Julho & Agosto | 1
Smá uSu
má
riorio Editorial| 03
Cronicando: O decadente ensino da literatura em Angola| 66 Entredanças: O que será identidade| 66 Estilos & Cores: Afrofuturismo | 66 Proposta Literária: Através da chuva, mundos que se cruzam | 66 Dossier: Kuduro, do gueto para o mundo, o estilo que rompeu barreiras| 66 Portfólio: Angola um recanto do mundo que vale a pena conhecer| 66 Ensaio: A dicotomia entre onomástica antroponímica como meio de manifestação cultural e como meio de expressão cultural | 66 Faça com Estilo: Como criar um grupo carnavalesco | 66 Entidades: Museu da Moeda | 66 2 | Palavra&Arte
FICHA TÉCNICA Conselho Editorial Luefe Khayari Mário Henriques Oliveira Prazeres
Revisão
Mário Henriques
Design & Diagramação Oliveira Prazeres
Selecção de
fotos p/
Portfólio
Allicia Santos| Vienws of Angola
Colaboração
Dias Neto Kaz Mufuma Nelson Malamba Nelson Paim
Medias Sociais & Contacto
facebook.com / revistapalavraearte instagram.com / palavraearte twitter.com / palavraearte +244 991 276 972
Redacção
redaccao@palavraearte.co.ao
Publicidade
publicidade@palavraearte.co.ao É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para quaisquer fins, sem prévia autorização. Site www.palavraearte.co.ao Baixe grátis a revista e o suplemento semanal Visite o nosso site e tenha acesso a todas matérias publicadas nas edições anteriores
ANO 03|19 ED.07
JUNHO & JULHO A revista Palavra & Arte
É um projecto indenpendente que surge com intuito de divulgar toda produção artístico-cultural feita por artistas angolanos (residentes ou não no território nacional), tirando-os do anonimato e promovendo todas as formas de manifestações artísticas de jovens que procuram se expressar através da sua arte. Pretendemos, assim, ser capazes de responder a demanda de espaços capazes de abordar temas do nosso raio de actuação com a maturidade e seriedade que se exige, contribuindo dessa forma para a divulgação artístico-cultural angolana.
Palavra&Arte | Editorial A nova edição da Palavra&Arte chega para cobrir o vazio deixado por um ano de estiagem desde que saiu a última edição. O lago do tempo que separa esta edição da última foi preenchido por diversas promessas não cumpridas, bem como de perda de interesse de pessoas que se haviam comprometido com a revista. Desilusões, dores de cabeça e socos no estômago foram desmedidos, mas não nos fizeram perder o ânimo que tem catalisado, desde o começo, a nossa perseverança e que tem nos levado a agraciar leitores, novos e velhos, cultores e amantes da arte com aquilo que amamos fazer, falar de arte, impulsionar o poderio cultural que existe em Angola e expressar um desmedido apoio à contínua busca pela identidade de um povo que, entre diversos e distintos trambolhões sociais, se desconhece cada vez mais. Tal como a Palavra&Arte, o tema que há meses vem sendo cozinhado para esta edição já foi trucidado, menosprezado, humilhado, invejado, imitado, adaptado, enfim, tantos adjectivos que poderiam justificar a sua extinção, mas aí está, a continuar a dar a volta por cima, a vencer barreiras e a mostrar que, onde quer que vá, representa uma identidade, desde as periferias aos centros urbanos, do mundo real ao virtual e vice-versa, ou seja, sempre a se reinventar, tal como há quase três décadas tem sido com os seus fazedores. Isso é kuduro! Mais que um estilo de música, de dança, kuduro é um estilo de vida, algo que representa a identidade de quem o faz e, em diversas circunstâncias, de quem o ouve, dança e aprecia. Ainda não recebe dos líderes culturais o merecido reconhecimento, porque “somos tão cegos que nem vemos que ‘os de fora’ estão a dar mais importância aos ritmos africanos, mais especificamente, ao angolano, do que nós Julho & Agosto | 3
próprios” (Aneth Silva). Kuduro tem sido uma vítima da pouca importância que o angolano dá naquilo que é de sua própria origem, embora tenha sido criado da fusão de outros estilos, como vários outros estilos predominantes no mundo, mas que seus países bateram no peito e assumiram: é nosso! É um pouco disso, além de muitas outras coisas, que falta no kuduro, como a coragem e admitir que faz parte do nosso ser e, que de um modo ou doutro, trará sempre resquícios da nossa identidade, e, “Apesar das críticas e definições menos boas, o estilo jamais poderá ser descartado da nossa vivência, pois é a maior bandeira cultural do nosso país e continuará a ser, pelo menos por mais alguns anos” (Masundidi Nsangu Landa). Como se sabe, “cada etnia tem a sua própria identidade, mundividência e, consequentemente, uma expressão cultural única, apesar de haver muita fonte de convergência e ponto de diálogo entre elas” (Isis Hembe de Oliveira). Nesta edição, e como em todas as anteriores, damos foco a identidade. Fizemo-lo através de uma análise social onde o questionamento principal é o estado do ensino da literatura em Angola. Na referida análise, referimos como a educação, de modo geral, no nosso país tem trilhado, por longos anos, caminhos espinhosos que não se sabe ao certo aonde nos levará, e, com a literatura, de modo particular, tem sido pior. O olhar sobre a identidade é visto ao falarmos de algo presente em diversas formas de arte para manter vivo o espírito cultural africano, Afrofuturismo. A esta altura, leitores e seguidores da Palavra&Arte já devem ter percebido que em nossos temas cruzam sempre, de um modo ou de outro, assuntos que abordam a identidade. Falar de identidade, das características que um grupo, uma entidade ou uma pessoa possui e realçar a sua importância, é uma das premissas que nos impulsiona a continuar a fazer a revista. Falar da continuidade dos vários aspectos identitários que fazem um povo dá-nos a plena certeza de que o trilho que decidimos fazer vale a pena ou, doutro modo, não teríamos como convidar o mundo a conhecer Angola, esta terra que “é fresca, é viva, tem o som dos pássaros pela manhã, dá para sentir toda galáxia no fim do dia, bem debaixo dos nossos narizes a partir de cada recanto (Allicia Santos). Uma vez mais, pela Palavra e pela Arte, damos o rosto e mostramos que, por mais que nos imponham a desistir, com cada barreira, com cada comentário maldoso, destrutivo, com portas e janelas a serem fechadas, após sete edições, já deve ser evidente que não estamos cá para desistir tão cedo, para ceder a ímpetos negativos. A nossa palavra é a nossa arte e, como o kuduro, “é uma espécie de catarse individual ou colectiva, [onde] através das letras podemos vislumbrar toda uma geração que sonha, que sobrevive aos dramas existenciais” (Cláudio Kimahenda). Sem soberba, podemos afirmar que, no final desta década, a Palavra&Arte estará marcada como o maior recanto, completamente independente, de linguagem exclusivamente artística e cultural, feito apenas por jovens. E mesmo que não for, contentar-nos-á saber que, apesar de nossos recursos bastante limitados, sem qualquer apoio particular ou institucional, contribuímos para a busca de alguma felicidade para o nosso povo. Porque, parafraseando um dos Pais do kuduro, “Felicidade todos nós queremos” (Sebem), seja ela social, cultural ou artística. Luefe Khayari, Coordenador Editorial
4 | Palavra&Arte
AQUI PODERÁS LER ARTIGOS QUE TRAZEM UM OLHAR DIFERENTE SOBRE A PRODUÇÃO ARTÍSTICA E CULTURAL ANGOLANA
BAIXE E LEIA AS EDIÇÕES DA NOSSA REVISTA EM: HTTP://PALAVRAEARTE.CO.AO Julho & Agosto | 5
Cronicando |06
O decadente ensino da literatura em Angola Texto: Leopoldina Fekayamãle |
F
alar sobre o estado da educação no contexto angolano é um assunto que levanta sempre muitas questões e traz inúmeros debates. E apesar das divergências, dos pontos a favor e/ou contra, há sempre um ponto convergente: a qualidade. A qualidade, tanto de muitos professores como de uma grande percentagem de alunos, deixa muito a desejar. O estado da educação em Angola é, de uma forma geral e em todos os níveis, preocupante. Estou consciente de que, enquanto pessoas, somos o resultado de um conjunto de conhecimentos que abrange várias áreas científicas. A nossa formação e construção da carreira profissional têm participação em um pouco de tudo. E, nisto, a escola tem um papel fundamental, pois é nela onde temos o primeiro contacto (de uma forma geral) com as diversas áreas do conhecimento e, desse contacto, descobrimos, muitas vezes, a nossa inclinação ou aptidão para seguir determinada carreira profissional. Entretanto, o que me proponho abordar aqui e o que mais me preocupa não é o estado da nossa educação, genericamente – não que isso não seja importante, que não se entenda assim –, mas é o estado da nossa educação relativamente ao ensino da
6 | Palavra&Arte
Literatura – Ensino da Literatura Angolana e da própria Literatura Universal. O ensino da Literatura tem sido alvo de “adaptações”. Temos um grande número de professores não formados nesta área que leccionam esta disciplina. Destes, numa escala de 1 a 100%, 10% entendem Literatura. E estes fazem parte do conjunto de professores aos quais se atribuiu a responsabilidade de ensinar esta disciplina ou cadeira. Creio que alguns dos graves problemas relativamente à falta de leitura, ao fraco conhecimento sobre a nossa cultura, à falta de conhecimento sobre os escritores e suas obras e a forma como estes marcaram nossa história enquanto nação são resultados da péssima formação e pouca informação que recebemos na escola sobre Literatura. Como ganhar gosto pela leitura com professores que não leram, sequer, um livro na vida? Como aprender sobre a importância da leitura e da Literatura tanto nacional como universal com professores que também não sabem sobre isso e, às vezes, nem se esforçam para passar aos alunos os conhecimentos adequados? Existem muitos professores de Literatura que não sabem como estudar uma obra literária com os alunos, que nunca
estudaram alguma obra e que nem, sequer, dão importância a isso. Isso é grave! O estudo da Literatura, além de todo o conhecimento cultural que nos proporciona, permite desenvolver nossa capacidade de raciocinar, de analisar e discutir ideias, livrando-nos de sermos pessoas passivas e que mal sabem defender uma opinião ou estruturar um discurso em condições. A Literatura é uma forte fonte de desenvolvimento das nossas capacidades intelectuais e uma potencial forma de aperfeiçoarmos as nossas habilidades de comunicação tanto na escrita como na fala. E todo esse desenvolvimento das nossas capacidades intelectuais ajuda-nos a lidar com as diferentes situações da vida diária. Com professores não formados e “adaptados” que não sabem a importância dos livros, da leitura, da escrita e da Literatura de uma forma geral, como teremos alunos a ler? Como iremos superar as dificuldades que temos relativamente à leitura? É mais fácil ensinar o aluno a ler ou despertar o gos-
to pela leitura nele sendo o exemplo. Creio que a cultura do livro deve ser construída em grande parte na escola, através dos professores, e, para isso, estes precisam estar capacitados. As políticas de educação direccionadas ao estudo da Literatura Angolana e Universal também contam para construção da cultura de leitura, bem como as políticas para a formação dos professores de Literatura. Também conta muito as políticas de estado para o acesso ao livro e nisso, infelizmente, ainda temos um longo caminho a percorrer, porque conseguir livros e a preços acessíveis não é das coisas mais fáceis no nosso país. Portanto, por tudo isso, pelo tipo de cidadãos e profissionais que queremos, creio ser necessário que todos nós, desde as instituições que definem as grandes políticas de educação até às instituições que definem as pequenas, pensemos em que ponto estamos relativamente à educação tanto genericamente como em áreas específicas.
Julho & Agosto | 7
E n t r e Da n ç a s
O QUE SERÁ IDENTIDADE? Sonas são normalmente gráficos deliniáveis que podem ser desenhados sem levantar o dedo ou passar duas vezes na mesma linha. Para fazer um lusona, o artista começa por alisar a areia e passar com a ponta dos dedos para criar uma grelha de pontos equidistantes, chamados tobe, que servem como suporte para o lusona. Ao lado temos uma grelha de tobe e desenho final que representa a mizade
A
Texto: Aneth Silva | Poderia circular em meio a palavras pomposas, longas, mas directas, para tentar explicar este conceito… mas vou aqui recorrer ao dicionário para responder a essa, aparentemente, fácil pergunta: “Identidade é o conjunto de características que DISTINGUEM uma pessoa ou uma coisa (entenda-se aqui nação também), e, por meio das quais, é possível INDIVIDUALIZÁ-LA’’. Se lhe perguntar que características distinguem o nosso país, Angola, provavelmente terá uma série de respostas a pipocar pela sua mente ou na ponta da sua língua para dar, e tenho quase a certeza de que a sua ou as suas respostas estariam certas.
conhecer a alguém que tenha vindo dar um passeio por essas bandas ou quando deslocámo-nos para terras do alheio e países do primeiro mundo e nos é perguntado o que gostamos de dançar, cheios de orgulho e de boca cheia, falamos do nosso Kuduro, da nossa Kizomba e do nosso Semba. Todos os estilos que têm colocado Angola no mapa.
Como angolanos, temos uma ginga natural, um talento próprio e sem esforço para as danças, não apenas as do nosso país, mas de outros também. Somos dotados, devo admitir… nota-se até mesmo em seres minúsculos, não totalmente desenvolvidos, chamados crianças, que animam as festas familiares com todos os toques novos que Mas pensemos por um instante: será que são inventados diariamente um pouco por tudo o que pensou pode realmente ser todo o país. identificado como nosso, digo, de Angola? Vários são os angolanos que, por causa Percebo constantemente que, sempre desse talento e entrega à dança, têm leque surge um assunto como este, uma das vado o bom nome de Angola para países coisas de que temos sempre muito orgulho vários, principalmente na Europa, onde de falar e identificar como traço cultural de têm desenvolvido desde festas e festivais Angola é a dança, as nossas danças (que a grandes competições que têm o nosso são incontáveis). E quando queremos dar a Kuduro e a nossa Kizomba como atracção 8 | Palavra&Arte
Desenho representando um lugar na floresta onde abundam frutos e animais
principal. Um grande motivo de orgulho, é verdade! Tenho dito que é maravilhoso ver a internacionalização das nossas danças, porque, através destas, mais pessoas, vindas de todos os cantos do mundo, terão curiosidade e oportunidade de se deslocarem para cá, e, assim, reconhecer e alavancar a carreira de jovens artistas angolanos, contribuir para o turismo nacional, para economia, intercâmbio entre países, contribuindo até mesmo para o Plano Nacional de Desenvolvimento flexível. É verdade! Tudo isso seria muito bonito e seria perfeito se nós fôssemos responsáveis, astutos e visionários; se fôssemos pessoas que entendem que não podemos dar valor apenas ao que vem do exterior, mas preservar e desenvolver também o que é nosso. Somos tão cegos que nem vemos que “os de fora” estão a dar mais importância aos ritmos africanos, mais especificamente, ao angolano, do que nós próprios. O único problema é: já está a ser dançado no exterior, já foi alterado e misturado com outros estilos (especificamente a Kizomba e, em alguns casos, o Kuduro), o que não é mau, visto que
diversos estilos de dança sofrem alterações com a internacionalização. Mas todos esses outros estilos, como o tango, a salsa, a valsa, por exemplo, são estilos que se sabe exactamente de que países saem, qual é o jeito tradicional (clássico) de dançar e que alterações sofrem em competições; infelizmente não podemos dizer o mesmo do Kuduro, do Semba e da Kizomba. A grande questão dessa história toda é: onde estão os órgãos de direito, nomeadamente o Ministério da Cultura, para registar as nossas danças? Para dizer que temos identidade cultural, temos de conseguir partilhar patrimónios que simbolizem verdadeiramente a nossa nação, ou melhor, temos de compreender a constituição dessa identidade. Claramente, não estou para aqui a dizer que essa identidade é imutável ou permanente, mas que é um conjunto de manifestações e práticas que transformam e definem o indivíduo e, consequentemente, a sociedade da qual ele faz parte. Se não formos capazes de fazer isso com as danças que já são internacionalmente reconhecidas, o que poderemos dizer das inúmeras que fazem parte do folclore angolano, que estão espalhadas por todo o país e nem sequer são ouvidas por muitos angolanos?
Desenho representando um lugar na floresta onde abundam frutos e animais
Julho & Agosto | 9
E S T I LO E C O R E S
AFROFUTURISMO O continente africano vive um momento cultural bastante interessante. Entender este fenómeno obriga-nos a fazer uma imersão na história.
Texto: Isis Hembe | Im agem: O b j e c t o s
10 | Palavra&Arte
da
cultur a
africana
Consta-se que África é o continente com maior grau de diversidade étnica. Segundo os dados da conceituada revista científica Cience Express, existe mais diversidade em África do que em todo resto do mundo. Estes dados são resultados de uma pesquisa sobre a genética humana que durou dez anos, tendo envolvido vários países, dentre eles, os Estados Unidos, a França, a Tanzânia e o Mali.
O afrofuturismo surge como uma proposta estética na direcção de uma expressão cultural inspirada em valores africanos. Cada etnia tem a sua própria identidade, mundividência e, consequentemente, uma expressão cultural única, apesar de haver muita fonte de convergência e ponto de diálogo entre elas. Todavia, essa diversidade foi diluída pelo processo de colonização que homogeneizou o continente tendo como matriz a cultura dos países colonizadores. Assim, podemos dizer que a diversidade africana está por baixo do tapete da cultura inglesa, francesa, portuguesa, bem como russa e norte-americana, sendo estas duas últimas resultantes da influência política que a Guerra Fria teve sobre o mundo.
adaptados à modernidade. A solidificação de alguns países africanos no que diz respeito à integridade dos seus estados e a potencialização da consciência histórica e identitária na diáspora africana são os mais sonantes. É neste contexto que surge o Afrofuturismo como mais uma proposta estética na direcção de uma expressão cultural inspirada em valores africanos. O Afrofuturismo é uma miscelânea de filosofia da arte e filosofia da história centrada na perspectiva africana. Explorando a expressão da cosmologia, da fantasia, tradição oral ou escrita, lendas e mitos originários do continente.
Com advento do fim da colonização, África Não se limitando somente à cultura enviveu um momento de afirmação identitária das suas nações, muitas delas formadas a quanto expressão artística, o Afrofutupartir da demarcação territorial da própria co- rismo também se estendeu para o camlonização. Viveu-se, portanto, um momento po das ciências naturais e da filosofia. de solidificação de valores como o sentimenEntre os precursores desse género estão: to de unidade nacional, nacionalismo, etc. Literatura: Samuel Delany, Octavia ButNesta altura, a cultura assentava-se ler e Ralph Ellison. Artes plásticas: sob a vanguarda revolucionária envolvida Jean-Michel Basquiat e Angelbert Mena luta de libertação. Portanto, era ainda toyer. Música: Sun Ra e George Clinton. uma cultura justificadamente reactiva ao O legado do Afrofuturismo é extenso e sistema colonial. Agregando isso ao conainda há muita água por escorrer, pois é texto sociológico de constantes guerras uma visão estética bastante recente. Mas civis, o continente viveu uma inércia culjá se pode destacar a influência que teve tural. No entanto, muita coisa foi feita nos sobre a improvisação no universo jazzísti30 anos posteriores às independências. co, a partir da obra Sun Ra, a influência em Mas África não é só uma demarcação literatura dessa estética em obras como geografia. O sentimento de pertença so- a saga de quadrinhos, “O Pantera Nebreviveu ao tempo e ao espaço e se conso- gra”, adaptada ao cinema recentemente. lidou em todos os lugares do mundo, prinÉ possível identificar elementos afrocipalmente naqueles que registaram forte futuristas em obras de artistas como herança da escravidão. A esses espaços Afrikaaa Bambataa, Erykah Badu, Missy deu-se o nome de diásporas africanas. Elliott, Janelle Monáe, Ellen Oléria, Keita Hoje muitos fenómenos convergem para Mayanda, Ndaka Yo Wiñi, Kiluanji Kia Henum renascimento dos valores africanos da, Nástio Mesquita, Ibrahim Mahama, etc. Julho & Agosto | 11
P r o p o s ta L i t e r á r i a
Através da chuva “mundos que cruzam” Texto: Leopoldina Fekayamãle |
P Miguel Gullander é professor e escritor. Há muitos anos em países africanos, este luso-sueco irrompeu nas nossas vidas com uma escrita urgente, crua, cheia de lampejos. Viveu em Benguela e no Namibe e é leitor de português em Windhoek. Em 2008 acompanhou uma expedição pela mata angolana na pegada da palanca negra, com a qual se inspirou para escrever o último romance, Através da Chuva, na figura do protagonista, o criptozoólogo Svart.
12 | Palavra&Arte
ropor-me a falar sobre o “Através da Chuva”, livro do escritor Miguel Gullander, não é tarefa fácil, pois não sou, nem de longe, um daqueles peritos em crítica literária que desvenda os segredos de um livro e traz acima, como um Prometeu, aspectos que os leitores não imaginavam presentes no mesmo. Também não sou uma “gigante” no que concerne a conhecimentos sobre literatura ou uma “entendida” na matéria. Sou apenas uma menina apaixonada pela literatura que acredita no poder da palavra, principalmente no poder da palavra escrita. Além de não ser fácil pelos motivos que já referi, acrescento o facto de se estar diante de uma escrita madura, capaz de nos levar até ao mais profundo do nosso imaginário e questionar as nossas convicções, questionar preconceitos, questionar a nós próprios sobre o sentido da vida. E mais ainda, faz-nos questionar sobre o sentido que damos à nossa vida e como damos. Entre os vários palcos sobre os quais a narrativa acontece, destacam-se Angola e Suécia, no entanto, destaca-se mais ainda, em relação ao espaço, o casamento perfeito que se faz na obra entre os dois lugares. Dois países distintos, longe um do outro por milhares de quilómetros de distância, com modos de vida diferentes, com culturas diferentes, com tradições diferentes, com mitos e crenças diferentes, mas que se cruzam em “Através da Chuva” e transpõem todas as barreiras possíveis e, sobretudo, mostram-nos que enquanto seres humanos estamos mais entrelaçados do que possamos imaginar. Dois mundos que se cruzam entre personagens singulares que também se cruzam e reflectem-se em espelhos paralelos, mostrando um pouco de cada um de nós, independente de onde sejamos ou pertençamos. Somos levados a reflexões: das mais simples às mais complexas. A cada página, um pouco mais de profundidade. Uma escri-
----
ta que nos mostra e faz sentir a eternidade e simultânea efemeridade do tempo. Esse tempo pode ser o da narrativa – o tão bem trabalhado tempo da narrativa. Mas pode ser também o tempo da nossa vida, do dia-a-dia; o tempo que temos para fazer nossa existência valer a pena ou, ainda, o tempo que talvez tenhamos para construir um futuro melhor que o presente ou o passado. E esse tempo, na narrativa, é tão inquieto, tão impermanente que nos faz viajar desde o deserto imponente do Namibe, passando pela Baía Azul de Benguela, por Luanda, por Malange, por Lisboa até as ruas de Estocolmo, na Suécia. E vice-versa.
Aspectos característicos da cultura e espiritualidade africana cruzam-se com mitos e crenças suecas de forma ora implícitas ora explícitas. A viagem do velho Svart, o protagonista da história, da Suécia até a Angola com o objectivo principal de avistar uma Palanca Negra Gigante acaba sendo um cruzamento entre dois mundos, dois continentes, dois países distintos, mas que se revelam próximos. Afinal, somos todos feitos pelo mesmo tecido… A viagem do velho Svart para avistar, no coração de Angola, um animal raro e único em todo o universo também acaba sendo uma viagem de cada um de nós. Uma viagem para dentro das nossas sociedades e uma chamada de atenção para a forma como as construímos, como as tornámos desiguais e poluímo-las com as nossas próprias acções. Uma viagem para dentro dos nossos modos de vida. Uma viagem para questionar os nossos preconceitos de raça, de cor e perceber como matamos uns aos outros por motivos que nunca valem a pena. E no final das contas, uma viagem fascinante para dentro de nós mesmos!
AV. HOJI YA HENDA ED-47.6º ANDAR INFO: 929057679
Sinta-se em casa ------_ ------_
Julho & Agosto | 13
d ossi e r
KUDURO
DO GUETO PARA O MUNDO O ESTILO QUE ROMPEU BARREIRAS
Mais que um estilo de música, de dança, kuduro é um estilo de vida, algo que representa a identidade de quem o faz e, em diversas circunstâncias, de quem o ouve, dança e aprecia
14 | Palavra&Arte
Em destaque Kuduro: um breve olhar
Kuduro:NÓias e ParanÓias Da ideo-estÉ tica aos sons mais “fodidos”
Rangel e o kuduro
ASCENSÃO DE ORGUITA: MADOÍSMO, REVOLUÇÃO OU BADISMO?
The king of Kuduro
ENTRE A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E UMA ESTÉTICA SUBVERSIVA: O KUDURO
Noite e Dia: a rebeldia que salvou uma vida
DA MÚSICA À LITERATURA:
DIMENSÃO LITERÁRIA DO KUDURO O evangelho do kuduro, segundo Kalaf Epalanga, em “Tambem ´ os brancos sabem danÇar”
Julho & Agosto | 15
KUDURO um bre ve olhar
O
Te x t o : S é r g i o Va n - d ú n e m |
kuduro é, sem dúvidas, o estilo mais angolano que existe. Por este motivo é que se tornou no ópio que corre nas veias de todo o povo angolano. É incrível a forma como este estilo musical toca a alma das pessoas (crianças, jovens e adultos), com um simples toque das músicas: “lhe avança”, “estou a cair com cadeira”, “estou a partir cama”, ”toque do naná“, “vou matar lá um”, ou “abri o livro”. O estilo, antes marginalizado e considerado acolhedor de marginais e drogados, é hoje um dos estilos mais conhecidos além-fronteiras, senão mesmo o mais conhecido, e que livrou muitos jovens do mundo das drogas, do roubo e da criminalidade, ou seja, deu-lhes dignidade e, comummente, uma melhor forma de estar na sociedade. O estilo começou com a geração dos animadores (Toni Amado, Sebem, etc), passou pela geração de rimas (Os Lambas, Puto Prata, etc) e foi crescendo cada vez mais. É um estilo como um outro qualquer, pois é cantado por homens e mulheres. No estilo kuduro, tudo pode acontecer. Desde os “biffes” à forma como cantam e dançam, que é muito contagiante. Antes só havia uma forma de dançar o kuduro, era chamada de “Andegrone”, termo que mais se parece com a palavra inglesa “underground” e cujo significado é debaixo do solo ou subterrâneo. Talvez seja por este facto que, ao dançar, os bailarinos se jogam ao chão, dão “mortal” sobre os tectos, partem as cadeiras sobre o corpo e, até, chegam a mastigar cacos de garrafa. Por não ser um estilo uniforme, surgiram várias meninas no movimento; desde a Fofandó, Noite Dia e, mais recentemente, a Badi Orguita, que, com a sua carga feminina, sem vergonha e longe de se intimidar pelo preconceito dalgumas pessoas, apareceu para “acarcar” todos os kuduristas, especialmente as meninas. E não é que ela “acarcou” mesmo! Badi Orguita é, sem sombras de dúvidas, alguém que veio provar à sociedade que não há uma idade própria para emergir no mundo da música, em particular no do kuduro. O seu “acarque” foi tão forte que não foi preciso muito tempo para que ela se tornasse machete e destaque em todas as redes sociais (Facebook, WhatsApp, Instagram). Ela é mais uma que veio aumentar a tensão que se vive entre as kuduristas, impondo a sua posição no movimento, mesmo sendo a que se veste sem estravagância ou a que menos aparece nos principais palcos da nossa praça. O que dizer mais sobre o kuduro, após a aparição da Badi Orguita? Bem haja a todos que lutam em prol do kuduro e da cultura angolana.
16 | Palavra&Arte
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
Kuduro:Nóias e Paranóias Te x t o : M a s u n d i d i N s a n g u L a n d a | O kuduro é um estilo que derrubou as barreias do preconceito e conseguiu chegar às nossas casas. Lembro-me, quando era criança, de ter sido castigado com vara por pronunciar o nome do músico “Queima Bilhas”. Na época, considerava-se o nome imoral demais para se pronunciar em público. Entretanto, hoje, quando “partimos cama” ou “fizemos amor”, não nos ocorrem as noções de moral ou de ética do antigamente.
mente, Dog Murras, Caló Pascoal, Os Radicais, Mestre Yara, Killamon, os Caixa Baixa, os Lambas, Bruno M e tantos outros… O estilo musical kuduro assenta numa base de ritmos tradicionais, com raiz em estilos como Kabetula, Kazukuta do Sambizanga, o Cabecinha do Bengo e com grandes influências de certos estilos do Congo Democrático, nomeadamente o Sukuse e o Kwasa. Tem ainda influências do Tecno, do Pop e do Rap norte- americano.
O estilo kuduro nasceu no princípio da década de noventa, no meio suburbano, tendo como mentor o músico e bailarino Tony Amado, cuja inspiração para tal nascera de um movimento do actor belga Jean-Claude Van Damme, feito no filme intitulado “O Desafio do Dragão”, que veio a público em 1988, no qual o actor dança embriagado.
Este último, acabou por trazer elementos como a rima e, até, a própria métrica levada por artistas vindo do Rap. Bruno M, Rei Panda, Nail e outros foram os responsáveis por esta “deambulação artística”, que serviu para enriquecer mais ainda o estilo musical Kuduro.
O neologismo kuduro pretendia designar “rabo duro”. Com o passar do tempo, foi ganhando outras conotações, passando a significar um género musical e estilo de dança.
O estilo foi muito combatido pelos mais conservadores, devido a agressividade na dança, as suas fracas composições e o uso de calões e expressões populares dos musseques, que, por si só, reflectiam a pobreza existente neles, de onde a maioria dos artistas era originária.
O kuduro acolheu outros nomes que o desenvolveram, tais como: Rei Webba, Sebém, Queima Bilhas, Camilo Travasso, Bruno de Castro, Dj Znobia e, posterior-
As letras de kuduro caracterizam-se pela sua simplicidade, humor e, muitas vezes, até pelas ofensas explícitas; as Julho & Agosto | 17
Se be m edoisTon i Amado grandes nomes do kuduro
Sebem e Tony Amado no Angola Music Awards de 2013 | Foto: Paulino Damião, via Rede Angola
letras são normalmente escritas em Língua Portuguesa, com recurso a uma ou outra palavra nas línguas nacionais ou, ainda, em inglês. Porém, é o calão, falado nos nossos musseques, que domina grande parte das letras de kuduro. Por sua vez, enquanto estilo de dança, o Kuduro vai beber de movimentos de danças africanas, tais como a Cabetula, a Cabecinha e o Kwasa associados ao Break-dance e ao Popping (americano). As performances são apresentadas individualmente e, outras vezes, em grupo, com muita teatralização e com recurso à expressão facial. O kuduro, por um lado, tem sido um estilo emergente e com muita aceitação a nível internacional e, por outro lado, paradoxalmente, internamente, continua 18 | Palavra&Arte
semanticamente a estar associado à ideia de confusão, desorganização e rejeição. Talvez seja movido pela ideia de combate ao produto de criação das novas gerações. É a luta geracional existente dentro de todas as manifestações artísticas feitas em Angola. Apesar das críticas e definições menos boas, o estilo jamais poderá ser descartado da nossa vivência, é a maior bandeira cultural do nosso país e continuará a ser, pelo menos por mais alguns anos, tal como expressou o escritor José Eduardo Agualusa, num comentário sobre kuduro, “Talvez nunca antes em toda a história de Angola um outro fenómeno cultural tenha conseguido ganhar tanta expressão”.
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
K U D U R O
Da ideo-estética aos sons mais “fodidos” Vem o que vier / ninguém mata o kuduro vocês vão correr um por um / Vocês vão cair um por um (As Palancas, em Viva o kuduro)
Te x t o : J o ã o F e r n a n d o A n d r é
E
m sentido primitivo, a música estava relacionada a tudo que dizia respeito às musas, tudo que dava ideia de coisa agradável ou bem-posta. A vida seria uma tristeza se a música não existisse, disse certa vez o filósofo alemão Nietzsche. Três estilos musicais são mais ouvidos em Angola: o kuduro, o kizomba e o semba. Em Angola, o semba e o kizomba são os estilos musicais mais apreciados pela elite. O semba, estilo tradicional angolano, sempre esteve ligado à elite, pois, no período colonial, servia de meio de recreação e de passagem da mensagem para a insurreição, para a luta pela independência e para a esperança de dias melhores num país que ainda não tinha começado. Nas linhas do semba e de outros estilos (como o das músicas antilhanas) surge o kizomba, um estilo, ao que se atesta, criado pelo músico Eduardo Pain, também conhecido por general Kambwengo. Ao lado dos dois estilos, surge um terceiro: o kuduro. O kuduro é um estilo criado dentro da última década do século passado (xx), não há uma data certa como alguns estudiosos têm dito (1995), mas podemos dizer que – o estilo propriamente dito – surge entre 1993 a 1994. Ao que se reconhece, o referido estilo foi criado por Tony Amado,
mas é com Sebem, pelo seu dinamismo, que o estilo passa a ser visto com mais frequência na televisão, ganhando, décadas depois do seu surgimento, um programa (o «Sempre a Subir», primeiramente apresentado pelo próprio Sebem (em companhia da Carina) e, posteriormente, pelos kuduristas Presidente Gasolina e Príncipe Ouro Negro). O kuduro surge numa Angola que estava no cume de uma guerra entre as FAA, Forças Armadas Angolana, e a UNITA, União para a Independência Total de Angola, que viria a terminar no terceiro ano do século XXI. Contextualmente, uma Angola com uma população, maioritariamente, miserável, se nos ativermos ao princípio de que se considere pobre todo ser humano que sobreviva, diariamente, com menos de um dólar. Embora Amado seja o pai do kuduro, o primeiro músico a lançar um álbum desse estilo foi Bruno de Castro. Partindo do método dialético, Simbad (2018) nega a eventual ideia de que o kuduro provenha das zonas periféricas. Em nosso conceber, para se saber a origem do kuduro, torna-se imperativo conhecer o local e a produtora (estúdio, como costumam a chamar os cultores do estilo) onde foi criada a primeira música nesse estilo em Angola (Sambizanga? Rangel? Cazenga? Ou Viana?). Julho & Agosto | 19
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
o ku d u r o s e mp re fo i m u s i ca e da n ca Desde a sua génese, o kuduro sempre foi música e dança. Uma dança que requer muita elasticidade por parte do bailarino. A sua dança primária era chamada de «underground», um conjunto de movimentos controlados dos braços, da cabeça e dos pés, combinando – ao lado de muita criatividade – movimentos (passos) do ndomboló, do break, do b-boy e mais alguns estilos dançantes. Nos últimos tempos, a sua dança quase que se tem reduzido ao movimento dos pés para os homens e o remexer do glúteo para as dançarinas (normalmente, jovens de bundas avantajadas). Dos tradicionais bailarinos do estilo, hoje, ainda podemos encontrar os irmãos Cara-Feia e Pipino, residentes no município do Cazenga. Quanto aos cantores, podemos dizer que os seus expoentes são: Sebem, os Lambas, Bruno M, Puto Lilas e a Noite-Dia. Dessarte, convém sempre falar de kuduro música casada com o kuduro dança, ou seja, música e coreografia. 20 | Palavra&Arte
Pensamos que, no que toca à ideo-estética, é necessário haver certa cultura e agilidade para se cantar e dançar kuduro cujas canções, geralmente, são feitas com base num «encadeamento de frases (ou versos) que rimam emparelhadamente», objectivadas, nalguns casos, no papel e, geralmente, em registo auditivo. A música kuduro, com o passar dos tempos, desdobrou-se em duas variantes: underground e lamento. O «underground» (como era designada também a dança na sua génese) é cantado, geralmente, numa «prosa composta por frases extensas, exigindo dos cultores, na maioria das vezes, maior aceleração da voz». Já o lamento, mais preocupado com os problemas sociais e pessoais (cujo expoente é o cantor Rey Loy, o pai do lamento), é feito numa prosa menos extensa, menos acelerada no cantar e – em nossa percepção – tem uma sonoridade mais suave. Se tivermos em conta os dados do último censo em Angola (2014), que indicava que a
maior parte da população angolana é jovem, podemos, desse jeito, concluir que o referido estilo é mais apreciado por crianças, adolescentes e jovens e que, como afirma Simbad (2018), «vai-se a uma festa de bairro, e o kuduro ou o que é chamado de afro-house – kuduro retornando à origem, na visão daquele que é tido como o criador – domina as pistas». Outrossim, é possível dizer que essa juventude apreciadora desse estilo musical e dançante (incluindo algumas crianças e adolescentes, como dissemos) vem das periferias, musseques e cidades de Angola (e, com pequeno relevo, do Brasil, de Portugal e doutros países indeterminados), e – ao contrário das palavras do pai do kuduro – podemos deduzir que o afro-house é a terceira variante (ou um subestilo) do kuduro.
intento, seleccionámos algumas músicas de compositores como Sebem, Cabo Snoop, Fofandó, Bruno M, Os Lambas, Noite-Dia, Rei Loy e o Elenco da Paz. Mapeámos esses cantores, porque pensamos serem dos mais conhecidos cultores do estilo e que, no que diz respeito à ideo-estética, ligada ao estilo próprio e à sonoridade, realizaram músicas que marcaram e maracarão a vida desse estilo (se não foi [será] pela substância das músicas, foi [será] pela dança).
Destacados muitos(?) dos aspectos da historiografia e da ideo-estética desse estilo, é nosso desiderato interpretar, decodificar alguns dos grandes hits do estilo musical, «os sons mais fodidos», nos dizeres dos fiéis apreciadores e cultores do mesmo. Para tal
Ora, Sebem, na música «A felicidade», mais do que tudo, procura transmitir o prazer da felicidade, o quão boa ela é. Numa Angola que estava (ou vinha) de uma guerra, era, obviamente, uma mensagem como
M om e n t os d o fe st i val
" I l ove ku d u r o"
Para começar, esclarecemos que se muitos dos kuduristas são vistos como delinquentes pelo modo como se vestem, pelo uso de brincos, cortes de cabelo extravagantes e pintados e, na maioria das vezes, a maioria das músicas do estilo em causa são marginalizadas pelas suas mensagens.
A Felicidade» é um dos melhores hits do kuduro, porque traz uma mensagem que todo um povo precisava para dançar e festejar pelo fim de um mal que durou quase ou vinte e dois anos Julho & Agosto | 21
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
´
F o fa n d o essa, de que «a felicidade todos nós queremos», que acalmaria ou levaria as pessoas ao deleite, a esquecerem – ainda que por pouquíssimos minutos – as sequelas do conflito armado que separou e dizimou milhares de pessoas. Assim, apesar de poucas palavras (versos), «A Felicidade» é um dos melhores hits do kuduro, porque traz uma mensagem que todo um povo precisava para dançar e festejar pelo fim de um mal que durou quase ou vinte e dois anos. Cabo Snoop, vencedor da categoria de «Músico de África em Expressão Portuguesa» do aclamado prémio Mtv base, no hit «Windeck», denuncia o aproveitamento, sobretudo, dos homens para com as mulheres quando estas estão em estado de embriague, quando sabem que um homem está extremamente apaixonado por elas e, também, tenciona denunciar a prostituição e o exibicionismo. Assim, a música Windeck, mais do que pela mensagem, fica marcada como um hit pela sua dança. Nota-se que a referida música chegou a dar título a uma teleno22 | Palavra&Arte
vela, produzida pela Semba Comunicações. Fofandó, a primeira mulher a cantar kuduro, na música «Iniquidade», transmite uma mensagem de abandono do mal, mandar a «iniquidade fora» da vida das pessoas (ou dos locais de convívio). Deve-se ter em conta, ainda, nesse hit, a passagem que, quase como na bíblia, chama atenção para se ter em mente a dualidade da vida e da morte, porque «viemos do pó, mas é do (ao) pó que voltaremos». É, sem dúvidas, para se terminar a interpretação, um dos hits desse estilo dançante, pelas massas. Bruno M, na música «Anda pára», começa por cumprimentar os senhores e senhoras, parecendo que está a dar um discurso numa tribuna. Ainda na primeira estrofe mostra que ele não canta por interesse, cita o nome de algumas pessoas que lhe têm ajudado no mundo da música (uma das características do estilo) e, em gesto de repúdio aos seus colegas que não fazem música com boa estética e conteúdo, sentencia que «se cantar à toa fosse crime, muitos estariam atrás das grades».
A segunda e a terceira estrofe são dominadas pelo ego do cantor, que exibe a beleza das suas músicas e chama atenção para a tristeza que reside no seu âmago, apesar de muitos o terem incentivado a continuar a fazer kuduro. Realçam-se, na terceira estrofe, duas frases que carregam lógica e filosofia: «o peixe não enche o cesto se não for retirado do mar» e «(as) virtudes do homem honesto são como o sol quando está a brilhar». Contudo, no hit «Anda pára», é na quarta e quinta estrofe que, apesar do exagerado ego do músico, há mais conteúdo, porquanto, nela, o músico protesta contra a riqueza de algumas pessoas quando a maior parte da população angolana vive em situação de pobreza, a falta de habitação própria para muitas famílias, reafirma o seu gosto especial pelo estilo kuduro, apesar de ouvir também outros estilos musicais, reclama a perda de identidade africana por parte de muitos africanos, a banalização das línguas africanas, a perda dos valores morais, do civismo e da moral, afirma que o kuduro é o estilo da maioria e, o que poucos kuduristas fariam, admite que ele, Bruno M, sem os seus ouvintes, «é como
um atleta que não tem pés». Enfim, como «A dança dos combas», o «Ma», o «Aonde», o «Por cada lágrima» ou o «Tchubila», «Anda pára» é um dos melhores hits do kuduro, pela dança, sonoridade e o conteúdo. Os Lambas, no hit «Diga não ao crime», trazem uma mensagem positiva para a juventude que anda perdida no mundo da delinquência; procuram incentivar a juventude a apostar no estudo e no trabalho; afirmam não serem bandidos. Nesse hit, o apelo deles «vai para os adultos e os adolescentes, para não levarem o crime na mente», para «terem mente criativa», andarem de cabeça erguida, sempre firme, não fazerem o que lhes prejudica, porque o tempo é curto; para participarem da luta contra o crime (da delinquência ao aborto, segundo um dos versos cantado pelo Nagrelha, o Estado Maior do kuduro). Outrossim, realça-se, nesse hit, a seguinte passagem filosófica: «ser esperto não é ser inteligente» (Bruno King). Portanto, «Diga não ao crime» é um dos melhores hits do kuduro, e se não for dançante, deve ser apreciada a mensagem que abarca nas suas entranhas.
B ru n o M u lt i ma li n ha do K uduro
´
Julho & Agosto | 23
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
“O kuduro é um estilo musical dançante.
É o estilo mais ouvido e mais
dançado em Angola. As suas músicas, na maioria das vezes, são manifestações
do ego e da criatividade dos artistas
que o cantam” 24 | Palavra&Arte
Noite-dia (ou Noite e Dia, como é grafado habitualmente), na música «Abre o livro», procura transmitir a ideia de que ela é a rainha do kuduro e faz uma réplica às pessoas que dizem que não dançam kuduro. Embora o coro dessa música remeta para uma mensagem positiva, pensamos que a verdadeira mensagem que a cantora queria transmitir com o coro não seja a de «abrir um livro», pois a dança desse hit não envolve algum livro. Segundo a nossa visão, o coro dessa música incentiva os bailarinos a dançarem com mais movimentos das pernas, a abrirem as pernas «sem maldade». Sabendo que o/a artista é o criador de coisas belas, Noite-dia, criou esse hit e, como as melhores manifestações artísticas surgem do inconsciente, concebemos que ela não chegou a dar por conta de que o livro que pede para ser aberto seja uma metáfora das pernas. Portanto, «Abre o livro» é uma das músicas mais dançada e mais ouvida do estilo musical kuduro e, pelo modo como as bailarinas da Noite-dia e a multidão dançam, esse hit levanta polémica sobre o seu verdadeiro intento, permitindo múltiplas interpretações, das boas às más. Rei Loy, o rei do kuduro lamento, na música «Minha profissão», traz a mensagem da importância do trabalho digno (não importando qual seja). O cantor procura dizer que aguarda o seu momento de sucesso, que tem esperança de atingir a ribalta. Aconselha as pessoas a não sentirem vergonha dos seus trabalhos, porque mais vale trabalhar do que ser ladrão ou viver das aparências. Por outra, ele apresenta o sofrimento da população das zonas periféricas. Como
podemos constatar nos seguintes versos: «O pai é pobre mas a mãe é doente / Os canucos não estudam minha camba não trabalha/ Pensar no futuro e pedir sempre pra Deus». O Elenco da Paz, segundo classificado do Top dos mais Queridos 2017 – em nossa percepção, um dos grupos que melhores mensagens tem procurado transmitir por meio do estilo kuduro –, na música «Da Zungueira», mostra a importância da zungueira (vendedeira, normalmente nos locais impróprios para a venda, ou ambulante), o relevo que a sua banheira (negócio) tem para o seu bem e para o bem de toda a sua família. Os cantores apresentam a zungueira como uma mulher batalhadora, dinâmica e trabalhadora. «Da Zungueira» também é, com certeza, uma chamada de atenção para os fiscais (funcionários das administrações municipais que têm, diariamente, o papel de evitar a venda ambulante nos cascos urbanos) e para aqueles que menosprezam a actividade dessas mulheres que, vendendo, levam «o pão de cada dia» \ para as mesas dos seus lares, ou seja, sustentam
as suas famílias. Dessarte, se soubessem o quanto é importante a banheira da zungueira, os fiscais não a levariam, e o resto dos cidadãos nunca banalizariam o esforço delas. Enfim, é essa musa, zungueira, (que chegou a inspirar o poeta nacional, Agostinho Neto, e muitos outros homens fazedores da poesia angolana) que o Elenco da Paz, grupo mais premiado a nível do kuduro, traz como fundo do hit «Da Zungueira». À guisa de conclusão, podemos dizer que o kuduro é um estilo musical, principalmente, dançante. Por outro lado, é o estilo mais ouvido e mais dançado em Angola. As suas músicas, na maioria das vezes, são manifestações do ego e da criatividade das crianças, adolescentes e jovens que o cantam, mas alguns cultores (como Bruno M, Bd Bigodão, Rey Loy, Dj Nile, Rey Panda e o Elenco da Paz) têm procurado, com as suas músicas, mostrar a realidade social, económica, política e cultural de Angola, ou seja, chamar atenção para com a delinquência juvenil, a pobreza, a desigualdade social, o desemprego e a unidade nacional.
Re i L oy
Pai d o Lam e n t o
Julho & Agosto | 25
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
OR ANGEL E O KUDURO Te x t o : E r o n i l d e B a r t o l o m e u
R
angel, outrora município, é um dos distritos que constitui a área urbana da província de Luanda, capital de Angola. O Rangel tem 6,2 km² e cerca de 260 mil habitantes. Está limitado a Oeste pelo município da Ingombota, a Norte pelo município do Sambizanga, a Este pelo município do Cazenga e a Sul pelos municípios de Kilamba Kiaxi e Luanda. É constituído pelas comunas da Terra Nova, Rangel, Marçal e Precol.
gem obrigatória para o estilo kuduro. A rivalidade entre Sambizanga e Rangel, que nasceu logo a seguir, foi, também, um dos marcos para a ascensão do Rangel. Fofandó, conhecida como a Rainha do kuduro, infelizmente, não conseguiu manter-se na ribalta ao longo dos anos, embora tenha voltado com o sucesso “ndi dó” recentemente. Enquanto isso, Noite Dia carregou a bandeira do Rangel neste estilo, e, hoje, é a kudurista com mais sucesso.
O distrito deu e dá cartas no mundo da arte, principalmente na dança e na música. Nomes como Mateus Pelé do Zangado e Joana Perna Mbuco elevaram-no à categoria de um dos mais conhecidos do país. Esta fama reflecte-se ainda mais graças aos kuduristas que nele habitam.
Esta capacidade de promover kuduristas fez do Rangel o lugar mais procurado por aqueles que almejassem sucesso no estilo. Como exemplo vivo, temos a polémica Jéssica Pitbull, oriunda do Sambizanga, que encontrou o sucesso no Rangel. Por trás de todo o sucesso que o Rangel granjeou no estilo Kuduro, há o nome dos conceituados DJ´s De Vitor, Ditox, Znobia, etc.
O estilo kuduro surgiu na década de 90. Mas só no princípio do século XXI é que o distrito foi ganhando os primeiros cantores de renome. Nomes como Noite e Dia, Puto Prata, Puto Lilas, Saborosa e Fofandó colocaram o distrito como uma para26 | Palavra&Arte
Quanto ao kuduro no masculino, dispensamos as apresentações. Puto Lilas, o mais consagrado kudurista do Rangel, também conhecido como “A defesa do
Rangel”, é quem tem uma das maiores rivalidades contra o Nagrelha, que é o melhor kudurista do Sambizanga. Com tantas figuras de renome, sem esquecer Karliteira, Reeducador, Própria Lixa, Nacobeta, Dada 2, etc., o Rangel ainda tem uma nova estrela. BADI ORGUITA. Ela surpreendeu todos com o seu sucesso “Vou te Acarcar”. Sendo já adulta, não só chamou atenção com a sua música, como também pela sua forma de vestir e actuar, que, de certa forma, mostram que não dá ouvidos para os comentários negativos. Como disse Domingas Monte: “Num primeiro olhar, pensa-se «essa tia» é uma «madó» (termo angolano para designar, pessoas que querem mostrar-se, aparecer). Porém, depois de algumas visualizações, compreende-se que se está diante de uma revolucionária, inconformista natural, que apa-
rece com as suas vestes (saia comprida e lenço) de senhora angolana, sem embarcar em estravagâncias, o que é habitual em cantoras mais novas. Assim, a alcunha de “mãe de todas as kuduristas” assenta-lhe na perfeição. Neste aspecto, Orguita revoluciona e promove uma nova forma de olhar para o kuduro. Não como um estilo musical marginal, mas constitutivo das nossas gentes e que move massas, da qual todos nós fazemos parte: crianças, jovens e adultos. Quantos mais velhos dançam e cantam kuduro nas sentadas e nos seus quartos? Muitos! Alguns também já alimentaram o sonho de ser kudurista, mas nunca tiveram a coragem de Orguita. Ela é uma ARTISTA.” Com este “acarque”, o Rangel demostra, mais uma vez, que, se quiseres ter sucesso, basta saberes como chegar à capital do kuduro, o Rangel.
AHETU: VOZES DESPRENDIDA S É
o co m e ç o d a
Cl áudia C a ssoma
“ C o l e cç ã o M u l h e r e s ”
criada por
pa r a d i s s e r ta r s o b r e a s s u n t o s q u e
a f e c ta m m e n i n a s e m u l h e r e s ; pa r a co n ta r h i s t ó r i a s ; pa r a h o m e n a g e a r , e m p o d e r a r e pa r a m u d a r .
De
f o r m a e n g a j a d o r a e e m t o m d e s p e r ta d o r , e s t e v o l u m e
narr a violência domés tic a , infidelidade, identidade se xual , i n d e p e n d ê n c i a , r e i v i n d i c a ç ã o , r e i n v e n ç ã o e vá r i o s outros tema s pertinentes.
Cl áudia
Em
c a d a u m d o s co n t o s ,
e x i b e u m a d i s p o s i ç ã o d e â n i m o s e a p r e s e n ta
a m i l i tâ n c i a d a s m u l h e r e s e t e r n i z a d a s e m l i n h a s d e s s a f e r r a m e n ta f e i ta r e l e va n t e . w w w.cl audi ac a s som a .com
Julho & Agosto | 27
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
ASCENSÃO DE ORGUITA: MADOÍSMO, REVOLUÇÃO OU BADISMO? Te x t o : D o m i n g a s M o n t e
B
adi Orguita, a mãe de todas as kuduristas, como ela mesma se intitula, é a nova sensação do mundo artístico em Angola. Surgiu do gueto, como grande parte dos kuduristas, e vem afirmando-se no mercado nacional, com o seu “Vou te arcarcar”, que já faz furor nas pistas de dança. O fenómeno despontou do “Rangu” ou Rangel, e tem 54 anos de idade.
kuduro. Não como um estilo musical marginal, mas constitutivo das nossas gentes e que move massas, da qual todos nós fazemos parte; crianças, jovens e adultos. Quantos mais velhos dançam e cantam kuduro nas sentadas e nos seus quartos? Muitos! Alguns também já alimentaram o sonho de ser kudurista, mas nunca tiveram a coragem de Orguita.
A sua primeira aparição na televisão foi no programa “Janela Aberta” do canal 1 da Televisão Pública de Angola (TPA). Com a sua performance, mostrou-se-nos uma mulher destemida e, acima de tudo, despida de preconceitos. A forma como segura o microfone ao longo de toda a apresentação é representativo disso; [FIRMEZA].
Para isso, necessário será ser badi, pois cantar kuduro não é para qualquer um. Com o surgimento da Orguita, podemos dizer que fomos todos “acarcados” e, até ao momento, estamos de queixo caído. Ela é uma ARTISTA.
Num primeiro olhar, pensa-se “essa tia” é uma “madó” (termo angolano para designar pessoas que querem se mostrar, aparecer). Porém, depois de algumas visualizações, compreende-se que se está diante de uma revolucionária, inconformista natural. Aparece com as suas vestes (saia comprida e lenço), de senhora angolana, sem embarcar em estravagâncias, algo que é comum nas cantoras mais novas; aqui a alcunha de mãe de todas as kuduristas assenta-lhe na perfeição. Neste aspecto, Orguita revoluciona e promove uma nova forma de olhar para o 28 | Palavra&Arte
É dum assombro invulgar o nome dela, “Badi Orguita”, e a sua música de estreia, “Vou te Acarcar”, o que nos leva a dizer que neste aspecto ela foi bastante assertiva e que, o seu nome e a música, acabam por representar tudo o que já foi referenciado atrás, que se pode resumir numa palavra; CORAGEM. Não foi coincidência, aí está a genialidade de um artista, como afirma James Joyce: “os génios não cometem erros. Os seus erros são sempre voluntários e dão origem a alguma descoberta”. Portanto, vamos afirmar que Badi Orguita, a mãe de todas as kuduristas, “acarcou” madoísticamente todo o mundo e, para tal, foi preciso ela ser badi.
The K ing of Kuduro
A homenagem com felicidade Caricatura de Nelson Paim | 2018 Julho & Agosto | 29
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
ENTRE A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA (?) E UMA ESTÉTICA SUBVERSIVA: O KUDURO
N
Te x t o : H é l d e r S i m b a d
ão podemos negar que, mais do que um estilo nascido em Angola durante os anos 50 e 60, o «Semba» é um género musical que nos parece ter acompanhado, fundamentalmente, a história política do partido MPLA. Com efeito, é natural que se lhe dê mais aberturas. A «Kizomba» ocupou durante muito tempo as pistas de dança. Hoje, vai-se a uma festa de bairro, e o «Kuduro» ou o que é chamado de «Afro-house» – variante, segundo alguns (Pai Profeta e seus símiles); «Kuduro», retornando à origem, na visão daquele que é tido como o criador (Tony Amado) – domina as pistas. «Semba» e «Kizomba» resistem, mas andam mais confinados a «pedidos», «casamentos» e a cerimónias restritas, como aniversários, baptismo, etc. Fruto do exercício racional que efetuámos para alcançar à origem do Kuduro, partiremos do método dialético para negar a ideia de uma eventual proveniência de zonas periféricas. Assim sendo, contrariamente ao que se lê em diversos documentos, possivelmente não terá começado no «gueto», na medida em que as discotecas e dancings, nas décadas de 80 e 90 do século passado, não eram tantos e estavam confinadas maioritariamente no castro urbano, estando algumas em zonas intermédias. Contudo, é indubitavelmente no gueto onde se transformou para hoje se apresentar com diferentes tonalidades. Como tudo o que é novo, na sua fase embrionária, foi e ainda é – pelo menos, para alguns – um género musical estereotipado como «marginal». Tal preconceito advém de um inevitável olhar-de-cima. Em qualquer sociedade, dito em
30 | Palavra&Arte
metáfora, a verdade é que o «centro», fruto das ilhas sociais criadas pelo poder político – violência simbólica –, sempre olhará a periferia com desconfiança. Entretanto, verdade seja dita, a prática não inocenta de todo os maiores cultores deste estilo. O «Kuduro» desenvolveu-se no «gueto» e pode-se dizer que seja consequência da guerra civil. Uma maneira de evasão – estética subversiva – que surgiu como que um milagre para livrar uma grande massa social de traumas que uma guerra pode causar e da simbólica agressividade com que o sistema trata as maiorias. Pelo seu posicionamento geográfico, o município do Rangel teve grande peso para emancipação do estilo. Não só congregava um grande número de cultores como também grande parte dos principais estudos musicais. Rangel era e é habitado por gente com alguma possibilidade. Mantendo fronteira com o centro e a periferia bem como pela sua proximidade geográfica é a partir desta circunscrição geográfica que o «Kuduro» se expandia. Trata-se de um estilo musical no qual superabundam diferentes mensagens. Contudo, grande parte das músicas que se transformam em verdadeiros hits trazem uma mensagem que, apesar de violenta e obscena, não deixa de ser subversiva. Em termos estéticos, o «Kuduro» é um estilo que impõe aos cultores alguma agilidade, e as composições obedecem a um encandeamento de frases que rimam emparelhadamente, não importando, em muitos casos, a sequência lógica das ideias objectivadas formalmente no papel e, subsequentemente, em registo auditivo.
O kuduro surgiu como um milagre para livrar uma grande massa social de traumas que uma guerra pode causar e da simbólica agressividade com que o sistema trata as maiorias O importante é rimar. Deve-se referir também o peso do ego-criativo e as frequentes citações de gente próximas ou distantes, por razões de inimizades, maioritariamente, dos cultores do estilo que acarinham com mensagens ou agridem. A elasticidade dos movimentos na dança, a agressividade imprimida pelos intérpretes bem como a violência discursiva – agora menos, fruto de alguma evolução em termos de idade e pensamento – denunciam alguma violência. Contudo, vamos ater-nos naqueles que revolucionaram ou produziram grandes hits. Sem rodeios, Os Lambas, Bruno M, Puto Prata, Noite-dia, Os Xtrubantu, Puto Lilas, Magnésio dos Caixa Baixa, Rey Panda, Agre G, Yanilson Number One, dentre vários fizeram-nos dançar, e «Kuduro» é isto – dança – com grandes hits, e elegemo-los por serem aqueles que, esteticamente, no âmbito da sonoridade e estilo próprio, melhor realizaram o Kuduro cantado. Houve músicas de mensagens positivas, como a «Iniquidade» de Fofandó, «A felicidade» de Sebém dentre outras músicas. Entretanto, a métrica «mais fodida», encarnando a linguagem do estilo ou com mais estilo encontra-se nas vozes daqueles os quais já referimos. Dos citados, alguns como Nagrelha, Noite-dia e Puto Lilas cantam numa prosa feita com frases extensas, o que lhes exige uma maior aceleração vocálica. Cultores como Bruno M, Magnésio, Agre G e Yanilson recorrem a uma sintaxe prosaica cuja métrica é mais curta, por tanto com menos aceleração no cantar e, quanto a nós, mais eufónica. Os artistas citados, na sua maioria, tiveram uma relação muito próxima
com gangs e se reflectia nas suas composições em que, frequentemente, se atacavam entre si com mensagens agressivas. Mesmo a Noite-dia – é assim que preferimos assinar o seu nom – em «Kibeixa», coautoria de Puto Prata revelava uma brutalidade enorme, imperando com a voz numa mensagem até certo ponto pacífica, como no excerto «mana dança sô». Sabemos que esta partícula «sô», assim grafada, para se demarcar de «só», é usada com sentido de «favor», e a kudurista em questão fazia-a com uma agressividade como que a imperar. Entretanto, não deixam de ser estes, quanto a nós, os grandes artistas deste estilo cujas figuras paternas são Tony Amado e Man Sibas. Se nos ativermos ao conceito de «violência simbólica» de Boudieu, segundo o qual – trata-se duma «violência que é cometida com a cumplicidade entre quem sofre e quem a pratica, sem que, frequentemente, os envolvidos tenham consciência do que estão sofrendo ou exercendo» (Luciano, 2005) – o Kuduro constituir-se-ia como um símbolo de subversão de gente que, inconscientemente, se colocou à margem do sistema no poder. Isto se observa, por exemplo, no registo audiovisual do grupo «De Fire/ De Faia ou Defaiú» em que se vê, no princípio, um Rei Panda a ditar as regras do jogo dizendo, por via duma tradução, que «agora o que conta é dinheiro e que todos falariam em calão», em clara reacção ao português. A nação Kuduro é autónoma e resistirá. Vem o que vier, como diriam as «Palancas», ninguém matará o Kuduro. Vocês vão correr um por um, vocês vão cair um por um. Honras ao Kuduro.
Julho & Agosto | 31
Noit e e dia DA OPACIDADE À TR A S NPARÊ NCIA A “rebeldia” que salvou uma vida Te x t o : C l á u d i o K i m a n h e n d a |
O
génio festivo e inventivo faz parte da idiossincrasia do povo angolano. Esta característica é bem mais visível diante das agruras da vida. Para contrapor o sofrimento, o povo angolano forja sempre um novo mito. Um mito capaz de reunir, integrar e solidificar os laços. Capaz de tirar da opacidade à transparência: a luz. Estamos convictos de que o estilo Kuduro tem vindo a ser esse mito capaz de unificar todas as franjas da sociedade. Como diz Marcos Napolitano “a música tem sido (…) a tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículo de nossas utopias sociais” (Napolitano, 2002). A inexistência de trabalhos, o crescente número de desempregados, a globalização assimétrica e económica, o êxodo rural, as desigualdades sociais, tudo isso permitiu o surgimento do estilo Kuduro. O Kuduro é hoje aclamado como um estilo revitalizador.
32 | Palavra&Arte
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
Anabela Etianeth Ferreira Bento ou, simplesmente, Noite e Dia, nasceu no dia 24 de Outubro de 1984. Noite e Dia distingue-se pela postura majestรกtica e sensual. Julho & Agosto | 33
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
ANOS 90: NASCIMENTO DO KUDURO Existem duas versões, que divergem, quanto ao surgimento do Kuduro: por um lado, temos a versão de Tony Amado, por outra, a de Sebem. O primeiro afirma ter “criado” o estilo baseando-se no filme de Jean-Claude Van Damme, Kickboxer. Já o Sebem reivindica o facto de ele ser o “expoente máximo” na divulgação do referido estilo, logo assume-se também como criador.
O kuduro não surgiu como a teoria do Bing-Bang, não foi através de uma explosão, ela tem uma história, como qualquer outro género musical. O estilo kuduro, como dissemos, emergiu de uma atmosfera de crise. Na década de 90, sucederam, em Angola, alterações político-sociais significativas. O conflito armado trouxe para Luanda inúmeras famílias que esperançavam encontrar paz. O êxodo rural, neste caso, acentuou os musseques que cresceram de forma vertiginosa. É nestes bairros periurbanos onde, por causa da vida sedentária e dura, algumas pessoas encontraram motivos ou escapatórias de sobrevivência. Para enfrentar a penúria há quem tenha trocado o lar pela janela aberta; Há, também, quem “se tenha entregado às religiões”; como houve quem se tenha entregado ao crime e outras malfeitorias; famílias arranjaram pequenos negócios. Enfim, todos procurando alternativas para opor-se aos embaraços da vida. Estas e outras necessidades desenvolveram, no angolano, a índole inventiva. Consequentemente, nasceram alguns negócios como é o caso dos vídeos clubes, onde não havia restrições de idade 34 | Palavra&Arte
nem de género cinematográfico. Via-se de tudo desde o drama à pornografia. É exactamente num destes filmes onde surge a inspiração da criação da dança kuduro, segundo os seus criadores. Desde esta época, o Kuduro vem galvanizando e criando espaços de confluências entre os mais variados sectores da nossa sociedade. Neste quesito, o Ku-duro, como dissemos, criou uma espécie de unidade nacional na diversidade. Embora consensual que o Kuduro seja estilo nacional, há ainda a problemática da sua criação. Existem duas versões, que divergem, quanto ao surgimento do Kuduro: por um lado, temos a versão de Tony Amado, por outra, a de Sebem. O primeiro afirma ter “criado” o estilo baseando-se no filme de Jean-Claude Van Damme, Kickboxer. Já o Sebem reivindica o facto de ele ser o “expoente máximo” na divulgação do referido estilo, logo assume-se também como criador. Não queremos fomentar qualquer discussão quanto ao surgimento do estilo, mas trazer uma proposta biográfica. Este trabalho é um fragmento e pretende contribuir para elaboração da biografia da cantora de kuduro Anabela Etianeth Ferreira Bento, conhecida por Noite e Dia.
NOITE E DIA: DA OPACIDADE À TRANSPARÊNCIA profundas, consulta e confronto de diversas fontes; desfazer-se de preconceitos, de estereótipos, crenças e experimentar um carácter de transubstanciação. Escrever uma biografia é vivenciar e compreender a vida do biografado. Em relação à nossa Anabela Etianeth Ferreira Bento, Noite e Dia, de sublinhar que não queremos fazer uma biografia completa por nos sentirmos circunscritos à visão.
O PSEUDÓNIMO E A MÚSICA Anabela Etianeth Ferreira Bento ou, simplesmente, Noite e Dia, nasceu no dia 24 de Outubro de 1984, no município do Cazenga, Rua azul da Precol. Anabela Etianeth distingue-se pela postura majestática e sensual. Nascida numa família humilde, iniciou sua vida profissional como bailarina do grupo de dança Fano Jackson, tendo captado a atenção de familiares, amigos e simpatizantes do grupo. A duração do conjunto foi efémera. Para acalmar a predilecção pela dança, ingressou no Destino, um outro grupo de dança, preferencialmente, tradicional. A curiosidade despertou-a, em determinada altura, a largar voos para outros ares: a música. É-nos praticamente difícil ilustrar outros contornos da carreira por inexistência de material. Em Angola, não é cultura elaborar fichas biográficas. Talvez por alguma inexperiência, já que escrever uma exige muito esforço do biógrafo.
É milenar a mania de mudar o nome próprio por alcunhas. É uma tendência de todas as faixas etárias, seja ela da meninice, juventude ou idade adulta. Os cognomes são dados mediante características físicas, profissão ou tipo de actividade, gostos, por analogia, por similitude, etc., e com Anabela não foi diferente. O pseudónimo “Noite e Dia” advém do gosto pelas roupas brancas e pretas. Neste caso, por analogia à noite e ao dia. Quando descobriu a música, motivada por Fofandó, Puto Prata, mestre Yara, entre outros, que faziam sucesso, Anabela passou definitivamente a Noite e Dia. Noite e Dia é o nome mais sonante quando se fala em vozes femininas do kuduro.
Como nos diz Marcela Boni Evangelista, na resenha da obra de David Margolick, Strange Fruit: Billie Holiday e a biografia de uma canção: “Escrever uma biografia é um desafio que envolve a entrega do biógrafo a um universo outro. (…) Escrever uma biografia é mergulhar em uma história de vida e, muitas vezes, considerar as muitas vidas que se enlaçam na trajectória do biografado.” (Evangelista, 2013). Concordamos que escrever uma biografia é um trabalho árduo, pois ela requer pesquisas
Julho & Agosto | 35
O HALL OF FAME E A PROIBIÇÃO DOS PAIS
A
adolescência é o período de transição entre a infância e a idade adulta. É também a fase da descoberta não só do ponto de vista da fisionomia, mas, sobretudo, das aptidões. Em geral, os pais, apesar de não serem alheios aos problemas desta etapa da vida, embaraçam-se, não têm autoconfiança, não sabem como explicar e proíbem simplesmente. É necessária rebeldia para não deixar morrer o talento que fervilha em nós. Se, no início da sua carreira, os pais de Anabela tivessem que caracterizar a cantora, diriam apenas que é desobediente. A desobediência costuma ser confundida com rebeldia, por ambos conceitos apresentarem aspectos semelhantes. A sua rebeldia em cantar um estilo “marginal”, fê-la sentir a dureza dos seus pais que a proibiam com uma certa violência. Para “suportar” a pressão dos pais, aliou-se aos irmãos Beny e Mina. Estes aconselhavam a irmã, mais nova, a ser talentosa, a brilhar e não lhes fazer passar vexame. O primeiro dueto de Noite e Dia foi com Puto Prata. Puto Prata era conhecido pelo lado criativo e pelas composições. Ele compôs uma canção para a estreante que a gravou sem qualidade. O grande êxito de Noite e Dia, que a colocaria definitivamente no hall of fame, é a música Kibexa. Realista e nitidamente inspirada na expressão “persistência é o caminho do êxito” de Charles Chaplin, a artista irrompeu os paradigmas da sociedade e dos seus familiares. Depois deste hit (N.T êxito ou acerto), provou-nos que o Kuduro não é um estilo marginal. O kuduro é o portento de salvação para muitos jovens, alienados ou não, que vivem à margem do politicamente ou artisticamente correcto. Ele possibilita a integração destes ao convívio social. O kuduro é uma espécie de catarse individual ou colectiva. Através das letras podemos vislumbrar toda uma geração que sonha, que sobrevive aos dramas existenciais. É a partir desta visão que pensamos ser, o estilo kuduro, um antídoto à dor e ao desespero. Um chamamento à resistência e à resiliência.
36 | Palavra&Arte
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
A TEMÁTICA E A PERFORMANCE As letras da Noite e Dia revestem-se duma originalidade inconfundível, ou seja, meio “açucaradas” e “Instigantes” que despertam o corpo para a dança. Muitas vezes, estas letras criam uma música do tipo selfie. Música selfie é para mim uma espécie de auto-retrato. Neste sentido, o autor dá maior ênfase em si mesmo, revelando um certo narcisismo. É uma característica bem visível nas letras das músicas de Noite e Dia. Quanto à dança Kuduro, é muitas vezes teatralizada. Esse tipo de movimentações tem uma dimensão profícua, sendo que se torna uma espécie de veículo de comunicação, acabando, muitas vezes, por ter uma vertente curativa e interventiva. Um verdadeiro exemplo é a música “Lhe avança”. Ainda que tal música nasça num contexto imediatista do “selfie music”, onde o supérfluo tem peso de ouro, “Lhe Avança”, para mim, só pode significar a vontade dos homens que. Quando bem dirigidos, estes homens são capazes de trazer mudança social. A forma majestática e excêntrica de como se apresenta, o talento e a rebeldia fizeram da Anabela Etianeth Ferreira Bento a luz que irradia entre os palcos; da opacidade e privações encontrou a transparência, a luz. A luz que carrega no palco, que imprime em cada hit. A luz que lhe tornou rainha. Julho & Agosto | 37
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
DA MÚSICA À LITERATURA: DIMENSÃO LITERÁRIA DO KUDURO Texto: Wakala Isaac Manuel Muzombo
T
al como muitos vocábulos em Português têm origem Grega, o vocábulo música também teve a mesma origem, isto da palavra «musiké» que faz referência ao antigo canto em verso. Além desta fonte, há outras que afirmam que o vocábulo vem de «musiké tecné», que é arte das musas, ninfas, as deusas do ritmo e do canto. Para Dietrich Schwanitz existiam nove musas, seis delas ligadas à música: Clio (história e poesia épica), Calíope (poesia e oratória), Terpsícore (canto coral e dança), Érato (canção de amor), Euterpe (música e flauta), e Poliímnia (canto e hinos). Esta abordagem sobre as diferentes funções das musas remete-nos para a ligação da música com as outras artes. Faz-nos perceber ainda que a música não era uma arte isolada ou autónoma, mas sim que integrava/integra outras formas de arte, no nosso caso, a arte literária. Mesmo que não pareça, faz sentido a ideia de que exista uma relação entre a música kuduro e a literatura (poesia ou outro). Algumas músicas transmitem mais algo de poético, mas outras, nem por isso. Na realidade, são duas artes diferentes, pelo que existem também diferenças entre elas, por isso é que Grande é a resistência em aceitar a letra de música como poesia. Alguns críticos já traçaram listas de factores que manifestam a diferença entre essas duas artes. E, embora Manuel Bandeira já tenha dito “que por maiores que sejam as afinidades entre duas artes, sempre as separa
38 | Palavra&Arte
uma espécie de abismo”, recorremos à tradição e à história da poesia, que é marcada e acompanhada pela música: desde a Antiguidade, passando pelos trovadores, até aos simbolistas, notamos a afinidade entre música e poesia, entre outros aspectos, pelos sons, ritmos, rimas, aliterações, onomatopeias e jogos de palavras
Com base algumas afinidades descritas pela citação anterior, para o estilo kuduro, na sua estrutura formal, o primeiro sinal de semelhança que temos é a rima, pois, a busca de rima no kuduro é constante (muitas vezes, sem unidade das ideias anunciadas nos vários versos), dando-lhe, assim, o ritmo e a musicalidade que lhe são necessárias. Na tentativa da busca do ritmo, a maioria dos kuduristas opta pelo mesmo tipo de rimas, a emparelhada. A rima também justifica a construção moderna do kuduro, porque, segundo Chatelain, na música tradicional angolana, o recurso a rimas é raro. «Na poesia existem poucos sinais de rima, mas muitos de aliteração, ritmo e paralelismo» . Além disso, a própria noção que alguns kuduristas têm em organizar as letras em verso e estas, por sua vez, em estrofes, como se pode ver em Bruno M., apresenta-nos uma visão de proximidade entre as duas artes. Dessarte, isto é indicativo de que há uma aproximação entre o kuduro e a arte literária. Quanto à ligação da música e literatura, em séculos passados,
Na Idade Média, música e poesia permaneceram unidas: escrita e cantada pelos trovadores, as cantigas de amigo, amor e maldizer, documentadas na Literatura Portuguesa, marcam uma relação bem estreita entre essas duas artes. E procurando uma aproximação da música, os simbolistas vão usar análise da letra na música Morte, de Dj Naile e Fortaleza Urbana para isto. Em seus poemas, um grande número de aliterações, assonâncias, rimas e sinestesias comprovando assim que música e poesia caminharam juntas e que são várias as suas afinidades
Na literatura Portuguesa, esta forma de fazer poesia deu-se na Idade Média. Mas, de qualquer das formas, hoje, «O que pretendemos é encontrar a poesia na música, na letra da canção». Pretendemos encontrar a literariedade escondida no kuduro. Para Manuel Bandeira , é «que a poesia está em tudo – tanto nos amores como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas
disparatadas». Com isto, se a poesia está em tudo é porque está também na música, no kuduro, pois também aborda, de forma geral, os temas do quotidiano (alegrias, conflitos). A música é uma construção que parte do pessoal e que passa para o social. Assim sendo, a música «Morte» que propomos desconstruir apresenta alguma dimensão literária como, por exemplo, a personificação feita à morte. Ela é tida como um ser que pode fazer/deixar de fazer, tem vida e age. Daí o pedido de mais tempo de vida do sujeito poético. Ainda assim, faz recurso a uma música com algum cunho literário , para expressar os seus desejos. Depois desta abordagem, passamos a conceituar o kuduro e a apresentar algumas ideias a que alguns investigadores se dedicaram no estudo das manifestações culturais orais angolanas.
Os Lambas Na g r e l ha e Brun o K ing
Julho & Agosto | 39
KUDURO
CONCEITO DO KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
Na tentativa da desconstrução do conceito kuduro, apoiarnos-emos nas palavras de um dos ícones do mesmo estilo, o considerado kudurista erudito, Bruno M. assim, para ele, o «kuduro é um tesouro ambulante guardado nos cofres da rua» … Quanto a esta afirmação, achamos que se deve ao facto de o estilo encontrar a rua como o seu palco, porque é na rua em que começam os grupos de música e com eles os desafios de cantar e dançar. Fala de rua para se referir ao quotidiano. Sendo assim, é do quotidiano que vem a inspiração da maioria dos kuduristas, tal como nos foi confirmado pelos kuduristas Rei Panda e Rei Loi. A definição de Bruno M. leva-nos ainda a considerar o kuduro como um estilo de margem, porque está entre uma suposta canonicidade da música angolana e as culturas de massa. Ainda assim, o kuduro é um estilo que aborda temas de interesse social, desde a tristeza à alegria, o quotidiano dos trabalhadores e dos desempregados. Nele estão presentes as sátiras, a poesia variada, etc. Achamos que é uma verdadeira forma de se fazer a literatura, pois, como dizia Chatelain, na sua obra intitulada Grammática Elementar de Quimbundo: «A quinta classe é a da poesia e música, que vão de mãos dadas. Os estilos, épico, heróico, bélico, cómico, satírico, dramático e religioso, estão bem representados, embora a importância não seja igual […].» Provavelmente, não existe outra arte angolana, a não ser o kuduro, que descreve todas as formas de viver do nosso povo e que tenha tanta audiência. Como diz o kudurista Rei Loi, na conversa que tivemos com ele, em sua casa, «O kuduro é o estilo mais apreciado e que faz vibrar o povo em Angola». Isto se deve ao facto de o kuduro representar, de forma clara, a vida do povo, ou seja, boa parte do nosso quotidiano está representado nele. Além disso, Óscar Ribas, na sua obra Misoso, volume 3, trata «doutra forma de expressão literária, a poesia, que, como se sabe, anda
40 | Palavra&Arte
[…] Pode-se afirmar que as manifestações culturais orais angolanas classificam-se em seis classes principais […].
nos povos africanos intimamente associada ao canto». É neste sentido que continuamos a defender o kuduro como sendo uma manifestação literária. «Constitui a poesia negra angolana, não um produto da imaginação, […], mas o exteriorizar de um episódio vivido, quer individual quer colectivamente. Na sua estruturação, figuram adágios e remoques». Na realidade, o kuduro aborda os viveres dos angolanos, o sofrimento da zungueira, os ambientes festivos, as mortes, a política, o contraste entre a vida dos musseques e a cidade, as diferentes classes sociais, etc. Por isso, «Dadas as características da poesia popular angolana, representa ela uma excelente fonte de estudo do viver de tal povo. Desde a dor à alegria, desde o elogio à crítica, impõe-se essa poesia como um valioso subsídio psicológico». Assim, a partir do kuduro,
passaremos a estudar a cultura do povo angolano, aliás, porque ela (a cultura) passa por vários meios, na língua, dança, vestuário, música, etc. Assim, para o filósofo alemão, Herder, embora não descreva quais sejam os primeiros elementos da cultura, mas afirma que «as canções e a poesia do povo representam a quintessência da cultura». Ainda na classificação de Chatelain, que já citámos, acrescenta que «Em regra, a poesia é cantada, e a música raramente se compõe sem palavras». Contudo, por a poesia não constituir um género à parte, pensamos em analisar alguns aspectos da arte literária que o estilo musical kuduro engendra. Escolhemos uma das músicas para esta análise.
ANÁLISE DA LETRA NA MÚSICA MORTE, DE DJ NAILE E FORTALEZA URBANA Esta música está marcada por dois sentimentos: 1º. Tristeza/medo 2º. Perspetivas do eu lírico A expressão de sentimentos de tristeza do sujeito poético resulta das vítimas da morte. Além da tristeza, parece estar a exprimir algum temor diante da morte. A primeira estrofe da letra é dominada completamente pelo sentimento de tristeza/medo e angústia do eu lírico, fruto do desaparecimento eterno dos seus colegas músicos, os quais ele cita: (Action Nigga, Lourdes Van-Dúnem, Máquina do Inferno, Perereca, Amizade, Pega Leve, Bangão, Mamukueno e outros). Fala da partida destes colegas para um lugar eterno, sem possibilidades de regresso. O temor do sujeito poético é imensurável, pois apresenta uma autêntica rejeição à morte, que pode ser considerado um medo mórbido. Por o medo da morte lhe parecer algo incessante e que domina o seu espírito, sentindo-se incapaz de impedi-la, o eu líri-
co, sentimo-lo a procurar refúgio ao Divino, para que Este protegesse os seus companheiros. Protege os meus irmãos de euforria, Deus Todo Poderoso, eu te peço. A seguir, assistimos a sua identificação. Faz autoapresentação diante da morte, dando a conhecer as suas responsabilidades familiares e a isso é acrescido a ideia de responsabilidade paternal, por isso, a morte é entendida ainda pelo sujeito poético como uma entidade que age, com isso, pede-se-lhe tempo, para que não lhe leve cedo demais. Morte, eu sou pai de família, Não me leve agora, eu te peço Morte, me dá mais um tempo Morte, num me leve e nem me faz ruído.
No primeiro momento do poema, fazemse interrogações à morte, personificando-a. O eu lírico traz um verso autobiográfico, qualificando-se, e anuncia os seus medos por não saber como estão os seus colegas
Julho & Agosto | 41
falecidos. Surge aqui a incerteza do estado das pessoas falecidas, ou seja, o que se passa com os mortos? Há ainda a tentativa de chamar atenção à morte pelos danos que ele causou. Morte, eu tenho uma pergunta: Por que só os melhores vão cedo? Eu também sou um, tenho medo. Como está o Perereca? Morte, por que és ingrata? Vê o que fizeste com o Action Nigga, Bangão, e o Kiss Prata?
O eu lírico, tendo conhecido alguns responsáveis de grupos e localidades actuais do estilo kuduro, porém estes responsáveis já falecidos, dá recomendações à morte para que transmita a eles (responsáveis já falecidos), que o legado ou os grupos deixados, por exemplo, Bruno King e Nagrelha (Os Lambas), já estão separados, fazem carreiras a solo, por desentendimentos. A seguir, no refrão, faz-se sequência dos questionamentos à morte, mencionando todos os músicos que foram vítimas dela. Há aqui lamentações, expressão de sentimentos de cansaço, saturação, aborrecimento, insatisfação e, no fim, surge outra preocupação, a de saber até quando ela deixará de vitimar as pessoas. Já não basta, morte? Perereca, Amizade! Já não basta, morte? Puto Kiss, Djei Zi Py! Já não basta, morte? Máquina, Pega Leve! Já não basta, morte? Até aonde, morte?
Fazem-se ainda questionamento ao poema de Neto, Havemos de Voltar , onde o sujeito poético (em Neto) anuncia uma mensagem de esperança, dizendo que havíamos de voltar às casas, às nossas lavras, às praias, aos nossos campos
42 | Palavra&Arte
Porém, os questionamentos feitos pelo eu lírico na letra resultam do desespero e angústia provocados pelas mortes constantes de seus colegas. É uma solicitação feita ao Agostinho Neto, sobre a realização dos desejos anunciados pelo sujeito poético no seu poema. Disseram havemos de voltar… Ninguém voltou… Comé, Agostinho Neto?
Entretanto, o poema de Agostinho Neto não se referia a este contexto que o eu lírico menciona, pois, este poema faz parte da literatura de combate, pelo que Neto almejava liberdade. No entanto, como afirmámos, o questionamento feito ao Neto surge em virtude de desalento com o fenómeno morte.
2º PERSPECTIVA DO EU LÍRICO Se a morte lhe cedesse o pedido de vida longa: Apesar do medo incessante, o desejo de uma vida longa domina-o também, sentimos isto quando traça como meta: querer ver o seu companheiro Naile a vencer o Top dos Mais Queridos. No entanto, sabe-se que o kuduro, embora seja a música mais tocada em Angola, como afirmámos, é alvo de censura constante, pelo que fazer referência à vitória do mais prestigiado prémio da música angolana parece exagerado, pois o sujeito poético sabe que isto é algo que poderá levar muitas décadas. Mas dominado por desejos de vida longa, ainda acredita. Quero ver o Dj Naile a vencer o Top dos Mais Queridos
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
Em termos estruturais, a letra está composta por um intro e uma retirada, duas estrofes cantadas por duas pessoas diferentes. A primeira é cantada por Fortaleza Urbana e a segunda por Dj Naile. A primeira estrofe tem 32 versos, e a segunda tem 23 versos. No total, a letra é composta por 55 versos. O refrão é feito uma vez e depois de cada estrofe. Na verdade, essa construção poemática feita nas letras do Kuduro não corresponde integralmente com os requisitos de um poema (sílabas métricas, enumeração, número de versos por cada estrofe e figuras de estilo), pois, de forma geral, as estrofes do kuduro são irregulares, com mais de 11 versos, mas o que é usado e correspondente ao poema são a rima e a subjetividade. As duas estrofes da letra continuam
agarradas ao mesmo tema, que é o pedido à morte para que não leve cedo o eu lírico. O que justifica o título da letra. Acima disto, acrescenta-se a utopia de uma Angola unida e reconstruída. Portanto, o kuduro enquanto parte dos textos da literatura popular e pela descriminação que passa, devia ser mais valorizado, porque, para Arnaldo Saraiva «O desprezo e a desatenção em relação à literatura dita popular é muito mais do que um desprezo e uma desatenção de ordem literária: é o desprezo e a desatenção ao homem popular». Portanto, esses estilos populares, «… por mais pobres que sejam, terão sempre interesse literário». Além disso, «Se a música não agrada a gente surda ou muda, não quer dizer que a devemos desprezar».
2BIBLIOGRAFIA M. Bruno, Programa Sempre a Subir, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=QOvcTX6rEDY Consultado aos 01/12/17. M. Bruno, Tchubila (letra). Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=qWbpg2TLqfE .Acesso, aos 08/03/2018. CABRAL, Clara Bertrand, Património cultural imaterial – Convenção da UNESCO e seus contextos, edições, 70, Lda, Lisboa, 2011. Entrevista com o músico Rei Loy, em sua residência, Cazenga, 07/04/2018. ERVEDOSA, Carlos, Roteiro da Literatura angolana, União dos Escritores Angolanos, 1975 – 1985. JOSÉ, Roberto Silveira, O Livro dos dias: A poesia na música de Renato Russo, in “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei - Ano I - Número I – janeiro a dezembro de 2005 NETO, Agostinho, Havemos de Voltar, Disponível em http://www.agostinhoneto. org/index. php?option=com_content&id=561: desterro Acesso aos 13/04/2018.
Julho & Agosto | 43
KUDURO
Do gueto para o mundo o estilo que rompeu barreiras
O evangelho do kuduro segundo Kalaf Epalanga em “Também os brancos sabem dançar” “Ninguém me pediu para virar um missionário e enfrentar o mundo, como um élder a espalhar o evangelho do kuduro” Te x t o : O l i v e i r a P r a z e r e s
2014. O último livro de Kalaf é resultado de um desafio proposto pelo então amigo e escritor José Eduardo Agualusa aquando da realização de mais uma edição do festival Back2Black, no Brasil, onde ambos conversaram sobre o kuduro.
K
alaf Epalanga é um gentleman contemporâneo, uma mistura mais cool de Alfred Pennywort – mordomo de Bruce Wayne, o Batman – e de um angolano puramente benguelense, que destila todo o seu swag e swing sempre que é visto. Kalaf, além de músico e ex-integrante da banda Buraka Som Sistema, é também conhecido como um poeta e cronista de grande estatura corporal e fala afável. Quem o conhece reconhece nele o gosto apurado por factos, poesia e boa música. A sua estreia literária dá-se em 2011 com o livro de crónicas “Estórias de amor para meninos de cor”, depois seguiu-se “O angolano que comprou Lisboa”, em 44 | Palavra&Arte
É deste desafio que o autor autoficciona as muitas experiências e aventuras em prol da internacionalização do kuduro enquanto membro da banda Buraka Som Sistema. “Também os brancos sabem dançar” é um romance musical dividido em três partes com histórias distintas entre o kuduro, kizomba e uma Europa que se faz multicultural. É na essência da primeira parte do livro que a história do kuduro nos é apresentada por uma personagem autodiegética – o próprio Kalaf –, na tentativa de uma aventura frustrada, audaz e irresponsável de entrar em território norueguês com seu passaporte angolano já caducado e apresentar-se no festival de Oya com a banda Buraka Som Sistema. A detenção num posto fronteiriço não tardou. Kalaf é submetido a um interrogatório como se fosse um terrorista, pois,
além de estar numa situação ilegal, afirma ser um músico-kudurista que cruzava a Europa “pregando as boas novas do kuduro”, causando estranheza aos nórdicos que nada sabiam deste estilo que aos poucos ganhava o mundo. É neste episódio que o autor viaja com reflexões entre o presente e o passado das origens do kuduro, que nos fazem surgir nos bairros mais recônditos de Luanda e de Lisboa, nos puros guetos por onde o kuduro flui. Dicas e paranóias, nomes de kuduristas, bailarinos e impulsionadores deste estilo são recorrentes na memória do autor. “Também os brancos sabem dançar” é de longe um romance despretensioso. Escrito de forma simples e com uma narrativa fluída, que proporciona aos seus leitores uma leitura rápida e fácil. É visível a preocupação do autor em narrar de forma biográfica para que os leitores e o mundo entendam e conheçam o berço, as origens e o desenvolvimento do kuduro, este estilo que tem rompido barreiras e ganhado o mundo.
Kalaf Epalanga
Julho & Agosto | 45
O HOMEM QUE PLANTAVA AVES GOCIANTE PATISSA A narrativa de Patissa marca-se como uma escrita crítica, que, pela construção de um humor fino, destila suas críticas contra paradigmas do homem. Com um conjunto de 14 contos e uma fábula, Gociante Patissa constrói suas histórias explorando um enredo criativo e único. Com a caractéristica de um escritor-parodista, o autor cria suas histórias com uma escrita concisa e leve, porém estruturada pelas palavras de um homem que enxerga além da construção social, mas tão necessária de ser repensada.
DIÁRIO DE UM PROFESSOR (A)NORMAL EDY LOBO Neste “diário”, temos um conjunto de reflexões de um professor sobre a condição de pessoa que actua como profissional na sala de aulas para atender à educação escolar formal. Por norma, nos tempos de hoje, os diários são peças obsoletas - substituídas pelas páginas das redes sociais e outros meios electrónicos. Entretanto, temos entre nós um professor que faz diários, como muitos outros também. A diferença reside na ousadia de este professor partilhar, sem vergonha, o seu diário com os demais.
AS SIMETRIAS DE MULHER, MARQUITA 50 Em As Simetrias de Mulher, Marquita 50 pretende rejuvenescer a agressevidade dos versos com que busca todos os seus sonhos do mundo, no mundo, os conflitos da alma contra a sociedade injusta, bem como o contraste da existência que ajuda a entender o sentido para a experiência viva dos homens no trabalho de escritor em detrimento daqueles que degradam a literatura. 46 | Palavra&Arte
MURMÚRIOS DO SILÊNCIO MOZIER JOCAND Numa estética emotiva, o escritor em causa faz-se refém da realidade e forçadamente decidi esculpir em murmúrios um silêncio gritante numa oficina viva em que se trabalha a palavra para abafar as chaminés da intolerância cultural, do desperdício da memória religiosa e do sacrifício com que se faz o homem e a sociedade aos olhos de Deus nos dias de hoje.
DIAS DA NOSSA VIDA, ISAQUIEL CORI Dias da Nossa Vida é um romance de matriz realista que nos dá a conhecer o quotidiano de um responsável dos Serviços de Informação da República de um país fictício que, numa relação de analogia entre a realidade e a ficção, bem se poderia chamar Angola, em razão da biografia do autor; do quadro político que traça, muito similar ao de uma Angola não tão longínqua; da alusão à cidade capital, Luanda, e de todo um conjunto de factores e ideais que vêm formalmente objectivados na obra, que se ligam à realidade através das categorias de intertextualidade e verosimilhança.
RITMOS DA LUTA, O SEMBA COMO FERRAMENTA DE LIBERTAÇÃO, FERNANDO CARLOS Ritmos da luta: O semba como ferramenta de libertação é uma pintura teatralcolorida com tons e sons poéticos que imprimem na nossa história recente o encanto da palavra cantada. Esta sugestiva obra traz no coração da sua tela-musseque uma fotografia implantada pelo agrupamento musical Ngola Ritmos, que nos anos 40 entrou para a nossa história, escrevendo seu percurso com letras e ritmos de ouro, dando ao semba uma postura senhorial. A dramática história reflecte ainda o amor pela terra, a necessidade de liberdade, a resistência ao colonialismo, a emanciapação e o empoderamento do homem angolano. Julho & Agosto | 47
E S PA Ç O
PÚBLICO
DISPONÍVEL PARA PUBLICIDADE ESTE ESPAÇO PODE SER SEU PUBLICITE AQUI O NEGÓCIO DA SUA EMPRESA PUBLICIDADE@PALAVRAEARTE.CO.AO
48 | Palavra&Arte
Po rt folio
Angola
Um recanto do mundo que vale a pena conhecer Texto: Allicia Santos |
Julho & Agosto | 49
T
A Necessidade do Fomento do Turismo Nacional
urismo é toda deslocação feita para fora do seu ambiente habitual, num período superior a um dia e inferior a 365 dias sem que no destino se desempenhe uma função remunerada. Falar de Turismo é referirmo-nos a experiência de visitarmos um outro local, a convivência com pessoas desconhecidas, a audácia de decidir viver uma aventura, ou seja, é o sair da zona de conforto e ver o grande contraste do novo e do velho de Angola. Gostaria de citar: Angola é um país grande e belo. Angola possui, de facto, um ecossistema muitíssimo rico, de florestas a deserto, de planícies e montanhas a estes 1.200 km2 de costa marítima, as praias, com uma singularidade de formarem ondas para o sentido oposto ao comum; de grutas e águas termais, quedas, rápidos, cachoeiras, lagos e lagoas. Angola é, vale mesmo sublinhar, um mosaico cultural, como enunciou o poeta maior, desde ruínas históricas a história viva como o povo himba e camussequele que no nosso território habita. Sair de Luanda e conhecer a história, interagir com os locais, conhecer pessoas fora da nossa esfera social, ouvir as suas histórias, o seu profundo conhecimento da vida é algo que vale a pena, tal como sentir as suas dificuldades, a sua simplicidade de viver e, apesar de tudo, ainda ser-se incrivelmente feliz, com um sorriso de uma ponta a outra. Conhecer Angola, sua história, sua cultura e suas gentes é uma experiência única!
50 | Palavra&Arte
do
Grutas
S a ssss a
Diz a lenda que nossos ancestrais costumavam se esconder nessas cavernas para fugir do pagamento de impostos Julho & Agosto | 51
do Deserto do o c r A
Na m i b e 52 | Palavra&Arte
Fotografia no fenómeno do turismo nacional Se não houvesse turistas aventureiros, nacionais, curiosos, com máquinas fotográficas, não saberíamos de muitas riquezas do nosso país. A fotografia é uma linguagem, um instrumento visual de comunicação. Se não capturássemos esses momentos, esses lugares, ninguém acreditaria nas coisas mágicas que existem no nosso país. E poderia também citar aqueles momentos caricatos em que se fotografa a essência de um determinado povo e depois as imagens estarem todas escuras, por motivos alheios ao que é o nosso discurso. Passo a citar o Views of Angola como um dos maiores propagadores dos potenciais turísticos dos recantos do nosso país. Sim, potenciais turísticos, pois, para ser um destino ou um local turístico é necessário que existam condições para uma estadia: alojamento, meios de comunicação, transportes, restauração. Além de contadores de histórias e turistas internos, o grupo mostra-nos Angola de outros tipos. Uma Angola nossa, que não aparece na tv. Retratos do nosso quotidiano, estratos de diversas experiências vividas, inúmeros quilómetros percorridos.
Foto: @adyleao |
Rostos, conversas, trajectos. Angola tem sabor, tem cheiro, tem cor. Somos receptivos, acolhedores, calorosos e dispostos a ajudar. Existem lugares e experiências que, contadas sem ilustração visual, parece que saíram de um conto, parece que foram fábulas; podemos chegar a questionar a sanidade mental da pessoa, se apenas ouvirmos a explanação das suas aventuras no nosso país. É como se tivesse saído de um filme. A nossa terra é fresca, é viva, tem o som dos pássaros pela manhã, dá para sentir toda galáxia no fim do dia, bem debaixo dos nossos narizes, a partir de cada recanto. As cidades do interior aconchegam a alma. Angola é autêntica. É um destino virgem e cheio de potencial, da qual, através de um clique, temos acesso a apenas uma ínfima parte.
Julho & Agosto | 53
A danca , dos e m b o n d e i r os N z e t o, Z a i r e
Foto: @bellawhitefoto |
54 | Palavra&Arte
, Sob os ceus est relados do Cunene
"Silêncio, estrelas, céus colorindo todo o lugar para si, e isso é algo que nenhum dinheiro pode comprar” Foto: @marinonicolas |
Julho & Agosto | 55
A l e g r ia do povo,
Huila
Foto: @jessartes|
56 | Palavra&Arte
K u lu m bi m bi
Uma Coisa Ant iga e Mist e riosa
Mbanza Congo, Património Mundial da Humanidade "Aqui encontram-se as ruínas da primeira Sé Catedral em África. Junto a ela está o cemitério dos Reis do Kongo onde foram enterrados 14 reis.” Foto: @agamoto|
Julho & Agosto | 57
Leba como nunca vist e!
Foto: @adyleao |
Foto: @kodilu|
Rapidos do K wanz a
…2.7km é o cumprimento da ponte sobre o rio Kwanza que liga a província de Malanje a do Kwanza-Sul, encontram-se as Cataratas do Porto Condo, também conhecidas como Rápidos do Kwanza, no município de Cangandala, que exibem uma beleza inolvidável a qualquer altura do ano. 58 | Palavra&Arte
Igreja catolica
em Samba Caju
Foto: mauro_s3rgio| Julho & Agosto | 59
Ilha
de
Luanda 60 | Palavra&Arte
Ilha de Luanda é um cordão litoral, em Angola, composto por uma estreita porção de terra com 7 km de comprimento, separando a cidade de Luanda do Oceano Atlântico. criando a Baía de Luanda. Foto:@gayjosiartistry|
Julho & Agosto | 61
E n s a i o
A dicotomia entre onomástica antroponímica como meio de manifestação cultural e como meio de expressão cultural
P
Texto: Hamilton Artes
ela sua extensão sociocultural e impregnação linguística quanto à sua concepção no subconsciente dos diferentes falantes, o presente diálogo subscreve-se na dicotomia existente entre a Onomástica antroponímica como meio de manifestação cultural e como meio de expressão cultural na perspectiva da diversidade e interacção sociolinguística. Assim sendo, a Onomástica é o ramo da linguística que estuda os nomes próprios e de lugares. A mesma ramifica-se em Antroponímia e Toponímia. Parte-se do pressuposto de as palavras “manifestação” e “expressão” serem sinónimos não perfeitos, porém no presente diálogo são antagónicas. Para o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001, p. 2362), “manifestação” provém do latim manisfetatio, -õnis, que significa acção de manifestar ou de se manifestar. No presente diálogo, translada o conceito etimológico para o campo do semantismo. Por conseguinte, abandona o significado lexical pejorativo atribuído por uma parte da comunidade linguística angolana em que está intrinsecamente relacionada à ideia de confusão, frustração. Por exemplo, qual será a análise dos diferentes segmentos sociais angolanos, se numa proposição for escrito” o Mário manifestou o seu descontentamento pela forma como é gerida o bem público”? Ele será visto como confuso, frustrado. Quer-se com isto dizer que, para o diálogo a que se propôs, a manifestação Onomástica antroponímica refere-se à ideia da pluralidade cultural. Subsequentemente, a pluralidade antroponímica remete-nos
62 | Palavra&Arte
para o campo da aceitação cultural e não do universalismo cultural. Por existir similaridade na Onomástica Bantu, recorre-se à segmentação, primeiro, por a manifestação funcionar como a macro identidade cultural, como meio de inclusão sociocultural e segundo, por a expressão, circunscrevendo o campo da singularidade, ser indecisa, pois que, à medida que absolve o significado regional de cada grupo etnolinguístico, “Jamba” é para o povo Ovimbundo, e “Venokanya”, para o povo kwanyama. Também os exclui uma vez que tem havido uma certa resistência na coabitação da diversidade antroponímica. Às vezes, somos aceites na pluralidade, isto é, na manifestação. Negados na singularidade, isto é, na expressão. Acredita-se que o referido processo decorra aleatoriamente pela forma como os indivíduos são instruídos pela sua comunidade de pertença ou pelas influências socioculturais que acabam por se reflectir no comportamento social. Porém, Herbert Schaffer (1984, p. 19) diz que “Não esqueçamos que nem as influências do meio nem o equipamento constitucional determinam a personalidade – repetia com insistência [Alfred Adler]. – Eles constituem a estrutura e as estimulações a partir das quais o poder criador do ser molda a estrutura do seu psiquismo”. A título de exemplo, numa actividade que aconteceu num dos municípios da província do Cunene, alguém se dirigiu a mim nos seguintes termos: “ele é Venokanya, Kwanyama, mas não é da minha área, «Ombadja»”. Não se pretende abordar de forma isolada por Angola ser um mosaico multicul-
A Onomástica antroponímica é também um repertório do valor cultural de um povo tural, mas relançar as bases para se debater abertamente e compreender se há algo de comum relativamente à onomástica antroponímica e, posteriori, restabelecer a dicotomia existente entre a onomástica como meio de manifestação e como meio de expressão. Segundo Júlia Kristeva (1969, p. 28), “Na teoria de Peirce, o signo linguístico é uma relação triádica que se estabelece entre um objecto, o seu representante e o interpretante.”. Se aterse ao signo linguístico «Deus», arbitrariedade defendida por Freud, aquele remete-se para «Nzambi» em determinada comunidade linguística, e «Kalunga», para outras. A dicotomia consiste no facto do signo «Deus» ser plural, isto é, quanto à manifestação, trata-se de uma Divindade, e quanto à expressão, há uma singularidade, pois que a sua concepção e interpretação é segundo a dúvida que se tem da sua suposta tonalidade de pele, se branca ou negra, ou do seu tamanho corporal, se gordo ou magro. Numa leitura hermenêutica, julga-se ser similitudes relativas em função da dimensão interpretativa de cada grupo etnolinguística. Notar-se-á que, para determinada comunidade linguística, os gémeos chamam-se Kakulu e Kabasa. Para o povo kwanyama, é Mandume e Weyulo, Ngueve e Hossi para os Ovimbundos. Reter-se-á o denominador comum gémeos. Num olhar historiográfico, vê-se que a problemática em torno da onomástica antroponímica Bantu sempre dividiu abordagens, tendo em conta os diferentes processos a que se esteve sujeito, principalmente desde os reinados em que houve uma marginalização significativa imposta pelo analfabetismo funcional quando os reis do reino do Congo passaram para ono-
mástica europeia de Nzinga Nguvo para o rótulo de «Dom João I do Kongo»; Muene-Soyo para o rótulo de «Dom Miguel»; Nzinga-a-Mbemba (filho de um dos reis) para o rótulo de «Dom Afonso». Viu-se também que a convivência existencial com a instituição cultural colonial deu continuidade a despersonalização antroponímica e, subsequentemente, a alienação em que, para se sentir assimilado, se devia ou se deve abandonar a instituição cultural angolana, desde os nomes, a língua, o vestir. A breve incursão diacrónica é simplesmente para subsidiar o presente diálogo. Concomitantemente, as fronteiras dicotómicas entre a onomástica como meio de manifestação cultural e como meio de expressão é estreitíssima do ponto de vista ontológico. Na manifestação, todo o ser Bantu não morre, transcende de forma ilimitada e vasta. Na expressão, esta transcendência não é vertical. O espaço cósmico cultural angolano por não ser homogéneo torna difícil a coabitação entre a manifestação e a expressão. Neste processo transcendental, assiste-se, a prior, transcendência antroponímica genealógica, posteriori, a fisionomia antroponímica. A Onomástica antroponímica é também um repertório do valor cultural de um povo, por sua vez, a consciência despida do conhecimento antropológico cria assimetrias entre as comunidades sociolinguísticas. Por toda comunicação ser infinita, fica o repto de se ter cautela na abordagem e convivência entre a manifestação e a expressão.
Julho & Agosto | 63
FAÇ A C O M E S T I LO
Texto: Roldão Ferreira | ............................................ Em 13 pontos, lançamos elementos fundamentais para constituição de um grupo carnavalesco, desde a escolha da dança, organização, composição dentre outros elementos técnicos ou administrativos inerentes da actividade carnavalesca. Neste âmbito, enumeramos os seguintes pontos:
Como criar um grupo
carnavalesco
1) Escolher o tipo de dança que irão representar entre o Semba, Kabetula, kazukuta ou Dizanda ou outro tipo existente no local. 2) Escolher o nome do grupo, consultando alguns nomes já existentes ou outro mais actualizado para que não haja conscidências 3) Indicar as características do grupo, se é de raiz tradicional para participar em concurso ou apenas Bloco de Animação 4) Seleccionar 5 (cinco) elementos que deverão integrar o Corpo Directivo para os seguintes cargos: - Presidente - Secretário-geral - Director Artístico - Comandante - Tesoureiro 5) Marcação da data e local para uma reunião de concertação, com a seguinte ordem de trabalho: 5.1) Análise do nome, tipo de dança e características escolhidas. 5.2) Distribuição de tarefas aos membros presentes ou não, para angariamento de sócios e patrocinadores individual ou colectivo. 5.3) Escolha do tema a apresentar pela primeira vez elaborando-se o enredo, seleccionando-se os elementos que irão apresentar o Rei, a Rainha, o Conde, a Princesa, a Enfermeira, os dois Gentios, o Comandante, os Percussionistas (uma Ngoma, duas Caixas, uma Corneta e outros instrumentos
64 | Palavra&Arte
julgados necessários), o Porta Painel, os Chefes das Alas de Bailarinos (Homem e Mulher), o Teatrista, o Coregráfico, o Músico, O Pintor, o Decorador Alegórico, o Chefe da Falange de Apoio e o Chefe de Protocolo. 5.4) Recorrer ao arquivo videográfico para tipos de actuação dos grupos já consagrados em termos de dança e indumentárias. 5.5) Contactar alfaiates, funileiros, decoradores e outros artífices para quantificar os custos totais inerentes a primeira actuação do grupo. 6) Angariamento de Fundos. 7) Filiar-se na Associação Provincial junto do núcleo municipal da área em que estão sediados. 8) Procurar um espaço para sede e ensaios preparativos do grupo 9) Consultar o regulamento Geral do Carnaval
e Manual do Júri para melhor se prepararem e concorrerem com eficácia. 10) Consultar a Comissão Provincial Preparatória do Carnaval na pessoa responsável da área da Acção Cultural para melhores esclarecimentos sobre o comportamento do grupo em actuação. 11) Participar atentamente nos encontros sobre palestras seminários, oficinais e workshops a que forem convidados, com pontualidade disciplinar. 12) Pesquisar obras literárias sobre o nosso Carnaval, entrosando o Tradicional ao Modernismo, sem imitações a comportamentos estrangeiros, para a preservação das nossas raízes culturais. 13) Realização de actividades recreativas para concentração dos membros no sentido de os moldar numa única linguagem e/ou angariamento de fundos.
Fonte: Carnaval, Revista anual do Ministério da Cultura, 2015, ano 12, nº11, pág. 08 e 09
Fotos: @jessartes| Julho & Agosto | 65
Entidades
Museu da moeda BREVE HISTORIAL DO MUSEU DA MOEDA O Museu da Moeda apresenta a história do dinheiro desde o Zimbo até ao Kwanza. Único na sua vocação, este museu expõe as colecções de numismática e de notafilia do Banco Nacional de Angola. Há à disposição alguns objectos de enquadramento e dispositivos audiovisuais que ilucidam melhor os visitantes sobre o nosso passado. Este breve roteiro tem o propósito de fundamentar a interpretação dos temas que constituem a narrativa do museu. A museografia assenta em núcleos temáticos que focam os pré-monetários e outros meios de pagamento, histórias de moedas singulares, a iconografia do dinheiro, a evolução da banca, ilustrações de notas, os elementos de segurança e testemunhos pessoais sobre o papel do dinheiro na vida do cidadão angolano. A HISTÓRIA DO KWANZA Falar da trajectória do Kwanza é uma autêntica viagem no tempo, com importantes e obrigatórias paragens. Começamos no Nzimbu, pequena concha ou búzio, extraído das praias da Ilha de Luanda. Na sua maioria eram apanhados principalmente por mulheres, sendo que os de cor cinzenta eram considerados de maior valor. Chegamos ao Libongo, pequeno pedaço de tecido de várias dimensões e qualidades, feito à base de fibras da palmeira-bordão. O Sal também foi uma das nossas moedas. Este bem proveniente das minas ou salinas da Quiçama, era moldado em peças de diversas formas como pedras e barras. 66 | Palavra&Arte
Estamos no final século XVI, onde se começa a usar o Marfim. Este novo meio de pagamento revela-se a principal fonte de receita do comércio com o exterior. Findo este período, surge o Cobre. Esta moeda de troca tornou-se numa referência nas transacções comerciais, sendo o metal mais usado para fabricação de utensílios de uso diário como facas, enxadas, flechas, punhais, copos, manilhas, colares e fios. Aproximamo-nos do Cauri, um pouco antes da nossa viagem terminar, apresentando-se como concha branca de rara beleza, que se afirma durante muitos séculos como a moeda corrente em várias regiões do mundo. Por último, as Contas, objectos ornamentais feitos de sementes, de raízes aromáticas, cilindros, de marfim, pedaços de ossos, dentes, unhas e outros adornos. É por tudo isto, e muito mais, que a História da nossa Moeda é considerada rica. Venha conhecer o nosso Museu da Moeda, baluarte da nossa História. PLANTA E SERVIÇOS O Museu da Moeda dispõe de todas as facilidades necessárias para que os seus visitantes disfrutem de uma visita com todo o conforto possível. Assim, têm ao seu dispor uma cafetaria com mais de 26 m², um bengaleiro com 10 m² de arrumação, 6 instalações sanitárias e uma loja de brindes com uma área superior a 50 m². Nesta loja, todos poderão levar um pedaço na nossa cultura para casa. Um pedaço da nossa História. Da nossa Angola.
Símbolos Monetários de Angola NZIMBU É uma pequena concha "marisquinho” ou búzio cinzento, que as populações, mulheres essencialmente, extraíam nas praias da ilha de Luanda. Segundo Parreira, o Nzimbu (Olivancillaria nana) é diferente do cauri (Cyporea Caurica ou Cyporea moneta). Os Nzimbu eram propriedades do soberano do Kongo. Na época, esses locais constituíam uma verdadeira casa de moeda, onde se recolhiam, em grande quantidade. Era uma moeda de conta, de mais valor que corria, naquele reino, muitos séculos antes da chegada dos primeiros portugueses no território (1482).
SAL
Este produto provinha de minas ou salinas da Kisama (caso das pedras de sal de Ndemba), das regiões entre o Lui e o Cwango e as de Benguela, etc.). O sal era moldado em peças de diversas formas: pedras, barras, etc., embaladas em pacotes e transportado pelos profissionais "carregadores” que percorriam de lés-a-lés o território angolano.
CRUZETA DE COBRE
Os povos das regiões do Kongo, Ndongo e Lunda eram, desde muitos séculos, exímios ferreiros. O metal era usado para fabricação de utensílios de uso corrente. Por serem muito procurados, os utensílios fabricados tornaram a ser uma referência nas transacções comerciais. MOEDA METÁLICA E FIDUCIÁRIA EM ANGOLA Em 1694, o governador Jacques de Magalhães trouxe a primeira moeda metálica, a Macuta. Com o incremento do tráfico de escravos, apareceram várias moedas estrangeiras em ouro e prata. Em Angola, a introdução do papel-moeda data de 1864, com a criação do Banco Nacional Ultramarino (BNU). KWANZA A Lei da Moeda Nacional, nº 71-A/76 de 11 de Novembro criou o Kwanza, nome que deriva do maior rio que corre em Angola. A 8 de Janeiro de 1977, o Governo do país procedeu a troca das velhas notas da moeda colonial pelas novas notas nacionais.
VISITE
O
MUSEU
DA
M O E DA
Endereço: Av. 4 de Fevereiro 151, Luanda |Horário: 09h - 15h | Telefone: 226 431 231 http://www.museudamoeda.bna.ao
Julho & Agosto | 67
PALAVRA&ARTE
ANOS Ao serviรงo da
arte e cultura nacional W W W. PA L AV R A E A R T E .C O. AO
68 | Palavra&Arte