavernard, mesmo após tanto tempo de sua morte, continua sendo lembrado como nome ligado à dor e ao sofrimento. Este artigo mostrará outro poeta por detrás do sentimentalismo: aquele de versos iluminados pela vivência da juventude, personalidade de alegria, cantor da vitalidade, e do triunfo de viver. Ele tem o seu lugar assegurado como um dos nomes mais populares da poesia paraense. O apreço popular ganha uma di15


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