Revista cultural - 2ª Edição - Agosto/Setembro 2016
As Ilhas no “Insular” de Aline Frazão pag.20
Análise de alguns textos na relação com a situação sociopolítica do país
Sebastião Delgado um dos colossos da nossa indústria gráfica pag.16
Arte Contemporânea Africana: um percurso ainda por definir? pag.26
Twana teatro, o grupo do Sambizanga que sonha com o mundo pag.28
S u m a´ r i o 04|Editorial: O que move o artista 05|Frases 05|Cronicando: Sorriso empoeirado dos meus sonhos 08| Posfácio: Um olhar parado sobre as sílabas de Mussungo Moko 10| Poesia: João Tala e Gineraldo Adão 12|Proposta Literária: Um Metro e Cinquenta e Cinco 13|Perfil Artistico: Aricelma Martins Cordeiro 14|Entre Danças: Performance Arte e os Complicadores Culturais 16| Fora de Caixa: Sebastião Delgado, um designer de determinação 20| Ensaio: As Ilhas no “Insular” de Aline Frazão 24| Estilo e Cores: Pop Art - Vilã ou Mocinha? 26|Ateliê: Arte Contemporânea Africana - Um percur-
F i c h a Té c n i c a COORDENAÇÃO GERAL: Oliveira Prazeres COORDENAÇÃO EDITORIAL: Luefe Khayari CORDENAÇÃO TÉCNICA: Cláudia Cassoma DIAGRAMAÇÃO: Luamba Muinga Oliveira Prazeres REDAÇÃO: Aneth Silva Cláudia Cassoma Cláudio Kimahenda Hélder Simbad Isis Hembe Luamba Muinga Mário Henriques
so ainda por definir? 28| Fora de Cena: Twana Teatro - O Romance de Um Grupo do Sambizanga que Sonha com o Mundo 34|Em Análise: Jovens Do Prenda - Arautos Da Música Popular Angolana 37| Entidades: UNAP - União Nacional dos Artistas
REVISÃO: Mário Henriques COLABORAÇÃO: Ana Patrícia Diamantina Cassinda Lourenço Mussango
Plásticos 38|Portfólio: No olhar de Diana 46| Conto: Ventre, de Ana Patricia
O conteúdo aqui publicado pertence aos seus respectivos autores e não pode ser reproduzido sem prévia autorização
site: www.palavraearte.net 2 Palavra&Arte
email: palavraearteangola@gmail.com
E D I T O R I A L
O Que Move o Artista Numa altura em que a palavra “Crise” representa em grau exponencial o estado das almas dos angolanos, uma pergunta recorrente tem sido feita: o que move os artistas neste momento de enormes dificuldades face à crise económica, sem precedentes, que o país atravessa? Para darmos respostas à questão ora levantada, precisamos entender o papel deste na sociedade em que estamos inseridos. É papel do artista expressar-se por meio da sua arte. A primícia defendida por Hans Rookmaaker, professor de teoria da arte, história da arte filosófica e religião, no seu livro “A Arte Não Precisa de Justificativa”, é verdadeira se entendermos que a arte emerge dos diversos contextos como étnico, filosófico, social, político, religioso, etc., que o fazedor da arte vivencia. A arte, por sua vez, sustenta a forma como enxergamos a sociedade – através do que é belo ou estético –, oferecendo sentido, significado, razão e emoção à forma como nos relacionamos com a sociedade e com a natureza. Esta mesma arte representa também a construção social de uma determinada época. Ela possibilita um diálogo profundo com quem a observa, cria situações que podem ser desafiantes para o apreciador, e, nalgumas vezes, os materiais utilizados na sua própria composição fazem-nos mergulhar no sentido reflectivo da mesma. A olharmos para a produção artístico-cultural angolana feita nas décadas de 40, 50, 60 e 70 perceberemos, claramente, que se vivia um contexto sócio-político e cultural diferente dos dias de hoje. Questões como afirmação da soberania angolana, preservação das línguas nacionais ou inserção do angolano na sociedade de domínio colonial, sem atentar para o tom da pele, eram abordadas nas diversas formas de arte – música e literatura, principalmente. Num artigo publicado recentemente no site Buala,
Adriano Mixinge pergunta: “Na Arte Angolana Contemporânea (2006-2016), é possível falar em revolução artística?” Novos paradigmas do contexto artístico nacional são trazidos à tona pelo autor no artigo, sem deixar de olhar para o actual momento político-financeiro que o país atravessa. Na sua abordagem, o autor foca-se numa análise temporal sobre a evolução artística contemporânea em Angola, por meio de alguns nomes que têm conquistado o mundo, ainda que timidamente. Os criadores citados no seu artigo não estão à margem do valor estético que a arte deve ter e ao mesmo tempo fazem dela um vínculo para dar vazão à sua visão da sociedade. Alguns eventos recentes de cunho artístico-cultural produzidos numa esfera de incertezas em que não faltam razões para sentir-se derrotado face às dificuldades enfrentadas por diversos cultores artísticos no nosso panorama: TEDx-Luanda que teve como tema central “Metamorfose”, Festivais de Spoken Word – evento que ganhou notoriedade nos circuitos poéticos, Festival de Poesia e Letras (Fespol); CIT – Circuito Internacional de Teatro, Exposições de artes no instituto Camões, etc., em que, apesar das enormes dificuldades, os artistas envolvidos são movidos por um sentimento incompreendido que vai além do amor à camisola. É fácil percebermos que tanto o artista, bem como a (sua) arte não estão presos a determinados contextos. Ambos são mutáveis e transversais e podem estar além do seu tempo. Adaptam-se, evoluem e buscam sempre deixar a sua marca. Não há de facto uma resposta exacta sobre o que move um artista. Essa é uma reflexão individual, no entanto, posso aqui afirmar que um fazedor artístico é moldado pela sua arte. É nela, onde os pensamentos tomam formas múltiplas e encontram oportunidades de serem apreciados pela sociedade no seu todo.
Por Oliveira Prazeres
oliveirap2001@gmail.com Agosto/Setembro 3
"Os prémios por livro estimulam os autores e são menos «trabalhados». Os prémios por obra completa são mais complexos, alguns têm envoltura política [...] Do ponto de vista de avaliação de obras completas não acredito no trabalho exegético dos jurados. Já fui jurado e conheci as interferências do tráfico de influências e já fui premiado com renúncia publicada na media". Manuel Rui: escritor Fo n t e : R e v i s t a M a k a – Revista de Literatura & Artes, nº2, 2011
“Imagina que vias uma obra minha e tinhas em mente, porque já escreveram, já ouviste que uma das minhas peças do mesmo tamanho foi vendida por USD 100 milhões. Como é que te sentias a olhar para essa peça? Tu não ias ver obra de arte nenhuma, ias ver apenas os números. É isso que mexe com as pessoas. E há artistas que mal começaram a aparecer e as obras já estão cotadas em milhões. Mas ele ainda agora começou, ainda vai ter de fazer muito exercício.” Januário Jano: artista plástico Fo n t e : R e d e A n g o l a
“Serão o modo e a linguagem como apresentarmos os nossos conteúdos novos ou de sempre, que nos situarão na modernidade, com possibilidades de conquistarmos o nosso lugar, a que temos direito.” C o s t a A n d r a d e : e s c r i t o r, a r t i s t a p l á s t i c o e p o l í t i c o sobre a internacionalização da cultura angolana, em Pessoas com quem falar
“A literatura é quase sempre uma perspectiva diferenciada de
se olhar uma mesma sociedade maculada pela oficialidade dos factos. Os textos literários não são - ou não devem ser para consumo imediato. O que é literário não é sensacionalista.” António Quino: escritor 4 Palavra&Arte
Fo n t e : R e d e A n g o l a
CRONICANDO
Sorriso Empoeirado dos Meus Sonhos Por: Lourenço Mussango Andava num candongueiro que rodava perdido nos asfaltos maltratados pelas chuvas torrenciais de Março e que trazem à tona a vergonha de uma Luanda suja, porém vestida de prédios importados da China, munidos de uma tecnologia de ponta de se lhes tirar o chapéu. Eu, dentro de um Acaba de me matar, nome carinhosamente atribuído a um tipo de Hiace cuja beleza foi tirada e roubada pela ignorância dos homens, ouvia o sussurro do silêncio mergulhado numa solidão falante e com mãos. Tudo parecia já não fazer sentido. A existência e a crença humana não passavam de meras ilusões. Até o próprio sentido parece ter deixado de fazer sentido.
eram o seu mercado. Observava-a com duas embalagens de água fresca, equilibrando-as sobre as mãos. A majestosa imundice que ostentava contrastava com aquele sorriso gracioso que já me parecia agradável, familiar. Por entre sorrisos amarelados e esbranquiçados, sussurrámos palavras de saudades de uma realidade por mim cada vez mais desconhecida. Era o absurdo na sua forma mais filosófica! Sim, o tão luminoso sorriso empoeirado trazia, em si, uma alegria que transcendia o sofrimento e as vivências de uma classe subjugada e apagada do convívio social boémio que habita do lado de lá, onde humanos partilham o amor com gatos e cães vadios.
De repente vi, ao longe do outro lado da estrada, o sorriso amarelo de uma criança que zungava pela calçada. Aquele sorriso de cor da poeira dos musseques de lata, dos musseques sem pão, água e luz e cuja luminosidade nocturna deriva das balas dispersas que cantam nos telhados tombados pela dependência de um Executivo assaltado por homens sem nomes. O sorriso… ah o sorriso! Aquele sorriso desenhado pelos dentes amarelados entres os lábios carmesim, faziam uma sintonia perfeita como Paulo Flores deslizando num Semba ou até mesmo uma poesia escrita por um poeta de sentimentos jubilosos, qualquer coisa parecida com Viriato da Cruz no “Namoro”. Então pensei em nossa existência: não seria ela um sonho de uma bela criança zungueira?! Não sei. Sinceramente não sei filosofar a existência. O sorriso empoeirado daquela menina que zungava pela calçada despertou em mim sentimentos nunca antes vividos. Deu-me o privilégio de pensar o Homem enquanto Ser e Medida de todas as coisas. Afinal… quem somos nós? Qual é o derradeiro fim de tudo que fazemos? Isso, confesso, não sei responder.
Apesar de tão sorridente, a menina franzina e maltratada pela vida carregava em seu corpo o sentimento de várias crianças que desde tenra idade conhecem a dor do luto. Crianças sem identidade, que desconhecem o amor de um pai e sofrem as consequências da fuga à paternidade, provocada por progenitores que se negam a assumir filhos feitos em momentos de pura diversão.
No meio do trânsito lento, por causas das crateras reveladas pelos aguaceiros de Março, observava a menina bronzeada pelo sol infernal das doze, como se tivesse qualquer paixão pelo que faz por obrigatoriedade. Avenidas e becos da cidade capital
Num ápice, desci do candongueiro e fui em busca da menina ou quiçá do seu sorriso. Mas não tive sucesso. Infelizmente aquele sorriso empoeirado era fruto dos meus sonhos.
A menina não passava de um mero poema de um livro ignorado numa estante exposta em hasta pública, nesta sociedade consumista, onde homens com olhos e ouvidos já não ouvem o sussurro e nem vêem os acenos da felicidade. Mas, naquele instante, o sorriso empoeirado desabrochou em mim a poesia que dá sentido à nossa existência. Aquele sorriso de cor da poeira disse-me para não forçar o estado das coisas. Não impressionar. Disse-me para deixar o amor fluir de forma espontânea feito brisa acariciando um rosto triste, algures. Pediu-me para buscar a compreensão de mim mesmo e disse-me que a felicidade sublime consiste no conhecimento de quem somos e na relação permanente com o Cosmo.
Agosto/Setembro 5
Leia a Primeira Edição visite: palavraearte.net
E S TA M O S N A S R E D E S SOCIAIS
P O S FÁC I O
Um olhar parado sobre as cicatrizes das sílabas de
Mussungo Moko Texto: Hélder Simbad | hssandre32@gmail.com “Em cada Sílaba, Uma Cicatriz” é uma obra que congrega poemas com pluralidade de temas, destinada a todos aqueles que adoram mergulhar neste vasto oceano complexo de interpretação e divagação de obras poéticas, em que cada leitor tem a possibilidade de viajar solenemente na beleza da poesia sem se afogar nas ondas emanadas pelo duelo da alma contra as injustiças sociais. Ao evocar Mussungo Moko com a alma, brotam-se-me vocábulos como “desconfiança, abandono, dor, desamor, angústia, deslealdade, coragem”, condensados no título, sobretudo no lexema “Cicatriz”, que nos remete a um conjunto de marcas deixadas pelos diversos golpes sofridos nos mais variados campos de batalhas. O jovem escritor, dos seus 31 anos, é dono de uma poética que, apesar de suis generis, de um ponto de vista intertextual, consubstanciase na fusão do pensamento estético da Geração Mensagem e dos diferentes pensamentos estéticos das vanguardas que foram emergindo até a criação desses poemas. Factos denunciados pelo discurso narrativo, por sinal, o tronco comum dos poetas da Mensagem, presente em muitos poemas como este: “uma velha mãe negra \ toda ruída de ódio \ que espreitava a idade dos velhos pecadores \ sacrificando-se no crucifixo fiel como sufixo \ que magoa os pés descalços \ pelos assobios das frases arcaicas” ou este: “Era uma vez uma guerra boa e benéfica \ sem tortura nem ódio \ e nem mesmo nada \ porque os soldados 8
Palavra&Arte
tinham cor \ de camponês na mesma planície \ e os operários atribuíam-lhes máquinas”. E pelo discurso reticente, marcado por uma linguagem fortemente conotativa, poética cultivada pelos cultores das gerações subsequentes, como podemos observar neste excerto: A barriga ergueu a luta \ a mão exibiu o exército \ e conservou os edifícios ruídos de feridas \ O mesmo coração manietou-se \ no sangue ensanguentado. Os poemas de Mussungo Moko desabam os muros da timidez construídos a volta da juventude e se concretizam numa construção bélica em sua intenção e linguagem: “Também enfiei o dedo vindo do alto \ nesta cidade erguida de aço \ nascida em areal vermelho \ E hoje os fragmentos me arrastam a vida pelas tripas \ No céu ninguém me ouve \ ninguém me atende”. O título no fim de cada “escrito” deve-se à Agris-doutrina , justificada pelo conceito de automatismo sugerida pela poética surrealista e pelo Conceito de intuição artística apresentado por Croce, em que o título, com força de tema, resulta de uma última reflexão em torno do já escrito. Do ponto de vista técnico-formal, os textos apresentam-se-nos, maioritariamente, em versos. Porém, a percorrermos em cada página das suas cicatrizes, deparamo-nos com duas belas poesias em prosa, na forma e não no conteúdo.
Apesar da sua condição de combatente, Mussungo Moko traz poesia para todos os gostos, susceptíveis de provocar ao leitor as mais variadas reacções, desde a simples descontracção a incompreensíveis sensações e gozo na alma. Tenho comentários infinitos relativamente a muitos trechos desse livro, todavia prefiro que os leitores descubram os diferentes enigmas pintados pelo poeta, que busca a sua imortalidade nos textos aqui apresentados, enriquecendo a Literatura Angolana contemporânea com sua arte. Por todas essas razões e mais algumas, recomendo o livro “Em Cada Sílaba, Uma Cicatriz”.
Esse humano que bebe o esforço posto a sua volta pela curva do vento é a minha carne a inflamar a língua na forma do pão E nem a cauda da água enraizada a esta nação para se enrodilhar nas vidas lhe vê a alma Com os seus brados de infinitos pôs a palavra em movimento e com a mão adivinhou a luta O tempo não envelheceu com os dentes erguendo coisas e eu ainda aqui permanente também «A forma do pão» A barriga ergueu a luta a mão exibiu o exército e conservou os edifícios ruídos de feridas O mesmo coração manietou-se no sangue ensanguentado Só exclamaram uns nadas outros do pó e nós das lamúrias porque eles são os latidos Mas quem foi que adivinhou o ódio para a história inventar os heróis?!
Agris-doutrina: Agristética, o conjunto de princípios estéticos que norteiam o pensamento criativo dos membros do grupo literário juvenil angolano, Movimento Litteragris.
«A exclamação de uma interrogação» Agosto/Setembro 9
POESIA
A Tradução do Amor É um compêndio o amor caminho de muitas coisas. Tem coisas novas e outras tão velhas como são os ventres de raparigas aos estertores; como o amor de Neto e os suspiros de Eugénia. Rimas perdidas – não mais a casa da Rima
João Tala Nasceu em Malanje a 19 de Dezembro de 1959. É médico exercendo a profissão como interno em alguns hospitais de Luanda. Iniciou a sua actividade literária na cidade do Huambo, onde cumpria o serviço militar e foi co-fundador da Brigada Jovem de Literatura, apesar de ter frequentado círculos literários daquela cidade, de que despontaram ainda na década de 80 importantes nomes da novíssima poesia angolana como João Maimona. É actualmente membro da União dos Escritores Angolanos. Obras Publicadas: O Gasto da semente (2000), Prémio Literário Sagrada Esperança, Lugar assim (2004), Os dias e os Tumultos (2004), Grande Prémio de Ficção da UEA em 2004, A victória é uma ilusão de filósofos e de loucos (2005), Grande Prémio de Poesia em 2005 e Surreambulando (2005).
10 Palavra&Arte
onde escolhesse uma embriaguez e matutasse às cores do divume. Sobre esta pedra que não para de pensar porque estou sentado nela e ela me tem como a um esposo, sobre esta pedra concluo a noite. O amor é a nocturnidade é um compêndio solto. Qualquer que seja a página que rasgue da noite, o amor sangrará. Este é longo caminho e metade de mim mesmo. “Sabes o que é o amor?” Quem responderá quem fortalece sua própria insónia? Todo este tempo que amei é uma insónia.
POESIA
Paraplexia Sobre o ventre do mar molecular nascia o abrasador com convicções aritméticas numa métrica digna de louvor.
Gineraldo Adão Quão jubilosos vós sois, raios! Bacio de libertinagens vorazes e renitentes. Ora, o cume deveras agradece, porém vêm-se, ainda, as ramagens adornadas de voláteis desmaios. Diabos repelem-se no orgasmo com sarcasmo do dia
Gineraldo Adão, um jovem poeta angolano, cujo pseudónimo literário é Poeta Delirante, nasceu aos 27 de Fevereiro de 2000, em Luanda, Angola. Começou a dar os primeiros passos na escrita aos 7 anos, ao escrever as receitas da sua avó. Aos 13 anos começou a escrever seriamente, desbravando-se em crónicas e pensamentos. Em 2015 Integrou o movimento literário LevArte Cabinda e deu início ao curso da escrita e da poesia como compromisso. Tem, actualmente, três obras escritas, esperando apenas a oportunidade certa para publicar alguma.
e a alegria faz-se em lençóis cujo bordões é por todos conhecido
Agosto/Setembro 11
P R O P O STA L I T E RÁ R I A
www.1m55.com Yolanda Marixe manuseia no blog, com estilo e simplicidade, a sua singularidade Texto: Cláudia Cassoma
claudiacassoma@hotmail.com Tem-se a leitura como um ingrediente chave na composição da mistura vital. Ler é um hábito que se incentiva a desenvolver, não só por ajudar no aprendizado e na formação, mas também por desenvolver desmedidamente o intelecto e o conhecimento, sem desconsiderar, os benefícios para a saúde. O aparente desamor pelo acto de decifrar o escrito, experimentado por muitos, é actualmente, segundo algumas teorias, atribuído ao surgimento das tecnologias, enquanto outras defendem que esta mesma tecnologia veio exactamente para facilitar o acesso à essa reunião de dados, apontando como um dos lucros da tecnologia da informação o rápido acesso às notícias, não esquecendo os próprios livros que agora estão à distancia de um “clique”. Directa ou indirectamente, todos actuamos como influenciadores. Yolanda Marixe é a baixinha por detrás do blogue “Um Metro e Cinquenta e Cinco”. A poliglota angolana mantém pelas ruas virtuais este banco de dados que da sua experiência com a leitura oferece ao leitor opções que o auxiliam na obtenção do seu próprio tirocínio. 12 Palavra&Arte
O blogue, de aparência lustrosa e convidativa, possui uma variedade de assuntos conexos à literatura. Entre os focos do portal estão Contos, Crônicas, e Críticas de vários tipos, fazendo-se, deste modo, um óptimo convite para qualquer leitor. Nessa proposta literária, realçamos as recomendações de leitura do Um Metro e Cinquenta e Cinco que, além de simples e concisas, são divertidas e educativas. Fora as suas próprias preferências virtuais na categoria Recomendação da Inconstante, Yolanda elabora resenhas descritivas modestamente articuladas, deixando o leitor gozar do seu livre-arbítio ao mesmo tempo que o suscita a curiosidade. Num mundo onde os blogues de teor literário se vêm a vulgarizar, Yolanda Marixe manuseia com estilo e simplicidade a sua singularidade. E qualquer um que se aventure pelos altos tópicos da japonesa por paixão tem satisfação garantida, quer meça um metro e cinquenta e cinco, ou não.
ARICELMA MARTINS CORDEIRO
PERFIL ARTÍSTICO
Nome artístico: Aricelma Cordeiro Data de nascimento: 03/10/1992 Formação acadêmica: Licenciatura em dança Inspirações: momentos, o corpo humano e a vida Aspirações: Fazer Angola ver a dança como algo mais que puro entretenimento e desenvolver um projecto para criação de salas de aulas de dança em comunidades carentes. Estilos de dança: Danças urbanas, Jazz e sapateado. Público Alvo: Pessoas de todas as idades, principalmente as menos sensíveis. Motivação artística: A necessidade de comunicar e sensibilizar. Trabalho apresentado: O solo autobiográfico “Grafitti Anatómico”. Participações em Espetáculos: • Ritmo Cuca Street Dance – grupo Explosivas, Angola • Festival internacional Rio H2K, Brasil • Festival internacional de Curitiba, Brasil Companhia/ grupo: Professora de dança e integrante do Colectivo Experimento16. Projectos em que está inserida ou desenvolvidos por si: Projecto (E)Motion, idealizado por Aneth Silva. Projecto de sua monografia – Corpo: das suas diferenças sócio-culturais e históricas à sistematização de uma dança urbana – kuduro – que foca na identidade das danças de rua e na sistematização de danças como o Kuduro. Contactos: E-mail: aricelma16@hotmail.com Instagram: @ary_du_dance_teacher Facebook: www.facebook.com/AricelmaCordeiro
Agosto/Setembro 13
E N T R E DA N Ç A S
PERFOMANCE ARTE E OS COMPILADORES CULTURAIS Texto: Aneth Silva |Kj.priscilla@gmail.com O que é o corpo? O que move o corpo? O que o corpo pode mover? Que corpo pode mover? – questões frequentes que recebem respostas momentâneas a cada performance apresentada –, profere Eleonora Fabião no artigo Performance e Teatro: poéticas e politicas da cena contemporânea. A “Performance Artística” surgiu na década de 1960, como uma modalidade de manifestação artística interdisciplinar que pode combinar teatro, música, dança, poesia ou vídeo, mas que não se enquadra em nenhum desses formatos separadamente. Ela é tudo aquilo que as outras artes não são, ou seja, tudo que é descartado ou não cabe nas artes cénicas, visuais, etc. é levado para a performance, fazendo com que seja parte de uma nova cadeia de linguagens que vem se desenvolvendo. Com ou sem público, a “Performance Artística” foge a qualquer formatação de espaços físicos – podendo ser apresentada numa árvore, cubo, casa, num banheiro, na escada e na parede ou em qualquer lugar decidido pelo artista. Os elementos usados na cena podem ser até mesmo um corpo nu, exposto e totalmente livre para ser lido pelo espectador, esperando apenas tornar essencial o que é real, aquilo que faz parte da sua vivência, do ser vivo e potente que afecta e se deixa afectar, evitando uma forma de exibição que seja ordinária e superficial. Como explica a performer Eleonora Fabião: A meu ver, a força da performance está em turbinar a relação do cidadão com a polis; do agente histórico com seu contexto; do viven14 Palavra&Arte
te com o tempo, o espaço, o corpo, o outro, o consigo. Esta é a potência da performance: des -habituar, des-mecanizar, escovar à contra-pêlo. Trata-se de buscar maneiras alternativas de lidar com o estabelecido, de experimentar estados psicofísicos alterados, de criar situações que disseminam dissonâncias diversas: dissonâncias de ordem econômica, emocional, biológica, ideológica, psicológica, espiritual, identitária, sexual, política, estética, social, racial... (FABIÃO, E. 2009). Trata-se de promover experiências, focar no lugar da experimentação de acontecimentos, de abrir a percepção para a descodificação de signos. O performer coloca-se no lugar de aceitar a reacção do corpo mesmo sem saber qual vai ser, colocando-o em evidência, investigando, potencializando a mutabilidade do vivo, e gerando-o além dos seus limites por meio dos seus programas performativos. Quando se investiga o corpo você se indaga sobre os limites desse corpo. Essa é uma questão que tem aparecido desde a segunda metade do século XX no mundo todo, e principalmente no mundo ocidental, por uma razão muito simples: a tradição ocidental sempre o exculpou das discussões – o corpo não interessava, era aquilo que atrapalhava, o corpo era pecaminoso – e toda a atitude contrária a essa ideia colocou em evidencia os limites desse próprio corpo. (Lúcio Agra, 2013). Para que possa ser reproduzida em outros momentos ou locais, sendo que, na sua maioria, é apresentada para um público restrito ou mesmo ausente, depende de registos – fotografias,
Foto: Rui Tavares vídeos e/ou memoriais descritivos. Mas torna-se essencial pensar na performance com a pretensão do outro, pensando que ela só acontece quando o artista e o público se envolvem com a proposta, dedicandose plenamente a ela. Pois, apesar de algumas tendências dramatúrgicas gerais da performance terem sido já apresentadas, é um género tão multifacetado e aberto que foge a qualquer definição ou padrão que queira ser definido para a mesma. Assim, dentro de sua reflexão, Fabião (2009) traz-nos palavras que podem ser ou vir a ser uma alternativa à sua definição: [...] As práticas desses performers expandem a idéia do que seja ação artística e “artisticidade” da ação, bem como a idéia de corpo e “politicidade” do corpo. Fácil seria dizer que se tratam de operações adolescentemente provocativas promovidas por um punhado de
sadomasoquistas e/ou idiossincráticos para chocar o “senso-comum” (que aturdido perguntasse “o que é isso?” “para quê isso?” “afinal, o que eles querem dizer com isso?” “isso é arte?”). Porém, não há nada de fácil em lidar com a potência cultural dessas presenças, verdadeiras fantasmagorias assombrando noções clássicas ou tradicionais de arte, comunicação, dramaturgia, corpo e cena. Performers são, antes de tudo, complicadores culturais. Educadores da percepção ativam e evidenciam a latência paradoxal do vivo – o que não pára de nascer e não cessa de morrer, simultânea e integradamente. Ser e não ser, eis a questão; ser e não ser arte; ser e não ser cotidiano; ser e não ser ritual. (p. 237)
BIBLIOGRAFIA
VIDEOGRAFIA
FABIÃO, Eleonora. Performance e Teatro: poéticas e politicas da cena contemporânea. 2009. Artigo de pesquisa encontrado em: http:/www.revistas.usp.br/salapreta. Visitada em Junho de 2016.
GOMES, Williane e TRIGUEIRO, Vanessa Paula. PerFoda-se: um documentário sobre a arte da performance arte. RN, 2013
Agosto/Setembro 15
FORA DE CAIXA
Sebastião Delgado, um dos colossos da nossa indústria gráfica Detentor de um curriculum invejável que remota do final dos anos noventa, desempenhando funções como Designer Gráfico, Motion Design, Desenhador, Ilustrador, tendo passado por empresas de renome na área gráfica tais como Orion, Marketing Link, M’LINK, Maianga Produções. Além disso, desempenhou funções administrativas variando entre Director Administrativo, Director Executivo à Director de Projetos. É indubitavelmente um dos colossos da nossa indústria gráfica.
Entrevista por Isis Hembe de Oliveira | quebra.tendencia@gmail.com
16 Palavra&Arte
Palavra&Arte: Olhando para sua carreira, como conceitua a arte gráfica? Sebastião Delgado: Assim como todas outras formas de expressão, a arte gráfica é uma necessidade que sempre acompanhou a civilização humana. A necessidade de passar uma informação com objectividade e eficiência faz da arte gráfica algo indispensável. P&A: Desde 1999 para cá, houve, claramente, uma evolução tecnológica astronómica. Ao seu entender essa evolução técnica se reflecte em qualidade na nossa indústria doméstica? S.D: A evolução tecnológica reflectiu-se em qualidade e quantidade. Hoje há mais Agências de Publicidade e Marketing e Produtoras assim como designers gráficos que não podem ser confundidos com “Panfletistas”. P&A: O que leva um menino de pouco mais ou pouco menos de 21 anos de idade a enveredar para as artes no contexto em que Angola vivia 1999? S.D: O dominar das técnicas do desenho tradicional ajudou-me muito a safar-me de alguns vícios da adolescência e seguir este rumo. Antes sem direcção e para ganhar a vida, fazia os trabalhos de E.V.P dos vizinhos do bairro, depois passei a desenhar letras nas igrejas “for free”, de graça (sorriso) e depois paredes das empresas a ganhar algum. Mas, graças a Deus, na busca do primeiro emprego, conheci o Sérgio Guerra que deu-me uma oportunidade e o resto foram muitas noites perdidas (risos). P&A: Quais eram as referências profissionais que haviam naquele período, isto é, no período de pré formação? S.D: Como desenhador, já havia alguns nomes como do espectacular Xavier que desenhava nos edifícios, e até hoje nunca descobri a técnica dele (sorriso). Para designer, na época, não havia muitas referências, talvez porque pouco sabia a respeito, mas houve a Executive Center e a Rúben Design.
Agosto/Setembro 17
“O designer gráfico nunca deve sentir-se autónomo quando está a prestar serviço”
P&A: A impressão que se tem, para quem vê de fora, é que os artistas gráficos são demasiado autónomos, dificultado assim as honrarias que deviam ser feitas a quem desenvolve um trabalho de qualidade. Como vê essa questão? S.D: (Risos)… Realmente essa é a impressão que se tem dos designers. Tudo é uma questão de disciplina e educação de cada indivíduo. O que deve exigir-se dos designers é prazo e não horário. Pode haver uma flexibilidade no horário de entrada, afinal, ele não pode vir trabalha quando os outros estão a sair, mas tem de ter senso de responsabilidade. De nada serve um designer que chega às 6h30 e sai às 16h30. Ele deve honrar prazos, “dead line”. O designer é um profissional que faz uso do seu conhecimento técnico, psicológico, cultural, estético, ético e não pode se repetir os trabalhos, a campanha “Z” é igual a “A”. Esta repetição só aparece quando o designer está descontente, dorme pouco, está aflito ou tem preguiça. Se dormires bem, acordas bem, comes bem, trabalhas bem, e ganhas bem. Assim voltas a dormir bem. É assim o ciclo de viver bem. O designer gráfico nunca deve sentir-se autônomo quando está a prestar serviço ou é funcionário de uma empresa. Deve tornar-se parte do grupo de trabalho. Não criar a relação de “Vendedor e Cliente” ou do “Craque sabe tudo”. Este comportamento vaidoso deve se evitar, pois não traz felicidade nem harmonia ao trabalho. É muito importante haver felicidade no trabalho, a criatividade flui.
18 Palavra&Arte
P&A: E por falar em honrarias, além de si próprio, qual profissional indicaria como referência para a nova geração? S.D: São vários, mas vamos a alguns nomes: Carlos Guimarães, Cláudio Rafael, Tche Gourgel, Januário Jano, Manetov Verga, Gervásio Melo, António Páscoa e Seba Lopdel (risos). Estes designers, com o seu trabalho, têm levado as marcas e o nome de Angola além fronteira. Tenho aprendido muito com eles. Quando eu for grande, quero ser como eles (risos). P&A: É possível identificar um legado das gerações passadas para a actual geração? E se sim, ele é assimilado pelos novos? S.D: O nosso legado não é uma linha gráfica “mwangolé”, mas sim, como o exemplo de que os angolanos podem fazer coisas boas a nível nacional e internacional. Somos tão criativos que podemos fazer brotar flor no deserto. Isso tem sido assimilado, sim. Para mim, este é o legado e a história que eu, Sebastião Delgado, quero ajudar a escrever em Angola e no mundo. P&A: Que expectativa tem em relação à nova vaga de artistas gráficos? S.D.: Tenho muito boas expectativas dos designers. O domínio das técnicas e ferramentas já é aceitável. Brevemente estarão a criar uma linha gráfica angolana sem igual com aceitação nacional como o Semba, Marimba, Samakaka e o Mufete. P&A: A formação nessa área parece ainda não ser tão explorada. O que impede os profissionais ex-
perientes a criarem ateliers de formação artística? S.D: A carência é real e berrante em Angola para formação profissional dos designers gráficos. Nós, profissionais desejamos muito dar formação, mas esta tarefa deve ser um trabalho conjunto com forte participação directa do Estado angolano e dos designers profissionais. Para montar um centro de formação, precisa-se de autorização, dinheiro e etc, etc. Este trabalho social e colectivo deve ser acompanhado pelo Ministério da Educação, Min. da Comunicação Social, Min. da Reinserção Social, Min. das Ciências e Tecnologias, Min. da Saúde, Min. da Justiça e Designers profissionais. Nós conseguiríamos criar postos de trabalho e evitar o caminho de muitos jovens para criminalidade, dando-lhes uma formação técnico-profissional. P&A: Que caminhos apontar aos potenciais interessados nessa forma de arte? S.D: Para os potenciais interessados, o caminho é fazer o curso de desenho para quem consegue desenhar (OBS: O bom designer nem sempre sabe desenhar), curso de línguas, curso de informática, nos softwares, Adobe Photoshop, Adobe Ilustrator, Adobe After Effects, Adobe InDesign. Ler muito, ter mente aberta, fazer para aceitar as diferenças sociais e culturais, assim como opções de cada um, pesquisar muito, praticar, criar uma análise filosófica e aceitar críticas, ser humilde e ser paciente. Terminamos assim a entrevista esperando tê-lo em outras ocasiões.
Agosto/Setembro 19 Palavra&Arte 19
ENSAIO As Ilhas no “Insular” de Aline Frazão Análise de alguns textos na relação com a situação sociopolítica do país Texto: Mário Henriques a.mariodh@hotmail.com
Estamos cansados de ouvir músicas cujos textos são de temas repetitivos, que dizem tudo, tudo que o autor do mesmo achar, não dando nenhuma margem de dúvida, de mistério, incerteza, ou curiosidade a quem ouve, a quem lê. Dizem cantar o amor, mas cantam traição, infidelidade, poligamia, cantam desrespeito à mulher. Por isso, sugerimos Aline Frazão. Não pretendemos falar da sua capacidade musical, vocal e de interpretação que, verdade se lhe diga, são extraordinárias e nota-se logo na alma que ela emprega ao musicar textos que até não são de sua autoria como “a louca” e “o som do jacarandá” de Capicua e de Ana Paula Tavares respectivamente, do último álbum. O que nos interessa aqui é o texto, órfão da sua musicalidade. Interessa-nos, nos seus
textos, o que ela não diz, o que está por detrás das palavras. Ou seja, importa-nos analisar a poética nestes textos cantados, relacioná-la ao que o título – “Insular” – sugere e, principalmente, leituras possíveis relacionadas à realidade sociopolítica do país. Assim, o “Insular” pode ser compreendido como um isolamento provocado pela saturação do “comum” do dito “normal”. E tudo à volta do álbum – tudo que não tem a ver com o texto ainda – remete-nos a isso. A começar pelo local escolhido por ela para a gravação do álbum: uma ilha escocesa. Distante do espaço urbano habitual, “longe do ruído do betão” , 1 ela constrói este álbum. Mas como disse, não nos interessa o álbum para este artigo.
1 Insular do álbum Insular
20 Palavra&Arte
Foi-nos fácil notar o domínio que ela tem com a palavra, pois a sua poesia, como, supostamente, qualquer poesia, não diz literalmente nada. Ao lermos o “A prosa da situação” , perguntamo-nos o que quererá ela dizer. “Noticiário abriu outra vez anunciaram que o ouro azul de chão tem dono tem dono […]” Para respondermos a esta pergunta, temos de ter em conta duas leituras a esta estrofe – primeira do texto em análise: a primeira remete-nos ao que as palavras dizem, segundo os seus significados primários. A segunda resultará do que estiver por trás das palavras, tendo em conta ao contexto. Sendo ela angolana, nascida em Luanda e, tendo em conta a sua capacidade crítica a aspectos sociais, demonstrada em outros fóruns, podemos construir uma segunda leitura:
“Para entendermos melhor precisamos perceber que esta palavra tem como significado primário “pequena porção de terra no meio da água, isolando, a fim de preservar, vidas marinhas”
“Noticiário” remete-nos à informação formal, pela comunicação social, e informal, transportada pela boca do povo. “Chão” remete-nos a todos bens naturais e produzidos, que, supostamente, pertence a todos angolanos, mas que só um grupo pequeno tem acesso e é por todos sabido, ou seja, “…o ouro azul deste chão/ tem dono” há mais de trinta anos. Só os reis demoram anos a fio no poder. Tendo em conta a isso, a autora de “Insular” sugere-nos que, talvez, tenhamos um rei ao invés de um presidente, pois “… quando o rei fala, o reino cala” .
Agosto/Setembro 21
Porém, esta obra, ou melhor, os poemas cantados nela, sugerem-nos mais do que isso. Não sabemos se intencional ou não, mas, tal como o título sugere, em alguns textos há2 uma ilha, um “Insular”. Não porque encontramos a mesma palavra em alguns, mas pelas imagens que os mesmos apresentam. Ainda em “A prosa da situação” há uma ilha. Para entendermos melhor precisamos perceber que esta palavra tem como significado primário “pequena porção de terra no meio da água, isolando, a fim de preservar, vidas marinhas”. A partir daí, podemos construir um campo semântico, ou seja, ilha pode ainda significar, “isolamento”, “distanciamento”, “despartilha”, “preservação”. Por esta ordem, há uma ilha neste poema a partir do momento em que os recursos naturais – “… o ouro azul deste chão…” – e tudo produzido a partir deles serem consumidos por uma minoria – “a nobreza de pé/aplaudindo de mãos gordas” –, constituída pelo rei e os seus conselheiros, que formam uma ilha no meio de uma multidão de oceano que é o povo – “…quando o rei fala, o reino cala”.
Nesta procura, o sujeito poemático sofre uma desilusão, pois não encontra aquele que era suposto orientá-lo. Numa descodificação mais específica, podemos concluir, como sugestão, que esta desilusão remete-nos à mesma que os angolanos carregam há anos, que agora se acentua com a crise e consequente com a falta de uma orientação, liderança. Mais uma vez, este ser superior isola-se, afasta-se, pois ninguém o encontra. Aqui está a “ilha”, mais uma vez. Vejamos também a segunda estrofe que sugere-nos, exactamente, que o povo passa necessidades:
No texto “só silêncio” , o sujeito poético procura um ser superior a ele, que, supostamente, deve encontrar-se a um nível superior ao dele. E quando procuramos por um ser superior a nós, é porque nos encontramos desorientados, precisando de uma linha de orientação. Vejamos a primeira estrofe:
“Quando o sol nascente 4 deixou ver no horizonte a ilha se estender como um manto em tons de prata à luz do amanhecer […]”
3
“Subi a montanha não voltei procurava deus não encontrei […]”
2 Sexta do álbum 3 Verso da segunda estrofe de “A prosa da situação” 4 Segunda faixa do álbum
22 Palavra&Arte
“O povo esperava e da esperança fez-se silêncio” No meio desta necessidade encontra-se uma minoria que não sente estas dificuldades, formando esta “ilha”. Em outros poemas cantados é mais nítido a “ ilha”, o “insular”, como no texto que dá título ao álbum:
Assim também, no poema “O homem que queria um barco”, a “ilha” é mais simples de ser descoberta: “Dizem que ela não existe que ilhas já estão todas escritas que somos loucos os dois
que morreremos de sede sob o sol e nem sabemos navegar […]” Portanto, podemos concluir que os poemas cantados da cantora angolana estão carregados de sugestões de leitura, algumas delas, aqui, acabadas de serem analisadas. E no final perguntamo-nos: é poetisa que canta ou cantora que faz poesia? Seja como for, Aline Frazão é uma artista de mão-cheia.
Faixas musicais que compõem o álbum 1. Insular 4:32 2. Só Silêncio 3:25 3. A Louca 4:57 4. O som do Jacarandá 3:12 5. Império perdido 3: 45 6. A prosa da situação 4:09 7. Mascarados 4:50 8. O homem que queria um barco 4:37 9. Langidila 4:48 10. Sol de novembro 2:57 11. Susana 3:25
Foto de Dinis Santos
Insular Géneros: Pop, Rock, Mundo, Jazz Lançamento: 20/11/2015 Edições Valentim de Carvalho S.A.
Agosto/Setembro 23
Estilos e Cores
POP ART
Vilã ou Mocinha? Texto:: Isis Hembe de Oliveira quebra.tendencia@gmail.com
Numa era de consumo desmedido, de luta contra o tempo, de pouco espaço para contemplações, a arte ainda é necessária. A prova disso, encontramos em pincéis, colas e telas que, mais especificamente, em 1950, na Inglaterra e em 1960, nos EUA, reuniramse em forma de Movimento para enquadrar os artistas nos padrões capitalistas. O crítico britânico Lawrence Alloway baptizou este movimento de Pop Art. Esse movimento artístico trazia como base a incompatibilidade da arte mais conceitual com a vida do homem moderno – aquele que mal tem tempo para jantar em família, não terá, certamente, tempo para desvendar uma mensagem mais complexa de uma obra de arte. 24 Palavra&Arte
Como resposta a essa situação, os adeptos desses estilos apontavam para um caminho apelativo, aliando-se à publicidade e a uma coloração chamativa, uma linguagem que muitos críticos poderiam, facilmente, aliar ao conceito de fastfood. No entanto, fazendo uma análise despida da busca do Graal estético, compreende-se que, doutro modo, os artistas estariam, praticamente, excluídos da vida económica. Assim se forma um paradoxo interessante. Se, por um lado, os críticos e a sociedade em geral apreciam a nobreza daquela arte reveladora dos mundos insondáveis da expressão da alma humana e afins, por outro lado, vemos um homem completamente à margem desses valores, dando a impressão que a sociedade
“Fazendo uma análise despida da busca do “Graal” estético, compreende-se que, doutro modo, os artistas estariam, praticamente, excluídos da vida económica.” quer ver os artistas numa vitrina, sem porta que permita o acesso às suas obras. E os artistas, morrem de fome? Aparentemente, sim. Mas morrem na condição de potentia génios – génios em potêncial –, porque a sociedade valoriza mais o artista mártir que teve uma existência horrenda, mas conseguiu, ainda assim, criar uma coisa de valor. Mesmo que depois ninguém se importar em dar os devidos louros ao artista, o que importa mesmo é colocar o seu nome no panteão dos mártires, ou numa calçada da fama qualquer. Não aceitando o Pop Art, estaríamos a renegar os valores com que redigimos nossas vidas.
O termo Pop Art (abreviação das palavras em inglês Popular Art) foi utilizado pela primeira vez em 1954, pelo crítico inglês Lawrence Alloway, para denominar a arte popular que estava sendo criada em publicidade, no desenho industrial, nos cartazes e nas revistas ilustradas. Algumas características do Pop Art : Linguagem figurativa e realista referindose aos costumes, ideias e aparências do mundo contemporâneo; Temática extraída do meio ambiente urbano das grandes cidades, de seus aspectos sociais e culturais: história em quadrinhos, revistas, jornais sensacionalistas, fotografias, anúncios publicitários, cinema, rádio, televisão, música, espectáculos populares, elementos da sociedade de consumo e de conveniências (alimentos enlatados, geladeiras, carros, estradas, postos de gasolina, etc.); Ausência de planejamento crítico: os temas são concebidos como simples motivos que justificam a realização da pintura; Representação de carácter inexpressivo, preferencialmente frontal e repetitiva; Combinação da pintura com objectos reais integrados na composição da obra como flores de plástico, garrafas, etc., como uma nova forma dadaísta em consonância aos novos tempos, etc.
Agosto/Setembro 25
ATELIÊ
ARTE CONTEMPORÂNEA AFRICANA Um percurso ainda por definir? Por: Luamba Muinga edymuinga@gmail.com
Com a finalidade de analisar e reflectir questões ligadas ao estado da arte contemporânea africana, o Lab Art&Co e o Camões realizaram no mês de julho um debate com participação da crítica de arte e galerista bielorussa Valerie Kabov. O Palvra&Arte traz a análise de um percurso africano reflectido no debate. Found Not Taken, ensaio fotografico de Edson Chagas, artista angolano, na Bienal de Veneza 2013
Brevidades de um percurso – desde o início do século Antes de começar o debate, uma referência a um ensaio de Adriano Mixinge, crítico de arte angolana, em que cita um caso que poderia ser dado como um dos vários passos para o reconhecimento da arte contemporânea africana a nível do mercado global de arte. O caso relatado em Agosto de 2001 envolve uma colecção africana do British Museum que “voltava ao edifício principal depois de 30 anos de exilo no Museu de Humanidades de Londres”, nas palavras de Beverly Andrews. No ensaio, ainda é mencionado a posição de Chris Spring, conservador do museu, afirmando querer, até aí, que a arte africana tivesse a mesma apreciação que a arte romana e grega e que “a percepção pública da arte africana trocou consideravelmente, mas ainda continua a haver muitos que resistem e persistem em continuar com os conceitos tradicionais” Convidada pela Lab Art&Co para o Conversas Lab, realizado a 14 do mês passado no Camões – 26 Palavra&Arte
Centro Cultural Português –, Valerie Kabov começou por mencionar o começo significante da arte contemporânea africana para o mercado global há, sensivelmente, dez anos, referindo que a mesma se tenha dado com o desabrochar da independência dos países africanos, em meados do século passado. Continuou: “em 2005, o Afrika Remix Exhibition, embora não tenha sido a primeira exposição da arte contemporânea africana no ocidente, foi uma das que mais impacto teve, não somente por reunir alguma variedade de artistas do continente, mas por expor estes artistas para o maior mercado cuja exposição teve passagem por Paris, Londres, Tóquio, Munique, Estocolmo e Dusseldorf.” Valerie Kabov diz que não lhe tinha surpreendido que, em 2007, fosse criado o primeiro pavilhão africano na Bienal de Veneza, curado por Robert Storr que, depois de ver o sucesso do Afrika Remix, inspirou-se a criar um pavilhão que, no entanto, foi bastante controverso porque, enquanto existiam pavilhões nacionais para a cada país, África teve um
único pavilhão com representantes de alguns países africanos. Artistas e curadores africanos viam-se ofendidos por verem que África era representado como um país. Acredita-se ser este motivo inspirador do 1:54, actualmente, uma das principais feiras de arte contemporânea africana, começada em 2013 em Londres. O nome 1:54 quer dizer 1 continente, 54 países. A presença africana vai sendo melhorada a cada ano que passa. Por exemplo, em 2009, Egipto e Marrocos conseguiram um pavilhão, Africa do Sul e Zimbábue em 2011, em 2013 Costa do Marfim e Angola, que venceu um leão de ouro por melhor pavilhão, representado pelos curadores Paula Nascimento e Stefano Pansera. Em 2015, Moçambique vê seu pavilhão na bienal. A atenção do ocidente no mercado africano
vre, recentemente surgido, no qual o ‘cânone’ perdeu a validade, e ‘inventam’ a sua própria história da arte.” Voltando ao Conversas Lab, Valerie Kabov questiona como seria então, se o mercado africano caísse naquela atenção de mercado que o ocidente procurava. Para responder a essa questão, sugere: “é preciso perceber que, neste momento, o mercado africano está numa situção diferente a de muitos, são enormes os problemas que estão nos sistemas de apoio dos governos locais, sitemas de ensino de arte, galerias viáveis, e um mercado autónomo. Isto significa que os artistas podem não ser autosuficientes num mercado de alguma ‘turbulência’, o que, por um lado, facilita tal inclusão do ocidente. “O que pode se fazer acerca disto?” Pergunta. “Pelo rumo do mercado, se não darmos atenção, e com o interesse do ocidente, os artistas africanos tendem a abandonar os nossos países para mercados aparentemente mais organizados, porque aqui não há suficientes galerias, obtendo as regalias daqueles mercados. Artistas africanos, no lugar de produzir localmente, acabam por estar preocupados com a atenção do olhar do ocidente”, concluiu a crítica e galerista bielorrussa.
Longe da Bienal de Veneza, a arte contemporânea africana tem obtido outras formas de representações, quer em feiras, no ocidente, quer internamente. Com isto, tem havido uma maior atenção do mercado.“O que não pressupõe, logo, que África possua já um mercado de arte forte”, ressalva Valerie Kabov, que olha a forma como o mercado ocidental encara “Por outra, questiona a arte africana como proo africano do mesmo jeito que olhava o asiático e o duto das instituições de nações ocidentais em Áfrilatino-americano. ca, pelo crescente número de fundações de arte do ocidente com operações no mercado africano. O su“A academica que vem estudando mercados de porte por eles cedido não é algo ‘de graça’”, afirma arte há mais de 20 anos menciona que a atenção vira- a co-fundadora do First Floor Gallery Harare, uma da ao mercado de arte africano surge a partir da aten- galeria que tem apostado na promoção e formação ção que o mercado ocidental tem perdido ao longo de artistas no Zimbábue. “Esse suporte cedido acaba dos tempos. Acredita ela que o mercado perdeu aten- por vir de alguma maneira com condições ideológição por instabilidades económicas, ambiente político, cas, e”, mencionou ainda, “que projectos de arte bem incertezas no próprio mercado ocidental, ou seja, por sucedidos têm de possuir tais condições e parâmeuma crise que faz o mercado focar-se, de alguma for- tros dessas fundações. Com isto a acontecer, muitas ma, em artistas antigos e já mortos, mas também pela vezes, a arte africana é moldada por interesses destes ausência do ‘novo’”. financiadores.” Este caso, acima referido, leva-nos a algumas declarações do historiador alemão Hans Belting em seu livro O Fim Da História Da Arte: “A despedida do valor da novidade é inevitável, caso se queira manter viva a arte. A arte não está morta. O que acaba é sua história como progresso para o novo”. E ainda: “minorias de diferentes procedências utilizam o espaço li-
Como escape, traz a responsabilidade aos artistas e fazerem um trabalho duro, a fim de criar um mercado africano auto sustentável, e as instituições governamentais, ou não, possuirem maiores apostas na educação artística e nos sistemas de galerias.
Agosto/Setembro 27
Exibição da peça Roque - romance de um mercado
FORA DE CENA
TWANA TEATRO O romance de um grupo do Sambizanga que sonha com o mundo
Entrevista por: Luamba Muinga | edymuinga@gmail.com
Fundado há 14 anos por um leque de jovens do então município do Sambizanga, Twana Teatro teve a sua primeira aparição pública no dia 25 de Dezembro de 2002, com a exibição da obra cómica intitulada “A união faz a força”. A Palavra&Arte teve uma conversa com os responsáveis pelo grupo, Victor Sampaio e José Martins, que falaram desse trajecto construído desde 2002 e que já conta para este ano uma projecção internacional com a peça “Roque – O romance de um mercado”. 28 Palavra&Arte
Comecem por falar um pouco sobre o Twana Teatro. Como surgiu? Victor Sampaio: A ideia era criarmos um grupo carnavalesco. Eu já actuava num grupo da igreja e tinha dois amigos que dançavam para o Cabocomeu. Só que a ideia de grupo carnavalesco não nos parecia bem, ou seja, treinar o ano todo para só apresentar uma vez por ano. Queríamos algo que nos permitisse alguma regularidade. E optamos pelo teatro. Nesse processo, do surgimento até agora, conseguiram um grande repertório de peças e espetáculos? Victor Sampaio (VS): Já, sim. Bem, é um leque grande de espéctaculos e, naturalmente, há alguns que se destacam como é o caso da peça “A união faz a força”, que é uma estreia do grupo, ainda há “Luanda – A cidade do diabo” que nos permitiu fazer uma digressão por Benguela, Kwanza Sul, Caxito. A peça é uma homenagem à cidade de Luanda com todos os seus aspectos sociais, sobretudo negativos, que se vivia na altura (2003). Já actuamos em seis províncias. José Martins (JM): Esta peça (Luanda – A cidade do diabo) é uma crítica social àquelas vivências, às confusões de Luanda, àqueles males, àquelas reclamações do citadino, algumas que até agora continuam. Esta mesma peça ainda evoluiu, deu lugar a “ Luanda – A casa dos Loucos” que nos rendeu um prémio na categoria “Revelação” do extinto “Prémio Cidade de Luanda”, edição 2010. São até agora muitos espetáculo, e, no meio, existem outras peças que podem não ter a mesma dimensão, mas marcaramnos imenso. Que tipo de mensagens é que vocês pensam que as vossas peças devem ou estão a passar? JM: A nível de mensagens, os nossos espéctulos têm de tudo um pouco: desde mensagens de resgate dos valores morais, questões sociais, como a violência, fuga à paternidade, abortos, valores religiosos, etc., além de abordar temas sempre actuais, quer sejam de Luanda ou de nível nacional. Temos peças
Roque – Romance de um Mercado Autor: Hendrik Vaal Neto Direcção e Adaptação: Víctor Sampaio Género: sociodrama Duração: 50 minutos Classificação: Maiores de 12 anos Idade: 8 anos de cartaz O Roque Santeiro era a Luanda degradada, muitas vezes, a Luanda do lixo e do luxo, a contradição perfeita entre o velho e o novo. Nesta era moderna onde a globalização masturba constantemente os nossos pensamentos, o Roque foi o musseque em forma de gente, sujo, fétido, poeirento e marginal onde enfatados e pés descalços se encontravam para ganhar dinheiro. Afinal, sobre o maior mercado a céu aberto de Angola podem ser escritos vários capítulos de uma autêntica viagem a um mundo perdido no tempo... com temática histórica que funcionam um bocadinho como os romances históricos, ou seja, tocam as histórias de Angola, da cidade de Luanda, bem como tocam um bocadinho na própria história do mundo. Estamos a falar, por exemplo, da peça “Roque – O romance de um mercado”, onde falamos desde a fundação da cidade de Luanda em paralelo com a evolução da mesma e com as questões sociais encontradas bem claras. VS: Tudo isso com um bom senso crítico a par da própria criatividade e do processo de evolução dos tempos e do mundo. Muito além desse tipo de mensagem, pode ser encontrada nas vossas peças alguma consciencialização político-social?
Agosto/Setembro 29
VS: A componente social é mais forte, mas acaba por ser um bocado política. Afinal Luanda, o país, é governado por dirigentes políticos e são esses que encaminham a sociedade. É preciso a máxima atenção em perceber até onde estamos a ser dirigidos, se bem ou não. Na peça “Luanda – A cidade do diabo”, tem por exemplo essas duas componentes, porque, às vezes, nós, os citadi-nos, gostamos de apontar o dedo sem olhar para que tipo de contribuição damos para ajudar esse mesmo governador. Temos que perceber qual é a nossa parte nos problemas sociais. Nota-se frequentemente um grande número de apresentações de comédias e sátira e tão poucas de outros géneros. Em quais gêneros vocês buscam passar essas mensagens? VS: Exploramos de tudo um pouco, principalmente as comédias e as tragicomédias, para assun-tos que requerem mais seriedade, mas com alguma descontracção. Para não parecer pesado de-mais, e deixar o público um pouco assustado. A comédia e a tragicomédia funcionam como uma terapia usada para uma crítica social e também para uma boa recepção. O público vai ao teatro é para relaxar, e para apreender, por isso temos também a componente pedagógica. JM: Na verdade, tem de haver flexibilidade. Embora tenhamos peças que refletem outros gêne -ros. A peça “Um Teste para Vida” (2006) que é um drama que aborda questões do aborto é um exemplo de como podemos ser versáteis. Fora da zona de conforto, qual é o gênero que optariam fazer para passar as mesmas mensagens, mesmo receando esse ambiente pesado? VS: Seria a tragédia. Sem ser tragicomédia?
30 Palavra&Arte
JM: Sim, só mesmo. Assustar de forma artística e comovente. A produção de texto dramático ainda é escassa na nossa literatura. São poucos os escri-tores que escrevem este género. Como é a vossa relação com os textos literários? JM: É boa, tanto que nós estamos sempre na esteira das poucas obras que existem. Aliás, durante algum tempo, em Angola, fugia-se das adaptações, buscar obras já escritas tipicamente no drama para a própria criação artística. Os directores, os encenadores eram os dramaturgos. Durante muito tempo foi assim a nível geral e não fomos a excepção. No caso, o Victor escrevia mesmo as peças do grupo, mas a relação é boa com a literatura porque há abertura. Se aparece um texto dramático que é bom e nos dê alguma ideia, trabalhamos. Tanto que estamos a fazê-lo na obra “A visita” de Fragata de Morais, que é um texto dramático. Outra coisa é trabalhar com texto dramático e outra diferente é com adaptações: o nível de responsabilidade, as exigências não se-rão os mes-
“Muitas vezes, dividimos essas poucas salas com mais alguma coisa: ou é uma festa, ou funerais, tudo na mesma sala. “
VS: Diversificamos também nas regiões. Buscamos contos ou provérbios nas regiões kimbundu ou umbundu, tentamos conciliar de tudo um bocado para resgatar esses saberes. P&A: Vocês têm alguma peça que é específica ou totalmente baseada em algum conto tradi-cional?
O grupo em ensaio, na peça Clandestinos no Paraíso
mos. Muitas vezes, o autor escreve o seu texto baseando numa realidade e tu queres trabalhar esse texto para outra realidade. VS: Além dos que já trabalhámos: Clandestinos no Paraíso (2016), adaptada da obra de Luís Fer-nando, Roque – Romance de um Mercado (2008) adaptada da obra de Hendrik Vaal Neto, temos agora este do Fragata de Morais. Pessoas a que estendemos os nossos agradecimentos. Uma questão muito falada nas artes e outras áreas é a reconfiguração do saber oral ou tradiciona. Qual é a vossa posição em buscar esses saberes e trabalhar, adaptar numa apre-sentação? JM: Nas nossas peças, e é já uma marca para nós, há a inclusão de bordões que têm a ver com o saber tradicional e, em alguns casos, músicas. Recorremos a esse saber muitas vezes, com a inclu-são de alguns provérbios e contos populares.
JM: A peça “A União Faz a Força” de 25 de dezembro de 2002, que é a história do elefante e da união das formigas, é a nossa primeira peça. Só que é bocado para preservar esse saber tradicional. Em muitos casos, o campo de pesquisa dos actores é muito limitado e temos ainda o senão dos actores não terem domínio das línguas nacionais. Isso também dificulta na inclusão de certos elementos da própria tradução, mas temos isso do princípio até agora. Deixando um pouco as mensagens e adaptações. É, para vocês, muito difícil fazer teatro em Angola? VS: Muito. Em todos aspectos, principalmente na questão financeira; algumas vezes para mon-tarmos algum espectáculo a indumentária é da responsabilidade da direção artística do grupo. Há casos em que o actor vem já com indumentária de casa. Há também a questão da cenografia. JM: A dificuldade está justamente ali. Do ponto de vista prático, deviam ser responsabilidade do grupo, a cenografia e o figurino.
Agosto/Setembro 31
Prémios e Participações Primeiro Classificado - No Festival de Teatro do Sambizanga edição 2010 com a obra “Luanda, a Cidade do Diabo” Primeiro Classificado - No Prémio de Teatro Santa Bakita (Cazenga) edição 2014 com a obra “Um dia como outro qualquer ”
dos vossos espectáculos? JM: Temos tido algumas ajudas. Trabalhamos em parceria com a Direcção Nacional para Acção Cultural, que nos tem ajudado muito quer a nível de espetáculos ou a conseguir determinados objectivos. E há também algumas instituições que, quando se lhes bate à porta, conseguem aten-der. Tirando isso, não me lembro de quase nada.
Primeiro Classificado - No Festival de teatro das Igrejas Evangélicas de Angola edição 2014 com a obra “O Abismo”
VS: E penso que nós, os artistas, temos de ter aquele espírito de fazer sacrifícios. Teatro em Ango-la requer muito isso, só assim, hoje, algumas coisas vão melhorando a nível de produção.
Terceiro Classificado - No Fest Bando (Sambizanga) edição 2012 com a obra “A Lanchonete da Esquina”
Já se pode falar em profissionalizar o teatro em Angola ou ainda estamos no fazer por amor?
Grupo revelação (mérito) - No Prémio cidade de Luanda edição 2010 com a obra “Luanda A Casa dos Loucos”
Como avaliam os espaços teatrais nos quesitos estrutural e ideal e se é adequada às necessidades da arte? JM: Paupérrimas! Pouquíssimas salas têm a qualidade que se deseja. Não possuem, por exemplo, luzes que os artistas pretendem e não têm qualidade para o som. Temos, muitas vezes, que nos ajustar, usar a máxima de “quem não tem cão caça como gato”. VS: Muitas vezes, dividimos essas poucas salas com mais alguma coisa: ou é uma festa, ou fune-rais, tudo na mesma sala. Luanda só tem agora duas salas que, apesar das dificuldades, se sobre-põe as outras: a Liga Africana, em que os grupos se vão dividindo, e o Auditório Nginga Mbandi, responsabilidade do grupo Horizonte Nginga Mbandi, onde também há alternância. A maioria dos grupos opta mesmo pela Liga Africana onde há uma gestão mais aberta. Há ainda aquelas adaptáveis, às vezes, o trabalho é numa igreja, salões de festa… E há algum apoio institucional para a realização 32 Palavra&Arte
VS: Já se pode falar e é um processo. Hoje já há uma escola média e uma superior de teatro. Se o executivo já pensa em algo como estas escolas é porque pode se ver uma maneira de melhorar o mercado e ver uma forma de rentabilizar os fazedores. Verifica-se que, antes, para fazer um cur-so de teatro, dependíamos do Ministério da Cultura que mandava grupos estrangeiros para dar espectáculos e seminários. Neste momento, a ideia é que daqui para frente consigamos fazer uma licenciatura de teatro e fazer dela uma profissão como se espera a todos os níveis. É uma coisa de cada vez Há retorno financeiro? VS: Ainda não. Não se conta muito ainda; o Horizonte Nginga Mbandi é um grupo que tem seu auditório, e penso que já consegue ter a vida um pouco mais facilitada em compa-ração aos outros grupos, dado a regularização dos seus espéctaculos que os possibilita, talvez, ter mensalidade que, mesmo não sendo satisfatória para o grupo em si, chega para as despesas básicas do grupo e suprir algumas lacunas. Penso que a rentabilidade passa por alguns grupos fazerem espectáculos com regularidade, pois, quanto mais exibirem-se, mais rentabilizam. E está ali o grande “calcanhar de Aquiles” nas exibições, porque as sa-las são difíceis e os grupos são muitos. Imagina, se tu fazes espectáculo na Liga africana. Agora para
voltares, passas três a cinco meses depois. JM: Não se pode falar de rentabilidade nestas condições. Dentro do Twana, como fazem para lidar com isso? JM: Como nós fazemos? Primeiro consciencializar todo membro e pô-lo a par da situação. Cons-ciente dessa realidade, aliás, todos sabem da situação que o teatro vive, não há muito o que fazer. Fazemos os nossos espétaculos a nosso ritmo e em função disso vamos tirar alguma coisa que não serve ainda para cobrir todas as despesas, mas para, pelo menos, cobrir 50 a 60 por cento das despesas das necessidades do grupo. Agora, para salário a nível do pessoal, ainda não temos. Tentámos fazer algumas parcerias e juntar ideias para poder conseguir um espaço que nos dê regularidade.
Temos por exemplo a Liga Africana que não é barato ocupar para espectaculos. São custos muito altos que tens de adicionar aos custos de produção do próprio espectaculo. Quanto aos planos de internacionalizar o grupo, como está?
peça. Há alguém que viu a peça e é próximo dos organizadores do festival em Cabo Verde. Viu o espectáculo no Centro Cultural Camões. Durante o espaço de debates “Há Teatro no Camões”, pediu-nos para ver por completo na Liga Africana. Gostou. Daí o convite. Já para fechar, quais são as aspirações futuras do grupo? VS: A criação de um espaço próprio, com as capacidade para escritórios, salas de formação e salas de espectáculos. Que seja adaptável, aconchegante e que seja um espaço de lazer para que as pessoas se sintam confortáveis. Porque nós estamos a pensar no teatro como algo já profissio-nal, que ajude na rentabilidade. As nossas principais aspirações passam por beber de outras ex-periências e construir também a nossa própria marca. Estamos também com vista nos festivais internacionais. Victor Sampaio e José Martins, foi uma honra terem tecido algumas palavras para a Revista Palavra & Arte, pelo que vos agradece a disponibilidade e deseja ao grupo Twana Teatro grandes espectáculos e as maiores actuações. VS e JM: O Twana Teatro é quem agradece pelo convite.
JM: O nosso plano começou ainda em julho com o Festival de Teatro do Cazenga, com a peça “Roque – o romance de um mercado”. Despois vamos para o Festival de Teatro de Mindelo em Cabo Verde, em Setembro. É um percurso que nos vai levar até ao Festival Internacional de Tea-tro do Rio de Janeiro. P&A: Porquê a peça “Roque – o romance de um mercado” e como vos chegou o convite? VS: Porque representa a nossa realidade com alguma actualidade, isto é, pelas características que a peça tem, o caractere histórico da peça. Há pessoas que nunca conheceram o mercado, nem sabem da dimensão do Roque Santeiro a nível nacional e africano. O convite chegou-nos por causa mesmo desta Agosto/Setembro 33
E M
A N Á L I S E
Jovens do Prenda Foto Arquivo: josé Falso - Angop
JOVENS DO PRENDA - ARAUTOS DA MÚSICA POPULAR ANGOLANA Música dos anos de revolta…. Por: Cláudio Kimahenda kontrazte@hotmail.com
O ano de 1960 é, particularmente, conhecido como o “ano rebelde”. Foi neste período que ocorreram as mais profundas transformações sócio-politica-culturais. Surgiram assim movimentos artísticos cujo principal objectivo era a afirmação da sua identidade com base ao tradicionalismo.
34 Palavra&Arte
Enquadramento histórico
Em 1482, os portugueses atracavam na foz do rio Zaire. Consequentemente, em 1484, os autóctones tornaram-se “inquilinos” na sua própria terra. Os “descobridores” partiram para “colonização das terras” (Medeiros 1976), levando cruz e espada. Exportados como “ marfim negro” (Cadornega 1680) para Índia e Brasil. Subjugados a preço de “fuba podre”. A abolição do tráfico de escravos e da escravatura em nada valeu. Tão rapidamente passou-se a “formas mascaradas de servidão” (Ribeiro 1981). Neste período, implantou-se uma colonização baseada na “agricultura e no comércio” como nos diz Carlos Ervedosa, na sua obra Roteiro da Literatura Angolana (3ª ed. 1985); “ confisco de terras ([e de]) castigos
corporais” (Ribeiro 1981) . Tudo se tornou difícil, ao ser instaurado o imposto de trabalho, em 1906, levando os camponeses a assalariar-se. Implantou-se a República Portuguesa em 1910, derrubada pelo golpe fascista que deu lugar ao “estado novo”, em 1920.
O surgimento dos Musseques
nos a analisar um período de efervescência cultural, anos 60. Queremos particularizar um momento que acreditamos ser de busca por identidade e retorno ao tradicionalismo. Queremos, de igual modo, enfatizar o contributo das agremiações, turmas ou conjuntos. Assim sendo, queremos destacar a relevância que teve/tem os Jovens do Prenda para música angolana.
A Música dos anos “rebeldes”
O crescimento das cidades trouxe consigo a divisão de classes. Ou seja, causaram diversas per O ano de 1960 é, particularmente, conhecido turbações que modificaram a fisionomia e o plano como o ano “rebelde”. Foi neste período que ocorrede relações entre os indivíduos. No dizer de Orlando ram as mais profundas transformações sócio-poliRibeiro, na obra A Colonização de tica-culturais, em todo mundo Angola e o seu fracasso (1985), vie“É preciso se reter que, e, em Angola, em particular. ram “multiplicar os musseques”. Lembrar que a palavra “musse- durante os anos 60, havia Por ser uma arte transmitida que”, do quimbundo, significa “ter- uma preocupação desses de forma oral, a música está ra vermelha”. Como nos diz Jomo artistas em escrever can- sempre engajada nas mais Fortunato, para sermos mais prediversas circunstâncias. Ela cisos: “espaço de transição entre o ções com pendor político, propõe valores. Mais do que universo rural e a cidade”. O mus- conhecidas como “música lúdica, a música é símbolo de seque é entendido como espaços contestação. de protesto”. potenciais de criatividade e de desenvolvimento pessoal e comunitário. Carlos Estermann distingue, na tradição oral, quatro géneros que desenvolvem a memória colec Foi nestes bairros periféricos onde nasceram tiva dos povos: são os contos, as canções, os provércanções de protestos e outras manifestações artísti- bios e as advinhas. A música angolana é rica destes cas, proferidas por quem sentia na pele o preço de elementos. viver numa sociedade esclavagista e segregária. É neste espaço que surge o novo movimento cultural Os primeiros “conjuntos” tinham como proangolano. pósito a busca da identidade e reconhecimento. As canções retratavam o seu habitat (o musseque): a vida do autor, a realidade social, o ambiente, infide Os movimentos culturais e agremiações lidade, amor, etc. Estas canções eram acompanhadas por instrumentos de percussão, herdados de Influenciados pelos movimentos vanguardis- outros povos e adaptados aos ritmos tradicionais. tas da europa e pelos movimentos africanistas que provocaram profundas manifestações artísticas e Nos anos 60, a música de protesto assumiapolíticas, surgiram um pouco por toda a parte, mo- se como a mais elementar forma de transformação vimentos e agremiações culturais. É precisamente, Político-social. Bandas como os Beatles (1962), os neste momento, que a música angolana irrompe Hippies (196…) e outros, com seu ideal progressista, mudando o paradigma. Esse artigo abre uma dis- influenciaram, de certo modo, as revoluções sociais cussão sobre os movimentos que surgiram na déca- e culturais dessa época. da de 1960. MBangula Katúmua, num artigo do Jornal Cul O nosso objectivo não é, de nenhum modo, tura (2015), diz-nos que “a angolanidade construiuanalisar a música angolana na sua praxe. Mas cingir- se Agosto/Setembro 35
“Os Dikanzas do Prenda deram um histórico passo à frente no meio musical angolano. Como nos diz Chico Montenegro: "Ninguém queria ficar para trás". na intercepção entre a política e a música, com particular destaque para influência de movimentos de intelectuais e de negritude em África, Américas e Caraíbas”. No nosso caso particular, impulsionados pelos movimentos “Mensagem” e “vamos descobrir Angola”.
Sua crescente popularidade no programa semanal ao ar livre, denominado “Kutonoka” – do kimbundo –, que significa “entretenimento de rua”, colocou-os como os mais preferidos dos bairros informais da capital. Mas, mais do que entreter, suas canções e ritmos eram concebidos para fazer pensar.
É preciso se reter que, durante os anos 60, havia uma preocupação desses artistas em escrever canções com pendor político, conhecidas como “música de protesto”.
Os Jovens do Prenda
Luanda já não era, nesta altura, apenas, “uma pequena urbe habitada, essencialmente, por comerciantes e funcionários” (Ervedosa 1985)”. Luanda era uma “cidade dinâmica” (Ribeiro 1981) onde uma classe média composta por brancos e negros era dominante. Onde as actividades culturais dominavam os “quintais”. Tinham crescido vertiginosamente os bairros periféricos e o bairro Prenda é um desses. É exactamente onde surgem alguns conjuntos musicais, dentre eles: Os Dikanza do Prenda (ou, na tradução portuguesa, Jovens do Prenda). Os Jovens do Prenda surgem em finais de 1968. Essa agremiação cultural passou por diversas transformações na sua onomástica: com a designação Jovens do Catambor (1965), Jovens da Maianga (1965), Os Sembas (1966), finalmente, em 1969, passam à designação actual. É um grupo que tem origem nas actividades carnavalescas que, apesar das rupturas, se mantém original. É aclamado na história da música popular angolana. É um conjunto activo e dinamizador da cena musical do país. As suas memoráveis canções revelaram talentos como Kangongo (caixa), António do Fumo (Dikanza e voz), Zé Keno (guitarrista), Zé Gama (viola baixo), Gaby Monteiro, Baião (solo), Dom Caetano, entre outros valorosos que deram cor e vida à música popular angolana.
36 Palavra&Arte
Os jovens do Prenda hasteiam a bandeira da africanidade, no seu ritmo peculiar, que lhes granjearam a estima e reconhecimento nacional e internacional. Esses vanguardistas não desviaram a sua temática nem mesmo quando as músicas e danças tradicionais modernizaram-se no contacto com a música ocidental. Não podemos, desta forma, negar-lhes o título de embaixadores da música angolana. Pois, foi através destes que surgiu o primeiro Single de original com o título de “Brinca na areia”. Foi, sem dúvida, o primeiro disco gravado em Angola. O registo sonoro foi feito nos estúdios da Valentim de Carvalho em Luanda. E foi Artur Arriscado, um dos pilares da Rádio Nacional de Angola, quem o gravou. Os Dikanzas do Prenda deram um histórico passo à frente no meio musical angolano. Como nos diz Chico Montenegro: "Ninguém queria ficar para trás". Num momento em que se fala em internacionalização da música angolana, caberá aos próprios angolanos eleger os elementos genuinamente característicos, pertencentes à sua genética cultural. É preciso voltar e buscar os costumes que constituem espelhos, reflexos da cultura que a inspira. Bibliografia Cadornega, António de Oliveira. História Geral das Guerras Angolanas. 1972. 3 vols. Lisboa, 1680. Ervedosa, Carlos. Roteiro da Literatura Angolana. UEA, 1985. Medeiros, Carlos Alberto. “A Colonização das Terras Altas da Huila (Angola).” Lisboa, 1976. Ribeiro, Orlando. A Colonização de Angola e o seu fracasso. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1981.
ENTIDADES
UNAP - União Nacional dos Artistas Plásticos
Entidades é um espaço que contempla a divulgação de instituições e órgãos ligados à área cultural, para lhes compreender a função, razão de existência e sua utilidade para os seus destinatários (artistas e criadores). Palavra & Arte traz para esta segunda edição da revista a União Nacional dos Artistas Plásticos (UNAP). O que é a UNAP? É uma instituição não-governamental, sem fins lucrativos, de natureza cultural que trabalha em prol das artes plásticas no país. Fundada a 8 de Outubro de 1977. O que a UNAP desenvolve na prática? Defende os interesses dos profissionais e amantes das artes plásticas, com realização de exposições individuais e colectivas, conferencias, tertúlias. Promoção e orientação de artistas no desenvolvimento das suas criações. Quem pode se inscrever na UNAP? Todos interessados pelas artes plásticas, profissionais e amantes de pintores a escultores.
Como a UNAP trabalha com os jovens artistas? Depois de registado, jovens artistas são integrados na Brigada Jovem das Artes Plásticas, sendo acompanhados até adquirir requisitos necessários de membro UNAP. Como fazer para se registar na UNAP? O registo é feito com a apresentação dos seguintes documentos: uma cópia do bilhete de identidade, 2 fotografias tipo passe, uma copia do passaporte, 6 a 10 fotos/imagens dos trabalhos artísticos, e a ficha de inscrição devidamente preenchida (cedida pela instituição). Há também representações provinciais para efeito. Quando e onde funciona a UNAP? A UNAP funciona de segunda a quinta das 08:00 às 15:30, sexta-feira, das 08:00 às 15:00. Localizado no Largo Rainha Ginga, nº29/33, Mutamba, em frente ao Jornal de Angola. Contactos: (224) 226 213 889 (224) 912 550 881/916 512 523 Email: unapluanda@gmail.com Facebook: www.facebook.com/unapangola Agosto/Setembro 37
Portfólio
Diamantina Mariana Cassinda, nascida em Maio de 1993 em Luanda. Sempre se interessou por artes. A jovem estudante universitária começou a explorar a sua paixão por fotografia aos dezanove anos de idade, onde começou por fotografar convívios familiares e posteriormente paisagens. Diana (tratada assim por amigos e familiares) decidiu dedicar o seu tempo livre para aprender mais sobre fotografia quando teve a oportunidade de trabalhar como fotógrafa numa agência de modelos. Durante este período, além de explorar a arte da fotografia m, fez também vários trabalhos de publicidades. A artista não mais parou, hoje continua a desenvolver a fotografia em Luanda descobrindo novas imagens nos becos das ruas esquecidas de Luanda.
38 Palavra&Arte
No olhar de Diana Agosto/Setembro 39
Palavra&Arte 39
40 Palavra&Arte Palavra&Arte 40
Agosto/Setembro 41 Palavra&Arte 41
42 Palavra&Arte Palavra&Arte 42
Agosto/Setembro 43 Palavra&Arte 43
44 Palavra&Arte Palavra&Arte 44
Agosto/Setembro 45 Palavra&Arte 45
CONTO por Ana Patrícia |
Ventre Chamo-me Rosa. Fui casada com o Fernando durante três anos. Éramos um casal cúmplice e apaixonado. Tínhamos planos de ter o nosso primeiro filho logo após nos casarmos. Mas, com o passar do tempo, reparei que o meu corpo não reagia à reprodução. Isto me tornou frágil. Receava que Fernando me rejeitasse ao saber da minha dificuldade para conceber. Receava também que ele ficasse impaciente com a minha insegurança e fragilidade. Apesar de trabalharmos em empresas diferentes, a nossa rotina diária era saudável. Chegávamos a casa às 16 horas e ainda tínhamos tempo para vermos o pôr-do-sol juntos. O nosso apartamento tinha uma vista clara e atraente das montanhas da Cidade do Cabo que são a maior atracção dos turistas. Esta bela vista e a harmonia do nosso lar serviam de convite para os nossos amigos e familiares. Aos Domingos, Fernando adorava mimarme com as suas sobremesas criativas sem nunca faltar a deliciosa cobertura de chocolate. Falaríamos sobre os nossos planos durante horas e encontrávamos motivação na nossa cumplicidade. O meu conforto vinha do seu bem-estar. Vê-lo sorrir levava-me aos agradecimentos mais divinos. Sentia-me completa e amada até ao nosso terceiro aniversário.
anos de boa convivência e companheirismo transformaram-se em discussões Três constantes e birrentas. Era visível o quanto ele desejava ter um filho quando, nas nossas conversas, ele me dizia impacientemente o quanto sonhava em partilhar sorrisos e experiências com um filho. Eu temia que acabasse por perdê-lo, porque as nossas trocas de palavras já me transtornavam. Pedi-lhe, vezes sem conta, que entendesse a circunstância porque estava além do meu controle. E o prazer de ver um ser crescer dentro de mim e florescer aos olhos do universo também era meu. Dois meses após o nosso terceiro aniversário, eu já não sabia em que pé estávamos. Tomávamos o pequeno almoço sem sorrisos reluzentes nem conversas de um casal apaixonado. Às noites, quando nos deitávamos, olhávamos em direcções opostas. Fernando gostava de dar-me conselhos. Sempre realçou sobre o poder das palavras. Numa manhã saudável, enquanto eu ajeitava o meu cabelo crespo e ele abotoava a sua camisa azul escura que contrastava com a sua pele morena, ele pediu-me que jamais deixasse que o desassossego me conduzisse às palavras severas. Logo concordei por ter um coração que não se adapta ao ferimento verbal. Mas, ironicamente, na noite antes da nossa separação, Fernando e eu trocámos palavras ásperas que nenhum de nós jamais esquecerá.
46 Palavra&Arte
Ilustração de: Francisca Nzenze Meireles Agosto/Setembro 47
– Sinto falta das tuas mãos sobre o meu corpo. Porque já não me dás prazer? Diz-me o que falta, Fernando – perguntei-lhe com a minha voz trémula. – Sinto-me sufocado. Estou aqui, mas apetece-me partir. Tenho dúvidas do que ainda prende-me a ti. Desculpa-me por já não corresponder aos teus sentimentos – respondeu Fernando enquanto olhava fixamente nos meus olhos. – Como podes dizer isso? Eu amaria dar-te um filho. O teu amor por mim mostrou-se companheiro ao longo destes anos. Por que agora exiges algo que eu não posso te dar? – lágrimas escorriam pelo rosto enquanto falava. – Não sei. Mas já não suporto tudo isso. Não há harmonia entre nós. Chama-me de egoísta ou qualquer outro nome, mas eu preciso sair daqui. Vejo que mal consegues dormir por causa destas discussões diárias – sua voz levantou-se significativamente. E a discussão continuou. Custava-me crer que o homem que sempre abraçou os meus medos e ouviu o soluço da minha alma, permitiu que chegássemos ao extremo. Ainda que com a mente perturbada, eu sabia que algo a mais se passava. Não posso ter me enganado sobre o seu ser afável. Na manhã seguinte, mal pude ir ao trabalho. Quando acordei, Fernando já tinha partido com algumas peças de roupa e alguns sapatos. Apetecia-me partir também e deixar esta casa que guarda tantos sorrisos belos e abraços íntimos. Desejava ir para um lugar silencioso onde a minha mente pudesse descansar. Sentia-me inválida e mal amada. Perguntava-me, constantemente, porque Deus fez-me incapaz de conceber. Tinha de concentrar-me no meu trabalho, mas não sabia onde buscaria forças para tal. Os dias passaram-se, os meses correram e quando dei por mim, o tempo não o trazia de volta. Cortei contacto directo com ele logo após reparar que as suas roupas já não estavam no nosso guarda-fato. Porém, como o amor verdadeiro é superior a qualquer inquietação, perguntava aos seus amigos como ele estava. Três meses após a nossa separação, as minhas duas irmãs aconselharam-me a tirar umas férias e talvez mudar de casa também. Elas olhavam para mim e choravam por dentro a ver-me aflita sem ele. Então decidi pedir férias de duas semanas e juntei-me a elas numa viagem às Ilhas Maurícias. Talvez encontrasse conforto nesta viagem ou, até mesmo, uma simples distracção. O meu corpo precisava de outro lugar, de outro ar e de outra rotina. Quando de malas prontas a caminho do aeroporto, ao som de Daddy - Emeli Sandé, memórias sobre a noite anterior correram-me pelos dedos:
48 Palavra&Arte
Cheguei a casa e despi-me. Tinha o corpo cansado e a mente mais cansada ainda. Este
cansaço consumia-me por dentro. Apetecia-me falar, gritar, chorar e, nessa confusão de pensamentos, caí na mais perigosa tentação: tu. Não consigo aceitar que acabou. Eu sei que já não me amas, mas isso… Sim, essa história cortada repentinamente não me permite viver. Falta tu, as nossas conversas, o nosso ritmo diário. Falta o teu pequeno almoço à mesa, a tua sobremesa que me tornou especialista e o teu jantar sempre leve na calada da noite. Apetece-me abraçar-te e sentir aquele conforto que só no teu corpo encontrava. Fui ao espelho e mal pude encarar o meu rosto. Então me cobri com aquela blusa que me ofereceste no nosso terceiro aniversário e expus o meu corpo. Tenho o corpo nu e a alma mais despida ainda. Tenho os sentimentos agoniados. Chamo-te nos meus sonhos e quando acordo, apalpo o teu lado e sinto um vazio que talvez jamais será preenchido. Não sei como será daqui em diante sem os nossos hábitos mais comuns. Quero arranhões nas costas, palmadas no rabo e aquele abraço quente após saboreares o meu corpo com muito amor. Que dor inexplicável! Desconheço o amanhã. Mal acompanho o que sou hoje. O meu amor por ele permanece real e intenso. Talvez eu ainda faça parte da sua vida. Se o meu destino for viver sem conceber, espero encontrar um amor que se sacrifique por mim. Os últimos meses têm traído a minha determinação.
Agosto/Setembro 49
50 Palavra&Arte
Agosto/Setembro 51