Janeiro de 2022 • Ano 03 • Nº 19 • R$ 15,99
O QUE SERÁ Brasileiros que não se sentem representados pelo Palácio do Planalto e Congresso Nacional mostram insegurança com as definições de 2022
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Editorial ‘Não tem governo, nem nunca terá’
Um ano decisivo
Tendo como pano de fundo a marcante canção de Chico Buarque: “O que será que será? (de 1976, ano que a Ditadura Militar ainda vigorava no Brasil)”, a REVISTA CENARIUM convida o leitor à reflexão sobre as decisões a serem tomadas em 2022 que podem mudar o destino de grupos sociais que, hoje, estão sob o risco da liderança daquele que “não tem governo, nem nunca terá”.
“Como será o amanhã? Responda quem puder”, diz o samba “O Amanhã”, lançado pela Escola de Samba União da Ilha do Governador no Carnaval de 1979, e que ficou famoso na voz da cantora Simone quatro anos depois. A letra da canção fala sobre o futuro e se encaixa com o ano que começa. Em muitos sentidos, 2022 será decisivo, para o planeta, para o Brasil e para a Amazônia.
Um admirador de torturadores da Ditadura (1964 – 1985), Jair Bolsonaro foi eleito com a promessa de, segundo ele próprio, retornar à “prosperidade” do período militar, mas obteve, até agora, os negativos econômicos e sociais do regime, além de legitimar preconceitos contra indígenas, negros, LGBTQIA+ e ideologias contrárias à dele.
Depois de um 2021 de enormes desafios e dificuldades em todos os setores, a expectativa gira em torno do fim da pandemia, das eleições presidenciais e gerais no Brasil, da esperada recuperação da economia pós impacto da Covid-19, e de importantes decisões que impactam de forma definitiva a vida dos povos originários do País e a resistência da floresta.
Embora não tenha admitido, Chico usou na canção “O que será que será?” letras e signos que remetiam às angústias do período que deixou milhares de mortos e desaparecidos no País. Um regime de opressores, cujos seguidores beiravam à idolatria. Uma fase do Brasil obscura para a Cultura, Educação e Ciência.
Haverá outras ‘ondas’ de contágio de Covid-19 e suas incansáveis mutações? Teremos novas pandemias e epidemias? Conseguiremos distribuir vacinas a todos para uma imunização horizontalmente coordenada no mundo? Haverá fôlego para fazer girar a roda de negócios e criar empregos? Os direitos dos indígenas serão preservados no julgamento da tese do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal? Será fortalecida a rede de proteção à Floresta Amazônica? Que futuro vamos escolher para o Brasil, enquanto Nação, e para os Estados nas eleições? Essas e outras perguntas terão suas respostas em 2022. É o que se espera.
A alta na atividade econômica (Produto Interno Bruto) na Ditadura não foi suficiente para resolver o abismo na distribuição de renda e fez agravar a redução do poder de compra do trabalhador: em 1964, o salário mínimo equivalia a R$ 1,2 mil e, no fim do regime, o “mínimo” representava R$ 620, em valores atualizados. Voltando ao Brasil de hoje, a perseguição física contra opositores só não ocorreu no governo de Bolsonaro pela força e coragem da imprensa. Por outro lado, a omissão que matou 620 mil brasileiros e outros milhares de fome mostra que é insustentável a permanência dele no poder. Apesar das dúvidas sobre o futuro, resta ao País ter esperança com as atuais pesquisas de intenção de voto para presidente da República e vislumbrar os últimos versos da “canção-tema” da capa de janeiro da REVISTA CENARIUM: “Que todos os avisos não vão evitar. Porque todos os risos vão desafiar. Porque todos os sinos irão repicar. Porque todos os hinos irão consagrar. E todos os destinos irão se encontrar. E mesmo o Padre Eterno que nunca foi lá. Olhando aquele inferno, vai (nos) abençoar”.
Para cada escolha a ser tomada, um desfecho que pode levar a todos nós por caminhos contrários. Teremos que escolher entre “petismo” e “bolsonarismo”, reeleição e novos governadores, preservação e devastação, respeito a direitos humanos e intolerância, igualdade e desequilíbrio, negacionismo e ciência, avanços e retrocessos. Nesta edição, quando se inicia um ano de tantas decisões, a REVISTA CENARIUM, analisou fatos e o quadro político, econômico e social que fechou 2021 e as tendências para 2022. Ouvindo especialistas, esta edição busca gerar reflexões sobre os caminhos a seguir. Na capa, o retrato da diversidade e a interrogação: depois da tempestade, vem a bonança para todos?
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Sumário
Leitor&Leitora
Janeiro de 2022 • Ano 03 • Nº 19
💬 É fato
💬 Representatividade na COP26
A REVISTA CENARIUM sempre nos mantém bem informados, e agora, com o selo de: “É Fato”, só fortalece o compromisso com seu público, isso me permite compartilhar o conteúdo sem medo! Estou muito satisfeita em poder acompanhar a revista, não perco nenhuma edição.
Ter jovens engajados nas causas ambientais nos faz sentir representados e confiantes em um futuro melhor para a posteridade. A jovem Txai Suruí deu um show ao falar com propriedade do assunto.
Kamila Caió Manaus – AM
Diego Fernandes Porto Alegre – RS
💬 CENARIUM no Japão Ser incorporada à Biblioteca da Universidade de Nagoya, no Japão, só reforça à seriedade da revista e a capacidade de chegar cada vez mais longe. Evilyn Queiroz Manaus – AM
💬 Informação com profissionalismo
💬 Perdas de 2021
Em meio à era de Fake News e à chuva de “desinformações” que recebemos diariamente, é essencial acompanhar uma revista com profissionalismo e responsabilidade em suas matérias. Mesmo à distância, acompanho, sem medo, o que acontece em meu Estado, graças à REVISTA CENARIUM.
No ano de 2021, perdemos muito mais do que ganhamos. Perdemos dignidade com um aumento assustador de desemprego, autônomos perdendo seu negócio, famílias em luto, medo do desconhecido, ganhamos vacina e com ela a esperança de que a “normalidade” possa voltar para o nosso dia a dia.
Suelen Lins Princeton – New Jersey (EUA)
💬 Garimpo ilegal Parabéns a REVISTA CENARIUM pela cobertura do garimpo no Rio Madeira. Por ter ouvido os trabalhadores, mostrando o lado humano e a luta diária pela sobrevivência, não querendo destruir mas resistir ao tempo difícil que vivemos. Antônia Borges Autazes – AM
► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE Da mata à savana....................................................................08 Efeito reverso...........................................................................10
► CENARIUM+CIÊNCIA
Até quando, pandemia?.........................................................38 Brasil no Qatar........................................................................40 Nossa capa...............................................................................42 Território da morte.................................................................44 Alma do negócio: mulheres empreendedoras do AM........48
Brasília – DF
Viver de ‘bicos’ é o ‘novo normal’.........................................52
‘Camaradagem’ com o dinheiro do povo............................16
💬 Seriedade
Avanços no Amazonas...........................................................18
Parabéns a REVISTA CENARIUM pelo excelente trabalho, sério, relevante e de qualidade.
“Assumo um compromisso com a verdade e com a
São Paulo – SP
transparência”.........................................................................20 Amazonense lidera mulheres do PT.....................................22
► ARTIGO – ODENILDO SENA A solidão da escrita ................................................................23
💬 Gordofobia
COLUNA VIA BRASÍLIA ................................................24
Combate à gordofobia, um assunto que precisa ser mais divulgado, debatido, combatido e esclarecido. Parabéns a REVISTA CENARIUM, gostei da matéria.
► ECONOMIA & SOCIEDADE
Pará puxa PIB do Norte para baixo.......................................54
► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS ‘Desgraça ao meio ambiente’.................................................56
► ARTIGO – MARCELO RAMOS A educação salva ....................................................................57
► ENTRETENIMENTO & CULTURA Investimento que ressoa.........................................................58
► VIAGEM & TURISMO Viagem ao etnoturismo .........................................................60
► DIVERSIDADE
O QUE SERÁ QUE SERÁ?
Respeito às diferenças.............................................................62 ‘Sou filha de um povo guerreiro, nasci preparada para tudo’.....................................................64
Maria das Graças Silva
Claudia Lins
Um ano de decisões...............................................................26
Manaus – AM
Manaus – AM
Eleições 2022 e o futuro do Brasil ........................................28
💬 E-mail: cartadoleitor@revistacenarium.com.br | WhatsApp: (92) 98564-1573
Ciência: como resistir?...........................................................36
Nanotecnologia amazônica...................................................14
Indígenas: garantia de direitos ou retrocesso?.....................30
💬 MANDE SUA MENSAGEM
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Angélica Santos
► PODER & INSTITUIÇÕES
💬 Reflexões
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O poder da escama do pirarucu............................................12
Antônio Carlos Simões
Eu amei a revista de dezembro, por trazer uma reflexão em todas as áreas: meio ambiente, saúde, política, sociedade, humanidade. Me emocionei ao ler a matéria sobre a Desnutrição Yanomami, sobre o Rio Madeira, me enfureci ao ler a matéria sobre o Recorde de Desmatamento, refleti sobre as matérias de política, afinal de contas, em 2022, tem eleição e toda essa reflexão é importante para decisão de um voto consciente.
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Meio ambiente: projeto de lei é ameaça..............................32 Para onde vai a inflação?........................................................34
Impasse na educação..............................................................66
► ARTIGO – REGIANE PIMENTEL Mundo assiste em silêncio à guerra contra mulheres ........69
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
REVISTA CENARIUM
Da mata à savana
Zerar o desmate e fazer restauração em grande escala E como evitar esse cenário de caos? Segundo Carlos Nobre, é preciso, de forma urgente, modificar as políticas de uso de terra e desmatamento. Além disso, é necessário investir no processo de aceleração de reflorestamento, principalmente no sul da Amazônia, região intensamente degradada.
Até 2100, a degradação da floresta amazônica associada às mudanças climáticas provocará calor extremo no Norte do Brasil, expondo mais de 11 milhões de pessoas ao risco de graves problemas de saúde Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
Sobre a pesquisa
Destruição da Amazônia influencia no ‘estresse térmico’
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ANAUS (AM) – Estudo realizado por especialistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para analisar os impactos do desmatamento e das mudanças climáticas na saúde humana, até o ano de 2100, mostra que mais de 11 milhões de pessoas que habitam a Região Norte do Brasil estarão expostas ao risco “extremo de estresse térmico”, por conta das altas temperaturas. Segundo o estudo intitulado: “Desmatamento e mudanças climáticas projetam aumento do risco de estresse térmico na Amazônia Brasileira”, a savanização da
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Amazônia pode trazer graves consequências ao ser humano, influenciando, até mesmo, na dificuldade de o homem manter a temperatura corporal em determinadas condições ambientais. Um dos coautores da pesquisa e especialista em aquecimento global e mudanças climáticas, o cientista Carlos Nobre afirma que a fragilização dos ecossistemas na Amazônia traz junto com o aquecimento global um risco muito maior à saúde humana. “O corpo humano não consegue dissipar o calor gerado pelo metabolismo orgânico.
Nunca, em milhões de anos, o clima ultrapassou esses limites. Mas, com o aquecimento global e com o risco de grande parte da floresta amazônica se tornar uma savana degradada, isso muda o clima e nós iremos chegar no final do século com 50% dos dias, em algum momento, mais quentes e ultrapassaremos um limite em que o corpo não resiste”, ressalta Nobre. O estudioso explica que o corpo humano apresenta um limite de temperatura e umidade. “O limite é 35ºC de temperatura do ar com o ar saturado e vapor d’água. Pode ser também a tem-
O estudo não considerou o crescimento populacional, mudanças na estrutura demográfica e expectativa de vida. Os resultados da pesquisa são reflexos isolados da mudança climática e da savanização, e servem para representar os efeitos observados, caso a população atual fosse exposta às distribuições projetadas de estresse térmico. Além de Carlos Nobre, participaram do estudo a pesquisadora Beatriz Alves de Oliveira, da Fundação Oswaldo Cruz no Piauí (Fiocruz/PI); Marcus Bottino e Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O especialista diz que é preciso “buscar trajetórias sustentáveis” para a economia da região, “unindo os conhecimentos tradicionais aos conhecimentos científicos e tecnológicos, para criar uma inovadora bioeconomia de floresta em pé e rios saudáveis”. “O potencial econômico desta nova bioeconomia é muito superior às práticas mais comuns da agricultura, pecuária e mineração, vetores principais da destruição da floresta e poluição dos ecossistemas aquáticos”, destaca.
Crédito: Divulgação Greenpeace
Crédito: Ricardo Oliveira
“Devemos buscar zerar os desmatamentos, a degradação florestal e as queimadas, em poucos anos. Ao mesmo tempo, há que serem acelerados os programas de grande escala de restauração florestal, principalmente no sul da Amazônia, região
de maior desmatamento e degradação florestal”, ressalta o pesquisador.
peratura de 40º com umidade relativa do ar em 70% ou ainda temperatura de 45ºC com umidade relativa de 50%, não podendo ultrapassar esse limite”, explana. Dentre os malefícios à saúde, por conta das más condições ambientais, Nobre cita a desidratação, o enfraquecimento do resfriamento do corpo ocasionando aumento corporal, exaustão, redução do condicionamento físico e psicológico, doenças respiratórias, cardíacas, renais e, até mesmo, a morte.
MIGRAÇÃO EM MASSA Dos 5.565 municípios brasileiros, 16% deles, o que corresponde a 30 milhões
de pessoas, vão sofrer as consequências térmicas com a savanização da Floresta Amazônica. Já os municípios da região Norte compreendem 42% da população impactada com baixa potencialidade de resiliência e alta vulnerabilidade social. Com as alterações, danos à saúde por conta da dificuldade de adaptação e condições térmicas, os habitantes do Norte podem desencadear uma migração em massa para outras regiões do Brasil. Os especialistas informam ainda que as condições precárias e o estresse térmico podem resultar de forma negativa na produtividade do trabalho; consequentemente, impactando na economia. 09
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Crédito: Vinícius Mendonça - Ibama | Fotos Públicas
Efeito reverso Estudo mostra que a Amazônia se tornou fonte de carbono devido à interferência humana
US$ 272 bilhões
Victória Sales – Da Revista Cenarium
M Crédito: Vinícius Mendonça - Ibama | Fotos Públicas
ANAUS (AM) – O artigo “Amazonia as a carbon source linked to deforestation and climate change”, publicado em julho de 2021, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), destacou que as regiões da Amazônia com desmatamento apresentam alteração na estação seca. Segundo o estudo, essas regiões emitem carbono dez vezes mais que as regiões com
menos de 20% de desmatamento. Além disso, a tese concluiu que esse aumento foi causado também pelas queimadas criminosas e mudanças climáticas. O trabalho foi realizado pela pesquisadora Luciana V. Gatti e contou com a parceria de cientistas de universidades e instituições de pesquisa nacionais e estrangeiras, sendo elas a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Instituto de Pes-
O mercado global de carbono movimentou cerca de US$ 272 bilhões ou 229 bilhões de euros, em 2020.
Área desmatada na Amazônia. Regiões mais devastadas emitem maior quantidade de carbono
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As partes mais desmatadas apresentaram seca mais estressante para a floresta, o que significa que, nessas regiões, são emitidos dez vez mais carbono do que em áreas com desmatamento inferior a 20%” Trecho do artigo “Amazonia as a carbon source linked to deforestation and climate change”.
ENCONTRO GLOBAL DISCUTE MEIO AMBIENTE quisa do Norte (Ipen), National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), University of Leeds, entre outros.
RESULTADOS A pesquisa apresentou resultados após nove anos de estudo, com 600 voos, um avião de pequeno porte, com 8 mil amostras coletadas, desde 4,4 km de altura, em quatro localidades diferentes na Amazônia, representadas pelas regiões nordeste, sudeste, sudoeste e noroeste da localidade, que demonstraram que a variação das emissões de carbono nas quatro regiões está relacionada ao desmatamento e às mudanças climáticas. Uma medida de representação em escala regional foi utilizada pelo grupo de pesquisa, que permitiu obter uma média sobre o que a Amazônia representa no balanço global da emissão de carbono. O período foi decidido após observação de estudos passados, em que a Amazônia
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apresentava uma grande variabilidade ano a ano na emissão de carbono. Segundo o artigo, o desmatamento florestal diminui conforme a Floresta Amazônica absorve carbono da atmosfera. No local de estudo, foram encontradas magnitudes diferentes de desmatamento. “As partes em que são mais desmatadas apresentaram uma seca mais estressante para a floresta, o que significa que, nestas regiões, a emissão de carbono é dez vezes maior do que em áreas com desmatamento inferior a 20%”, diz o documento. As regiões do sul do Pará e norte do Mato Grosso apresentaram o pior cenário, em que a floresta apresenta uma fonte de carbono para a atmosfera e, a cada ano, vem se tornando ainda maior, além de apresentar também maiores áreas de queimadas de floresta. A localidade gera ainda mais preocupação por conta da degradação que leva ao aumento da mortalidade das árvores.
O mercado de créditos de carbono passou a ser uma possibilidade em diversos países, por meio do Acordo de Paris. Mas, depois de seis anos, apenas países desenvolvidos conseguiram contemplar mercados regulados. O mercado global de carbono movimentou cerca de US$ 272 bilhões ou 229 bilhões de euros, em 2020. Segundo o Banco Mundial, os ambientes que foram regulados geraram um total de US$ 53 bilhões (R$ 273,7 bilhões) em receitas em todo o mundo. No Brasil, a iniciativa foi apresentada pelo deputado federal e vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PM-AM), por meio do Projeto de Lei (PL) 528/2021, que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões. Espera-se que o País apresente Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) pela COP-26. A proposta tem como base o ano de 2005, que instituiu como meta reduzir 43% das emissões de carbono até 2030. 11
CENARIUM+CIÊNCIA
REVISTA CENARIUM
M Crédito: Érico Xavier | Fapeam
ANAUS (AM) – Mesmo diante de um período obscuro para a ciência brasileira, mentes do Amazonas continuam colaborando com a saúde da população, por meio de pesquisas. É o caso da produção de cimento ósseo originado das escamas do pirarucu, peixe tradicional do Norte. Além de ter grande utilidade, a matéria-prima é barata e pode ser utilizada, de forma sustentável, no tratamento da osteoporose. A pesquisa é coordenada pelo doutor em Ciência e Engenharia de Materiais, Jean Carlos Silva Andrade, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Por meio do estudo das propriedades físico-químicas das escamas do pirarucu, descobriu-se a possibilidade prática de produzir cimento ósseo e, com ele, revestir parafusos metálicos para melhorar a fixação de implantes em quem sofre tanto de osteoporose quanto de outras doenças relacionadas. Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), o estudo foi possível após o lançamento do Programa de Apoio à Pesquisa, chamado ‘Universal Amazonas’, Edital nº
006/2019, autorizado pelo governador Wilson Lima. Como resultado da pesquisa, o cimento ósseo pode ser largamente utilizado na medicina ortopédica, traumatológica, odontológica e, até mesmo, no setor industrial. O que as escamas de pirarucu possuem de cientificamente útil é uma substância chamada fosfato de cálcio. Por meio de um tratamento térmico e da remoção de compostos orgânicos inconvenientes, chega-se à hidroxiapatita granulada, o grande produto que possui variada utilização, o cimento ósseo. Após a extração do insumo, o estudo ainda vai avançar, segundo o coordenador da pesquisa, doutor Jean Carlos. “São etapas que o estudo ainda vai prosseguir mediante ao que nós já presenciamos durante esses dois anos. (...) A parceria com a Fapeam e com outras instituições contribui para a complementação, com equipamentos laboratoriais e todo o aparato científico para assim a pesquisa prosseguir”, esclarece o cientista. Informação interessante recém-descoberta também é que biomateriais cerâmi-
cos derivados da escama de peixe, como o cimento ósseo do pirarucu, são melhores do que aqueles sintetizados de forma totalmente química. É revolucionário o uso de itens biológicos para uso como esqueleto ósseo e até mesmo para produtos regenerativos. O estudo, que nasceu na Ufam, já foi publicado em três revistas científicas com alcance nacional e internacional: MDPI, UFRJ e Scielo. Mesmo com dois anos de pesquisas, este ainda é o começo. E este começo trouxe investimento e incentivo a novos pesquisadores. “Estamos na fase preliminar, mas já foi realizada uma etapa antes mesmo de o projeto ser elaborado e aprovado, que é a parte da inserção de alunos de iniciação científica, com cunho de pós-graduação e mestrado, que verificaram como iniciar os processos de extração com a metodologia já consolidada”. Além da Ufam, o estudo envolve pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Crédito: Érico Xavier | Fapeam
Principais beneficiados são os pacientes que passam pelo tratamento de combate à osteoporose
O poder da escama do pirarucu Pesquisa da Ufam retira cimento ósseo do peixe para reforçar parafusos metálicos em implantes. Produto é barato e versátil Nauzila Campos – Da Revista Cenarium 12
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Comparação da matéria prima de escama de pirarucu com o cimento ósseo produzido a partir dela 13
CENARIUM+CIÊNCIA
REVISTA CENARIUM
Nanotecnologia amazônica Cientista da Ufam, que estuda a aplicação de nanopartículas de matérias-primas oriundas da floresta para a resolução de problemas da região, é premiado pela Fapeam Karol Rocha – Revista Cenarium Crédito: Ricardo Oliveira
Laboratório da Universidade Federal do Amazonas onde são realizadas pesquisas com nanotecnologia
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ANAUS (AM) – A aplicação da nanotecnologia como solução para problemáticas do Amazonas é o foco dos estudos de Edgar Aparecido Sanches, doutor em Ciência e Engenharia de Materiais e professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). As linhas de pesquisa com materiais amazônicos surgiram em 2013, quando ele ingressou na instituição. Atualmente, como pesquisador e docente na universidade, Edgar coordena turmas de mestrado, doutorado e pós-doutorado para o desenvolvimento e aplicação da nanotecnologia em favor da Amazônia. Um dos projetos analisa a utilização de óleos essenciais com componentes da Amazônia para o controle de pragas e vetores de doenças. A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Polímeros Nanoestruturados (Nanopol) da Ufam, sob a coordenação do professor. “A nanotecnologia viabiliza o desenvolvimento de nanopartículas biodegradáveis onde são inseridos os óleos essenciais. Nesse processo, chamado encapsulação, o óleo essencial é liberado de dentro dessas nanopartículas durante um longo período, permitindo que o número de aplicações do produto seja reduzido, além da biodegradação de todos os componentes da fórmula”. Sanches comenta que também foi testado o efeito larvicida desses materiais em larvas dos vetores da dengue e malária. De acordo com Edgar Sanches, a própria riqueza encontrada na Amazônia pode solucionar problemas por meio da nanotecnologia – uma ciência que se dedica ao estudo da manipulação da matéria numa escala atômica e molecular, ou seja, é a ciência e a tecnologia que foca nas propriedades especiais dos materiais de tamanho nanométrico. “A cada ano, temos pensado na elaboração de novos projetos e novas problemáticas para contribuirmos para o desenvolvimento de nosso Estado. Essas pesquisas têm mostrado o tamanho da imensidão de possibilidades de estudos que os recursos amazônicos permitem. Nosso Estado é extremamente rico e cheio de alternativas que viabilizam a minimização de problemáticas regionais”.
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Professor Edgar Sanches junto com alunos e colaboradores da Ufam
Crédito: Acervo Pessoal
PREMIAÇÃO PELA FAPEAM O trabalho de Sanches, realizado ao longo de cinco anos, foi premiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), em novembro de 2021. Os estudos desenvolvidos com aplicação da nanotecnologia desenvolvida pelo professor e pela equipe de alunos foram reconhecidos no “Prêmio Fapeam de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I)” de 2021. Ele ganhou o prêmio na categoria Pesquisador Destaque em Ciências Exatas e da Terra.
Para ele, a premiação é um estímulo para continuar com os estudos. “Temos desenvolvido projetos financiados pela Fapeam dentro dessa temática para aplicações específicas em pragas frutíferas e também em larvas de vetores de dengue e malária. E foi uma grande honra receber o prêmio de pesquisador destaque na área de ciências exatas. Iniciativas como essa nos mostram que a construção desse caminho tem sido válida e reconhecida, e nos estimulam a continuar”, comemorou.
Cientistas premiados A premiação contemplou também outras áreas, como Ciências da Saúde, que teve como vencedor o professor Spartaco Astolfi Filho. Também na categoria Pesquisador Inovador foi premiada na área de Inovação para o setor público a professora Claudia Guerra Monteiro. Na categoria Inovação para o setor empresarial, o professor Eduardo James Pereira Souto foi o vencedor.
A premiação, que somou um total de R$ 248.160,00 foi financiada com recurso exclusivo do Governo do Estado, e reconheceu os trabalhos de pesquisadores das áreas de Ciências da Vida, Exatas, Humanas e Inovação, profissionais de comunicação e pesquisadores da educação básica, que desenvolvem projetos científicos no âmbito do Programa Ciência na Escola (PCE). 15
PODER & INSTITUIÇÕES
REVISTA CENARIUM
‘Camaradagem’ com o dinheiro do povo Irmã de prefeito de Manaus ‘doa’ R$ 970 mil a aliado que perdeu a eleição, utilizando verba pública paga pelo contribuinte Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – A presidente do Fundo Manaus Solidária e irmã do prefeito David Almeida (Avante), Dulcinea Ester de Almeida Motta, destinou R$ 970 mil a uma organização social administrada pelo ex-candidato a vereador que perdeu as eleições em 2020, em Manaus, o evangélico Nilson Hiroshi Kanehira Sato (PSL). Segundo consta no Diário Oficial do Município (DOM), divulgado em 1º de dezembro de 2021, o recurso seria aplicado no custeio de despesas de “projetos natalinos”. Nilson Sato é sócio e presidente do Movimento Amigos da Zona Norte e Região Metropolitana, entidade beneficiada com o montante em três contratos. Bolsonarista, Sato concorreu ao cargo de vereador nas eleições municipais em 2020 pelo Partido Social Liberal (PSL), ex-sigla do presidente Jair Bolsonaro, hoje filiado ao Partido Liberal (PL). Com apenas 1.602 votos válidos recebidos, Nilson Sato não foi eleito.
O último contrato entre o FMS e o movimento, de nº 010/2021, foi celebrado pelo valor de R$ 100 mil, com prazo de vigência de um mês. Esse recurso foi para custear as despesas do projeto “Natal da Vida: Fase II ‘Olhar Solidário: Ver para Viver’”. Em todas as três publicações, Dulcinea explica que os contratos foram firmados por meio de processos administrativos, sem chamamento público, para o cumprimento de emendas parlamentares. O nome do político que promoveu as emendas não foi divulgado.
mil, um carro Fiat Milly de R$ 10 mil e uma moto Bis, no valor de R$ 3 mil. Antes da disputa eleitoral do ano passado, Nilson Sato concorreu ao cargo de vereador nas eleições de 2016 e 2012, pelo PSL e o Partido dos Trabalhadores (PT). Em 2020, Nilson Sato contou com a doação de pouco mais de R$ 70 mil de recursos para gastar na campanha, ainda conforme o TSE.
INSTITUTO MAZON – INSMA
BENS E GASTOS
Com data de fundação em 20 de junho de 2008, segundo consulta da REVISTA CENARIUM no site da Receita Federal, o Movimento Amigos da Zona Norte (Mazon), de nome empresarial Instituto Mazon (Insma), é uma associação privada criada com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento da Zona Norte de Manaus, sem fins lucrativos. A organização está localizada no bairro Monte das Oliveiras, na Zona Norte de Manaus.
Nas eleições de 2020, Nilson Sato, de 52 anos, declarou R$ 423 mil em bens, segundo dados do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desse total, R$ 200 mil é o valor avaliado de uma residência; dois prédios comerciais custam R$ 90 e R$ 80 mil, respectivamente; além de uma construção inacabada no valor de R$ 40
Atualmente, segundo as redes sociais do movimento, a organização tem 65 núcleos espalhados por 76 comunidades existentes na Zona Norte da capital amazonense, tendo mais de 130 mil pessoas cadastradas e mais de 30 mil sócios efetivos, colaborando economicamente e financeiramente com o Instituto.
Crédito: Divulgação
Dentre os contratos celebrados entre o Fundo Manaus Solidária e a organização liderada por Sato está o de nº 009/2021FMS, no valor de R$ 770 mil – a maior quantia gasta pela prefeitura entre os três contratos. Segundo o documento, cujo prazo de vigência é de um mês, a contar da data de assinatura, o recurso foi destinado
para a execução do projeto “Natal da Vida: É hora de resgatar o sorriso e levar esperança”. Beneficiando esse mesmo projeto, a presidente da pasta assinou ainda outro contrato, de nº 008/2021-FMS, pelo valor de R$ 100 mil. O prazo de vigência do contrato era de um mês, a contar da data de assinatura.
Sem retorno
Dulcinea Ester de Almeida Motta, presidente do Fundo Manaus Solidária e irmã do prefeito David Almeida (Avante), e Nilson Hiroshi Kanehira Sato, ex-candidato a vereador do mesmo grupo político 16
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A REVISTA CENARIUM entrou em contato com a Prefeitura de Manaus, por meio da Secretaria de Comunicação (Secom), questionando quais os critérios que a presidente do FMS utilizou para formalizar o contrato e escolher a organização, por que, apenas no contrato nº 009/2021-FMS existe o valor de R$ 770 mil e como a população vai ser beneficiada com os projetos. A reportagem também entrou em contato com o Movimento Amigos da Zona Norte, por meio do e-mail disponibilizado nas redes sociais da organização, questionando o motivo do valor
alto do contrato nº 009/2021-FMS e o que o tornou tão caro. Por conta do montante, a CENARIUM também perguntou se o instituto pretendia construir algum ponto para apresentação do o projeto. A REVISTA também indagou a Nilson Sato se ele pretende concorrer ao pleito em 2022 e, caso a resposta fosse sim, se isso prejudicaria a execução dos projetos beneficiados com recursos da Prefeitura de Manaus. Até a publicação da reportagem no site, em 6 de dezembro de 2021, a REVISTA CENARIUM não obteve retorno de ambas as partes. 17
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REVISTA CENARIUM
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Mesmo com todas as dificuldades, fizemos entregas que fazem a diferença na vida das pessoas”
Wilson Lima, governador do Amazonas. Governador do Amazonas, Wilson Lima, durante a entrega da duplicação da AM-070 Crédito: Diego Peres | Secom
Obras em um dos ramais da rodovia AM-070, que teve sua duplicação modernizada em 2021
Avanços no Amazonas
Crédito: Diego Peres | Secom
Governador Wilson Lima destaca evoluções nas áreas social, saúde, educação, segurança e infraestrutura em 2021 Com informações da assessoria
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ANAUS (AM) – Ações nas áreas social, da saúde, educação, segurança e infraestrutura fizeram o ano de 2021 se encerrar com grandes avanços em áreas estratégicas para o Amazonas. Programas de transferência de renda, obras de infraestrutura, investimento na valorização de professores e na preparação de estudantes estão entre as iniciativas que se destacam no Estado. Na área social, o Auxílio Estadual, criado pelo Governo do Amazonas no primeiro ano da pandemia, tornou-se o maior programa de transferência de renda
do País. Mais de 260 mil famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, de um total de 300 mil beneficiários, já começaram a receber R$ 150 mensais, que garantem segurança alimentar. Além disso, o auxílio vai injetar mais de R$ 540 milhões na economia dos municípios ao ano. Também se destacam a inauguração dos primeiros restaurantes populares ‘Prato Cheio’ do interior do Estado, em Manacapuru e Autazes, além de repasses de R$ 26,3 milhões feitos por meio de editais a instituições para projetos sociais e do
setor primário, beneficiando quase 30 mil famílias.
e ações para ampliar a imunização da população.
Na saúde, também foram registrados feitos inéditos, como a inauguração das primeiras Unidades de Terapia Intensiva do interior, em Parintins. Os repasses do Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Estado (FTI) para as prefeituras investirem em saúde superou R$ 123 milhões, além de investimentos diretos do Estado nas unidades de saúde, com materiais, equipamentos, medicamentos, entre outros.
Na educação, o governo lançou o programa Educa+Amazonas com investimentos de R$ 400 milhões em 13 projetos prioritários, envolvendo a valorização de servidores e melhor preparação dos estudantes. Também foi pago o maior abono da história do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) no Amazonas, com valores que variaram de R$ 12 mil a R$ 37 mil.
“Mesmo com todas as dificuldades, fizemos entregas que fazem a diferença na vida das pessoas”, afirmou, o governador do Estado, Wilson Lima, ao fazer um balanço de 2021, que foi um ano desafiador, em razão da pandemia da Covid-19. A rede de saúde em Manaus também avançou, com a conclusão da primeira reforma, em 12 anos, do Hospital Dr. João Lúcio. O Hospital Delphina Aziz que, de forma inédita, funciona a plena capacidade em seus seis andares, reforça a oferta de mais cirurgias, consultas e exames. “Estamos prestes a inaugurar o Hospital do Sangue, uma obra que se arrasta por vários governos e que, finalmente, será entregue à população”, destacou o governador, ao reforçar que o Estado mantém vigilância permanente da evolução da Covid-19
Na segurança, o governador destacou a implantação de um moderno sistema de combate ao crime, o ‘Paredão’, que conta com 500 câmeras instaladas em Manaus e tecnologia de ponta. Os investimentos na área incluem mais viaturas e armamentos, além da concessão de promoções, datas-bases, auxílio-fardamento e outros direitos aos servidores. Um concurso com mais de 2.500 vagas também foi aberto para reforçar o efetivo das polícias Civil e Militar, Bombeiros e Departamento Estadual de Trânsito (Detran-AM). Na política para o trânsito seguro e para dar mais oportunidade a trabalhadores, o Governo lançou o “Detran Cidadão”, com emissão de CNH gratuita a pessoas em situação de pobreza e isenção de taxas para mototaxistas e motofretistas em cursos de capacitação, entre outros incentivos.
Obras por todo o Estado No balanço de 2021, o governador Wilson Lima destacou a realização de grandes obras e os investimentos em infraestrutura em todo o Estado. Com mais de 50 obras entregues este ano, ele destacou a inauguração da AM-070 totalmente duplicada e modernizada, uma obra que passou por quatro governos distintos. No total, 56% dos trabalhos na rodovia foram executados na atual gestão. O Governo do Estado somou mais de R$ 2 bilhões entre obras concluídas e em andamento no ano de 2021. Entre as que estão em execução, o governador destacou obras de recuperação de ramais, vicinais e sistemas viários de municípios e a maior intervenção na AM-010, em 40 anos. A rodovia está sendo recuperada e modernizada, com aportes de R$ 366 milhões. Também foi entregue a maior Estação de Tratamento de Esgoto da Região Norte, beneficiando 192 mil pessoas de bairros da Zona Sul de Manaus. Destaca-se ainda a inauguração de quatro Centros de Educação de Tempo Integral (Cetis) só em 2021, com investimentos de R$ 70,9 milhões. Outras cinco unidades do modelo estão em construção. 19
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Para Érico Desterro, a modernidade do TCE-AM está no investimento em tecnologia e na abertura à sociedade com transparência Crédito: Ana Cláudia Jatahy
“Assumo um compromisso com a verdade e com a transparência” M Conselheiro Érico Desterro assume a presidência do TCEAM reafirmando o compromisso ético nas ações da Corte de Contas Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Com 22 anos de trajetória no Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), o conselheiro Érico Desterro assumiu, em dezembro de 2021, a presidência da Corte de Contas para o biênio 2022/2023. Ao tomar posse, ele reafirmou o compromisso pela verdade e transparência nas ações à frente do TCE-AM, assim como no biênio 2012/2013 – quando também presidiu o Tribunal. Marcas de sua gestão ainda refletem nas ações da Corte de Contas: celeridade no julgamento dos processos, reforma de legislações internas, fortalecimento da Ouvidoria e dos canais de comunicação e interação com a sociedade, bem como a digitalização dos processos e tramitação 100% virtual.
Em entrevista exclusiva à REVISTA CENARIUM, o presidente do TCE-AM, conselheiro Érico Desterro, conta de que forma conduzirá o Tribunal pelos próximos dois anos. Confira: REVISTA CENARIUM – O senhor presidiu a Corte de Contas no biênio 2012/2013 e agora, 10 anos depois, volta à Presidência do Tribunal. O que mudou no TCE-AM e qual sua expectativa para os próximos dois anos? Érico Desterro: Em 10 anos muita coisa mudou, o mundo é outro, e o Tribunal de Contas evoluiu, sobretudo tecnologicamente. Recebo a Presidência após um período de pandemia no qual conseguimos, juntos, superar os desafios e tornar
disso, percorremos municípios do interior do Amazonas para ouvir as demandas da população. Os que não sabiam ou sabiam pouco a respeito do TCE-AM, agora conhecem o trabalho do Tribunal e sabem como chegar até nós.
investimento em tecnologia e abertura à sociedade, com absoluta transparência nas atividades. A população pode esperar um Tribunal de Contas ainda mais aberto a ouvir a sociedade e disposto a ser um elo de atendimento das demandas sociais.
RC – O que o cidadão amazonense pode esperar do TCE-AM nos próximos anos?
RC – Qual será a marca da sua gestão?
RC – Quais desafios o senhor espera enfrentar?
ED: A modernidade no controle está na conjugação de dois principais fatores:
ED: Como presidente do TCE-AM, nos próximos dois anos, assumo um compromisso com a verdade e com a transparência.
ED: Todos sabem das dificuldades pelas quais passamos em 2020 e 2021, em razão da enfermidade epidêmica amplamente disseminada no mundo, que é a Covid-19. As instituições públicas de igual forma ou talvez até com mais intensidade, sofreram os efeitos desse desastre. O ano de 2022 será repleto de incertezas e, por isso mesmo, de desafios, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Nenhuma estrutura organizacional, nenhuma estrutura pública ou privada, sobreviverá se não estiver sensível às mudanças aceleradas da tecnologia da informação e da comunicação e aos novos modelos de relacionamento social.
Crédito: Ana Cláudia Jatahy
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Seguirei a corrente da agilidade, da eficiência, dos avanços tecnológicos, do fortalecimento do Tribunal de Contas e da aproximação da com a sociedade”
o Tribunal de Contas do Amazonas ainda mais forte. Nossos sistemas passaram a ser todos virtuais e tivemos avanços até inimagináveis para o momento na Tecnologia da Informação. Minha expectativa é fortalecer essas ações e avançar ainda mais, aproximando o Tribunal da sociedade e fiscalizando, com o rigor necessário, os jurisdicionados.
RC – O senhor seguirá a corrente conservadora ou pretende imprimir um estilo renovador em sua gestão? ED: Seguirei a corrente da agilidade, da eficiência, dos avanços tecnológicos, do fortalecimento do Tribunal de Contas como órgão público, da aproximação da Corte de Contas com a sociedade, da modernização da nossa legislação interna e jurisprudência, e acima de tudo, do respeito absoluto aos valores tutelados pelo regime democrático de direito e pelas bases fundantes da nossa República. RC – Enquanto conselheiro-ouvidor, qual é o balanço que o senhor faz dos trabalhos à frente da Ouvidoria do TCE-AM? ED: A Ouvidoria é exemplo para o Brasil. Prova disto é que recebemos uma representante da Presidência da República que veio conhecer, para replicar, o projeto Ouvidoria Estudantil, idealizado pelos técnicos da Ouvidoria do TCE-AM e executado em parceria com a Secretaria Municipal de Educação. Transformamos os grêmios estudantis e os alunos em ouvidores. Além
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Minha expectativa é fortalecer essas ações e avançar ainda mais, aproximando o Tribunal da sociedade e fiscalizando, com o rigor necessário, os jurisdicionados” Érico Desterro avalia que os reflexos da pandemia de Covid-19 estão entre os principais desafios em sua gestão à frente do TCE-AM nos próximos dois anos 21
PODER & INSTITUIÇÕES
ARTIGO – ODENILDO SENA
Anne Moura recebeu 1.325 votos para comandar a Secretaria Nacional de Mulheres do PT, até 2025 Victória Sales – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – A amazonense Anne Moura foi escolhida para cumprir um novo mandato à frente da Secretaria Nacional de Mulheres do PT, no período de 2022-2025. Descendente de indígenas e enfermeira de formação, ela recebeu 1.325 votos no encerramento do 13º Encontro Nacional de Mulheres do PT. O evento ocorreu em novembro de 2021 e reuniu cerca de 1.900 filiadas. “Estou reeleita como secretária Nacional do Mulheres do PT!”, comemorou ela em uma publicação no Instagram. “Gratidão do Sul ao Norte e juntas somos fortes!”, agradeceu. “O resultado das resoluções é o compromisso com aquilo que nos une. É uma vitória das mulheres do PT. Para quem veio da Amazônia, chegar até aqui não é fácil, é uma caminhada longa”, afirmou a manauara.
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Formada em enfermagem, Anne tem 32 anos e é descendente de indígenas
Para quem veio da Amazônia, chegar até aqui não é fácil, é uma caminhada longa” Anne Moura, secretária nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores.
Crédito: Divulgação | Acervo Pessoal
BREVE HISTÓRICO Anne Moura tem 32 anos. É manauara, descendente indígena, enfermeira de formação e militante do movimento estudantil. Foi diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE), da Direção Nacional Juventude do PT e da Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores, de 2013 a 2017. Em 2016, também foi candidata a vereadora da cidade de Manaus. Anne ainda fundou o Instituto Articulação de Juventude da Amazônia (Iaja) com atuação na pauta ambiental e ajudou na construção, como coordenadora nacional do movimento estudantil ParaTodos&Todas. Ela organizou as jovens mulheres, tendo sido cofundadora do coletivo Paratodas, auto-organização das mulheres no movimento estudantil. 22
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Eleição aconteceu no dia 27 de novembro do ano passado, no encerramento do 13º Encontro Crédito: Divulgação | Acervo Pessoal
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cho que não acontece com muita gente. Mas, no meu caso, não tenho como esconder. A princípio, achava que era só um caso de timidez que me roubava a coragem, o fôlego e as palavras. Se alguém se aproximasse de mim durante a feitura de um texto, seja ele qual fosse, a caneta travava de tal modo, que não saía mais uma palavra. Quando abandonei a caneta e passei para a máquina de datilografia não foi diferente. Bastava algum olhar, mesmo despretensioso, se esgueirar em direção à folha de papel que agasalhava as palavras para a velha Olivetti portátil emudecer. Depois, quando a duras penas larguei a máquina de datilografia e me escorei na tecnologia do computador, tudo continuou como dantes. Mesmo à distância, era (e ainda é) suficiente eu perceber que alguma criatura acompanhava na tela os resultados dos movimentos dos meus dedos nos teclados para eu perder a graça e murchar como um balão furado. Na falta de uma explicação plausível para esse estranho comportamento, acabei partindo para o diagnóstico mais conveniente: a timidez da escrita. Com o tempo, com os textos e os teclados, descobri, porém, que meu diagnóstico não tinha muita sustentação. A escrita nada tem de tímida. Ela cumpre o papel para o qual foi milenarmente criada. É temperamental e tem seus caprichos e suas armadilhas, é certo. Aqui e acolá nos prega boas peças. Nos faz dizer coisas que juramos não ter dito. Mas está sempre aí à disposição de quem compra o desafio de entendê-la e de se aventurar nos desvãos dos seus implícitos e explícitos. Neste sentido, a escrita, repito, não é tímida. Tímidos ou não tímidos somos nós. E, para meu desalento, eu me enquadro com honra ao mérito na primeira categoria, por mais que assim não pareça e por mais que assim eu não queira ser. Timidez à parte, confesso que o meu problema não era a timidez para escrever. Nunca foi. Embora eu deva dizer, a bem da verdade, que minha convivência com a escrita nunca esteve livre de conflitos e desacertos. Ela sempre me deu muito trabalho. Sempre se comportou com muita rebeldia.
* Odenildo Sena
Não raro, sempre me azucrinou a paciência, ao atribuir a si vontade própria. Quantas e quantas vezes eu quis seguir uma dada estrada e, por pura pirraça, ela quis seguir outra, como se mandasse na minha vontade. Tantas vezes vivi situações angustiantes por causa dela, como ter que abandonar textos em pleno meio do caminho por falta de acordo entre nós. Enfim, e para não parecer que guardo qualquer rancor dessa atribulada convivência, esclareço de vez que este texto é o exemplo mais apropriado da nossa histórica discórdia: meu projeto desde o início – e o título acima não me deixa mentir –, era escrever um texto sobre a solidão da escrita. Ou, para não deixar dúvida, um texto falando sobre a necessidade da solidão para se escrever. Algo assim como a solidão do escritor. E até aqui, como devem ter percebido, não consegui fazer isso. Como de outras vezes, a escrita me desviou do rumo. Mas, dessa vez, juro que vou impor a minha vontade sobre a vontade dela. Retomando, pois, o assunto do meu propósito inicial, o meu problema nunca foi timidez para escrever. Na verdade, eu sempre precisei mesmo foi de solidão e tranquilidade para fazer desabrochar meus textos. Sem isso, nada feito. As ideias travam e não há quem me faça parir uma linha. Certa vez, porém, saltou-me às mãos um livro de leitura gostosíssima chamado “Escrever”. Isso mesmo! Com esse título simples assim. Para meu alívio e contentamento, nele a escritora francesa Marguerite Duras diz em certo momento: “A solidão da escrita é uma solidão sem a qual o texto não se produz, ou então a gente se acaba, exangue, de tanto procurar o que escrever”. Era tudo que eu precisava ouvir! E vindo de Duras, por quem me apaixonei desde que li “O amante” e depois assisti ao filme de Jean-Jacques Annaud baseado no livro, mais confortante ainda. Verdadeiramente, pelo menos para mim, estar sozinho e longe de qualquer barulho é fundamental para eu conseguir escrever. Ou, como acrescenta Marguerite Duras no mesmo livro:
Crédito: Divulgação
Amazonense lidera mulheres do PT
A solidão da escrita
“É sempre necessária uma separação da pessoa que escreve livros em relação às pessoas que a rodeiam. É uma solidão. É a solidão do autor, a solidão da escrita”. Mas essa solidão, não sei se me faço entender, é em relação ao ambiente, às outras pessoas. Não é a solidão do próprio escritor. Afinal, alguém solitário de si mesmo vive num grande vazio e não encontra nenhum motivo para escrever. Não é esse o caso. Tanto que há escritores que não se incomodam com o barulho de pessoas em seu ambiente de trabalho. Conta-se, por exemplo, que Clarice Lispector tinha o hábito de escrever com a máquina portátil sobre as pernas, na sala de sua casa, sem dar a mínima para a algazarra dos dois filhos. Neste caso, Clarice conseguia ficar alheia a todo e qualquer barulho em seu redor. Era sua estratégia para encontrar a solidão da escrita, mas isso nada tem a ver com a solidão de si mesma. Morro de inveja de quem consegue a proeza de Clarice. Mas o meu caso é incorrigível. E, nessas alturas da vida, já entreguei os pontos. Vou morrer assim. Eu preciso realmente, como reafirma Marguerite Duras, “da solidão do corpo que se transforma na outra, inviolável, a solidão da escrita”. Só assim eu me sinto preparado para meus intermináveis confrontos com a escrita. Paciência. (*) Odenildo Sena é linguista, com mestrado e doutorado em Linguística Aplicada e tem interesses nas áreas do discurso e da produção escrita. 23
REVISTA CENARIUM
Coluna Via Brasília
IMPOPULAR
ÍMPETO REFORMISTA DO CONGRESSO ACABA EM 2022 COM O INÍCIO DO ANO ELEITORAL
Já a Reforma Administrativa, com a base política que tem no Congresso – turbinada por mais de R$ 16 bilhões em emendas de relator, se quisesse mesmo fazer andar, poderia ter avançado, afirmam líderes experientes. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32 está parada, desde setembro do ano passado. Mais impopular das reformas por mexer com o funcionalismo público, ainda que não com os atuais, a proposta foi alvo de pressões de várias categorias sobre os congressistas. Isso porque restringe a estabilidade e as remunerações dos novos servidores. O único a defender foi o ministro Paulo Guedes, que adora demonizar o funcionalismo em suas falas. Crédito: Oavs | Fotos Públicas
NEM ET ACREDITA
A FAVOR DO VÍRUS
Nem o mais inocente dos mortais ou mesmo um extraterrestre que desembarcasse no Brasil agora apostaria um “tostão furado” no avanço das reformas estruturantes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal em 2022. A falta de apetite reformista também estacionou no governo federal, a ponto do próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) ter declarado que a agenda das reformas dificilmente avançaria durante o período pré-eleitoral. “Esquece”, disse Bolsonaro.
Mas não foi só quanto às reformas que o presidente da República jogou como adversário do País. Para termos chegado a indicadores tão altos de mortes em dois anos de pandemia – até o final de dezembro eram mais de 618 mil, Bolsonaro se associou ao vírus da Covid-19. Negou a letalidade da doença, chegou atrasado na compra de vacinas e, quando resolveu comprar imunizantes, o fez sob fortes suspeições de superfaturamento. Mais incrível: Bolsonaro prossegue em sua cruzada insensata contra a imunização para além de 2021. Não há sinais que deva retroceder.
CAOS GENERALIZADO De tanto plantar o caos sanitário, econômico e ambiental, o governo de Jair Bolsonaro colhe como “balaço” indicadores ruins em pesquisas de opinião, na economia e no âmbito geopolítico. Correria o risco de sequer ir ao segundo turno, se as eleições fossem hoje, e enfrenta inflação e desemprego de dois dígitos. Como se isso não bastasse, com seu projeto de devastação da Amazônia avançando, acordos comerciais com os Estados Unidos e União Europeia perigam “ir pro vinagre”. O resultado das perdas nas exportações: recessão mais prolongada e mínimas chances de recuperação econômica.
Crédito: Geraldo Magela | Ag. Senado | Fotos Públicas
ATRAPALHOU Bolsonaro ecoa o que as lideranças políticas já afirmavam desde o início de 2021 pelos corredores da Câmara e do Senado Federal. “Essas reformas têm que acontecer no primeiro ano de cada governo. Já estamos praticamente terminando o terceiro ano, afirmou o presidente, no ano passado, em entrevista a uma TV católica. A bem da verdade, nem mesmo em seu primeiro ano de mandato, Bolsonaro nada fez pelas reformas e ainda atrapalhou as que estavam em curso, com declarações que jogavam sempre contra.
TRAVA Sobre a Reforma Tributária, a única movimentação da matéria foi a leitura do relatório na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Ao contrário de estimular as discussões, o governo não demonstrou o menor interesse e ainda travou a tramitação. “Penso que, politicamente, se o governo entendesse como prioritária a reforma tributária, essa matéria não teria tido tantos desgastes”, disse, sem papas na língua, o vice-presidente da Câmara, o deputado amazonense Marcelo Ramos, que pediu sua desfiliação do PL, após a chegada de Bolsonaro ao partido. Crédito: Fotos Públicas
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O QUE SERÁ QUE SERÁ?
ECONOMIA & SOCIEDADE
Um ano de decisões O ano de 2022 é decisivo para o Brasil, com eleições presidenciais e expectativas sobre a recuperação social e econômica após o primeiro baque da pandemia de Covid-19, que deve seguir preocupando Nauzila Campos – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – “O que será?”, questionava Chico Buarque em 1976, quando compôs esta canção que segue atual mais de 40 anos depois. Para 2022, a pergunta continua sendo feita, com ainda mais ímpeto, diante de um cenário de pandemia, economia imprevisível e eleições gerais no Brasil. O ano será decisivo. Por esta razão, na edição de janeiro de 2022, a REVISTA CENARIUM traz as perspectivas políticas, econômicas, científicas e de outros setores que impactam diretamente no futuro bem próximo do brasileiro. “O que será, que será?”
O QUE NÃO TEM CONSERTO NEM NUNCA TERÁ - A polarização no Brasil figurou, por quase duas décadas, entre PSDB e PT, mas converteu-se ao embate entre “petistas” e “bolsonaristas”, a partir da ascensão de Bolsonaro à Presidência da República e de outras figuras de destaque da extrema-direita. A tendência, dizem analistas, é de que a polarização adentre 2022, tendo novamente de um lado o PT de Lula e do outro Bolsonaro, a exemplo do que ocorreu em 2018, mas, para alguns, de uma forma ainda mais beligerante. Lula e Bolsonaro têm visões diferentes sobre governar, de tratar a imprensa e a opinião pública, de abordar problemas sociais, de conduzir a economia e de como se mostrar diante dos líderes mundiais. Podem levar o País por caminhos até antagônicos. Lula é a chance de a esquerda voltar ao poder. Bolsonaro é o chamado “Centrão”, que pende ao conservadorismo. “Noto que Bolsonaro está perdendo espaço, cada vez mais. Mas em novembro de 2017, era improvável que ele, então deputado, fosse vencer as eleições um ano depois. Então, nada impede de vir um outro nome”, avalia Helso do Carmo Ribeiro Filho, advogado, professor e comentarista político. O QUE NÃO TEM CERTEZA NEM NUNCA TERÁ - A chamada terceira via, por enquanto, segue apagada. João Dória (PSDB) e Ciro Gomes (PDT), que se apresentam como opções, atuam como coadjuvantes. Sérgio Moro, ex-juiz e recém-filiado ao Podemos, ainda constrói as bases de sua candidatura ao maior cargo do Brasil,
mas é quase invisível nas pesquisas. Outros também se movimentam. Há chances de haver até 11 candidatos à Presidência. E, para além da política, 2022 será de muitas decisões no que se refere a questões indígenas e ambientais que passam, por exemplo, pelo julgamento da tese do Marco Temporal, que afeta diretamente o direito a territórios, e a votação de propostas de lei danosas ao meio ambiente, como o PL 191/2020, que libera a exploração de minério em terras indígenas e terras não exploradas. Também será ano de saber se a economia do Brasil decola ou mergulha em recessão. Para onde vai a inflação? É o que vamos saber. E, ano de Copa do Mundo de Futebol, 2022 também trará respostas à Seleção Brasileira. QUE TODOS OS AVISOS NÃO VÃO EVITAR - O ano de 2022 também será decisivo para saber que rumos terá a pandemia de Covid-19. Chegará ao fim? Vamos conviver com o coronavírus e suas mutações pelos próximos anos? Estamos preparados para a necessidade de vacinação anual e para possíveis novas ondas de contágio? O uso da máscara e de álcool em gel para higienização das mãos será para sempre? Todos os avisos irão evitar a fúria dos negacionistas, que se recusam a confiar na ciência? São perguntas que 2022 poderá responder. “O negacionismo cultivado neste último ano não é privilégio só do Brasil. Em países até mais desenvolvidos temos isso: na União Europeia, nos Estados Unidos, você vê muitas pessoas negando. Eu acredito que essa onda continuará, infelizmente”, conclui Ribeiro.
O QUE NÃO TEM CENSURA, NEM NUNCA TERÁ - Depois de um ano em que a liberdade de imprensa foi fortemente atacada, insultada e agredida, o que se espera para 2022 é a resistência do jornalismo. Em 2021, houve um aumento de 20% no número de jornalistas presos no mundo, de acordo com a Organização Não Governamental (ONG) Repórteres Sem Fronteiras. Os motivos da prisão de 488 jornalistas e outros colaboradores de comunicação estão relacionados diretamente à atuação profissional. Resistir é a única opção, pois cumprindo a missão imprescindível de levar verdade à sociedade, a REVISTA CENARIUM apresenta reflexões sobre o que será do futuro do Brasil. A imprensa não há de se calar.
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O negacionismo cultivado neste último ano não é privilégio só do Brasil. Eu acredito que essa onda continuará, infelizmente” Helso Ribeiro, advogado e analista político.
Crédito: Nauzila Campos
QUE ANDAM COMBINANDO NO BREU DAS TOCAS - Burburinhos sobre as eleições de 2022 começaram muito antes do pleito. E este será o ponto decisivo para o Brasil neste ano, apontam especialistas.
Na disputa, estão os cargos de presidente da República, senador, deputado federal e de governador, além de deputado estadual. Dessas escolhas depende toda uma cadeia de possíveis mudanças na forma de tratar questões sociais, de gestão na economia, de política externa e ambiental, além de uma transformação no perfil do trato político praticado dentro do País. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder em pesquisas, ainda não se diz candidato, mas participa de eventos políticos nacionais e internacionais e faz aproximação com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que se desfiliou do PSDB e é apontado como possível vice. O atual presidente, Jair Messias Bolsonaro, por sua vez, já deu um primeiro passo para disputar a reeleição, filiando-se ao PL depois de dois anos sem partido.
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O resultado das eleições gerais de 2022 trará respostas sobre os rumos do Brasil nos próximos anos 26
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O QUE SERÁ QUE SERÁ?
ECONOMIA & SOCIEDADE
REVISTA CENARIUM
Eleições 2022 e o futuro do Brasil Polarização e campanha eleitoral tensa serão a tônica do pleito, que tem grandes interesses em jogo Eduardo Figueiredo – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Em outubro de 2022, a população brasileira deve ir às urnas eleger os representantes pelos próximos quatro anos. Em uma disputa que promete ser fervorosa, os grupos políticos – direita, esquerda e centro – começaram a se manifestar com antecedência. A menos de um ano das eleições, jantares e reuniões marcam o início das articulações e alianças políticas. A REVISTA CENARIUM conversou com especialistas que apresentaram suas análises e perspectivas para o próximo pleito. O advogado e analista político Carlos Santiago afirma que as eleições para o cargo de presidente da República devem continuar com uma grande polarização entre Bolsonaro que pretende se reeleger, o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que quer retornar ao cargo, e uma terceira via, que tem apresentado nomes como o do ex-juiz Sérgio Moro, o do atual governador de São Paulo, João Dória, e do ex-ministro Ciro Gomes. Entretanto, não há, até o momento, opções com força suficiente para se sobrepor à rivalidade Lula versus Bolsonaro. “No plano nacional, o País tende a continuar com a polaridade entre bolsonaristas e petistas. O ex-presidente Lula e o atual presidente serão
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os principais candidatos. Vão contar ainda com fortes alianças eleitorais, grande aporte financeiro e apoio de várias lideranças nacionais e nos Estados. A terceira via política tem apresentado vários nomes, mas que não têm empolgado a maioria do eleitorado”, afirma o advogado. O sociólogo e professor Francinézio Amaral também acredita na polarização, mas destaca que isso aumenta a responsabilidade da população na hora de escolher os candidatos. “Sem dúvidas, será um ano eleitoral tenso e a tendência à polarização tende a se confirmar. Isso também indica que a responsabilidade do eleitorado em fazer escolhas conscientes também aumenta muito. Será necessário estar muito atento ao jogo político e, principalmente, buscar equilibrar as forças políticas na composição dos cargos, tanto para o Congresso Nacional quanto para a Assembleia Legislativa, que é fundamental para evitar acordos espúrios entre o Executivo e o Legislativo, como vem acontecendo atualmente”. Quando regionalizamos o assunto, os especialistas ressaltam que o amazonense não tem ânimo para votar em candidatos sem experiência, portanto, os mais velhos devem ter a preferência dos eleitores.
“No Amazonas, não há ainda um ânimo do eleitorado em votar em pessoas que não tenham experiência administrativa, como ocorreu nas eleições de 2018. Por isso, Wilson Lima, Eduardo Braga e Amazonino Mendes continuam favoritos para ganhar o pleito. A política social do atual governador, a experiência de Eduardo Braga e as realizações de Amazonino Mendes norteiam os discursos desses postulantes ao cargo de governador do Amazonas”, declara Santiago. Amaral também compartilha da mesma linha de pensamento do analista e acrescenta que “o cenário para a disputa ao Governo do Amazonas segue a linha das últimas eleições onde candidatos históricos
se apresentam como eternos salvadores e uma série de nomes que irão se colocar como a possibilidade do “novo” na política, contudo, se encontram no mesmo espectro ideológico onde não há interesse em transformações estruturais na vida da sociedade”, diz Francinézio.
CARROS-CHEFES Para o analista político, as principais pautas das campanhas serão as propostas para a economia e ainda a situação da saúde pública com os impactos causados pela pandemia. “Quem governa vai prestar contas daquilo que realizou na área econômica e social, e quem está na oposição vai cobrar e propor medidas para superar a crise econômica e sanitária”, ressalta o analista.
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Será um ano eleitoral tenso e a tendência à polarização tende a se confirmar. Isso indica que a responsabilidade do eleitorado em fazer escolhas conscientes também aumenta muito”
Francinézio Amaral, sociólogo.
Combate às ‘fake news’ Mesmo com mecanismos legais para combater as “fakes news”, os especialistas reiteram que o grande desafio da Justiça Eleitoral será punir quem produz e quem propaga as notícias falsas. “Infelizmente, essa é a única certeza que os analistas têm, até o momento. Apesar das várias ações que vêm sendo tomadas desde as últimas eleições, em 2022, acredito que ainda teremos muitos casos de ‘baixaria’ e ‘fake news’. Mais uma vez, a responsabilidade do eleitorado deve ser destacada, afinal, quem decide compartilhar ou
denunciar esse tipo de conteúdo, no fim das contas, são as eleitoras e os eleitores”, relata Amaral. Já o advogado, deixa claro que “hoje há normas e decisões duras contra esse tipo de crime. As eleições serão disputadíssimas. Há enormes interesses em disputa. Há fortes influências de grupos econômicos e ideológicos nos jornais, blogs e portais de notícias. Porém, a sociedade já tem experiência para saber diferenciar a informação certa da informação falsa”, afirma Santiago.
O ex-presidente Lula e o atual, Bolsonaro, devem ser os protagonistas do principal embate eleitoral em 2022 29
ECONOMIA & SOCIEDADE
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Indígenas: garantia de direitos ou retrocesso? Julgamento do chamado marco temporal está previsto para junho de 2022 e é decisivo para a demarcação das terras indígenas no Brasil Náferson Cruz – Especial para a Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Dia 23 de junho de 2022. Esta é a data prevista para que o Supremo Tribunal Federal (STF) retome o julgamento da tese do marco temporal, decisiva para a demarcação das terras indígenas no Brasil, porque prevê que só podem reivindicar posse de terras os indígenas que já as ocupavam em 1988, quando foi promulgada a nova Constituição Federal. A temática foi uma das mais debatidas em 2021, entretanto, não houve um desfecho, uma vez que, o julgamento está igualado em um voto - do relator, ministro Edson Fachin, contra, e o voto do ministro Nunes Marques, a favor. O embaraço da questão levou o ministro Alexandre de Moraes a pedir vista no dia 15 de setembro do ano passado. A deliberação do STF era uma das mais esperadas, no segundo semestre de 2021, porque envolve, de um lado, os defensores da causa indígena e, de outro, setores do agronegócio que preveem prejuízos com a fixação de outra tese que não fosse o marco temporal. Por telefone, o procurador jurídico da União dos Povos do Vale do Javari (Univaja), o advogado Eliesio Marubo, disse à REVISTA CENARIUM, que estipular uma data reafirma a inconstitucionalidade da tese e marca o retrocesso nos direitos indígenas. “O artigo 231 da Constituição menciona que nos é garantido o direito originário pelas terras que tradicionalmente ocupamos e menciona que esse direito à terra é imprescritível”, afirma. “Dizer que precisamos provar o direito sobre a terra que ocupamos a partir de 1988 é caminhar no sentido contrário ao que está escrito. Não faz sentido essa tese caminhar e ter um resultado positivo
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no STF dada a inconstitucionalidade”, completa o indígena, ressaltando que o STF precisa garantir segurança jurídica e deve julgar a questão de acordo com o contexto social, baseado na Constituição. Para o professor indígena Alcilei Vale Neto, da etnia Mura, a demarcação de terras indígenas mediante a deliberação do marco temporal pode significar um retrocesso para os povos indígenas. Segundo ele, os impactos seriam imensuráveis. “Reduziria o acesso à terra por parte dos povos indígenas, pois em nosso entendimento, uma Terra Indígena (TI) não é substituível por outra, porque nela temos o espaço sagrado, modo de viver e de educar naquele território. Para um povo sem terra, é quase inexistente a possibilidade de manter a sua cultura, pois o território é um dos principais instrumentos de garantia de sobrevivência cultural de um povo indígena. Portanto, de certa forma, o marco temporal ajudaria a extinguir a abertura de malhas viárias e de novos ramais, instalação de poços e exploração de minério como vem acontecendo de forma desenfreada”, declarou o professor indígena.
CARTA AO STF Em documento protocolado no dia 15 de dezembro de 2021, no STF, em Brasília, lideranças indígenas solicitaram ao presidente do STF que o julgamento do marco temporal fosse retomado. As lideranças ressaltam, na carta, agilidade para barrar retrocessos que atingem os povos e seus direitos constitucionais. O documento contou com o aval das lideranças dos povos Xokleng, Kaingang, Tukano, Kalapalo, Tupi-Guarani, Kanela do Araguaia, Terena e Macuxi.
Os povos indígenas “sofrem cotidianamente os mais vis ataques decorrentes da omissão do Estado em demarcar nossas terras e do estímulo à invasão de nossos territórios pelo Executivo Federal”, destaca o documento protocolado no STF. Em novembro de 2021, em entrevista ao Correio Brasiliense, o presidente Jair Bolsonaro disse que o STF vai inviabilizar o agronegócio no Brasil se votar favoravelmente à ação que pleiteia a revogação do marco temporal para as terras indígenas.
Políticos divergem A revisão de terras indígenas divide opiniões de líderes e autoridades, no Amazonas. “Sou contrário ao Marco Temporal. A expectativa é que o Supremo mantenha o direito dos povos indígenas. Poderemos ter muitos conflitos, caso se confirme o Marco Temporal. Tem muitas terras ainda não definidas. Muitos indígenas vivendo isolados na Amazônia e no Estado do Amazonas, sobretudo, na região de Atalaia do Norte, na fronteira com o Peru”, declarou o deputado federal Zé Ricardo (PT-AM).
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Dizer que precisamos provar o direito sobre a terra que ocupamos a partir de 1988 é caminhar no sentido contrário ao que está escrito”
Eliesio Marubo¸ procurador jurídico da União dos Povos do Vale do Javari (Univaja).
Crédito: Gabriel Paiva | Fotos Públicas
O QUE SERÁ QUE SERÁ?
Aprovação do PL 490 O Projeto de Lei (PL) 490/2007 aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), altera a legislação da demarcação de terras indígenas e um dos pontos mais polêmicos do PL trata justamente do marco temporal. “Nós consideramos como um projeto de lei da morte”, afirma Tiago Nhandewa, pesquisador e antropólogo. “É um projeto de lei que interfere nos mecanismos de demarcação das terras indígenas, além de abrir as terras indígenas para exploração predatória do seu território e de rever terras já demarcadas”.
Povos indígenas têm se mobilizado contra a tese do marco temporal, que pode resultar na perda de muitos territórios
O senador Plínio Valério (PSDB), por exemplo, em entrevista a um veículo de comunicação do Amazonas, disse que concorda com a medida sugerida por Heleno, argumentando que mais de 40 mil índios de reservas federais vivem em condições sub-humanas, em Manaus. “Se demarcar fosse bom, por que eles vêm para a capital sofrer? Não é à toa que o governo quer rever; deve ter algum excesso nisso tudo”, opinou. 31
O QUE SERÁ QUE SERÁ?
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Projeto de Lei 191/20 que valida a exploração de minério põe em risco florestas, rios e povos na Amazônia Náferson Cruz – Especial para a Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Além do desmatamento e queimadas que têm destruído o bioma amazônico, a maior floresta tropical do mundo enfrenta outra ameaça de grande proporção: o ataque imparável às suas riquezas minerais, que ocorre de forma ilegal. No final de novembro de 2021, imagens de balsas e dragas usadas por garimpeiros no Rio Madeira, na região de Autazes (a 110 quilômetros de Manaus) tomaram conta dos noticiários, expondo mais uma faceta da busca pelo ouro no País. Em 2022, segue a discussão em torno do (PL) 191/2020, que busca a regulamentação do garimpo nas terras indígenas e, que, na prática, obrigará os povos indígenas a abrirem mão do seu modo de vida e a se associarem ao agronegócio e à mineração. Segundo relatório de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg), parte da Amazônia brasileira possui, atualmente, mais de 450 pontos de mineração irregular. Para ambientalistas e indígenas, a ação dos garimpeiros está relacionada ao enfraquecimento das políticas ambientais e às contestações do governo sobre os dados de desmatamento, além do PL 191/2020. Nos últimos meses, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), aprovou mais de 80 consentimentos prévios de exploração mineral em toda a região amazônica. Na região de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, onde foram aprovados sete consentimentos prévios de estudo e exploração mineral, serão impactadas diretamente, ao menos, duas terras indígenas, além de toda a região que estava ainda intocada e preservada.
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Para o presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Mariwelton Baré, as ações provenientes do governo federal são extremamente temerárias, inconstitucionais e potencialmente genocidas para os povos isolados na região noroeste da Amazônia.
“Não existe uma lei que regulamente a atividade legal da exploração de minério dentro das terras indígenas ou das unidades de conservação, e a forma como tem sido colocado o PL 191/2020 significa pena de morte para nós, porque põe em risco a nossa existência em nossas terras.
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Essas atividades vão causar a devastação e contaminação dos rios e florestas, destruindo nossa cultura, conhecimentos e memória materializada em nosso território”
Mariwelton Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
Crédito: Ricardo Oliveira
Balsas de garimpo de ouro ilegal avançam de forma desenfreada em toda a Amazônia, trazendo riscos de devastação
Crédito: Ricardo Oliveira
Meio ambiente: projeto de lei é ameaça
Essas atividades vão causar a devastação e a contaminação dos rios e florestas, destruindo nossa cultura, conhecimentos e memória materializada em nosso território. Para nós a terra é tudo, sem ela não há como viver e sobreviver, agora vem um PL para tentar contrariar e tirar os direitos das terras indígenas já demarcadas, há uma política muito forte para querer regulamentar que hoje, do ponto de vista constitucional, ela é legal”, comentou o gestor da Foirn, que representa 23 povos indígenas na região do alto e médio Rio Negro.
madas em terras indígenas. “Tirar da invisibilidade os danos causados pelo mercúrio é essencial para aumentar a pressão social sobre medidas legais que interrompam esse ciclo”, diz o indígena.
Segundo o professor indígena Alcilei Vale Neto, da etnia Mura da região de Autazes, no Amazonas, que foi palco da corrida desenfreada pelo ouro no Rio Madeira, há uma relação direta entre os níveis crescentes de poluição dos rios na região e o avanço do garimpo e das quei-
Estima-se, segundo a organização Greenpeace Brasil, que mais de 200 mil pessoas trabalhem na exploração de ouro no Brasil, alavancada pelo aumento do preço do metal e pela sinalização, por parte do governo federal, de liberar a exploração em Terras Indígenas (TIs).
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), por meio de nota, diz que a autorização para projetos de mineração no Amazonas, validada pelo GSI, “impacta povos indígenas da região, até então preservada, e segue a política do governo federal de devastação de florestas e territórios tradicionais”, diz trecho do documento.
Processos minerários ativos O Estado do Amazonas conta, atualmente, com 2.857 processos minerários ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM), em várias fases de tramitação, atingindo uma área de, aproximadamente, 12.800.016 hectares, o que corresponde a cerca de 8% de todo o seu território. Os processos minerários referem-se a 69 substâncias distintas, mas a maior parte da área requerida (34%) é para a extração de minério de ouro, cujos requerimentos tiveram aumento de 342% em relação à média dos 10 anos anteriores.
Os dados acima fazem parte de um relatório técnico publicado recentemente, sobre o panorama do interesse minerário no Amazonas. O documento foi elaborado pela organização indigenista Operação Amazônia Nativa (Opan), em parceria com o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a partir de informações do Sistema de Informações Geográficas da Mineração (Sigmine), banco de dados mantido pela ANM. 33
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Para onde vai a inflação? Para especialistas, perspectivas para 2022 na economia são desanimadoras Nauzila Campos – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – A Selic (taxa básica de juros) e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiram em 2021 de forma galopante, acima de qualquer expectativa dos economistas estabelecida em 2020 ou mesmo no último semestre do ano passado. O Comitê de Política Monetária (Copom) fechou a Selic em 9,25% ao ano em dezembro de 2021. Já a inflação é mais que o dobro que o patamar superior da meta prevista. Neste cenário, o poder de compra do brasileiro despencou. Adquirir qualquer coisa ficou mais caro com a subida do IPCA – que mede a inflação.
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da inflação. No entanto, mesmo com as medidas do Banco Central (BC), o IPCA acumulou 10,74%, em 2021. Sem outro instrumento para regular a inflação, vai ter que mexer na Selic novamente”, alerta Rezende, que já prevê juros ainda maiores para 2022, caso não haja uma política econômica diferenciada.
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A questão é muito mais social do que econômica”
Ailson Rezende, economista.
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“A questão é muito mais social do que econômica: vivemos o período da insegurança alimentar. Metade da população brasileira não faz três refeições por dia. Um quarto não tem nenhuma refeição por dia. Nós temos três itens que impactam diretamente na inflação: combustível, gás de cozinha e energia elétrica, todos em preços altos. O crescimento do PIB parou, nos últimos dois trimestres – e só não desceu por causa do agronegócio. Mas, tem um detalhe. A indústria mecanizada do agro atende exportações, não o mercado interno. Não é o pequeno agricultor que está sendo beneficiado”, explica o economista. O agronegócio segura os números da economia brasileira com grandes lavouras de soja e milho, principalmente. Mas, a mesa do consumidor continua diretamente afetada pela inflação, porque o mercado local não é atendido. Consequência: “em 2022, vamos sentir o mesmo problema da falta de produtos na mesa do brasileiro pelo encarecimento. É o aumento do preço pela escassez, oferta sempre maior que a demanda”, conclui Ailson Rezende.
Fazer empréstimos ou financiamentos virou luxo. E a perspectiva de especialistas ainda é de cenário negativo para 2022. Pela primeira vez desde 2016, a Selic deve superar os 10% em 2022. Já a inflação (IPCA) fica em torno de 10,2% em 2022 – sem esquecer que em 2020 a projeção para 2021 não passava de 5,25%, então o número pode ser ainda maior. Os altos e baixos da economia brasileira contemporânea – cada vez mais complexa – são explicados pelo economista manauara Ailson Rezende. “A estratégia de elevar a Selic é tê-la como um dos instrumentos de controle Com o crescimento da inflação e juros em alta, o poder de compra do brasileiro despencou em 2021
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Os altos índices de desemprego também contribuem para a recessão econômica. Com menos pessoas recebendo salário fixo, menos o capital circula em todo o País. Além do fato de que, tirando mão de obra do mercado, a indústria, em geral, produz menos – o que faz o governo arrecadar menos impostos. A perda está em todos os lados.
A inflação vai continuar crescente, beirando os 11,5%, com a previsão de especialistas, e a redução só deve acontecer em 2023, quando os setores da economia se organizarem de forma a retornar a um funcionamento dentro da média.
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Crédito: Ricardo Oliveira
O QUE SERÁ QUE SERÁ?
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Ciência: como resistir?
A área de pesquisa enfrenta desmonte institucionalizado nos últimos anos e não prevê avanços em 2022 Nauzila Campos – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Cortes orçamentários em bolsas de estudo têm efeitos instantâneos e também a médio e longo prazo na pesquisa brasileira, que, quando comprometida, impacta diretamente na saúde e educação. Na avaliação de cientistas, o cenário de enfraquecimento da pesquisa no Brasil tende a se estender ao longo de 2022. Na opinião do doutor Wuelton Marcelo Monteiro, diretor de Ensino e Pesquisa da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD) e professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), fazer ciência no Brasil está cada vez mais complicado. “É a falta de investimento, especialmente do nível federal. Ciência e educação, definitivamente, não são prioridades hoje no Brasil. Ao contrário, está transparente um desmonte proposital de tudo o que já havia sido alcançado”, lamenta o cientista. Enquanto a ciência gastou tempo e energia na luta contra o negacionismo nos dois últimos anos, também batalhou com o sucateamento, cortes de bolsas, desvalorização de carreira e até perseguição. Um exemplo triste é do esforço do médico infectologista e pesquisador da Fiocruz Amazônia Marcus
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Lacerda, profissional de reconhecimento internacional, residente em Manaus e alvo de graves ataques, desde 2020, por exercer seu trabalho e disseminar informações descobertas em sérias pesquisas sobre a Covid19, como a que demonstrou a ineficácia da hidroxicloroquina no tratamento da doença. Após resistir a ofensas e ameaças, até de morte, por quase dois anos, Marcus agora trabalha recluso, discreto, longe de inimigos e priorizando a integridade física e psicológica da família e de si mesmo. E enquanto os cortes financeiros na pesquisa nacional são mais cômodos para que o Ministério da Economia possa investir em outros setores, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações considera o ato “falta de consideração”. A fala é do próprio ministro, Marcos Pontes, publicada no Twitter em outubro de 2021. Somente naquele mês, foram R$ 600 milhões em cortes no orçamento da ciência. A mundialmente respeitada revista Science publicou, no dia 18 de novembro, o grito de socorro de pesquisadores brasileiros que alertavam a comunidade internacional sobre a situação calamitosa da ciência no Brasil, no artigo intitulado “Sobrevivendo como um jovem cientista no Brasil”.
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E o problema do sucateamento da pesquisa não estaciona em pautas sobre saúde. O meio ambiente também sofre – principalmente quando consideramos a redução de fiscalização. O desmatamento desenfreado em 2021, relatado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é o maior dos últimos 15 anos no Brasil. Foram 13.255 quilômetros quadrados de floresta amazônica derrubados. E falta consulta a estudiosos que possam sugerir formas menos destrutivas de desenvolvimento. Sem ciência, não há investimento em novas tecnologias de energia limpa, desenvolvimento sustentável e/ou alternativas ecológicas inteligentes. E uma consequência preocupante deste cenário é a desmotivação dos cientistas para um futuro próximo – inclusive, 2022. “Nós tínhamos um potencial enorme, excelentes pesquisadores, alunos entusiasmados. Mas, o que se verifica é um desânimo, muitos pesquisadores jovens desistindo e migrando para outras áreas ou saindo do País. Não sei se o governo e a sociedade entendem esse risco. Isso terá efeito no futuro. Salvam-se hoje os grupos que têm financiamento internacional, mas não são muitos. A maior parte dos pequenos laboratórios, e os laboratórios que estão iniciando, ainda dependem de financiamento público”, conta o pesquisador Wuelton Marcelo.
Crédito: Ricardo Oliveira
O QUE SERÁ QUE SERÁ?
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Ciência e educação, definitivamente, não são prioridades hoje no Brasil. Ao contrário, está transparente um desmonte proposital de tudo que já havia sido alcançado”
Wuelton Marcelo Monteiro, diretor de Ensino e Pesquisa da Fundação de Medicina Tropical.
O Brasil passa por uma epidemia de gripe dentro da pandemia de Covid-19. E, junto com elas, devastação ambiental e climática. E quem deveria trabalhar a favor da população e contra os inimigos virais ou portadores de motosserras, sente-se desvalorizado, mal pago e perseguido. Descrentes, os pesquisadores avaliam que, em ano eleitoral, dificilmente, as verbas à ciência serão repostas. “Um outro aspecto [que justifica a dificuldade em fazer ciência] é mais subjetivo, e cada pesquisador consegue lidar de uma forma: é o descrédito com a ciência, o revisionismo, o negacionismo, o combate ideológico da ciência e do conhecimento. Esse ato também é planejado, vem de cima e chega na sociedade. Os efeitos podem ser mais crônicos que os da falta de investimento”, conclui o doutor Monteiro.
Diante dos sucessivos cortes financeiros e da falta de incentivo governamental, muitos cientistas têm deixado o Brasil 37
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Até quando, pandemia? Cientistas avaliam que quadro geral só será amenizado com a igualdade na distribuição de vacinas em todo o mundo Nauzila Campos – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Março de 2020 parece que, até hoje, não acabou. Máscara, álcool em gel, internação, respiradores, perdas, fechamento do comércio, proibição de aglomeração... Todos os derivados da pandemia da Covid19, na verdade, já soam como o tal “normal” que tanta gente ainda espera ter de volta. E será que vem? No dia 13 de janeiro deste ano, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, admitiu que há uma terceira onda de casos de Covid-19 no Brasil decorrente do avanço da variante Ômicron. Naquele mesmo dia, a REVISTA CENARIUM já havia antecipado que o Amazonas passa por uma nova onda de Covid-19. A informação foi divulgada pelo pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz -Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia) Felipe Naveca em entrevista ao programa ‘BOA NOITE, AMAZÔNIA‘, na rádio Onda Digital. “Vamos observar o comportamento da evolução dos casos, naturalmente há um aumento de casos por causa da Ômicron, isso pode ser considerado sim uma terceira onda”, disse Queiroga, em entrevista coletiva na saída do ministério. “O aumento do número de casos confirmados de Covid-19 nos últimos dias mostra que nós estamos claramente em uma curva ascendente de casos. Então, é
mais uma onda surgindo. O aumento foi muito forte, de um dia para o outro. No dia 10, nós tínhamos 229 casos confirmados, no dia 11, passou para mais de mil e ontem mais de 1.600 casos”, afirmou Naveca, que destacou ainda que este não era o pico da nova onda. A REVISTA CENARIUM já havia antecipado o risco de uma terceira onda, nos meses de maio e junho de 2021. Com o Especial – À Sombra da 3ª onda?, a revista publicou uma série de matérias alertando para o perigo de novas variantes. À época, com o aumento na circulação de pessoas e sem respeito a medidas preventivas (como uso de máscara corretamente e álcool em gel), aliado às aglomerações e desrespeito às ações restritivas e de controle, especialistas da Fiocruz, da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMT-AM) e gestores públicos acreditavam que a população estaria caminhando para uma terceira onda de contágio da Covid-19.
PERSPECTIVAS Para o médico infectologista Nelson Barbosa, a convivência com o Sars-Cov-2, o coronavírus causador da Covid-19, ainda deve perdurar, em virtude da desigualdade na distribuição vacinal pelo mundo. “A pandemia vai existir enquanto houver países com menos de 70% de cobertura vacinal. É o caso da África do Sul, que tem
a cobertura abaixo de 20%. Além disso, esses países pobres que não têm acesso à vacinação são celeiros para a origem de novas variantes. O continente africano já deu origem à Delta e, agora, à Ômicron – o que confirma a informação”. O uso de máscara e álcool em gel tem sido grande aliado junto à vacina. “Eles servem, além da prevenção contra a Covid-19, para prevenir o H3N2, que causa a síndrome gripal. O uso de toda essa proteção deve continuar, até que zerem os casos de Covid-19 e de gripe”, aconselha o infectologista.
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A pandemia vai existir enquanto houver países com menos de 70% da cobertura vacinal. É o caso da África do Sul, que tem a cobertura abaixo de 20%”
Nelson Barbosa, médico infectologista.
OUVIR A CIÊNCIA É FUNDAMENTAL Vanderson Sampaio, cientista e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical UEA/FMT-HVD, fez parte do primeiro grupo científico que comprovou a ineficácia da cloroquina no tratamento contra o coronavírus. O grupo, amazonense e internacionalmente reconhecido no avanço de estudos sobre medicamentos para conter a pandemia, sofreu todo o tipo de ataque por ter constatado, tecnicamente, algo que iria de encontro com o que o governo federal apenas supunha e apresentava. Após viver essa experiência, o doutor Vanderson continuou trabalhando em meio à desvalorização científica ocorrida desde o início da pandemia, e não tem uma perspectiva imediatamente boa para 2022 na área de saúde. “Sinceramente, eu acho que ainda vai piorar antes de melhorar. (...) Primeiro porque o orçamento já fechado para 2022 foi muito cortado. São cortes em bolsas, pesquisas, fomento de tecnologias. E isso vai ter, sem dúvida, impacto na produção científica”. Em concordância com o infectologista Nelson Barbosa, o cientista também deposita suas esperanças na vacina, mas desde que ela seja aplicada de forma global. “Saúde pública não é medida individualmente, é coletiva. (...) Essa transmissão alta aumenta a probabilidade de novas mutações e isso é o que gera essas novas variantes. Então, se continuarmos com uma baixa cobertura vacinal, continuaremos tendo transmissão muito alta. Pior: existe o escape vacinal, o caso das vacinas não combaterem mais as variantes por falta de adesão. Mas, mesmo com um número alto de negacionistas no Brasil, que recusam a vacina, há uma adesão muito boa aqui, diferente da Europa. Eu ponho muita fé aqui no Brasil. Mas não adianta se nos países da África a cobertura continuar baixa. A vacinação é uma medida global”, conclui o pesquisador.
Desequilíbrio da cobertura vacinal entre os países propicia o surgimento de novas variantes do coronavírus e, com elas, novas ondas de contágio acelerado 38
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O QUE SERÁ QUE SERÁ?
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Brasil no Qatar Retrospecto do desempenho da Seleção Brasileira nas últimas Copas do Mundo de Futebol gera desconfiança numa possível conquista do hexacampeonato Malu Dácio – Especial para a Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – O maior vencedor de Copas do Mundo de Futebol se prepara para o retorno aos gramados, em 2022. A 22ª edição do principal torneio de seleções, desta vez acontece no Qatar e a Seleção Brasileira vai para a quinta tentativa de título, após o penta. Apesar de estar hoje no 2º lugar no ranking da Federação Internacional
Apesar do histórico de técnicos anteriores, o ano do Brasil, em 2021, sob o comando de Tite foi positivo. Nos 15 jogos que o Brasil realizou, foram 12 vitórias, dois empates e apenas uma derrota, para a Argentina, que deu aos hermanos o título da Copa América de 2020, realizada em 2021 por conta da pandemia. Ainda em 2021, foram 27 gols, 198 finalizações e a
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O Brasil chega como favorito, mas quando enfrenta seleções mais fortes, acaba caindo”
Carlos Daniel, analista de desempenho de futebol.
de Futebol (Fifa), a equipe tem contra si as campanhas anteriores, que cercam a seleção comandada pelo técnico Tite de desconfianças. Em 2018, na Rússia, o Brasil parou diante da Bélgica, ainda nas quartas de final. Entretanto, parte da incerteza vem do enorme fiasco dentro de casa, na copa de 2014. Mesmo embalada com a vitória na Copa das Confederações em 2013, tanto a seleção quanto a torcida brasileira assistiram o sonho ficar ainda mais distante em pleno estádio Mineirão com o humilhante 7 a 1 diante da Alemanha, hoje, 12ª colocada no ranking Fifa. Em 2010 e 2006, o fantasma das quartas de final perseguiu o Brasil, que caiu diante das seleções da Holanda e França, respectivamente. A seleção de 2006, comandada por Carlos Alberto Parreira, era a favorita na época e a seleção de Dunga, em 2010, não era bem vista. 40
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maior sequência de vitórias durou cinco partidas. Além disso, a seleção goleou o Peru, em junho do ano passado vencendo por 4 a 0. Neymar é o grande artilheiro do Brasil nas eliminatórias da Copa, com sete gols na competição, até o momento.
EXPECTATIVAS O analista de desempenho de futebol Carlos Daniel explica que o Brasil chega como favorito para o campeonato pelo rendimento ao longo das eliminatórias. “O Brasil está invicto, tem o maior número de gols marcados, menor número de gols sofridos e uma boa posição no ranking da Fifa. O Neymar é o grande destaque do time, o que tem um grande peso. Não tenho dúvidas de que o Brasil chega como um dos grandes favoritos para a Copa”, afirma. Daniel lembra também que grande parte das boas atuações vem de jogos com
equipes pouco competitivas. “As eliminatórias e amistosos sempre são com seleções menores, como Bolívia, Chile, Peru, Venezuela e as europeias são com Espanha, Itália, Portugal e outros. O Brasil chega como favorito, mas quando enfrenta seleções mais fortes, acaba caindo”, lembra. Um dos jogadores amazonenses de maior destaque no futebol mundial, Marcelinho Nascimento já chegou a competir as eliminatórias, quando defendeu a seleção da Bulgária. Na Seleção Europeia, o jogador vestiu a camisa búlgara em 11 jogos e marcou um gol contra a forte seleção de Portugal, de Cristiano Ronaldo. O jogador pontua que França, Itália e Bélgica são favoritas, assim como o Brasil. “Vai sempre ter o peso de uma seleção pentacampeã”, lembra. Marcelinho também defende que, apesar das críticas da torcida, no final sempre há festa. “No fundo, o brasileiro acredita e vai torcer pelo título mundial. Não vai ser fácil, mas o Brasil tem tradição. Espero que eles consigam fazer um grande trabalho. Criticamos, sim, mas torcemos e queremos a seleção campeã. Comigo não vai ser diferente”, disse. Multicampeão do futebol amazonense, o técnico Aderbal Lana defende que a Seleção Brasileira sempre cria expectativa nos torcedores, mas que até o mais fiel, tem suas dúvidas para a competição no Qatar. “Apesar de estar disparado na competição da América, não tem como comparar com as seleções europeias. Não temos enfrentado seleções fortes que mostram crescimento no futebol”, disse. A Copa do Mundo de Futebol está prevista para ocorrer entre os dias 21 de novembro e 18 de dezembro.
Neymar é uma das apostas da Seleção Brasileira na disputa pelo sexto título de campeão do mundo para o País Crédito: Lucas Figueiredo | CBF
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Nossa capa
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trar aulas para os Baniwa e ingressou no movimento indígena. Desde então, nunca mais parou de militar pelo seu povo.
CAROL AMARAL A advogada Ana Carolina Amaral é presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM), onde é conselheira estadual. Formada pela Uninorte Laureati (2013), Carol Amaral, como é conhecida, é especialista em Direito e Processo do Trabalho e, desde 2021, tem trabalhado no
coletivo Odara, associação iniciada por ela com outras advogadas mulheres negras e amazônicas, que tem o objetivo de buscar a equidade racial e de gênero. Nas horas vagas, Carol Amaral trabalha como DJ e produtora cultural, com apresentações em festivais de música e em ações solidárias, em Manaus.
AURORA BOREAL Com pouco mais de seis anos de carreira, a drag queen amazonense Aurora
Boreal é uma artista cuja trajetória é marcada pelo pioneirismo, grandes desafios e conquistas no segmento LGBTQIA+. Em 2021, a artista gravou o primeiro videoclipe de sua carreira “Sou Forte, Sou do Norte”, onde destaca e exalta a diversidade da cultura amazônida. Como um “Fenômeno da Resistência”, título que dá nome ao seu EP, Aurora Boreal vem despontando no cenário pop musical do Norte, abordando temas que falam da força, da luta e do orgulho.
O líder indígena André Fernando Baniwa, a advogada Ana Carolina Amaral e a drag queen Aurora Boreal posam para a capa da REVISTA CENARIUM
Ativista indígena, advogada em defesa da igualdade racial e de gênero e drag queen amazonense estampam a capa da REVISTA CENARIUM de janeiro Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium
O líder indígena André Fernando Baniwa, a advogada e presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM) Ana Carolina Amaral e a drag queen Aurora Boreal trazem, em seus rostos e na luta do dia a dia, a representatividade, diversidade e esperança. 42
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LÍDER INDÍGENA ANDRÉ BANIWA Natural da comunidade Tucumã Rupitá, no Médio Rio Içana II, na Terra Indígena do Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus, no Amazonas), o líder indígena André Fernando Baniwa nasceu em 1971 e, hoje, aos 50 anos, é escritor, professor, empreendedor social, gestor de planejamento e de projetos em educação, economia e empreendedorismo. Filho do artesão Fernando José e da agricultora Aurora, André tem ganhado destaque na luta pelos direitos dos povos tradicionais e na defesa da floresta. Desde a infância, André sonhava em estudar na cidade, assim como seus irmãos, na busca pelo conhecimento. Por conta disso, o líder indígena mudou-se para Manaus, onde concluiu, no ano de 1991, o ensino fundamental profissional em Agrozootecnia, com o apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai). Ao retornar para a sua comunidade, passou a minis-
Crédito: Ricardo Oliveira
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ANAUS (AM) – O ano de 2021 foi marcado por tragédias e enormes desafios. Depois de um ano tão difícil, com milhares de mortes causadas pela Covid-19, milhões de desempregados, a volta da fome, política e economia instáveis, o que podemos esperar para 2022? Pensando neste questionamento e nas expectativas em torno do ano que se inicia com grandes decisões, a REVISTA CENARIUM trouxe na capa desta edição a imagem de três rostos que representam populações fortemente atacadas em seus direitos no ano que se encerrou. Em suas mãos, a interrogação que representa o desejo de respostas por um futuro melhor.
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Crédito: Marcelo Camargo | Ag. Brasil
ECONOMIA & SOCIEDADE
REVISTA CENARIUM
Território da morte Yanomamis foram 98% das vítimas de conflitos no campo, até agosto; mortes aumentaram mais de 1.000%, diz CPT Iury Lima – Da Revista Cenarium
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ILHENA (RO) – A tragédia que assola o povo Yanomami, entre os Estados de Roraima e Amazonas, parece não ter fim. Novo índice alarmante foi divulgado no início de dezembro de 2021, quando se comemorava o Dia Internacional dos Direitos Humanos: 98% dos mortos em decorrência das disputas por terra de norte a sul do País pertenciam à etnia que vive na região amazônica, ou seja, foram 101 das 103 vítimas, entre janeiro e agosto
de 2021. Pelo menos 45 delas eram crianças e o aumento de mortes em decorrência da violência no campo é de 1.044%. Os números fazem parte do compilado de informações parciais referentes à grilagem, pistolagem, expulsão, destruição de casas e de pertences, além do impedimento de acesso às áreas de uso coletivo, em todo o Brasil, durante os primeiros oito meses do ano, levantados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O povo Yanomami está no centro de uma disputa por território e sofre com pistolagem, expulsão e agressões 44
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ECONOMIA & SOCIEDADE
MAPA DA VIOLÊNCIA POR CONFLITOS NO CAMPO NA AMAZÔNIA % DO TOTAL
(JAN-AGO)
AUMENTO (EM%)
1.997
1.802
reduziu 11%
80% do total
19.448
18.816
reduziu 3%
92% do total
Despejo judicial
401
764
90,52%
56% do total
Destruição de casa
651
1.458
123,96%
73% do total
2.109
4.133
95,96%
72% do total
Destruição de roçados
789
1.120
41,95%
44% do total
Expulsão
35
477
1262,85%
70% do total
Grilagem
11.517
25.302
119,69%
93% do total
31
3.455
11.045%
80% do total
Invasão
51.375
51.809
0,84%
91% do total
Pistolagem
3.738
9.447
157,48%
78% do total
VIOLÊNCIA CONTRA A OCUPAÇÃO E POSSE NA AMAZÔNIA LEGAL
2020
2021
(JAN-AGO)
Contaminação por agrotóxicos Desmatamento ilegal
Destruição de pertences
NO BRASIL
A invasão do garimpo ilegal de ouro é uma das principais ameaças aos Yanomami Crédito: Ricardo Oliveira
Impedimento de acesso às áreas de uso coletivo
AUMENTO ASSUSTADOR
Fonte: Comissão Pastoral da Terra
PERFIL DA VIOLÊNCIA NO CAMPO Populações que mais sofreram ataques
Categorias que mais causaram violência de norte a sul 28%
Terras Indígenas
23%
Terras Quilombolas
23%
Fazendeiros
18%
Empresários
14%
Governo Federal
14%
Territórios de Posseiros
13%
Sem-terra e outros 0
10
20
13%
Grileiros
6%
Garimpeiros 30
0
5
10
15
20
25
Fonte: Comissão Pastoral da Terra
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Os dados da CPT demonstram que não resta dúvida sobre uma expressiva tendência de perseguição étnica no País. O aumento de mais de 1.000% das mortes que ocorreram como consequência do emprego da violência em situações de conflito por terra revela uma grande disputa pelas riquezas dos territórios das populações tradicionais. São mortes que resultam da invasão de garimpeiros, do avanço do desmatamento no entorno e dentro das Terras Indígenas (TIs), contaminação da água e disseminação de doenças, além de assassinatos.
dragas e morrendo afogadas ao fugirem dos tiros disparados pelos criminosos”, diz o relatório da CPT.
Maranhão (9), Rondônia (5), Tocantins (2), Roraima (2), Pará (2), Bahia (2), Rio Grande do Sul (2) e Rio de Janeiro (1).
“A falta de políticas públicas de saúde e alimentação expôs o alto índice de desnutrição que acomete as crianças Yanomami, muitas vezes mortalmente, e também expôs como doenças, a exemplo de malária, leishmaniose e pneumonia, ainda matam esses indígenas em nosso País”, como consta no texto do relatório.
A Comissão Pastoral da Terra diz que dos seis sem-terras mortos na Amazônia, cinco eram de Rondônia e que foram assassinados durante massacre realizado em 13 de agosto, pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Estado (PM-RO), no Acampamento Ademar Ferreira, na região de um distrito de Porto Velho, Nova Mutum. “Esse foi o único massacre registrado pela CPT, até o momento, em 2021. O conflito na região continua muito tenso”, informou.
MAIORIA DOS ASSASSINATOS OCORREU NA AMAZÔNIA LEGAL
Em 2020 inteiro, foram nove ocorrências em todo o Brasil, em face das 103 deste ano, apenas entre janeiro e agosto. Por outro lado, a CPT informou que não foi possível extrair o número exato de vítimas por gênero, mas que, pelo menos, 45 delas eram crianças e que a maior parte das informações foi apresentada no II Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’Kwuana, entre os dias 4 e 7 de setembro, no município do Cantá, no norte de Roraima.
De acordo com os dados parciais, de 1º de janeiro a 31 de agosto, os povos indígenas representaram 33% das vítimas dos conflitos por terra, sendo as populações mais afetadas em toda a Amazônia Legal. Quilombolas aparecem em seguida, como 19% das vítimas. Além disso, a Amazônia Legal concentrou 77% dos assassinatos ocorridos até então, ou seja, dos 26 casos, 20 foram registrados dentro do território da maior floresta tropical do planeta, com quase 6 milhões de quilômetros quadrados.
“Acompanhamos, durante o ano de 2021, diversas invasões de garimpeiros ao território Yanomami, resultando em assassinatos, agressões, ameaças, ameaça ao território, contaminação da água, desmatamento, além de serem vetores de doenças diversas, incluindo a Covid-19. Vimos também crianças sendo sugadas por
Também aumentou a violência contra posseiros, sem-terra e assentamentos. Entre as vítimas de assassinato, oito eram indígenas, seis eram sem-terra, além de três posseiros, três quilombolas, dois assentados, dois pequenos proprietários e duas mulheres quebradeiras de coco-babaçu. Os assassinatos foram cometidos no
Brasil afora Ainda de acordo com a organização, em 2021, houve aumento de 3,55% no número de famílias envolvidas em conflitos por terra em todo o Brasil. Além disso, 418 territórios sofreram violência contra a ocupação e a posse. “A destruição de casas aumentou 94%, destruição de pertences 104%, expulsão 153%, grilagem 113%, pistolagem 118% e o impedimento de acesso às áreas de uso coletivo aumentou 1.057%. Todos esses dados, registrados entre janeiro e agosto deste ano, já ultrapassam os dados de todo o ano de 2020”, conclui a CPT. 47
ECONOMIA & SOCIEDADE
REVISTA CENARIUM
Alma do negócio: mulheres empreendedoras do AM Negócios vão de sex shop à venda de cosméticos artesanais e nasceram da necessidade de independência financeira Nauzila Campos – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – O empreendedorismo feminino no Amazonas guarda, além do lucro, muitas histórias. Desde quem largou toda a formação para começar do zero, até quem procurou apenas uma renda extra durante a gravidez e acabou encontrando o trabalho da vida. De acordo com dados de 2019 do IBGE, a taxa de participação da força de trabalho formal feminina no Brasil é de 54,5% enquanto a de homens é de 73,7%. Depois da pandemia, a disparidade foi maior - e a necessidade de empreender falou mais alto às mulheres. “Amigurumi” é o nome da arte que Tácylla Araújo produz. São bonecos e bichinhos de pelúcia feitos por encomenda em crochê. A técnica japonesa é bastante complexa, mas Tácylla aprendeu tudo sozinha e ainda criou a Patas de Aranha, para vender o que produz. “Eu sou arquiteta, mas graduei já grávida. Daí veio a pandemia e então não pude exercer a profissão estando formada ainda. O amigurumi foi uma válvula de escape para a gravidez não planejada e para esse confinamento que estamos vivendo. Acabou se tornando minha principal fonte de renda”, conta a crocheteira paraibana que mora em Manaus há 19 anos. Nathalie Corado é outra dessas mulheres empreendedoras. Ela fundou a nati.sserie, loja virtual de doces, em um momento financeiro difícil. Depois de uma demissão, o que restou para pagar os boletos aplicou em um curso de panetones, para relembrar a prática de confeitaria da mãe. “Eu sempre tive muito contato e facilidade
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com a confeitaria, porque minha mãe fazia doces desde que eu era bem pequena. Sou formada em Direito, mas não cheguei a exercer a profissão, ainda. Atualmente, faço cookies e, para o Natal, chocotones recheados”, disse a empreendedora. Os doces são de dar água na boca. “Dispa-se de tabu”, diz a página inicial do site Tabu Lingeries e Sex Shop, empresa administrada por Viktória Martins. A ideia é que os clientes se sintam bem à vontade – bem mesmo, já que a intenção da loja e-commerce é desmistificar a vergonha em comprar produtos eróticos. Viktória faz as compras, o controle de estoque, pesquisa novidades no mercado e tudo mais, sozinha, desde fevereiro do ano passado. “Em agosto, expandi inserindo a aba de produtos eróticos, dividindo entre cosméticos e acessórios. A Tabu vem da ideia de desmistificar. Comprar lingerie não é só para sair com alguém! É para todo ser que quer se sentir livre e desejado”, declara a empresária. Já a história da Aila Queiroz com o empreendedorismo começou na maternidade. A Balance Smell, que vende cosméticos artesanais e sabonetes, nasceu junto com a filha Saori, de um ano. “Comecei o autocuidado comigo e pensei em outras pessoas, dentro e fora da maternidade, que precisavam de produtos acessíveis, com facilidade para uso e eficazes”. Ela se refere à linha diferenciada que produziu: o kit autocuidado. A ideia é proporcionar um momento “seu com você mesmo”, como diz o perfil do Instagram da loja. Um sabonete de argila, um esfoliante e
um hidratante clareador artesanalmente preparados são o pacote para o carinho consigo. Um pedacinho da maternidade está em tudo. “Como o intuito da loja era trabalhar em casa para ficar próximo da minha filha, a ‘BS’ prega muito forte a bandeira do empreendedorismo feminino e materno”, disse Aila. Também existem as empreendedoras “old school”, que se modernizaram com a ajuda dos filhos. É o caso de Márcia Mara da Silva, de 46 anos, que sempre se dedicou ao segmento da alimentação, mas se encontrou na confeitaria, há 5 anos – e a filha ensinou a fazer e a administrar um perfil no Instagram. A lojinha Açúcar e Afeto Bolos e Doces “é um trabalho que me relaxa e eu posso mostrar minha criatividade. Além de ser uma coisa prazerosa, é também de onde eu tiro meu sustento. É trabalhoso, mas é gratificante”, conta a confeiteira, que agrada a todos os tipos de público, dos mais novos aos mais velhos que querem reviver a infância no dia do aniversário.
COMEÇANDO DO ZERO Márcia se reinventou sem sair da cozinha, mas Flávia Bentes largou a profissão de enfermeira para se dedicar integralmente à especialização em cachos e colorimetria de cabelos (Flávia Bentes Hair). A cabeleireira pintava os próprios cabelos e dos amigos, há anos, até se dar conta de seu talento na área. Assim, começou a ganhar dinheiro no ramo. “Eu estou completamente apaixonada por esse mundo.
Tácylla Araújo produz os amigurumis, bonecos e bichinhos de pelúcia feitos de crochê Crédito: Acervo Pessoal
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Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil
ECONOMIA & SOCIEDADE
Comecei o autocuidado comigo e pensei em outras pessoas, dentro e fora da maternidade, que precisavam de produtos acessíveis, com facilidade para uso e eficazes”
Crédito: Tadeu Rocha
“
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Nível de ocupação de mulheres com ou sem crianças (2) 2019
Taxa de participação na força de trabalho (1) 2019 Homens
Com crianças
Mulheres
73,7%
54,6%
54,5%
(1) Pessoas com 15 anos ou mais de idade
Aila Queiroz, dona da Balance Smell, que produz e comercializa cosméticos artesanais.
EMPREENDER NA COMUNICAÇÃO EM MANAUS – UM GRANDE DESAFIO
Ocupação de cargos gerenciais 2020 Homens 62,6%
Taxa ajustada de frequência escolar líquida no ensino superior (3) 2019 Homens 21,5%
Mulheres 29,7%
Mulheres 37,4%
Mulheres entre os docentes do ensino superior 2003 2007 2011 2015 2019
43,2% 44,9% 45,2% 45,5% 46,8%
Brasil 16,0%
anos, depois de muita história com o jornalismo, apostou no mundo empresarial em 2014, com a agência que teve como primeiro nome ‘Porto Comunicação’. “Abri a empresa pela demanda de assessorias de comunicação que estavam acontecendo e todo mundo perguntava se eu já tinha empresa. E, depois que abri, as coisas realmente começaram a acontecer”, disse.
Taxa anual de mortalidade de meninas com menos de 5 anos de idade (%) 17,2
Taxa de Fecundidade adolescente (4) 2019 Norte 84,5% Nordeste 65,2% Centro-Oeste 62,7%
16,5
15,8
15,2
14,7
14,1
Sul 50,0%
13,6
13,2
12,8
Sudeste 49,4% (4) Mulheres de 14 a 19 anos de idade
19
20
18
20
17
20
16
20
15
20
14
20
13
20
Hélida é a única sócia da Agência Porto (também tem uma produtora) – e sempre é questionada em reuniões com a pergunta “quem é o seu sócio?”. “Eles nem perguntam se eu tenho sócia, mulher. Eles sempre se assustam quando eu falo. Eu sou a sócia-proprietária, sou a única, sou a dona(…) E, para o futuro, eu quero que as pessoas se comuniquem bem, alcancem o público que elas querem. Que nós tenhamos infinitos projetos para tocar e cuidar”, relata a empresária.
Direitos Humanos das Mulheres e Meninas
Saúde e Serviços Relacionados
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Atualmente chamada ‘Agência Porto’, a firma atende quase que na sua totalidade os serviços de publicidade de governos municipais e estaduais. “Tem três anos que mudamos nossa atuação quase que 100% para publicidade, pela demanda de mercado, e foi uma paixão instantânea para mim e a equipe”, afirmou Hélida. Ela conta ainda que, mesmo sendo dona, gosta de trabalhar diretamente com seus
produtos finais. “Se você não colocar a mão, você, proprietária, as coisas não saem 100%. Eu meto a mão na massa mesmo. A gente assessora prefeituras do interior. No interior eu vou lá, meto o pé na lama, saio da zona de conforto, porque é necessário você estar nos projetos que você coordena”.
Menor Rio de Janeiro 9,8%
Maior Rio Grande do Norte 21,8%
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Mulheres eleitas vereadoras 2020
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(2) Mulheres de 25 a 49 anos com criança de até 3 anos de idade vivendo no domicílio
Vida pública e tomada de decisão
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Outra mulher que escolheu Manaus como casa e local para empreender foi a paraense de Porto Trombetas Hélida Tavares, jornalista experiente em reportagem e assessoria de imprensa. Em Manaus há 20
67,2%
Educação
(3) Proporção de Pessoas de 18 a 24 anos frequentando o ensino superior
Sou especialista em cabelos ondulados, cacheados e crespos, e estou me especializando em ruivos e coloridos. Entrei nesse mundo de empreendedora com muito medo, porque eu não tinha nada no bolso, continuo com medo, mas agora eu aprendi que se eu não tentar, eu nunca vou saber o resultado”. Além de ganhar dinheiro, Ana quer passar uma mensagem como empreendedora: “quero mostrar para as mulheres que elas podem deixar para trás a ditadura de que só o cabelo liso é bonito, que elas podem ter o cabelo liso, cacheado, crespo e do jeito que elas quiserem. Mostrar que frizz é algo normal, ensiná-las a cuidar do cabelo natural delas, pois eu nunca tive isso, eu nunca fui a um cabeleireiro que soubesse cortar o meu cabelo. Eu tive que ensinar meu primo a cortar cabelos ondulados, cacheados e crespos, para poder ter um corte que valorizasse as minhas ondas. Tive que aprender sozinha que creme comprar, que produtos usar, como pintar meu cabelo sem perder as ondas e, hoje, estou aqui para fazer isso por elas”.
Sem crianças
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ECONOMIA & SOCIEDADE
Viver de ‘bicos’ é o ‘novo normal’
“
Perda de empregos com carteira assinada e a alta da inflação forçam brasileiros a buscarem na informalidade a sobrevivência
A tendência será o aumento dessas relações informais, onde o trabalhador precisa, muitas vezes, se sujeitar a uma jornada de trabalho cada vez maior”
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
Denise Kassama, economista.
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ANAUS (AM) – A informalidade ou os “bicos” entre a População Ocupada (PO) no Brasil cresceu vertiginosamente nos dois últimos anos, retrato de uma crise econômica instaurada pela pandemia da Covid-19. Entre o segundo trimestre de 2019 e o segundo de 2021, aumentou, em mais de 2 milhões, o número de brasileiros trabalhando sem carteira assinada. A perda de empregos e a alta da inflação — com previsão de subir de 9,17% para 9,33% em 2021 — levam a população a buscar alternativas para alinhar os ganhos financeiros com a alta dos preços dos produtos básicos para a sobrevivência.
Os “informais” são aqueles que trabalham sem vínculos registrados na carteira de trabalho ou documentação equivalente, de acordo com o IBGE
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Crédito: Rovena Rosa | Agência
em uma concessionária de veículos em Manaus. Antes, o ‘salário’ bruto era de R$ 1,1 mil. Hoje, realizando pelo menos quatro diárias na semana, chega a ganhar entre R$ 1,6 mil e R$ 1,8 mil mensalmente. “Ganhava pouco e o que ganhava não cobria a despesa. Tenho um filho com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e precisa de atenção médica periodicamente. Agora, já consigo pagar as contas em dia e alimentação também”, conta Aguileia, enfatizando ainda que “a informalidade está pagando mais que a formalidade”. Quanto aos benefícios perdidos na informalidade, como a contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e futura aposentadoria por tempo de serviço, Aguileia explica que já busca fazer inscrição do contribuinte facultativo.
Por definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma pessoa é “ocupada” quando exerce atividade profissional (formal ou informal, remunerada ou não) durante, pelo menos, uma hora completa, na semana de referência da pesquisa. Já os “informais” são aqueles que trabalham sem vínculos registrados na carteira de trabalho ou documentação equivalente. Atualmente, no Brasil, esse grupo soma mais de 25 milhões de pessoas ou 28,3% dos ocupados.
PRECARIZAÇÃO O aumento da informalidade preocupa especialistas, devido à relação com a precarização das relações de trabalho. A automatização de processos e serviços, a situação econômica e a pandemia da Covid-19 contribuem para o aumento do desemprego e, consequentemente, o aumento da informalidade e do subemprego. Crédito: Fotos Públicas
Apesar de desprovidos de benefícios como remuneração fixa e férias pagas, muitos trabalhadores têm escolhido se tornar “informais” na busca por melhores condições financeiras e da possibilidade de cumprir horário próprio de trabalho. Essa foi a decisão tomada pela diarista Aguileia Augusta de Souza, que trabalhou por dois anos e meio com carteira assinada
Os entregadores de delivery estão entre os trabalhadores “informais”
“É natural, visto que compreendemos que a urgência na busca pela renda leva, muitas vezes, as pessoas a aceitarem quaisquer condições de trabalho, principalmente trabalhando informalmente”, destaca a economista Denise Kassama,
25 milhões O número de pessoas que trabalham na informalidade é de 25 milhões, cerca de 28,3% dos brasileiros ocupados, segundo dados do IBGE.
vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon). “Empregados domésticos e avulsos, muitas vezes, até preferem a informalidade, para não terem descontos no salário. Em um horizonte onde a criação de empregos formais não cresce na mesma proporção que o aumento da população economicamente ativa, a tendência será o aumento dessas relações, informais, onde o trabalhador precisa, muitas vezes, se sujeitar a uma jornada de trabalho cada vez maior para garantir uma renda mínima necessária”, pontua ainda.
Desemprego Em outubro de 2021, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) correspondente a agosto revelou que o desemprego alcançou o patamar de 13,2% no trimestre móvel encerrado naquele mês (contra 13,4% no trimestre móvel encerrado em julho). 53
ECONOMIA & SOCIEDADE
REVISTA CENARIUM
“Espírito Santo e Pará apresentaram queda, influenciados pela retração da atividade de extração de minério de ferro. Coube à Região Norte o menor resultado, com crescimento de 0,5 devido à queda, em volume, do Pará, Estado da região com a maior participação no PIB do Brasil”, explica a gerente de Contas Regionais, Alessandra Poça. O pouco crescimento do PIB do Norte, em 2019, destoa dos anos anteriores, segundo Alessandra. “Entre 2018 e 2019, a Região Norte e a Região Sul tiveram ganhos, enquanto Nordeste e Sudeste tiveram perdas, e a Região Centro-Oeste se manteve na mesma participação de 2018”, destaca.
NÍVEL NACIONAL
Usina de processamento de S11D, no sudeste do Pará, que usa a mineração a seco Crédito: Ricardo Teles Vale
Pará puxa PIB do Norte para baixo Com queda de produção da atividade mineradora, o Estado registrou retração econômica de -2,3% em 2019, segundo o IBGE Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – O Produto Interno Bruto (PIB) da Região Norte foi o que menos cresceu em 2019, devido à retração da atividade econômica de mineração no Pará. O crescimento da região foi de 0,5%, colocando-a na “lanterna” do ranking nacional liderado pelo Centro-Oeste (2,1%). Os dados constam nas Contas Regionais 2019, elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com os órgãos estaduais de estatística, secretarias estaduais de governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus
(Suframa). O levantamento foi divulgado em novembro do ano passado. Na análise por Estado, o Tocantins teve o maior crescimento (5,2%) do País, com alta de 278,2% na produção florestal, pesca e aquicultura, e crescimento do comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas, acumulando R$ 39.355,9 de PIB, enquanto o Pará (-2,3%) registrou retração na economia – com PIB de R$ 178.377,0 – pelo mesmo motivo que o Espírito Santo (-3,8), que registrou PIB de R$ 137.345,6.
Em 2019, o PIB do Brasil avançou 1,2% e 13 Unidades da Federação ficaram acima da média nacional: Tocantins (5,2%), Mato Grosso (4,1%), Roraima (3,8%), Santa Catarina (3,8%), Sergipe (3,6%), Amapá (2,3%), Amazonas (2,3%), Goiás (2,2%), Ceará (2,1%), Distrito Federal (2,1%), Alagoas (1,9%), São Paulo (1,7%) e Rio Grande do Norte (1,4%). A participação do Sudeste, no PIB nacional, continua a maior, mas recuou de 53,1% para 53%, influenciada por Rio de Janeiro e Espírito Santo. A economia fluminense perdeu participação devido às atividades de construção, indústrias de transformação; além dos serviços de comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas; e informação e comunicação. Depois de apresentar a maior perda de participação entre as Unidades da Federação por dois anos consecutivos, São Paulo registrou aumento de participação, saindo de 31,6%, em relação ao total do PIB, em 2018, para 31,8%, em 2019. Os maiores acréscimos de valor adicionado bruto, da economia paulista, foram no grupo de atividades de serviços, dentre elas, atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados; comércio e reparação de veículos automotores e motocicletas; e atividades profissionais, científicas e técnicas; administrativas e serviços complementares.
0,5%
Crescimento do PIB da Região Norte foi de 0,5%, o pior resultado brasileiro entre as regiões em 2019.
PRODUTO INTERNO BRUTO UF
VALOR (EM MILHÃO)
VARIAÇÃO %
Tocantins
39.355,90
5,2
Mato Grosso
142.292,20
4,1
Roraima
14.292,20
3,8
Santa Catarina
323.263,90
3,8
Sergipe
44.689,50
3,6
Amapá
17.496,70
2,3
Amazonas
108.181,10
2,3
Goiás
208.672,50
2,2
Ceará
163.575,30
2,1
Distrito Federal
273.613,70
2,1
Alagoas
58.963,70
1,9
2.348.338,00
1,7
Rio Grande do Norte
71.336,80
1,4
Pernambuco
197.853,40
1,1
Rio Grande do Sul
482.464,20
1,1
47.091,30
1
Paraná
466.377,00
0,9
Bahia
293.240,50
0,8
Maranhão
97.339,90
0,7
Paraíba
67.986,10
0,6
Rio de Janeiro
779.927,90
0,5
Acre
15.630,00
0,2
Minas Gerais
651.872,70
0
Mato Grosso do Sul
106.943,20
-0,5
Piauí
52.780,80
-0,6
Pará
178.377,00
-2,3
Espírito Santo
137.345,60
-3,8
São Paulo
Rondônia
Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatísticas, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa)
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ARTIGO – MARCELO RAMOS
Crédito: Kátia Vieira | Assessoria AVN
‘Desgraça ao meio ambiente’ Arthur Virgílio alerta sobre males do garimpo na Amazônia
A educação salva *Marcelo Ramos
Crédito: Divulgação
POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS
Com informações da Assessoria
C Para o ex-senador Arthur Virgílio não se pode esperar nada de bom do garimpo, que deixa um legado de ameaças, violência, crimes e degradação
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ANAUS (AM) – O ex-senador e ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, fez severas críticas contra a prática de garimpo na região amazônica, especialmente nas áreas da floresta, nos leitos dos rios e nas terras indígenas. Após a caravana de balsas mineradoras nos rios Solimões e Madeira, o governo federal concedeu sete autorizações de projetos de exploração de ouro na área conhecida como Cabeça do Cachorro, no município de São Gabriel da Cachoeira, considerado santuário ecológico do Amazonas e a cidade mais indígena do Brasil, com mais de 20 etnias do Alto Rio Negro.
forma de capitalização. Na Amazônia, já são 81 autorizações de garimpo, desde 2019. Inacreditável e inaceitável, chega a ser burrice mesmo, porque a floresta é fonte de vida e riqueza de todos os brasileiros”, afirmou Arthur.
“Não entendo esse interesse do governo federal no garimpo, uma vez que a atividade é reconhecidamente sonegadora de impostos, sem contar que grande parte é financiada pelo crime organizado como
“Falam em garimpo legal e ilegal, até existe a licença para explorar o ouro, mas considero uma legalidade ilegítima, porque mata a floresta, polui os rios e adoece as pessoas. Autorizado ou proibido, o
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Ainda segundo Virgílio, os sistemas econômicos brasileiros estão se esgotando e a última fronteira de desenvolvimento do País e com perspectiva trilionária é a biodiversidade da Amazônia. “Isso significa, em primeiro lugar, respeito à integridade da floresta, dos rios e à sabedoria dos povos indígenas, que podem ajudar a desvendar os segredos da floresta”, defendeu.
garimpo é desgraça ao meio ambiente”, reforçou Arthur Neto. Ele citou, ainda, a denúncia de ameaça feita por garimpeiros a mulheres pesquisadoras que identificaram contaminação de mercúrio na Amazônia, divulgada no dia 7 de dezembro de 2021, pela Folha de São Paulo. “Tenho dito, repetido incansavelmente, que nada de bom pode se esperar
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Autorizado ou proibido, o garimpo é desgraça ao meio ambiente”
Arthur Virgílio Neto, ex-senador e ex-prefeito de Manaus
do garimpo, que espalha morte por onde passa. Ameaças, violência, crimes... esse é o terrível legado deixado por garimpeiros. Já não bastassem os sucessivos recordes de queimada, agora, querem fazer da Amazônia uma Serra Pelada”, disparou Arthur. A ameaça do garimpo ilegal não é nenhuma novidade no cenário brasileiro e, muito menos, no cenário amazônico. De acordo com Arthur Virgílio, o aumento do preço do ouro no mercado internacional; a desarticulação das agências de controle, fiscalização e repressão; uma legislação frágil e facilitadora para tornar legal o ouro produzido de forma ilegal e criminosa; e o investimento maciço das principais organizações criminosas do País no garimpo ilegal são fatores que justificam o aumento na procura pela exploração do minério.
erto dia, eu estava presidindo a sessão da Câmara dos Deputados quando abri o direct do meu Instagram e tinha uma mensagem pedindo apoio para uma turma de formandos do ensino médio da Escola Estadual dirigida pelo Corpo de Bombeiros. Passei o meu telefone e pedi que entrassem em contato no outro dia. No dia seguinte, recebi a ligação da sargento Waldenize que, num primeiro momento não acreditou que era eu mesmo do outro lado da linha, achando que seria atendida por um assessor. Perguntei de que ajuda precisavam e ela me disse que os pais estavam com dificuldades de comprar os ingredientes para fazer o jantar em mutirão. Imediatamente, lembrei de passagens que marcam a minha vida. Os sacrifícios que a minha mãe fez para que eu e meus irmãos tivéssemos uma boa escola. E o meu primeiro emprego de digitador no Corpo de Bombeiros, onde inclusive recebi a notícia da minha aprovação em Direito na Universidade Federal do Amazonas.
De alguma forma, a minha história se identificava com a histórias daqueles formandos de uma escola que era símbolo de violência e desorganização e que, hoje, é de excelência e bilíngue (português-francês). Uma boa escola muda toda uma realidade da comunidade no entorno e dá esperanças a jovens e adolescentes. Doei o buffet de formatura e fui à festa e me vi na alegria de formandos, professores, pais e direção da escola e dos Bombeiros. Foi a educação que salvou a minha vida e que me guiou, junto com meus irmãos, por bons caminhos. É aos sacrifícios da minha mãe e aos livros que devo tudo que sou e foi uma alegria participar desse momento de transição na vida desses jovens. Sigo, como professor que sou e aluno que já fui, trabalhando para ter a chance de mudar a vida das pessoas e de poder devolver o tanto que recebi da Educação e do povo do Amazonas. (*) Marcelo Ramos é advogado, professor de Direito Constitucional e vice-presidente da Câmara Federal.
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ENTRETENIMENTO & CULTURA
Investimento que ressoa Nauzila Campos – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Um entusiasmo exalante. Sorrisos que não cessavam e o nervosismo também. Assim estava o trio composto por Bruno Belchior, Clariana Arruda e Melka Franco a poucos minutos de sua primeira apresentação com o público, ao vivo, oficialmente como D’água Negra. O grupo faz parte dos mais de 800 artistas contemplados financeiramente no Amazonas por meio de editais criados com a Lei Aldir Blanc, de 2020, que fomenta iniciativas artísticas após o grande impacto da pandemia no setor. O palco do primeiro show do D’Água Negra era o do evento Spot, conceito intimista, criado pela produtora cultural manauara Carol Pedrosa, para que artistas e fãs se olhem nos olhos e aproveitem a experiência artística de uma forma mais próxima. Para chegar até o momento do palco, o trabalho foi suado. A trajetória do D´Água teve um impulso essencial após o projeto da banda ser contemplado pelo edital da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa (SEC-AM). “O que antes era apenas um laboratório de lo-fi [produções de baixo custo feitas no computador], passou a inserir um arranjador, que é o Erick Omena, para abrir o nosso beat; abrir a nossa sonoridade para outros músicos, para experimentar a elevação desse arranjo e para que o EP pudesse soar como tá soando hoje, num nível técnico muito maior”, explicou Clariana.
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“Rolou grana para pagar bem os músicos, para investir num material visual de qualidade. Tendo essa grana, com essa trama criativa que a gente tem de amigos, apoiadores, de pessoas e artistas locais, a gente conseguiu fazer esse negócio lindo”, acrescenta Melka. O trio já é significativamente bem recebido no exterior, já tendo tocado na rede de televisão BBC de Londres e em outros locais da Europa. “Não dá pra esperarem da gente uma só coesão. A gente começou no lo-fi, foi pro jazz e não sei aonde a gente vai parar”, diz Bruno Belch.
LULI BRAGA O show da Spot tinha uma apresentação especial. Luli Braga fez os fãs brigarem tanto por um ingresso que a produção precisou marcar uma apresentação extra, para acalmar os corações. O seu álbum ‘Sinuose’ também foi custeado com verba da Lei Aldir Blanc, pelo Projeto Conexões Culturais, lançado em 2020 pela Prefeitura de Manaus. “A gente tem a nossa produção artística atrelada a um produto. E o mercado tem suas exigências. A gravação de qualidade e a boa produção estão entre elas”, disse Luli, que realizou um sonho, ao lançar um álbum 100% autoral com a qualidade necessária. “O artista amazônida está aqui para ser inserido no mercado. Por mais que a gente enfrente uma barreira de invisibilização
A cantora Luli Braga lançou o álbum ‘Sinuose’, com apoio da Lei Aldir Blanc
histórica, a gestão pública e o empresariado precisam entender que investir num artista local é entregar essa qualidade ao público que a exige. Financiar projetos culturais movimenta toda uma cadeia produtiva”, assevera Luli Braga.
Crédito: Nicolas Ribas
Resultados de projetos premiados financeiramente por editais públicos transformam o cenário audiovisual do Amazonas
BENEFÍCIOS PRÁTICOS DA LEI ALDIR BLANC Para o secretário de Cultura do Amazonas, Marcos Apolo Muniz, a Lei Aldir Blanc foi uma vitória coletiva. “Todos nós trabalhamos muito para que ela fosse aprovada e pudesse beneficiar a categoria em diferentes segmentos. Os editais chegaram num momento que os trabalhadores da cultura estavam parados e foi realmente uma forma de auxílio, em todos os sentidos, porque movimentou a cadeia produtiva do setor. Cada projeto contemplado gerou, em média, dez oportunidades de trabalho e renda”, conta Apolo.
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Financiar projetos culturais movimenta toda uma cadeia produtiva”
Luli Braga, cantora.
O trio composto por Clariana Arruda, Bruno Belchior e Melka Franco é um dos grupos artísticos apoiados pelos editais da Lei Aldir Blanc 59
VIAGEM & TURISMO
REVISTA CENARIUM
Viagem ao etnoturismo Segmento da atividade turística aproxima visitantes e povos tradicionais Karol Rocha – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Quem nunca teve vontade de conhecer de perto a cultura e os costumes dos povos indígenas tradicionais? Essa é a essência da atividade de lazer chamada etnoturismo. Com esse segmento, é possível ter contato com línguas, narrativas, costumes, conhecimentos e comidas das populações originárias. A atividade é também uma importante fonte de renda para diversos povos. “Os visitantes se aproximam de outras culturas e novos costumes de um determinado povo, o que pode incluir as terras ou comunidades indígenas. É um segmento do turismo que vai gerar renda, vai haver uma produção associada, como artesanato e outras fontes, para as pessoas que recebem os visitantes”, explicou a doutora e mestra em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia e professora do Curso de Bacharelado em Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) Susy Rodrigues Simonetti. Em Manaus, é possível conhecer mais de perto a cultura de comunidades indígenas, como a Nova Esperança, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Puranga Conquista, no Rio Cuieiras, e também a Três Unidos, localizada na Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Negro, a 60 quilômetros de Manaus. De acordo com Susy Simonetti, as áreas protegidas são territórios mais propícios à atividade turística.
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As iniciativas de etnoturismo e de ecoturismo em terras indígenas são disciplinadas pela Instrução Normativa Nº 3/2015 da Fundação Nacional do Índio (Funai). De acordo com a fundação, as comunidades indígenas têm autonomia para explorar projetos de turismo em seus territórios, cabendo ao poder público o papel de monitorar e fiscalizar as atividades nas aldeias. As visitações são agendadas com os próprios representantes das comunidades ou agências de turismo autorizadas por eles.
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Os visitantes se aproximam de outras culturas e novos costumes de um determinado povo, o que pode incluir as terras ou comunidades indígenas”
Susy Rodrigues Simonetti, doutora e mestra em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia e professora do Curso de Bacharelado em Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Crédito: Clóvis Miranda
Comunidades indígenas do entorno de Manaus são opção para turistas que buscam experiências culturais
“Na comunidade indígena Nova Esperança, você vai ter o contato com o povo Baré, eles têm já um trabalho com a atividade turística, há algum tempo, eles são fortes na produção do artesanato. E tem também a comunidade indígena Três Unidos, do povo Kambeba. Há toda uma interação por meio do artesanato, contação de histórias, de vivência mesmo. Eu acredito que é uma experiência bem interessante enquanto pensarmos em etnoturismo”.
PROTAGONISMO DOS POVOS TRADICIONAIS Ainda segundo Susy Simonetti, além de criar uma forma de subsistência, o turismo étnico promove a valorização da cultura, a inclusão social e a conservação ambiental nas áreas indígenas. “Essas experiências em territórios indígenas, de fato, favorecem a geração de renda por meio do turismo e de outras atividades, como a produção de doces e artesanato. Obviamente, que dentro das terras indígenas isso é possível por meio da criação dos planos de visitação. (…) A gente percebe que o protagonismo é local”, completou. Outra iniciativa de turismo na Amazônia é a que acontece nas Serras Guerreiras de Tapuruquara, que ficam no município de Santa Isabel do Rio Negro. As comunidades indígenas estão no Médio e Alto Rio Negro, no noroeste amazônico. A área conta com a presença de oito povos na região – Baniwa, Baré, Dessana, Dow, Kauyawí, Piratapuya, Tariana e Tukano. 61
DIVERSIDADE
REVISTA CENARIUM
RESPEITO ÀS DIFERENÇAS Segunda temporada do programa ‘Cenarium Diversidade’ agora será em forma de podcast, com apresentação do fisioterapeuta Rainer Figueiredo Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – O programa “CENARIUM DIVERSIDADE” está de cara nova. A segunda temporada especial do semanal passou a se chamar “CENARIUM DIVERSIDADE IN PODCAST” e, desde este mês de janeiro, a atração está sob o comando do fisioterapeuta Rainer Figueiredo, e é exibida toda sexta-feira, às 19h, no canal da TV CENARIUM no YouTube. Com a missão de discutir assuntos considerados tabus na sociedade e desmistificar preconceitos, o programa “Diversidade” trouxe, ao longo de 2021, uma série de matérias que se destacaram ao abordar, de forma técnica, leve e didática, assuntos relacionados à igualdade de gênero, cultura, religião e beleza no contexto amazônico. “Para mim, é um desafio muito grande, sou da área da saúde, mas sempre gostei da comunicação, e as levar informações essenciais para a população é muito importante, porque nós tiramos as pessoas do ‘limbo’ da ignorância e as levamos para a luz do conhecimento. Para mim, este programa é isso, ele leva informação para aqueles que, muitas vezes, estão no lado obscuro da ignorância”, considera Rainer.
Crédito: Alex Pazuello
Sempre promovendo a pluralidade, o programa continua semanal e, agora, será dividido em blocos, com matérias temáticas e debatidas por um convidado especialista no assunto da vez, diretamente dos estúdios da CENARIUM. O novo apresentador faz questão de ressaltar que a editoria, lançada no dia 20 de janeiro do ano passado, terá novo formato, mas continua com a mesma essência e pegada didática, do jeito que o público gosta. “Para os que já acompanhavam o programa conduzido pela jornalista Priscilla Peixoto podem ficar tranquilos que, apesar de novos elementos, ele continua leve, jovial e com essa forte conexão com quem está do outro lado da tela”, conta.
CONTRIBUIÇÃO E DESTAQUES
O fisioterapeuta Rainer Figueiredo é o apresentador do “CENARIUM DIVERSIDADE IN PODCAST”, exibido toda sexta-feira, às 19h, no YouTube da REVISTA CENARIUM 62
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Para a diretora-geral da REVISTA CENARIUM, Paula Litaiff, tanto a editoria quanto o programa são pioneiros no Amazonas e deixam um legado contribuindo em âmbitos sociopolíticos, socioeconômicos e comportamentais a cada matéria produzida. “O programa ‘Diversidade’ veio para quebrar tabus, mas sempre com respeito
à diversidade e à pluralidade de pensamentos. O jornalismo é uma ferramenta para estarmos em sintonia com os princípios que defendemos, além das causas LGBTQIA+, o respeito às igualdades de gênero, às relações étnico-raciais, combate ao racismo, valorização da mulher em todos os setores da sociedade, entre outros”, pondera Paula. Programas como ‘Os brinquedos eróticos e os estímulos aos casais’, ‘O mercado de trabalho para a população LGBTQIA+’, ‘Leis essenciais para o enfrentamento da violência contra a mulher’ e ‘Pobreza Menstrual’, foram episódios que tiveram destaque, ao longo da primeira temporada. Na pauta pobreza menstrual, inclusive, a REVISTA CENARIUM foi um dos primeiros veículos de comunicação, ao longo de 2021, a levantar o debate e acompanhar de perto as iniciativas e políticas públicas que trouxessem um pouco mais de dignidade às amazônidas.
SOBRE RAINER FIGUEIREDO Formado em Fisioterapia pela Universidade Federal do Amazonas, Rainer Figueiredo tem 30 anos de idade e nasceu no interior do Amazonas, no município de Coari, a 363 quilômetros de Manaus. Desde 2019, o profissional está no comando da maior policlínica do Estado, a Policlínica Codajás, localizada no bairro Cachoeirinha, Zona Sul de Manaus. Defensor do atendimento médico mais humanizado, Rainer administra mais de 500 funcionários e cerca de 1 mil atendimentos por dia. Por mês, são mais de 60 mil pacientes que passam pelos atendimentos de média complexidade. Rainer também carrega a responsabilidade de manter a referência no atendimento à população LGBTQIA+, por conta do laboratório transexualizador, onde mais de 300 pacientes trans cadastrados possuem acompanhamento com ginecologistas, endocrinologistas e toda uma equipe de suporte durante o período de uso de medicações como a hormonioterapia. Além da responsabilidade frente à Policlínica Codajás, o fisioterapeuta leciona no Ensino Superior, na Escola de Saúde do Centro Universitário do Norte (Uninorte Laureate), em cursos na área da saúde, estética e cosmetologia.
Crédito: Alex Pazuello
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Levar informações essenciais para a população é muito importante, porque nós tiramos as pessoas do ‘limbo’ da ignorância e as levamos para a luz do conhecimento”
Rainer Figueiredo, fisioterapeuta.
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DIVERSIDADE
REVISTA CENARIUM
‘Sou filha de um povo guerreiro, nasci preparada para tudo’
inclusive, muitos deles, não posso atender por exercer essa missão de lecionar, que é uma das minhas maiores prioridades. Amo o que faço e eles entendem também que foi o concurso que me proporcionou espaço para levar, até mesmo, nossas reivindicações e, através dela, obter resultado positivo para todos”, revela.
SONHO E TRAJETÓRIA Mesmo com a paixão pelo ensino e educação, a roraimense afirma sempre ter sonhado em participar de concursos que valorizassem a beleza, força, costume e tradições indígenas. De estatura média e corpo com curvas de uma “mulher real”, a indígena vencedora quase desistiu do concurso, por conta dos comentários maldosos sobre seu corpo e origem.
Mari Wapichana venceu o Miss Indígena Roraima e é candidata ao Miss Indígena Brasil Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Vencedora do primeiro concurso de beleza voltado a mulheres indígenas – o Miss Indígena de Roraima, realizado em setembro de 2021 – Mari Williams agora se prepara para disputar o Miss Indígena Brasil, previsto para acontecer em março deste ano, ainda sem local definido. Com 18 anos e pertencente à etnia Wapichana, a jovem se diz ansiosa para sentir, mais uma vez, as emoções vividas durante a disputa pelo título que, para ela, vai muito além da valorização da beleza.
Durante a participação no Miss Indígena Roraima, a jovem mostrou que não é preciso obedecer às normas do mercado da estética para ser bonita e se tornar miss. Com foco na valorização cultural, a candidata, assim como as outras participantes, foi analisada pela desenvoltura, respostas nas rodadas de perguntas e representação cultural do povo que representava.
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Temos uma longa jornada, irei me aperfeiçoar, estudar, treinar e ir em busca da superação dos meus limites” Mari Wapichana, miss indígena Roraima e professora.
Filha de mãe Macuxi e de pai Wapichana, ela reconhece que o próximo desafio será maior, porém afirma que sua vontade de vencer também é grande, assim como tem sido toda a trajetória percorrida até o momento. “Tenho uma longa jornada, irei me aperfeiçoar, estudar, treinar e ir em busca da superação dos meus limites, para que eu possa trazer esse título para o meu Estado”, destaca a candidata que complementa:
“Tudo mudou, as responsabilidades chegaram em peso. Vários compromissos, 64
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Crédito: Pablo Felippe
Mari Williams ou Baydukuryaba, nome de batismo da miss vencedora, é natural da cidade de Alto Alegre, moradora da comunidade Raimundão. Após conquistar a faixa e a coroa de miss, a rotina enquanto professora daquela região mudou. Mari conta que, agora, adapta as novas responsabilidades à profissão que escolheu para a vida.
Crédito: Pablo Felippe
“Esse concurso para mim não se trata apenas de mostrar a beleza, ele tem um significado muito forte. Foram anos tentando ganhar espaço para ecoar a voz do meu povo que tanto tentam calar e o Brasil precisa conhecer a força da mulher jovem, indígena e roraimense. Eu me dedicarei ao máximo para representá-las ao nível que merecem”, conta a Wapichana.
Mari Williams tem como nome indígena Baydukuryaba e é da cidade de Alto Alegre, moradora da comunidade “Raimundão”
“As minhas intenções são as melhores, carrego em mim a força da mulher indígena, guiada sempre sob a luz dos meus ancestrais, e o que ocorre é um mix de sentimentos, principalmente de gratidão. É um sonho de menina que eu vou realizar, e já estou realizando. A responsabilidade é enorme e eu me sinto muito orgulhosa de ver toda a minha trajetória até aqui”, celebra Mari.
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Impasse na educação
Crédito: Altemar Alcântara | Semcom
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Ensino sobre diversidade e questões étnico-raciais ‘empaca’ nas escolas municipais de Manaus Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
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ANAUS (AM) – Ao longo de 2021, a tentativa de inclusão do ensino da diversidade sexual, étnico-racial, religiosa e de gênero nas escolas municipais de Manaus se tornou alvo de sucessivas perseguições e críticas, que levaram o debate da sala de aula até o Supremo Tribunal Federal (STF). A maioria das contestações geradas por vereadores da bancada evangélica da Câmara Municipal de Manaus (CMM) culminaram em um processo que, por tramitar na Justiça, impede a continuidade do ensino diverso nas escolas manauaras. “É inconcebível que nossas crianças e adolescentes tenham sido privadas de um direito previsto em lei federal, por culpa de uma medida preconceituosa da CMM. De pessoas que juraram defender nossa legislação e o interesse público”, desabafa a advogada e representante da Comissão da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Amazonas, Luciana Santos, sobre a interrupção do ensino da diversidade nas escolas de Manaus. A Resolução 091/2020 do Conselho Municipal de Educação (CME), órgão
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Resolução 091/2020 do Conselho Municipal de Educação (CME) fomenta debate nas escolas sobre os temas relacionados à diversidade 67
DIVERSIDADE
De acordo com Luciana Santos, o impedimento da inclusão do tema, mostra o retrato de uma sociedade envolta pelo preconceito. “Como a situação foi judicializada e o processo ainda está em andamento, corremos o risco de ficar mais um ano sem abordar temas importantíssimos para a construção de uma sociedade de fato democrática, antirracista e com justiça social, sem que esses assuntos sejam debatidos de forma ampla em sala de aula. Sendo assim, perdemos todos para o preconceito, a ignorância e o atraso”, lamenta. À época, Marcel Alexandre, que também é apóstolo do Ministério Internacional da Restauração (MIR), na capital amazonense, contou com a assinatura de 23 dos 41 vereadores da Casa Municipal. Já Raiff Matos atuou como relator. O vereador, além de cantor gospel, é integrante da Frente Parlamentar em Defesa da Família e dos Valores Cristãos (Fepacri), na CMM.
LINHA DO TEMPO Durante o período de autorizações e revogações, a REVISTA CENARIUM acompanhou o caso. Inclusive, foi o primeiro veículo de comunicação a levantar o debate sobre o assunto na capital amazonense. Na ocasião, a matéria publicada na editoria Diversidade, foi usada como referência em uma petição que retomou os estudos citados nas escolas municipais.
INCONSTITUCIONALIDADE
No entendimento, o magistrado, considerou o pedido de duas instituições não governamentais, a Associação de Desenvolvimento Sociocultural Toy Badé (ATB), representada pela advogada Ana Carolina Amaral de Messias, e a Associação Nossa Senhora da Conceição, que tem como representante a advogada Luciana dos Santos Silva.
O STF, em 2020, considerou inconstitucional a medida da Prefeitura de Manaus para impedir o ensino da temática diversidade nas escolas. A decisão já havia sido barrada pela Justiça do Amazonas, no dia 21 de março. O juiz plantonista Cássio André Borges dos Santos, responsável pela
Na petição contra a Semed, as advogadas se embasaram, principalmente, em dois instrumentos: a Constituição Federal (art. 206, parágrafos II e III, CF/88) e a jurisprudência do STF sobre Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF no art. 457).
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É inconcebível que nossas crianças e adolescentes tenham sido privadas de um direito previsto em lei federal, por culpa de uma medida preconceituosa da CMM”
Luciana Santos, advogada e representante da Comissão da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil no Amazonas (OAB-AM).
MOTIVAÇÕES Raiff Matos, autor do requerimento que resultou na suspensão dos estudos sobre as relações étnico-raciais, religiosa e de gênero, declarou ser “contrário” aos termos da resolução, por segundo ele, considerar “o assunto delicado para ser transmitido aos estudantes”. Em discurso na CMM, o vereador ressaltou que os movimentos favoráveis ao ensino diversificado, seriam uma tentativa de silenciar o conceito de família defendido por ele. “Eu vim para cá para defender a família, os princípios básicos do conservadorismo familiar”, iniciou Matos. “Estão querendo colocar uma ‘mordaça’ nos pais, nas famílias, que são os tutores das crianças”, declarou o vereador.
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Posicionamento e Previsão Ouvido pela REVISTA CENARIUM para saber se houve alguma mudança de posicionamento diante da pauta, o vereador Raiff Matos mudou as nuances do discurso, afirmando não ser contrário à inclusão dos estudos, mas enquanto cidadão e vereador não poderia se calar perante o assunto. “É de conhecimento de todos que a minha principal bandeira é a defesa dos princípios cristãos e a defesa da família, mas isso não faz de mim alguém contrário à inclusão dos estudos das relações étnico-raciais e diversidade religiosa, ao contrário, acredito que só o conhecimento leva à ausência da intolerância e
Mundo assiste em silêncio à guerra contra mulheres
decisão, concedeu uma liminar que revogou a Resolução 054/2021 do Conselho de Educação.
todos sabemos o quanto estes assuntos têm sido pauta mundial, porém, não poderia me calar ao vislumbrar a inclusão da diversidade sexual e de gênero para crianças”, declarou Matos. De acordo com informações do presidente do Conselho Municipal de Educação (CME), Thiago Lima e Silva, em uma perspectiva mais realista, é possível que a discussão seja retomada em março de 2022. Inicialmente, o presidente do Conselho havia informado sobre o prazo de 90 dias em relação às primeiras revogações, com possibilidade de prorrogação, embora nem ele mesmo acreditasse na inclusão do ensino ainda em 2021.
* Regiane Pimentel
E
u sempre tenho algo diferente em mente para o meu próximo artigo. Falo para mim mesma que não falarei mais sobre violência doméstica, feminicídio. Mas a nossa realidade é muito cruel, o mundo nos odeia e eu não posso deixar essa barbárie ser normalizada.
Homens usam seus espaços de poder, conquistados durante séculos, para oprimir e abusar de mulheres.
O patriarcado existe há séculos, meninas e mulheres são mortas, anuladas, expostas e estupradas há décadas, isso ocorre ao longo da história em praticamente todos os países ditos civilizados e dotados dos mais diferentes regimes políticos.
Meninas se prostituem na Amazônia, nas BRs, em troca de uma refeição. Garotas se prostituem no Nordeste pelo mesmo motivo. Mulheres em diferentes lugares de nosso País vendem seu corpo por comida, e muitos homens se aproveitam disso, se beneficiam. Na verdade, eles mantêm esse sistema misógino e cruel funcionando.
Como já foi dito, a violência contra a mulher não é um fenômeno recente, as desigualdades entre homens e mulheres datam de milênios. A história da mulher é uma luta contra a opressão e, desde quando o sistema patriarcal se instalou, há 5 mil anos, as mulheres sofrem constrangimento social e familiar. Nós fomos durante toda a história do mundo usadas e escravizadas pelos homens para o seu prazer. Os dados que temos sobre violência contra as mulheres aqui em nosso País são assustadores. A ONU e até o Papa já demonstraram preocupação em relação a isso. Eu coloco sempre esses dados em meus artigos, porque não podemos nos acostumar com tamanha barbárie. Não podemos. Nosso País é o quinto no mundo que mais mata mulheres de forma violenta, somos o quinto no planeta em taxa de feminicídio. A cada hora, mais de 500 mulheres são agredidas, a cada oito minutos uma é estuprada, e a cada nove horas uma é morta só pelo seu gênero. É impossível como mulher, como ser humano, acharmos isso normal e conviver com tamanha violência sem que haja revolta e indignação.
Quando um homem encontra uma mulher em situação de vulnerabilidade ele não coloca comida em sua boca, ele põe seu pênis.
No Afeganistão, soldados americanos trocavam água mineral e biscoitos por sexo oral com as meninas afegãs em zona de guerra. Eles utilizavam sua posição privilegiada para oprimir e abusar de garotas. Nesses 20 anos de ocupação dos soldados americanos, não houve avanço nenhum em relação aos direitos femininos e, todos nós sabemos que os EUA instrumentalizam os direitos das mulheres. Recentemente, uma menina indígena sofreu estupro coletivo em uma aldeia e seu corpo foi jogado de um penhasco, até um tio dela participou desse ato tão macabro. Esse caso hediondo só comprova como em todo e qualquer ambiente patriarcal, independente das raízes ancestrais, há violência masculina. Todos nós vimos o horror que as meninas e mulheres afegãs passaram e ainda estão passando com a tomada do grupo terrorista Talibã. Mulheres estão sendo tiradas à força de suas casas para se tornarem esposas dos extremistas. Foram proibidas de sair sozinhas, não podem mais frequentar ambiente aca-
Crédito: Divulgação
vinculado à Secretaria Municipal de Educação (Semed), que fomentava o debate sobre os temas relacionados à diversidade entre estudantes - considerado um avanço pelos próprios educadores, além dos movimentos sociais - foi vista com maus olhos pelos políticos tidos como cristãos, dentre eles: Raiff Matos (DC) e Marcel Alexandre (Podemos), que se tornaram os principais opositores da resolução.
ARTIGO – REGIANE PIMENTEL
dêmico, elas estão à mercê de homens loucos e assassinos, e o mundo vê isso em completo silêncio. Mulheres são vistas como seres fragmentados. Uma visão baseada em sua servidão para o consumo. Ser mulher é portar a “Estrela de Davi”. Significa ser membro de uma casta. Ser mulher não é performance, nem sensação e nem sentimento, é apartheid. Eu entendo pouco de política externa, mas uma coisa eu sei, as mulheres e meninas do Afeganistão; assim como as de grande parte da Ásia; da América Latina, estão nas mãos dos desejos dos homens. Mulheres foram e são escravizadas há mais tempo que qualquer outro grupo humano que já existiu. O que nos assusta hoje no Afeganistão já foi regra no mundo todo, inclusive aqui no Brasil. O fundamentalismo religioso junto com o patriarcado existem há séculos e continuam, até hoje, explorando, mutilando, vendendo, trocando, escravizando e matando mulheres. Em um mundo onde os homens estão no poder, a vida deles sempre valerá mais que a vida das mulheres, e eu não vejo outra forma de conseguirmos emancipação senão pelo feminismo. Ainda lutamos pelo direito de existir como seres humanos. (*) Regiane Pimentel é bacharel em Direito, ativista social e feminista amazônida. 69
Apresentação
Rainer Figueiredo Fisioterapeuta
Toda SEXTA • ÀS 19H Nas plataformas da CENARIUM www
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