Abril de 2021 • Ano 02 • Nº 10 • R$ 15,99
Brasil vive tragédia social e Estados da Amazônia estão entre os mais afetados
Editorial www.revistacenarium.com.br EXPEDIENTE Diretora-Geral Paula Litaiff – MTb-793/AM www.paulalitaiff.com Editora-Executiva | Impresso Márcia Guimarães Editores-Executivos | On-line Carolina Givoni Alessandra Leite Editora-Executiva | TV Web Andréa Vieira Coordenadora de Redação Juliana Matos Reportagem Bruno Pacheco Carolina Givoni Gabriel Abreu Gisele Coutinho Jennifer Silva Marcela Leiros Márcia Guimarães Mencius Melo Michele Portela Paula Litaiff Priscila Peixoto Victória Sales Caroline Viegas Fotojornalista Ricardo Oliveira Editora de imagem Flávia Horta (on-line) Projeto Gráfico/Diagramação Hugo Moura (+55 92) 98100-5056 Social Media Marcele Fernandes Gisele Coutinho Designers Guilherme Reis Samuel Castro Revisoras Jesua Maia (impresso) Gracycleide Drumond (on-line) Gerente de Logística Wilson Gonçalves Gerente Administrativa Elcimara Oliveira Equipe Administrativa Edne Stphane de Queiroz Elcimara Oliveira Consultor Jurídico Christhian Naranjo (OAB 4188/AM) Consultor científico Daniel Pinheiro Viegas (OAB 8969/AM) Telefone Geral da Redação (+55 92) 3071-8790 Circulação Manaus (AM), Belém (PA), Brasília (DF) e São Paulo (SP)
CENARIUM, pandemia e resistência No dia 15 de abril, a REVISTA CENARIUM completa o seu primeiro ano de vida. Em um período trágico para a saúde e a economia, a CENARIUM buscou inovar, a partir da essência do Jornalismo, na produção de conteúdo voltado às demandas da Amazônia, invertendo o tradicional olhar sobre seus povos para permitir as vozes de seus próprios olhares. A CENARIUM apareceu como um veículo de comunicação que se atreveu a debater o meio ambiente, dando centralidade aos amazônidas, cuja exclusão se acentuou com a crise sanitária e econômica da pandemia do novo coronavírus, e pode se agravar ainda mais com o desastre climático que se avizinha. Inspirada no legado de luta da extinta Revista Realidade, que sucumbiu à Ditadura Militar (1966-1976), a CENARIUM nutre-se diariamente pelas aspirações de um jornalismo técnico, sem abrir mão do papel politicamente ativo de seus jornalistas. Nos últimos 12 meses, a equipe CENARIUM enfrentou ataques por denunciar omissões dos poderes públicos e condutas criminosas de grupos e grandes empresas, sem perder a ternura de pautar a resistência cotidiana da diversidade étnica dos nossos povos, que criam e recriam a beleza da região amazônica. Diante de um cenário sociopolítico obscuro, defendemos o Jornalismo que teima, questiona, ousa buscar os fatos como são e seguimos com a certeza de que o Jornalismo real é o que atende a sociedade. Paula Litaiff Diretora-Geral
Muito além de números São 65 milhões no Brasil e mais de 15 milhões na Amazônia, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mundo, até o final de 2021, serão 150 milhões, estima o Banco Mundial. Muito mais que números, são milhões de famílias na pobreza e na extrema pobreza. Milhões de pais e mães que choram o choro de fome do filho, milhões de crianças subnutridas, milhões na solidão do estômago vazio. Estão por toda a parte. Nos sinais com cartazes pedindo ajuda, em barracos de madeira vivendo de doações, nas lixeiras, em busca de restos. Impossível ignorar. A miséria cresce rápido e a olho nu. Para dar rosto e voz a essa legião, a REVISTA CENARIUM traz, na capa desta edição, a “Pandemia de Fome” que avança no mundo. Brasil e Amazônia acompanham a marcha dramática. Nos relatos de mulheres e homens, o retrato real da miséria. Nas falas de especialistas, os porquês políticos e econômicos. Porquês que passam pelo corte de 96% da verba do IBGE para o censo demográfico de 2021. Sem dados atualizados, torna-se impossível fazer justiça social. Para o poder, nada melhor. Sem números oficiais, como apontar o dedo para um governo que levou o Brasil de volta ao mapa da fome? Ao longo da revista, o leitor acompanha ainda reportagens sobre os temas mais relevantes da Amazônia, como impactos de decisões políticas sobre a Zona Franca de Manaus e os crimes ambientais que devastam a floresta. E ainda, apresentamos novo conteúdo com as editorias Cenarium+Ciência e Diversidade. Márcia Guimarães Editora-Executiva
Sumário Abril de 2021 • Ano 02 • Nº 10
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE Guardiões da Mãe-Terra............................................ 6
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Debaixo d’água ......................................................... 8 Ajuda humanitária..................................................... 10
CENARIUM+CIÊNCIA Para anticiência, Cenarium+Ciências...................... 12 Força pluriétnica........................................................ 14 Legado ancestral....................................................... 16
PODER & INSTITUIÇÕES Efeito Lula.................................................................. 20 Educação política...................................................... 22 Plenário 100% virtual................................................. 24
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Ufam faz sua escolha................................................ 26
ECONOMIA & SOCIEDADE
Um ano letal.............................................................. 52
Miséria para 11,8 milhões.......................................... 28
Ameaça à indústria.................................................... 54
Linhas da pobreza ..................................................... 32
Estrada renovada....................................................... 56
“Não tem arroz, não tem feijão”.............................. 34
POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS
Impactos da pandemia............................................. 36
Combate ao desmatamento.................................... 58
Auxílios que salvam................................................... 38
Do tamanho do Japão............................................... 60
Renda achatada......................................................... 40
ENTRETENIMENTO & CULTURA
Periferias invisíveis .................................................... 42
Thiago de Mello, 95 anos.......................................... 62
ARTIGO – ODENILDO SENA
ARTIGO – TENÓRIO TELLES
A vacina que eu não tomei....................................... 43
Poesia, vida e esperança........................................... 66
Inflação em alta, comida no prato em baixa.......... 44
DIVERSIDADE
1 ANO DE CENARIUM................................................. 46
Guerreiras da ancestralidade................................... 68
A Amazônia em 12 meses de reportagens............... 48
ARTIGO – DANIEL PINHEIRO VIEGAS
Cenarium em imagens.............................................. 50
A natureza como um campo de batalha................. 70
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
GUARDIÕES DA MÃE-TERRA
Existe um plano global para salvar a natureza e os povos indígenas podem conduzir o caminho Por Somini Sengupta, Catrin Einhorn and Manuela Andreoni – Do The New York Times
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OVA IORQUE – Com 1 milhão de espécies em risco de extinção, dezenas de países clamam para que se protejam ao menos 30% das terras e águas do planeta, até 2030. A meta é elaborar um convênio global a partir de negociações que ocorrerão na China este ano, com o objetivo de manter áreas naturais que nutrem a biodiversidade, captam o carbono e filtram a água.
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Díaz Mirabal, que lidera a Coordenadoria de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, grupo formado por várias organizações indígenas. “Somos um ecossistema”.
DEFENDENDO TERRAS, PROTEGENDO FLORESTAS VITAIS
e plantadores de soja devastaram grande parte da floresta. Suas terras estão entre as últimas florestas protegidas e savanas remanescentes no estado Brasileiro de estado de Rondônia. Os madeireiros ilegais frequentemente as invadem.
Os Awapu Uru Eu Wau Wau protegem suas terras ancestrais: onças, macacos-lanudos marrons ameaçados de extinção e fontes naturais de onde fluem 17 rios importantes. Os indígenas Awapu Uru Eu Wau Wau têm o direito legal a terra, mas, constantemente, a defendem de intrusos armados.
Então Uru Eu Wau Wau, que usa o nome da sua comunidade como sobrenome, vigia a floresta, levando uma flecha com a ponta envenenada. Outros em sua comunidade vigiam com drones, GPS e câmeras. Ele prepara a filha e o filho de 11 e 13 anos, respectivamente, para defender futuramente o local.
Pouco além do território de 7 mil quilômetros quadrados, fazendeiros de gado
“Ninguém sabe o que acontece conosco e eu não vou viver para sempre”, diz Uru
Os riscos são grandes. O primo de Uru Eu Wau Wau, Ari Uru Eu Wau Wau, foi assassinado em abril de 2020, parte de um padrão assustador entre os defensores de terras na Amazônia. Em 2019, ano em que há dados mais recentes, pelo menos 46 foram assassinados em toda a América Latina. Muitos deles eram indígenas.
COLAPSO DA NATUREZA Segundo estudiosos, a responsabilidade é das mesmas forças históricas que extraem recursos naturais há centenas de anos, às custas dos povos indígenas. “O que vemos agora com a biodiversidade em colapso e as mudanças climáticas é o estágio final dos efeitos do colonialismo”, explicou Paige West, antropóloga da Universidade de Columbia.
Na Amazônia Brasileira, povos indígenas põem seus corpos em risco para proteger terras nativas ameaçadas por madeireiros e fazendeiros. “Se pretende salvar apenas os insetos e animais, mas não os povos indígenas, então há uma grande contradição”, disse José Gregorio
Paige West, antropóloga da Universidade de Columbia. 6
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Eles já protegem grande parte das terras e águas do mundo, como apontou Cooper, vice-secretário-executivo da agência das Nações Unidas para a biodiversidade. “As pessoas vivem nesses lugares”, disse ele. “Eles precisam ser engajados e seus direitos respeitados”, afirmou West. Crédito: Ricardo Oliveira
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José Gregorio Díaz Mirabal, líder da Coordenadoria de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica.
Eu Wau Wau. “Nós precisamos deixar isso para nossas crianças. Cabe a elas dar continuidade”, disse.
Reportagem do New York Times defende que saberes dos povos tradicionais, que sempre cuidaram da natureza, sejam incluídos em debate sobre preservação
Infelizmente, pessoas que conseguiram proteger a natureza por gerações não poderão influenciar nas decisões da Convenção: as comunidades indígenas e outros grupos que mantiveram espaços para os animais, plantas e seus habitats, não cercando a natureza, mas ganhando um pequeno sustento dela.
As pessoas vivem nesses lugares. Eles precisam ser engajados e seus direitos respeitados”
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Se pretende salvar apenas os insetos e animais, mas não os povos indígenas, então há uma grande contradição”
Aqui entra o 30x30. A meta é proteger ao menos os 30% das terras e águas do planeta, muito pressionado por conservacionistas, foi assumida uma coalizão entre países. Será parte das negociações diplomáticas convocadas para este outono em Kunming, China, durante a Convenção sobre Biodiversidade das Nações Unidas. 7
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
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É uma cheia que, ao menos na bacia do rio Acre, já ocorreu em outras ocasiões. O rio já esteve mais alto do que isso em outros 13 anos no histórico”
Marcus Suassuna Santos, pesquisador em geociências, pelo CPRM.
O transbordamento de cinco rios importantes e outros menores deixou, pelo menos, dez cidades submersas
Crédito: Jorge Araújo | Fotos: Públicas
DEBAIXO D’ÁGUA Enchente de rios no Acre atingiu mais de 130 mil pessoas, em dez cidades Gabriel Abreu e Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS – A cheia dos rios no Acre deixou mais de 130 mil pessoas desabrigadas na capital e no interior do estado e levou o governador Gladson Cameli a decretar estado de calamidade pública em dez cidades. Cinco rios importantes do Acre transbordaram e outros pequenos rios que foram atingidos não possuem medição científica, mas provocaram danos nas outras cinco cidades incluídas no decreto. Entre os municípios afetados pela enchente estão a capital Rio Branco, além dos municípios de Cruzeiro do Sul, Feijó, Jordão, Mâncio Lima, Porto Walter, Rodrigues Alves, Santa Rosa do Purus, Sena Madureira e Tarauacá. As enchentes foram produzidas por vazantes em diversos rios que cruzam o estado. Alguns deles são o rio Acre (que banha Rio Branco e registrou cheia de 15, 43 metros), o rio Juruá (em Cruzeiro do Sul, com cheia de 14,31 metros), o rio Tarauacá (em Tarauacá, com cheia de 9,40 metros), o rio Envira (em Feijó, com cheia de 14,49
Além da enchente, o Acre viveu situação de emergência também pelo surto de dengue, crise migratória na fronteira do estado com o Peru e a falta de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para pacientes com Covid-19. Os moradores das cidades atingidas pela cheia precisaram ser levados para abrigos montados em escolas, igrejas, ginásios, quadras esportivas e barcos. Além dos desabrigados, muitas famílias foram desalojadas.
RIO BRANCO A capital Rio Branco registrou mais de 25 mil pessoas atingidas direta e indiretamente pelas águas em 22 bairros. O Parque de Exposições Wildy Viana, que fica no Segundo Distrito, abrigou, pelo menos, 58 famílias.
TARAUACÁ Em Tarauacá a imagem do médico Rodrigo Damasceno atendendo um bebê com pneumonia dentro da água chamou a atenção, viralizou nas redes sociais e circulou nos principais sites de notícias do país. A foto mostra o médico com a água acima da cintura ouvindo os batimentos de uma criança com um estetoscópio, enquanto a mãe segura o filho no colo, dentro de uma canoa. De acordo com a Defesa Civil Municipal, a cidade de Tarauacá registrou 28 mil moradores afetados com a enchente do rio que leva o mesmo nome do município, dos nove bairros que há na cidade, apenas um não foi atingido pelas águas. Cerca de 90% do município foi afetado pela enchente.
Crédito: Reprodução | Lucas Melo
metros) e o rio Purus (em Santa Rosa, com cheia de 6,84 metros).
Imagem do médico Rodrigo Damasceno dentro da água prestando atendimento a um bebê viralizou na internet
A cota de transbordo do rio Tarauacá é de 9,50 metros e ele chegou ao nível de 11,05 metros, de acordo com a medição do Corpo de Bombeiros, feita às 6h do dia 20 de fevereiro, ficando 1,55 metro acima do nível máximo estipulado para transbordar. A maior cota já registrada na cidade foi 11,93, em 2014.
HISTÓRICO DE CHEIA Apesar de causar transtornos e deixar famílias desabrigadas, essa ainda não pode ser considerada a maior cheia do rio Acre. Em 2015, o nível do rio alcançou o recorde de 18,4 metros e deixou um rastro de destruição e mortes. Segundo o pesquisador em geociências pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Marcus Suassuna Santos, mesmo com o nível de 15,74 metros neste ano, este número já foi observado em outras ocasiões. “É uma cheia que, ao menos na bacia do rio Acre, já ocorreu em outras ocasiões. O rio já esteve mais alto do que isso em outros 13 anos no histórico, que vem desde 1967 até hoje. Ou seja, este ano de 2021 é o 14º”, indicou o pesquisador.
Monitoramento A Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) realiza o monitoramento constante do nível dos rios e das previsões de chuvas para auxiliar na tomada de decisão dos órgãos de Defesa Civil, tanto municipais quanto estadual. Os relatórios são elaborados pela Sala de Situação do Centro Integrado de Geoprocessamento e Monitoramento Ambiental (Cigma). Todos os anos, neste período de cheia dos mananciais, a equipe realiza esse trabalho diário de acompanhamento constante do nível dos rios, bem como acessa outras plataformas disponíveis para detalhar, ainda mais, os produtos lançados. Uma das estratégias adotadas é a realização do monitoramento da chuva acumulada, por meio de satélites, das bacias hidrográficas do estado do Acre, da bacia do rio Madeira e da região MAP, que compreende Madre de Dios, no Peru, o Acre, no Brasil, e Pando, na Bolívia.
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Nós estamos trabalhando com a previsão de que 50 municípios do Estado do Amazonas sejam atingidos pela enchente neste ano”
Pelo menos 19 municípios do Amazonas já foram afetados pela cheia dos rios
Crédito: Diego Peres | Secom
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Crédito: Maurílio Rodrigues | Secom
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Wilson Lima, governador do Amazonas.
Ajuda humanitária
Mais de 130 mil pessoas foram afetadas pela cheia dos rios Juruá, Purus e Madeira. Operação Enchente 2021 concedeu assistência social à população Gabriel Abreu e Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS – A cheia dos rios Juruá, Purus e Madeira já chegou a cidades onde vivem, aproximadamente, 130 mil famílias em 19 municípios do Amazonas. Seis deles já decretaram situação de emergência ou estado de calamidade pública, todos já homologados pelo Estado. As cidades afetados são Guajará, Ipixuna, Eirunepé e Envira, na calha do rio Juruá, e Boca do Acre e Pauini, na calha do rio Purus. A situação mais crítica é em Boca do Acre (distante 1.557 quilômetros
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de Manaus), onde mais de 17 mil famílias estão desabrigadas. Os dados são do governo do Amazonas, que estima que 50 dos 62 municípios do estado sejam atingidos pela enchente neste ano, que deve chegar ao pico até junho. Diante do cenário preocupante, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), lançou, no dia 8 de março, a Operação Enchente 2021. As ações deste ano estão voltadas aos municípios afetados pela cheia dos rios Juruá, Purus e Madeira. O
investimento chega à ordem de R$ 67 milhões em atos como ajuda humanitária, crédito e anistia de dívidas, apoio aos agricultores afetados pela cheia, instalação de abrigos e estações de tratamento de água. “Nós estamos trabalhando com a previsão de que 50 municípios do Estado do Amazonas sejam atingidos pela enchente neste ano. Foram afetadas, inicialmente, as calhas do Purus e do Juruá. Na sequência, a calha do Madeira deve ser afetada, inclusive, praticamente todos os municípios
dessa calha estão em estado de alerta”, explicou o governador Wilson Lima, sobre as ações que serão feitas no Estado para atender aos municípios atingidos. O governador tem percorrido os municípios afetados pela enchente.
O governador do Amazonas, Wilson Lima, tem percorrido os municípios afetados pela cheia dos rios
Municípios afetados De acordo com o relatório da Defesa Civil do Amazonas, os municípios afetados pela cheia dos rios, até o momento são:
Situação de Atenção: Humaitá, Apuí, Manicoré, Novo Aripuanã, Borba, Nova Olinda do Norte, Barreirinha, Boa Vista do Ramos, Nhamundá, Urucará, São Sebastião do Uatumã, Parintins e Maués. Situação de Alerta: Juruá e Lábrea. Situação de Transbordamento: Canutama e Tapauá. Situação de Emergência: Guajará, Envira, Eirunepé, Itamarati, Ipixuna, Carauari, Pauini e Boca do Acre.
A ajuda humanitária engloba a doação de cestas básicas e kits para higiene, limpeza e dormitório, este último em duas versões: um deles disponibiliza colchão, travesseiro e roupa de cama, e outro a doação de redes. Segundo a programação da Defesa Civil, as entregas acontecerão até o fim de abril. Os municípios também receberão estruturas modulares para a montagem de barracas. Foram instaladas seis Estações de Tratamento de Água Móvel (Etam), sendo três em Boca do Acre e três em Envira. Outras quatro serão instaladas nos próximos dias. Para essas ações, o investimento é de R$ 10 milhões e serão atendidos os municípios atingidos nas calhas do Juruá, Madeira e Purus, segundo estimativa da Defesa Civil. Kits do programa “Merenda em Casa”, que distribui alimentos da merenda escolar para estudantes da rede estadual de ensino também serão entregues pela Secretaria de Estado da Educação e Desporto. Instalações da secretaria de todo o Estado irão funcionar como abrigo para as famílias que necessitarem.
VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19 Segundo o governador Wilson Lima, o governo dará o suporte, quando necessá-
rio, para que os municípios não precisem suspender a vacinação contra a Covid-19. “A orientação que estamos repassando para os prefeitos é que, apesar dessa dificuldade, apesar da subida das águas, a vacinação não pare. E o Estado está se colocando à disposição para ajudar na logística, para que os vacinadores possam chegar aos locais onde há maior dificuldade”, ressaltou Lima.
DEFESA CIVIL Relatório da Defesa Civil, divulgado no dia 12 de março, apontou que a cheia já afetava naquela data 72.273 pessoas e 10.833 famílias em 25 municípios localizados nas calhas dos rios Purus, Madeira, Juruá e Baixo Amazonas. Também de acordo com o relatório, ainda não era possível fazer uma previsão de mais subidas dos rios daquela região, assim como do rio Negro, que banha a capital Manaus, conforme o Serviço Geológico do Brasil (CPRM). De acordo com a pesquisadora responsável pelo Sistema de Alerta Hidrológico do CPRM, Luna Gripp Alves, em janeiro deste ano houve um excesso de chuva em toda a Bacia Amazônica. Fenômeno que ocasionou a subida dos rios em toda a bacia além do esperado. A pesquisadora diz que ainda é cedo para afirmar se esse volume irá se manter até o pico da cheia dos rios, que ocorre geralmente entre junho e julho. 11
CENARIUM+CIÊNCIA
REVISTA CENARIUM
PARA ANTICIÊNCIA, CENARIUM+CIÊNCIA
Uma trajetória de amor e resistência nas entrelinhas da pesquisa
A REVISTA CENARIUM lança, nesta edição, dedicado à Ciência e aos estudos científicos produzidos na Amazônia Daniel Viegas – Especial para a Revista Cenarium* O professor Glademir Sales dos Santos analisou territórios pluriétnicos em construção na capital amazonense, sistematizando atos e falas de indígenas em contextos específicos
Manaus e seus territórios pluriétnicos Para inaugurar essa série, nada mais adequado que uma pesquisa interdisciplinar a partir da Filosofia, a “mãe” das ciências, que permita questionar pré-concepções fruto de ideias reproduzidas cotidianamente, inclusive pela mídia, que estigmatizam o outro sem qualquer respaldo científico.
Para tentar responder essas questões, a revista lança a coluna CENARIUM+CIÊNCIAS, que trará aos leitores pesquisas desenvolvidas na Amazônia nas mais diversas áreas do conhecimento, como a Antropologia, Biologia, Ecologia, Direito, Estudos Indígenas, Geografia, História, Museus e Jardins Botânicos, e Saúde.
Mas, o que este estudo tem a ver com a nossa vida? Poiesis? Práxis? Territórios pluriétnicos? A resposta está nos dados, nas análises e nas verificações de campo feitas com rigorosa precisão metodológica e em diálogo com teorias de grandes pensadores, que aflora da invisibilidade um Amazonas e uma Manaus pluriétnicos, a despeito de rótulos racistas de “índios fake”, que se tentam impor aos povos indígenas na capital.
A CENARIUM+CIÊNCIA trará pesquisas desenvolvidas na Amazônia, permitindo compreender as especificidades da região
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ANAUS – Em um momento em que a anticiência se torna um movimento, ganha representatividade e poder político, a ciência, cada vez mais, se reafirma como o caminho possível para a resistência do conhecimento humano historicamente construído e em construção. Mas, qual a importância da ciência na vida cotidiana das sociedades? Como as pesquisas científicas realizadas na Amazônia
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Crédito: Ricardo Oliveira
podem nos conduzir à reflexão da vida cotidiana e no planeta?
É movido pela irresignação típica dos filósofos, acrescido de sua vivência na educação escolar indígena, que o professor Glademir Sales dos Santos produziu a tese Territórios pluriétnicos em construção: a proximidade, a poiesis e a práxis dos indígenas em Manaus-AM, aprovada junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas, e que lhe concedeu o título de doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia.
Fruto da união do povo Karapãna e do povo Kubeo, Manuel Paulino nasceu no rio Marié, um afluente do Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, em 1942, com uma predestinação dada pelos encantados: caberia a ele unir povos e articular a resistência. Isso não fez sentido ao curumim, até se tornar interno na escola salesiana daquele município. O confronto com a Igreja foi a fagulha para inquietações e lhe abriu os ouvidos às vozes do destino. O guerreiro Karapãna, apaixona-se por uma Piratapuia e com ela transpõe os muros do internato. Embrenham-se na Floresta e seguem em direção aos seringais, às colheitas de sorva e ao corte da piaçava onde, já como uma família, encontram a escravidão do aviamento. Mas, nos espíritos de Paulino e Otília já não havia outro caminho que não o da liberdade. O casal se lança nas águas do rio Negro, já com cinco dos oito filhos e a determinação de continuar resistindo em manter sua identidade. Encontram com funcionários do Serviço de Proteção
Manuel Paulino, que atuou na liderança do povo Karapãna, teve importante papel na formação de comunidades indígenas no entorno de Manaus. O ancião morreu de Covid-19, em 2020
ao Índio (SPI) e recebem uma oferta de trabalho na relação com os outros povos. O Karapãna passa a trabalhar nas Frentes de Atração Wamiri-Atroari e testemunha a dizimação daquele povo, seus corpos empilhados, enterrados em valas comuns, o cheiro de sangue, da carne putrefata, os gritos das crianças, o desespero das mães. O racismo tornava-se mortífero e Paulino abandona o serviço, sem nem olhar para trás. Ele e a esposa refazem morada às margens do Tarumã-Açu e do Cuieiras nos anos 1970, de onde mantêm relação com os parentes do Alto Rio Negro e com as mais diversas etnias, cujas trajetórias se cruzam nas ocupações em Manaus. Quando então cumpre o destino que lhe foi dado pelos encantados Karapãna. (*) O colaborador é pesquisador no projeto Nova Cartografia da Amazônia, advogado, procurador do Estado do Amazonas e doutor em Direito.
A inscrição na placa de madeira na comunidade criada por Manuel Paulino diz “entre’’. Na foto, a menina Uwripipi, que significa pássaro pequeno, bisneta do líder indígena
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Força pluriétnica Autocartografia de aldeias urbanas de Manaus vira instrumento de resistência de povos indígenas Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
Percebi como eles “ [indígenas] formam
comunidades até mesmo por meio dos conflitos, mais ainda pelo desejo de serem reconhecidos na cidade. Esse aspecto é permanente em todos os grupos e unidades de caráter étnico em Manaus” Crédito: Ricardo Oliveira
Glademir Santos, doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia.
O professor Glademir Santos estudou a organização social das aldeias urbanas em Manaus 14
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ANAUS – Uma autocartografia sobre a organização social de aldeias urbanas na capital amazonense tornou-se instrumento de resistência e reconhecimento por direitos fundamentais dos povos indígenas. Em entrevista à CENARIUM, o integrante do Laboratório Nova Cartografia Social da Amazônia Glademir Santos revela detalhes sobre o estudo, que analisou a coexistência de grupos pluriétnicos com memórias, saberes e a modernidade. “Eu percebi como eles formam comunidades até mesmo por meio dos conflitos, mais ainda pelo desejo de serem reconhecidos na cidade. Esse aspecto é permanente em todos os grupos e unidades de caráter étnico em Manaus”, diz, inicialmente, o doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia, que defendeu a tese sobre “Territórios pluriétnicos em construção: a proximidade, a poiesis e a práxis dos indígenas em Manaus”. Glademir ressalta que a capacidade de reivindicação das comunidades por direitos básicos como território, saúde e educação se desenvolveu ao ponto de unir lideranças em torno de associações compostas por vários povos indígenas. “Como cidadãos, eles encontram estratégias de formar unidades sociais”, destacou o pesquisador, que menciona o Parque das Tribos, na Zona Oeste de Manaus, como um exemplo do feito, que abriga 700 famílias, sendo 80% indígenas de 35 etnias.
RESULTADOS Os principais resultados da pesquisa apontam para a criação de associações, que, em sua maioria, passaram a ser representadas por uma associação majoritária, pela Coordenação dos Povos Indígenas em Manaus e Entorno (Copime), entre as quais a mais antiga é a Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (Amarn). Estas associações ajudaram a aumentar o número de indígenas na educação superior, que segundo Glademir, são fatores-chaves para o avanço da tomada de decisões. “Hoje, tem a Copime e pequenas associações, como a Amarn. Então, é essa forma de organização que esses povos aprenderam, resultado da experiência vinda de lá [das etnias e comunidades] para cá [cidade]. Mas, eles aprenderam, pela experiência de
liderança, a manter essa relação, sobretudo no campo acadêmico. E, hoje, você vê um número significativo de lideranças ocupando as universidades”, destacou o pesquisador.
temente, o seu Paulino, porque é a perda da memória viva. É uma trajetória de vida que se vai sem recuperação, a não ser pela própria memória dos filhos”, ressalta.
MEMÓRIA E ‘ETNOTRAUMA’
TRAUMA
A tese de doutorado destaca que nos grupos pluriétnicos a identidade de um povo indígena vivencia uma nova forma de organização. O movimento é interpretado como “identidade coletiva”, sendo a junção habitual de várias etnias. “Mas, isso não elimina uma memória que se atualiza nessas relações. Inclusive, eles aprendem com a experiência do movimento indígena dessas localidades específicas”, apontou Santos.
Além da trajetória de vida da família dos Karapãna em Manaus, o ‘etnotrauma’ é identificado, principalmente, na história de seu Paulino. Fato que revela uma relação conflituosa entre o Estado, como instituição colonizadora, a exemplo da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a violência e morte de indígenas, como os Waimiri Atroari.
Nessa relação de identidade e memória, o personagem que se destaca na pesquisa é Manuel Paulino, do povo Karapãna. O indígena foi casado com Otília da Silva, do povo Piratapuia. Ambos saíram do Alto Rio Negro e residiram em Manaus, na área do Tarumã-Açu, Zona Oeste da capital. Já falecidos, deixaram descendentes que hoje são as únicas representações da memória étnica deixada com a partida do casal. “Os Karapãna apresentam uma trajetória de vida do Alto Rio Negro até Manaus. A interpretação que eles fazem de si mesmos, ao mesmo tempo os liga a uma relação de luta, uma riqueza de informações. Nós vemos que aquele espaço habitado e ordenado por eles revela uma forma de vida diferenciada dentro do perímetro urbano”, destacou Santos.
PERDA DE REFERÊNCIA “É uma capacidade social de fazer acordos, mas alguns acordos são conflituosos a ponto de eles perderem casas, terem a casa queimada”, destacou o pesquisador, que mencionou, ainda, a trajetória de vida do indígena e o ‘etnotrauma’. O conceito de etnotrauma é explicado pelo pesquisador, que descreve que lideranças indígenas, como Paulino, são espécies de “biblioteca vivas”. Pessoas que trazem consigo conhecimentos transmitidos por meio da oralidade ao longo das gerações. “Hoje, eu vejo que o seu Paulino e toda a família sofriam com algo que eu chamo de ‘etnotrauma’, a perda da referência de sentido. Quando a dona Otília morre, eles sentem fortemente a ausência e, mais recen-
“O seu Paulino dizia que fugiu dos salesianos porque a educação não era como ele pensava. Ele entrou na Funai e ali há o trauma que ele carregou na história e na experiência. Um dos fatos, nos anos 1970, ele desce do helicóptero para resgatar o corpo do sertanista Gilberto Pinto e testemunhou o genocídio dos Waimiri Atroari sendo cobertos pelo barro”, lembrou o pesquisador, que ressaltou também traumas que levaram os filhos de Paulino a lidar com os desafios do uso dos tradicionais cocares.
SOBRE O PESQUISADOR Graduado em Filosofia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Glademir Sales dos Santos tem 55 anos e começou a trajetória de pesquisa em 1990, com a especialização em Antropologia na Amazônia. Santos possui doutorado em Sociedade e Cultura da Amazônia pelo Programa de Pós-Graduação da Ufam. Glademir também é assessor técnico da Gerência de Educação Escolar Indígena da Secretaria Municipal de Educação (Semed) de Manaus. Atualmente, é pesquisador do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA), iniciativa que inclui profissionais das áreas de Antropologia, Direito, Geografia, Biologia, Sociologia e História, e mais de 1.800 agentes sociais, com o objetivo de dar ensejo à autocartografia dos povos e comunidades tradicionais, permitindo um maior conhecimento sobre o processo de ocupação dessa região, analisando as manifestações de identidades coletivas, que se referem a situações sociais peculiares e territorializadas. 15
REVISTA CENARIUM
Legado ancestral Estudo inédito mostra o fortalecimento da ancestralidade indígena em áreas urbanas de Manaus
Manuel Paulino deixou um legado de vivências repassadas às novas gerações para o fortalecimento dos povos indígenas
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium
Maria Alice é uma das descendentes de Manuel Paulino e Otília da Silva, do povo Piratapuia, e explica que a saída do pai, do território localizado na região do Alto Rio Negro, não provocou rompimentos de laços. “Eles sempre mantinham contato com a minha avó e tios de São Gabriel da Cachoeira. A maioria dos parentes que vinham de lá até Manaus tinha um ponto de apoio. Meu pai trouxe consigo diversos ensinamentos e costumes, além da culinária e agricultura”. O casal indígena, antes de morrer, deixou oito filhos, incluindo Alice, que compõe os últimos representantes da ancestralidade em Manaus. “Ele [Manuel] sempre trabalhou para deixar um aprendizado que mantivesse as tradições indígenas. Seja estando na cidade ou em outros rios pelos quais ele passou, e até mesmo em outros territórios indígenas”, defendeu Maria Alice. 16
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LIGAÇÃO PRESENTE Na pesquisa do professor Glademir Santos, doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), com a tese intitulada “Territórios pluriétnicos em construção: a proximidade, a poiesis e a práxis dos indígenas em Manaus”, foram utilizadas as narrativas dos indígenas da comunidade para compor detalhes sobre a construção social do espaço. Sobre o relacionamento com os parentes que vivem na região do Alto Rio Negro, Maria Alice explica que o contato ainda permanece. “Ainda temos uma relação com a minha tia, que é a mais próximo à tia Irene, que é da etnia Piratapuia, elas ainda têm essa ligação muito forte, até presencial também, quando vamos até os nossos parentes”, explicou Alice.
CONQUISTA DO TERRITÓRIO Há mais de 40 anos, a família de Maria Alice se estabeleceu na área urbana. No entanto, a conquista foi obtida com muito sofrimento, para que o local pudesse exercer a livre prática de liberdade de expressões indígenas. Os relatos, descrevem a interferência negativa de empresários, que gerou confrontos e mortes de famílias tradicionais ribeirinhas e indígenas. Segundo Alice, as atuações conjuntas da Controladoria-Geral da União (CGU),
do Ministério Público Federal (MPF), da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-AM) colaboraram com a manutenção dos direitos territoriais da comunidade.
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Ele [Manuel] sempre trabalhou para deixar um aprendizado que mantivesse as tradições indígenas. Seja estando na cidade ou em outros rios pelos quais ele passou, até mesmo em outros territórios indígenas”
“A única família que lutou e permanece na região do Tarumã-Açu é a nossa. Por conta do estudo sobre uma nova cartografia, trouxe a confiabilidade que nós queríamos para morar nesse território. Não apenas comercializar os nossos produtos, mas para viver de fato, criar nossos filhos. Além de garantir nosso alimento, por meio da agricultura e, assim, praticar a cultura, a dança e a medicina”, destacou Alice, sobre a importância do território. “Permanecer com costumes tradicionais não gera problemas com a sociedade. Essa visão precisa ser alterada, pois os povos indígenas estão cuidando e vão fazer realmente o que está previsto, não só porque está em documentos, mas porque vivenciam os costumes por meio da educação, na escola indígena e por conta de toda essa forma da vida indígena, que também traz muito isso para a gente”, defendeu Maria.
ESTUDO DA AUTOCARTOGRAFIA Sobre a Cartografia de territórios indígenas no contexto urbano, Maria Alice explica que a tese do pesquisador do Laboratório Nova Cartografia Social da Amazônia foi fundamental para entender os valores
Maria Alice, liderança Karapãna.
Crédito: Ricardo Oliveira
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ANAUS – A vivência dos povos indígenas até a chegada à capital amazonense e os diversos desafios que o ancião Manuel Paulino, do povo Karapãna, vivenciou durante a jornada se tornou objeto de estudo. Em entrevista à CENARIUM, Maria Alice, filha do líder indígena relatou as experiências da etnia que presenciou massacres, ditadura militar e a repreensão aos costumes tradicionais, por meio de missões religiosas.
Crédito: Murana Arenillas Oliveira
CENARIUM+CIÊNCIA
Maria Alice, filha de Manuel Paulino, segue o que aprendeu com o pai e articula direitos com o poder público, e ainda compartilha conhecimentos também com a população não indígena
passados por meio da oralidade, pelos pais aos descendentes e, e o mapeamento permitiu com que fossem apresentados os direitos e deveres da comunidade. “Agora, podemos sentar com autoridades e manter relações legais, além do aprendizado que garante a preservação da memória do meu pai e o reconhecimento que ele tanto queria. Entendemos o impacto de questões como a ditadura militar e a repreensão religiosa, e o massacre dos Waimiri Atroari e de outros povos religiosos, fatos que marginalizavam a cultura indígena. Isso sem mencionar os pesquisadores que exploravam nossos costumes e crenças para lucrar”, disse, emocionada, Maria Alice.
INTERLOCUÇÃO Como uma das lideranças mais importantes no território, Maria Alice afirmou que desenvolve um trabalho de articulação junto às populações indígenas com os órgãos estaduais e federal. O ato é uma forma de solidariedade e suporte aos parentes - forma que os nativos cumprimentam outros indígenas que chegam a Manaus por meio da comunidade no Tarumã-Açu. “Tenho feito essa articulação das partilhas de conhecimentos também com a população não indígena, para trazer esse laço de confiabilidade entre os dois povos e da população indígena e não indígena com os poderes sociais. E nós, do povo Karapãna, temos sido referência aqui na região do Tarumã-Açu, por meio do apoio para as demais etnias, na educação, saúde e territorialidade”, finalizou Alice. 17
Alessandra Leite – Da Revista Cenarium
No Amazonas, lideranças e cientistas políticos ouvidos pela REVISTA CENARIUM avaliam questões como a “inegável força de Lula” e a queda na popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), diante de medidas, como a demora no retorno do pagamento do auxílio emergencial e a redução do valor, em um momento considerado como o pior da pandemia da Covid-19. Para o sociólogo e analista político Carlos Santiago, o cenário de uma possível disputa entre Lula e Bolsonaro em 2022 tem tudo para ser um embate “duro e emocionante”, dadas as histórias antagônicas de ambos, cujos pensamentos divergem nos aspectos social, econômico, sanitário e moral. “São dois líderes que possuem eleitores cativos e sabem fazer uma comunicação direta com o público a quem se dirigem”, analisa Santiago, acrescentando que, agora, Bolsonaro tem um opositor forte com quem se preocupar.
‘JUSTIÇA SENDO FEITA’ Na opinião do deputado federal José Ricardo Wendling (PT-AM), está se fazendo justiça com o ex-presidente Lula, com a anulação dos processos. “A trama está sendo mostrada, as condenações sem provas, toda a armação para impedir a candidatura de Lula em 2018. A sociedade não tolera mais as mentiras”, disse.
O ex-presidente Lula teve todas as suas condenações anuladas, após decisão do ministro do STF Edson Fachin
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Para José Ricardo, a democracia pressupõe a liberdade de candidaturas e o povo decidindo. “Lula é muito querido no Amazonas e no Brasil. Investiu nos setores empresariais, sociais, prorrogou a Zona Franca, fez o programa Luz para Todos, o Minha Casa, Minha Vida. Foram
Eu acho que o “ presidente Bolsonaro
passa a ter uma sombra que ele não tinha. A força do presidente Lula com essas camadas mais pobres da sociedade, ela é inegável” Marcelo Ramos, deputado federal. projetos que mudaram a vida das pessoas. Isso está na memória do povo”, declarou. Embora enfatize a importância de se trazer Lula para a disputa, “em um processo verdadeiramente democrático”, José Ricardo pondera sobre o nome do ex-presidente ser a aposta do Partido dos Trabalhadores para fazer frente a Jair Bolsonaro. “Na minha avaliação, a candidatura deve ser a de Fernando Haddad, um candidato que chegou ao segundo turno em 2018, esteve em todo o Brasil, em Manaus, reuniu com ribeirinhos, indígenas, tem bom diálogo com professores e pesquisadores. Foi o melhor ministro da Educação”, pondera. “Estamos precisando de um professor para cuidar do Brasil”, afirma.
um pouco o tabuleiro do jogo. Pressiona um pouco o presidente da República e, obviamente, pode exigir do presidente da República movimentos pensando mais na sua popularidade do que na questão fiscal do país”, avaliou.
‘NÃO ACREDITO EM GUINADAS DRÁSTICAS”, DIZ MARCELO RAMOS Para o vice-presidente da Câmara, deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), a entrada do ex-presidente Lula no jogo eleitoral também pode influenciar as tomadas de decisão do presidente Jair Bolsonaro, bem como suas iniciativas para melhorar seus índices de popularidade. Em minha Ramos, confia, no entanto, no sistema de “freios e contrapesos”, que, para ele, impedirá guinadas drásticas. “Eu acho que o presidente Bolsonaro passa a ter uma sombra que ele não tinha. A força do ex-presidente Lula com essas camadas mais pobres da sociedade, ela é inegável. E o fato de ele estar elegível, certamente, do ponto de vista político, muda
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Presença do ex-presidente elegível movimenta cenário político para as eleições de 2022
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ANAUS – Uma reviravolta nos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já movimenta o cenário das eleições em 2022 em todo o Brasil. Com a retomada dos direitos políticos do líder petista, após a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular todas as suas condenações na Operação Lava-Jato, tornando-o elegível, o espectro político parece ser unânime em um ponto específico: a volta de Lula para o jogo influenciará todo o processo.
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EFEITO LULA
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Em minha avaliação, “ a candidatura deve ser
a de Fernando Haddad, um candidato que chegou ao segundo turno em 2018” José Ricardo, deputado federal. 21
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EDUCAÇÃO POLÍTICA
Promoção de debates
Por este motivo o Núcleo de Educação Política e Renovação (NEPR) é o palco ideal para discussões do tema, sendo um projeto audacioso e inovador que irá percorrer todo o Brasil, com a intenção de discutir temas relacionados à política e inerentes a ela, como o combate à corrupção, por meio de cursos, webinars, palestras, simpósios, congressos, debates e outras ferramentas que contribuam para a efetividade das ações de promoção da ética sobretudo na Administração Pública do Poder Legislativo. Mais informações sobre como participar dos eventos podem ser obtidas no site www.cpjur.com.br.
Arthur Virgílio assume coordenação de política e renovação do Centro Preparatório Jurídico Com informações da assessoria
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ANAUS – Ex-senador e ex-ministro da República, Arthur Virgílio Neto é o novo responsável por coordenar a área acadêmica dos cursos de Capacitação Continuada para Servidores Públicos e Equiparados, bem como de Educação Política e Social do Núcleo de Educação Política e Renovação (NEPR) do Centro Preparatório Jurídico (CPJUR). A informação foi divulgada pela instituição privada, que possui excelência na atuação do Direito Público, focado em educação. “Eu tive a honra de ser convidado pelo prestigioso Centro Preparatório Jurídico para coordenar o seu núcleo de Educação Política e Renovação. Nós vamos ter uma
O convite para Arthur Virgílio, bem como a criação do Núcleo de Educação Política e Renovação, é parte das ações de expansão do projeto de educação política por todo o Brasil do CPJUR, que possui excelência de atuação no Direito Público e conta com professores renomados das áreas do Direito Administrativo, Governança e Gestão Pública, além de dispor de uma estrutura física moderna, com aulas ministradas em formato presencial e on-line.
qualificação, políticos e profissionais do setor público, privado e veículos de comunicação por todo o País, presenciais e pela internet. “Pretendemos ouvir pessoas de todas as tendências políticas, pretendemos ouvir economistas, pessoas do mundo jurídico e da sociedade, que, com certeza, estão vivendo e passando as suas vicissitudes com a Covid-19, que sofrem com a crise econômica e que querem solução para ambos”, anunciou Arthur Neto.
“Quando se fala em educação política, mostraremos com ciclos de debates, inclusive trazendo pessoas que divirjam da opinião uma das outras, demonstrando que é possível se fazer política com elegância, com
O primeiro evento ocorreu no dia 18 de março, um webinário sobre o despreparo de gestores públicos na atuação do enfrentamento aos efeitos da pandemia da Covid-19 em cidades, Estados e no País.
Nós vamos ter uma ocasião, tanto na parte “ presencial quanto on-line, muito boa para acender certas luzes no Brasil”
Arthur Virgílio, ex-senador e ex-ministro da República. ocasião, tanto na parte presencial quanto on-line muito boa, para acender certas luzes no Brasil”, destacou Virgílio, escolhido pela instituição para capitanear o projeto pela sua larga experiência na gestão pública e pela sua formação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestrado e carreira de diplomata, formado pelo Instituto Rio Branco. 22
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educação e com decoro. Democracia também exige esses pressupostos, exige respeito ao contrário e liberdade para se expressar a opinião”, definiu o político amazonense com mais de 40 anos de vida pública. Com essa iniciativa, segundo a CPJUR, a ideia é estimular o pensamento democrático da sociedade e incentivar a idealização de políticas públicas eficientes. Serão promovidos eventos, debates, mentorias e capacitações com professores de alta
O diretor acadêmico do CPJUR e idealizador do NEPR, o advogado e professor Filipe Venturini Signorelli, expôs que a escolha para capitanear o projeto se deu pela larga experiência de Arthur Virgílio Neto no cenário político nacional. “Todavia, o fator determinante para a contratação se pauta em seu currículo profissional”, afirmou Filipe, acrescentando que por ser um projeto inovador e audacioso, com foco em todo o País, também é de grande relevância o fato do coordenador ter a vivência profissional como deputado federal, senador, líder do governo e ministro-chefe da Secretaria-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso, líder da oposição no Senado e três vezes prefeito da capital da Amazônia – Manaus, na região Norte do País.
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Diante do cenário econômico atual e as mudanças políticas instaladas no Brasil nos últimos anos, o CPJUR considera premente o desenvolvimento de iniciativas externas e de cunho político para promover debates com a participação de formadores de opinião e a sociedade civil organizada, de modo a discutir quais as melhores práticas na política atual e no combate à corrupção, pela manutenção de valores morais e sociais, que devem ser o norteador das políticas públicas e do convívio social, bem como as maneiras de desenvolver uma nova classe de lideranças e implementá-las.
Arthur Virgílio pretende realizar ciclos de debates com pessoas que divirjam da opinião uma das outras, mostrando que é possível fazer política com elegância, educação e decoro 23
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Crédito: Diretoria de Comunicação | TCE-AM
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O presidente do TCEAM, conselheiro Mario de Mello investiu em tecnologia da informação e da comunicação, além de reforçar canais de atendimento à população
Com as portas fechadas diante da pandemia “ do novo coronavírus, inovamos, investimos em tecnologia e não deixamos de funcionar” Mario de Mello, presidente do TCE-AM ATENDIMENTO AO PÚBLICO Diante do cenário adverso e para garantir a comunicação, o presidente do tribunal determinou a implantação do Protocolo Digital (protocolodigital@tce. am.gov.br), com o envio de comunicações e documentos via e-mail; notificações eletrônicas; integração dos sistemas da Corte de Contas; e atuação com 100% dos processos digitais. Para atendimento ao público externo para dúvidas e demais orientações foi inaugurado o Portal da Ouvidoria do
TCE-AM e, de forma inovadora, disponibilizado um robô - intitulado de “Jarvis” - para atendimento virtual por meio do aplicativo de WhatsApp (92) 98463-8467. “Reforçamos os canais de atendimento à população e, especialmente, aos jurisdicionados. Além disso, conseguimos integrar, ainda mais, o trabalho entre os diversos setores do tribunal para a produção de material técnico de orientação sobre contas públicas e, até mesmo, sobre a pandemia para contribuirmos com a sociedade”, disse o presidente, o conselheiro Mario de Mello.
PLENÁRIO 100% VIRTUAL Com restrições de locomoção para conter risco de transmissão da Covid-19, TCE-AM se reinventa e reforça tecnologia para seguir atuando Com informações da assessoria
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ANAUS – A última fronteira em defesa dos recursos públicos, o Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) teve de se reinventar desde março de 2020 para driblar as distâncias geográficas do Estado e continuar com a fiscalização das contas públicas em meio à pandemia do novo coronavírus. Com restrições de locomoção e medidas preventivas para conter o risco de transmissão da doença, o TCE-AM, por determinação do presidente, o conselheiro Mario de Mello, intensificou as ações e investimentos em tecnologia da informação e comunicação para continuar atuando, mesmo com as portas fechadas.
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“Assumi a presidência do Tribunal de Contas em dezembro de 2019 e não imaginei o desafio que seria conduzir a Corte em meio à pandemia que nos assolou. Com as portas fechadas diante da pandemia do novo coronavírus, inovamos, investimos em tecnologia e não deixamos de funcionar, mesmo que virtualmente, sequer um dia. Isso foi um marco indiscutível na história do Tribunal de Contas no Amazonas”, afirmou o presidente do TCE-AM, conselheiro Mario de Mello. A primeira providência foi adotada imediatamente após a notícia do primeiro caso confirmado da doença em Manaus: o TCE-AM foi o primeiro órgão público e primeiro tribunal a decretar o regime de
trabalho em home office para minimizar os riscos de contágio dos servidores e familiares. “Inicialmente, todos tiveram de trabalhar de casa, com regras de produtividade e atendimento às demandas, além da interrupção dos prazos processuais”, disse o presidente. Mas, o TCE-AM não poderia deixar de atender à sociedade. Com suporte técnico e operacional da Secretaria de Tecnologia da Informação (Setin) e da Diretoria de Comunicação Social (Dicom), o tribunal inaugurou o Plenário Virtual – um ambiente 100% virtual para a realização das sessões do Tribunal Pleno e das Câmaras do TCE-AM, com transmissão
ao vivo pelas redes sociais da Corte de Contas. Após o sucesso nas transmissões, o Plenário Virtual foi palco, ainda, de webconferências, websimpósios e demais eventos. Outra importante ação foi a criação do Comitê de Monitoramento, criado pela Corte de Contas exclusivamente para fiscalizar a aplicação dos recursos públicos destinados ao combate ao novo coronavírus. “O comitê é uma importante ferramenta, sobretudo, preventiva, na qual acompanhamos todas as contratações e destinações de recursos utilizados e contratações realizadas durante a pandemia para garantir a legalidade, evitar a ocorrência de irregularidades e a preservação do interesse público”, explicou o conselheiro Mario de Mello.
Uma comemoração diferente Em meio à pandemia e às restrições de circulação de pessoas, o TCE-AM completou 70 anos de atuação no Amazonas. A programação de aniversário do Tribunal abrangeu diversos eventos que tiveram de ser adaptados, ocorrendo de forma híbrida (com participantes presencialmente e virtualmente). “Adotamos todos os cuidados necessários, para que comemorássemos essa data emblemática na história do TCE-AM”, disse o conselheiro Mario de Mello. Durante as comemorações, o TCE-AM inaugurou o museu da Corte de Contas, lançou um livro com um resgate histórico dos 70 anos, homenageou os profissionais da saúde que estiveram na linha de frente do combate à pandemia e inaugurou um memorial em homenagem aos que perderam a vida em decorrência da Covid-19. 25
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É muito “ importante, cada
Ufam faz sua escolha
vez mais, que todos, independentemente de suas posições, participem da consulta eleitoral” Sylvio Puga, reitor reeleito da Ufam.
Sylvio Puga vence eleição para a reitoria da Universidade Federal do Amazonas e afirma: ‘Vamos continuar o bom trabalho que vínhamos exercendo’ Jennifer Silva – Da Revista Cenarium
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ANAUS – O atual reitor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Sylvio Puga, venceu a eleição para a reitoria da instituição com 50,64% dos votos válidos do corpo universitário. A chapa 33 encabeçada por Puga e pela vice, Therezinha Fraxe, disputava o quadriênio contra a chapa 21, dos professores Marco Antônio de Freitas Mendonça e Raimundo Passos, no segundo turno da eleição. “Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Comissão Eleitoral, formada pelas nossas entidades, que, de forma republicana, fez um trabalho irretocável desde quando a comissão foi formada. Quero também agradecer a toda a comunidade que participou de forma efetiva. É muito importante, cada vez mais, que todos, independentemente de suas posições, participem da consulta eleitoral”, agradeceu Sylvio Puga, ao lado da vice, Therezinha Fraxe. “Portanto, quero aqui agradecer a todos, independente das preferências e opções do segundo turno da nossa eleição.
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O atual reitor da Ufam, Sylvio Puga, recebeu 50,64% dos votos válidos, no segundo turno da eleição
Eu e a professora Teca Fraxe. Eu reitor reeleito, a partir de agora, passamos a ouvir todos da nossa comunidade efetivamente”, completou Puga.
ELEITORES A eleição teve a participação de 6.276 estudantes, 1.642 professores e 1.377 foram votos de técnicos-administrativos. A chapa 33 recebeu 4.375 votos e a chapa 21 recebeu 4.272 votos. 46 votos foram brancos e 73 nulos. E, de acordo com o calendário da Comissão de Consulta à Comunidade Universitária, o resultado oficial foi publicado no dia 29 de março no site da Ufam. Ainda será definida a escolha da lista tríplice que deve seguir para o presidente da República, Jair Bolsonaro (Sem Partido), para a escolha do nome do novo reitor da Ufam. O segundo turno ocorreu nos mesmos moldes do primeiro, por meio de votação virtual, para que não houvesse aglomeração nas unidades da Ufam, na capital
e no interior. A medida foi adotada em cumprimento às medidas de prevenção à Covid-19. A decisão da universidade visou também preservar o processo democrático de construção e fortalecimento da Ufam.
SABATINA Entre os dias 2 e 4 de março, a REVISTA CENARIUM realizou Sabatina Técnica com os candidatos à reitoria da Ufam. Além do atual reitor Sylvio Puga e do diretor da Faculdade de Ciências Agrárias, Marco Antônio Mendonça, a professora titular da Ufam Andrea Viviane Waichman, que disputou o primeiro turno da eleição, também participou da sabatina promovida pela CENARIUM. Os três candidatos foram sabatinados por representantes da sociedade civil organizada. As sabatinas estão disponíveis no site - www.revistacenarium.com. br - e no canal do YouTube da REVISTA CENARIUM. 27
ECONOMIA & SOCIEDADE
PANDEMIA DE FOME
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MISÉRIA PARA 11,8 MILHÕES Amazônia tem quase 12 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e 3,6 milhões na extrema pobreza Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ECONOMIA & SOCIEDADE
Os números são ainda mais assustadores quando se calcula que as 11,8 milhões de pessoas da Amazônia que vivem na pobreza equivalem a 43% da população
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Tem dia que a gente come, tem dia que a gente não come” Ivone Lira Moura, dona de casa de Manaus, 51 anos. estimada de 29 milhões de habitantes dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso. Os que enfrentam a extrema pobreza, 3,6 milhões, compreendem 13% da população total, segundo o IBGE. A realidade de Ivone, sua família e das outras milhões de pessoas na pobreza e extrema pobreza na Amazônia é reflexo de um fenômeno que vem ocorrendo em todo o Brasil, os fantasmas da miséria e da fome, que voltam a assombrar as camadas menos favorecidas da sociedade. Segundo o IBGE, em todo o país, são R$ 52 milhões de pessoas na pobreza e 13 milhões na extrema pobreza, o que coloca o Brasil de volta no mapa da fome mundial. A situação mais crítica é a do Maranhão, que tem mais da metade da população vivendo abaixo da linha da pobreza. Na casa de Ivone, que vive com o marido e dois filhos, no bairro Educandos, Zona Sul de Manaus, a dúvida diária 30
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é sempre a mesma: quais serão as refeições que a família conseguirá fazer? No dia em que a reportagem esteve com Ivone, a família conseguiu a doação de sete peixes da espécie jaraqui para almoçar, mas o que seria a comida nos outros dias era uma incógnita.
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ANAUS – “Hoje, o almoço é peixe, mas a janta, não sei. Tem dia que a gente come, tem dia que a gente não come”. As palavras de Ivone Lira Moura, de 51 anos, que vive em Manaus, capital do Amazonas, refletem a dor de cada uma das 11,8 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza na Amazônia Legal, com menos de R$ 30 por dia. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em pesquisa coletada em 2019 e divulgada no final de 2020, que apontam, ainda, a triste marca de 3,6 milhões de pessoas na extrema pobreza na região, sustentando-se com menos de R$ 10 por dia.
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A família, de quatro pessoas, mora em uma quitinete no Beco Inocêncio de Araújo, e ainda têm que pagar R$ 400 de aluguel com a única renda mensal: um auxílio-doença no valor de R$ 1.100, que Ivone recebe. Pode parecer suficiente, mas esses valores colocam a família abaixo da média do rendimento domiciliar per capita entre os Estados da Amazônia Legal, que tem média de R$ 981. Esse cálculo é a divisão dos rendimentos domiciliares, em termos nominais, pelo total dos moradores. Por essa conta, excluindo o gasto com o aluguel, sobram apenas R$ 175 mensais por integrante da família de Ivone para o sustento do mês. “Às vezes, eu vou ali e arrumo um ovo”, diz a mulher.
De volta ao mapa da fome Em 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome, uma publicação da Organização das Nações Unidas (ONU) que leva em conta os números mais atuais dos países. Só entram no mapa países com mais de 5% da população em pobreza extrema, levando em conta anos anteriores. O país não apareceu no último mapa, pois os dados usados são anteriores aos divulgados pelo IBGE no final de 2020 e apontavam 10,3 milhões de pessoas na extrema pobreza no país, o equivalente a menos de 5% da população. Agora, com 13 milhões na extrema pobreza, o que equivale a 6% da população, o Brasil já estaria incluído no critério para voltar ao mapa. Os dados divulgados pelo IBGE, referentes aos anos de 2017 e 2018, apontavam que 5% da população, algo acima de 10 milhões de pessoas, já vivenciavam uma situação de insegurança alimentar grave no Brasil. Agora, esses números tendem a ser ainda mais alarmantes, já que não consideram o impacto da crise econômica agravada pela pandemia do Covid-19. A insegurança alimentar é quando o acesso e a disponibilidade de alimentos são escassos. A situação econômica familiar está intimamente ligada à insegurança alimentar.
Maranhão, Amazonas e Pará, nesta ordem, são os Estados da Amazônia com o maior número de pessoas com rendimento domiciliar per capita abaixo da linha da pobreza. No Maranhão, está nessa condição 52% da população. No Amazonas, são 47%, e no Pará, 44%. Juntos, estes Estados abrigam 9,4 milhões de pessoas vivendo na pobreza e, individualmente, apresentam índices que giram em torno da metade dos habitantes. Ivone e a família vivem e retratam a realidade mais dolorida que os números não mostram. A pobreza pode ser entendida em vários sentidos, mas o principal se resume à falta de acesso a recursos econômicos. Na prática, é a falta de acesso a direitos básicos de cidadania, como ensino de boa qualidade, saúde, energia elétrica, água potável, alimentação, vestuário, moradia e outros serviços essenciais que tiram a dignidade do cotidiano dos amazônidas.
prego e a maior necessidade de recorrer a benefícios concedidos pelo poder público para complementar a renda. Muitos continuarão na pobreza e na extrema pobreza. Outros, passarão a viver nesta nova realidade.
Diante de um cenário já nada animador, a pandemia de Covid-19 veio para acentuar a disparidade econômica com que mais pessoas como Ivone, o marido e os filhos terão que lidar. Lutando diariamente com a falta de oportunidades, os milhões de brasileiros e, mais especificamente, moradores da Amazônia Legal precisarão ‘encarar’ o aumento do desem-
Soma-se a este cenário a instabilidade política personificada na figura do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), que já decorrido um ano de pandemia, ainda não lidera o enfrentamento da crise de forma coordenada com Estados e municípios. A falta de coordenação tem gerado resultados catastróficos de alta letalidade por Covid-19, colapso no sistema de saúde e economia fra-
Com 52 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza no Brasil,
Ivone Moura mostra os peixes que irá preparar para o almoço da família, única refeição garantida no dia
isso representa 1,5% das 3,4 bilhões de pessoas do mundo nessa situação. De acordo com as estimativas do Banco Mundial, feitas ainda em 2020, a pandemia faria a pobreza extrema avançar no mundo, pela primeira vez, em mais de duas décadas.
CENÁRIO MUNDIAL Até o final de 2021, a previsão é de que 150 milhões de pessoas sejam ‘empurradas’ para a extrema pobreza em todo o mundo. Isso representa cerca de 1,4% da população mundial, de 7,79 bilhões de pessoas. Os dados são do estudo “Pobreza e Prosperidade Compartilhada” e indicam ainda que antes da pandemia, por causa de conflitos globais e das mudanças no clima, o progresso na redução da pobreza global já estava mais lento. Entre 1990 e 2015, por exemplo, a pobreza global caiu cerca de um ponto percentual por ano. Esse ritmo diminuiu para menos de meio ponto percentual por ano entre 2015 e 2017. Com o aumento, a pobreza extrema passará a afetar o equivalente a algo entre 9,1% e 9,4% da população do mundo. Antes da pandemia, a estimativa era que a pobreza cairia para 7,9%, em 2020.
gilizada. O reflexo pode ser visto no aumento do desemprego, que empurra muitos para a pobreza. Para dar visibilidade e voz aos que vivem o drama social e econômico, a REVISTA CENARIUM buscou dados estatísticos, entrevistou especialistas que analisaram as características dos Estados da Amazônia Legal e, indo além, vem contar as histórias de amazônidas que sentem na fome os impactos da realidade que maltrata milhões de brasileiros. Edição: Márcia Guimarães 31
ECONOMIA & SOCIEDADE
PANDEMIA DE FOME
LINHAS DA POBREZA Marcela Leiros – Da Revista Cenarium extrema pobreza na Amazônia equivalem a 28% do total registrado no Brasil. No contexto da pandemia de Covid-19, percebe-se, ainda, que mais pessoas foram empurradas para baixo dessas linhas. Na comparação dos últimos trimestres de 2019 e de 2020, a taxa de desocupação nos Estados da Amazônia Legal registrou aumento e o nível da ocupação diminuiu.
ESTADO
POPULAÇÃO ESTIMADA (2019)
PESSOAS COM RENDIMENTO DOMICILIAR PER CAPITA INFERIOR A US$ 5,5 (2019)
PESSOAS COM RENDIMENTO DOMICILIAR PER CAPITA INFERIOR A US$ 1,9 (2019)
Pará Maranhão Amazonas Mato Grosso Rondônia Tocantins Acre Amapá Roraima TOTAL
8.602.865 7.075.181 4.144.597 3.484.466 1.777.225 1.572.866 881.935 845.731 605.761 27.213.402
3.811.069 3.693.244 1.964.538 519.185 410.538 514.327 378.350 357.744 235.641 11.884.636
1.032.343 1.443.336 596.821 87.111 87.084 125.829 141.991 60.046 66.027 3.640.588 FONTE: IBGE
Os Estados do Maranhão, Pará e Amazonas lideram o ranking da Amazônia dos locais com mais pessoas abaixo da linha da pobreza em 2019. Já Mato Grosso, Rondônia e Tocantins concentram menos pessoas com rendimento domiciliar per capita abaixo da linha da pobreza em relação ao total da população, com 14%, 23% e 32%, respectivamente. Em âmbito nacional, o país tem 52 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e 13 milhões abaixo da linha da extrema pobreza. Em relação aos totais nacionais, o número de pessoas na pobreza na Amazônia Legal corresponde a 22% dos 52 milhões de todo o país. As que estão em 32
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Segundo o supervisor de Disseminação de Informações do IBGE Amazonas, Adjalma Nogueira Jaques, este indicador mostra uma tendência de que mais pessoas foram incluídas na linha da pobreza. “O que se tem é um aumento da alta taxa de desemprego, aumento da informalidade, uma taxa de ocupação completamente instável. Esse tripé indica uma tendência futura. Esse quadro: maior desemprego, maior número da informalidade, de mão de obra informal, é um sintoma de que o futuro pós 2019 não será satisfatório na Amazônia como um todo”, indicou o especialista. Adjalma Nogueira ainda ressaltou que, sem dados da pobreza contundentes na
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Ainda segundo o supervisor de Disseminação de Informações do IBGE Amazonas, até o momento, os dados sobre o contingente de pessoas que vivem abaixo das linhas da pobreza e da extrema pobreza na Amazônia e no Brasil são referentes ao ano de 2019 e o fechamento do ano passado só será feito no segundo semestre de 2021. “Os dados do IBGE referentes à pobreza são de 2019 e dados mais atualizados sobre a situação serão indicados apenas no segundo semestre de 2021. A nossa fonte de informações é a PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios] Contínua, então é necessário que o ano termine para que o dado seja conciliado. Como 2020 já terminou, agora, no segundo semestre de 2021, divulgaremos esses dados”, informou Adjalma Nogueira.
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Amazônia no período da pandemia, a análise não é uma afirmação do que está por vir. “Isso é uma análise empírica, não estamos analisando na profundidade nem dizendo que será assim, mas a tendência que se vê é assim”, destacou.
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Analisando a tendência dos Estados com mais e menos pessoas de baixa renda, o economista Orígenes Martins Júnior pontuou algumas das características econômicas.
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Crédito das tabelas: Guilherme Reis
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ANAUS – As métricas de pobreza e extrema pobreza utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) seguem a definição do Banco Mundial, que categoriza em situação de pobreza pessoas que vivem com menos de US$ 5,5 por dia (R$ 30,74 segundo a cotação atual do dólar) e em extrema pobreza quem vive com US$ 1,90 por dia (R$ 10,62, por dia).
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Segundo dados do Ministério da Cidadania, o número de famílias em extrema pobreza cadastradas no CadÚnico superou a casa de 14 milhões em todo o Brasil. Deste número, na Amazônia Legal havia 3,3 milhões de pessoas, representando 11% da população total da região. Na categoria renda per capita familiar de até R$ 89, que indica a extrema pobreza, havia 77% das pessoas inscritas no cadastro, o equivalente a 2,5 milhões da população.
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% FONTE: PNAD CONTÍNUA - IBGE
CAD ÚNICO Dentre os Estados da Amazônia Legal com mais famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), é possível notar a mesma tendência verificada na pesquisa do IBGE, com Maranhão, Amazonas e Pará liderando. Esta é outra ferramenta utilizada para mensurar a quantidade de pessoas que vivem abaixo das linhas da pobreza e extrema pobreza. O CadÚnico possui quatro categorias que indicam as pessoas com renda per capita familiar de até R$ 89; entre R$ 89,01 e R$ 178; entre R$ 178,01 e meio salário mínimo; e renda per capita acima de meio salário mínimo.
Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) - 2020 FAIXAS DE RENDA PER CAPITA ESTADO
POPULAÇÃO EST. (2020)
FAMÍLIAS INSCRITAS
DE R$ 0 ATÉ R$ 89
DE R$ 89,01 até R$ 178
Pará Maranhão Amazonas Mato Grosso Rondônia Tocantins Acre Amapá Roraima TOTAL
8.690.745 7.114.598 4.207.714 3.526.220 1.796.460 1.590.248 894.470 861.773 631.181 29.313.409
1.641.249 1.495.385 668.164 515.370 250.202 288.213 137.009 141.211 100.096 3.604.505
935.157
184.398
280.382
241.312
946.416 382.711 130.672 56.157 101.684 89.996 79.225 51.013 2.642.359
106.106 81.784 69.781 40.382 37.099 11.597 16.754 13.701 475.067
228.421 94.217 139.259 73.858 79.490 19.175 22.088 18.280 955.170
214.442 109.452 175.658 79.805 69.940 16.241 23.144 17.102 947.096
DE R$ 178 ATÉ 1/2 ACIMA DE 1 SALÁRIO MÍNIMO SALÁRIO MÍNIMO
FONTE: MINISTÉRIO DA CIDADANIA
“O Amazonas poderia desenvolver bem mais o potencial da atividade agrícola, mas falta uma gestão pública que entenda a importância da área. O Pará está com o problema das atividades ilegais, principalmente no garimpo e na extração de madeira. A economia do estado perde muito com isso pois, além da perda de impostos, o ouro, que é o principal produto da mineração, é quase todo contrabandeado para fora do país. O Maranhão está no Nordeste e, além dos problemas típicos da região, demorou a aderir aos programas como na irrigação, como aconteceu no Ceará, que hoje tem uma produção de exportação de frutas baseada na irrigação sustentada”, destacou o economista. Orígenes Martins ainda pontuou as características econômicas que levam os Estados de Mato Grosso, Rondônia e Tocantins a serem os que têm menor taxa de pobreza. “Será coincidência que os três sejam Estados produtores de alimentos? Os três têm produção agrícola significativa, o que favorece famílias de menor poder aquisitivo”, ressaltou o especialista. A análise dessa tendência de concentração de características econômicas é pontuada, ainda, pelo cientista político Carlos Santiago. “Nos Estados com os menores números de pobreza, a economia está voltada mais para a interiorização, embora com a crescente denúncia de crimes ambientais nessas regiões. Por outro, a pobreza cresce onde os Estados possuem poucas atividades econômicas nos municípios distantes, concentrando a atividade econômica em áreas ou municípios específicos”, ressaltou o especialista. 33
PANDEMIA REVISTA CENARIUM DE FOME
“NÃO TEM ARROZ, NÃO TEM FEIJÃO” Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS – “Até agora, no momento, tem quatro ovo [sic] e tô [sic] vendo o que eu vou fazer, porque não tem arroz, não tem feijão. Eu sempre recebo doação, sempre minhas vizinhas ainda dão alguma coisa. Comida de outros dias que elas não comem, elas me dão”. Este é o relato de Maria das Graças da Silva, de 57 anos, sobre o que será servido para o almoço em uma quarta-feira. Segundo ela, esse foi um dia de sorte, pois tinha o que comer. Geralmente, não tem. Maria das Graças é uma das 3,6 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza na Amazônia Legal. Sobrevivendo com R$ 170 do Bolsa Família por mês, ela divide uma casa simples no Beco Jesus Me Deu, bairro São Jorge, Zona Oeste de Manaus, com dois netos, de 11 e 16 anos, de quem tem a guarda. Além das despesas com alimentação que, muitas vezes, não tem como pagar, ainda há um aluguel de R$ 250 que deve ser quitado todo mês, para não ter que ir morar na rua.
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A gente comia catando lixo, vivia de lixo. Às vezes, até comida azeda e estragada” Ágata Ferreira de Souza, de 25 anos. 34
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“Não posso nem tocar nesse dinheiro do Bolsa Família. Aí tenho que me ‘virar nos 30’ para conseguir inteirar o aluguel. Eu peço ajuda das pessoas, das minhas vizinhas que têm mais condição do que eu. Eu fazia faxina, a patroa que eu fazia faxina pegou Covid-19 e o marido dela tá [sic] intubado. Ela que me ajudava, mas agora não tem cabeça pra nada”, contou Maria das Graças. Natural de Boca do Acre, no interior do Amazonas, Maria das Graças contou, ainda, que chegou a Manaus há 45 anos. Estudou até a oitava série, quando engravidou do filho mais velho. Na realidade da periferia, viu um casal de filhos se entregarem às drogas e seu maior sonho é conseguir restituir sua família, assim como proporcionar uma vida digna aos netos.
“Meu sonho, em primeiro lugar, é ver meus filhos recuperados. Que Deus restituísse minha família. Ele me deu só dois filhos e eu sinto falta deles aqui comigo. Tô [sic] criando esses dois e morro de medo que se bandeiem pro tráfico. Eu queria ter uma casa digna, ter comida para comer, mas a gente não tem isso”, contou. A história de Maria das Graças se assemelha com a de outros moradores da periferia de Manaus. Em suas individualidades, a maioria se encaixa em um perfil que envolve êxodo rural, analfabetismo ou baixo grau de instrução e quase nenhuma perspectiva de oportunidades. São esses pontos que se repetem na vida de dois personagens que não se conhecem, mas têm muito em comum. Manoel Henrique de Souza, de 56 anos, e Ágata Ferreira de Souza, de 25 anos, são residentes em Manaus, mais precisamente de bairros da Zona Sul da capital, mas talvez nunca tenham se encontrado na vida. Ele mora no Beco Inocêncio de Araújo, no bairro Educandos. Ela montou sua casa improvisada no meio-fio da Avenida Constantino Nery, uma das principais de Manaus. Manoel mora com o filho José Henrique, de 11 anos, em uma quitinete de madeira onde ainda paga um aluguel no valor de R$ 200. Separado da esposa, que sofre com o vício em drogas, está, há seis meses, sem trabalhar e ainda enfrenta um tratamento de tuberculose. Hoje, vive da ajuda de filhos e irmãos que doam desde o alimento até o dinheiro do aluguel. Analfabeto, também
Ágata Ferreira não conseguiu receber auxílios sociais e tem vivido nas ruas de Manaus
Eu queria ter uma “ casa digna, ter comida para comer, mas a gente não tem isso”
Maria das Graças da Silva, de 57 anos.
Crédito: Ricardo Oliveira
ECONOMIA & SOCIEDADE
saiu do interior do Amazonas para tentar a vida na ‘cidade grande’. “Toda a vida eu fui assim de trabalho, não tinha tempo. Quando morava no interior os meus pais não ligavam muito psra esse negócio da gente estudar. Aí, depois que eu vim aqui para Manaus, eu estudei ainda, mas eu fui estudar à noite e tinha que acordar cedo para trabalhar no outro dia. A única oportunidade que a gente tem mais é quando a gente é pequeno, mas se o pai e a mãe não se interessar, depois que cresce fica difícil”, contou Manoel, que trabalhava como carregador de mercadorias na Feira da Manaus Moderna. Assim como Manoel, diante de um futuro sem grandes oportunidades está também Ágata. Ela pode ser encontrada em um barraco montado no meio-fio. Com seu companheiro de 33 anos, ela conta que percorreu vários bairros da cidade, dormindo em cima de um papelão, até se fixar no local. “A gente dormia em vários lugares aqui em Manaus, dormimos no chão, no Parque 10, Cidade Nova, sempre dormindo na rua, né, jogados. Ele [o companheiro] começou a reparar carro aqui no Sinetram [Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Amazonas]. Aí veio essa pandemia e não tava dando mais carro. Aí, comecei a dormir aqui no chão. Primeiro, era só eu que dormia aqui, depois ele começou a dormir aqui comigo. Chegou um dia que eu comecei
Maria das Graças mora com dois netos em uma casa simples de madeira e sobrevive com R$ 170 mensais do Bolsa Família
a colocar a lona em cima do colchão para não molhar”, contou ela. Órfã de pai e mãe desde os 14 anos, Ágata conta ainda que estudou até a oitava série, quando interrompeu os estudos. Foi morar com a avó materna, que faleceu em dezembro do ano passado. Desde lá, saiu de casa e mora na rua. “Já não vivia mais em casa praticamente, porque era muita briga, muito conflito com a família, as minhas tias e meus tios não gostavam de mim. Para não ficar dentro de casa com intriga e confusão, eu preferi vim para a rua”, lembrou, com tristeza. Ela ainda lembrou que chegou a buscar alimentos no lixo e lamenta por não ter conseguido, assim como Maria das Graças e Manoel, nenhum benefício social oferecido pelo governo federal, estadual ou até mesmo da prefeitura.
ajudavam a gente nem com uma cesta básica. A gente comia catando lixo, vivia de lixo. Às vezes, até comida azeda e estragada. Então, a vida era muito difícil, não tinha fogo e nem panela para fazer algo”, relembrou. Recentemente, Ágata conseguiu um emprego temporário na função de serviços gerais de uma secretaria estadual e já procura um apartamento para alugar com o companheiro.
Manoel Henrique está há seis meses sem trabalhar. Ele e o filho José Henrique sobrevivem apenas com a ajuda de familiares
“Estamos morando aqui porque não temos uma ajuda. Tentamos auxílio, tentamos o auxílio-aluguel, mas nunca conseguimos nada. Fomos pelas secretarias, não
A única oportunidade que a gente tem mais é “ quando a gente é pequeno, mas se o pai e a mãe não se interessar, depois que cresce fica difícil” Manoel Henrique de Souza, de 56 anos. 35
ECONOMIA & SOCIEDADE
IMPACTOS DA PANDEMIA Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
PANDEMIA DE FOME
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ANAUS – A pandemia do novo coronavírus derrubou a economia global em 2020 e o Brasil não ficou imune ao abalo provocado pelas restrições impostas à atividade econômica e pela queda na renda das famílias. A necessidade de isolamento social para conter o avanço da doença fez o faturamento de setores do comércio, indústria e serviços da economia brasileira despencar no ano passado e, consequentemente, resultar no aumento da taxa de desemprego. Além disso, a pandemia deixou também demonstrações dos impactos que a
falta de coesão entre os governos federal, estaduais e municipais, e ainda entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, podem causar na vida dos milhões de cidadãos brasileiros. A falta de liderança no controle da crise e a omissão na tomada de decisões por medidas mais rígidas que poderiam fazer a pandemia ser controlada, ainda no início, fazem falta quando olhamos para a nova realidade em que muitas pessoas se encontram, que é a da pobreza. Essa ideia é reforçada pelo cientista político Carlos Santiago, que destacou, ainda, que a Amazônia passa por uma
A necessidade de isolamento social para conter a pandemia, derrubou setores da economia, como o comércio, e aumentou o desemprego
das piores tragédias de sua história com milhares de vítimas. “Durante o ano de 2020, não aconteceu uma sintonia entre os poderes Executivos nos planejamentos e ações contra a Covid-19. O governo federal ficou distante dos Estados e dos municípios, defendendo medidas precoces sem reconhecimento científico. Os governos municipais e estaduais também não estavam afinados”, enfatizou. Mesmo sem ter ocorrido lockdown fechamento total das atividades - no país na primeira onda da pandemia, as medidas de isolamento social tomadas serviram para reduzir o número de infecções e mortes. Um estudo coordenado pelo Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para a Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) indicou que o isolamento social, apesar de adotado depois que o vírus se espalhou em 2020, diminuiu a taxa de transmissão de 3 para 1,6 contaminados por pessoa infectada. No entanto, essas medidas, mesmo sendo de extrema necessidade, contribuíram para a instabilidade econômica que assola o país, conforme lembra ainda o economista Orígenes Martins Júnior. “No meu entender, a questão do lockdown deveria ter sido levada a sério no período inicial da pandemia. Esse comportamento de fechar parceladamente partes da sociedade, além de ser atitude política, não resolve o problema e causa angústia social. Se vão fechar, que o façam com seriedade e deem suporte aos necessitados que hoje vivem a pandemia da fome”, enfatizou.
Crédito: Ricardo Oliveira
Em 2020, não houve “ sintonia entre os
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poderes Executivos nos planejamentos e ações contra a Covid-19. O governo federal ficou distante dos Estados e dos municípios” Carlos Santiago, cientista político.
Segundo o sociólogo Luiz Antonio Nascimento, era necessário que os governos ouvissem a ciência e adotassem as medidas de isolamento necessárias, mas combinando com isso uma forte campanha de solidariedade para ajudar quem precisa. “Veja, a chamada classe média assalariada (que tem poder de pressão e forma opinião) conseguiu se proteger com trabalho remoto, rodízio de trabalho presencial e com massa salarial capaz de aguentar o impacto econômico. A chamada classe baixa trabalhadora, sem salário fixo, ficou completamente exposta e vulnerável e, em poucos dias, teve que sair às ruas em busca de trabalho e renda”, lembrou o sociólogo. 37
PANDEMIA REVISTA CENARIUM DE FOME
O economista Orígenes Martins Júnior ressalta que o auxílio emergencial é o único recurso que a população abaixo da linha da pobreza tem para se manter
Auxílios que salvam Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
Beneficiados pelo Auxílio Emergencial na Amazônia Legal Dezembro de 2020 ESTADO
BENEFICIADOS
TOTAL DISPONIBILIZADO
Pará Maranhão Amazonas Mato Grosso Rondônia Tocantins Acre Amapá Roraima TOTAL
3.329.529 2.724.923 1.558.608 1.140.126 610.891 536.836 327.442 322.552 238.892 10.789.799
R$ 14.715.313.362,00 R$ 11.800.940.133,00 R$ 6.847.216.128,00 R$ 4.961.358.269,00 R$ 2.645.331.829,00 R$ 2.285.528.417,00 R$ 1.379.097.277,00 R$ 1.475.338.489,00 R$ 1.037.581.537,00 R$ 33.061.236.891,00 FONTE: PORTAL DA TRANSPARÊNCIA
Auxílios pagos pelos Estados da Amazônia Legal (2020)
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ANAUS – Diante do cenário da pandemia do novo coronavírus, mesmo com benefícios sendo considerados insuficientes por especialistas, o auxílio emergencial do governo federal veio para dar certo alívio e suporte às famílias de baixa renda. É destinado a trabalhadores informais, autônomos, microempreendedores individuais e desempregados que sofrem os efeitos econômicos provocados pelo novo coronavírus. O benefício começou a ser pago em abril de 2020 e foi dividido em três parcelas no valor de R$ 600. Em junho daquele ano, foi prorrogado para mais duas parcelas de R$ 600. A mulher que é mãe e chefe de família teve direito a receber R$ 1,2 mil, por mês. Na Amazônia Legal, até dezembro de 2020, mais de 10 milhões de pessoas haviam recebido o benefício, o que somou R$ 33 bilhões. O número corresponde a 36,8% da população estimada da região, no ano passado. Entre os Estados da região, Pará, Maranhão e Amazonas tiveram mais bene-
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ficiados, com 7,6 milhões de pessoas recebendo o auxílio. Além do auxílio emergencial, a maioria dos governos estaduais da Amazônia Legal anunciou benefícios para complementar a renda das famílias menos favorecidas em 2020. Dos nove Estados da região, três - Maranhão, Mato Grosso e Pará não anunciaram algum tipo de auxílio emergencial, no ano passado. Entre os sete Estados que anunciaram auxílios estaduais, o que pagou por mais tempo foi o Acre, que concedeu o auxílio de maio até dezembro de 2020. Para o sociólogo Luiz Antonio Nascimento, a importância dos auxílios às famílias de baixa renda é garantir, primeiramente, que as pessoas passem por esse momento difícil de crise econômica e social com acesso ao básico da alimentação. “Veja, cada um desses reais destinados às famílias, o destino é o comércio. A compra e venda de alimentos. Ainda que o sujeito possa comprar um celular ou qualquer outra bobagem, a maioria desse dinheiro vai para os supermercados”, destaca o especialista.
Além disso, o sociólogo destaca ainda que, os auxílios injetam mais dinheiro nos cofres públicos e movimentam a economia. “Quando esse dinheiro entra no mercado, ele está gerando imposto, que volta para o bolso do estado. Está movimentando a economia porque você garante que aqueles alimentos sejam comercializados e que demandem novos alimentos”, esclareceu Luiz. O economista Orígenes Martins Júnior reforça a ideia da necessidade e importância de que recursos financeiros sejam direcionados para as populações mais pobres, mas apontou um contraponto. “Este é o único recurso que a população abaixo da linha da pobreza ainda tem, além das doações, para se manter. Em termos negativos, se olhar do ponto de vista unicamente econômico, causa um aumento da dívida pública, porém este risco é justificado pelo bem social que o auxílio representa”, destacou o especialista, que é professor de economia há 30 anos.
ESTADO
PROGRAMA
VALOR
Roraima
Renda Cidadã
R$ 600
Rondônia
AmpaRO - Programa de Transferência de Renda Temporária
R$ 600
Tocantins
Extensão do Auxílio Emergencial
R$ 300
Amazonas
Cartão Auxílio Estadual
R$ 600
Amapá
Cartão Renda Cidadã Emergencial
R$ 240
Acre
Auxílio Temporário de Emergência em Saúde (ATS)
R$ 420
Pará Maranhão
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Mato Grosso
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QUEM RECEBE?
Famílias inscritas no CadÚnico
Crédito das tabelas: Guilherme Reis
Crédito: Ricardo Oliveira
ECONOMIA & SOCIEDADE
Trabalhadores da saúde
FONTE: SITES OFICIAIS DOS GOVERNOS DE ESTADO 39
ECONOMIA & SOCIEDADE
PANDEMIA DE FOME
RENDA ACHATADA
Com R$ 852, Amazonas tem o segundo menor rendimento domiciliar per capita na Amazônia Legal Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
Dos nove Estados que fazem parte da Amazônia Legal, assim como o Amazonas, as famílias do Maranhão, Pará, Amapá, Acre e Roraima têm rendimento domiciliar per capita menor que um salário mínimo, atualmente de R$ 1.045. Já em Tocantins, Rondônia e Mato Grosso este valor foi superior ao do salário mínimo. Os rendimentos domiciliares são obtidos pela soma dos rendimentos do trabalho e de outras fontes recebidas por morador de uma residência, no período referência da pesquisa. Já o rendimento domiciliar per capita é a divisão dos rendimentos domiciliares, em termos nominais, pelo total dos moradores. 40
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PNAD Os valores dos rendimentos domiciliares per capita referentes a 2020 são calculados com base nas informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) e enviados ao Tribunal de Contas da União (TCU). A pesquisa calcula o rendimento domiciliar per capita do país e de cada uma das unidades da federação.
R$ 1.380 Em âmbito nacional, o valor do rendimento domiciliar per capita foi de R$ 1.380, no ano passado.
A PNAD é uma pesquisa domiciliar trimestral que capta informações socioeconômicas e demográficas em cerca de 211.000 domicílios, em mais de 3.500
municípios do país. Desde março de 2020, devido à pandemia, a coleta das informações da PNAD realizada de forma presencial nos domicílios selecionados, passou a ser feita completamente por telefone. A pesquisa abrange todo o país, exceto áreas especiais como aldeias indígenas, quartéis, bases militares, alojamentos e acampamentos. Bem como embarcações, barcos, navios e penitenciárias, assim como colônias penais, presídios e cadeias. Também estão inclusos asilos, orfanatos, conventos, hospitais e agrovilas de projetos de assentamentos rurais ou setores censitários localizados em terras indígenas. As embaixadas, consulados e representações do Brasil no exterior também não são abrangidos pela pesquisa. A PNAD Contínua tem como população-alvo os moradores em domicílios particulares permanentes. Não são investigados os moradores em domicílios particulares improvisados, isto é, aqueles que residem em edificações sem dependências destinadas exclusivamente à moradia ou em locais inadequados para uma habitação.
Crédito: Guilherme Reis
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ANAUS – O Amazonas é o segundo Estado com o menor rendimento domiciliar per capita na Amazônia, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O valor desse rendimento no Estado foi de R$ 852, em 2020. Em âmbito nacional, o valor foi de R$ 1.380, no ano passado.
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ECONOMIA & SOCIEDADE - PANDEMIA DE FOME
ARTIGO – ODENILDO SENA
A vacina que eu não tomei Odenildo Sena*
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
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ANAUS – Nos últimos 6 meses, além da pobreza e extrema pobreza que se concentram na Amazônia Legal, Estados da região têm passado por períodos de crise de abastecimento de energia elétrica, falta de insumos na área da saúde e, até mesmo, inundações pela subida das águas de rios da região. Os danos causados pelo ‘apagão’ no Amapá, pela crise do oxigênio no Amazonas e pela cheia dos rios no Acre refletem a forma como a região é tratada, principalmente pelo governo federal. Para especialistas, a Amazônia é, constantemente, invisibilizada pela localização periférica em que se encontra. Segundo o sociólogo Luiz Antonio Nascimento, o conceito de periferia pode ser aplicado à região amazônica, quando relacionado às outras regiões do país, onde
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se concentram maiores centros econômicos. “Quando a gente pensa em centro e periferia, um conceito quase sempre econômico e social, a região Amazônica pode ser chamada de região periférica em relação ao sudeste, quando se trata de desenvolvimento científico e tecnológico, de capacidade de investimento e volume de serviços oferecidos na região”, destacou o especialista. Já em uma referência local, Luiz Antonio destaca que os próprios municípios do interior dos Estados da região Amazônica também podem ser considerados periferias. “Se você pensar desse modo, a gente pode falar que Manaus é um centro e o interior do Amazonas, em relação à capital, é a periferia. Assim como também podemos falar que os municípios circunvizinhos aos municípios do interior, como
Parintins, também são periferia”, pontuou o sociólogo.
DEFENSORES DA AMAZÔNIA Para o economista Orígenes Martins Júnior, a região deve ter defensores que se mobilizem para lutar por pautas que sejam relevantes para a região e que sejam úteis para mudar também a realidade das milhões de famílias que sobrevivem na pobreza e extrema pobreza. “A realidade da Amazônia teria que ter defensores: um grupo forte e corajoso de parlamentares que trouxesse o desenvolvimento para a região, proporcionando educação e conhecimento técnico para o pessoal do interior desenvolver a atividade deles sem precisar ter que vir para a capital”, destacou o economista.
Já no almoço, enquanto irmãos e agregados recebiam seu prato de esmalte abastecido com um ralo caldo, um pedaço de peixe e uma porção de farinha medida por Mãe em sua própria mão, a mim cabia o privilégio de abrigar em meu prato pedaços de peixe frito cuidadosamente catados, uma generosa porção de arroz e a infalível recomendação para, ainda assim, mastigar bem e tomar cuidado com alguma espinha que tivesse escapado do crivo habilidoso de seus dedos. Na hora do lanche, à noitinha, não era diferente. Enquanto os outros saciavam a fome com café preto e um pedaço de pão distribuído de forma salomônica, Mãe costumava reservar para mim os últimos sinais de manteiga dos 200 gramas comprados no dia anterior. Com a ajuda de uma colher, raspava o pequeno pedaço de papel que servia de embalagem, aproveitando o possível e o impossível, até deixá-lo livre de qualquer vestígio do produto. Passava em meu pedaço de pão, espetava-o na ponta de um garfo e aquecia-o por algum tempo nas brasas que ainda sobreviviam no fogareiro disposto
no jirau. A manteiga se derretia por entre os miolos do pão, a casca ficava levemente tostada e eu saboreava aquele privilégio sob os olhares enciumados da penca de meninos e meninas em volta da grande mesa retangular de madeira na cozinha. Na inocência dos meus cinco ou seis anos, eu julgava que aquele tratamento se devia à única e exclusiva razão de eu ser o caçula, o queridinho, o último dos moicanos de uma generosa safra dos quinze partos de Mãe, dos quais apenas sete tinham sobrevivido às duras adversidades nas barrancas de Santarém. Só depois, então, ouvindo conversas de Mãe com vizinhos e parentes, confirmei que havia também outro motivo. Mas isso eu descobri aos poucos, ao sabor do tempo e da razão infantil, até juntar as peças. Sempre que Mãe me levava à missa, aos domingos, no percurso e na igreja eu era alvo de olhares de lamento, compaixão e pena. Nas brincadeiras perto de casa, alguns colegas de travessuras me dirigiam olhares de solidariedade; outros, olhares de puro desdém; outros, ainda, olhares do mais puro deboche acompanhados de piadinhas e desfeitas. De fato, eu era diferente e não sabia, mesmo que aquela diferença em nada me atrapalhasse, em nada me impedisse de fazer peraltices, de nadar feito piaba no igarapé, de jogar bola, de correr atrás de papagaios que pareciam dançar valsas nos céus azulados dos verões de minha infância, de escalar as cercas e fruteiras que abasteciam os quintais de minha infância e nos impediam de passar fome. Foi quando, pela primeira vez, ouvi Mãe em uma conversa confidenciar a uma amiga que, com um ano de idade, eu tinha tido uma tal de ‘paralisia infantil’, que, quando não matava, deixava marcas físicas profundas no corpo e, às vezes, na alma de suas vítimas. Em mim, e Mãe dizia que graças a Deus eu era um menino de muita sorte, tinha me poupado de uma herança mais grave. Daí a minha perna
Crédito: Divulgação
PERIFERIAS INVISÍVEIS
N Crédito: Acervo Pessoal
Para o sociólogo Luiz Antonio Nascimento, sob o ponto de vista econômico e social, a região Amazônica pode ser chamada de região periférica em relação ao sudeste do Brasil
ão me dava conta de que eu era diferente. Na verdade, não me lembro até onde perdurou essa inocência em relação a mim mesmo. Só sei que, até então, Mãe dispensava a mim cuidados diferenciados, motivos de ciúmes entre os irmãos e agregados mais taludos. Eu era sempre o primeiro a ser contemplado com o milagre da multiplicação nas refeições. O café preto da manhã já chegava em minhas mãos pronto para ser tomado. Mãe cuidava antes de esfriá-lo transferindo-o sucessivamente de uma caneca para outra. Era sua técnica para deixá-lo na temperatura ideal. Não raro, quando percebia que eu prendia os lábios e fazia uma careta ao primeiro gole, reclamando da quentura, com a paciência que só os anjos têm repetia o processo mais algumas vezes. Nos dias em que contávamos com o luxo da manteiga, o meu pedaço de pão era sempre o mais beneficiado.
esquerda ter ficado atrofiada e levemente mais curta. Daí eu ser diferente. Daí eu ser alvo preferencial daquela multiplicidade de olhares, alguns doces, outros perversos. Mais tarde, levado pela curiosidade, descobri que eu, como milhões de crianças no mundo, tinha sido tragado por um vírus de nome sofisticado chamado Poliomielite, uma inflamação da substância cinzenta da medula espinhal. Assim estava escrito num dos surrados volumes do Tesouro da Juventude esquecidos no canto de uma sala pouco frequentada no Grupo Escolar Olavo Bilac. Descobri, também, que a primeira vacina contra a Pólio, muito antes de se falar em Albert Sabin, tinha sido criada um ano antes da minha vinda ao mundo. Da mesma forma, sem nada entender ainda sobre luta de classes, descobri que eu não tinha sido apenas vítima da vacina que eu não tomei, mas sobretudo vítima da pobreza. Hoje, depois de tanto tempo, mesmo com o passado tão progressivo transformado em memória e o futuro a se reduzir a cada dia no horizonte da idade, o menino que insiste em habitar esse corpo velho e cansado não me deixa esquecer nunca o velho prato de esmalte com arroz e os pedacinhos de peixe pacientemente catados por Mãe. Afinal, eu era o caçula da turma. (Inédito em livro) *Odenildo Sena é linguista, com mestrado e doutorado em Linguística Aplicada e tem interesses nas áreas do discurso e da produção escrita. 43
Inflação em alta, comida no prato em baixa Crescimento de índices volta a endurecer custo de vida na Amazônia Carolina Givoni – Da Revista Cenarium
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ANAUS – Levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA-15) acelerou 0,93%, em março desse ano. O aumento, considerado por especialistas como a prévia da inflação oficial, tem preocupado consumidores e o mercado regional, que, em alguns Estados, enfrenta barreiras como o isolamento geográfico. Está cada vez mais difícil garantir a cesta básica. Em termos práticos, a inflação atual de 2,21% – que já supera os 1,24% de março de 2015 – incide diretamente no preço da cesta básica, particularmente aos residentes da região Amazônica. Em comparação aos últimos 12 meses, a alta do IPCA já soma 5,52%, pois em março de 2020 a taxa foi de 0,02%. Essa alta também é influenciada pelo aumento dos combustíveis, que apresentou alta de 0,48%, em fevereiro.
LOGÍSTICA E GASOLINA Ainda de acordo com a pesquisa do IBGE, nove grupos de produtos e serviços foram pesquisados. Destes, oito apresentaram alta neste mês, sendo o setor de transportes o mais afetado, com alta de 3,79%. Isso representa um acréscimo de 0,76 pontos percentuais em relação a fevereiro, com 1,11%. Os “vilões”, mais uma vez, são os combustíveis, que detêm juntos 11,63% de aumento. Individualmente, a gasolina 44
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detém um crescimento médio de 11,18%, fechando o mês de março com 0,56% a mais, em seu nono aumento consecutivo. O etanol também apresentou alta de 16,38%, bem como o óleo diesel com 10,66% e o gás veicular com 0,39%.
CESTA BÁSICA O preço da cesta básica é monitorado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). A pesquisa divulgada no dia 5 de março apontou que, nos últimos 12 meses, ou seja, entre fevereiro de 2020 e fevereiro de 2021, o preço do conjunto de alimentos básicos teve alta em todas as capitais onde a pesquisa é realizada.
Vou ao supermercado “ e trago cada vez menos
coisas. O salário não consegue mais cobrir as despesas” Sônia Marília, 73 anos, aposentada.
“Praticamente nossas economias não valiam mais nada. Você reservava uma quantia para comprar alimentos e corria o risco de não comprar mais o que pretendia com o valor nas mãos. Era assustador. O momento atual é um pouco parecido, mas a sensação de perda do poder de compra é a mesma”, compara Sônia. “Vou ao supermercado e trago cada vez menos coisas. O salário não consegue mais cobrir as despesas, dessa forma, precisamos ser equilibristas e manter as despesas na rédea”, comenta a aposentada.
AUMENTO EM CASCATA
MENOS ITENS NO CARRINHO
De acordo com o economista Marcus Evangelista, o momento em que há uma flexibilização do preço dos combustíveis desfavorável ao consumidor, tem como resultado produtos e serviços cada vez mais caros. “Todos sofremos a partir do momento em que estamos comprando os produtos mais caros, principalmente, em Manaus. Tudo que é consumido aqui depende de um frete e este pode ser feito de vários modais altamente influenciados pelo preço dos combustíveis”, disse.
Para a aposentada de 73 anos Sônia Marília, que viveu o frenesi das remarcações de preços no supermercado em meados de 1980, quando a inflação batia a simbólica marca de 100% ao ano, diz que a pandemia de Covid-19 retoma o sentimento de incerteza vivido na época.
O economista dá dicas sobre alternativas para reduzir os impactos financeiros. “O que fazer? Procurar produtos que estejam em safra. Pois com a quantidade ofertada sendo maior, a tendência é que os preços acabem diminuindo e, assim, favorecendo o seu bolso”, completa Evangelista.
A consequente subida da inflação e dos combustíveis também foi destaque da pesquisa EXAME/IDEIA, em fevereiro de 2021, que mostrou que 95% da população já sentiu os reflexos da alta de preços de maneira geral. Essa percepção é alta em todas as faixas salariais, sendo mais sentida no grupo dos que ganham entre um e três salários mínimos (98%).
Crédito: Ricardo Oliveira
ECONOMIA & SOCIEDADE
A aposentada Sônia Marília diz que o momento atual lembra as constantes remarcações de preços dos anos 1980 45
ECONOMIA & SOCIEDADE
DESAFIOS Para a presidente da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil (Ajeb-AM), Kátia Colares, o lançamento da revista durante a pandemia foi um dos maiores desafios para Paula Litaiff, diretora da revista e membro da associação. “A Cenarium chega para contribuir com informações precisas na luta contra a Covid-19, com reportagens exclusivas relacionadas a nossa Amazônia”, explana inicialmente. “Tudo isso com temas relevantes para debater soluções de políticas públicas voltadas à região da maior floresta tropical do planeta, sem esquecer das questões urbanas e dos principais protagonistas, os amazônidas. Nós da Ajeb desejamos vida longa a essa plataforma de comunicação integrada: revista, site e web TV. Celebremos!”, comemora Kátia.
1 ANO DE CENARIUM
CREDIBILIDADE O diretor da TV Cultura, Fábio Chateaubriand ressalta a pluralidade e o compromisso da CENARIUM com o bom jornalismo. “A importância da REVISTA CENARIUM neste primeiro ano de existência também se destaca pelo compromisso com a nossa democracia. Nós vivemos um momento muito difícil e a revista tem sido crucial também para levar informação de confiança, de credibilidade, para todo o Brasil”, detalha Fábio.
Personalidades, fontes e jornalistas descrevem relevância da revista para a Amazônia Carolina Givoni – Da Revista Cenarium
A diretora-geral da REVISTA CENARIUM, Paula Litaiff, destaca que a con46
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“Eles apontaram a necessidade de um veículo que abordasse questões amazônicas e diferenças socioculturais, considerando as singularidades da região. Após pesquisas em conteúdo da imprensa nacional e internacional, além de leituras a obras sobre Amazônia e Diversidade, cheguei à CENARIUM. No primeiro ano de aniversário da REVISTA CENARIUM, sabemos que ainda há muito o que melhorar, mas seguimos com consciência de que a revista cumpre uma importante missão no Amazonas, na Amazônia e no Brasil, e queremos contar com a ajuda dos nossos leitores para nos aperfeiçoar a cada ano”, afirma Paula, que acrescenta ter buscado inspiração na Revista Realidade (1966 – 1976).
LIBERDADE Para o poeta e doutorando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Tenório Telles, a liberdade de expressão é o bem mais precioso a ser defendido sob quaisquer circunstâncias. “A liberdade de ser, de viver segundo suas crenças e valores e de se expressar livremente é o fundamento da vida democrática. A REVISTA CENARIUM tem cumprido, neste primeiro ano de existência, seu papel de informar e participar de forma crítica do debate social”. Segundo Telles, os embates, as divergências e as opiniões dissonantes ajudam no aprimoramento das relações de poder, na atuação dos atores políticos e no fortalecimento do processo democrático. “A contradição e o embate das ideias, bem como dos pontos de vista sobre os fatos e fenômenos da sociedade, só são possíveis sob o reinado da liberdade. Defendê-la é não só um dever, mas uma responsabilidade. Pois, como afirmava o escritor George Orwell: ‘Numa época de mentiras
Chateaubriand faz referência à parceria entre a TV Cultura em São Paulo, que, desde janeiro deste ano, tem feito convergência de conteúdo. “Isso não disponibiliza só notícias do estado do Amazonas, mas também de toda a região amazônica. Então venho aqui não apenas para celebrar, mas também
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Manaus e o Amazonas precisavam de riqueza e diversificação editorial” Denise Kassama, economista.
Crédito: Divulgação Acervo Pessoal
Já difundida como um periódico impresso, a CENARIUM surge na internet em 15 de abril de 2020, em meio a uma das mais graves emergências humanitárias – a pandemia de Covid-19 – e incorpora à tiragem mensal de 70 páginas, circulante desde 2018, o dinamismo e a instantaneidade. Sem perder a confiabilidade e pautada sob o respeito à diversidade e à pluralidade de pensamentos, o veículo de comunicação se torna um grande aliado da sociedade.
cepção da revista como ela é hoje surgiu ainda em 2017, com a troca de conhecimento junto a jornalistas estrangeiros, do Amazonas e de outros Estados brasileiros, responsáveis pela produção do documentário Killer Ratings - Bandidos na TV, que estreou na Netflix em 2019.
Crédito: Divulgação Acervo Pessoal
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ANAUS – A REVISTA CENARIUM completou o primeiro ano de existência no mundo digital em 15 de abril. Em celebração à data, personalidades, fontes e jornalistas que compõem os relatos compilados na página eletrônica descrevem a relevância do veículo jornalístico que, em mais de 9 mil publicações, aglutina o universo de questões socioambientais, sociopolíticas e socioeconômicas da região Amazônica.
agradecer pela parceria que, através do olhar dos profissionais da CENARIUM, nos tem deixado levar a realidade amazônica para todo o Brasil”, finaliza o diretor.
COMPETÊNCIA O ambientalista da Associação para Conservação da Vida Silvestre (Convidas) Carlos Durigan evidencia o volume de informação gerado em apenas um ano. “O protagonismo para tratar com responsabilidade o que é notícia e ainda promovendo um debate amplo e envolvente. A CENARIUM, com trabalho duro e competência, além de engajamento na discussão de temas de extrema relevância, presta um serviço qualificado para contribuir com uma sociedade mais justa e sustentável”, defende Durigan.
RIQUEZA EDITORIAL A economista e vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Denise Kassama, afirma que a CENARIUM é uma grata surpresa. “Manaus e o Amazonas precisavam de riqueza e diversificação editorial. Desde então, tenho acompanhado as edições no formato digital. A qualidade da informação me agrada bastante, mas é o comprometimento dos profissionais envolvidos que dá excelência. Desejo muito sucesso à família CENARIUM, que produz um material de qualidade e nos dá muito orgulho”, completa Denise.
FÔLEGO O sociólogo do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Antônio classifica que a CENARIUM surge em um momento importante. “Existe um espaço primordial ocupado no Jornalismo da região, sem perder a dimensão do nacional e do internacional. A CENARIUM nos devolve um
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A importância da REVISTA CENARIUM neste primeiro ano de existência também se destaca pelo compromisso com a nossa democracia” Fábio Chateaubriand, diretor da TV Cultura.
Jornalismo que vinha se perdendo, um jornalismo de entrevistas, de matérias de fôlego que privilegiam os personagens. Que mantenha e aprofunde suas bases”, finaliza Antônio.
“DA CASA” A secretária executiva, Edne Ramos, diz que fazer parte da REVISTA CENARIUM é “ter orgulho de um veículo de comunicação que preza pela valorização do jornalismo na Amazônia e, acima de tudo, une as pluralidades e respeita a diversidade”. Para a correspondente internacional da CENARIUM na Europa, Caroline Viegas, o protagonismo feminino é o diferencial. “As mulheres configuram 90% da equipe. Com elas, aprendi como é necessário defender nossos ideais com garra. Sou coordenada por mulheres que não se intimidam e que estão dispostas a levar informação de forma justa. É uma honra fazer parte disso!”, comenta Viegas. O fotojornalista amazonense Ricardo Oliveira integra a lista de melhores fotógrafos da France-Presse (AFP) e, como componente da CENARIUM, afirma que o veículo “sempre deixa uma crônica de texto e imagem da nossa região. Uma Amazônia de riquezas, mistérios e mazelas”. Além de compositor e jornalista, Mencius Melo é integrante da CENARIUM e destaca a visão que molda a linha editorial. “É uma iniciativa jornalística que parte da singularidade geográfica e da verdade humana que a cerca. Nada até aqui, neste primeiro ano de existência, se assemelha ao jornalismo pan-amazônico que a CENARIUM está inaugurando. Como repórter e um pequeno tijolo desta construção, sinto-me orgulhoso. REVISTA CENARIUM: da Amazônia para o mundo!”, finaliza.
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Crédito: Ricardo Oliveira
universais, dizer a verdade é um ato revolucionário’”, comenta Tenório.
A CENARIUM, com trabalho duro e competência, presta um serviço qualificado para contribuir com uma sociedade mais justa e sustentável” Carlos Durigan, ambientalista.
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ECONOMIA & SOCIEDADE
1 ANO DE CENARIUM
A Amazônia em 12 meses de reportagens
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ABRIL • 2020
MAIO • 2020
JUNHO • 2020
JULHO • 2020
NOVEMBRO • 2020
OUTUBRO • 2020
SETEMBRO • 2020
AGOSTO • 2020
DEZEMBRO • 2020
JANEIRO • 2021
FEVEREIRO • 2021
MARÇO • 2021
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ECONOMIA & SOCIEDADE
CENARIUM EM IMAGENS
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ANAUS – Em um ano de existência, a REVISTA CENARIUM esteve presente na cobertura jornalística dos principais fatos da Amazônia. Para celebrar o primeiro aniversário do veículo de comunicação, aqui estão reunidas 12 fotografias que representam um pouco do momento histórico e trágico vivido na região. Pandemia, mortes, devastação da floresta, mas também histórias de superação e resistência do povo amazônida que vive nos centros urbanos e em meio ao verde das matas. Tudo sob o olhar apurado do fotojornalista Ricardo Oliveira.
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Apreensão de grande quantidade de madeiras nobres oriundas das Unidades de Conservação do Estado do Amazonas
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Movimento pela “independência” da Amazônia busca um País no Norte do Brasil
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A pandemia foi prejudicial para a aldeia Tupé, no Rio Negro, pois os turistas sumiram
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Idosos foram os primeiros a serem vacinados em Manaus
Sol, praia e pandemia: banhistas de Manaus ignoraram máscaras e distância mínima
Caixões empilhados em valas comuns no Cemitério Nossa Senhora de Aparecida, durante a pandemia em Manaus
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Maria Solange Paulino Amorim, de 50 anos, mais conhecida como “Marina Silva de Manaus” ficou conhecida mundialmente após a rainha do pop, Madonna, compartilhar um vídeo em que Marina dançava ao som de “Holiday”
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A REVISTA CENARIUM esteve em Nova Olinda do Norte para reportagem especial sobre o petróleo achado em 1955 no município às margens do rio Madeira
Ação da Polícia Federal durante a Operação Sangria no Amazonas, que apurou irregularidades na aquisição de respiradores pulmonares
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O conflito no rio Abacaxis teve repercussão nacional e a CENARIUM fez uma série de reportagens na região
Um flagrante de poluição de espuma tóxica no igarapé do Mindú, que corta toda a cidade de Manaus
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Recorde de queimadas na Amazônia e no Pantanal 51
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REVISTA CENARIUM
UM ANO LETAL Amazonas completa um ano sofrendo as mazelas da pandemia, com mais de 11 mil mortes causadas pela Covid-19 Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium
atendimento de casos da doença. Mas, o que se viu foi que nenhum sistema de saúde no mundo estava preparado para enfrentar uma alta recorde nos atendimentos de doentes. A recomendação das autoridades foi decretar o fechamento das atividades não essenciais, pois as aglomerações são locais de alto contágio da doença. Desde então, o uso de máscara, lavar bem as mãos e o uso de álcool em gel passaram a fazer parte da rotina da população.
Crédito Márcio James - Semcom | Fotos: Públicas
É do Balneário da Ponta Negra, na Zona Oeste de Manaus que vem uma das imagens que marcaram a pandemia no Amazonas. A reportagem da REVISTA CENARIUM flagrou, em pleno verão amazônico, no mês de setembro do ano passado, a aglomeração de centenas de pessoas aproveitando as águas do rio Negro. O comportamento não era e não é recomendado pelas autoridades, já que o vírus pode se espalhar rapidamente, por conta do contato direto entre os seres humanos. Após um ano de pandemia, governo, cientistas e pesquisadores seguem procurando medicamentos que possam auxiliar no combate à Covid-19. Temor e incertezas ainda permeiam o cotidiano da população amazonense, que já enfrentou dois graves picos da doença, mostrando, ainda mais, o risco de não seguir os protocolos sanitários recomendados pela OMS.
VÍTIMAS Uma das vítimas da doença é o pai da empresária Adriana Cezário, que faleceu em maio de 2020, durante o primeiro pico da doença no Amazonas. Ela conta que, depois de um ano da morte do pai, a família tenta recomeçar a vida e seguir o legado deixado pelo homem justo e solidário que Ariovaldo Cezário, 78 anos, deixou aos filhos e netos.
Em um ano de pandemia, as cenas de morte se tornaram mais frequentes no Amazonas
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ANAUS – Pouco mais de um ano depois do primeiro caso confirmado de Covid-19 no Amazonas, o Estado já ultrapassou o trágico número de 11 mil vidas interrompidas pelo novo coronavírus. Uma tragédia de proporções mundiais e que ficará para sempre gravada na memória das pessoas. O primeiro caso de
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Covid-19 foi registrado no Amazonas no dia 13 de março de 2020, de lá para cá, mais de 330 mil pessoas foram infectadas, incluindo as vidas perdidas em uma das mais trágicas experiências do sistema de saúde pública. O primeiro caso da doença foi confirmado em uma mulher de 39 anos, com histórico de viagem para Londres
(Inglaterra) e, rapidamente, o Amazonas se tornou um dos epicentros da pandemia no Brasil. A confirmação veio em uma coletiva de imprensa que reuniu diversas autoridades de vigilância e saúde, que ressaltaram que a rede de assistência, em todos os níveis (básica, média e de alta complexidade), estava preparada para o
“Como o nosso pai era bem ativo, desconfiamos que ele tenha adquirido o vírus em uma ida ao supermercado. Então, iniciamos o tratamento em casa, mas ele teve uma piora e o levamos para o Hospital 28 de Agosto, onde, de imediato, foi entubado e passou dez dias, logo após fomos informados sobre o falecimento dele. O sentimento de perda é devastador e, hoje, convivemos com a dor da saudade,
A tragédia em números Atualmente, o Brasil registra cerca de 4
mil mortes por Covid-19 em 24 horas.
Até o final de março, os Estados da Amazônia Legal somavam 45.368
Covid-19 e 1.876.753
casos.
O Amazonas bateu a marca de mais de 11
mortes por
mil mortes por Covid-19, também em março.
A FVS-AM emitiu 343 boletins diários epidemiológicos, 17 Boletins da Situação Epidemiológica da Covid-19 e de Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAGs). Em um ano, entre os mais de 130 atos editados pelo Estado, 35 decretos trataram de medidas de isolamento ou distanciamento social. A maior taxa de isolamento social, de 50,5%, foi registrada em janeiro de 2021, fruto de decretos editados pelo Estado. O Brasil superou a trágica marca de 1
mil indígenas mortos pela Covid-19 e 50.545
infectados em 163 povos, de acordo com dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O Amazonas lidera em mortes de indígenas, com 240 vítimas do novo coronavírus no Estado. Fontes: FVS-AM, Consórcio de Veículos de Comunicação e Apib.
mas sempre com as lindas lembranças do pastor, pai, marido, amigo, avô e bisavô”, contou Adriana.
PERSONALIDADES Entre as milhares de vítimas do novo coronavírus no Amazonas estão personalidades da cultura, da política e da linha de frente do combate à Covid-19. Nomes como o do ex-apresentador do Boi-Bumbá Garantido, Paulinho Faria, da artista do boi vermelho e branco Roci Mendonça, do vocalista da extinta banda Carrapicho que ficou conhecida mundialmente pelo sucesso da música ‘Tic Tic Tac’, Zezinho Correa, do cantor e compositor do Boi Caprichoso Klinger Araújo, de um dos maiores alegoristas do Festival de Parintins, o artista Júnior de Souza compõem a triste herança de mortes pela doença. Entre os políticos e membros do Judiciário que não resistiram à doença estão: o ex-prefeito de Iranduba, Nonato Lopes, e o desembargador Aristóteles Thury, ex-presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM).
Uma das perdas que mais pesaram junto à população foi a morte da diretora-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), Rosemary Costa Pinto. A morte da farmacêutica bioquímica de formação básica e epidemiologista de carreira da FVS causou comoção popular. Rosemary era uma das principais lideranças atuantes no combate à pandemia do novo coronavírus no Amazonas.
NOVA VARIANTE No final de 2020, o surgimento de novas variantes do vírus mais contagiosas e perigosas assustou, ainda mais, a população mundial. Uma pesquisa realizada no Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD / Fiocruz Amazônia) e coordenada pelo pesquisador Felipe Naveca confirmou a identificação da origem da nova variante da linhagem do Sars-CoV-2 B.1.1.28 no Amazonas, chamada de P.1, que levou o Estado ao segundo pico da pandemia, tornando-se o epicentro no Brasil nos primeiros meses de 2021. 53
REVISTA CENARIUM
AMEAÇA À INDÚSTRIA
Crédito: Divulgação Suframa
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Após revogação da alíquota de bicicletas, ZFM toma ‘pernada’ com o aumento federal de eletrônicos Jennifer Silva – Da Revista Cenarium
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ANAUS – A Zona Franca de Manaus (ZFM) ficou de ‘mãos atadas’ após o Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex) anunciar, no dia 17 de março, a redução do imposto de importação de eletroeletrônicos, máquinas e equipamentos, o que afetará, de maneira direta, os empregos no Amazonas. No mesmo dia, a Camex revogou a Resolução 159, que diminuía o imposto de importação de bicicletas e prejudicava as indústrias do setor instaladas no Polo Industrial de Manaus (PIM), o que seria uma grande
maneira direta a produção dos setores no Polo Industrial de Manaus (PIM). “Ao mesmo tempo que venho agradecer [pelo polo de bicicletas], vou ter que criticar a surpreendente e imprevisível decisão da Camex e do Ministério da Economia, que acaba de anunciar a redução em 10% do imposto de importação de eletroeletrônicos, máquinas e equipamentos. Nós estamos em meio a uma pandemia e estamos estabelecendo uma política de uma concorrência absolutamente injusta com o mercado internacional. Querem fazer do Brasil um país exportador de tributos
Quanto menor for a diferença tributária entre “ fabricar e importar o produto pronto, menor será o estimulo à produção” Denise Kassama, economista. vitória, não fosse a decisão que prejudica a competitividade dos eletrônicos produzidos no PIM. Para o deputado federal Marcelo Ramos (PL), a decisão do Ministério da Economia sobre os eletrônicos vai na contramão da revogação da alíquota sobre o polo de bicicletas. “A Camex decidiu reduzir em 10% o imposto de importação de eletroeletrônicos, máquinas e equipamentos, que afetará, de 54
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e de empregos”, enfatizou o parlamentar durante sessão no plenário da Câmara. Segundo a economista Denise Kassama, um imposto de importação alto estimula a implantação de novas empresas na indústria e faz com que investidores prefiram comprar um produto com produção nacional. No entanto, quanto menor a diferença tributária entre fabricar e importar o produto pronto, menor será o estimulo à produção no PIM.
Com a redução no imposto de importação de eletrônicos, produção da Zona Franca de Manaus perde competitividade
“Afinal, na importação do produto acabado, o investidor não tem custos operacionais, gerenciamento de estrutura fabril, mão de obra. Menos trabalho, menos cobrança do governo e bom retorno”, afirmou.
VITÓRIA PARCIAL A Resolução 159 foi anunciada em 17 de fevereiro e reduzia progressivamente a alíquota do imposto de importação de bicicletas, de 35% para 20%, até o fim de 2021. O senador pelo Amazonas Omar Aziz (PSD) relator da proposta no Senado, destaca que o setor de bicicletas é decisivo para a geração de empregos em Manaus. Ao todo, 18 Estados brasileiros
têm indústrias de bicicleta e todos perdem empregos e mercado com a diminuição do imposto para bicicletas importadas. Aziz reitera que a indústria nacional deseja competir no mercado externo, mas tem de enfrentar no Brasil “um ambiente de negócios burocrático, um sistema tributário e logístico disfuncional e pesados encargos incidentes sobre a produção. “Colocá-la para competir, subitamente, em igualdade de condições com produtores de outros países, que operam em um ambiente muito mais amigável, é como esperar que, em uma corrida, aquele que carrega uma mochila de 20 quilos possa vencer um outro que corre livremente. Não por outra razão, o setor de fabricação
de bicicletas propôs a redução escalonada das tarifas de importação, condicionada, porém, a um esforço progressivo de enfrentamento dessas dificuldades”, concluiu o relator.
10%
A Camex decidiu reduzir em 10% o imposto de importação de eletroeletrônicos, máquinas e equipamentos.
O senador Plínio Valério comemorou a vitória por meio de suas redes sociais. “Vitória da bancada do Amazonas. Como resolvemos levar a votação para anular a decisão de reduzir impostos de importação de bicicletas, gerando desemprego em 18 Estados, não só na Zona Franca, a Camex e o Ministério da Economia, pressionados, voltaram atrás e revogaram a medida. Somos três senadores e oito deputados da bancada do Amazonas. Temos que ficar sempre atentos e unidos para reagir às constantes medidas para enfraquecer a Zona Franca de Manaus, indústria sem chaminés que preserva 97% da nossa floresta”, escreveu Plínio. 55
ECONOMIA & SOCIEDADE
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R$ 386 milhões O investimento na renovação da AM-010 gira em torno de R$ 386 milhões para obras e serviços de modernização da via.
As obras devem gerar, ao menos, 10 mil empregos a partir de agosto deste ano, quando está previsto o início das intervenções
rodovia não iniciam, o governo do Amazonas mantém contrato de manutenção da pista, para permitir a trafegabilidade.
Crédito: Lucas Silva
AUDIÊNCIA PÚBLICA VIRTUAL
ESTRADA RENOVADA Governo do Amazonas anuncia projeto de reforma e modernização da AM-010 Com informações da assessoria
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ANAUS – O governo do Amazonas anunciou, por meio da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Região Metropolitana de Manaus (Seinfra), o projeto de reforma e modernização da AM-010, que prevê a realização de serviços de terraplanagem, pavimentação, drenagem superficial, construção de faixas de aceleração e sinalização de 250,40
porte que recuperasse integralmente o pavimento e reabilitasse sua estrutura. Os serviços de conservação executados, ao longo dos anos, sempre ocasionaram reclamações por parte da população, já que não eram capazes de solucionar o problema da rodovia, que permanecia com a trafegabilidade comprometida.
É um momento para que toda a população “ amazonense conheça o projeto” Carlos Henrique Lima, secretário de Estado de Infraestrutura. quilômetros da pista. De acordo com o projeto, as obras serão realizadas do km 13 ao km 263,40 da rodovia. Construída na década de 1960, a rodovia nunca recebeu nenhuma obra de grande 56
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Para atender à demanda antiga da população por melhorias na rodovia, o governador do Amazonas, Wilson Lima, determinou a elaboração do projeto de modernização da AM-010, com a construção de uma pista com maior durabilidade e que proporcione
fluidez ao tráfego, segurança e desenvolvimento socioeconômico dos municípios do entorno da estrada.
obras devem gerar, ao menos, 10 mil empregos a partir de agosto deste ano, quando está previsto o início das intervenções.
A mobilidade com a interligação por terra entre a capital Manaus e os municípios de Rio Preto da Eva, Silves, Itapiranga e Itacoatiara irá contribuir para o escoamento da produção das comunidades rurais e o surgimento de novos empreendimentos, principalmente em áreas com grande potencial de investimento, como nos municípios de Itacoatiara, que conta com um grande porto graneleiro, e Silves, conhecido pela exploração do gás.
Entre as melhorias está o alargamento da pista, que passará a ter 11 metros de largura, contando com mais 1,5 metro de cada lado nos acostamentos; a implantação de pista de rolamento com 7 metros de largura, sendo 3,5 metros de cada lado. Os trabalhos terão tratamento superficial duplo com brita, que é uma mistura de material betuminoso em duas camadas, com a aplicação de mais cinco centímetros de concreto betuminoso usinado a quente, o CBUQ, proporcionando à pista uma espessura total de quase dez centímetros. Os serviços incluem, ainda, a sinalização horizontal e vertical, além da pintura de faixas refletivas.
INVESTIMENTO Com investimento em torno de R$ 386 milhões, decorrente de emenda parlamentar do senador Omar Aziz e outra parte do Governo do Estado, o projeto prevê obras e serviços de modernização da via que irão trazer inúmeras melhorias para a AM-010. As
A Seinfra trabalhará com cinco frentes de obra distintas entre a capital, Manaus, e a sede do município de Itacoatiara. Enquanto os serviços de reforma e modernização da
O projeto de modernização da AM-010 foi discutido em audiência pública, no dia 12 de março, com a participação das prefeituras e órgãos envolvidos. A audiência foi transmitida pelo canal do governo do Amazonas no YouTube (https://www.youtube.com/governodoamazonas) e no Facebook da Seinfra (https://www.facebook.com/seinfraam). Para o secretário de Estado de Infraestrutura, Carlos Henrique Lima, a audiência pública reforça o compromisso do Governo do Estado com a transparência. “É um momento para que toda a população amazonense conheça o projeto, debata o projeto e para que nós possamos dar todas as explicações necessárias para que esse projeto se torne uma realidade”, destaca.
Histórico A Rodovia Deputado Vital de Mendonça, nome oficial da Estrada de Itacoatiara, foi idealizada ainda no século XIX, pelo engenheiro Torquato Tapajós, que viveu entre 1853 e 1897. O início da construção da AM010 aconteceu na primeira gestão do governador Plínio Coelho, entre 1955 e 1959. Os trabalhos prosseguiram nos governos de Gilberto Mestrinho e no segundo mandato de Plínio Coelho. A abertura completa da estrada Manaus/Itacoatiara só aconteceu no governo de Artur César Ferreira Reis, a partir de 1964. A pista foi pavimentada na gestão do governador Enoque Reis, entre 1975 e 1979.
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POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS
REVISTA CENARIUM
COMBATE AO DESMATAMENTO
ATUAÇÃO NO AMAZONAS
Com o fim da GLO e Operação Verde Brasil 2, militares saem da fiscalização e órgãos têm que se mobilizar
Em 2020, as ações com os militares foram instaladas na Amazônia, após o governo do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ser alvo de críticas em todo o mundo pela falta de ações contra a destruição da floresta. Desde então, a região amazônica 58
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De acordo com o governo federal, até novembro de 2020, a Verde Brasil 2 apreendeu 178 mil metros cúbicos de madeira ilegal e combateu mais de 7,5 mil focos de incêndio. A princípio, conforme o Decreto nº 10.341, publicado no Diário Oficial da União (DOU), os militares atuariam na região até junho de 2020. No entanto, a presença das tropas foi prorrogada para
DESMONTE O Ministério do Meio Ambiente (MMA), sob o comando de Ricardo Salles, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) sofrem, desde 2019, um desmonte da política ambiental, fator que levou ao desligamento de servidores atuantes na fiscalização das florestas. A fragilização dos órgãos fiscalizadores ocorre em compasso com a destruição da floresta, refletindo em índices recordes de desmatamento em 2020, com 8.058 quilômetros quadrados de área verde destruída, um aumento de 30% em relação ao
mesmo período de 2019, de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). O negacionismo ambiental de Bolsonaro ficou evidente nos cortes orçamentários, que preveem apenas R$ 1,72 bilhão para o MMA, Ibama e ICMBio, para cobrir todas as despesas, inclusive as obrigatórias. Com isso, o MMA contraiu uma redução de 27,4% no orçamento para fiscalização ambiental e combate a incêndios. Os dados são do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021. A reportagem questionou as assessorias de comunicação do MMA, Ibama e ICMBio sobre que estratégias devem ser adotadas após o encerramento da GLO, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
A Operação Verde Brasil 2 é, de acordo com o ministério, a única missão de GLO da história contra o desmatamento. O governo federal convocou as Forças Armadas para 143 operações de GLO, entre 1992 e 2020. A maioria das missões foi para fazer segurança de eventos (27,3%), evitar crises de violência urbana (16,1%) e casos de greve da Polícia Militar (16,1%).
O Ipaam, por sua vez, salientou que atua todos os anos para conter os ilícitos ambientais e que, ao longo de 2021, serão lançadas campanhas de fiscalização. O instituto informa que tem investido em ferramentas geotecnológicas, como o geoprocessamento, sensoriamento remoto e banco de dados espacial, para identificar e combater crimes ambientais.
As missões de GLO relacionadas a delitos ambientais foram apenas duas: a Operação Sinop, em 2011, que ocorreu nos municípios da região Norte do Estado de Mato Grosso, e a operação Verde Brasil, em 2019, com ações preventivas e repressivas, além da execução de atribuições subsidiárias no levantamento e no combate a focos de incêndio.
O Governo do Estado lançou em 2020, o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas do Amazonas (PPCDQ-AM), que orienta a atuação dos órgãos ambientais no biênio 2020-2022. A meta é que, até o final do período proposto, o Amazonas reduza os índices de desmatamento em 15%, em relação ao ano de 2019.
27,4% O Ministério do Meio Ambiente contabiliza uma redução de 27,4% no orçamento para fiscalização ambiental e combate a incêndios.
Crédito: Divulgação | Sema
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julho, com prazo novamente estendido para novembro e, por fim, para abril de 2021.
Crédito: Divulgação | Sema
No Amazonas, a Sema aposta que não haverá prejuízos com o fim da GLO, pois outras ações ocorrem paralelamente às federais
tem oficiais direcionados a operações preventivas e repressivas ao desmatamento e queimadas. As Forças Armadas também foram designadas para proteger Terras Indígenas (TI), Unidades de Conservação (UC) Ambientais Federais, além de atuar em outras áreas sob responsabilidade do Executivo nos nove Estados que compreendem a região.
Previstas na Constituição Federal (CF), as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) podem ser instituídas exclusivamente pela Presidência da República e ocorrem quando há esgotamento das forças de segurança pública e em situações de perturbação da ordem. Essas missões concedem, provisoriamente, aos militares, o poder de polícia até o restabelecimento da normalidade.
Segundo a Sema, outras ações ocorrem paralelamente às operações federais. “Dessa forma, não há prejuízos quanto à atuação do Estado, que seguirá normalmente suas atividades, com previsão de envio das equipes de fiscalização a campo ainda nos meses de março e abril de 2021. A região prioritária segue sendo o sul do Amazonas, que concentra historicamente os maiores números de focos de calor e alertas de desmatamento”, informou a pasta estadual, em nota.
Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium
ANAUS – A Operação Verde Brasil 2, que desde maio de 2020 tem as Forças Armadas atuando na proteção da Amazônia, por meio da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), termina em 30 de abril deste ano, sem sinal de renovação. Com o fim da operação, o impacto sobre o combate ao desmatamento dependerá da capacidade de mobilização dos órgãos efetivamente encarregados da fiscalização ambiental, que têm perdido força com o sistemático desmonte dirigido pelo governo federal.
Sobre a GLO
No Amazonas, maior Estado da Amazônia em extensão territorial, as ações de combate ao desmatamento são executadas por meio de um plano operacional envolvendo a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e a Secretaria Executiva-Adjunta de Planejamento e Gestão Integrada (Seagi) da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP-AM).
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REVISTA CENARIUM
Crédito: Alex Ribeiro | Ag. Pará
POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS
COMPARATIVO Segundo o IBGE, somente o Pará perdeu 118.302 mil quilômetros quadrados de território, enquanto o Mato Grosso registrou redução de 93.906 mil quilômetros quadrados e Rondônia encolheu 38.532 mil quilômetros quadrados de área florestal e campestre. A lista do instituto segue por todos os demais Estados da região: Tocantins (-28.235 mil quilômetros quadrados), Amazonas (-19.648 mil quilômetros quadrados), Maranhão (-18.399 mil quilômetros quadrados), Acre (8.857 mil quilômetros quadrados), Roraima (-6.963 mil quilômetros quadrados) e Amapá (-1.655 mil quilômetros quadrados).
de cobertura vegetal era de 1,45 milhão de quilômetros quadrados, e em 2018 essa área foi de 1,43 milhão de quilômetros quadrados. O Amazonas foi o quarto Estado brasileiro que mais perdeu áreas de vegetação florestal. A pesquisa do instituto tem por objetivo espacializar e contabilizar a cobertura e o uso da terra do território brasileiro, ao longo dos anos. De acordo com o IBGE, a partir dessa análise podem ser feitas comparações entre os anos analisados, e a contabilidade das mudanças nas formas de ocupação do País, permitindo uma ferramenta importante para gestores estaduais e instituições de pesquisa com atuação regional.
PASTAGEM
DO TAMANHO DO JAPÃO
Estados da Amazônia perderam 334 mil quilômetros quadrados de floresta nos últimos 18 anos, diz IBGE
Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium
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ANAUS – Os nove Estados que compõem a Amazônia Legal perderam, nos últimos 18 anos, o total de 334.497 mil quilômetros quadrados de floresta. De acordo com levantamento da CENARIUM, Pará, Mato Grosso e Rondônia lideram o índice divulgado em 17 de março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A perda da vegetação nativa, isto é, de áreas florestais e campestres, pode ser comparada à área total do Japão (377.975 mil quilômetros quadrados), ou ainda, mais que o dobro da Grécia (131.990 mil
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quilômetros quadrados). A comparação foi feita a partir dos dados do Monitoramento da Cobertura e Uso da Terra do órgão, que abrangeu os anos de 2000 a 2018. “As florestas nativas são aquelas que nunca sofreram com as ações do homem. As áreas florestais primária, nativa, assoladas com as ações do homem há 20 anos, ainda se recuperam e são consideradas florestas secundárias. Para se recuperar, o território florestal com características de nativa, são necessários, pelo menos, 40 anos”, salientou o ambientalista Ricardo Ninuma.
O monitoramento diz ainda que as mudanças de uso e cobertura da terra no Pará têm características distintas entre os anos 2000 e 2010, cuja conversão de vegetação florestal para pastagem com manejo foi mais frequente. Entre os anos de 2010 a 2018, predominaram os avanços de mosaicos florestais, caracterizados por ocupação mista de área agrícola, pastagem ou silvicultura. No Amazonas, os dados do IBGE indicam que prevaleceram o avanço de mosaico, ou seja, as plantações, agricultura e reservas naturais de ocupações em áreas florestais sobre áreas de vegetação florestal nos anos da pesquisa.
ANÁLISE Segundo o IBGE, no período entre 2000 e 2018, a área de vegetação florestal teve redução de 19.682 mil quilômetros quadrados, e as áreas de mosaicos florestais e de pastagem com manejo tiveram crescimento, respectivamente, de 13.956 mil quilômetros quadrados e de 5.815 mil quilômetros quadrados. Em 2000, a área
Crédito de Tabela: Guilherme Reis
Dados do IBGE mostra, ainda que área desmatada equivale a mais que o dobro da extensão da Grécia
De acordo com o instituto, a perda da vegetação nativa no Pará se deve, principalmente, à expansão de área de pastagem com manejo, 83,4 mil quilômetros quadrados, cujo incremento foi também o maior no Brasil. Ainda conforme o IBGE, a região apresentava 14% dessas áreas no País, sendo a segunda maior entre os Estados brasileiros.
130 mil Em dezembro de 2020, foram apreendidos 130 mil metros cúbicos de madeira ilegal, em operação da Polícia Federal.
43.700 As 43.700 toras de madeira foram apreendidas no Pará, ao longo dos rios Mamuru e Arapiuns, na fronteira com o Amazonas pelo município de Parintins
ENTRETENIMENTO & CULTURA
Thiago de Mello, 95 anos Especial da REVISTA CENARIUM presta homenagem ao célebre poeta amazonense Jennifer Silva e Márcia Guimarães – Da Revista Cenarium
REVISTA CENARIUM
OS PASSOS DE THIAGO Seguindo os passos do poeta, desci do carro com o ocular nos olhos e o dedo indicador no disparador da câmera fotográfica. Fui seguindo seus passos largos e firmes, com suas pernas sustentando seu corpo magro e esbelto. Passadas de elegância. O poeta cruzou a Avenida Eduardo Ribeiro e a Rua 9 de Julho, no centro histórico de Manaus. Vários foram os cliques, sem que, em nenhum momento, o poeta percebesse. Até que pensei comigo e me perguntei: - O que se passa naquela cabeça com ralos cabelos finos e brancos? Um novo poema? Fiz minha aproximação junto ao poeta, larguei a mão da câmera e segurei em seu ombro. - Onde vais, poeta? Eu gosto muito do teu poema “Faz Escuro, mas eu Canto”. Thiago se assustou, mas, em seguida, estendeu a mão sobre o meu ombro e me perguntou: - Qual o seu nome? Muita sorte para você e muito trabalho companheiro. Faz escuro mas eu canto, porque a manhã vai chegar. Vem ver comigo, companheiro, a cor do mundo mudar. Texto e fotos de Ricardo Oliveira, em 2009.
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ENTRETENIMENTO & CULTURA
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ANAUS – Em comemoração aos 95 anos de vida de Thiago de Mello, um dos maiores escritores brasileiros da atualidade, a REVISTA CENARIUM promoveu uma celebração literária, com uma série de produções assinadas por grandes poetas, ensaístas, contistas e romancistas do Amazonas. O escritor celebrou seu aniversário no dia 30 de março. Zemaria Pinto, Elson Farias, Thiago Roney, Álvaro Lins, Maria do Céu de Mello Mestrinho, Neiza Teixeira e Tenório Telles presenteiam o poeta com o melhor da
REVISTA CENARIUM
As publicações iniciaram no dia 7 de março, com o poeta e ensaísta Zemaria Pinto, autor do texto “Thiago de Mello, 95 anos de notícias e não notícias”, em que destaca passagens da vida do homenageado pouco conhecidas do grande público e lembra momentos importantes da carreira do poeta. “A obra poética de Thiago de Mello é diversa, original e superlativa”, diz Zemaria, em um trecho do texto. O segundo a ter sua homenagem publicada foi o poeta e romancista Elson Farias.
Thiago de Mello é reconhecido como o poeta da “ liberdade e como o grande poeta da Amazônia,
porque, ao longo de seus últimos livros, ele abordou exatamente o significado e a importância da Amazônia” Tenório Telles, poeta e ensaísta. escrita literária em artigos produzidos exclusivamente para a CENARIUM, que estão disponíveis no site www.revistacenarium.com.br.
Sob o título “Thiago de Mello: uma poesia feita de vida e esperança”, Elson traça o perfil da personalidade de Thiago, que transparece ao longo de sua obra.
O contista Thiago Roney, por sua vez, traduziu sua homenagem no texto “O redemoinho da Esperança: a liberdade como vórtice na poesia de Thiago de Mello”, publicado no dia 14 de março. Em suas palavras de celebração, Roney convoca a todos para uma releitura da obra do poeta. “Nesses 95 anos de vida do poeta Thiago de Mello, completados agora em 2021, a melhor homenagem que podemos fazê-lo é reler sua obra. Ler ou reler uma obra é sempre torná-la viva pela luz do presente histórico do leitor, uma vez que o agora sempre é visado por algum passado”, diz Roney, que cita obras como “Faz escuro, mas eu canto”, de 1965, e “A canção do amor armado”, de 1966, destacando os poemas “Os estatutos do homem”, “Madrugada camponesa” e o “Canção do amor armado”. A quarta homenagem veio das letras do crítico literário Álvaro Lins, que em texto publicado um ano após a estreia do livro “Silêncio e palavra”, em 1952, disse: “Metro e ritmo que passam a constituir na formulação do poema, quando composto, uma só realidade ordenada e sonora por intermédio da técnica estilística. Ora, será curioso, além de necessário para a caracterização do autor de “Silêncio e palavra”, observar como o Sr. Thiago de Mello apanha em suas mãos a redondilha maior, o metro por excelência da poesia popular, a fim de aristocratizá-la, de utilizar-se dela com requintes e refinamentos estruturais de expressão artística”. O texto “Silêncio, Palavra e Arte Poética” foi publicado pela CENARIUM no dia 17 de março. Sob o título “Uma palavra de ternura ao meu irmão Thiago de Mello”, a irmã do poeta também teve espaço especial na homenagem. Em um belíssimo texto, Maria do Céu de Mello Mestrinho destaca o impacto da obra de Thiago sobre os leitores e o compara a “um arquiteto que sonha ver o seu desenho transformado em construção”, traçando com as palavras que saem de seu coração e de sua mente um mundo particular, “tudo pintado com a forte cor da esperança, o gosto bom da alegria e a força da amizade, ao cantar a liberdade vislumbrando um mundo melhor, onde reine o amor”.
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No texto, publicado em 21 de março, Maria do Céu ainda dedilha, como em uma canção, 12 títulos dos muitos livros publicados por Thiago, como quem faz uma louvação à importância da obra do poeta e dedica: “Ao Mano, com amor”. “Thiago de Mello, a voz que se alteou nas Amazônias”. Este foi o título escolhido pela filósofa Neiza Teixeira, que, atualmente, é coordenadora editorial da Editora Valer, para homenagear Thiago de Mello. No texto, ela celebra a vida e a voz do escritor. “O poeta que não é somente das Amazônias, mas um dos que altearam de tal forma uma voz amazônica, que, por conta desse evento, ela faz a sua caminhada a todos os recantos do planeta. O poeta universalizou-se, tornou-se essencial”, diz Neiza, em trecho do texto publicado em 24 de março. A homenagem da CENARIUM encerrou-se com o poeta e ensaísta Tenório Telles, que falou sobre “Poesia, vida e esperança”, como assinalou no título de seu texto. “A poesia de Thiago de Mello foi macerada, ao longo de sua existência, com a matéria da vida, sua busca e esperança, e tecida com os múltiplos fios de seu verbo poético”, afirmou Tenório na homenagem ao mais ilustre poeta da Amazônia, publicada no dia 29 de março, véspera do aniversário de 95 anos de Thiago de Mello.
Não tenho um “ caminho novo. O que
eu tenho de novo é um jeito de caminhar”
Exposição Virtual Thiago de Mello também foi homenageado pela Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult), por sua trajetória ao longo de décadas construindo seus textos em defesa das causas sociais e ambientais da Amazônia. A pasta realizou o lançamento da exposição virtual “Vida e Cultura” com as obras do poeta, como os livros “Silêncio e palavra”, “Narciso Cego, “Faz escuro, mas eu canto”, “Manaus, amor e memória”, “A canção do amor armado”. O conteúdo pode ser acessado no site https:// vidaecultura.manaus.am.gov.br/.
Thiago de Mello
SOBRE O POETA Um dos nomes mais respeitados e influentes da Literatura Brasileira, o poeta e tradutor amazonense Amadeu Thiago de Mello é natural de Barreirinha, no interior do Amazonas, e tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas. Em meados das décadas de 1950 e 1960, trabalhou com veículos de comunicação da oposição ao governo Getúlio Vargas, além de servir no Itamaraty como agente diplomático de cultura do Brasil na Bolívia e no Chile. No período da ditadura militar, foi exilado politicamente e abrigou-se no país chileno, onde permaneceu por cerca de dez
anos. No Chile, também acolheu os exilados brasileiros depois do golpe militar de 1964. No final da década de 1970, retornou ao Brasil e seguiu para Barreirinha, “onde sua poesia se revestiu de uma preocupação com a natureza”, nas palavras de Tenório Telles. “Thiago de Mello é reconhecido como o poeta da liberdade e como o grande poeta da Amazônia, porque, ao longo de seus últimos livros, abordou exatamente o significado e a importância da Amazônia. Antes de começar esse movimento em favor da natureza, nos anos 1970, Thiago já defendia esses temas, sobretudo, a preservação da Floresta Amazônica”, afirma Telles. 65
ARTIGO – TENÓRIO TELLES
REVISTA CENARIUM
o que em nós hoje é palavra
Na suavidade da treva
no povo vai ser ação.
urde o resplendor da rosa. (...)
Crédito: Divulgação
Poesia, vida e esperança Tenório Telles*
A poesia é uma forma de negação desses sentimentos e atitudes que embaçam a existência. Num de seus poemas mais emblemáticos, “A verdade”, do livro “Poesia comprometida com a minha e a tua vida” (1975), o autor expressa um aspecto pouco discutido de sua obra: o conteúdo filosófico de sua lírica – em que associa o verdadeiro a uma luz sufocada pela escuridão – porém, aquele que a encontra tem seu existir iluminado e a realidade se transfigura epifânica e transparente à sua percepção e compreensão interior: A verdade é a luz pequena ardendo na escuridão. Da terra, ela nasce e cresce
A
arte não é um fenômeno alheio à vida, aos anseios humanos e aos sonhos que movem os artistas na criação de suas obras. Todo objeto criativo nasce da relação tensiva, contraditória e misteriosa dos criadores com o mundo e seus paradoxos. Nossas experiências, nosso aprendizado e os frutos do nosso imaginário se consubstanciam dentro da vida e dela brotam como uma fonte inesgotável de vivências e sabedoria.
É apenas um pássaro.
A poesia de Thiago de Mello foi macerada, ao longo de sua existência, com a matéria da vida, sua busca e esperança, e tecida com os múltiplos fios de seu verbo poético – matizado de cores, cheiros, formas e sentidos que o eu lírico foi apreendendo ao longo de seu itinerário existencial. Enraizado na realidade, é o viver que enseja todo o processo artístico.
no justo momento
Thiago de Mello, no poema “O pássaro louco”, de seu livro de estreia, “Silêncio e palavra” (1951), reflete sobre o poeta e sua capacidade de apreensão dos mistérios do mundo [prefigurado no pássaro] e seu engenho criativo, a poesia – deixando claro que o que importa, afinal de contas, não é a aparência das coisas, a “plumagem”, seu aspecto formal, mas seu estado de ser, sua interioridade e sua forma de olhar o real, singular e profunda – “o efêmero pouso / fincado no azul”. 66
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De adornos sucintos e pobre plumagem. No entanto, rejeita o pouso mais rútilo
pequena pérola poética, em que enuncia o mistério do nascimento de uma flor e seu existir pleno e fugaz: Vi quando a rosa se abriu.
de toda a paisagem
Como a eternidade
que o mundo lhe oferta.
pode ser tão fugaz.
(...) Somente alça o voo – e súbito canta! –: é quando vislumbra o efêmero pouso fincado no azul. Elevar-se acima da vida ordinária, transcendê-la e decifrar-lhe a face – eis o momento revelador que os poetas, os profetas e os santos vivem em sua procura solitária, comumente incompreendidos: são lavradores desses desertos em que se transformou nosso viver – e a própria vida. Thiago sabia desse fundamento oculto que entranha o verbo e que o potencializa, como uma pequena semente que traz em si, em seu âmago irrevelado, a árvore com suas folhas, frutos e sabores. E ele o revela num de seus “Tercetos de amor”, da obra “Num campo de margaridas” (1986) –
Como a vida assume formas novas e se imbrica em caminhos tão diversos, a poesia de Thiago de Mello assumiu configurações particulares ao longo do tempo – se metamorfoseando e incorporando temas e espelhando a face multifacetada da realidade. Não foi indiferente às dores e injustiças do mundo, como deixa claro em “Quando a verdade for flama”, do livro “Mormaço na floresta” (1981): As colunas da injustiça sei que só vão desabar
de vida, na tua mão. (...) Ninguém a vê. De repente, é um sol imenso no peito da multidão: é a verdade no centro do seu poder. A poesia de Thiago de Mello é uma declaração de amor à vida, uma afirmação de seus compromissos com o ser humano, com a liberdade e a mudança. Toda a sua jornada, com seus percalços, seus desencontros e suas fraquezas, é apenas uma afirmação de sua humanidade e da força que o moveu ao longo de seu percurso lírico-existencial. No poema “Silêncio e palavra”, da obra homônima, o sujeito criador evoca um testemunho dessa história que começou nas margens do Paraná do Ramos, em Barreirinha, e se espraiou pelo mundo, levada pelos ventos da sua jornada e suas circunstâncias:
quando o meu povo, sabendo que existe, souber achar
A couraça das palavras
dentro da vida, o caminho
protege nosso silêncio
que leva à libertação.
e esconde aquilo que somos.
(...)
(...)
Quando a verdade for flama
O tempo madura a fruta,
nos olhos da multidão,
turva o fulgor da esperança.
Chegará quem sabe o dia em que a oferenda dos deuses dada em forma de silêncio, em palavra transfaremos. A vida de Thiago de Mello é afirmativa desses desígnios da sorte ou do destino: nascido em Barreirinha, a 30 de março de 1926, ainda menino estabeleceu-se com a família em Manaus, onde aprendeu as primeiras letras e pôde frequentar a escola e, sob a orientação das professoras Clotilde Pinheiro e dona Aurélia, aprendeu a mágica das palavras e da poesia, como ele reconheceu publicamente: “Estudei no grupo escolar José Paranaguá, onde, e graças a particularmente duas professoras, a dona Clotilde Pinheiro e a dona Aurélia do Rego Barros, eu descobri que o homem era capaz de criar a beleza. Eu, aos 9 anos de idade, já tinha lido os poemas de Casimiro de Abreu...”. Quando o poeta partiu para o Rio de Janeiro, após a conclusão dos estudos secundários, para estudar medicina, já levava no peito a chama da inquietação e a consciência de que o verbo é uma caixa de segredos que se se transfigura em linguagem alada pela engenhosidade do artífice da palavra, como testemunha: “Eu fui capaz de uma coisa muito importante para minha vida, antes de qualquer influência literária. Passava para o quinto ano de medicina, quando decidi enfrentar a sério a opção que se colocava dentro de mim, desde o segundo ano, entre a literatura e a ciência. Eu optei pela literatura, o que entristeceu muito meu pai”. Foi dessa forma, tendo que fazer escolhas e tomar decisões, que se fez poeta e ardoroso defensor da liberdade, da esperança e da crença nas possibilidades de construção de um mundo menos injusto, temas recorrentes em sua obra. Essa crença o levou para o exílio na Europa, após o golpe militar de 1964, de onde retornou no final dos anos 1970, passando a residir em Barreirinha, numa espécie de reencontro com o passado e suas origens.
A infância – porto originário, para onde sempre voltamos. O poeta chega aos 95 anos de sua vida. Sua poesia é seu tributo e também seu legado à sua terra e sua gente. A celebração de mais uma primavera, com as cores de outono, é uma dádiva merecida pela sua história, coragem e por ter se mantido fiel a si, suas crenças, valores e amor pela humanidade, como declara no poema “Os estatutos do homem”, enfeixado em “Faz escuro/ mas eu canto”: Art. I Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida, e que de mãos dadas, trabalharemos todos pela vida verdadeira. (...) Art. VIII Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor. (...) Parágrafo Único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor. Thiago de Mello cumpriu como poucos sua vida e seu ofício como mestre das palavras. Como dizia o apóstolo Paulo – “Combati o bom combate... guardei a fé” –, assim também se deu com esse filho da Amazônia: consagrou-se à palavra poética, à causa da solidariedade humana, o amor ao próximo e à beleza. Hoje, colhe os frutos do reconhecimento pelo seu exemplo de dedicação ao próximo e ao seu ofício criativo. As celebrações pela passagem de seu aniversário, nessa homenagem que lhe presta a cidade de Manaus, são mais que um reconhecimento – constituem uma dádiva pela sua história e pela sua obra, tecida com os fios luminosos da verdade, da coragem, humanidade e esperança. (*) Tenório Telles é poeta e ensaísta. 67
DIVERSIDADE
REVISTA CENARIUM
Guerreiras da ancestralidade Mulheres de descendência indígena mostram a luta feminina diária e dizem o que é ser mulher na Amazônia Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
Em uma conversa especial com a REVISTA CENARIUM sobre qual é o significado de ser amazônida para as mulheres com descendência indígena, Carina, do povo Desana, etnia mais comum ao longo do Alto e Médio Rio Negro, divide uma pequena parte do cotidiano das mulheres do local, que percorreram um longo caminho até chegarem à conscientização do combate a toda e qualquer desigualdade de gênero em diversos âmbitos sociais. “A mulher indígena que vive em sociedade, atualmente, também quer ocupar cargos, alcançar níveis e escolaridade, para obter o respeito e o espaço. Se posicionar, ter coragem e dizer de onde viemos pode ser difícil, mas, quando a ancestralidade pousa em nosso peito, refletimos a nossa história entre gerações”, pontua Carina.
OCUPAÇÃO HISTÓRICA E CONQUISTAS Moradora do município de Novo Airão, distante 115 quilômetros de Manaus, a 68
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bisneta de seringueira, neta de piaçabeira e filha de professora e artesã, entende que é importante relembrar vitórias e batalhas do universo feminino. “A cada trajetória de resistência e ocupações de mulheres guerreiras na minha família há uma jornada sagrada, seja de minha bisavó Idalina, minha avó Laura ou minha, Carina”, explica. Para Carina, uma das principais conquistas das jovens Desana de Novo Airão é a educação. Ela faz parte do Projeto Pira-Yawara, um programa de formação de professores indígenas no Amazonas, que leva conhecimento às comunidades. Recentemente, professoras indígenas conquistaram duas escolas voltadas para Novo Airão, bem como a Organização de Professores Indígenas, que tem por objetivo priorizar a educação da comunidade. “Para mim, essa é uma das conquistas mais lindas das mulheres atuantes em nossa comunidade e tem que ser comemorada todos os dias. Pois representa bem a união da força feminina em prol de uma conquista coletiva”, defende a indígena Desana.
ALCANÇANDO SONHOS E ANSEIOS O artesanato, por hora, é a principal atividade e fonte de renda das mulheres da comunidade indígena de Novo Airão. A arte de criar peças únicas com as mãos é
ensinada de mãe para filha, e vista com vaidade e orgulho por suas criadoras. Antes de enveredarem nos caminhos do conhecimento, as mulheres artesãs abriram portas para o empreendedorismo local, incentivando outras mulheres (donas de casa e ribeirinhas) a terem coragem para também investirem no mundo das artes. Elas são exemplos de mulheres que compõem a linha de frente daquelas que apostam em novas possibilidades e servem de inspiração e encorajamento para as irmãs de luta e de vida. Quando questionada sobre seus anseios como mulher indígena e cidadã, Carina é enfática: “Minha maior vontade agora, assim como eu creio que foi também lá no passado, é concretizar o significado da palavra respeito. Com todas as mulheres, mas, principalmente, para com as mulheres indígenas, com seu corpo, pintura, seu grafismo, seu povo. Pois nascemos de uma mulher indígena, ela concebeu o Brasil, o povo que aqui existe”, enfatiza. Carina aproveita para deixar um recado: “Continuem lutando, seja onde for e não desistam dos sonhos, de mostrarem suas identidades e suas culturas, de irem às ruas quando preciso for, pois somos guerreiras da ancestralidade. Eu sei que ainda há muito para conquistar, mas celebremos todas, cada uma a sua realidade, cada conquista é uma vitória. Viva nós! Viva as mulheres!”, finaliza.
A mulher “ indígena que vive
Carina Souza, à direita, entende o quanto é importante relembrar vitórias e batalhas do universo feminino
Crédito: Divulgação Acervo Pessoal
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ANAUS – “Nós mulheres, somos água, banzeiro e correnteza. Somos as margens do rio, que, às vezes, seca e enche. Assim como nós que também mudamos e enfrentamos com coragem todos os medos para reafirmar nossa importância e quem somos diante da sociedade. Mulheres de todos os rios, de todas as lutas, mulheres com histórias”, expõe a indígena Carina Souza, de 27 anos, sobre o que é ser mulher na Amazônia.
em sociedade, atualmente, também quer ocupar cargos, alcançar níveis e escolaridade, para obter o respeito e o espaço” Carina Souza, artesã Desana.
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ARTIGO – DANIEL PINHEIRO VIEGAS
Crédito: Ricardo Oliveira
A natureza como um campo de batalha Daniel Pinheiro Viegas*
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título deste é artigo é uma referência à obra de mesmo nome de Razmig Keucheyan, publicada em 2014, mas ainda sem tradução para o português, que oferece uma reflexão acerca da retórica ambientalista do “pacto ambiental”, contido nos apelos pela preservação do meio ambiente por estarmos na mesma “nave” Terra e que os efeitos desse processo atingiriam a todos, indistintamente. Mas, esse clamor por um “pacto” seria possível? Para responder a esta questão é necessário estar atento para o fato de que as mudanças climáticas já são contemporâneas e alguns países e seus governos têm feito escolhas de enfrentamento cada vez mais distantes de um utópico acordo humanitário para salvar o planeta. O aumento da amplitude térmica e a maior ocorrência de secas e inundações são exemplos concretos de danos naturais que, aparentemente, atacariam a todos, mas nem todos estão vulneráveis aos seus efeitos, o que faz com que esses danos não sejam vivenciados de maneira igual, sendo muito mais agudos aos pequenos agricultores, às comunidades rurais e aos povos tradicionais. Isso não é um dado distante da nossa realidade, como alertaram Bruno Carvalho e Carlos Nobre no artigo Fire and Drought, publicado em outubro passado no The New York Times, as pesquisas indicam um aumento de 1.5º C na bacia amazônica, com secas extremas cada vez
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mais frequentes e duradouras, como nos anos de 2005, 2010 e 2015-16, as piores num ciclo de cem anos. Essa instabilidade não passa despercebida ao mercado de capitais, que intensificou suas observações sobre o meio ambiente e seus acontecimentos catastróficos, passando a delinear grandes oportunidades de negócios, através da classificação dessas catástrofes como técnicas ou naturais, com indicadores de riscos para investidores, orientando, principalmente, operações de securitização de grandes conglomerados empresariais. Um exemplo é o Swiss Re Institute que utiliza o conhecimento de risco da resseguradora Swiss Re para produzir pesquisas e relatórios anuais, publicados há 52 anos na revista Sigma, referente à amplitude de danos humanos e materiais provocados por catástrofes técnicas, a exemplo da Primavera Árabe, ou naturais, como o Furacão Katrina, destinado ao que ela própria denomina de “mercado mundial de resseguros e catástrofes naturais”. Observe que para esses grandes projetos econômicos privados a insegurança ambiental é reduzida, não havendo investimento sem que haja securitização de cada centavo. De outro lado, as vítimas imediatas desse insustentável desequilíbrio, os médios e pequenos agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais, que, além do duro golpe às suas atividades produtivas, não contam com um
sistema robusto de seguros e garantia de preços, ainda têm de enfrentar a ausência de uma ação eficiente na regularização fundiária e no reconhecimento territorial, que os permita acessar políticas públicas fundamentais, que vão desde a prestação de serviços básicos de saúde, educação e previdência, até a implementação de programas de serviços ambientais, como crédito de carbono, concessão florestal, recursos hídricos, valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico e uso do solo. Difícil falar em “pacto”, quando não há isonomia para o enfrentamento aos danos advindos das mudanças climáticas. Aqui, qualquer semelhança com o que testemunhamos com a Covid-19 não é mera coincidência. Por isso, o debate que deve anteceder a ideia conciliatória transcende ao meramente ambiental e refere-se à implementação de políticas públicas que contenham reconhecimento cultural contra representações públicas estereotipadas, redistribuição material com regularização fundiária e apoio econômico dos poderes públicos, e representação com garantia da participação e do controle social, como pensada por Fraser (2009, 2021). (*) Daniel Pinheiro Viegas é advogado, procurador do Estado do Amazonas e doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
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