Revista Cenarium – Ed. 32 - Fevereiro/2023

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FALHAMOS

Flagelo dos Yanomami é tragédia anunciada que aponta para falhas do governo federal, Governo de Roraima, órgãos de controle, Judiciário, polícia e sociedade civil

ISSN 2764 8206 782764 9 820605 032
FEVEREIRO DE 2023 • ANO 04 • Nº 32 • R$ 15,99

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Extinção civilizatória

“Os brancos acham que deveríamos imitá-los em tudo. Mas, não é o que queremos. Eu aprendi a conhecer seus costumes desde a minha infância e falo um pouco a sua língua. Mas, não quero, de modo algum, ser um deles. Sei também que se formos viver em suas cidades, seremos infelizes. Então, eles acabarão com a floresta e nunca mais deixarão nenhum lugar onde possamos viver longe deles”.

Trecho do livro “A Queda do Céu: palavra de um xamã Yanomami” (2010) traz o relato de um dos maiores porta-vozes do povo Yanomami, David Kopenawa, com uma reflexão sobre o abandono dos povos originários, agravado no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), fazendo-nos entender o óbvio: a destruição da floresta não destrói só os indígenas, mas a todos nós.

Vítimas do garimpo ilegal, os Yanomami, de Roraima, passaram a ter espaço na mídia nacional e internacional após a exposição de fotos e vídeos de crianças desnutridas e desidratadas, resultado da omissão criminosa do ex-presidente Bolsonaro e do próprio governador do Estado, Antonio Denarium (PP), uma tragédia étnica anunciada, que foi capa da REVISTA CENARIUM em junho de 2021, voltando a ser tema especial desta edição.

A culpa de cada um

Corpos esqueléticos de crianças e idosos Yanomami fotografados no início deste ano chocaram a todos que têm um mínimo de sensibilidade. Mas, não se pode dizer que é novidade a tragédia da fome e doenças que fragilizou esses indígenas. Donos de terras ricas em ouro e madeiras nobres, há décadas “o povo que segura o céu”, como diz seu xamã Davi Kopenawa, sofre sucessivos ataques que lhes desejam o extermínio. Há anos, as lideranças gritam socorro e denunciam: “há um plano de genocídio em curso”. Mas, se ninguém os ouve, qual é a culpa de cada um de nós para que chegássemos em 2023 nesse estado de penúria? É sobre as respostas a esta pergunta que se debruça a matéria de capa da REVISTA CENARIUM deste mês.

Ao longo da reportagem especial “Falhamos”, esta edição traz relatos da calamidade vivida na Terra Indígena e os últimos acontecimentos da crise humanitária dos Yanomami, além de entrevistas com pensadores indígenas, como Ailton Krenak, e pesquisadores como Carlos Nobre, referência internacional em estudos sobre a Amazônia. O objetivo é refletir sobre onde estão as falhas do Estado Brasileiro e de toda a sociedade civil. Apresenta-se também o retrato histórico da filosofia governamental de eliminação dos povos originários.

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Entre a responsabilidade dos governantes e dos agentes fiscalizadores, há a responsabilização da sociedade, que, também, foi e vem sendo omissa na cobrança por resultados efetivos nas ações de proteção ao povo Yanomami e a todos os povos originários. Além de exigir providências do presidente atual, é preciso entender o que fez os brasileiros regredirem em humanidade a ponto de votarem em governantes que defendem a extinção dos povos originários (Bolsonaro) e os que querem a aculturação destes (Denarium).

Está na hora de passarmos a confrontar os cidadãos que têm afinidade com esses tipos de governantes. A ignorância deles é, também, de responsabilidade de quem não os segue, é culpa de toda uma sociedade que permite a sobrevivência de representantes com narrativa genocidas. Esses, mesmo se nascessem de novo, jamais compreenderiam uma linha do que escrevem homens como David Kopenawa, cuja civilidade e compreensão de mundo não se vê em nenhum deles.

A reportagem ressalta ainda as diversas formas de extermínio de um povo, que, além da morte do corpo físico, passam pelo assassinato de sua dignidade, de sua humanidade. Dos Yanomami lhes foi tirado o meio de vida, a fonte de alimento, a chance de defesa contra doenças. E, como se tudo já não fosse suficientemente doloroso, para tentar sobreviver, ainda precisam deixar o único lar que conhecem, apavorados, sem saber ao certo aonde estão indo, pois somente assim podem ter atendimento médico. Alguns acabam jogados às sarjetas da cidade, sem ter como voltar ao seu território.

O flagelo Yanomami é um ‘tapa na cara’ de todos nós que, sabendo do que se passava, nada ou pouco fizemos. É também a janela de responsabilização de todas as esferas de poder que tinham e têm a obrigação de proteger. Resta saber, se como diz Krenak, “a reação súbita do aparelho do Estado brasileiro”, não será “só um efeito reflexo, igual quando você bate no joelho de alguém e ele quica”.

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é uma ótima fonte de informação sobre a realidade amazonense. Um importante veículo para expor, investigar, denunciar fatos que comprometem a riqueza dos povos originários da Região Norte que tanto representam a ancestralidade do nosso País e a formação ética, étnica, social e cultural dos brasileiros. Vida longa à CENARIUM AMAZÔNIA!

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Gostei da leitura. Parabéns pela publicação! Uma sugestão talvez seria investir também no jornalismo de soluções. Fui até Manaus justamente para falar sobre essa nova abordagem jornalística e divulgar o meu livro, que é o primeiro a tratar sobre o tema no Brasil.

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Longe das fake news e na contramão do sistema excludente, a REVISTA CENARIUM ousa em tratar sempre os assuntos mais polêmicos que envolvem nossa sociedade. Parabéns a todos que produzem a revista.

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A REVISTA CENARIUM entregou um ótimo conteúdo nessa edição anterior. Há matérias que exercitam o lado crítico do leitor, como é o caso da “De Dom e Bruno a Chico Mendes”, e outras com poder informativo que deixam a gente querendo saber mais sobre assuntos científicos. Uma revista muito informativa e bem pensada, com seções interessantes e imagens que causam impacto. Adorei!

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Eu ainda não havia conhecido nenhuma revista local e, quando conheci a REVISTA CENARIUM, fiquei encantando pelo conteúdo e pelo viés investigativo. Espero que todos possam conhecer.

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Eu me sinto segura lendo a CENARIUM. Não ficam dúvidas se a informação é verdadeira, imagino que traga satisfação a qualquer leitor. O conteúdo atual e extremamente relevante para a sociedade, com pautas ambientais e sociais da Amazônia para o Brasil. Com toda a certeza, as pessoas precisam saber o que acontece na maior floresta do mundo.

Rosana de Castro Vilhena - RO

�� MANDE SUA MENSAGEM �� E-mail: cartadoleitor@revistacenarium.com.br | WhatsApp: (92) 98564-1573 Sumário Fevereiro de 2023 • Ano 04 • Nº 32 44 18 62
Leitor&Leitora
Crédito: Acervo Pessoal Crédito: Ricardo Oliveira Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação ► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE Amazônia em destruição 08 Acre reduz queimadas 10 ► ARTIGO – IRAILDES CALDAS A morte dos Yanomami e a dor do mundo ................... 11 ► CENARIUM+CIÊNCIA Gigantes centenárias 12 UEA: estudo avalia saúde das águas 14 ► PODER & INSTITUIÇÕES FALHAMOS Crise Humanitária e de Consciência 18 ‘Será que falhamos em tudo?’ 22 Investigação de genocídio 26 Crianças fragilizadas........................................................ 28 ‘Atrasamos o Brasil em 50 anos’ ..................................... 30 Atenção à saúde 31 Desamparo na cidade 33 Cultura de ódio 36 Urbanizar e Humanizar .................................................. 38 Celeridade na análise das contas 40 ► ECONOMIA & SOCIEDADE Terrorismo ‘verde e amarelo’ 42 Acre: saneamento precário 44 Negócios com ‘hermanos’ 46 Ranking de gestão 50 Endividados ..................................................................... 52 ► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS Bruno e Dom: ‘Colômbia’ foi o mandante, diz PF 54 ► ARTIGO – ANDERSON F. FONSECA Índios 56 ► ENTRETENIMENTO & CULTURA ‘Entre as estrelas’ 58 ‘Curumim’ faz 40 anos 60 Uma jornada espiritual 62 ► VIAGEM & TURISMO Manaus gastronômica ..................................................... 64 ► DIVERSIDADE Visibilidade Trans 66 ► ARTIGO – ROSANE GARCIA Promessa cumprida. Desprezo mortal 68

nosso patrimônio florestal”, ressalta a pesquisadora do Imazon, Bianca Santos.

“Só no último ano, perdemos mais de 3 mil campos de futebol por dia de floresta, na Amazônia. Perdemos áreas para grileiros, garimpo ilegal, madeireiros e muitos outros. São áreas mais difíceis de se recuperar, que representam não só biomassa e estoques de carbono perdidos, mas, também, território indígena e de comunidades tradicionais, áreas de preservação ambiental, mata ciliar, biodiversidade e a possibilidade de incentivo da bioeconomia nessas áreas”, lamenta Santos.

2022 AVASSALADOR

em desmatamento em 2022: Apuí, com 586 quilômetros quadrados.

“Se nada for feito, o cenário para 2023 será de tendência de aumento do desmatamento com base nos dados da PrevisIA”, alerta Carlos Souza Jr., citando a assertividade de 80% da plataforma de Inteligência Artificial do Imazon, que estima uma destruição superior a 11.800 quilômetros quadrados até o fim deste ano, caso o desmatamento continue no ritmo atual: área que corresponde a dez vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro.

Desmatamento de dezembro foi o pior desde 2008, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia

Amazônia em destruição

Bioma perdeu área equivalente a sete capitais, nos últimos quatro anos; desmatamento de 2022 foi o pior em 15 anos

Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mapeou o tamanho do estrago que se alastrou pelo bioma em todo o ano de 2022. O resultado é alarmante: só nos últimos quatro anos, a floresta perdeu mais de 35 mil quilômetros quadrados, uma área maior que a soma de sete das nove capitais da região. É como se Belém, Boa Vista, Rio Branco, Cuiabá, Palmas, Macapá e São Luís tivessem sido retiradas do mapa.

Igualmente grave foi o desmatamento acumulado durante o ano passado. Com quase 11 mil quilômetros quadrados derrubados, o Imazon constatou que a perda de floresta estimada em cerca de 3 mil campos de futebol por dia, entre janeiro e novembro, manteve-se até o último dia do ano.

Foi o quinto recorde anual consecutivo no desmatamento e o pior em 15 anos, desde quando o instituto passou a

monitorar a Amazônia com imagens de satélite, em 2008.

Só no último mês de dezembro, a floresta perdeu 287 quilômetros quadrados de mata, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon. O equivalente a um aumento de 105% comparado a dezembro de 2021, quando foram devastados 140 quilômetros quadrados.

Na avaliação do coordenador de Pesquisa do Instituto, Carlos Souza Jr., o motivo para o novo recorde foi bem evidente: “Uma corrida desenfreada para desmatar a Amazônia enquanto a porteira estava aberta para a boiada, para a especulação fundiária, garimpos ilegais e o desmatamento dentro de Terras Indígenas e Unidades de Conservação”.

“Isso mostra o tamanho do desafio para o novo governo, que precisa agir rapidamente para reduzir o processo de

destruição da Amazônia que acelerou nos últimos quatro anos”, ressalta Souza Jr.

‘LIBEROU GERAL’

A devastação aumentou 150%, nos últimos quatro anos, refletindo a falta de ações coordenadas para coibir o desmatamento e o desmonte de órgãos federais que deveriam atuar para impedir o aumento da destruição no bioma.

Entre 2015 e 2018, quadriênio anterior, o desmatamento foi um pouco maior que 14 mil quilômetros quadrados.

Para se ter uma ideia, um estudo do MapBiomas, divulgado ano passado, apontou que, nos últimos quatro anos, foram fiscalizados apenas 2% dos quase 200 mil alertas de desmatamento.

“Os números registrados nos últimos anos mostram como não fomos capazes de atuar com eficiência para proteger o

Quando o recorte é feito por Estado, Pará, Amazonas e Mato Grosso seguem liderando os índices de desmatamento na Amazônia, com quase 80% da destruição registrada em 2022, que teve o pior dezembro, desde 2008. Juntos, os Estados concentraram 8.053 quilômetros quadrados derrubados, mantendo a tendência iniciada em 2019.

Amazonas e Mato Grosso foram os únicos que tiveram aumento na destruição em relação a 2021, segundo o Imazon. O caso mais grave é o Amazonas, onde a devastação cresceu 24%. No Estado, a derrubada vem avançando, principalmente, na divisa com o Acre e Rondônia, na região conhecida como “Amacro”, aponta o Instituto, onde está localizado o município campeão

“Os dados da PrevisIA podem ser usados para priorizar áreas críticas e evitar novos desmatamentos. É possível, também, usar essas informações sobre áreas críticas com alto risco de desmatamento para criar áreas protegidas, evitando, assim, futuras derrubadas de floresta e a apropriação de terras públicas não destinadas”, destaca o coordenador de pesquisa. “É mais barato prevenir do que remediar com ações de comando e controle”, acrescenta o especialista.

Segundo a pesquisadora Bianca Santos, a expectativa do time de especialistas do Imazon é de que o atual recorde de desmatamento tenha sido o último reportado pelo instituto, “já que o novo governo tem prometido dar prioridade à proteção na Amazônia”.

“Mas, para que isso aconteça de fato”, pondera Santos, “é preciso que a gestão

Desmatamento anual na Amazônia de janeiro a dezembro (km²)

Coordenador de Pesquisa do Imazon, Carlos Souza Jr. sugere que a PrevisIA, sistema de Inteligência Artificial do instituto, seja utilizada como ferramenta aliada à proteção ambiental, em 2023

busque a máxima efetividade nas medidas de combate à devastação que já foram anunciadas, como a volta da demarcação de Terras Indígenas, a reestruturação dos órgãos de fiscalização e o incentivo à geração de renda com a floresta em pé. Para isso, é prioritário o estabelecimento de um plano integrado junto aos governos estaduais e outras instituições parceiras para o combate ao desmatamento”, finaliza a pesquisadora.

Queda em janeiro

BRASÍLIA (DF) – A Amazônia perdeu 99 quilômetros quadrados de floresta em janeiro deste ano, segundo dados do Deter, sistema de alertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), publicados em 27 de janeiro. Atualizados até o dia 20, os números ainda devem aumentar quando for contabilizado o mês inteiro, mas estão bem abaixo dos 430 quilômetros quadrados registrados em janeiro do ano passado.

O número, até o momento, é o terceiro mais baixo para o mês da série histórica recente do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), iniciada em 2015. Fica acima de 2017, que registrou 58,2 quilômetros quadrados, e de 2021, com 82,8 quilômetros quadrados de floresta derrubados.

(*) Com informações da Folhapress.

2008 2259 1887 1488 1415 1769 2995 3098 3641 2607 5078 6200 8058 10362 10573 1144 11000 10000 9000 8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 2009
Fonte: Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon (SAD) 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022
Crédito: Reprodução Imazon
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Crédito: Ricardo Oliveira

A morte dos Yanomami e a dor do mundo

Iraildes Caldas

Pensar a condição humana dos Yanomami na Amazônia supõe, como diretriz reflexiva, discutir processos de exclusão e desumanização que promovem morte em forma de barbárie.

A realidade é aterrorizante e, embora os Yanomami não gostem de posar para fotos (porque ao deixarem este mundo tudo tem que ir junto com eles), acabaram autorizando suas imagens para mostrar o estado de abandono e crueldade do governo brasileiro nos últimos quatro anos.

Acre reduz queimadas

Na primeira semana do ano, Estado registrou número menor de focos de calor quando comparado com o mesmo período de 2022

MANAUS (AM) – Entre os dias 1° e 6 de janeiro deste ano, o Acre registrou apenas um foco de queimada na região, uma média de 88% a menos que no mesmo período do ano passado, quando o Estado chegou a registrar a marca de nove focos. Os dados são do boletim diário do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), voltado para o monitoramento da degradação (desmatamento e queimada) da Amazônia.

Em contrapartida, em índices gerais, o alerta para o desmatamento alcança altos índices na Amazônia. De agosto a dezembro de 2022, por exemplo, as áreas sob alerta chegaram a 4.793 quilômetros quadrados. Um aumento de 54%, se comparado com o ano de 2021 no mesmo período.

NOVEMBRO DE QUEIMADAS

Somente nos dez primeiros dias do mês de novembro de 2022, o Acre apresentou um número de queimadas 22 vezes maior que a média registrada no mesmo período, nos últimos 10 anos, segundo o Inpe, sob análise do Fundo Mundial para a Natureza WWF Brasil.

À ocasião, o fundo mundial apontou que os números subiram de 40 focos para 882, em 2021. Mesmo antes de completar os dez primeiros dias de novembro, o Estado acriano já alcançava mais de 700 focos de queimadas, somente nos oito primeiros dias daquele mês, quando foi considerado o pior novembro de queimadas dos últimos 24 anos.

Ainda no mês de novembro, Estados como Amazonas, Acre e Rondônia regis-

700

De 1º a 8 de novembro de 2022, o Acre registrava 700 focos de queimadas. Nos primeiros 6 dias de janeiro de 2023, registrou apenas 1 foco.

traram 3.332 focos de calor somente nos 16 primeiros dias do mês, conforme os dados divulgados pelo satélite do Inpe. Em 2021, foram 253 incêndios nos três Estados, ou seja, o ano seguinte sofreu um aumento de 1.216%, comparado ao mesmo período.

São 570 crianças que não sobreviveram à estupidez de um sistema mortífero que abriu as porteiras da Amazônia para a extração de minérios, deixando rios poluídos, águas envenenadas, pesca ilegal, territórios desprotegidos, total abandono e exclusão social destes indígenas.

O governo de Jair Bolsonaro assumiu uma face perversa em relação aos povos indígenas, mantendo-os na invisibilidade dos direitos e das políticas indigenistas.

No Brasil, os povos indígenas foram declarados cidadãos com base no critério estabelecido pelo Estado brasileiro do Jus Solis – ou seja, quem nasce no Brasil é brasileiro. Por um dispositivo legal, os povos indígenas foram decretados brasileiros à revelia deles e de suas especificidades.

Eles são diferentes e querem ser tratados de forma diferenciada, reivindicando, inclusive, governo próprio. Trata-se de uma designação que não expressa o sentimento de pertencimento que constitui uma comunidade Nacional, ou mesmo de ligação a um Estado.

O não reconhecimento dos indígenas como seus compatriotas, seus “iguais”, por parte da sociedade brasileira e do próprio Estado, é comprovado no massacre e vilipêndio que se impuseram na história em sucessivos processos genocidas, desde o período da conquista.

O Holocausto dos judeus bateu, de longe, o genocídio indígena na América.

São processos de extermínio baseados na ideia de raça inferior, criaturas sem cognição e com baixa estatura moral. “Os brancos se dizem inteligentes. Não o somos menos. Nossos pensamentos se expandem em todas as direções e nossas palavras são antigas e muitas”, diz Davi Kopenawa. No discurso oficial, os indígenas não aparecem como sujeitos de direitos, mas como seres que carecem da “ajuda” governamental. Está em causa a política da tutela, da menoridade indígena, a invisibilidade étnica, que, historicamente, puseram os indígenas no subsolo dos direitos e fora da noção de cidadania.

Mas, os indígenas não são indivíduos ingênuos e depositários dos interesses políticos de forma passiva. Eles se organizaram em movimentos de resistência, sendo o direito à terra e o respeito às diferenças suas principais bandeiras de luta.

Há uma diferença entre cidadania e nacionalidade no que diz respeito ao estabelecimento de relações. Enquanto a cidadania se expressa numa relação política da sociedade civil com o Estado (um conceito associado à ideia de Estado Moderno), a nacionalidade está estritamente relacionada ao conceito de nação, que nem sempre coincide com o de Estado no âmbito nacional.

O Estado brasileiro é marcado pelos ideais liberais que nortearam a suposta igualdade e homogeneização das raças. A diferença é vista como uma ameaça à identidade nacional. A solução encontrada tem sido a diluição da noção de diferença na noção de igualdade civil, por meio do discurso da cidadania.

O pacto da cidadania jamais representou equidade e igualdade cívica. A cidadania nunca foi desfrutada pelos indígenas apesar de ter sido reivindicada historicamente por eles, permanecendo a diferença, uma excrescência, sem reconhecimento.

Os povos indígenas possuem modos próprios de ser e estar no mundo e, com

mais de quinhentos anos de contato, o Estado brasileiro ainda não aprendeu a lidar com a diferença.

As políticas integracionistas e homogeneizadoras constituíram-se num desserviço às comunidades indígenas, na medida em que promoveram a expansão do capital com a entrada de alimentos industrializados e a implementação dos grandes projetos amazônicos de desenvolvimento regional. São processos que atingem violentamente essas comunidades com o desmatamento, o garimpo ilegal, a pesca predatória e a escalada do agronegócio. A morte dos Yanomami é uma crueldade que banaliza a vida. Perde-se a dimensão de continuidade da vida, sufoca a cultura, cala-se o mito.

Muitos adultos, homens e mulheres que eram guardiães de sua cultura, se foram. O velho indígena é o amigo da sabedoria, aquele que viveu muitas luas, fumou muitos cachimbos, exalou o pariká, fez muitas pescarias. É o senhor da floresta, das montanhas sagradas, dos sagrados rios, em cuja experiência construiu os pilares de sua etnia. É o ser que habita a casa do mundo e que foi embora, levado pela fome, por doenças e pelo envenenamento da água. Chegamos ao limite da condição humana e estamos vivendo a dramática dor do mundo.

(*) Iraildes Caldas Torres é professora titular da Universidade Federal do Amazonas e doutora em Antropologia Social. Exerce o cargo de diretora do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Amazonas.

ARTIGO – IRAILDES CALDAS
As queimadas são uma grande preocupação entre os Estados da Amazônia Legal Mencius Melo – Da Revista Cenarium
Crédito: Acervo Pessoal Crédito: Ascom Cbpa | Fotos Públicas 11 10 www.revistacenarium.com.br MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Gigantes centenárias

“A priori, os pesquisadores já sabem que se tratam de árvores centenárias com, pelo menos, 150 anos de vida”

MANAUS (AM) – Há anos, pesquisadores tentam descobrir a idade exata das maiores árvores encontradas na Amazônia, como os angelins-vermelhos (Diniza excelsa duck), com 88,5 metros de altura, o equivalente a um edifício de 30 andares. Em segundo lugar no ranking, aparece a maior espécie já identificada no Brasil, popularmente conhecida como castanheira-do-pará (Bertholletia excelsa), com 66 metros de altura.

Ambas espécies estão localizadas na fronteira entre os Estados do Pará e do Amapá. Um estudo inédito, realizado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá (Ifap), com apoio e financiamento da Universidade do Arkansas, nos EUA, está prestes a desvendar o mistério.

No período de 15 a 21 de janeiro, integrantes do projeto Monitoramento das Árvores Gigantes da Amazônia realizaram uma expedição para coletar amostras nas árvores. A equipe se deslocou até a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru (RDSI) e a Reserva Extrativista do Rio Cajari (Resex), ambas no extremo sul do Amapá, para obter materiais que permitissem definir, com precisão, a idade das maiores árvores da Amazônia, bem como as de demais espécies encontradas na região.

As pesquisas apontam a presença de minerais na terra que podem estar ligados ao crescimento das árvores em estudo.

LONGEVIDADE

“A priori, os pesquisadores já sabem que se tratam de árvores centenárias com, pelo menos, 150 anos de vida”, informou o coordenador do projeto e pesquisador do campus Laranjal do Jari, Diego Armando. Os integrantes do projeto contaram com o auxílio de estudantes de Engenharia Florestal e de moradores de comunidades próximas às regiões das reservas.

A definição da idade das árvores pode contribuir para elucidar quais fatores influenciaram na longevidade das espécies. A expedição mapeou e coletou, aproximadamente, 50 indivíduos ou espécimes de cedro e duas de castanheira. Segundo os pesquisadores, a coleta de angelim-vermelho estava prevista para ser feita ainda em janeiro.

Após avaliar os anéis de crescimento dos cedros, a pesquisadora Daniela Granato, da Universidade do Arkansas, estimou que as árvores desta espécie que circundam as “gigantes” têm cerca de 150 anos. “Estima-se que a Floresta Amazônica tenha uma biodiversidade de 16 mil espécies só de árvores”, disse Granato.

Sagradas e medicinais

Descoberto em 2019, na Unidade de Conservação Estadual de Uso Sustentável Floresta Estadual do Paru (Flota do Paru), na Região de Integração do Baixo Amazonas, no oeste paraense, o angelim-vermelho com 88,5 metros de altura e 3,15 m de diâmetro, com aproximadamente 400 a 600 anos de existência, foi detectado em um estudo que, por monitoramento, tem mapeado as gigantes da floresta. A árvore é considerada um monumento histórico da floresta. Já a castanheira-do-pará, com 66 metros de altura, foi descoberta em outubro de 2020, durante expedição na cidade de Laranjal do Jari, no sul do Amapá. Pesquisas recentes sugerem que a ingestão adequada de selênio está relacionada com a redução do risco de contrair câncer tanto de próstata quanto de mama. O óleo da castanha também é frequentemente usado em xampus, sabonetes, condicionadores de cabelo e produtos para a pele, por ser excelente umidificador.

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Projeto busca desvendar idade das maiores árvores encontradas na Amazônia Legal
Daniel Amorim – Da Revista Cenarium Diego Armando, coordenador do projeto e pesquisador do campus Laranjal do Jari. Conforme a pesquisadora Daniela Granato (centro), árvores no entorno das espécies gigantes têm cerca de 150 anos O imponente angelim-vermelho se destaca na Flota do Paru, região de Integração do Baixo Amazonas, no oeste paraense Crédito: Francisco Barbosa
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Arquivo Pessoal
Crédito: Divulgação Ueap.webp 13 REVISTA CENARIUM
Crédito: Ifap Acervo

UEA: estudo avalia saúde das águas

Bacias dos bairros Educandos e São Raimundo, em Manaus, têm péssimos índices de qualidade da água

Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Um estudo pioneiro da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) mapeou os principais pontos das bacias dos bairros Educandos e São Raimundo, em Manaus, ao longo de dois anos, entre fevereiro de 2020 e janeiro de 2022, para colocar em prática o projeto de mapeamento ambiental que verifica a qualidade das águas. Ao todo, foram realizadas sete coletas em 14 locais na bacia do bairro Educandos e em 31 locais na bacia do bairro São Raimundo, as principais da capital do Amazonas, para detectar o Índice de Qualidade da Água (IQA), com uma série de parâmetros utilizados em pesquisas internacionais.

As coletas foram realizadas nos meses de fevereiro, julho e outubro de 2020, abril, julho e outubro de 2021 e janeiro de 2022. Os resultados apontaram dados negativos sobre a saúde das águas.

Os resultados obtidos pela pesquisa estão disponíveis para consulta no site do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia, da UEA, para que a população tenha acesso à informação sobre a qualidade das águas nos locais onde vivem.

Rodeada pelas águas dos rios Negro, Solimões e Amazonas, Manaus tem a hidrovia como um dos principais meios de turismo e deslocamento. A hidrografia da cidade conta com quatro principais

bacias: Educandos, São Raimundo, Tarumã e Puraquequara. Entrecortada por igarapés e pequenos lagos, a cidade mistura peças urbanas e prédios modernos, com igarapés, pontes e portos. Apesar de estar circundada por água, muitas das bacias são impróprias para o consumo ou lazer.

Conforme os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), o acesso à água potável é um dos principais fatores que ajudam a diminuir desigualdades e garantir uma vida melhor, com acesso à saúde e qualidade de vida. Daí a importância de um estudo como esse que vem sendo realizado pela UEA.

Vista do Rio Negro, em frente à cidade de Manaus
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Crédito: Ricardo Oliveira

METODOLOGIA

A princípio, o estudo cruzou os dados obtidos com parâmetros utilizados em São Paulo e no Rio Grande do Sul. No entanto, os pesquisadores notaram que a bacia Amazônica apresenta diferenças que não podem ser medidas por padrões não regionalizados. Por essa razão, conforme o pesquisador e coordenador do estudo, doutor Sergio Duvoisin Junior, os números obtidos nas pesquisas ainda são imprecisos, pois uma vez que os parâmetros desconsideram a esfera regional, os dados não refletem a verdadeira qualidade da água de Manaus.

“Enquanto não temos esse índice [regional] por aqui, usamos o mapeado em São Paulo e no Rio Grande do Sul. São

águas completamente diferentes, então, às vezes, a gente pode estar inferindo resultados que não são exatamente aquilo que deveriam ser”, explica Junior.

O próximo passo, segundo o pesquisador, é gerar o IQA amazonense, utilizando as especificidades da região, considerando as químicas próprias e acidez das bacias.

Campanhas com equipes de pesquisadores já iniciaram as visitas em locais sem ação humana para começar a definição do índice no Estado.

“A partir desse projeto, a gente viu que aqui, no Amazonas, não tinha um índice de qualidade de água que caracterizasse a água daqui sem ter ação humana. Então, isso foi o motivador até dos projetos que vieram depois, de a gente começar a moni-

Crédito: Divulgação

Faixa de IQA utilizadas nos seguintes Estados: AM, MG, MT, PR, RJ, RN, RS

Faixa de IQA utilizadas nos seguintes Estados: BA, CE, ES, GO, MS, PB, PE, SP

“Se a gente fosse comparar os dados daqui, que ficam entre quatro e pouco e cinco pontos, com a tabela de São Paulo, a água estaria ruim, mas isso não é verdade, porque a água do Rio Negro tem o pH em torno de quatro e cinco. Por isso, os ajustes no IQA precisam ser feitos para a região”

torar a água em locais longe da cidade, para montar um IQA que realmente representasse as águas da região”, relata.

O coordenador exemplifica que o IQA de São Paulo, por exemplo, considera que o pH (potencial hidrogeniônico) considerado ótimo está em torno de 7 pontos, diferente do observado no Rio Negro, onde a média fica abaixo dos 5 pontos.

“Se a gente fosse comparar os dados daqui, que ficam entre quatro e pouco e cinco pontos, com a tabela de São Paulo, a água estaria ruim, mas isso não é verdade, porque a água do Rio Negro tem o pH em torno de quatro e cinco. Por isso, os ajustes no IQA precisam ser feitos para a região”, pontua Junior.

Razoável

Além de mapear a qualidade da água, o projeto funciona como um monitoramento de despejos. Parte da pesquisa coletou água em locais próximo a fábricas do Distrito Industrial.

Aplicação

Para o coordenador, a pesquisa é um importante passo para o monitoramento ambiental e serve como ferramenta para os gestores, tanto ambientais como do Estado, para gerar melhorias para a população.

“Hoje, o gestor público tem uma ferramenta gigantesca na mão, pela qual ele pode saber exatamente em que ponto estamos fazendo despejo inadequado, porque esse projeto a gente acabou fazendo de quilômetro em quilômetro nas duas bacias, mapeando muito bem o que está errado”, frisa.

Segundo Sérgio, as bacias estão muito comprometidas e, agora que já se conhece a extensão do problema, é possível agir para corrigir. “Agora, é utilizar essa ferramenta e realmente tentar resolver. Essa parte passa muito pela gestão, a gente mostra o problema, e agora cabe à gestão pública dar uma solução”, finaliza Junior.

“São as duas principais bacias mais impactadas em Manaus. É extremamente importante fazer o monitoramento, porque elas passam por regiões onde há grande população ou no Polo Industrial, então podemos ter ali despejo de coisas que não sejam domésticas”, ressalta o coordenador da pesquisa.

Após o mapeamento da qualidade das águas no entorno de Manaus, o projeto foi cancelado pela Unidade Gestora de Projetos Especiais (UGPE) e Junior diz estar em tratativas para reativar o projeto de monitoramento contínuo da qualidade das águas nas bacias do São Raimundo e do Educandos.

RESULTADOS

Conforme o pesquisador, os resultados já eram esperados pelo grupo. “Acho que qualquer um que passe nessas bacias e olhe para elas sabe que a qualidade da água não está lá essas coisas. O negócio é que o projeto acabou pontuando aquilo que realmente estava acontecendo”, afirma Junior.

Cada parâmetro possui uma cor que identifica a qualidade da água, sendo azul para ótima; verde para boa; amarelo para razoável; vermelho para ruim e preto para péssima. A pesquisa nas bacias do Educandos e do São Raimundo considerou as duas faixas, nas quais em ambos o IQA registrado foi, em média, 30, com avaliação “ruim” para ambas.

Somando as análises de todas as coletas, a bacia do Educandos teve média de 31, com quatro resultados de nível preto, de qualidade péssima; 68 resultados de nível vermelho, com qualidade ruim; 24 amarelos, com qualidade razoável; dois verdes, com qualidade boa e nenhum resultado azul, com qualidade ótima.

“Isso reflete essa distorção que a gente tem do IQA para a região, necessitando um índice que realmente identifique a qualidade de água dessa macrobacia que são essas águas negras”, avalia o pesquisador, que pontua que além do IQA, foi realizada a classificação com base nos parâmetros do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), dividido por classes de um a quatro, na qual a bacia do Educandos está dentro da classe quatro, a pior de todas.

Já na Bacia do São Raimundo, que não é afluente industrial e possui mais resíduos domésticos, o IQA registrado também apresentou dados ruins. Com média de 32, a bacia apresentou sete resultados de nível preto, com qualidade péssima, 130 de nível vermelho, com qualidade ruim; 69 amarelos, com qualidade razoável; 11 verdes, com qualidade boa, e nenhum azul, com qualidade ótima.

“A bacia do São Raimundo também está comprometida da mesma maneira que a do Educandos, e classificada como classe 4 no Conama. Isso mostra que ambas as bacias estão muito comprometidas”, avalia Junior.

Pesquisadores coletam materiais para estudo da UEA
91 – 100 80 – 100 71 – 90 52 – 79 51 – 70 37 – 51 26 – 50 20 – 36 0 – 25 0 – 19
Ótima Boa Ruim Péssima Fonte: Portal da Qualidade das Águas
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Pesquisador e coordenador do estudo, doutor Sergio Duvoisin Junior

PODER & INSTITUIÇÕES

Crise Humanitária e de Consciência

Tragédia dos Yanomami, com mortes por fome e doenças evitáveis, é ‘soco no estômago’ do Estado Brasileiro e de cada um de nós

BOA VISTA (RR) e MANAUS (AM) – Falhamos. Falhamos, todos, quando, no dia 21 de maio de 2021, surgiu uma das primeiras fotos de um menino Yanomami, em Roraima, de um ano e meio, com o peso de uma criança de três meses que, com dores abdominais, não conseguia chorar por falta de líquido no corpo. Morto sem atendimento médico na comunidade de Yarita, ele foi um dos primeiros casos de desnutrição e desidratação de crianças informados pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-YY), Júnior Hekurari, e noticiado pela REVISTA CENARIUM, na edição de junho de 2021, como o prenúncio de um genocídio étnico.

A partir daí, o que fizemos? Não fomos para as ruas, não paramos as estradas, não fizemos vigília em frente aos órgãos públicos, não fomos ao Congresso Nacional pedir pelo impedimento daquele, que, 23 anos antes, disse que o erro do Brasil foi não ter seguido os Estados Unidos que

GENOCÍDIO YANOMAMI

Capa da REVISTA CENARIUM de junho de 2021 já trazia o avanço do garimpo e ações e omissões do governo federal apontados como tentativa de genocídio de indígenas

Junho de 2021 • Ano 02 • Nº 12 • R$ 15,99 Invasão do garimpo ilegal de ouro e omissões do governo federal ameaçam vida do povo indígena
Imagens de crianças e adultos Yanomami em pele e osso são o retrato atual de uma calamidade já denunciada, há anos, pelos indígenas, sem que fossem ouvidos Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação
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CENARIUM
Crédito: Junior Heikuran Arquivo Pessoal
REVISTA
FALHAMOS

dizimou seus indígenas. Jair Messias Bolsonaro - hoje investigado pelo genocídio Yanomami - foi acionado, pelo menos, sete vezes pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2021, para garantir a vida dos indígenas de Roraima, mas não tomou ação efetiva e não foi parado.

Não há como a sociedade fingir que a tragédia étnica em Roraima é um assunto factual e que não deixamos de ignorar o menino de Yarita e outras centenas de crianças que perderam a vida na Terra Yanomami, nos últimos três anos, neste episódio já considerado como a maior crise humanitária dos povos originários, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

A Apib teve participação na cobrança de ações do governo federal, mas sozi-

nha, não conseguiu fazer valer as decisões judiciais obtidas. Dentre elas, a decisão favorável sobre a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 709, deferida no dia 18 de junho de 2021, pelo STF.

Na época, os ministros determinaram, de forma unânime, a proteção dos povos Munduruku e Yanomami, para evitar novos massacres. A Corte decidiu pela retirada urgente de invasores, especificamente, das Terras Indígenas Munduruku, no Pará, e Yanomami, em Roraima, e pela garantia da integridade física das pessoas ameaçadas nesses locais. O julgamento durou sete dias e foi confirmada a votação que representava, até então, uma conquista para os povos afetados. As ações não foram aplicadas.

têm que se aculturar”, disse Denarium, em entrevista à Folha de S. Paulo, tornando-se alvo de ação do Ministério Público Federal (MPF), pela fala discriminatória.

O discurso de Denarium é seguido pela maioria da população roraimense, cuja predileção eleitoral foi de quase 76,8% a favor de Jair Bolsonaro. No Estado, há uma ilegítima “mágoa” dos não-indígenas com os povos tradicionais, desde a demarcação de uma das maiores terras indígenas do Brasil, a Raposa Serra do Sol, que foi retirada (e indenizada) de posseiros, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2005), para ser devolvida aos povos originários. Os que se sentem “injustiçados” não reconhecem a crise humanitária dos Yanomami, tão pouco existe neles, a crise de consciência.

Crise Humanitária

Os Yanomami enfrentam, atualmente, uma crise humanitária sem precedentes, por conta da invasão do garimpo ilegal.

Estima-se que são 20 mil garimpeiros dentro da maior reserva indígena do Brasil, com mais de 9,6 milhões de hectares de floresta. Os Yanomami estão vendo o seu território sendo destruído e crianças e bebês são os que mais sofrem com os impactos da atividade de mineração ilegal na região.

O Ministério dos Povos Indígenas informou que 570 crianças Yanomami morreram, entre 2019 e 2022, por contaminação por mercúrio, desnutrição e fome, causados pelo impacto das atividades de garimpo ilegal em seu território.

O Ministério da Saúde decretou estado de emergência para combater a falta de assistência sanitária que atinge os Yanomami. Por meio de um Centro de Operações de Emergências (COE), o ministério “planeja, organiza, coordena e controla as medidas a serem empregadas”.

As ações estão se dando em conjunto com gestores estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS). O grupo ligado à emergência deverá propor ao Ministério “o acionamento de equipes de saúde, incluindo a contratação temporária de profissionais” e “aquisição de bens e contratação de serviços necessários para a atuação” na emergência.

Nessa omissão e inação, o Ministério da Saúde (MS) foi o principal prevaricador, mas o Ministério Público, em Roraima, onde estava que não cobrou? Por que a Polícia Federal (PF) não acompanhou a determinação dos membros do Judiciário? Não há respostas para o passado, o que há, no presente, é uma avalanche de notícias sobre as ações atuais dos órgãos do Executivo e dos órgãos fiscalizadores que, esperamos, agora, que executem ações concretas.

Absurdamente, ressoam, em Roraima, vozes que ignoram a tragédia étnica em terras indígenas e fortalecem a xenofobia na região. O governador do Estado, Antonio Denarium (PP), culpou os próprios indígenas pela crise humanitária, atacando a cultura e a ancestralidade dos povos. “Eles não podem viver como bichos isolados,

Menino Yanomami de um ano e meio, com o peso de uma criança de três meses, que não conseguia chorar por falta de líquido no corpo. Ele morreu em 2021, sem atendimento médico na comunidade de Yarita Área de garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Yanomami
Crédito: Reprodução Folha de S Paulo Crédito: Bruno Kelly ISA 21 20 www.revistacenarium.com.br FALHAMOS PODER & INSTITUIÇÕES REVISTA CENARIUM

‘Será que falhamos em tudo?’

Ailton Krenak analisa causas da crise humanitária no território Yanomami

Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

“Falhamos quando a gente naturalizou a ideia de que somos um País, uma nação, de que a língua portuguesa nos unifica. De que quando alguém dá bom dia no jornal é para todo mundo, e não é verdade”

de que a língua portuguesa nos unifica. De que quando alguém dá bom dia no jornal é para todo mundo, e não é verdade. Eles dão bom dia para certa camada que assiste aos programas, que liga a televisão e tem acesso a esses recursos materiais, mas existem milhões de pessoas que não têm acesso a nada disso.

RC: Era uma tragédia anunciada?

MANAUS (AM) – Um dos maiores líderes indígenas brasileiros desde 1980, Ailton Alves Lacerda Krenak, Ailton Krenak, é um pensador, ambientalista, pesquisador, filósofo, poeta e escritor do povo Crenaque e professor Honoris Causa, pela Universidade de Brasília (UnB).

Em entrevista exclusiva à REVISTA CENARIUM, Krenak analisa a crise humanitária vivida pelo povo Yanomami e suscita o debate sobre a responsabilização das instituições públicas e toda a sociedade sobre a morte de crianças e adultos indígenas por desnutrição e outras doenças, além de confrontar o senso comum sobre a Amazônia.

Nascido em Itabirinha de Mantena, em Minas Gerais, o líder indígena saiu das margens do Rio Watú (Rio Doce) para desenvolver um importante trabalho ativista pela luta dos direitos dos povos indígenas, na década de 1980, dedicando-se na criação e participação de instituições indígenas que possuem um papel importante no resgate histórico da cultura brasileira.

Krenak é peça central para a adição do “Capítulo dos Índios” na Constituição

de 1988, após discurso emblemático na Assembleia Constituinte, em 1987, onde pintou o rosto com pasta de jenipapo, em manifestação contra os retrocessos que os indígenas estavam sofrendo.

REVISTA CENARIUM: Onde falhamos, como sociedade, com os Yanomami?

AILTON KRENAK: Eu me faço essa pergunta também. E os jornalistas introduzem outra questão: “como que o Brasil não viu o que estava acontecendo ali?”. Eles perguntam como o Brasil não viu, e isso nos faz pensar que o País, na verdade, não existe. Nós naturalizamos a ideia de que existe um Brasil com duzentas e tantas milhões de pessoas, que estão atentas ao que está acontecendo aqui conosco. Isso é uma ilusão, senão a gente não teria aquele episódio da invasão de Brasília, no começo do ano. A imagem que me ocorre sobre onde falhamos é a imagem de um acampamento dentro da escuridão que, ocasionalmente, dá um raio e, naquele instante, olhamos uns para os outros apavorados com a realidade e dizemos: onde falhamos?

Falhamos quando a gente naturalizou a ideia de que somos um País, uma nação,

O que está acontecendo é uma banalização geral sobre o debate da

AK: Quando a gente chega no ponto específico da tragédia Yanomami, podemos dizer que a tragédia aconteceu em um lugar escondido. É como se você tivesse tendo contato com uma pessoa que sofreu abuso continuado durante décadas dentro do porão e, um dia, essa tragédia veio a público. E por que eu digo ser uma tragédia escondida? Porque metade dos brasileiros não sabe, sequer, onde é a Amazônia. A maioria das pessoas vai falar lá no Norte. Infelizmente, só se viram as lentes para a Amazônia quando tem uma desgraça. E essa é uma das possíveis respostas sobre onde falhamos. Será que falhamos em tudo?

RC: A culpa é dos governantes ou de todos nós?

AK: Como eu vou querer que o brasileiro comum saiba onde é o território Yanomami, ou o que está acontecendo lá? É uma ilusão, por isso, eu evoco a imagem do acampamento no escuro, quando dá um raio, a gente olha assustado um para o outro. É a nossa história, uma história de ocultação e de aparições relâmpago de realidades que, de uma hora para outra, deixam todos indignados e horrorizados.

Amazônia’, defende
Crédito: Fernando Frazão Ag Brasil 23 22 www.revistacenarium.com.br FALHAMOS PODER & INSTITUIÇÕES REVISTA CENARIUM
Ailton Krenak

E, no caso do nosso povo Yanomami, falo que a relação que eu tenho com o meu amigo Davi Kopenawa é de quando nós tínhamos menos de 30 anos, no final da década de 1970. Nunca encontrei ele em um momento em que não estivesse denunciando o genocídio Yanomami. Os garimpeiros nunca cessaram de estar dentro da Terra Yanomami. Em 1991, quando o presidente Collor mandou bombardear as pistas de pouso, foi feita uma intervenção corajosa, que ele mobilizou as Forças Armadas de verdade. Foi uma ação muito mais coesa e intensa. Um ou outro garimpeiro pode ter ficado por lá, mas a massa garimpeira, os núcleos, foram todos retirados de dentro do território Yanomami.

Mas, a pergunta é a seguinte: e quem ficou cuidando das fronteiras? Que ação o governo imprimiu para dar assistência aos Yanomami para que eles não ficassem tão vulneráveis? A resposta é nenhuma, de nenhum governo.

RC: Há indícios de que houve uma certa flexibilização que permitiu a intensificação dos garimpeiros em Terra Yanomami. Como o atual governo pode agir?

AK: Exatamente, reativar, por exemplo, programas que já foram construídos nos últimos 20 anos de monitoramento e vigilância nas fronteiras do território. São programas caros, inclusive. A parte de configurar esses programas de proteção territorial e desenvolvimento daquela região foi produzida com recursos elevados e com a colaboração de especialistas e técnicos. Se eles fossem implementados, ao longo dos últimos 20 anos, não teria se criado as condições de invasão propiciadas nos últimos quatro anos, com patrocínio de um governo.

Quer dizer, o Brasil negligenciou, inclusive, ferramentas que já existem. O Davi Kopenawa está pedindo, há dez anos, ao Ministério do Meio Ambiente e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que eles ativassem as frentes de monitoramento de

vigilância, de avivamento das fronteiras, com articulação de diferentes órgãos federais que incluem, obviamente, o Ibama e a Funai, mas nenhum deles efetivaram as ações. É como se aqueles programas configurados fossem para ficar em Brasília, em alguma mesa.

RC: Como é a sensação de estar nesse acampamento escuro e vir um clarão que, como o senhor falou, nós do Norte, estamos? Como você avalia esse sentimento?

AK: É muito desesperador, porque essa sensação esvazia a tal da “esperança cidadã”. Alguns momentos, as pessoas se referem a uma cidadania construída com trabalho, educação e com a difusão de ideias sobre nós mesmos. A desilusão sobre essa possibilidade é o que fica, diante de tanto aviso e de tanta indiferença. Espero que essa reação súbita do aparelho do Estado brasileiro, sob o Governo Lula, não seja só um efeito reflexo, igual quando você bate no joelho de alguém e ele quica. Espero que o Brasil traga ações efetivas com a novidade do Ministério dos Povos indígenas e da nossa deputada Joenia Wapichana presidindo a Funai. Aquele evento, que aconteceu no Vale do Javari, com os assassinatos de Dom e Bruno, é a cara da política indigenista para a Amazônia, é o envolvimento com todo o tipo de abuso. Então, a nossa Joenia terá um desafio monumental.

RC: Como podemos evitar que outros povos, de recente contato ou não, passem por uma crise humanitária como a dos Yanomami?

AK: Em primeiro lugar, é consenso de que o governo brasileiro terá que recuperar a capacidade das agências de Estado para que elas funcionem, porque elas foram destruídas. É como se você pegasse um País que foi bombardeado, do ponto de vista dos equipamentos, dos meios e até do recurso financeiro. Acho que deveria ser questionado, inclusive, por que só existem duas delegacias da Polícia Federal no Amazonas e não 30 delegacias. A questão central é dar valor para os investimentos

feitos, até agora, e fazer investimentos de verdade, para que essa região não fique na zona obscura do radar dos brasileiros, no sentido geral, da sociedade brasileira. O governo federal tem que priorizar ações para que o bioma seja, de verdade, um lugar possível de viver, das comunidades humanas prosperarem. E eu estou falando prosperar num sentido humano, não de progresso.

RC: Há muito senso comum no debate sobre a Amazônia?

AK: Se o senso comum já acha que a Amazônia é tão longe que eles não conseguem conhecê-la, os governos locais e federal têm a obrigação, agora, de explicitar a diversidade que é a Amazônia. O que está acontecendo é uma banalização geral sobre o debate da Amazônia. Com a tragédia Yanomami, a banalização geral sobre o debate da Amazônia continua. Misturam tudo, prioridades urgentes que precisam ser feitas, agora, com questões geopolíticas do passado, ou, questionam, ainda, por que a gente nunca fez valer o Tratado de Cooperação Amazônica? Ora, o Tratado de Cooperação Amazônica nunca se fez valer porque o Brasil não tem o menor interesse em movimentar o tratado. Se tivesse, nos últimos 20 anos, teríamos escutado falar alguma coisa sobre os acordos de cooperação com as fronteiras da Amazônia com a Venezuela, Colômbia e Peru.

RC: Como está o governo Lula no debate amazônico?

AK: A gente podia aproveitar, agora, e perguntar para o presidente Lula quando é que ele vai fazer reunião com os governos da bacia amazônica. Porque ele já começou uma série de negociações com o cone sul, ele foi para a Argentina e participou de reuniões com governos que fazem fronteira com Estados do Sul. Ele esteve em Roraima, em um momento gravíssimo da tragédia Yanomami. Foi introduzir os auxiliares na questão, mas, agora, quando ele vai chamar os governos da bacia amazônica para compartilhar a responsabilidade de cuidar desse imenso território? Inclusive,

seria uma maneira das pessoas pararem de pensar que a Amazônia é um lugar dentro do Brasil.

RC: Como o senhor analisa a atuação dos governadores estaduais da Amazônia? É fato que grande parte da responsabilidade é do governo federal, mas como você vê a cooperação dos líderes locais?

AK: O tema meio ambiente é, geralmente, uma atribuição do governo federal, e não culpo os governos estaduais por tudo o que está acontecendo. Eu não incluiria eles na lista daqueles que não viram o que estava acontecendo, mas incluo entre aqueles que não tiveram o que fazer com o que estava acontecendo, porque eles estão imersos em realidades próprias, que eles têm que dar conta, e o governo federal, no caso dos Yanomami, foi o agente que precipitou a tragédia. Não tinha como os governos estaduais agirem contra o governo central, o governo central estava destruindo.

Mas, a questão é a seguinte: e quando Brasília coopera com a melhor governança da Amazônia, o que os governadores locais fazem? Eles se associam com o compromisso nacional ou eles continuam fazendo suas políticas de interesse local? Porque os garimpeiros, dentro da Terra Yanomami, podem parecer uma boa política para o governador do Estado de Roraima, pode não dar prejuízo para ele, pelo contrário, pode animar a economia, pode resolver algumas questões que ele não seria capaz de buscar fora da questão predatória do garimpo.

RC: O senhor consegue ver uma coalizão a favor dos povos tradicionais da Amazônia?

AK: O desafio, agora, é saber se eles (governadores) são capazes de cooperar com o governo federal, que está com boa vontade, para que as instituições, equipamentos e agências locais cooperem na execução de uma política responsável com relação à vida das pessoas ribeirinhas, indígenas e comunidades tradicionais, e não uma questão específica para fazer de vitrine da Amazônia.

“Nunca encontrei ele (Davi Kopenawa) em um momento em que não estivesse denunciando o genocídio Yanomami. Os garimpeiros nunca cessaram de estar dentro da Terra Yanomami”
“Infelizmente, só se viram as lentes para a Amazônia quando tem uma desgraça. E essa é uma das possíveis respostas sobre onde falhamos. Será que falhamos em tudo?”
Crédito: Reprodução Garapa Coletivo Multimídia
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Crédito: Divulgação

Investigação de genocídio

Ministro do Supremo Tribunal Federal determinou que autoridades do Governo Bolsonaro sejam investigadas por participação em série de crimes que agravaram a crise dos Yanomami

Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – O ministro Luís

Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, no dia 30 de janeiro, que a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público Militar, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Superintendência Regional da Polícia Federal de Roraima apurem a possível participação de autoridades do governo do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, na prática, em tese, dos crimes de genocídio, desobediência, quebra de segredo de justiça, e de delitos ambientais relacionados à vida, à saúde e à segurança de diversas comunidades indígenas.

Apesar da tentativa de Bolsonaro e de seus assessores de negarem a culpa pela crise humanitária do povo Yanomami, em Roraima, o STF tem evidências que colocam em xeque a defesa apresentada pelo ex-presidente. Por meio de uma rede social, Bolsonaro afirmou que a saúde indígena foi uma das prioridades de seu governo e que as críticas feitas a ele seriam “mais uma farsa da esquerda”.

O ministro, por sua vez, em despacho na Petição (Pet) n.º 9585, que tramita em sigilo, determinou a remessa às

autoridades de documentos que, em seu entendimento, “sugerem um quadro de absoluta insegurança dos povos indígenas envolvidos, bem como a ocorrência de ação ou omissão, parcial ou total, por parte de autoridades federais, agravando tal situação”.

Barroso citou como exemplos desses documentos, a publicação no Diário Oficial, pelo então ministro da Justiça Anderson Torres, de data e local de realização de operação sigilosa de intervenção em terra indígena, além de indícios de alteração do planejamento no momento de realização da Operação Jacareacanga, pela Força Aérea Brasileira (FAB), resultando em alerta aos garimpeiros e quebra de sigilo, o que comprometeu a efetividade da medida. Segundo o ministro, os fatos ilustram “quadro gravíssimo e preocupante”, bem como possível prática de múltiplos ilícitos, com a participação de altas autoridades federais.

O próprio ministro Barroso chegou a tratar da crise vivida pelos Yanomami, nos anos de 2021 e 2022, com os então ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Walter Braga Netto (Defesa) e com o então advo-

gado-geral da União, Bruno Bianco. Todos asseguraram a Barroso estarem empenhados na adoção de políticas públicas, mas, na prática, as ações não foram executadas. Barroso, que é relator dos casos relacionados aos povos indígenas na Suprema Corte, também reiterou a expulsão definitiva de todos os garimpos ilegais das terras Yanomami, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 709, que tramita no Supremo desde 2020. O processo corre em segredo de Justiça, mas o ministro decidiu liberar o acesso às decisões pela “necessidade de que a sociedade tenha conhecimento das providências adotadas” pelo STF sobre o caso, além da “possível participação de autoridades do Governo Jair Bolsonaro”.

Entre os crimes associados ao ex-presidente e sua equipe pela crise humani-

tária dos Yanomami, estão: de genocídio (art. 1º, alíneas “a” e “c”, da Lei n.º 2.879/1956); Desobediência – artigo 330 do Código Penal; quebra de segredo de Justiça – artigo 10 da Lei n.º 9.296/1996; crimes ambientais relacionados à vida, à saúde e à segurança de comunidades indígenas – Lei n.º 9.605/1998.

Além disso, o texto do despacho de Barroso na Petição n.º 9585 descreve as seguintes suspeitas de irregularidades:

– “retirada irregular (e, aparentemente, n ã o explicada) de 29 (vinte e nove) aeronaves ligadas ao garimpo ilegal e apreendidas pela Polícia Federal de seu local de depósito, posteriormente avistadas em operação, a despeito da existência de ordem judicial de destruição dos bens apreendidos”;

– “aparente não controle do tráfego aéreo de Roraima ou de interceptação de aeronave irregular, colocando em risco aeronave comercial de passageiros, com a qual quase se chocou”;

– “aparente não execução ou simulação de execução do Plano Sete Terras Indígenas, homologado pelo Juízo e destinado à desintrusão dos invasores, com a prestação de informações ‘inverossímeis’, conforme análise do grupo de apoio de peritos do Ministério Público Federal”;

– “outras ações e omissões voltadas a criar óbices burocráticos à adoção de medidas urgentes e ao cumprimento de decisões judiciais, favorecendo o descontrole da situação de segurança e do combate a ilícitos nas áreas afetadas”.

(*) Com informações do site do STF.

Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal realizada em 2022
27 26 www.revistacenarium.com.br FALHAMOS PODER & INSTITUIÇÕES REVISTA CENARIUM
Crédito: Carlos Moura Sco Stf

Crianças fragilizadas

Em RR, mais de 40 pequenos Yanomami foram internados; oito precisaram ficar na Unidade de Terapia Intensiva

Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

BOA VISTA (RR) – A Prefeitura Municipal de Boa Vista informou, no dia 31 de janeiro, que mais 54 indígenas foram internados no Hospital Infantil da capital. Dessas, 44 eram crianças Yanomami e oito estavam na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). As principais causas dessas internações eram: doença diarreica aguda, gastroenterocolite aguda, desnutrição, desnutrição grave, pneumonia, acidente ofídico e malária.

A crise humanitária indígena que afeta os Yanomami levou, somente em 2022, a 703 internações de indígenas desse povo no Hospital da Criança de Boa Vista. Desses, 58 foram por desnutrição. Uma enfermaria foi preparada para receber os Yanomami, na tentativa de respeitar a cultura e a tradição do povo, inclusive, com leitos-rede para crianças e acompanhantes.

Segundo o pediatra Eugênio Patrício, responsável pelo acompanhamento das crianças que chegam à unidade em busca de atendimento, a maioria das crianças Yanomami estava com desnutrição grave e precisando de alguns cuidados maiores, inclusive, cuidados na Unidade de Terapia Intensiva.

“Assim como outras crianças, principalmente, as com infecções graves, como pneumonia e, no caso do paciente desnutrido grave, a maioria que está chegando, aqui, é da etnia Yanomami. Isso piora mais ainda, pois a desnutrição leva a um processo de deficiência imunitária e o organismo não consegue combater infecções que deveriam ser simples, mas, no caso deles, se torna complexa e faz com que precise de terapia intensiva”, explicou o médico.

Um intérprete também auxiliava na comunicação entre os profissionais, pacientes e acompanhantes. A alimentação é diferenciada, segundo o hospital, conforme a preferência de cada etnia. A equipe nutricional adapta o cardápio do paciente, com alimentos como macaxeira, peixe com farinha e frutas regionais. No hospital de campanha montado em Boa Vista, em três dias, 150 pessoas receberam atendimento médico.

INQUÉRITO

O Ministério Público Federal em Roraima (MPF-RR) quer analisar tam -

“Assim como outras crianças, principalmente, as com infecções graves, como pneumonia e, no caso do paciente desnutrido grave, a maioria que está chegando, aqui, é da etnia Yanomami”

Eugênio Patrício, pediatra responsável pelo acompanhamento das crianças Yanomami no Hospital Infantil de Boa Vista.

bém como as ações e omissões de gestores e políticos podem ter contribuído para a situação atual das comunidades que vivem na Terra Indígena Yanomami (TIY).

Os agentes públicos foram alvo de representações feitas por partidos políticos e entidades da sociedade civil encaminhadas à unidade de Roraima.

Com base em procedimentos já em curso, o MPF entende que já há um vasto acervo de evidências para a imediata responsabilização do Estado brasileiro. “Tal acervo revela um panorama claro de generalizada desassistência à saúde, sistemático descumprimento de ordens judiciais para a repressão a invasores do território indígena e reiteradas ações de agentes estatais aptas a estimular violações à vida e à saúde do povo Yanomami”, descreve o documento que determina a instauração do inquérito civil.

REPÚDIO

Uma declaração do governador de Roraima, Antonio Denarium (Progressistas) foi amplamente reprovada por pastorais e movimentos sociais de Roraima, que divulgaram uma nota na qual repudiam o “posicionamento na fala desumana e

leviana” do governador sobre o povo Yanomami, ao alegar que não existe desnutrição e que “… eles têm que se aculturar, não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho”.

“Os comentários são racistas, preconceituosos e desumanos, além de uma falta de respeito e sensibilidade, neste momento em que várias vítimas Yanomami estão morrendo por malária, desnutrição aguda, entre outras doenças que poderiam ter sido evitadas”, aponta um trecho do documento.

ESFORÇO CONCENTRADO

Em entrevista à BandNews TV, também no dia 31 de janeiro, o ministro da Defesa, José Múcio, afirmou que iria a Roraima, no dia 8 de fevereiro, acompanhado de comandantes de todas as Forças Armadas.

“Eu estou indo lá para Roraima, para Surucucu, com todos os comandantes das Forças, Exército, Marinha e Aeronáutica. Também convidamos o superintendente da Polícia Federal. Tem que ter um esforço concentrado para que todas as instituições, órgãos, para que nós possamos sanar aquele problema. Aquilo é uma vergonha, é uma tristeza”, afirmou Múcio.

Muitas crianças Yanomami estão com peso abaixo do considerado saudável para suas idades Crédito: Ricardo Oliveira
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Crédito: Ricardo Oliveira

‘Atrasamos o Brasil em 50 anos’

Referência

em estudos sobre a Amazônia,

Carlos Nobre aponta falhas históricas do Estado Brasileiro com os Yanomami

MANAUS (AM) – O climatologista Carlos Nobre, referência internacional em pesquisas sobre a Amazônia e clima, ressalta que o Estado Brasileiro vem falhando com os Yanomami, em diversos momentos da história do País. De acordo com Nobre, o Brasil retomou, nos últimos anos, uma filosofia já aplicada nos anos 1970, no governo militar, de “acabar com os povos indígenas” e seus direitos. Para ele, esse retrocesso alimentou as ilegalidades e culminou na crise humanitária e sanitária dos Yanomami.

Nobre explica que na década de 1970, o termo “nação” foi aplicado de forma errônea pelo governo militar, com base em uma interpretação de antropólogos do momento. “Aí os militares falaram: ‘os Yanomami querem se tornar uma nação independente’. E passaram a atacar de todas as maneiras, quase que buscando a extinção de todos aqueles povos indígenas”, afirma o cientista.

Segundo Nobre, o governo permitiu, nas décadas de 1970 e de 1980, uma enorme invasão de território indígena Yanomami por mineradores que praticavam todo o tipo de mineração ilegal, principalmente, de ouro e com uso de mercúrio. “Então, aquilo explodiu. No início dos anos 1990, existiu cerca de 20 mil mineradores ilegais”, afirma o cientista.

Nobre lembra que a demarcação do território Yanomami se deu muito em função de uma pressão internacional, às vésperas de o Brasil sediar a Rio 92 - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92. “O Governo Collor viu que repercutiria muito mal para o Brasil o que estava acontecendo com o território Yanomami e eles passaram então à política de retirar o garimpo daquela região e deu uma diminuição muito grande no número de garimpeiros. Então, isso é um pouco histórico. Só que isso nunca zerou, sempre tinha invasão daquelas áreas, por muitos anos”, diz.

Para o cientista, a Constituição Brasileira de 1988 criou o marco legal muito claro dos territórios indígenas e sobre o respeito aos povos indígenas, as suas culturas, ao seu bem-estar, a sua saúde, proibindo mineração e uma série de outros usos da área que matariam os territórios, mas houve retrocessos nos últimos anos, com a volta de uma política de extinção.

“Atrasamos o Brasil em 50 anos. Nós fomos lá para a Ditadura Militar dos anos 70, quando os militares diziam que eles tinham que extinguir essas nações indígenas não identificadas pelos indígenas, pelos antropólogos e para defender o que eles chamavam ‘de soberania nacional’.

Voltou essa filosofia de ter que acabar

com os povos indígenas, com os direitos dos povos indígenas e aí se permitiu essa explosão da ilegalidade, principalmente, do garimpo, mas não só do garimpo, mas da grilagem em terras indígenas, mas no território Yanomami, uma expansão enorme do garimpo ilegal”, avalia Nobre.

Para resgatar a dignidade dos Yanomami e recuperar os danos causados, Nobre acredita na necessidade de dois pontos principais. O primeiro é o “atendimento emergencial das populações indígenas de toda a Amazônia, mas, principalmente, dos Yanomami, na questão de saúde”. O segundo, diz o cientista, é derrotar o crime organizado na região.

“Esse é o enorme desafio, porque o crime organizado enxerga o novo governo do Brasil, da Colômbia e de outros países amazônicos como grande inimigo. Então, eles lançam isso com uma guerra que eles têm que vencer, mas esse é um grande desafio de todos os países amazônicos, principalmente, do Brasil, do território Yanomami. É simbólico e gigantesco, e temos que atacar logo o crime organizado”, conclui Nobre, primeiro brasileiro eleito membro da Royal Society, desde que Dom Pedro II se juntou ao grupo, no século XIX. A Royal Society da Grã-Bretanha teve início em 1660 e é a mais antiga academia científica nacional.

(*) Colaborou Gabriel Abreu

Atenção à saúde

Hospital de campanha já atendeu mais de 300 Yanomami;

maioria são crianças desnutridas e com pneumonia

BOA VISTA (RR) – A Força Aérea Brasileira (FAB) divulgou, no dia 1° de fevereiro, um balanço dos atendimentos realizados até aquele momento no hospital de campanha montado dentro da Casa de Saúde Indígena (Casai). Segundo as informações repassadas pela major médica Juliana Freire Vandesteen, 300 indígenas Yanomami já haviam sido atendidos até aquele dia, a maioria crianças. Ao todo, 31 profissionais estão envolvidos nos atendimentos aos indígenas.

A crise humanitária e de saúde enfrentada pelo povo Yanomami levou o Governo Lula (PT) a decretar, em meados de janeiro, Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional diante da necessidade de combate à desassistência sanitária na Terra Indígena Yanomami.

Márcia Guimarães – Da Revista Cenarium* Carlos Nobre é o primeiro brasileiro eleito membro da Royal Society, sociedade científica britânica, desde Dom Pedro II, e referência internacional em estudos sobre a Amazônia Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium Criança Yanomami corre na área externa do hospital de campanha da Força Aérea Brasileira (FAB), em Boa Vista (RR) Crédito: José Cruz Ag Brasil
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Desamparo na cidade

Em Boa Vista, indígenas Yanomami vivem em situação precária por não conseguirem

voltar para casa

Juliana Mattos do Amaral Tavares, capitã médica do Hospital Central da Aeronáutica (HCA).

“As crianças, a gente notou que eram mais magrinhas, menores, mas de baixo peso. Por isso que a gente começou a atendê-las. [As crianças] têm conseguido fazer a suplementação alimentar, muitas delas já estão melhorando nessa parte nutricional. Nos casos de crianças recém-nascidas, tem as que nascem com baixo peso, nossa neonatologista faz a primeira avaliação e vê se há a necessidade de transferência ou não. Acredito que tivemos dois casos de transferência, somente, ao todo, os outros casos ficaram aqui”, afirmou a médica.

A estrutura do hospital, montada pela FAB, na Casai, é formada por oito módulos, dispostos de forma que se tenha uma área com leitos de monitorização e estabilização de pacientes críticos, bem como mais seis leitos de repouso. Além disso, há módulos de ambulatórios – com atendimentos de pediatria, módulos de ginecologia – que podem atender gestantes e realizar exames, como o preventivo, com o resultado no mesmo dia.

Fazem parte da equipe médica do hospital de campanha médicos pediatras, clínicos gerais, dentistas, enfermeiros e nutricionistas. A capitã médica do Hospital Central da Aeronáutica (HCA), Juliana Mattos do Amaral Tavares, descreveu o cenário encontrado pela equipe assim que chegou.

“Nos deparamos com um cenário muito difícil. Percebemos uma desnutrição crônica grave, o que ocasiona diversas doenças que acabam se agravando devido ao estado de saúde das crianças. Assim, o atendimento vem decorrendo desde que chegamos aqui, pois queremos fazer a diferença e contribuir, ao máximo, para a saúde dessas crianças”, salientou.

A tenente Alice Gomes Chermont de Miranda explicou como é o atendimento infantil: “São crianças que vêm em estado de emergência e que precisam desta primeira assistência. Então, a gente, primeiramente, examina, identifica qual é a doença, ministra medicações e, nos casos

mais graves, temos conseguido estabilizar as crianças e direcioná-las ao hospital que presta assistência aqui na região”, esclareceu.

BOA VISTA (RR) – A crise humanitária enfrentada pelo povo Yanomami dentro de seu território, em Roraima, desenha um retrato que se estende para além das fronteiras da Terra Indígena e desemboca nas ruas de Boa Vista e entorno. O desafio não é só ir para a capital do Estado em busca de atendimento médico ou outro serviço, mas saber como será a volta para a comunidade. Em alguns casos, os que não conseguem voltar, acabam vivendo em situação de desamparo nas vias públicas da cidade.

Ao longo de três dias, a reportagem da REVISTA CENARIUM circulou pelas ruas e rodovias da cidade e percebeu que, além do número considerável de venezuelanos, há também um fluxo de indígenas Yanomami em situação de rua. Em um dos casos, um grupo de seis indígenas vive em um cenário precário na Avenida Glaycon de Paiva, próximo ao Teatro Municipal de Boa Vista. Abandonados e sobrevivendo com a ajuda de doações de quem passa pelo local.

Casai

A Casa de Saúde Indígena (Casai) é o estabelecimento responsável pelo apoio, acolhimento e assistência aos indígenas direcionados aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). A principal missão está relacionada ao exercício da gestão da saúde indígena, no sentido de proteger, promover e recuperar a saúde dos povos indígenas, bem como orientar o desenvolvimento das ações de atenção integral à saúde indígena.

PRECARIEDADE

Além de viverem nas ruas de Boa Vista há, pelo menos, quatro meses, os indígenas sofrem com o preconceito. Alguns, inclusive, ameaçam jogar pedras ou objetos em pessoas ou em veículos que estejam passando pelo local, como forma de autodefesa. A maioria que estava naquela localidade aparenta ser menor de idade. De acordo com um morador próximo ao local e que não quis se identificar, os maiores problemas são a embriaguez dos adolescentes e crianças, e a dificuldade na comunicação com os indígenas, uma vez que faltam tradutores para facilitar o

Grupo de Trabalho

Em 2021, o Ministério Público Federal (MPF) criou um grupo de trabalho em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e órgãos estaduais e municipais. O foco de trabalho seria o planejamento de ações sobre a migração indígena Yawari para as ruas de Boa Vista, Caracaraí, Iracema e Mucajaí, em Roraima. Os Yawari são um subgrupo da etnia Yanomami. Na época, o procurador da República, Alisson Marugal, informou que o grupo iria orientar os órgãos nas situações concretas, com o foco nas crianças e adolescentes.

“A ideia é discutir os problemas que aconteceram e que acontecem, para ocasiões futuras. Não é de julgar, nem apontar culpado. Estamos, aqui, para documentar um plano de ação que possa orientar os órgãos nas situações concretas que podem se apresentar, com um foco especial para crianças e adolescentes”, salientou o procurador da República, Alisson Marugal. Procurado para comentar os resultados das ações desse grupo de trabalho, o Ministério Público Federal não respondeu até a publicação desta reportagem.

Médico das Forças Armadas realiza atendimento a criança Yanomami
“Nos deparamos com um cenário muito difícil. Percebemos uma desnutrição crônica grave, o que ocasiona diversas doenças que acabam se agravando devido ao estado de saúde das crianças”
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium Indígena Yanomami na BR-174, estrada que liga o Brasil à Venezuela
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Um grupo de seis indígenas de diferentes etnias mora em uma casa improvisada

processo de entendimento por meio de um diálogo.

A crise humanitária dos Yanomami soma-se à dos venezuelanos. Cinco anos após sofrer uma intervenção federal por conta da crise migratória da Venezuela, Roraima teve apenas os impactos diminuídos, mas a migração continua. O próprio governador do Estado, Antonio Denarium (Progressistas), disse, em entrevista recente, que, diariamente, 300 pessoas passam por Pacaraima, cidade brasileira que faz fronteira com a Venezuela, distante a 213 quilômetros da capital.

Coordenado pelo ministro Silvio Almeida, titular do novo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), um levantamento está sendo feito por uma equipe do ministério que está em Boa Vista apurando as omissões observadas na gestão 2019-2022 do governo federal. De acordo com um relatório preliminar, Bolsonaro e seus ministros estiveram por cinco vezes em Roraima. Entretanto, em nenhuma dessas missões foram apresentadas tratativas contra o garimpo ilegal, de apoio à segurança alimentar do povo indígena que vive naquela região ou qualquer outra ação em defesa dos direitos humanos. E nenhuma visita foi feita ao território Yanomami, mesmo

(custo da viagem) ser bem caro, nós não conseguimos levar todos”, afirmou Ivo Macuxi, advogado do CIR.

Quando esteve em Boa Vista, no dia 21 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) confirmou que a superlotação na Casai é causada pelos indígenas que não conseguem retornar para o território após receber atendimentos e seus salários.

“A gente não pode entender como é que um País, com as condições que tem o Brasil, deixa os nossos indígenas abandonados como eles estão aqui. Ou seja, são pessoas trazidas para cá para receber salário e, depois, não sabem quando voltam. Eles são agentes de saúde, são pessoas que estão há seis meses aqui, tem filha, tem crianças lá na aldeia e não têm como voltar. Ou seja, ninguém tem certeza de nada aqui. Então, eu vim para cá para dizer que nós vamos tratar os nossos indígenas como seres humanos”, explicou o presidente.

diante de denúncias e recomendações em prol da dignidade humana dos povos originários.

ABANDONO

Segundo o Conselho Indígena de Roraima (CIR), os indígenas que estão pelas ruas de Boa Vista são os que não conseguiram retornar para suas comunidades após atendimento médico, por conta da falta de transporte, já que o acesso ao território é somente por via aérea. Na Casa de Apoio ao Indígena (Casai), a capacidade é de 300 pessoas, mas o local atende, atualmente, 700 Yanomami, além de outras etnias.

“De fato, nós temos grupos de indígenas da região de Arami e Xexena, da Terra Indígena [TI] Yanomami, que foram as primeiras comunidades impactadas na década de 1970, com a construção do perímetro norte da estrada que cortou a TI e essa comunidade sofre os impactos até hoje, já que muitos estão na capital com filhos e mulheres. Aqui, em Boa Vista, o CIR está acompanhando esses indígenas que vivem nessa situação sem conseguir voltar para casa. Nós ajudamos, inclusive, com alimentação e, em alguns casos, conseguimos levar de volta esses indígenas para o território, mas por conta de o valor

POSICIONAMENTOS

A reportagem procurou o Governo de Roraima e a Prefeitura Municipal de Boa Vista questionando sobre a atuação dos dois poderes Estadual e Municipal nos atendimentos aos indígenas Yanomami em situação de rua, que foram em busca de atendimento médico e não conseguiram retornar, e outros que foram para sacar salário, mas também não conseguiram retornar à Terra Indígena. Até a publicação da reportagem, não houve retorno.

CONTEXTO SOCIOLÓGICO

Não é apenas na capital que há registros desses indígenas abandonados, há, ainda, outro fator, o das mulheres indígenas que andam com os seus filhos no colo, que externam ainda uma preocupação. Em alguns casos, houve notícias até de atropelamento, o que fez com que um radar de velocidade fosse colocado bem na

entrada do ramal [estrada] que dá acesso à Casai, para evitar acidentes.

É sempre em um grupo grande. A reportagem flagrou, em diferentes horas do dia, dezenas de indígenas Yanomami e de outras etnias andando a pé pela rodovia BR-174.

Sobre a situação de rua vivida pelos indígenas, o professor de Antropologia da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Alexandro M. Namem ressalta a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para essa parte da população.

“É preciso uma abordagem multidisciplinar, com médicos, serviço social, antropólogos e, principalmente, com tradutores bilíngues ou poliglotas, pois é muito difícil, em algumas situações, você se comunicar por meio do português com pessoas que são de outras civilizações, como no caso dos indígenas”, pontua Alexandro.

Ele salienta, ainda, a necessidade de cuidado e existência de diálogo e acolhimento no momento da retirada dos indígenas

em situação de rua. “Esse cuidado deve ser tomado. Não podemos tirá-los da rua à força. Tem que haver uma conversa, para ver se eles têm a intenção de serem acolhidos em alguma instituição que esteja apta a recebê-los e proporcionar o que eles desejam, uma vez que o País é pluriétnico e deveria, inclusive, ser reconhecido como um País plurinacional”, analisa.

O professor de Antropologia destaca que a prática política equivocada do Estado pode trazer grandes impactos. “O ponto importante que precisamos enfatizar é que uma vez que o Estado se omite e pratica política equivocada, anti-indígena, ele causa impactos muito mais amplos do que se possa imaginar. Essas populações, que são diferenciadas de nós, têm formas diferentes de ver o ser humano e, quando você impacta negativamente uma população que é diferenciada, isso incide sobre a ontologia, mitologia e cosmologia”, explica o professor.

Abrigos da Operação Acolhida, na capital de Roraima, Boa Vista Migração Venezuelana Com o agravamento da crise econômica e social na Venezuela, o fluxo de cidadãos venezuelanos para o Brasil cresceu, maciçamente, nos últimos anos. Entre 2015 e maio de 2019, o Brasil registrou mais de 178 mil solicitações de refúgio e de residência temporária, segundo informações do site da Unicef Brasil. A maioria dos migrantes entra no País pela fronteira norte do Brasil, no Estado de Roraima, e se concentra nos municípios de Pacaraima e Boa Vista, capital do Estado.

Para acolher parte dessa população, 11 abrigos oficiais foram criados em Boa Vista e dois em Pacaraima. Eles são administrados pelas Forças Armadas e pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Mais de 6,3 mil pessoas, das quais 2,5 mil são crianças e adolescentes, vivem nos locais. Estima-se que quase 32 mil venezuelanos morem em Boa Vista. Projeções das autoridades locais e agências humanitárias apontam que 1,5 mil venezuelanos estão em situação de rua na capital, dentre eles, quase 500 têm menos de 18 anos.

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Ricardo Oliveira

Cultura de ódio

Roraima tem histórico de conflitos com indígenas que passam pela demarcação de territórios

MANAUS (AM) – A historiadora e mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Elisangela Martins explica que há uma cultura de ódio aos Yanomami – e aos indígenas – vivenciada em Roraima que remonta ao conflito entre duas visões de mundo que surgiram com a redemocratização do Brasil. Nessa época, os indígenas conquistaram representatividade e autonomia na sociedade brasileira. Até a promulgação da Constituição de 1988, eles viviam sob a tutela do Estado.

Por outro lado, havia a defesa do garimpo, da exploração do ouro e derrubada de florestas e poluição de rios para a garantia de lucros. “São duas visões antagônicas. E o fato de Roraima ser produto da colonização explica o ódio aos indígenas e aos Yanomami, em particular”, diz Elisangela.

Em meio ao choque de visões de mundo antagônicas, que resultou em extermínios e descaso do poder público em relação aos povos tradicionais, os indígenas conquistaram importantes avanços. É o caso da demarcação da Terra Yanomami no governo Collor e da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no norte de Roraima, finalizada em 2009.

De acordo com informações da Agência Câmara de Notícias, o processo de demarcação da Raposa Serra do Sol começou no fim dos anos 1970. A homologação só ocorreu em 2005, seguida de várias contestações judiciais encerradas em 2009, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu a demarcação contínua do território.

Segundo publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 19 de março de 2009, o STF encerrou o jul-

gamento da Petição n.º 3388 que questionava, em ação popular ajuizada pelo senador Augusto Affonso Botelho Neto, a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A ação pedia a declaração de nulidade da Portaria n.º 534 do Ministério da Justiça, homologada pela Presidência da República, em 15 de abril de 2005.

“Houve muita resistência, muita gente entrando na Justiça contra a demarcação em área contínua”, lembra a professora.

“Há pessoas que acreditam que um dos motivos do impeachment do Collor foi a homologação da Terra Indígena Yanomami. E a política indigenista do governo Lula, que respeita as decisões constitucionais, também teria influenciado o antipetismo”.

Por outro lado, o ódio aos indígenas surgiu antes da homologação da Terra Yanomami e da Raposa Serra do Sol e se agrava à medida que as demarcações ocorrem. No último caso, a proposta de homologação dessa última causou revolta entre rizicultores que se instalaram na área com incentivos dos governos militar e do Estado de Roraima, após a redemocratização.

“Anos depois, houve um terrorismo da mídia sobre uma possível crise econômica sem precedentes em Roraima. No entanto, o arroz produzido no Rio Grande do Sul era mais barato do que o produzido aqui”, frisa Elisangela. Atualmente, o turismo sustentável e a produção agrícola são os destaques da atividade econômica na TI Raposa Serra do Sol. O processo de demarcação, no entanto, pode levar décadas para ser efetivado. No entanto, a crise humanitária entre os Yanomami foi agravada por ações deliberadas do governo federal, nos últimos quatro anos. “É urgente cumprir de forma

estrita a Constituição, inclusive regulamentando os artigos que esperam, há mais de 30 anos, por regulamentação”, diz a professora. “Ainda existem muitos empecilhos para um grupo indígena conseguir estabelecer um processo de exploração turística em sua terra, por exemplo, e garantir melhores condições de subsistência”.

Outra medida necessária para a mudança, na opinião da professora, é “garantir maior conhecimento da história indígena no País. No Sudeste, ainda tem gente ensinando que os índios foram todos mortos e que só existem alguns sobreviventes fadados ao desaparecimento”.

HISTÓRICO DE CONFLITOS

Após a instituição da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o território se tornou a maior reserva indígena em área contínua do mundo e a homologação virou polêmica nacional, já que não indígenas, como agricultores, foram obrigados a saírem da área, o que resultou em conflitos. Na época, 194 comunidades, com cerca de 19 mil indígenas de povos como Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana viviam no local.

A existência e expansão de territórios indígenas resulta em conflitos e o fato de existirem, em Roraima, 33 terras indígenas em diferentes etapas de demarcação

e homologação, ocupando mais de 5 milhões de hectares, acentua a tensão. O antropólogo Ademir Ramos, em entrevista à REVISTA CENARIUM, em outubro de 2022, afirmou que Roraima é um Estado anti-indígena.

“Lá temos uma grande população indígena, que são os Macuxi, Wapichana e Yanomami. Esse confronto que estão vivendo agora advém de muito tempo, porque ali é uma disputa por interesse econômico quanto à questão mineral.

Esses grupos de fora, aliados com apoios locais, quase sempre de origem militarizada, avançam em territórios indígenas. O confronto é pesado naquela região”, finalizou ele, à época.

Vista aérea de uma casa Yanomami no Alto Catrimani, na Terra Indígena Yanomami
“São duas visões antagônicas. E o fato de Roraima ser produto da colonização explica o ódio aos indígenas e aos Yanomami, em particular”
Elisangela Martins, historiadora e mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Daniel Amorim – Da Revista Cenarium
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Crédito: Bruno Kelly ISA
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Urbanizar e Humanizar

Manaus ganhará neste ano o ‘Parque Gigantes da Floresta’; obra foi iniciada em parceria entre Governo e Prefeitura

Daniel Amorim – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A partir de dezembro deste ano, moradores dos bairros Tancredo Neves e Mutirão, respectivamente zonas Leste e Norte de Manaus, terão um novo espaço para o lazer e a prática de atividades físicas. O Parque Gigantes da Floresta, que será construído no Corredor Ecológico do Mindu, na divisa entre os dois bairros, funcionará também como ponto turístico e de habitação popular.

As obras para a construção do parque começaram logo após a assinatura da ordem de serviço, pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (UB), e prefeito da capital, David Almeida (Avante), no dia 19 de janeiro. O projeto contará com suporte da Unidade Gestora de Projetos Especiais (UGPE).

O local terá quadras para futevôlei, futebol de areia, pista de skate, playground e área para caminhada e área de zumba. A população local também poderá usufruir de academias ao ar livre, praça molhada e pista para caminhada. O projeto, com orçamento previsto de R$ 51,8 milhões, será viabilizado por meio de parceria entre o Governo do Amazonas com contrapartida da Prefeitura de Manaus.

Para o governador do Amazonas, Wilson Lima, o parque vai atender a uma antiga demanda dos moradores. “É uma obra simbólica. Vamos deslocar a movimentação de gente que procura lazer na Ponta Negra. Isso vai ser importante para as famílias e crianças, e melhorar o comércio”.

O prefeito de Manaus, David Almeida, anunciou que o espaço abrigará uma feira modelo e eventos de final de ano, como o Réveillon. “Em 2022, vimos uma programação de Natal especial no Largo São Sebastião. Neste ano, vamos mudar o eixo turístico de Manaus para as duas áreas mais populosas da cidade”.

Almeida disse, ainda, que serão anunciadas outras obras estruturantes neste ano.

MULTIUSO

O presidente do Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb), Carlos Valente, ressaltou que o parque terá função multiuso. “Serão construídas 180 habitações para dar melhores condições de moradia à população daqui e um CAPS [Centro de Atendimento Psicossocial] será disponibilizado. Teremos espaço para todos, desde a criança até o idoso”, ressaltou o presidente.

A líder comunitária do Tancredo Neves, Eliane Nepomuceno, celebrou a iniciativa. “Quando precisávamos aproveitar um momento de lazer, íamos para as quadras das escolas do bairro. Porém, nem sempre as escolas ficavam abertas nos finais de semana”.

A ideia inicial era construir o complexo na Avenida das Torres. Liderança comunitária do Mutirão, o vereador Raulzinho (PSDB) sugeriu que o complexo fosse alocado na fronteira entre as zonas Norte e Leste. “Nós, que realizamos um trabalho social com as crianças, sabemos que falta um espaço para as famílias frequentarem com seus filhos”, explicou.

Referência internacional

Durante pronunciamento na assinatura do termo, o governador Wilson Lima destacou outras iniciativas de fomento ao turismo no Amazonas. Uma linha direta de voos partindo de Manaus para Miami e Panamá já está disponível. Em março, deverão ser inaugurados os trechos para Bogotá, na Colômbia, e San Domingo, capital dominicana.

“Estamos trabalhando para que o Amazonas seja um ponto de referência de linhas internacionais. Nosso foco

“Em 2022, vimos uma programação de Natal especial no Largo São Sebastião. Neste ano, vamos mudar o eixo turístico de Manaus para as duas áreas mais populosas da cidade”

David Almeida, prefeito de Manaus.

para as quadras das escolas do bairro. Porém, nem sempre as escolas ficavam abertas nos finais de semana”

é a Copa de 2026, porque os turistas que saem tanto do Brasil quanto de outros países deverão passar por aqui”, explicou.

O prefeito David Almeida informou que negociou a reestruturação de vagas em hotéis de Manaus para receber os viajantes, na modalidade conhecida como ‘stopover’. “Quem vier do sul do Brasil para Manaus vai poder se hospedar por até três dias sem custo adicional”, finalizou.

“É uma obra simbólica. Vamos deslocar a movimentação de gente que procura lazer na Ponta Negra. Isso vai ser importante para as famílias e crianças, e melhorar o comércio”

Wilson Lima, governador do Amazonas.

“Quando precisávamos aproveitar um momento de lazer, íamos
Eliane Nepomuceno, líder comunitária do Tancredo Neves.
O governador do Amazonas, Wilson Lima, e o prefeito de Manaus, David Almeida (ao centro), no evento de assinatura da ordem de serviço para o início das construções do novo parque Imagens do projeto do Parque Gigantes da Floresta Crédito: Divulgação
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Celeridade na análise das contas

Domicílio Eletrônico de Contas concentra comunicação processual pela internet. Plataforma é direcionada para gestores e cidadãos com processos tramitando na Corte de Contas Lucas Silva – Especial para a Revista Cenarium

MANAUS (AM) – De presença consolidada no meio digital, o Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) lançou o Domicílio Eletrônico de Contas (DEC) para levar tecnologia e agilidade à comunicação entre as partes dos processos da Corte de Contas. O DEC permite o envio de documentos, petição e acompanhamento de processos, informações sobre a movimentação, além de outros serviços.

Com a efetivação da plataforma, o TCE-AM mostra continuidade no processo de modernização da Corte de Contas, que hoje conta com uma estrutura capaz de realizar julgamentos de forma 100% virtual, desde o protocolamento de documentos, comunicações de processos, julgamentos no Plenário Virtual à publicação de decisões em edital online.

“O Domicílio Eletrônico é mais uma ferramenta que chega para somar às atividades do Tribunal. A possibilidade de termos todo o processo de julgamento 100% virtual é sinal de que o TCE Amazonas avança junto com a tecnologia. E o principal, por meio de uma plataforma segura, transparente, e acessível ao cida-

dão”, destacou o presidente da Corte de Contas, conselheiro Érico Desterro.

Os gestores jurisdicionados, advogados e cidadãos que são partes em processos devem realizar o cadastro até o dia 17 de fevereiro. Ao final do prazo, o protocolamento de documentos via e-mail e a plataforma “Área de Advogados”, no portal do TCE-AM, serão desativados. Para o protocolo de documentos em geral, o

Segurança

Os acessos são permitidos conforme perfil do usuário, que é dividido em três níveis.

O acesso A permite consulta e visualização das tramitações e peças iniciais de processos não sigilosos; o nível de acesso B permite a visualização das tramitações dos processos de controle externo em que o usuário é parte do processo; e o nível de acesso C permite a visualização, em tempo real, das peças de todos os processos não sigilosos, independentemente de ser ou não parte do processo.

Cada tipo de acesso será permitido conforme o respectivo perfil do usuário.

O perfil pessoal é voltado aos gestores, ex-gestores, advogados, servidores públicos aposentados, contadores, procuradores, defensores e cidadão em geral que venha a demandar o TCE-AM.

Já o perfil institucional é pertinente às unidades jurisdicionadas à Corte de Contas, e o perfil órgão de controle, voltado aos agentes públicos que estiverem envolvidos na fiscalização e no controle do processo.

DEC já está em pleno funcionamento desde o mês de dezembro.

O DEC será a plataforma exclusiva para comunicação tanto com gestores jurisdicionados à Corte de Contas, quanto para cidadãos da sociedade civil que sejam partes de processos. Quem não realizar o cadastro será chamado por meio de edital, não existindo mais chamamento por e-mail ou endereço postal.

“Toda a comunicação será feita dentro dessa plataforma. Ao invés do Tribunal enviar uma carta pelo correio para o domicílio físico, a gente vai enviar uma comunicação virtual, eletrônica, por meio dessa nova plataforma dentro do portal

e-Contas. Hoje, as comunicações têm certa morosidade, existe um tempo entre se emitir uma notificação e, de fato, o gestor receber. Com o domicílio, a comunicação será otimizada e simplificada”, destacou a secretária de Tecnologia da Informação do TCE-AM, Sheila Nóbrega, ao explicar sobre a plataforma.

O acesso pode ser feito por meio do link https://dec.tce.am.gov.br/ . Para realizar o cadastro, o cidadão deve utilizar o mesmo login do portal Gov.br. É necessário que o usuário seja nível “Prata” de segurança no site do Governo Federal para obter permissão de acesso ao Domicílio Eletrônico de Contas.

“O Domicílio Eletrônico é mais uma ferramenta que chega para somar às atividades do Tribunal. A possibilidade de termos todo o processo de julgamento 100% virtual é sinal de que o TCE Amazonas avança junto com a tecnologia” Érico Desterro, presidente do TCE-AM.

Atendimento de dúvidas

A Secretaria de Tecnologia (Setin) do TCE-AM está disponibilizando canais de atendimento para solucionar dúvidas a respeito do cadastro no DEC, por meio do e-mail setinatende@ tce.am.gov.br, ou pelos telefones 3301-8118 e 3301-8119.

Conselheiros do TCE-AM reunidos para uma sessão de análise de contas Crédito: Ana Claudia Jatahy TCE
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Crédito: Divulgação

bilidade dos terroristas”, as punições contra o crime de terrorismo estão tipificadas em lei aprovada em 2016 e nos artigos 359 e 29 do Código Penal, por exemplo.

“Aconteceram situações gravíssimas que podem resultar em até 15 anos de prisão”, exemplifica Livianu, em alusão às agressões a jornalistas e destruição de obras de artistas brasileiros reverenciados no mundo inteiro, como Di Cavalcanti. “Manifestações, por outro lado, são eventos pacíficos. É preciso ter em vista que o objetivo do terrorista é desestabilizar”.

Por isso, Livianu avalia como acertada a mobilização das secretarias de segurança do País para reprimir atos antidemocráticos, medida implementada após reunião de governadores com o presidente Lula (PT) no dia 9 de janeiro.

Congresso tomado por extremistas bolsonaristas

Terrorismo ‘verde e amarelo’

Especialistas analisam atos contra os Três Poderes

Daniel Amorim – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Desde o fim da ditadura civil-militar no Brasil, em meados da década de 1980, a sociedade brasileira não presenciava ataques tão graves à democracia, no País, como os executados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro contra os Três Poderes, no dia 8 de janeiro, em Brasília (DF).

A invasão do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, associada à destruição de

obras de arte e do patrimônio público, reacendeu o alerta contra o fantasma do autoritarismo e colocou o verbete “terrorismo” de volta aos debates.

Sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antônio Nascimento ressalta que é preciso diferenciar a destruição do patrimônio público da defesa da violência contra os valores democráticos.

“Não é uma questão de destruir prédios. São estruturas impessoais. Foram atentados contra a sociedade brasileira e às bases de sustentação da sociedade e os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, explica.

Nascimento acrescenta que as imagens de carros e prédios explodindo, celebrizadas em produções hollywoodianas, apresentam uma noção limitada do que pode ser definido como terrorismo. “Houve um atentado doméstico. Entretanto, no final do ano, ocorreu uma tentativa de explodir bombas e carros de combustíveis no aeroporto de Brasília”.

GUERRA DE NARRATIVAS

O procurador do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, lembra que, “apesar da guerra de narrativas para tentar suavizar a responsa-

Ele afirma que essa vigilância deve ser replicada no âmbito federal, entre o Ministério da Defesa, da Justiça e as respectivas secretarias nacionais. “Além disso, líderes do Senado e da Câmara dos Deputados precisam cobrar posicionamentos contrários ao terrorismo por parte dos parlamentares. Caso contrário, deverão ser chamados para o Conselho de Ética e punidos por falta de lealdade à Constituição”, complementa Livianu.

MOTIVAÇÕES

No contexto clínico, quais as motivações que levam pessoas a cometerem atos violentos em defesa de uma ideologia?

O psicólogo Daniel Augusto Pinheiro, doutorando em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), diz que podem ser identificados três perfis entre os participantes dos atos na capital federal.

“Há pessoas que foram motivadas com a intenção de destruir e furtar. Há pessoas que não tinham essa motivação e acabaram se deixando levar por isso. Outras foram participar da manifestação e deram aval, mas não chegaram a cometer um crime. No entanto, ato criminoso é ato criminoso”.

Outra questão relevante diz respeito às influências dos atos terroristas. “Eles partem de interesses individuais, políticos, financeiros, de uma ideologia pessoal? É necessário identificar a origem. O radica-

lismo nunca proporciona uma discussão saudável para o entendimento das partes”, destaca o especialista.

Pinheiro pontua, ainda, que experiências de nível familiar, profissional e social também podem contribuir para formar uma postura radicalizada, o que não justifica ações irresponsáveis e criminosas.

“Essas pessoas têm lidado com atitudes abusivas no âmbito pessoal, profissional e social. Quando elas se deparam com o diferente, não conseguem ter um senso de entendimento em relação a isso. Portanto, de alguma forma, elas querem impor suas visões como uma maneira de resgatar seu entendimento”.

Presos amazonenses

Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Os amazonenses detidos em Brasília após os ataques aos Três Poderes poderão ser transferidos para as instituições penais do Amazonas. A decisão caberá ao ministro Alexandre de Moraes. O desenrolar do caso é acompanhado pela Defensoria Pública do Estado (DPE-AM), que dá suporte à Defensoria Pública da União (DPU), em Brasília.

Os órgãos monitoram a situação de, pelo menos, três pessoas apontadas de participar do vandalismo que seriam do Amazonas. Informações extraoficiais dão conta de que seriam um homem de 40 anos e duas mulheres, uma de 30 e outra de 50.

Em comunicado, a DPU informou sobre os trâmites processuais: “As pessoas mantidas presas serão procuradas pelos defensores públicos nos presídios para declarar se pretendem aguardar o julgamento no Distrito Federal ou nos Estados de origem. Os pedidos de recambiamento serão apresentados ao STF para apreciação do ministro Alexandre de Moraes”, detalhou a DPU. Após todas as etapas de acusação e defesa cumpridas, se condenados, os amazonenses, bem como todos os envolvidos, poderão ser enquadrados e sentenciados pelos seguintes crimes: atos terroristas, associação criminosa, abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, ameaça, perseguição e incitação ao crime.

Estátua da Justiça, em frente ao STF, vandalizada durante os atos de 8 de janeiro
“Líderes do Senado e da Câmara dos Deputados precisam cobrar posicionamentos contrários ao terrorismo por parte dos parlamentares”
Roberto Livianu, procurador do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.
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Crédito: Marcelo Camargo | Ag Brasil Crédito: Reprodução Internet Poder
Crédito: Divulgação

Acre: saneamento precário

Na Região Norte, Estado tem baixo índice de abastecimento de água e sistema de esgoto, aponta estudo

MANAUS (AM) – O Estado do Acre tem, aproximadamente, 65% de índice de abastecimento de água e menos de 20% de esgotamento sanitário, porcentagens consideradas baixas pelo “Livro Azul da Infraestrutura – Edição 2021”, da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).

A pesquisa indica ainda que o antigo Departamento de Águas e Saneamento (Depasa) do Estado enfrenta dificuldades operacionais, financeiras e tem pouca capacidade de investimentos.

Divulgado no início de dezembro de 2022, o estudo detalha o andamento de projetos de infraestrutura dos Estados e municípios, contando com a colaboração direta de secretários estaduais e municipais. O Acre tinha população estimada em 906 mil pessoas, em 2021, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e teve, em 2020, primeiro ano da pandemia, o segundo menor PIB do País, com participação de 0,2% na economia brasileira.

No Estado – que é um dos sete que integram a Região Norte – o “Livro Azul” acrescenta que o sistema de abastecimento de água apresenta alto índice de perdas, pouca eficiência na gestão comercial, ausência de ações de combate às fraudes

e problemas operacionais diversos, que resultam em altos custos de operação.

A solução apontada é a participação privada na busca da universalização do saneamento básico do Estado do Acre, o que eliminaria a necessidade de aportes recorrentes do governo estadual no Departamento, de, aproximadamente, R$ 60 milhões por ano.

“Os investimentos em infraestrutura são fundamentais para que o País possa recuperar o seu caminho do crescimento econômico, de forma sustentável, explorando todo o seu potencial produtivo dos mais diversos setores da economia. É amplamente reconhecido que sem uma infraestrutura de qualidade, será impossível o país alcançar o patamar de uma economia produtiva e competitiva”, diz o documento.

INVESTIMENTO PRIVADO

Além de apontar os projetos de infraestrutura nos 27 Estados do País, o levantamento indicou que o setor privado passou a investir mais nessas obras em cinco anos, e o número de investimentos públicos diminuiu no período. Entre 2016 e 2020, a parcela privada de investimentos no setor apresentou um aumento de 14,2%, elevação de R$ 85,8 bilhões para R$ 98 bilhões. No mesmo período, a parcela

pública caiu de R$ 42,3 bilhões para R$ 26,2 bilhões.

Em 2020, o investimento em infraestrutura somou R$ 124,2 bilhões, 3,0% inferior aos R$ 128,1 bilhões de 2016.

“A expansão do investimento privado não foi suficiente para compensar a forte retração do investimento público, resultando em uma contração substancial dos investimentos no setor”, alerta ainda o levantamento.

906 mil

0,2%

A população estimada do Acre, em 2021, era de 906 mil pessoas, conforme o IBGE. Em 2020, primeiro ano da pandemia, o Acre teve o segundo menor PIB do País, com participação de 0,2% na economia brasileira. Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Cidades da Amazônia têm histórico de desabastecimento de água e falta de saneamento básico
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Crédito: Ricardo Oliveira

Negócios com ‘hermanos’

Moeda para o bloco comum do Mercosul pode beneficiar

Polo Industrial de Manaus, dizem economistas

MANAUS (AM) – Uma possível moeda comum para a América do Sul pode trazer benefícios ao Polo Industrial de Manaus (PIM) é o que dizem economistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM, logo após o anúncio do debate promovido entre Brasil e Argentina para a criação da “Sur”, nome dado à moeda sul-americana. A proposta veio à baila com a recente visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua comitiva, ao vizinho país do Cone Sul.

Os detalhes de como funcionaria a moeda comum ainda não foram divulgados, mas, segundo as equipes econômicas de Brasil e Argentina que trabalham na proposta de criação da moeda, o objetivo seria reduzir custos operacionais e a dependência de moedas estrangeiras, facilitando o uso nos fluxos comerciais e financeiros.

A economista Denise Kassama assinala que o Polo Industrial de Manaus (PIM) teria muito a ganhar com a possibilidade de abertura para uma moeda comum no Mercosul. “Pode ser muito interessante, porque abre um caminho ou, no mínimo, expande um canal para que o PIM possa exportar com força para países como a Argentina, por exemplo”, destacou.

Kassama vê com bons olhos a criação de um câmbio comum entre os países da América do Sul. “A criação de uma moeda comum entre os dois ou mais países pode impulsionar o comércio entre os países e, com isso, reduzir a dependência em relação ao dólar, e isso viria para facilitar as transações comerciais de exportação e importação”, afirmou.

CAMINHO

O economista Inaldo Seixas também acredita que o PIM pode se beneficiar: “Veja bem, não está se falando em uma moeda de união monetária. É uma moeda que não acabaria com o Real ou com o Peso. Seria algo para transações financeiras entre os dois países e, se nós queremos aumentar a exportação, esse pode ser o caminho e, aí, o PIM pode tirar proveito”, analisou.

Ainda segundo Seixas, o PIM tem uma certa timidez na exportação para o Cone Sul, mas, isso pode mudar. “Estudam-se linhas de crédito para financiar compras da Argentina ao Brasil e, nesse caso, o PIM tem algumas linhas de exportação. É pouco, mas exportamos motos e alguns outros produtos, por exemplo. Mas, se alavancar a exportação de forma geral, a tendência é o PIM aumentar as exportações e se beneficiar”, concluiu.

TEMPO

Para Denise Kassama, a ideia é muito interessante para o Brasil, mas, precisa sair do papel: “O Brasil é um grande exportador e isso permitiria o acúmulo de uma boa reserva cambial”, observou. “Mas, esse projeto vem se arrastando desde os tempos do Sarney e é preciso entender que existem diferenças econômicas, por exemplo: a inflação da Argentina é bem maior que a nossa, tem as questões tributárias e o Brasil, inclusive, está à espera de uma reforma nessa área. Então, não é algo simples”, finalizou.

O presidente Lula e o presidente da Argentina, Alberto Fernández, durante encontro em Buenos Aires que pode ser o marco de uma nova moeda

Mencius Melo – Da Revista Cenarium
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Crédito: Ricardo Stuckert Pr Ag Brasil

Dados são do relatório “Ranking de Competitividade dos Estados”, do Centro de Liderança Pública (CLP), de 2022

Ranking de gestão

Mato Grosso é destaque em solidez fiscal e competitividade entre os Estados, aponta estudo Marcela

MANAUS (AM) – O Mato Grosso ocupa o 1º lugar no ranking que mede a solidez fiscal dos Estados brasileiros e a 5ª posição, quando o assunto é competitividade, segundo o relatório “Ranking de Competitividade dos Estados”, do Centro de Liderança Pública (CLP), de 2022. Integrante da Amazônia Legal, o Mato Grosso é o Estado da região com a melhor posição.

A solidez fiscal, conforme o CLP, é condição fundamental para o crescimento

Ranking de solidez scal dos Estados

sustentado de longo prazo de um País, Estados ou municípios. Se as receitas governamentais ficam continuamente abaixo das suas despesas, o governo incorre em resultados fiscais negativos (déficits) e, por consequência, há um aumento de seu endividamento e diminuição da capacidade para investir na ampliação e na manutenção dos serviços públicos.

“A baixa oferta e a qualidade dos serviços públicos geram prejuízos econômicos e sociais aos seus cidadãos. Um governo

que não consegue ‘fechar suas contas’ perde credibilidade e confiança por parte dos contribuintes, empresas e investidores nacionais e internacionais”, explica a organização.

Ocupando a 1ª posição, o Mato Grosso é seguido pelos Estados do Espírito Santo, Alagoas, Bahia e Pará (também na região amazônica). Em último lugar está o Rio Grande do Norte. Em relação à edição passada, o Mato Grosso passou da 2ª para a 1ª colocação, o Espírito Santo caiu da

1ª para 2ª colocação, e Alagoas subiu da 5ª para a 3ª colocação.

COMPETITIVIDADE

O Ranking de Competitividade tem por objetivo alcançar um entendimento mais profundo dos 27 Estados, levando para o público uma ferramenta simples e objetiva para pautar a atuação dos líderes públicos brasileiros na melhoria da competitividade e da gestão pública dos seus Estados.

“O elemento competitivo é compatível com a ideia de uma república federativa como a brasileira. A competição saudável faz com que Estados e municípios busquem melhorar seus serviços públicos, atraindo empresas, trabalhadores e estudantes para ali viverem e se desenvolverem social e economicamente”, diz o estudo.

Foram selecionados os indicadores considerados fundamentais para a promoção da competitividade e melhoria da gestão pública dos Estados brasileiros, distribu-

ídos em dez pilares temáticos: Infraestrutura, Sustentabilidade Social, Segurança Pública, Educação, Solidez Fiscal, Eficiência da Máquina Pública, Capital Humano, Sustentabilidade Ambiental, Potencial de Mercado e Inovação.

Os Estados mais bem posicionados no ranking foram São Paulo, na primeira colocação, e Santa Catarina, na segunda.

Nesta edição, houve troca de posição entre o terceiro e o quarto colocados, com o Paraná atingindo a 3ª colocação e o Distrito Federal recuando para a 4ª. O Mato Grosso ocupa o 5º lugar, neste ranking. Os três últimos colocados do Ranking de Competitividade dos Estados de 2022 foram Amapá, Maranhão – ambos na Amazônia Legal –, e Piauí.

Leiros –
100,0 98,0 92,0 84,2 79,2 77,5 77,3 76,8 76,5 75,5 73,2 69,2 69,1 66,8 65,8 61,1 60,1 59,0 57,0 55,2 54,4 48,5 44,7 40,1 13,7 6,0 0,0 MT ES AL BA PA RO AP CE MS PR GO AM PB RR SC SP SE DF PI PE AC TO MA RJ RS MG RN
Da Revista Cenarium
Fonte: "Ranking de Competitividade dos Estados", do Centro de Liderança Pública (CLP). Crédito:
51 50 www.revistacenarium.com.br REVISTA CENARIUM ECONOMIA & SOCIEDADE
Mateus Moura

Dicas para organizar as contas:

Que tal aproveitar as dicas da reportagem e começar o ano com o nome limpo? No site da Serasa, a plataforma dá dicas de como organizar as contas, aproveitando que o ano de 2023 está iniciando.

Endividados

é de R$ 4.493,31

Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A Serasa divulgou, em 25 de janeiro deste ano, o número de brasileiros inadimplentes no País. Os dados tiveram redução em dezembro de 2022. Segundo o Mapa da Inadimplência e Renegociação de Dívidas da Serasa, 69,4 milhões de pessoas tinham débitos a pagar, em dezembro do ano passado. Desse total, 5.850.792 pessoas estão nos sete Estados da Região Norte. Pará e Amazonas são os que concentram a maior parte dos endividados.

O cartão de crédito continua sendo o maior vilão, com 28,7% das dívidas, seguido pelas Contas Básicas (22,25%) e pelo setor de varejo [supermercado ou roupas] (11,47%). Se somados, o valor de todas as dívidas ultrapassou a quantia de R$ 1.954.671.195,76, em dezembro passado, na Região Norte. O valor médio

das dívidas de cada inadimplente passou a ser de R$ 4.493,91.

São quase 4 milhões de pessoas com dívidas no Pará e no Amazonas, Estados mais populosos da região. Já Acre e Roraima concentram o menor número de pessoas com dívidas pendentes: juntos, ambos registram quase 500 mil pessoas.

As principais causas para a queda na inadimplência em dezembro foram o pagamento do 13º salário e as negociações do Feirão Serasa Limpa Nome, que disponibilizou mais de 250 milhões de ofertas. Com descontos de até 99%, a ação permitiu que 8,4 milhões de acordos fossem fechados, entre novembro e dezembro – o maior número de negociações da história da Serasa. O volume de descontos concedidos no período chegou a mais de R$ 10 bilhões.

“Ao longo de 2022, promovemos inúmeras ações para ajudar o consumidor a recuperar crédito no mercado”, lembra Aline Maciel, gerente da plataforma Serasa Limpa Nome. “O Feirão, ápice dessas ações, estimulou que parte do 13º Salário fosse usado pelos brasileiros para pagar dívidas, reorganizar as finanças, reestabelecer a saúde financeira e retomar o crédito”, completa Aline.

A plataforma da Serasa mostrou que as mulheres são as que mais renegociaram suas dívidas em dezembro, com 53,3%. Em relação à faixa etária, consumidores de 31 a 40 anos lideraram o pagamento de dívidas, com 30,6%. Inadimplentes de 41 a 50 anos vêm em seguida, com 19,3% de acordos fechados. A Geração Z, formada por jovens de até 25 anos, representa 18,8% do total de negociações feitas em dezembro.

ADOTE UMA PLANILHA FINANCEIRA

Quando se trata da vida financeira, organização nunca é demais. Não há como se organizar financeiramente sem ter controle sobre os gastos. Quem conta apenas com a memória para visualizar as contas do mês acaba sendo surpreendido com algum boleto não planejado ou já precisou pagar multa por esquecer do vencimento de uma conta.  Não deixe de anotar todos os gastos (até o cafezinho), os compromissos financeiros assumidos e comparar esses custos com o dinheiro que entra mensalmente. Você pode continuar fazendo essas anotações em uma caderneta, se esse método estiver funcionando, mas adotar uma planilha de gastos facilita muito a organização.

PLANEJE GASTOS

O item anterior ajuda a cumprir este próximo passo. Ao colocar os seus gastos futuros no papel, você já se prepara, com antecedência, para aqueles boletos de valor considerável que não aparecem todo mês, como IPTU, IPVA ou a renovação do seguro do carro.

RENEGOCIE DÍVIDAS

Se você tem dúvidas de como se organizar financeiramente para sair do vermelho, essa precisa ser sua prioridade número um. Mesmo que você não tenha dinheiro para quitar completamente o que está devendo, é possível renegociar as dívidas e adaptar esse pagamento para a sua atual realidade financeira. Você pode negociar diretamente com os credores ou buscar intermediários, como a Serasa. Deixar as dívidas correrem só aumentará o problema.

TENHA UMA RESERVA

No cenário ideal, por menor que seja o seu salário, uma parte dele deve ser poupada. Criar uma reserva de emergência, mesmo que no começo seja pequena, traz tranquilidade e evita o pedido de empréstimos emergenciais, que sempre vêm acrescidos de juros. Dessa forma, você poderá bancar os gastos, quando surgir algum imprevisto, como o conserto do carro ou uma manutenção emergencial em casa.

SAIBA ECONOMIZAR

Para cumprir com o item anterior e conseguir poupar, é provável que você precise reorganizar hábitos. Mesmo que, aparentemente, não exista nenhum gasto que possa ser completamente cortado, é possível desembolsar um pouco menos fazendo as mesmas coisas, ao adotar pequenos ajustes no dia a dia.

CRIE UMA RENDA EXTRA

Avaliar novas formas de aumentar a receita doméstica é uma boa saída para quem quer fazer a reserva crescer mais rápido ou chegou à conclusão de que as dívidas vão demorar muito tempo para serem pagas só com o salário do mês. As possibilidades são muitas: você pode revender produtos, comercializar uma especialidade gastronômica ou até alugar um quarto da casa. Dependerá dos seus talentos e da estrutura à sua disposição.

Inadimplentes DADOS REGIONAIS FONTE: SERASA
Dados dos inadimplentes nos sete Estados da Região Norte. Consumidores de 31 a 40 anos lideraram o pagamento de dívidas, com 30,6% :
Norte registra quase 6 milhões de inadimplentes no Brasil; média das dívidas
Região
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Crédito: Ricardo Oliveira

‘Colômbia’ (ao centro) é apontado como mandante das mortes de Bruno e Dom

Bruno e Dom: ‘Colômbia’ foi o mandante, diz PF

Polícia Federal chega ao final do inquérito sobre assassinatos de indigenista e de jornalista britânico na Amazônia

Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A Polícia Federal (PF) já está com 90% do inquérito do duplo assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips concluído. A fase final aponta que o mandante intelectual do crime é Ruben Villar, conhecido como “Colômbia”. A informação foi confirmada pelo superintendente da PF do Amazonas, Eduardo Fontes, em coletiva de imprensa no dia 23 de janeiro, na sede da PF, localizada no bairro Dom Pedro, Zona Oeste de Manaus.

Conforme a PF, as investigações mostraram que “Colômbia” forneceu as munições e embarcações para a execução do crime, motivado por conta da fiscalização para combater a pesca ilegal na região. “Nós tivemos as provas dele fornecendo as munições. Temos uma ligação dele com um dos suspeitos de cometer o crime na antevéspera dos assassinatos. Nós estamos conscientes de que há indícios veementes de que ele é o autor intelectual do crime”, disse Eduardo Fontes.

O duplo homicídio também teve ainda a participação de Edivaldo da Costa, irmão de Amarildo da Costa, que, segundo a polícia, forneceu a arma de fogo usada no crime. Além de “Colômbia”, outras três pessoas foram indiciadas pelos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, são eles: Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “Pelado”; Oseney da Costa Oliveira e Jefferson da Silva Lima, conhecido como “Pelado da Dinha”. Os três são apontados como os executores do indigenista e do jornalista.

DENÚNCIA

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou Amarildo, Oseney e Jefferson por duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver, pelos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips. Apresentada ao juízo da Subseção Judiciária Federal de Tabatinga (AM), onde o processo tramita, a denúncia do MPF já foi recebida pelo juiz, que levantou o sigilo dos autos (número 1000481-09.2022.4.01.3201). Com isso, os três deixam de ser investigados e se tornam réus.

No documento, o MPF explica que Amarildo e Jefferson confessaram o crime, enquanto Oseney teve a participação comprovada pelo depoimento de testemunhas. A denúncia traz, ainda, prints de conversas e cita os resultados de laudos periciais, com a análise dos corpos e objetos encontrados.

documentos falsos, quando era ouvido na delegacia de Tabatinga sobre suposta participação nos homicídios. Ele negou envolvimento com o crime. Ao ser preso, afirmou à PF que conhecia Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, também envolvido nas mortes do indigenista e do jornalista. Na ocasião, o suspeito relatou existir apenas “relação comercial” com o pescador e outros da região de Atalaia do Norte.

À época, “Colômbia” compareceu à delegacia de forma espontânea, acompanhado de um advogado. Segundo o superintendente da PF, Eduardo Fontes, a prisão em flagrante ocorreu por conta da falsificação de documentos, cuja pena para esse tipo de crime é de quatro anos e não cabe pagamento de fiança. Por isso, conforme o delegado, o suspeito deve continuar preso.

PERÍCIA

Conforme o exame médico realizado pelos peritos da PF, a morte do jornalista britânico Dom Phillips foi ocasionada por “traumatismo toracoabdominal” provocado por disparo de arma de fogo com munição “típica de caça, com múltiplos balins, ocasionando lesões, principalmente, sediadas na região abdominal e torácica”, informou a PF em nota.

“Colômbia” já vinha sendo apontado como o mandante do crime pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). O delegado afirmou que nunca tinha descartado o envolvimento do suspeito.

“Nunca descartamos nenhuma linha investigativa e toda estratégia se revelou exitosa. Não tenho dúvidas, nós temos um mandante. Indícios veementes apontam para ‘Colômbia’ como mandante”, afirmou o delegado.

Segundo o MPF, já havia registro de desentendimentos entre Bruno e Amarildo por pesca ilegal em território indígena. O que motivou os assassinatos foi o fato de Bruno ter pedido para Dom fotografar o barco dos acusados, o que é classificado, pelo MPF, como motivo fútil e pode agravar a pena. Bruno foi morto com três tiros, sendo um deles pelas costas, sem qualquer possibilidade de defesa, o que também qualifica o crime. Já Dom, foi assassinado apenas por estar com Bruno, de modo a assegurar a impunidade pelo crime anterior.

FLAGRANTE

No dia 8 de julho de 2022, Ruben Villar foi detido em flagrante por uso de

Já o indigenista Bruno Pereira morreu em decorrência de “traumatismo toracoabdominal e craniano” acometido também por disparos de arma de fogo típica de caça e vários projéteis que ocasionaram “lesões sediadas no tórax/abdômen (2 tiros) e face/crânio (1 tiro)”, detalhou a perícia da PF.

O jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira desapareceram na região do Vale do Javari, no Amazonas, em 5 de junho deste ano, após serem ameaçados em campo. Os dois foram vistos, pela última vez, quando seguiam trajeto da Comunidade São Rafael ao município de Atalaia do Norte. Somente em 15 de junho, os remanescentes humanos das vítimas foram localizados.

Fontes, superintendente da PF no Amazonas.

Caso Dom e Bruno
“Nós estamos conscientes de que há indícios veementes de que ele é o autor intelectual do crime”
Eduardo
Crédito: Mateus Alencar | Cenarium
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Crédito: Ricardo Oliveira

“Quem me dera ao menos uma vez ter de volta todo o ouro que entreguei a quem conseguiu me convencer que era prova de amizade, se alguém levasse embora até o que eu não tinha”. Com as linhas desta poesia que embalou os pensamentos da juventude dos anos 1980, ouvimos Renato Russo e sua Legião Urbana tratar na música Índios, dentre tantas leituras, as consequências do processo de escravidão a que foram submetidos os habitantes originais de nossa Terrae Brasilis, o egoísmo do explorador europeu olhando só para si e seus ganhos, sem se preocupar com o que encontrou diante de si.

Não há quem não tenha se sentido chocado com as imagens e relatos dos nossos irmãos Yanomami encontrados em situações que somente vimos em livros de história ao descrever as condições vistas nos campos de concentração de judeus e outros indesejáveis, mantidos pela Alemanha nazista, nos fins da Segunda Grande Guerra, em 1945, corpos esqueléticos, desnutridos, maltratados pelo tempo, pelas intempéries e, sobretudo, pelo descaso e maldade de seus captores.

Traçando um paralelo com ambas situações, creio que somos levados a indagar “onde erramos?”, “acaso nada aprendemos com a história?”, “não estaríamos nós, geração dita pós-moderna, cometendo os mesmos pecados daqueles de outras épocas?” Explico.

Como aficionado por história que sou, tenho particular apreciação pelos livros e

Índios

relatos referentes a este momento histórico singular em que passamos, período pré, durante e pós Segunda Grande Guerra que, em parte considerável, deixou legados jurídicos, sociais e políticos que alcançam até os dias de hoje.

Tal qual os horrores do holocausto, a situação dos índios Yanomami, como de vários outros troncos indígenas de nosso País, não aconteceu do dia para a noite, não foi obra do acaso e, tampouco, pode-se dizer que era algo inesperado. De acordo com os relatos de Nuremberg, era impossível não saber o que estava acontecendo nos campos de concentração. A despeito de toda a retórica e propaganda, os habitantes das cidades próximas e, sobremaneira onde funcionavam os campos, tinham plena e total consciência do que se passava. Contudo, o silêncio foi sua resposta. Guardadas as devidas proporções, não é diferente o caso dos indígenas de nosso País.

Não é crível que, em anos de política indigenista, não se tenha conhecimento de que as áreas reservadas aos povos primitivos estavam sendo atacadas por garimpeiros, igualmente impossível de ser ignorado o fato de que, para a estrutura do Estado brasileiro, os índios não são prioridade nas políticas públicas, não estão nas pautas das atuações dos ministérios, afinal, politicamente falando, “índio” não gera votos, e, se não gera votos, para que então se preocupar? Ademais, povos indígenas, em grande parte, estão estabelecidos sobre terras cujo manancial de riquezas é, em muito, cobiçado, o que gera o sentimento

para a flora. A garimpagem devasta, de igual maneira, o meio ambiente cultural, de vida e dos costumes da comunidade indígena, atraindo os índios como mão de obra e levando à cobiça própria dessa truculenta atividade extrativista.

Situação esta para a qual há toda uma leniência constitucional, ocasionando todas as formas de devastação das terras originárias dos povos indígenas brasileiros. Neste aspecto, entendo que cabe à Constituição reconhecer a autenticidade da organização social, dos costumes, da língua, das crenças e das tradições, bem como da singularidade étnica, dos costumes e usos comunitários, atribuindo aos membros de uma comunidade indígena

uma identidade antropológica inconfundível e preciosa para a Nação brasileira, consequentemente com a defesa, pelo Estado e pela sociedade civil, de seus territórios, tornando-os reservas intocáveis, fundamentais para a sobrevivência dessas etnias.

Longe estamos, penso eu, de sermos comparados com os alemães do período de 1939 a 1945, contudo, muito maior é nossa responsabilidade enquanto indivíduos e sociedade de cuidar dos elos mais fracos de nossa corrente comunitária.

Parece absurdo, mas temos que lembrar que índios são também seres humanos, adoecem das mesmas doenças que os brancos, necessitam dos mesmos remédios, sentem

dor, solidão, fome, sangram do mesmo jeito e, do mesmo jeito, esperam a cura. Como diria o saudoso poeta de minha geração, “quem me dera ao menos uma vez explicar o que ninguém consegue entender, que o que aconteceu ainda está por vir e o futuro não é mais como era antigamente”. Que este futuro não seja tal qual o presente, que sejamos todos tratados com dignidade e respeito, que nossos irmãos, brasileiros indígenas, não precisem passar por holocaustos para ter observado o que lhes é devido.

(*) Professor de Direito Constitucional, advogado, especialista em Comércio Exterior e ZFM. IG: @anderson.f.fonseca.

para alguns de “perda de oportunidade” com as demarcações e o cuidado com os nativos.

Quando pergunto “onde erramos”, esta silepse é inclusiva. Todos erramos, indivíduos e organizações. Em breve pesquisa que fiz para a presente escrita, não consegui encontrar nenhuma manifestação parlamentar (independente de ideologia ou bandeira), da Ordem dos Advogados do Brasil, sobretudo de sua Comissão especial para a causa indígena, do Ministério Público, cuja atribuição constitucional é exatamente fiscalizar as situações envolvendo o direito dos povos originários ou de qualquer outro órgão ou comissão, isto a despeito de, pelo menos, 20 relatos e ofícios narrando o acontecido, protocolados nos Ministérios envolvidos, não contabilizadas as secretarias estaduais e municipais. Salvo a sociedade civil organizada que lida diretamente com o assunto, todos nos calamos ou preferimos não ver a realidade estampada diante de nós. Por outro lado, somos, quem sabe, um dos únicos países do mundo ocidental que ainda usa o garimpo como forma de extração e beneficiamento de reservas minerais, técnica esta praticamente abolida em países ditos desenvolvidos, haja vista o alto custo ambiental envolvido.

Notadamente, no caso da garimpagem, a destruição do meio ambiente natural é absoluta e eterna, criando uma chaga irremovível nas terras originárias, nos rios e lagos, com mercúrio e outras substâncias mortais para o homem, para a fauna e

ARTIGO – ANDERSON F. FONSECA
Anderson F. Fonseca Crédito: Acervo Pessoal
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Arte: Hugo Moura | Gettyimages

A animação, que está sendo produzida pela Split, contou com a participação de profissionais de diversos povos indígenas

‘Entre as estrelas’

Produtora brasileira cria game baseado nas lutas e resistências dos povos indígenas do Brasil

MANAUS (AM) – A produtora brasileira Split, de séries como “Hello Kitty & Friends – Supercute Adventures” e “Turma da Mônica”, lançou, recentemente, campanha de financiamento coletivo na plataforma Catarse para a construção de um game inspirado nas lutas dos povos originários do Brasil. “Entre as Estrelas” retrata a jornada das irmãs Ari e Tai em uma aventura onde a magia e os encantos permeiam a história. Além de divertir, de forma original, o jogo ainda lança luzes sobre o debate socioambiental. Quem quiser contribuir basta acessar www. catar.se/estrelas.

O roteiro de “Entre as Estrelas” não chega a ser estranho ao Brasil de 2023. “Quando queimadas criminosas expulsam uma comunidade inteira de seu lar, duas irmãs são separadas pelo

ataque de grileiros e se veem obrigadas a tomarem rumos diferentes na luta pela sobrevivência – da sua própria, de seu povo e de toda a região em que cresceram”, diz a sinopse do jogo.

O jogo e a narrativa foram inspirados nos povos Guarani Kaiowá e Kadiwéu, e na equipe de criação estão profissionais indígenas de variados povos. “Esse jogo é muito importante para mim, por falar sobre a questão indígena atual do Brasil e atentar à população de que, muito antes desse território ser ‘Brasil’, ele é um território indígena, que chamamos de ‘Pindorama’, e que existem várias narrativas que remontam os nossos antepassados, os nossos pais, os nossos avós”, declarou Nicolle Ansay, roteirista e produtora do projeto.

ARRECADAÇÃO

A campanha de arrecadação na plataforma Catarse vai até o dia 27 de fevereiro de 2023. Até o momento, arrecadou R$ 135 mil, com apoio de 1.500 pessoas. A Catarse é uma plataforma de cultura jovem e geek. Além de arrecadar para a construção do game, a Split vai repassar 15% da verba

arrecadada para associações indígenas, como a Associação Jovens Indígenas (AJI), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

Membro da equipe técnica do game, Ian Wapichana, instrumentalista e compositor do jogo, comentou sobre a felicidade de fazer parte do projeto: “Quando a gente está numa luta pela igualdade, equidade, transformação social e espiritual, a gente leva o nosso povo junto, que é a junção de todos esses (povos) que existem até hoje, mesmo após a colonização”, contextualizou.

Para o antropólogo Alvatir Carolino, ideias como a da produtora Split são muito bem-vindas: “É recorrente que as abordagens sobre os povos originários, indígenas tenham sempre a perspectiva naturalista ou divinizada. Portanto, quando produtos da indústria cultural trazem abordagens que situam indígenas na perspectiva de agentes sociais mobilizados frente às invasões e usurpações de suas territorialidades e modos de vida, considero louvável, oportuno e necessário”, avaliou o cientista.

“Esse jogo é muito importante para mim, por falar sobre a questão indígena atual do Brasil e atentar à população de que, muito antes desse território ser ‘Brasil’, ele é um território indígena”

As irmãs Tai e Ari adentram em uma jornada de magia para salvar seu povo e sua terra das ambições de grileiros

Nicolle Ansay, roteirista e produtora do projeto.
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‘Curumim’ faz 40 anos

Cartunistas comentam as quatro décadas do personagem icônico dos quadrinhos da Amazônia

MANAUS (AM) – Curumim, O Último Herói da Amazônia completa 40 anos em 2023. O personagem foi criado em 1983. A maturidade não é motivo para que a figura mais conhecida dos quadrinhos amazonenses e uma das mais festejadas criações das HQs amazônicas perdesse o vigor juvenil. Artistas dos quadrinhos e cartunistas comentaram sobre as quatro décadas de existência do “filho mais velho” do jornalista Mário Adolfo.

O quadrinista Marlon Brandão, autor da HQ “Titãs da Amazônia” e do mangá “Koutakusseis – A Saga na Vila Amazônia”, relembrou como conheceu o personagem. “Na minha infância, em Parintins, conheci o personagem adquirindo, nas antigas bancas próximas ao mercado municipal Mundico Barbosa. Eu os comprava assim que eu via algum exemplar ou via nas tiras de jornais que vinham de Manaus, à época”, disse.

Marlon comenta a dimensão alcançada pelo personagem no universo dos quadrinhos. “Na era de ouro dos quadrinhos brasileiros, o Curumim chegou ao auge dos mais conhecidos personagens indígenas do mundo infantojuvenil brasileiro. Tamanha foi sua fama por protagonizar uma criança indígena na Amazônia. O Curumim foi além das nossas fronteiras”, avaliou.

O Último Herói da Amazônia e sua turma, na mesa de desenhos de seu criador: o jornalista Mário Adolfo

REFERÊNCIAS E HISTÓRIA

O cartunista Regi Cartoon conta que o Curumim fez parte de seu crescimento profissional e foi uma das suas influências na construção e descoberta de seus próprios traços como artista dos desenhos. “O Curumim foi muito importante, porque quando eu estava começando, passei a buscar referências de quadrinhos, charges e caricaturas. Era a pesquisa para que eu me tornasse um profissional de verdade, e nisso o Curumim contribuiu bastante”, relembrou.

Criado pelo jornalista Mário Adolfo, o autor relembra a história. “Quando fazia faculdade de Jornalismo, na Ufam [Universidade Federal do Amazonas], respondia algumas questões das provas com charges. O professor Ribamar Bessa, da coluna ‘Taquiprati’, me convidou para colaborar com o jornal Porantim, em defesa da causa indígena. Era só charge batendo na Funai e denunciando o genocídio das nações indígenas”, contou.

Os exercícios nas aulas do professor Ribamar surtiram efeito: “Quando comecei a estagiar no ‘A Crítica’, em 1976, aos 19 anos, colaborava com o ‘A Crítica Infantil’, desenhando a capa, que era editada pela Cristina Calderaro. Até que um dia, seu Umberto Calderaro chegou e me desafiou: — Segura um jornal infantil sozinho? Semanal? Seguro, ora se seguro, respondi, corajosamente, sem ao menos saber o que era editar”, recordou com humor.

PERSONAGEM PRÓPRIO

Mário Adolfo fez uma surpresa ao dono do jornal. “Ele (Calderaro) pensava que eu apresentaria um projeto à base de quadrinhos enlatados, como Hanna Barbera, Disney, Mauricio de Sousa. E eu apareci com a ‘boneca’ de um jornalzinho tabloide, todo regional, e com um personagem próprio.

O indiozinho Curumim, o Último Herói da Amazônia. E mais! Com uma proposta de defesa da causa indígena, quando ecologia ainda não era moda”, rememorou.

Ao longo de 40 anos, o Curumim virou ícone e ganhou reconhecimento.

As tirinhas com as divertidas histórias do Curumim marcaram a infância de muitos leitores nos anos 1980 e 1990, quando vinham estampadas nos jornais impressos da época

Foi tombado como Patrimônio Cultural do Estado do Amazonas, pela Assembleia Legislativa, apresentado na Academia Real de Ciência Sueca, em Estocolmo, durante palestra do governador Amazonino Mendes. “Ele contou a história da ópera, na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, nos anos 2000, e está virando um musical com obras assinadas por mim e pelo meu parceiro Zeca Torres”, salientou Adolfo.

Após quatro décadas, Mário Adolfo é grato ao pequeno indígena: “Ele é o segredo da minha juventude. Nunca deixei morrer a criança que existe em mim e também nunca deixei o velho entrar. Quando desenho tirinhas do Curumim, me sinto o próprio, andando entre árvores, conversando com bichos e pulando de cabeça nas águas dos rios e igarapés. Ganhei dois Essos, CNT, Caixa Econômica/ revista Imprensa, Massey Ferguson, mas, certa vez, um jornalista amigo meu, lá em 1983, disse que minha obra maior seria o Curumim. Parece que ele estava certo”, finalizou.

Mencius Melo – Da Revista Cenarium
“Ele é o segredo da minha juventude. Nunca deixei morrer a criança que existe em mim e também nunca deixei o velho entrar”
Mário Adolfo, jornalista criador do personagem “Curumim”. Crédito: Reprodução
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Uma jornada espiritual

Filme amazônico narra a jornada de um pajé em busca da espiritualidade e conexão com os seres da floresta

MANAUS (AM) – Chegou ao YouTube, no canal “Enfrente”, o filme

“Kumarú: cura, força e resistência”, do diretor João Albuquerque, com codireção de Yuri Rodrigues. O roteiro é de João Albuquerque, Yuri Rodrigues e Naldinho Kumaruara. A película leva a assinatura da produtora Dzawi Filmes. A obra é um curta-metragem, gravado no território indígena Kumaruara, na aldeia Muruary, região do baixo Tapajós, na Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, no Pará.

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, o diretor João Albuquerque e o codiretor Yuri Rodrigues, da Dzawi Filmes, comentaram a obra. De acordo com Yuri, o filme é uma reflexão cinematográfica. “A história, na Amazônia, é marcada por muita violência e silenciamentos que refletem até hoje. E o apagamento simbólico das nossas identidades, culturas e, principalmente, da espiritualidade”, discorreu o roteirista.

Por entender esse contexto histórico, geográfico e político, ele explica a opção pela figura central do curta. “Falar sobre o pajé ou a pajelança é falar sobre as lideranças espirituais da nossa região. É romper com o silenciamento, discriminação e preconceitos construídos em volta da figura do pajé. É também permitir que a narrativa seja protagonizada e contada por nós”, explanou Yuri Rodrigues.

A NATUREZA DITA

Gravado em três dias, “Kumarú é resultado do talento e da força de seus produtores. Afinal, fazer cinema na Amazônia exige uma dose imane de otimismo. Segundo o diretor João Albuquerque, a natureza dita o tempo. “No set de Kumarú, as distâncias

eram grandes, tanto que não tínhamos energia elétrica suficiente para carregar todos os equipamentos de uma vez, pois a casa que ficamos tinha apenas um painel solar e regramos o carregamento dos equipamentos durante as diárias”, revelou.

Além das dificuldades de logística, a Amazônia também reserva seu oscilante humor climático, que pode surpreender, até mesmo, os mais experientes produtores do audiovisual. “Mesmo com o cronograma montado, sabemos que a mãe natureza é imprevisível. Algumas externas tiveram que atrasar por conta das chuvas muito fortes. É ter paciência, respeitar o tempo e esperar o momento para prosseguir com as gravações”, resumiu.

Apesar das dificuldades, João revela que a união da equipe fez diferença. “Tivemos oito pessoas envolvidas na produção, cada uma assumindo uma função diferente,

Protagonismo e narrativa

Kumarú é a primeira produção da Dzawi, mas, os planos são de expansão. “Nossa região tem uma diversidade étnica e cultural muito grande. Por esse motivo, ainda temos muito o que contar. Pretendemos seguir fazendo registros por meio das temáticas relacionadas aos povos da região. Gente preta, periférica e os povos tradicionais, pois são os que, por muito tempo, vêm sendo silenciados e invisibilizados. O cinema é uma ferramenta de luta, uma arma que pode fazer com que esses povos sejam protagonistas das suas histórias”, sintetizou João Albuquerque.

“A nossa luta é para construir um cinema que se distancie dos estereótipos e da narrativa contada sobre nós, sem nós. A nossa intenção é falar sobre a Amazônia sem romantismos e que os discursos não se restrinjam à floresta e ao rio, mas mostrar que, aqui, também tem pessoas que preservam esse grande bioma e fazem a sua manutenção. Sem nós, a Amazônia, provavelmente, já teria sido extinta em meio a essa dinâmica capitalista que entende a nossa região apenas como lugar de saque e exploração”, finalizou Yuri Rodrigues.

que ele tinha o dom da pajelança e que essa responsabilidade de curar e cuidar das pessoas tinha que ser, cada vez mais, entendida por ele e pelos seus parentes para a defesa do seu território”, observou o diretor.

Segundo o diretor do curta-metragem, mais que se descobrir, a experiência do pajé Naldinho Kumaruara tem a função de acender as luzes da preservação e a resistência de um povo. “Ser uma liderança de cura requer equilíbrio emocional e moral. É estar em conexão com a natureza e com os encantados, e tudo isso traz o fortalecimento do espírito, onde as pessoas e o

movimento indígena ganham força para ir à luta”, destacou João Albuquerque. Mas, não foi somente o pajé Naldinho Kumaruara que fez reflexões. A experiência deu aos produtores entendimentos para continuar trilhando os caminhos da sétima arte. “A arte nos proporciona uma liberdade artística muito grande e, no cinema, não é diferente. Vai aos olhos de cada um se sensibilizar com as histórias do nosso povo e mostrar todo o sentimento que envolve a natureza e o nosso cotidiano. O olhar de quem é de dentro, de quem vive a Amazônia, sempre será mais preciso e real”, aprofundou.

A Dzawi Filmes

A Dzawi Filmes é uma produtora audiovisual e cultural independente, criada em 2020 pelos produtores Yuri Rodrigues e João Albuquerque, no município de Santarém (PA). A atuação da produtora se organiza por meio de produções audiovisuais que buscam o fortalecimento de narrativas amazônicas protagonizadas pelo olhar de quem sempre foi invisibilizado, como aqueles e aquelas que estão nos territórios tradicionais e nas periferias das cidades, dentre eles, a população negra, povos

indígenas, quilombolas e populações tradicionais.

A Dzawi filmes tem na sua criação o objetivo de democratizar o cinema nas periferias da Amazônia e contribuir para a emancipação a partir da comunicação popular como ferramenta de luta e defesa territorial na região do baixo Tapajós. Em suas produções, a produtora busca sempre compor a equipe, majoritariamente, por pessoas de Santarém e da Região Norte, respeitando a equidade de gênero e que sejam pessoas negras e indígenas.

contando com o diretor, produtor-executivo, diretor de fotografia, comunicação, som direto, fotografia Still, assessoria de imprensa e assistente de produção. No fim das contas, todo mundo se ajudou e cada um fez um pouco de tudo no set. Além disso, contamos com a ajuda da família do nosso protagonista, que estava junto, ajudando na produção”, elencou.

BUSCA POR IDENTIDADE

Para João Albuquerque, a obra espelha os dilemas da alma de um homem em busca de sua identidade, sua ancestralidade. “O processo de entender a espiritualidade foi o caminho que Naldinho (pajé) teve que trilhar para reconhecer

Mencius Melo – Da Revista Cenarium O líder espiritual Naldinho Kumaruara, em meio ao seu mundo verde, repleto de ancestralidades, mistérios e encantarias No set de gravação, o diretor João Albuquerque, o coprodutor Yuri Rodrigues e Átila Pereira fazendo os registros do curta-metragem Crédito: Divulgação
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Manaus gastronômica

Cidade é eleita como o melhor destino gastronômico do Brasil pelo ‘The New York Times’; chefs comemoram

MANAUS (AM) – A escalação de Manaus como um dos dois melhores destinos no Brasil, pelo jornal “The New York Times” (TNYT), encheu de orgulho os chefs da capital do Amazonas. A cidade ficou em 41° lugar e, além dela, por conta das belezas naturais, os Lençóis Maranhenses, no Nordeste, também entram na lista que selecionou 52 destinos no Mundo para 2023. A força da culinária amazônica é responsável pela escolha do renomado diário nova-iorquino, que não escalou outros destinos brasileiros.

Para o chef Alysson Lima, ganhador de quatro concursos gastronômicos do “Comida Di Buteco”, a escolha de Manaus por força de sua culinária é motivo de orgulho. “Por muito tempo, nos prendemos à ideia de que éramos uma cidade industrial e, com isso, esquecemos de olhar para nós mesmos e nossas origens e raízes, principalmente. E a escolha do TNYT veio para premiar aqueles que sempre acreditaram que uma outra Manaus é possível”, declarou.

Segundo o chef da casa Quiosque Beer, “outros paradigmas também começam a

mudar, porque as autodescobertas vêm para nos reposicionar em nosso próprio universo”, analisou. “Somos muito mais que indústria e comércio. Somos muito mais que uma Amazônia visual, olfativa, tátil. Somos uma Amazônia de sabores, isso porque descobrimos e redescobrimos os nossos peixes, frutos, raízes e ervas”, observou Alysson Lima.

ORIGINALIDADE

No texto do TNYT, a originalidade de Manaus é destacada pelo que representa, diante do restante do País, quando

“Nosso trabalho está aparecendo, até porque o turismo gastronômico existe e é ativo. As pessoas viajam para comer, e são muitos os destinos. Além das nossas belezas naturais, temos esse outro atrativo, que é inesquecível”

Felipe Schaedler, chef de cozinha proprietário do Banzeiro.

o assunto são os ingredientes amazônicos. “Restaurantes estrelados de São Paulo usam ingredientes amazônicos para parecerem exóticos, mas, em Manaus, pode-se saborear cabaças fumegantes de tacacá, em barracas, na frente do Teatro Amazonas”, recomendou. A publicação destaca, ainda, o restaurante Biatuwi, com culinária de origem indígena, além do Banzeiro e o Moquém do Banzeiro, do chef Felipe Schaedler.

O chef Felipe Schaedler, proprietário do Banzeiro, citado no texto do TNYT, comentou: “Estar nessa lista notável já é um presente, mas, quando ela eviden-

cia a nossa gastronomia, isso mostra o quanto esse trabalho, de tanto tempo, de tantas pessoas e de vários restaurantes, valeu a pena. A gastronomia é importante enquanto bem cultural. É um dos nossos principais cartões-postais, hoje. Basta você ter contato, uma vez na vida, que você nunca mais vai esquecer e vai querer provar de novo”, afirmou.

Para o profissional, a culinária se soma como mais um atrativo do Amazonas: “Nosso trabalho está aparecendo, até porque o turismo gastronômico existe e é ativo. As pessoas viajam para comer, e

são muitos os destinos. Além das nossas belezas naturais, temos esse outro atrativo que é inesquecível. Sabores únicos, seja o tucumã, o tambaqui, o açaí, a farinha uarini, a pimenta murupi”, elencou. “O Amazonas deixa um legado muito elegante para a gastronomia brasileira”, finalizou Felipe Schaedler.

Outros locais destacados pelo The New York Times, são: Londres, em primeiro lugar; Marioka, no Japão; Kilmartin Glen, na Escócia; Auckland, na Nova Zelândia; Palm Springs, nos Estados Unidos; Tromso, na Noruega; dentre outros.

A força da culinária amazônica colocou Manaus dentre os melhores destinos turísticos do Brasil O chef Felipe Schaedler e seus empreendimentos gastronômicos estão entre os mais concorridos, quando o assunto é saborear a culinária amazonense A costela de tambaqui é uma das mais deliciosas iguarias servidas nos restaurantes de Manaus, conhecidos como peixarias Mencius Melo – Da Revista Cenarium Crédito: Reprodução Placar Crédito: Janailton Falcão Amazonastur Crédito: Reprodução Infoglobo
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Visibilidade Trans

Conheça nomes da comunidade ‘T’, que usa a internet para promover a pluralidade e o respeito

MANAUS (AM) – Em 29 de janeiro é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. A comunidade que mais sofre violência dentre a população LGBTQIA+, no Brasil, reserva este dia para enfatizar a existência, resistência, luta por direitos e rememora o ano de 2004, quando um grupo de ativistas da comunidade “T” manifestou o incentivo ao respeito entre as pessoas de diferentes gêneros. A luta pelo reconhecimento de direitos, espaço, inclusão e contra a violência sofrida na sociedade é diária, sendo assunto que integra a lista de abordagens de ativistas e influenciadores trans que usam a internet como ferramenta de combate contra a invisibilidade. A REVISTA CENARIUM traz três dos inúmeros nomes que contribuem para a disseminação de conhecimento, informações e promoção do respeito à pluralidade.

A escritora Dandara Maria também aborda a temática de gênero e sexualidade. Apresentando-se nas redes sociais como

feminista compartilha postagens e escritos sobre raça e importância da construção de um transfeminismo negro. Dandara reforça a necessidade de reconhecimento e valor das falas trans serem ouvidas e ocuparem os mais variados espaços na

teve oito casos e a Bahia sete. Paraná, Pará e Espírito Santo tiveram seis assassinatos cada; Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Sergipe contabilizaram cinco casos cada, seguidos de Alagoas, Paraíba e Maranhão, com quatro assassinatos em cada Estado e o Rio Grande do Norte, com três. Tivemos, ainda, dois casos no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Distrito Federal. Um assassinato em Rondônia, no Piauí e em Roraima”, consta

O relatório aponta ainda que, pelo segundo ano consecutivo, em Tocantins, não foram encontrados casos reportados. Nos Estados do Acre e do Amapá também não houve registros e, conforme o dossiê,

param posições entre os cinco Estados que mais assassinam pessoas trans no Brasil.

GABRIELA AUGUSTO (GABRIELA.AUG)

Fundadora da Transcendemos, empresa de consultoria que promove a diversidade e a inclusão nas organizações, Gabriela Augusto é formada em Direito e é autora do livro “Manual Empresa de Respeito”. Gabi usa as plataformas para falar de inclusão, pluralidade e promover consciência quanto à necessidade da integração de pessoas trans no mercado de trabalho.

Segundo o Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras, em 2022, pelo menos, 151 pessoas trans foram mortas, no Brasil, sendo 131 casos de assassinatos e 20 de trans que se suicidaram. O dossiê foi elaborado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
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Dia Nacional da Visibilidade Trans é celebrado em 29 de janeiro
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joelho, que se mantinha em pé ao lado de Altino, com olhar fixo e intimidador nos jornalistas. Sob o casaco, sem desfaçatez, percebia-se que ele carregava mais de uma arma de fogo.

Promessa cumprida. Desprezo mortal

Acrise humanitária — mortes, fome, malária e moléstias — que ceifou a vida de, pelo menos, mais de 500 crianças famélicas, sem contar os adultos e idosos do povo Yanomami, em Roraima, revela que o capitão Jair Messias Bolsonaro é um homem de palavra. As imagens de crianças e adultos esquálidos dominaram o noticiário nacional e ilustraram as manchetes dos veículos de comunicação internacionais. Vergonha! O ex-presidente e sua equipe ignoraram os mais de 60 pedidos de socorro do povo Yanomami. Hoje, Bolsonaro é alvo de uma investigação por tentativa de genocídio ou etnocídio, pela Polícia Federal, a pedido do ministro da Justiça, Flávio Dino.

Desde que chegou ao Congresso Nacional, em 1991, com o voto dos eleitores do Rio de Janeiro, Bolsonaro se tornou um dos mais desilustres deputados federais.

Uma das primeiras nefastas iniciativas de sua autoria foi a de propor um decreto legislativo com o intuito de anular a decisão do então presidente Fernando Collor de autorizar a demarcação da Terra Indígena Yanomami, que ocupa 9,4 milhões de hectares entre Roraima e Amazonas até a fronteira com a Venezuela, país vizinho, onde os Yanomami têm área demarcada.

À época, ele argumentava que a cavalaria norte-americana era muito mais eficiente do que a brasileira, pois havia exterminado os indígenas dos Estados Unidos. Mais claro impossível. O deputado, que chegou ao Congresso após sair pela porta dos fundos do Exército, era inimigo declarado dos povos originários e revestido

de preconceito, desumanidade e de ignorância sobre a importância dos indígenas como guardiões do patrimônio natural do Brasil. Acrescente-se: meio ambiente, para ele, também é algo desprezível.

Na campanha eleitoral de 2018, o desilustre deputado avisou que, se eleito presidente da República, não demarcaria um centímetro de terras indígenas e quilombolas. Para ele, a Amazônia, cuja maior riqueza é o patrimônio natural, deveria ser explorada pela mineração, e as matas substituídas pela agropecuária, a fim de eliminar a pobreza. Desenvolvimento sustentável é a expressão que nunca coube no limitado e chulo vocabulário do então presidente.

Ele cumpriu à risca sua promessa. A partir de 2019, quando tomou o assento do Palácio do Planalto, as terras indígenas, de forma mais agressiva a Yanomami, foram franqueadas à invasão dos garimpeiros e de outros predadores inimigos dos povos originários e tradicionais. Madeireiros fizeram uma farra em grandes áreas amazônicas. Nos últimos quatro anos, as queimadas e o desmatamento bateram recordes na Amazônia Legal, no cerrado, na Mata Atlântica. Incêndios criminosos chegaram ao Pantanal mato-grossense.

Em meados de 1980, milhares de garimpeiros, liderados pelo mineiro de Governador Valadares, José Altino Machado, invadiram a Terra Yanomami. Não foi a primeira vez. Ele havia comandado outras invasões desde a década de 1970, e sentia-se à vontade, devido à coni-

vência do poder público. Logo depois da demarcação, sob o comando do então diretor-geral da Polícia Federal Romeu Tuma, e com apoio das Forças Armadas, cerca de 40 mil garimpeiros foram banidos do território Yanomami. Acompanhei uma das operações, na Serra da Surucucu, em Roraima. Os pilotos da Aeronáutica se mostravam incansáveis. Sobrevoavam, constantemente, a região e identificavam onde os garimpeiros estavam agindo. No início, as pistas de pouso, abertas pelos garimpeiros, foram dinamitadas pelas equipes da Polícia Federal. Mas, a ação do governo não se mostrou eficaz. Dinamitava uma pista e, logo, os garimpeiros abriam outras. Assim, com o apoio da Força Aérea Brasileira (FAB), o espaço aéreo foi fechado às aeronaves não comerciais. Essa foi uma das táticas usadas pela Polícia Federal para impedir a chegada de alimentos e combustíveis aos garimpeiros em terra, que eram lançados dos aviões para prover os invasores dos insumos necessários à permanência na floresta. Os invasores não suportaram a pressão e fugiram da Terra Yanomami. Foi só uma trégua no processo de desintrusão da terra indígena. A cobiça dos garimpeiros nunca deixou de existir.

José Altino Machado, hoje com 79 anos, era dono de uma frota de aeronaves para transporte de garimpeiros. Na época, entrevistei Zé Altino, em um hotel no Centro de Boa Vista. Ele estava acompanhado do irmão, um homem estranho, alto, bem magro, com vestes pretas, com um sobretudo cumprido até abaixo do

Altino garantiu que, passados alguns meses, os garimpeiros que haviam deixado o território do povo Yanomami, em busca do ouro, da cassiterita e outros minérios, voltariam. No ano passado (2021), em entrevista ao site Repórter Brasil, ele repetiu, com convicção, a mesma declaração que ouvi em meados dos anos 1980: “Pode até tirar [os garimpeiros], mas daqui a seis ou sete meses volta todo mundo”. Dessa vez, não haveria, como não houve, uma reação do poder público. Dessa vez, tinha certeza que os invasores não seriam importunados.

Próximo ao então vice-presidente Hamilton Mourão, Altino estava convicto de que os garimpeiros tinham sinal verde, uma vez que o ex-presidente Bolsonaro havia autorizado a mineração ilegal em terras indígenas. Além disso, por perto estavam integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa

de São Paulo, que financia as invasões de garimpeiros para a lavagem do dinheiro obtido pelas ações criminosas, como tráfico de drogas e armas. O PCC também é suspeito de ter custeado as mais de 30 balsas que, no ano passado, foram destruídas pela Polícia Federal, por mineração ilegal no Rio Madeira.

E, assim, aconteceu. Hoje, os corpos famélicos dos pequeninos Yanomami mostram o escárnio do governo passado com os povos indígenas. Para aqueles que governaram o País, os povos originários não são seres humanos, não são brasileiros e, portanto, merecedores do mais infame desrespeito. Aos que estavam no poder, indígenas, quilombolas, negros, homossexuais e até mulheres são pessoas desprezíveis.

A tática do passado para retirar os invasores que estão nas terras Yanomami poderia ser aplicada hoje. Ainda que possa levar a um resultado positivo, não será suficiente. É preciso manter um serviço permanente de vigilância dos territórios e assistência aos povos originários; punir com rigor os invasores e estrangular, financeiramente, os líderes dos bandos de

garimpeiros que merecem, também, privação de liberdade pelos crimes ambientais praticados. Sem asfixia financeira e livres, eles se reorganizam e repetem as invasões, como têm feito, há décadas. Em Boa Vista, conheci a Rua do Ouro, por onde não circulavam fiscais e, muito menos, a polícia para averiguar as negociatas que lá ocorriam — terra sem lei.

As providências em defesa dos indígenas não podem ser restritas ao povo Yanomami. Devem ser estendidas aos demais povos que vivem sob a opressão, a violência e o desrespeito dos não indígenas. São comunidades invisíveis aos governos municipais e estaduais, sem assistência médica, sem escolas adequadas, com seus territórios invadidos por interesses vis e incompatíveis com o direito à vida. Vidas indígenas importam e são imprescindíveis.

(*) Rosane Garcia, nascida no Rio de Janeiro, mas, há 62 anos, em Brasília. Jornalista há 41 anos, trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e, hoje, é subeditora de Opinião do Correio Braziliense.

ARTIGO – ROSANE GARCIA
Rosane Garcia Crédito: Divulgação Arte: Hugo Moura
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