DO MARAJÓ À ESPLANADA
Conheça a história de Edel Moraes, líder extrativista do Arquipélago do Marajó, no Pará, que se tornou doutoranda na UnB/CBS e, hoje, assume a Secretaria Nacional de Povos Tradicionais
ISSN 27648206 782764 9 820605 033
MARÇO DE 2023 • ANO 04 • Nº 33 • R$ 24,99
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Visibilidade e reconhecimento
Edel Nazaré Santiago de Moraes foi escolhida para ser capa da REVISTA CENARIUM não pelo cargo que ocupa, hoje, no Ministério do Meio Ambiente, mas por sua história em movimentos sociais no Estado do Pará e renúncia ao convívio familiar, pela luta em prol da visibilidade das pessoas que vivem nas comunidades tradicionais brasileiras e que, muitas vezes, pagam com a própria vida o preço pela sobrevivência dos biomas.
A trajetória de Edel foi visibilizada, principalmente, a partir de sua entrada na Esplanada dos Ministérios e revela uma história de dor, mas de êxito, considerando a sua formação. Edel conseguiu, seja pelas oportunidades que teve, seja pela inspiração de seus pais militantes sociais. Iguais a ela, há milhares de indivíduos que não têm alternativas e vivem à margem de uma sociedade cada vez mais líquida nas relações e apática às demandas ambientais.
Em meio a uma crise climática mundial e sem mecanismos factíveis para frear o aquecimento global estão os povos tradicionais. São 27 povos reconhecidos e mais de 4,5 milhões de pessoas, ocupando 25% do território nacional. Questiona-se: “é muita terra para pouca gente?” Esse tipo de pergunta tem origem na construção de um País que valoriza a selvageria do mercado e desconhece a função desses povos na manutenção das florestas e de toda a sua diversidade.
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Uma voz que é de muitos
A escolha de Edel Moraes como capa desta edição traz em si dois importantes simbolismos. O primeiro é que estamos reverberando a voz de uma mulher de trajetória inspiradora no mês de março, quando é celebrado o Dia Internacional da Mulher, data de lutas por equidade. E o segundo é que, ao falar, Edel ecoa as vozes de milhões de pessoas dos povos e comunidades tradicionais.
Nascida em um açaizal, no Arquipélago de Marajó, no Pará, Edel foi a menina pobre que, aos 9 anos, se viu obrigada a viver longe dos pais para ser empregada doméstica na cidade grande, em troca de estudar. Hoje, doutoranda, ela está à frente da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural e Sustentável do Ministério do Meio Ambiente (MMA). A trajetória de superações pessoais, por si só, justificaria reportagem e capa. Edel é uma voz que representa muitas mulheres.
Invisibilizados, eles são discriminados por sua cultura, pelo seu formato de produção, de convivência social em função da falta de acesso à informação da maioria da população e, com isso, cria-se resistência ao reconhecimento. Falha-se no ato de julgar a cultura do outro baseado nas suas próprias crenças, moral, leis, costumes e hábitos (Lévi-Strauss).
Edel Moraes tem uma difícil missão pela frente: a de combater o etnocentrismo, de descortinar o olhar de uma sociedade ensinada erroneamente que o Brasil foi “descoberto”, e não ocupado, e que preservar a floresta é, acima de tudo, preservar quem está nela. Nesse caso, não cabe reconstrução. É desconstruir para construir.
Ocorre que Edel é muito mais que uma história de superação. Forjada na vivência em comunidades extrativistas, ela carrega consigo 20 anos de lutas sociais na defesa das populações tradicionais. Do Conselho Tutelar à alfabetização de adultos, da atuação em sindicato rural ao Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), ela doa a vida em prol de mudanças que possam beneficiar a muitos. A conta é alta e Edel chora ao lembrar que as lutas custaram o preço de não ver o filho crescer. A doação às causas reforça a justificativa para nossa escolha de capa. Povos e Comunidades Tradicionais, diz a Constituição Federal, “são grupos que possuem culturas diferentes da cultura predominante na sociedade e se reconhecem como tal”. São grupos que “ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica”, diz o Decreto Federal N.º 6.040, de 7 de fevereiro de 2000. São indígenas, quilombolas, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, pescadores artesanais, marisqueiras, ribeirinhos, entre outros. São cerca de 4,5 milhões de pessoas no Brasil, ocupando, aproximadamente, 25% do território nacional, segundo Relatório do 1º Encontro Regional dos Povos e Comunidades Tradicionais, de 2008. A voz de Edel é, em sua medida, a voz de todos eles.
Paula Litaiff Diretora-Geral
Editorial
CENARIUM AMAZÔNIA O MELHOR CONTEÚDO EM MULTIPLATAFORMA
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Leitor&Leitora
�� Preocupação com a Amazônia
É gratificante saber que temos em nossos meios de comunicação uma revista preocupada com a nossa Amazônia. A CENARIUM vem abordando temas sociais para conscientizar seus leitores. A última edição foi assim, mostrou o descaso com o povo Yanomami. Uma tristeza saber que, há meses, esse caso foi denunciado e só quando a “bomba” estourou que foram olhar por eles. E uma pergunta, de quem é a culpa desse descaso??? Continue assim, REVISTA CENARIUM , mostrando, alertando e denunciando esse e outros casos.
Mariete Gilona Manaus - AM
�� Palavras de Krenak
Maravilhosa a entrevista com o Ailton Krenak. Esperaremos na boa vontade dos governantes, ações de cooperação a favor de todos os povos tradicionais.
Amanda Barreto São Paulo - SP
�� Financiamento golpista
Em janeiro de 2023, a revista trouxe na capa a seguinte pergunta: quem banca os golpistas?
Até hoje, queremos saber. Devemos ter a resposta para essa pergunta, em breve.
Antônio Amaral
Belém - PA
�� Beleza de layout
Muito bonita a diagramação da REVISTA CENARIUM. Sou estudante de Jornalismo e vejo, com muita admiração, o material entregue aos leitores.
Diego Felipe
Porto Velho - RO
�� Nível nacional
Boas matérias, excelente conteúdo. Sempre que leio a CENARIUM, fico certo de que o Amazonas tem uma revista de nível nacional. Estamos bem representados.
Marcos Simão
Manaus - AM
�� Visão apurada
Acho incrível como a REVISTA CENARIUM aborda os temas em suas matérias. Acompanho, desde 2021, o trabalho de vocês e, cada vez mais, admiro. Sucesso!
Aldenice Silva Belém-PA
�� Crise Yanomami
Falhamos! Sigo consternado com toda a situação envolvendo os Yanomami em Roraima. Como pode o Estado brasileiro deixar em situação de abandono os indígenas? Me faço essa pergunta e espero na Justiça a resposta.
Diego Marchetto Campinas - SP
�� Responsabilização
Sobre a situação dos Yanomami, tanto o governo de direita quanto o governo de esquerda têm culpa, sabemos que essa situação não começou ontem. Temos que cobrar dos políticos ações urgentes para tentar minimizar ou resolver essa crise humanitária.
Leticia Wabner
São Paulo - SP
��
Humanidade
A crise humanitária ocorre por falta de humanidade! Contraditório em um País que, por vezes, se manifesta, acampa ou cria barreiras por aí! Um território e um povo sendo destruídos sem um mínimo de amparo e atenção básica é inadmissível em um País que tanto deveria valorizar seu bem mais precioso, sua cultura! Mais uma vez, a REVISTA CENARIUM trazendo à tona uma matéria extremamente sensível e pertinente com a realidade! Parabéns a toda equipe!
Samantha Martins
Manaus - AM
�� MANDE SUA MENSAGEM �� E-mail: cartadoleitor@revistacenarium.com.br | WhatsApp: (92) 98564-1573 Sumário Março de 2023 • Ano 04 • Nº 33 22 12 46
► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE Fundo Amazônia: reforço à fiscalização 06 Desmatadores na BR-319 08 ► CENARIUM+CIÊNCIA Elas na ciência ................................................................. 10 ► PODER & INSTITUIÇÕES ENTREVISTA EDEL MORAES ‘Gestão de Bolsonaro foi criminosa com povos tradicionais’ .......................................................... 12 ‘Vamos retirar os garimpeiros ilegais’ ............................. 20 AGENDA AMAZÔNICA Planos para a Amazônia 22 Primeiras medidas de impacto 25 Esperança com cautela .................................................... 28 Contexto e diagnóstico 33 Chefias de órgãos estratégicos 36 Processo (lento) de apuração 38 Reparação com atraso ..................................................... 40 TCE-AM educa em cidadania 42 ► ARTIGO – WALMIR DE ALBUQUERQUE BARBOSA A prova de vida por reconhecimento facial 45 ► ECONOMIA & SOCIEDADE AMAZÔNIA PROFUNDA Fome e descaso no Vale do Javari 46 Lideranças ameaçadas 50 ‘Pérola’ pobre .................................................................. 52 DESLIZAMENTO EM MANAUS Chuvas e tragédias 54 União de esforços 55 Yanomami: fatura da destruição ..................................... 56 UEA celebra esportes ....................................................... 58 Reportagem premiada 60 ► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS Queimadas: SOS florestal ............................................... 62 ► ENTRETENIMENTO & CULTURA ‘Rio do Desejo’: paixões proibidas na Amazônia 64 ► DIVERSIDADE Apagamento feminino 66 Cartilha antirracismo ...................................................... 68 ► ARTIGO – SAMIZA SOARES Vazio existencial 70 Crédito: Ricardo Oliveira Crédito:
Crédito: Acervo Pessoal Crédito Ricardo Oliveira
Marcelo Clemente
Fundo Amazônia: reforço à fiscalização
‘Parte dos recursos deveria ir para Ibama e Polícia Federal’, defendem ambientalistas
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Uma das primeiras medidas revogadas pelo presidente Lula (PT) ao assumir a Presidência da República, no dia 1º de janeiro deste ano, foi a retomada do Fundo Amazônia. Os recursos estavam parados, desde 2019, quando o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles acabou com os órgãos técnicos que participavam da gestão do fundo. Em declarações à REVISTA CENARIUM, ambientalistas comemoraram a retomada e defendem que uma parte do dinheiro seja destinada aos agentes de fiscalização na Amazônia, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Polícia Federal (PF).
“Isso ter vindo, é uma ótima notícia logo no primeiro dia de governo e demonstra um compromisso sério do governo federal no estabelecimento dessa política. O fundo vai ter que discutir as suas prioridades à luz do contexto atual que envolve uma situação de criminalidade crescente
na Amazônia”, elencou a assessora do Instituto Socioambiental, Adriana Ramos. Nos últimos quatro anos, o desmatamento na Amazônia aumentou mais de 59%, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), além do crescimento das áreas de garimpo ilegal em Terras Indígenas (TI), como: na TI Yanomami – maior terra indígena do Brasil, localizada no Amazonas e Roraima – e na TI Munduruku, no Pará. A região amazônica vive ainda uma escalada de violência, impulsionada por organizações criminosas ligadas aos crimes ambientais, registrando assassinatos, como os do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, na TI Vale do Javari, no Amazonas.
Agora, com a retomada do Fundo Amazônia, os grupos de fiscalização foram recriados com a participação de representantes de dez ministérios e dos governos de Estados da Amazônia Legal que possuam
Sobrevoo regista áreas de garimpos ilegais dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, em abril de 2021
Processo de retomada
O Fundo Amazônia pretende financiar projetos de proteção a povos indígenas, de controle do desmatamento, combate ao garimpo ilegal e promoção do ordenamento territorial da região, afirmou o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, após a reinstalação do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), realizada na sede do banco, no Rio de Janeiro. O comitê estava parado desde 2018.
Conforme Mercadante, o fundo já recebeu R$ 3,3 bilhões em doações, com R$ 1 bilhão proveniente da Noruega e R$ 200 milhões da Alemanha. No total, o fundo, gerido pelo BNDES, acumula R$ 5,4 bilhões, com R$ 1,8 bilhão já contratado.
O presidente disse ainda que foram liberados R$ 853 milhões para operações
de comando e controle coordenadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), R$ 253 milhões para ordenamento territorial e R$ 244 milhões para ciência e tecnologia.
“O grande desafio é sair do modelo predatório para o modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia. E, para isso, nós precisamos de projetos estruturantes que impulsionam uma nova dinâmica, uma nova indústria, uma agricultura de baixo carbono, uma recuperação de pastos degradados. Esse é o grande objetivo estratégico do governo e do fundo. São 28 milhões de pessoas que precisam ter formas alternativas de vida, quando nós vamos combater, de forma implacável, o processo de devastação e destruição da Amazônia”, disse. Com informações da Agência Brasil.
“O fundo vai ter que discutir as suas prioridades à luz do contexto atual, que envolve uma situação de criminalidade crescente na Amazônia”
Adriana Ramos, assessora do Instituto Socioambiental.
Plano Estadual de Prevenção e Combate ao Desmatamento. Principais financiadores do fundo, Alemanha e Noruega já anunciaram que vão retomar os repasses.
OBJETIVO
O Fundo Amazônia tem por finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Também apoia o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento no restante do Brasil e em outros países tropicais.
FISCALIZAÇÃO
No final de 2022, o Ibama correu o risco de ter as ações de fiscalização paralisadas por falta de recursos, depois que o Ministério do Meio Ambiente teve um bloqueio de R$ 90 milhões nas contas.
Órgãos como Ibama e Polícia Federal realizam ações de fiscalização e combate a crimes ambientais na Amazônia
Com isso, ambientalistas defendem que uma parte dos recursos vá para o órgão e para a Polícia Federal (PF).
“Muito provavelmente uma parte dos recursos vai financiar as ações do Ibama e até da Polícia Federal, órgãos federais que vão combater o crime ambiental nos Estados da Amazônia, esses serão os destinos. Acredito que nesse primeiro ano de Governo Lula, talvez, esse seja o principal destino dos recursos do Fundo Amazônia”, defendeu o especialista em políticas públicas do WWF-Brasil Raul do Valle.
Em novembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ao governo federal a retomada do fundo. Um total de R$ 3,6 bilhões estão em caixa no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Muitos líderes e organizações ao redor do mundo estão querendo fazer parte dessa história de sucesso e de reconstrução da política ambiental brasileira. O Brasil é muito importante nessa agenda de clima e meio ambiente para o mundo todo. A Amazônia é fundamental, sem a Amazônia não existe estabilidade climática no planeta. Todos estão dispostos a ajudar”, afirmou o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini. Para a ministra, o interesse de doadores de peso mostra a volta da política ambiental brasileira, com participação e ações da sociedade civil, da comunidade científica e dos governos estaduais e federal. Sobre a reinstalação do comitê, Marina Silva informou que há 14 projetos, datados de 2018 e estimados em R$ 480 milhões a R$ 600 milhões, já analisados e qualificados para aprovação pelo fundo, que podem ter continuidade, se for o desejo dos proponentes.
Com informações da Agência Brasil.
Novos doadores
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o governo recebeu sinalização de interesse da França, da Espanha e da União Europeia de doarem recursos para o Fundo Amazônia. Os Estados Unidos também manifestaram interesse em participar.
Crédito: Reprodução | Ibama
07 06 www.revistacenarium.com.br REVISTA CENARIUM MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Crédito: Christian Braga Greenpeace
Desmatadores na BR-319
‘Observatório’ aponta municípios que mais desmataram na área de influência da estrada entre o Amazonas e Rondônia
Melo – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – O Observatório BR-319 (OBR-319), que monitora 13 municípios, entre Amazonas e Rondônia, situados na área de influência da rodovia, publicou estudo que aponta as seis cidades que mais desmataram no entorno da estrada. Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré, Porto Velho e Tapauá são responsáveis por 94% do desmatamento. Somados, os locais desmataram 159.659 hectares, uma área equivalente a quase 160 mil campos de futebol. As informações são da publicação “Retrospectiva 2022: desmatamento e focos de calor na área de influência da rodovia BR-319”.
Conforme a pesquisadora Paula Guarido, que conhece a região e analisou os dados, a área sofre pressão por conta do desmonte da política ambiental no Brasil, além da desmobilização e desestruturação dos órgãos de comando e controle, como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Essas ações provocaram recordes sucessivos
de desmatamento e focos de calor registrados nos últimos quatro anos. Esse período compreende a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Paula Guarido ressaltou as situações e ações que levaram ao cenário de pressão sobre a região, que compreende municípios localizados ao sul da rodovia e estão mais próximos do “arco do desmatamento”, uma região historicamente mais sujeita à ação de degradação. “A soma do incentivo a atividades ilegais, como desmatamento, garimpo e grilagem, a não destinação das terras públicas e a falta de fiscalização por parte das esferas federal e estadual incentivaram esse cenário”, afirmou.
LÁBREA
No conjunto negativo dos números, o município de Lábrea despontou com o maior índice de desmatamento ao longo do ano, com 55.332,93 hectares. Os focos de calor, que ajudam a ampliar a pressão climática e o aquecimento em 2022 foram protagonizados pelos municípios de Porto Velho, Lábrea, Manicoré, Humaitá e Canu-
tama, responsáveis por 89%, equivalendo a 12.533 focos de calor na região.
O estudo do Observatório aponta que decisões governamentais que deram ritmo acelerado ao licenciamento do “Trecho do Meio” e a desproteção da Terra Indígena (TI) Jacareúba-Katawixi, ações que aconteceram no final do Governo Bolsonaro, contribuíram para o agravamento ambiental na BR-319. O “Trecho do Meio” compreende 405 quilômetros de extensão e começa no quilômetro 250, chegando até a BR-230, no quilômetro 655, próximo à Humaitá. A localidade é considerada a parte mais danificada da estrada.
Os dados revelam que a situação na BR-319 espelha a realidade do Amazonas, que foi o Estado da Amazônia Legal com o maior aumento de desmatamento em relação a 2021, com índice de 24%. “É muito difícil provocar alguma reação do poder público, no sentido de combater ilegalidades, quando se tem um governo avesso ao diálogo, como foi o caso do Governo Bolsonaro”, lamentou a pesquisadora Paula Guarido.
“A soma do incentivo a atividades ilegais, como desmatamento, garimpo e grilagem, a não destinação das terras públicas e a falta de fiscalização por parte das esferas federal e estadual incentivaram esse cenário”
Sujeita às intempéries do clima amazônico, a BR-319 está há muito abandonada pelo governo federal, principalmente o local chamado ‘Trecho do Meio”, considerado o mais crítico
Paula Guarido, pesquisadora que analisou os dados do Observatório BR-319.
Mencius
A BR-319 é um anseio da comunidade empresarial do Amazonas, por ser uma via de escoamento dos produtos do Polo Industrial de Manaus
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Crédito: Ricardo Oliveira
09 08 www.revistacenarium.com.br MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE REVISTA CENARIUM
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Elas na ciência
Pesquisadora do Amazonas está entre as 25 mulheres da ciência na América Latina
MANAUS (AM) – A doutoranda do Amazonas Larissa dos Anjos está entre as vencedoras da terceira edição do programa “25 Mulheres na Ciência América Latina”. A iniciativa é da empresa internacional 3M e visa dar destaque a mulheres que se dedicam à ciência para a promoção e desenvolvimento de projetos. O Brasil está representado por oito pesquisadoras de sete Estados. Fazem parte do time profissionais da Colômbia, Chile, Costa Rica e México. O anúncio foi feito no dia 10 de fevereiro, em comemoração ao Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência 2023, celebrado em 11 de fevereiro.
Segundo a 3M, a ideia é dar maior visibilidade a iniciativas científicas e seus impactos positivos na sociedade, a partir da aplicação das disciplinas STEM, sigla que, em português, significa: Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. A premiação visa incentivar meninas, jovens e mulheres em países latino-americanos, já que essas áreas são, predominantemente, dominadas por homens. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em todo o mundo, as mulheres representam apenas 35% dos que buscam o ensino superior em STEM e são menos de 30% dos pesquisadores científicos.
Na Amazônia, as águas comandam a vida e ditam os rumos das comunidades que nascem e crescem nos beiradões da maior bacia hidrográfica do mundo
A REVISTA CENARIUM entrevistou a cientista Larissa dos Anjos para saber mais detalhes da inclusão dela no time de mulheres cientistas da América Latina e sobre a formação profissional: “Sou mestra em Geografia, pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e doutoranda, pela Universidade Federal de Uberlândia
(UFU). No momento, estou me dedicando à pesquisa de doutorado”, detalhou.
PROJETO E PESQUISA
Questionada sobre o que exatamente propõe o seu projeto, ela descreve: “Trata-se de uma proposta de planejamento geográfico da saúde. É o desenvolvimento de uma pesquisa sobre o acesso geográfico à saúde em ambientes anfíbios da Amazônia brasileira. A pesquisa tem o objetivo de realizar um levantamento socioambiental da área e propor possíveis soluções de acesso à saúde para as populações tradicionais da região, trazendo como o modelo as várzeas do município de Iranduba, Manaquiri e Careiro da Várzea, no Amazonas”, explica Larissa Anjos.
A cientista compartilha que estar entre as 25 cientistas da América Latina, segundo a terceira edição do “25 Mulheres na Ciência América Latina”, é uma sensação de vitória e reconhecimento: “Sinto-me valorizada pelo reconhecimento”, comemora Larissa, que também menciona sobre os próximos passos relacionados aos projetos e pesquisas: “No momento, estou me dedicando à pesquisa do doutorado e, futuramente, pretendo lançar uma plataforma com informações sobre o resultado do meu trabalho. Aguardem!”, adiantou.
PLATAFORMA
As 25 mulheres cientistas vencedoras farão parte de uma plataforma de visibilidade científica, com a inclusão de seus projetos no livro comemorativo “25 Mulheres na Ciência América Latina”, e terão suas trajetórias e projetos divulgados no Blog de Curiosidades da 3M e nas redes sociais da empresa.
“Sinto-me valorizada pelo reconhecimento. No momento, estou me dedicando à pesquisa do doutorado e, futuramente, pretendo lançar uma plataforma com informações sobre o resultado do meu trabalho. Aguardem!”
Larissa dos Anjos, doutoranda pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Sobre a 3M
A 3M acredita que a ciência pode ajudar a criar um mundo melhor para todos. A empresa estimula o poder das pessoas, das ideias e da ciência para inovar de forma sustentável. Seus colaboradores, em todo o mundo, abordam, de forma única, as oportunidades e desafios dos clientes, das comunidades e do planeta.
No Brasil, onde conta com cerca de 3,3 mil funcionários, a companhia mantém três fábricas localizadas no Estado de São Paulo, que compõem a 3M do Brasil, além da empresa 3M Manaus, instalada no Amazonas. Em 2021, a empresa alcançou faturamento bruto de R$ 4,6 bilhões no País.
CENARIUM+CIÊNCIA 10 www.revistacenarium.com.br
Mencius Melo – Da Revista Cenarium
Larissa em seu campo de estudo: as comunidades ribeirinhas que se configuram como ambientes anfíbios na Amazônia brasileira
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Crédito: Arquivo Pessoal
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Crédito: Arquivo Pessoal
REVISTA CENARIUM
‘Gestão de Bolsonaro foi criminosa com povos tradicionais’
Nova secretária Nacional de Povos e Comunidades
Tradicionais do Ministério de Meio Ambiente, Edel Nazaré
Santiago de Moraes, fala de sua trajetória de vida, avalia gestão do ex-presidente e aponta planos de atuação
Valéria Costa - Especial para a Revista Cenarium
BRASÍLIA (DF) - Com um perfil mediador e uma voz que traz em si a força carregada pela história de vida, a nova secretária Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Edel Nazaré Santiago de Moraes, 44 anos, lembra um pouco a sua referência e inspiração, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Em Brasília (DF), em sua sala no ministério, Edel recebeu a REVISTA CENARIUM para uma entrevista exclusiva, em que falou sobre a sua trajetória de vida, se emocionou ao falar do preço pago na vida
pessoal pela doação às lutas em defesa das comunidades amazônidas e indicou os caminhos que quer seguir como parte do governo federal.
Natural do Arquipélago do Marajó, no interior do Pará, Edel entendeu o seu lugar de fala desde a adolescência, inspirada pelos pais que atuavam no movimento do Conselho Nacional de Extrativismo (CNS) e marcada pela necessidade de ter sido submetida ao trabalho doméstico, aos 9 anos, quando foi para a cidade grande trabalhar e continuar seus estudos.
“Você não compreende que está tendo seus direitos violados com 9 anos [de idade], sendo obrigada a sair da sua casa. Muito pelo contrário, você [entende] que tá (sic) indo em busca de estudar. Então, seu pai e sua mãe estão deixando você ir ficar numa outra família, não é porque eles querem te abandonar, eles não estão te abandonando. A busca era escolarização. Só tinha até a 4ª série. Ou fazia isso, ou ficava lá na 4ª série, e o futuro, provavelmente, seria com 14, 15, 16 anos, já casada, aquele ciclo de novo”, lembra. Hoje, doutoranda no Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade Nacional de Brasília (UnB), mestra em
Desenvolvimento Sustentável junto a Povos e Territórios Tradicionais pela mesma universidade, a pedagoga, por formação, é uma das exceções de crianças que não sucumbiram ao jugo e preconceito de exploradores e de governantes ignorantes, como Jair Bolsonaro (PL), que, segundo ela, foi “criminoso”, ao tentar subjugar os povos tradicionais à exclusão das políticas públicas.
Por ter mais de 20 anos de experiência em lutas sociais nas comunidades de povos tradicionais da Amazônia, onde construiu sua trajetória, Edel Moraes afirma que se sente no dever de deixar um legado de mudança e avanço na história do Ministério de Meio Ambiente, e admite que a reconstrução e a retomada dos projetos socioambientais são planos que precisam de tempo.
Para Edel, que se define como “mulher negra, extrativista da floresta”, “cabocla, lá do rio pagão”, a missão de vida é propagar e defender aquilo que deveria ser óbvio para todos, que “na floresta tem gente” e que essa gente é, em suas palavras, “a última fronteira de salvação”.
VEJA A ENTREVISTA COMPLETA:
Nascida no Marajó, no Pará, Edel Moraes tem uma trajetória de mais de 20 anos de vivência em movimentos sociais ligados a comunidades tradicionais da Amazônia
“Criminoso. Acho que foi criminoso [a gestão de Bolsonaro]. Foi um instrumento pra (sic) reforçar ecocídios, epistemicídios, reforçar o racismo ambiental”
12 www.revistacenarium.com.br 13 PODER & INSTITUIÇÕES ENTREVISTA | EDEL MORAES
Crédito: Caroline Torres
REVISTA CENARIUM – Como sua experiência de lutas pelo seu povo e comunidade de origem, desde a infância, contribuirá em sua gestão na Secretaria de Povos e Comunidades Tradicionais?
EDEL MORAES - Não posso mudar minha história, que não é minha e que não é única. Eu sou só uma entre um milhão de meninas com histórias parecidas. Hoje, eu sou a voz que consegue estar, por exemplo, na REVISTA CENARIUM e falar para o mundo. Então, é minha responsabilidade que essa voz, com a plena consciência de que ela não é mais só minha, seja usada para avisar ao mundo que lá, no meu território, tem outras Edels e que muitas violações [de direitos] que passei ainda podem estar acontecendo. (...)
Cada ação que estiver pensando para povos e comunidades tradicionais na secretaria, como que não vai ser impactada na minha vida? Porque essa ação vai ter reflexo direto no meu pai e na minha mãe, que estão lá dentro de um assentamento agroextrativista. Estou fazendo para alguém que conheço, minha própria família. Nunca olhar somente onde estou, sem esquecer quem eu sou. Trago um símbolo no meu termo de posse extraoficial, mas oficialíssimo, que é a Sankofa, um pássaro invertido, aquele que tem o bico sempre voltado para trás para nunca esquecer sua história. E eu só transito. Estou de passagem em outros territórios, mas o meu pé é do Marajó, minha vida é do Marajó. (...) Sou Edel Moraes, mulher negra, extrativista da floresta, também utilizando a ressignificação do próprio nome cabocla, lá do rio pagão.
RC – A senhora fala com muito respeito e orgulho de seus pais e da influência deles em sua formação política e social nos movimentos de base. Sem esse modelo, seu destino teria sido diferente?
EM - Eu não saberia te dizer qual seria o meu destino. Eu só sei te dizer que, muitas meninas, na mesma condição que eu, não galgaram esse mesmo caminho. (...) Eu venho de uma família que nasceu e cresceu no meio da floresta, onde a gente aprende que a floresta não é à parte, ela é parte de nós. Então, assim a gente aprende a respeitar a floresta, os rios, a maré que tá (sic) cheia, as entressafras.
Aliada a essa formação social, que eu acredito que está ligada a comunidades eclesiais de base, que é a igreja, um dos fundamentos é a luta por justiça social.
Então, eu já entro numa igreja onde fala de um Deus por justiça, que cantava a liberdade, o direito da terra, o direito dos povos e comunidades. (...)
(sic) Tá embutida aí, na minha raiz.
RC – Como foi seu processo de formação como liderança comunitária até a entrada e ascensão dentro do Conselho Nacional de Seringueiros, hoje, Conselho Nacional das Populações Extrativistas?
EM - Após sair da minha comunidade [para trabalhar em casa de família e estudar], eu continuo ligada ao movimento sindical e de juventude. Digo que não escolhi estar aqui, não escolhi esse caminho. A vida foi me escolhendo, ela foi me orientando, de alguma forma. (...) Consigo fazer ensino médio, volto para minha localidade e já entro no sindicato rural do município de Curralinho. (...) A gente estava no grupo do sindicato que, na região, está ligado ao PT.
(...) No ano 2000, quando estou de volta ao município, já tô (sic) casada, já tenho um filho, vem o movimento da infância e adolescência. Sou uma das
primeiras conselheiras tutelares eleitas pelo sindicato rural no município. Eu acho que tem um ponto marcado aí na minha história, porque quando eu entro no Conselho Tutelar, aí é um espaço de sanar a violação dos direitos. E aí que vem o timing: eu não posso sanar o que aconteceu comigo, mas, a partir de agora, lutar. (...) Eu virei, aos 21 anos, a dona conselheira. Eu achava o máximo.
RC – E durante sua trajetória, você também foi pioneira em um trabalho de alfabetização de adultos na sua região, certo? Como foi esse trabalho?
EM - Eu e um amigo fizemos um movimento de alfabetização. Montamos mais de 40 turmas de alfabetização no município (Curralinho), que era com princípios de Paulo Freire. Na época, só eu ele com o ensino médio e outros colegas. Então, nós fazíamos formação de professores, que chamávamos de professores leigos, que tinham a 5ª, 6ª série, para alfabetizar. Isso me levou para outros patamares da região do Marajó.
Essa prática, que era de um movimento de base, vai ter influência na política de Estado, quando Ana Júlia ganha para o governo. Então, é implantado, também, no governo do Estado, o programa Mova
para Alfabetizados e aí tem outra virada de chave na minha vida: eu, conselheira tutelar por dois mandatos, ameaçada de morte, e isso me leva ao convite de assumir o Mova para Alfabetizados no governo. Depois, fui parar no Território de Cidadania do Marajó, no governo Lula [Luiz Inácio Lula da Silva], também convidada. Nessa conjuntura, fiquei na Secretaria de Planejamento e Orçamento e Finanças do governo do Estado fazendo todo o debate da construção do Plano de Desenvolvimento Territorial do Marajó e lá mexia com várias coisas: alfabetização e participação popular em toda a região. Mas, antes disso, já participava no sindicato
“Eu só transito. Estou de passagem em outros territórios, mas o meu pé é do Marajó, minha vida é do Marajó”
Edel Moraes, em sobrevoo na Amazônia, com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva
Crédito: Marcelo Clemente Revista Cenarium
15 14 www.revistacenarium.com.br ENTREVISTA
EDEL
PODER
REVISTA CENARIUM
Crédito: Comunicação Social MMA
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MORAES
& INSTITUIÇÕES
dos debates da regularização fundiária. Fomos pioneiros de discutir os CDRUs [Concessão de Direito Real de Uso] da SPU [Secretaria do Patrimônio da União]. (...) Eu sempre envolvida no processo e, aí, pari um menino.
RC – Como sua trajetória de lutas sociais interferiu em sua vida pessoal, familiar?
EM - Tadinho, o menino, eu nem consegui ver meu filho crescer, por conta disso, porque foram muitas [lutas]. Tem 21 anos o Guilherme, importante dizer (nessa parte da entrevista, ela se emociona bastante). Eu ainda acho que ele é uma criança. Ele vai vir, eu espero [para Brasília], porque, agora, não sou a mulher mais preferida da vida dele. Pedi perdão para o meu filho pelo tempo que eu não tive com ele (fala chorando). Meu filho é muito bonzinho, um ótimo filho e acho que o maior resultado foi, na eleição, ele postar no Facebook dizendo assim: “Obrigado mãe, por ter me criado e não ter deixado eu ser um bolsominion”.
RC – Em que momento de sua trajetória houve esse encontro de vida entre a senhora e a ministra Marina Silva? Como surgiu essa amizade?
EM - Vamos dizer que eu e Marina já nos conhecíamos anteriormente, mas a gente ainda não tinha se encontrado. A gente se encontrou bem recente, pessoalmente. Mas, eu me encontro com Marina Silva de uma forma simbólica no Território
da Cidadania, trabalhando na região, militante de sindicato, de alfabetização de jovens e adultos, do Conselho Tutelar, combate à pedofilia, no Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). A nossa conexão já era desde antes (...). Eu começo esse trabalho e não tenho qualquer contato físico anterior com Marina, a não ser como fã, correndo atrás dela tirando foto.
Aí, eu tô (sic) em Brasília, fazendo doutorado, fui aprovada ano passado. E, de repente, estava tendo a equipe de transição e eu acordo numa bela manhã,
7h, meu telefone toca e uma voz que meu coração palpitou, porque eu conhecia que era a voz da Marina, mas não querendo acreditar. Depois que ela falou tudo, eu tive que perguntar: “Mas, com quem eu estou falando?”. E ela, “Marina Silva”. Eu quase não acreditei. (...) Ela também contactou o movimento ao qual eu pertenço e, aí, o presidente do CNS falou assim: “Marina me ligou, então tá convidado, já dei o aval”. E, depois, eu descobri que foi um colega do doutorado, Mauro Pires, que,
em conversa em confiança com Marina, que me indicou.
RC - No Brasil pós-Bolsonaro, fortaleceu-se a narrativa de que as populações tradicionais ‘prejudicam’ o desenvolvimento econômico do País. Como a senhora pretende combater esse pensamento?
EM - Estamos numa crise climática mundial e não temos mais tempo de frear o aquecimento global e salvar o planeta e a humanidade. E as últimas fronteiras de
defesa desse clima são as áreas de floresta e são as áreas com as pessoas. Então, a nossa perspectiva de como combater [desinformação] é que o Brasil e o mundo conheçam essa diversidade plural das identidades e esse serviço que é prestado.
Numa conferência de Agroecologia, em 2014, eu estava como uma das painelistas e perguntei para o auditório: o que eles tinham pensado quando tinham vindo pra (sic) Amazônia? Todos disseram água, ar, floresta, bichinhos, e, timidamente, alguém falou: “gente”. E, aí, eu disse que
na “floresta tem gente”. E aqui, na Secretaria, é reafirmar que nos territórios tem gente, que nas comunidades tem gente que, do contrário que dizem que somos o empecilho para o desenvolvimento, nós somos, hoje, a última fronteira de salvação, inclusive, desse desenvolvimento desenfreado, e o que nós propomos não é o desenvolvimento, é o envolvimento, a participação, o reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais. A garantia do direito, a garantia do território, a segurança no território e a inclusão social dessas pessoas e, principalmente, a visibilidade.
RC – Para a senhora, há dificuldade de entendimento sobre a conexão e a interdependência entre a vida na Amazônia e em outras regiões do Brasil e do mundo?
EM- O Sul e Sudeste precisam entender de onde vêm os rios voadores, entender quais são as nossas conexões. Se eles
entendem o que são rios voadores, dá pra (sic) conversar com eles. Porque quando fala sobre populações tradicionais, sobre povos originários, sobre povo quilombola, é como se fosse uma fantasia, mas quando falta água em São Paulo para abastecer a cidade... Acho que é hora de a gente comunicar e a pandemia, eu uso como referência, nos trouxe algumas lições: de dizer o quanto todos nós estamos interligados, conectados. Acredito no poder do que foi a comunicação para as fake news. A gente tem que ter esse poder de iniciar uma comunicação também para o mundo, falando da importância dessas pessoas, que não são empecilho para o desenvolvimento.
“Nem consegui ver meu filho crescer por conta disso, porque foram muitas [lutas]
(...) Pedi perdão ao meu filho, pelo tempo que não tive com ele”
“Nós somos hoje a última fronteira de salvação, inclusive, desse desenvolvimento desenfreado”
Crédito: Caroline Torres 17 16 www.revistacenarium.com.br ENTREVISTA | EDEL MORAES PODER & INSTITUIÇÕES REVISTA CENARIUM
RC – Como a senhora classifica a ação do ex-presidente Bolsonaro e do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, quando se trata dos povos tradicionais?
EM - Criminoso. Acho que foi criminoso. Foi um instrumento pra (sic) reforçar ecocídios, epistemicídios, reforçar o racismo ambiental, pra (sic) fazer o que eles se propuseram: a boiada passar literalmente. Então, foi irresponsável e criminoso, que eu espero que, em algum momento, ele (Ricardo Salles) responda pelo lastro de destruição que fez. Não tem outra palavra: foi criminoso.
RC – E quais serão suas prioridades à frente da secretaria para dar mais visibilidade a esses povos e comunidades tradicionais?
EM - Temos alguns desafios: um número muito grande e significativo de territórios conquistados, demarcados, mas mesmo nesses territórios, hoje, nós temos o desafio da regularização fundiária. A nossa secretaria não é finalística, não é ela quem vai fazer, mas somos articuladores, também propositores desses encaminhamentos. O outro [desafio], nós temos uma demanda reprimida de muitos territórios para serem demarcados. Temos problemáticas em territórios já demarcados, como unidade de proteção integral, onde existem comunidades. Temos que encontrar uma solução pra (sic) reconhecimento e garantia territorial dessas pessoas, garantias sociais e de políticas públicas. Não haverá organização produtiva e nem outra política, se o território não estiver garantido e regularizado,
é a raiz de tudo isso. Não podemos atuar com outras ações porque nós vamos fazer a política ineficiente.
Temos o desafio de também sermos propositivos no modelo de cogestão entre as Unidades de Conservação e as associações concessionárias desses territórios. Nós temos um desafio de criar um instrumento que dê maior segurança para os assentamentos agroextrativistas, que é uma demanda vinda do movimento, como a gente transforma esses territórios tais quais Unidades de Conservação, também com um reconhecimento, digamos assim, que é um instrumento da preservação e da conservação, e que ganhem o mesmo status pra (sic) essa proteção territorial também.
RC – Com o novo governo federal, do qual a senhora faz parte, relações internacionais estão sendo retomadas, inclusive com recursos para o Fundo Amazônia. Como a senhora fará para trazer esse olhar internacional às comunidades e povos tradicionais?
EM - Como a própria ministra já tem dito, nesse primeiro momento os recursos do Fundo Amazônia tá (sic) sendo muito utilizado pra (sic) esse primeiro impacto, que é o do comando controle, mas o objetivo inicial destes recursos é justamente pra (sic) viabilizar ações concretas nas comunidades. Então, nosso desafio aqui vai ser apoiar a viabilidade do acesso dos povos e comunidades tradicionais a esses recursos e aí apoiar, com capacitações, mobilizações.
RC – Que marca pretende deixar em sua gestão na secretaria, nessa oportunidade de ser a voz das comunidades e povos tradicionais nesse governo?
EM - Acho que a marca da visibilidade e o reconhecimento dos instrumentos territoriais. (...) Garantir esse instrumento e a gente conseguir essa visibilidade e continuar gritando, e agora dentro do espaço do ministério, que na floresta tem gente, nos territórios tem gente, nos maretórios [territórios influenciados pela maré] tem gente.
É ser mesmo essa voz, ser mesmo esse instrumento da secretaria pra (sic) dizer
para o mundo que nós existimos. Que outras formas de viver, de estar e de produzir no mundo existem e que o mundo precisa conhecer. A gente fala pra (sic) todo o Brasil, para todos os biomas. De me colocar no lugar dos outros, que sempre foram chamados de “outros”. Não é pouca coisa, é muita responsabilidade. Saber conduzir e nunca esquecendo quem eu sou, de onde venho. Compreendendo muito bem que é um espaço técnico, político, mas de muita responsabilidade aqui dessa condução e sem esquecer quem eu sou.
RC – A senhora vislumbra alguma perspectiva político-eleitoral?
EM - Seria muita pretensão. Não. Eu sou a menina que só queria estudar e que cheguei hoje a estar aqui como secretária nacional. Hoje, estou aqui com meu pé no chão, assumindo a responsabilidade da secretaria e quero fazer na secretaria o que fiz como conselheira tutelar, o melhor de mim. Eu quero fazer nesta secretaria o que fiz no movimento de alfabetização, o melhor de mim. Eu quero fazer o que fiz dentro do CNS como a primeira mulher vice-presidente do CNS, o melhor de mim. Eu quero fazer o melhor de mim e de nós enquanto coletivo, enquanto estiver aqui. O futuro eu não posso prever, porque eu não previ nada. Tudo o que eu previa é que eu queria estudar a quinta até a oitava série e, agora, estou fazendo doutorado.
“Eu sou a menina que só queria estudar e que cheguei hoje a estar aqui como secretária nacional”
“O que nós propomos não é o desenvolvimento, é o envolvimento, a participação, o reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais”
Crédito: Marcelo Clemente
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ENTREVISTA
| EDEL MORAES PODER & INSTITUIÇÕES
‘Vamos retirar os garimpeiros ilegais’
Presidente Lula participa da 52ª Assembleia dos Povos Indígenas de Roraima, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e promete fim da atividade ilegal
Bianca Diniz – Da Revista Cenarium
ORMANDIA (RR) – O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prometeu retirar, de forma definitiva, os garimpeiros das terras indígenas, no dia 13 de março. Lula participou da 52ª Assembleia dos Povos Indígenas de Roraima, no Lago do Caracaranã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada
O evento teve como pauta principal as discussões sobre a proteção das terras tradicionais, gestão dos recursos naturais e a agenda do movimento indígena para o ano de 2023. A assembleia é realizada pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) e, neste ano, foi realizada entre os dias 11 e 14 de março.
No início da cerimônia, duas crianças indígenas entregaram uma carta com demandas nas mãos do presidente. Lula pediu que fosse apresentada às ministras Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, uma listagem das terras que devem ser demarcadas em Roraima, antes que invasores tomem posse.
sidente disse que ficou “incrédulo”, ao presenciar a situação das crianças da Terra Indígena Yanomami. Ele prometeu atender todas as demandas dos povos indígenas, como envio de ajuda financeira, criação de postos de saúde e distribuição gratuita de medicamentos em todos os territórios indígenas.
“Fiquei triste porque vocês não têm ajuda do governo (estadual) para financiar a produção de vocês”, afirmou o presidente. Por solicitações de organizadores e lideranças, o governador de Roraima, Antonio Denarium, não participou do evento.
LÍDERES MUNDIAIS
O presidente disse que está planejando, para este ano, um encontro com líderes de países que possuem áreas da Floresta Amazônica em seus territórios, incluindo Venezuela, Equador, Peru, Colômbia e Bolívia. O objetivo será discutir proteção, estratégias e geração de incentivos de mais pesquisas em prol do desenvolvimento da Amazônia.
“Vamos criar, novamente, o Conselho dos Povos Indígenas, para que os indígenas decidam como as coisas devem ser feitas, pois temos quatro anos de mandato pela frente; é preciso os povos indígenas reivindicarem, cada vez mais, porque nada
Lula estava acompanhado de ministros, lideranças indígenas e da primeiradama, Janja Silva
está maravilhoso, ainda falta muita coisa a fazer”, completou.
Além de Sonia Guajajara e Joenia Wapichana, Lula estava acompanhado dos ministros Nísia Trindade (Saúde), José Múcio Monteiro (Defesa), Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação) e Márcio Macedo (Secretaria-Geral da Presidência) e da primeira-dama, Janja da Silva.
ESTADO DE EMERGÊNCIA
Em janeiro, o Ministério da Saúde decretou estado de emergência para combater a falta de assistência sanitária que atinge os Yanomami, em portaria publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU).
As ações estão sendo realizadas em conjunto com gestores estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS). O grupo ligado à emergência deverá propor ao ministério “o acionamento de equipes de saúde, incluindo a contratação temporária de profissionais” e a “aquisição de bens e a contratação de serviços necessários para a atuação” na emergência.
Em janeiro, a pasta divulgou que 570 crianças Yanomami morreram por contaminação de mercúrio, desnutrição e fome, “devido ao impacto das atividades de garimpo ilegal na região”.
Formação superior
Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium MANAUS (AM) – No mesmo dia em que participou da 52ª Assembleia dos Povos Indígenas de Roraima, no Lago do Caracaranã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada na cidade de Normandia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou as redes sociais para declarar investimentos na formação superior de indígenas.
No Twitter, o presidente afirmou: “Quanto mais indígenas formados doutores, melhor. Por isso, vamos fazer mais escolas técnicas e universidades”, postou Lula, salientando a oportunidade disponibilizada aos jovens dos povos originários. “Queremos que os jovens tenham a oportunidade de estudar para serem o que quiserem, junto com o povo de vocês”, salientou.
Além de mencionar a educação, Lula afirmou que é necessário estar atento quanto às demandas da população indígena. “Falta muita coisa para o povo indígena, e nós temos que ter a responsabilidade de garantir. Não vamos fazer isso de cima para baixo, vamos respeitar a organização dos povos. Vamos ouvir sobre os investimentos que vocês acham importantes. Contem conosco”, postou.
em Normandia, Roraima. Essa é a primeira vez que um presidente participa do evento.
Lula relembrou que o território brasileiro, um dia, foi “100%” indígena, e que as terras foram invadidas. “Indígenas foram massacrados pelos garimpeiros. Nós vamos retirar, definitivamente, os garimpeiros das terras indígenas”, declarou o presidente.
Os indígenas Yanomami vivem uma crise humanitária em virtude da invasão de mais de 20 mil garimpeiros no território. Depois da visita do presidente, em janeiro, o Ministério da Saúde decretou emergência de saúde pública para enfrentar a desassistência sanitária das populações Yanomami.
Ao relembrar sua última visita a Roraima, em janeiro deste ano, o pre-
N
Lula entre crianças indígenas e lideranças Yanomami, como David Kopenawa
Crédito: Alexsandro Paiva
21 20 www.revistacenarium.com.br REVISTA CENARIUM PODER & INSTITUIÇÕES
Crédito: Ricardo Stuckert Reprodução
Planos para a Amazônia
Novo governo federal tomou posse com agenda que tem Amazônia como um dos pontos centrais. Medidas de preservação e desenvolvimento são acompanhadas com grande expectativa Luciano Falbo – Especial para a Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Sob os olhares atentos de um mundo que caminha para o colapso climático, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu o seu terceiro mandato na Presidência do Brasil com uma agenda interna e externa intimamente ligada à Amazônia, e que tem a pretensão de reverter retrocessos. Dentre as ações tomadas logo no dia da posse, em 1º de janeiro, estão as assinaturas de decretos que restabelecem o combate ao desmatamento e revogam o incentivo ao garimpo ilegal. O novo governo também reativou o Fundo Amazônia e criou o Ministério dos Povos Indígenas. As primeiras medidas deram a noção de uma ideia de preservação e desenvolvimento para a região e são acompanhadas, com grande expectativa e vigilância, pela sociedade civil e estudiosos. Nesta reportagem, a REVISTA CENARIUM listou e buscou análises sobre as principais propostas apresentadas por Lula para a região durante a campanha eleitoral, informações levantadas durante a transição de governo e medidas já tomadas ou anunciadas nos primeiros meses da gestão do presidente e seus ministros.
Em seu primeiro discurso como presidente, Lula prometeu adotar a política de desmatamento zero. “Nossa meta é desmatamento zero, porque não precisamos avançar sobre os nossos biomas para fortalecer nosso agronegócio, por isso, criei o Ministério dos Povos Indígenas, porque ninguém conhece mais nossas florestas do que os povos originários. A esse povo que estava aqui, desde os primórdios, temos uma dívida histórica e devemos pagar com respeito”, disse.
Alinhado com a pauta internacional de mitigação do efeito estufa, sob o comando de Marina Silva, o Ministério do Meio Ambiente criou a Secretaria Nacional de Mudança do Clima.
A retomada de uma política socioambiental declaradamente progressista é vista com otimismo por estudiosos e lideranças ouvidos pela REVISTA CENARIUM
Embora o histórico anterior do petista no governo (2003 – 2010) e os eventuais choques entre setores e aliados tão distintos preocupem, a avaliação geral é de que a nova gestão é uma ruptura necessária com o modelo bolsonarista.
Cientistas e indígenas dizem que, além da reestruturação orçamentária e de pes-
soal dos órgãos com atuação ambiental e indigenista, o novo governo também deve voltar os olhos aos processos econômicos para garantir desenvolvimento social para as populações amazônicas. Eles também defendem que o combate aos crimes ambientais deve ser reforçado e ampliado.
PROMESSAS DE CAMPANHA
No plano de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as eleições de 2022, a chapa Lula/Alckmin afirma em um dos tópicos que as políticas sociais, de uma forma geral, “estão sendo mutiladas”. “Populações indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais têm conquistas atacadas sem trégua”, afirmou à época, em referência ao Governo Bolsonaro.
No documento, a chapa presidencial se comprometeu “com a proteção dos direitos e dos territórios dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais”.
“Temos o dever de assegurar a posse de suas terras, impedindo atividades predatórias, que prejudiquem seus direitos”, defende.
A política industrial do governo, diz o texto, deverá promover o engajamento das empresas na “transição tecnológica, ambiental e social”. Outro trecho destaca que, entre as prioridades do governo, estão “inovação, pesquisa científica e tecnológica, defesa do meio ambiente e aproveitamento industrial e comercial dos nossos diferenciais competitivos, como, por exemplo, a biodiversidade da Amazônia”. A mineração ilegal, “particularmente na Amazônia, será duramente combatida”, prometeram.
Como aceno internacional, o programa de governo também prevê o compromisso de cumprimento, de fato, das metas de redução de emissão dos gases do efeito estufa, assumidas na Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP15).
“É imperativo defender a Amazônia da política de devastação posta em prática pelo atual governo”, afirma outro trecho do programa, se referindo ao governo do agora ex-presidente Jair Bolsonaro.
Durante a campanha, em comícios, debates e programas eleitorais, Lula repetiu boa parte dessas promessas. Apoiadores, sociedade civil e especialistas aguardam que as palavras não se encerrem no discurso e se tornem realidade concreta.
precisamos avançar sobre os nossos biomas para fortalecer nosso agronegócio, por isso, criei o Ministério dos Povos Indígenas, porque ninguém conhece mais nossas florestas do que os povos originários”
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, em seu discurso de posse.
Fundo Amazônia
A reativação imediata do Fundo Amazônia é considerada uma das medidas mais importantes, porque os recursos podem ser usados de várias formas diferentes, desde que os projetos incentivados promovam a redução do desmatamento da floresta. Logo após a retomada da ferramenta, que tem, atualmente, cerca de R$ 3,4 bilhões em caixa, a Alemanha anunciou novos aportes e o Reino Unido considera ingressar na iniciativa. Os Estados Unidos também têm interesse em contribuir com repasses para o Fundo Amazônia.
Criado por Lula, em 2008, o Fundo Amazônia recebe contribuições internacionais para ajudar o Brasil a conter o desmatamento. Projetos podem ser financiados pelo fundo, por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O fundo é baseado em resultados e os pagamentos são realizados após a comprovação da redução do desmatamento. Os principais doadores são os governos da Noruega e da Alemanha.
O fundo estava congelado, desde agosto de 2019, depois que o então presidente Jair Bolsonaro extinguiu seu conselho e encerrou projetos de combate ao desmatamento, em uma violação do acordo original.
“Nossa meta é desmatamento zero, porque não
Crédito: Ag Brasil | Ricardo
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Oliveira
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REVISTA
AGENDA AMAZÔNICA
PRIMEIRAS AÇÕES VOLTADAS À AMAZÔNIA
ORIGEM MEDIDA STATUS
Decreto presidencial Restabelecimento do combate ao desmatamento Em vigor
Decreto presidencial Restabelecimento do Fundo Amazônia Em vigor
Ato normativo presidencial Revogação de decreto que permitia garimpo em áreas indígenas e de proteção ambiental Em vigor
Decreto presidencial Regulamentação da Lei que cria o Fundo Nacional do Meio Ambiente Em vigor
Decreto presidencial Alteração das regras para a apuração e punição de infrações relacionadas ao meio ambiente Em vigor
Medida provisória Criação do Ministério dos Povos Indígenas Em vigor
Despacho presidencial Determinação para que o MMA elabore proposta para nova regulamentação do Conselho Nacional do Meio Ambiente Em vigor
Presidência Desmatamento zero Promessa da posse
Presidência Cúpula da Amazônia com os nove países da região, ainda neste semestre Anunciada
Ministério do Meio Ambiente Criação da Secretaria Nacional de Mudança do Clima Em vigor
Ministério do Meio Ambiente Cancelamento de programa que tirava poder de fiscais sobre multas ambientais Em vigor
Ministério do Meio Ambiente Criação da Secretaria Extraordinária do Desmatamento e Ordenamento Territorial e Fundiário Anunciada
Ministério do Meio Ambiente Criação da Secretaria de Bioeconomia e Recursos Genéticos do MMA Anunciada
Ministério do Meio Ambiente Criação da Secretaria de Povos e Comunidades Tradicionais do MMA Anunciada
Ministério do Meio Ambiente Alemanha avalia adquirir produtos brasileiros de baixo carbono, hidrogênio verde e outros da bioeconomia Prospecção
Ministério do Meio Ambiente Criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática, prevista para março Elaboração
Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços Criação de Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria Anunciada
Ministério da Justiça Criação da Diretoria de Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal Em vigor
Ministério dos Povos Originários Demarcação de 14 Terras Indígenas Noticiado¹
durante a cerimônia de posse, em 1º de janeiro
Primeiras medidas de impacto
Novos ministros tiveram início de trabalhos marcado por anúncios nas áreas de meio ambiente, economia, povos indígenas e Justiça
M
ANAUS (AM) – As cerimônias de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos novos ministros foram marcadas pelas primeiras medidas de governo que impactam a Amazônia, com a assinatura de decretos, criação de projetos e o início do chamado “revogaço” de normas da gestão anterior. O início dos trabalhos do novo governo seguiu com ações, principalmente, nas áreas ambientais, de povos originários, econômica e de segurança.
Na cerimônia de transmissão de cargo, a ministra do Meio Ambiente e da Mudança Climática, Marina Silva, confirmou a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática. “Até março deste ano, será formalizada a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, além da criação de um Conselho Nacional sobre
Fontes: Agência Brasil, Agência Senado, Diário Oficial da União, discursos oficiais de posse e site Metrópoles¹
Luciano Falbo – Especial para a Revista Cenarium
O presidente Lula e seus ministros
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Crédito: Tânia Rego Ag Brasil
“É imperativa a redução da emissão de gases de efeito estufa, política de apoio à redução de carbono. O Brasil pode ser e será um grande protagonista do processo de descarbonização da economia global”
Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Mudança do Clima, a ser comandado pelo próprio presidente da República e com a participação de todos os ministérios, da sociedade, dos Estados e municípios”, anunciou. Até o fechamento desta edição, até meados da segunda quinzena de março, a Autoridade Climática ainda não havia sido criada.
A ministra explicou que a Autoridade Nacional terá como finalidade produzir subsídios para a execução e implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima, além de regular e monitorar a implementação das ações relativas às políticas e metas setoriais de mitigação,
Itamaraty
de adaptação e de promoção da resiliência às mudanças do clima. Um projeto de lei para criar a autarquia deve ser submetido ao Congresso Nacional, até abril.
Sobre a mudança no nome do MMA, com o acréscimo do termo “Mudança Climática”, Marina disse que o motivo não é retórico: “a emergência climática se impõe”.
“Queremos destacar a devida prioridade daquele que é, talvez, o maior desafio global vivido presentemente pela humanidade. Países, pessoas e ecossistemas se mostram cada vez menos capazes de lidar com as consequências e, comprovada-
mente, os mais pobres são os mais afetados. O governo brasileiro, que sempre foi protagonista nessa discussão, não se furtará a exercer esse papel de liderança, nacional e internacionalmente, por meio deste ministério”, declarou.
Desde antes da posse, Marina enfatiza a necessidade de reestruturação dos órgãos de fiscalização e controle ambiental, tanto em relação a pessoal quanto em relação ao orçamento. Dentre suas primeiras medidas já tomadas está o cancelamento do programa de Ricardo Salles que tirava poder de fiscais sobre multas ambientais. Marina tem ressaltado também a importância de atuação articulada entre as pastas do governo em prol do desenvolvimento sustentável.
POVOS INDÍGENAS
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, disse, no dia da posse presidencial, que a pasta priorizará a demarcação de terras. “Já conversamos com o presidente Lula, que se comprometeu a ter muito mais cuidado com essa demarcação de terras indígenas no Brasil, que, para nós, é a bandeira de luta principal”, disse. A promessa é de que 14 terras indígenas sejam demarcadas ainda nos primeiros meses de governo.
Ao site UOL, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, informou que o orçamento estipulado para este ano, cerca de R$ 600 milhões, não será suficiente e que Lula sabe disso. “Eu espero que a Funai tenha um apoio financeiro a mais por conta das necessidades do órgão, que é tomar conta de 14% do território brasileiro. Assim como saúde e educação são prioridades, os povos indígenas também o são”, declarou.
à estruturação de um programa integrado de desenvolvimento da Amazônia”.
MDIC
Em seu discurso de posse no Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), anunciou que a pasta terá uma Secretaria Especial de Economia Verde e Descarbonização. “É imperativa a redução da emissão de gases de efeito estufa, política de apoio à redução de carbono. O Brasil pode ser e será um grande protagonista do processo de descarbonização da economia global”, discursou. Ele, no entanto, não detalhou como será a atuação da secretaria.
Alckmin reconheceu que, atualmente, os desafios relacionados às cadeias de fornecimento, às exigências regulatórias e à preservação do meio ambiente “proliferam e impactam os fluxos internacionais de comércio”.
Alckmin garantiu que a sociobiodiversidade será a “energia do nosso desenvolvimento” e que trabalhará para superar “barreiras aos nossos produtos no exterior”. “Tentando ser mais conciso, eu diria que em linha com suas orientações, presidente Lula, o novo MDIC será orientado para uma economia inclusiva, criativa e sustentável”, resumiu.
“Até março deste ano, será formalizada a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, além da criação de um Conselho Nacional sobre Mudança do Clima”
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente.
Novo Conselho da Amazônia
O “revogaço” promovido por Lula no primeiro dia de mandato também anulou a transferência do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para a Vice-Presidência. A mudança havia sido feita por Bolsonaro, em fevereiro de 2020.
matamento, por meio das Garantias da Lei e da Ordem (GLOs).
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse, em seu discurso de posse, que Lula deu o tom do que será sua política para a mudança do clima, “reconstruindo as capacidades internas e retomando a cooperação internacional para alavancar o cumprimento de metas nacionais ambiciosas”.
“Ao oferecer o País como sede da COP30, em 2025, o presidente Lula reforçou nossas credenciais internacionais na matéria e retomou a linha que havia come-
çado, em dezembro de 1988, com o sábio oferecimento, pelo presidente [José] Sarney, de sediarmos a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, verdadeiro divisor de águas na questão ambiental e do desenvolvimento sustentável”, declarou.
O ministro disse que o Brasil tem todas as condições de se consolidar como modelo de transição energética e economia de baixo carbono. “Isso exigirá esforço interno, mas também uma ativa política
de atração de investimentos. Demandará recursos próprios, sem que deixemos de cobrar, com firmeza, a implementação pelos países desenvolvidos de seus compromissos em matéria de financiamento. E exigirá uma diplomacia ambiental e climática de primeira grandeza, ativa e determinada a defender nossos interesses e a desempenhar o papel de facilitador e de gerador de consensos que, desde a preparação da Rio-92, o Brasil sempre soube exercer até recentemente”, detalhou.
JUSTIÇA
O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse em sua posse que o combate aos crimes ambientais, especialmente na Amazônia brasileira, “é uma prioridade essencial que diz respeito à segurança climática, do Brasil e do mundo, mas diz respeito também a nossa política externa”.
Ao ser empossada, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, afirmou que sua gestão dará “prioridade
Sob o comando do então vice-presidente Hamilton Mourão, o Conselho ganhou destaque por fazer uma “oposição” à gestão de Ricardo Salles no MMA, no momento em que a imagem do Brasil no exterior se deteriorava em função da política ambiental adotada e os crescentes números negativos.
Com Mourão, um general da reserva do Exército, o Conselho também ficou conhecido pelo uso das Forças Armadas em ações de combate ao des-
Na prática, com a volta ao MMA, o Conselho perde força, já que há expectativa de reestruturação dos órgãos de controle e fiscalização ambiental nessa nova gestão. Apesar disso, o CNAL permanecerá como um articulador de ações com os governadores da região. Até o fechamento desta edição, não havia sido anunciada uma definição sobre quem assumirá a presidência do CNAL.
No mesmo decreto em que devolveu o CNAL para o MMA, Lula reativou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que ficará sob a responsabilidade da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento, formada por 19 ministérios.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, com a deputada eleita Célia Xakriabá
À frente do Meio Ambiente, Marina Silva tem o desafio da meta de desmatamento zero
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PODER &
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Crédito: Valter Campanato
| Ag Brasil
AMAZÔNICA
INSTITUIÇÕES
“Na campanha, o presidente Lula usou o termo ‘bioeconomia de floresta em pé’. Na verdade, fomos nós, cientistas, que passamos esse tema para ele. Isso consiste na construção de uma nova economia da Amazônia baseada no imenso valor desse potencial dos produtos da biodiversidade”
Carlos Nobre, cientista climático.
“Ela [Marina] é uma amazônida que conhece bem a nossa realidade. “É preservar e poder estimular políticas públicas que possam acarretar geração de renda, principalmente para os menos favorecidos. Então, alguém que conhece a região pode trazer isso”
Denise Kassama, economista.
“O governo terá um grande desafio pela frente, que envolve a articulação entre a concepção da política econômica, que tem à frente o ministro Fernando Haddad, e essas políticas que eram consideradas periféricas, como áreas de governo decisivas”
Marcelo Seráfico, cientista social.
“A gente tem que ser bem sensato sobre o que está envolvido. Querendo ou não, tem o agronegócio, tem o pessoal do garimpo, que está no Congresso Nacional, que elegeu deputados federais que vão querer regulamentar isso, vão querer entrar nas terras indígenas. E, no passado, o Governo Lula autorizou a usina de Belo Monte contra os nossos interesses”
Beto Marubo, liderança indígena do Vale do Javari que integrou o GT dos Povos Isolados do Gabinete de Transição.
Economistas, lideranças indígenas, pesquisadores e analistas políticos avaliam primeiras medidas e planos do governo para a Amazônia
MANAUS (AM) – Dado o cenário de desmonte das políticas federais voltadas para a região amazônica, em geral, a troca de governo é vista com bons olhos por estudiosos e lideranças locais ouvidas pela reportagem da REVISTA CENARIUM. As propostas e medidas tomadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua equipe ministerial vão de encontro às expectativas para este início de mandato.
Do ponto de vista econômico, a sinalização da permanência dos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus (ZFM), creditada como a principal responsável pela preservação da floresta no Amazonas, é motivo de otimismo, após uma sequência de ataques contra as vantagens do modelo.
“Vale lembrar que foi na Gestão Dilma Rousseff, do PT, que os incentivos foram
prorrogados por 50 anos. Então, isso nos leva a ter um otimismo, embora seja muito prematuro a gente avaliar. Uma coisa são as promessas e outra coisa é ter acontecido de fato”, disse à REVISTA CENARIUM a economista Denise Kassama, vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon).
Em meados de janeiro, a declaração do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), de que uma das metas da reforma tributária é acabar com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) gerou preocupação entre representantes da indústria amazonense e lideranças políticas do Amazonas. Após audiência com o novo secretário estadual do Amazonas de Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti),
Pauderney Avelino, no dia 20 de janeiro, Alckmin afirmou que a reforma tributária preservará a Zona Franca de Manaus e sua competitividade.
Kassama ressalta a necessidade de se dar segurança jurídica ao modelo. “Quando o governo mostra instabilidade em relação à Zona Franca, isso retrai investimentos. Não é barato implantar uma fábrica numa cidade que fica bem no meio da floresta amazônica. O investidor está acreditando na política econômica informada a ele quando começou a prospectar o investimento. Então, quando o governo sinaliza com mais segurança, isso deixa os investidores mais confortáveis”, explicou.
Na avaliação da economista, o Governo Lula sinaliza positivamente colocando
Marina Silva à frente do Meio Ambiente e criando o Ministério dos Povos Indígenas. “Ela [Marina] é uma amazônida que conhece bem a nossa realidade”, ressalta.
“É preservar e poder estimular políticas públicas que possam acarretar geração de renda, principalmente para os menos favorecidos. Então, alguém que conhece a região pode trazer isso”, aponta.
“Somos penalizados por gente que não conhece, não entende como funciona a Zona Franca, olham apenas a questão da redução tributária e não enxergam os benefícios socioambientais que isso traz”, diz a economista.
Denise Kassama defende que a Amazônia precisa de “um olhar fomentador de políticas públicas, voltado não só para a preservação, mas também para ativida-
des econômicas sustentáveis”. “Hoje, a maioria dos municípios do interior são dependentes dos repasses do ICMS e do governo federal. O principal empregador é a prefeitura. É preciso investir em logística para proporcionar o escoamento da produção para os consumidores. Não é tarefa fácil”, disse.
Na mesma linha de raciocínio, o cientista social Marcelo Seráfico considera que as políticas ambientais não devem ser voltadas apenas ao ambiente, mas devem também “estimular práticas diferentes de lidar com a natureza e também com os resultados da apropriação da natureza do conjunto da sociedade”. “Em outras palavras, as políticas ambientais e indigenistas precisam ser pensadas no quadro da vida política econômica”, disse.
Luciano Falbo – Especial para a Revista Cenarium
Crédito: Ricardo Oliveira AGENDA AMAZÔNICA PODER & INSTITUIÇÕES REVISTA CENARIUM 28 www.revistacenarium.com.br 29
O cientista climático Carlos Nobre avalia que um dos principais desafios do Governo Lula será “construir uma nova economia de floresta em pé da Amazônia”
“Uma política [para a Amazônia] que tenha no horizonte não apenas o crescimento, o que, geralmente, se pretende, mas a distribuição da riqueza por meio tanto da melhoria da renda quanto de um conjunto de políticas que assegurem novas estratégias de apropriação e uso dos recursos naturais, o que inclui aprender com os povos originais e valorizar esse conhecimento tradicional, não apenas pelo fato de que ele protege a natureza, mas porque ele se guia por uma lógica distinta, daquela que tem como principal foco o crescimento econômico ou a acumulação de capital”, analisa Seráfico.
O cientista climático Carlos Nobre afirma que um dos principais desafios do governo, neste primeiro ano, será “construir uma nova economia de floresta em pé da Amazônia”.
“Na campanha, o presidente Lula usou o termo ‘bioeconomia de floresta em pé’. Na verdade, fomos nós, cientistas, que passamos esse tema para ele. Isso consiste na construção de uma nova economia da Amazônia baseada no imenso valor desse
zônia. Então, eu tenho certeza também que as políticas econômicas e o ministro Haddad vão também muito na direção dessa reindustrialização do Brasil como um todo e da Amazônia, com políticas fiscais, incentivos, benefícios para desenvolver essa nova economia de floresta”, completou Nobre.
Marcelo Seráfico diz haver necessidade do Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, se reativar e investir fortemente em mecanismos de monitoramento ambiental. Mas, além de monitoramento, ressalta ele, “é preciso investir também em política de controle ambiental e em processos de participação democrática na definição de políticas específicas como aquelas vinculadas às bacias hídricas, às funções relacionadas ao uso de agrotóxicos, à liberação de determinados insumos”. “Quer dizer, é um conjunto de medidas que também são transversais, que têm ligação com a política econômica”, observa.
Ministérios como o do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, avalia Seráfico, “não podem ser compreendidos como se fossem gotas no oceano do Estado”. “Hoje em dia, me parece, que terão um papel para pensar
a política econômica, mas não apenas ela. A política educacional. Você imagina os conteúdos sobre a discussão das mudanças climáticas, aquecimento global, sobre a história dos povos indígenas e sua contribuição para a cultura nacional. Há uma série de transversalidades, que precisam ser consideradas no conjunto de ações do governo para a Amazônia”, complementa.
Ao citar Sonia Guajajara e Marina Silva, Marcelo Seráfico diz que nesses dois ministérios há pessoas que representam não apenas movimentos, “mas perspectivas relativas a modos de desenvolvimento econômico, inclusive, diferente daqueles que dominam o Brasil, há muito tempo”.
“O governo terá um grande desafio pela frente, que envolve a articulação entre a concepção da política econômica, que tem à frente o ministro Fernando Haddad, e essas políticas que eram consideradas periféricas, como áreas de governo decisivas, não apenas para melhoria das condições de vida do Brasil, mas para a melhoria das condições de vida do mundo, de desenvolvimento mesmo, e que orientem o planejamento público”, conclui.
CRIME AMBIENTAL
Em relação aos crimes ambientais e contra os povos indígenas, o consenso é de que é necessária e urgente a reestruturação dos órgãos de controle e monitoramento.
“A gente, do Javari, por exemplo, apresentou como sugestão a imediata atuação dos órgãos de governo no Vale do Javari, de forma ostensiva, tanto da Polícia Federal quanto do Ibama, quanto dos demais órgãos do governo federal, para combater a criminalidade, de uma forma organizada e de uma forma onde houvesse uma atuação centralizada e não descentralizada, como vem acontecendo agora, mesmo que paliativamente, somente. Ostensiva. Fora do conceito, como aconteceu no Governo Bolsonaro, as GLOs [Garantias da Lei e da Ordem]. As GLOs gastavam muito dinheiro, pagavam-se diárias e toda uma estrutura para o Exército, sobretudo, mas não se cumpria, não chegávamos aos objetivos ideais. E essa atuação deve ser feita de forma ostensiva sistemática. Não somente no Vale do Javari, tem alguns outros pontos que a gente viu, como Yanomami e regiões do Pará”, destacou o líder indígena Beto Marubo, do Vale do Javari.
potencial dos produtos da biodiversidade, a maior biodiversidade do mundo. Então, o Fundo Amazônia terá um papel importante nisso”, considerou, ao citar o papel do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nesse processo.
Carlos Nobre considera que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que já foi ministro da Educação, tem uma visão “muito avançada sobre o papel de uma nova economia”.
O cientista lembra que, no dia da vitória nas urnas, Lula falou em reindustrializar o País. “E, na Amazônia, é quase uma industrialização a partir do zero. É verdade que, em Manaus, temos o Polo Industrial da Zona Franca, mas o resto tem pouquíssimo de industrialização na Amazônia como um todo e, principalmente, industrialização para os produtos da biodiversidade”, disse.
“Por exemplo, o açaí é o produto de maior valor da floresta, de maior valor para a economia da Amazônia, mas é muito pouco industrializado na própria Amazônia. Ele é industrializado fora da Ama-
Ministério dos Povos Indígenas
Para o cientista social Marcelo Seráfico, ainda que possa ser considerada um marco, no sentido de que nunca existiu um antes, a criação do Ministério dos Povos Indígenas precisa ser observada com cautela. “De um lado, para saber se o ministério terá uma função na formulação de políticas mais gerais e não apenas políticas vinculadas exclusivamente à demarcação de terras, à promoção da saúde indígena, educação indígena. Esse é um ministério cujas orientações precisam ser integradas às concepções sobre a economia e sobre o ambiente, de forma muito particular”, defende.
“De outro lado, é preciso cuidado, porque a criação de um ministério como esse pode implicar determinada forma de contenção do próprio movimento indígena, das reivindicações, da mobilização”, observa Seráfico.
O líder indígena Beto Marubo, do Vale do Javari, compartilha de opinião seme-
lhante. “A gente tem que ser bem sensato sobre o que está envolvido. Querendo ou não, tem o agronegócio, tem o pessoal do garimpo, que está no Congresso Nacional, que elegeu deputados federais que vão querer regulamentar isso, vão querer entrar nas terras indígenas. E, no passado, o Governo Lula autorizou a usina de Belo Monte contra os nossos interesses. Que era um projeto da Ditadura Militar que nunca saiu do papel, que não tinha apoio, mas, a partir do momento em que os indígenas começaram a compor a base do governo, começaram a convalidar isso de uma certa forma. Então, a gente tem que estar atento”, disse à REVISTA CENARIUM
Tendo sido membro do Grupo de Trabalho (GT) de Povos Isolados no gabinete da transição, Marubo avalia que o ministério é fruto de uma leitura muito apurada da parte do Governo Lula “sobre a importância de incluir os indígenas nesse novo
cenário, onde a questão ambiental é um foco principal no âmbito internacional”. “A questão econômica, necessariamente, vai passar por essa questão ambiental. A questão social envolvendo direitos indígenas e demais correlatos também vão passar”, ressalta.
“E vou além. O Lula percebeu que devido à atuação forte dos indígenas nos fóruns internacionais, nos últimos anos, –esse protagonismo ficou muito evidente sobretudo no âmbito da ONU – ele sabe que os indígenas vão ser fundamentais nesse novo processo. E aí, para chamar os indígenas, ele criou o ministério e vai precisar de parcerias internacionais, destravar acordos internacionais, acordos econômicos, que vão ser importantes para o governo, para o País”, assinala Marubo.
Marubo diz que foi “meio que uma troca”. “E, como toda troca, temos que estar atentos, porque sempre vêm os ‘jabutis’, como diz o outro”, conclui.
Criar modelos de preservação que unam geração de renda para os amazônidas é um dos desafios do novo governo
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Além disso, também foi sugerida a reestruturação do orçamento da Funai e que o poder de polícia da fundação seja regulamentado. “Hoje, a Funai tem uma atribuição de fiscalização, mas não tem o poder de polícia regulamentado. Então, a Funai, assim como o Ibama e o ICMBio, órgãos de enfrentamento aos crimes ambientais, pode ter as mesmas peculiaridades operacionais”, relatou o líder indígena.
O cientista climático Carlos Nobre afirma que a ilegalidade na Amazônia cresceu muito, nos últimos anos, e, como nunca, está muito mais controlada, atualmente, pelo crime organizado. “Então, é uma batalha mesmo, é uma guerra do sistema de fiscalização federal e estaduais contra organizações criminosas, como PCC, Comando Vermelho e várias organizações criminosas aqui da Amazônia também. As organizações estão controlando esses crimes horríveis, que explodiram na
CT&I
Outro desafio para Amazônia diz respeito à ciência que, assim como o meio ambiente e os povos indígenas, esteve na linha de ataques do Governo Bolsonaro.
O cientista climático Carlos Nobre lembra que o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) teve seus piores orçamentos em 50 anos, entre 2021 e 2022. “Já são longos períodos sem concurso público, com muitos funcionários em idade de aposentadoria”, observa ele, que está otimista com a nova titular do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luciana Santos, que foi secretária estadual de Tecnologia, em Pernambuco, e vice-governadora.
“Uma pessoa experiente na área, que, tenho certeza, vai conduzir muito bem a pasta, restaurando muitos financiamentos, os investimentos que havia de tecnologia em todo Brasil, mas também na Amazônia”.
Amazônia, infelizmente, com o sinal do ex-presidente, que, agora, viajou para os Estados Unidos”, disse, em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Nobre diz que o governo não pode fracassar nesse combate. “Esse é um desafio que exige ação de dezenas de milhares de policiais, fiscais atuando lá dentro da Amazônia”, destaca.
Citando o Deter, o especialista diz que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) tem um sistema de monitoramento “e passou as informações todo dia, mas esse governo fez coisa nenhuma”. “Ao contrário, incentivou o crime”, completou.
“Todas as informações que hoje já existem são ferramentas para o Ibama, Polícia Federal, polícias estaduais saberem no mesmo dia, no dia seguinte, o que está acontecendo, o desmatamento, a grilagem de terra, a abertura de uma pista clandestina, abertura da área de mineração ilegal. Tudo isso os satélites detectam no dia seguinte e o governo consegue agir dois dias depois que o crime começou”, enfatiza.
Nobre defende uma verdadeira “guerra contra o crime, prender milhares de criminosos”. Não só o crime na ponta, mas os financiadores, principalmente. “Por exemplo, a Polícia Federal descobriu, em 2022, até por ordem da Justiça, que o PCC financiou garimpo na Terra Yanomami. É financiamento de dezenas de milhões de reais, havia máquinas pesadas, pista clandestina, avião”, disse.
Para Carlos Nobre, o novo ministro da Justiça, o ex-governador do Maranhão Flávio Dino, tem credenciais e disposição para o enfrentamento necessário. “Ele elegeu como uma das prioridades o combate aos crimes ambientais”, ressalta.
“O Maranhão também é um Estado amazônico e o novo ministro conhece muito bem o crime ambiental da Amazônia. Então, logicamente, o Ministério da Justiça terá um papel muito importante. E aí uma junção muito importante com os órgãos ambientais, que houve tempos atrás, quando combateram o desmatamento ilegal, com Ibama, ICMBio e polícias estaduais”, comentou.
O líder indígena do Vale do Javari, Beto Marubo, avalia que é necessário estar atento às medidas que estão por vir com foco nos povos originários e em seus territórios
Questão internacional
Para o cientista social Marcelo Seráfico, a nomeação de Marina Silva e Sonia Guajajara nos ministérios “são sinalizações para dentro do País e para fora de tentativas de articulação com grandes questões mundiais, com implicações para essa homeostase do planeta, o equilíbrio dinâmico da natureza”.
“A Marina vem militando nisso há anos e Sônia, como militante das causas indígenas, procura colocar em cena sempre essa dimensão da violência a que esses povos vêm sendo submetidos e as consequências, não apenas do ponto de vista da vida humana, desses grupos, mas aquilo que se perde em termos de conhecimento da riqueza, de experiências e de resistência histórica, que poderiam ser – e eu espero que sejam – exemplares para nós encontrarmos formas de lidar com a natureza e também com a própria cultura”, diz Seráfico.
O líder indígena Beto Marubo, do Vale do Javari, afirma que o governo de Jair Bolsonaro “esticou a corda e perdeu o protagonismo que poderia ter tido com a assinatura do tratado Mercosul-União Europeia, devido ao posicionamento dele com relação aos povos indígenas, rechaçando as questões ambientais”. “Perdeu uma oportunidade. E, muito provavelmente, o Governo Lula está atento a essa questão”, disse.
A
é um dos
Contexto e diagnóstico M
Novo governo encontrou quadro geral de números negativos. Relatório de transição mensurou desmonte
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ANAUS (AM) – A Amazônia
Brasileira foi duramente atacada durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), período em que seus indicadores de crimes ambientais foram os únicos que variaram “positivamente”.
Foram criadas as condições ideais para o desmatamento recorde da floresta, com crescimento de 59,5% no período, segundo o sistema Deter/Inpe, e com a “porteira aberta” para a invasão garimpeira em rios e terras indígenas.
Os indicadores sociais, por outro lado, despencaram. Baixa cobertura vacinal e a
fome atingindo 4,8 milhões de pessoas na Região Norte, segundo a pesquisa Vigisan 2022, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, são apenas alguns exemplos dos problemas que afetam amazônidas no contexto urbano e ribeirinho indistintamente.
A região – que ostenta a maior biodiversidade do planeta e reservas minerais inexploradas, ambas fruto da cobiça predatória, além de um patrimônio cultural riquíssimo oriundo dos povos massacrados ao longo da história: indígenas, ribeirinhos e quilombolas – está, cada vez mais, no
fome
graves problemas do Brasil, que se intensificaram nos últimos anos
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centro do debate das mudanças climáticas como chance de “salvação” da humanidade, por sua natureza ainda preservada e pelo modo exemplar com que as populações tradicionais lidam com o meio ambiente.
É nesse
cenário que o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), político com trânsito e habilidade reconhecidos na política externa, assumiu um terceiro mandato na Presidência da República. Lula volta ao comando do Brasil após vitória na eleição presidencial mais apertada do País, desde a redemocratização – diferença de 1,7 ponto percentual - e com a pregação de um discurso mais incisivo sobre a questão climática, tema que deu sinais desde a pré-campanha de que pretende encampar no cenário internacional.
Para afirmar a mudança de postura no governo brasileiro – e, no fim das contas, dele próprio, que em seus governos anteriores teve ações consideradas controversas do ponto de vista ambiental e indigenista
–, Lula apresentou algumas das diretrizes gerais de sua pauta socioambiental e, já nos primeiros dias como presidente, assinou medidas que apontam para um novo rumo, guiado pela sustentabilidade, com um olhar para a chamada “bioeconomia”.
TRANSIÇÃO
O relatório produzido pela equipe de transição governamental afirma, no tópico sobre Povos Indígenas, que os direitos indígenas nunca foram tão ultrajados e ignorados na história recente como no Governo Bolsonaro. “Os cortes orçamentários; o desmonte das estruturas administrativas; a completa paralisação dos processos demarcatórios, somados ao aumento das invasões de terras e territórios indígenas; além da ausência de ações de prevenção e enfrentamento durante a crise sanitária da Covid-19 representam um desmonte, sem precedentes, na política indigenista brasileira”, diz o documento.
A invasão das terras e territórios indígenas, diz o relatório, se acentuou exponencialmente nesse período, “em razão de políticas de incentivo à grilagem e à exploração ilícita e indevida de recursos naturais por garimpeiros, madeireiros, pecuaristas, pescadores, caçadores ilegais e narcotraficantes”. “Isso produziu um aumento expressivo de conflitos e violências contra os povos indígenas”, aponta o relatório. “Ameaças e mortes de lideranças e defensores indígenas (e não indígenas) têm sido crescentes, em razão da impunidade”, prossegue, ao citar as mortes do indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira e do jornalista Dominic Mark Phillips, no Vale do Javari, em Atalaia do Norte, Amazonas.
Na Terra Indígena Yanomami, onde vivem 28,1 mil povos originários, o garimpo ilegal avançou 48%, só em 2021. “Configura-se, ali, uma situação de emergência humanitária, com violências sistemáticas, mortes de crianças e mulheres,
O desmatamento na Amazônia vem registrando índices crescentes
4,8 milhões
A fome atinge 4,8 milhões de pessoas na Região Norte do Brasil, segundo a pesquisa Vigisan 2022, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
destruição ambiental e adoecimento”, destacou o documento.
Em janeiro, uma megaoperação do governo federal foi iniciada para mitigar a crise humanitária do povo Yanomami que chocou o País com imagens dos indígenas desnutridos.
O relatório concluiu que, ao paralisar completamente as demarcações de terras, o Governo Bolsonaro agravou o contexto de insegurança e as violações de, aproximadamente, 40% da população indígena, que vive em pouco mais de 1% do total da superfície demarcada, atualmente, no Brasil.
Em fevereiro, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, afirmou em entrevista a veículos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que 14 processos de demarcação de terras indígenas estão prontos para homologação pelo governo federal.
Na Gestão Bolsonaro, atesta o documento, “o Brasil registrou as maiores taxas de desmatamento na Amazônia, desde 2006”. “Em contrapartida, as terras indígenas continuam apresentando os menores índices de desmatamento na Amazônia Legal, com taxas que representam apenas 1% do total desmatado na região”.
O documento aponta, ainda, que a Funai “foi desmantelada e sofreu drástica redução orçamentária”.
No tópico do Desenvolvimento Agrário, o texto diz que a “irresponsabilidade do governo federal no âmbito das políticas
O presidente da República, Lula, e o vice-presidente, Geraldo Alckmin, na cerimônia de apresentação do relatório da transição de governo
públicas voltadas à agricultura familiar” afetou, de forma desigual, os diferentes sujeitos que produzem alimentos, relegando ao esquecimento de mulheres, jovens, povos indígenas e comunidades tradicionais envolvidas com a atividade agrícola.
No trecho referente ao Meio Ambiente, o relatório afirma que, entre 2019 e 2022, as instituições federais de conservação ambiental e uso sustentável de recursos ecológicos passaram por um processo inédito de intimidação.
“O objetivo foi claro: geração de riqueza monetária para poucos em prejuízo do direito constitucional de todos ao ‘meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida’”, diz o documento.
O texto produzido pelo gabinete de transição do Governo Lula diz que “o Governo Bolsonaro promoveu um desmantelamento deliberado e ilegal das políticas públicas, marcos regulatórios, espaços de controle e participação social em órgãos e instituições públicas ligadas à preservação das florestas, da biodiversidade, do patrimônio genético e da agenda climática e ambiental. Como consequência, as taxas de desmatamento na Amazônia e no Cerrado atingiram picos nunca vistos há 15 anos”, diz o relatório.
O desmonte das políticas ambientais, reforça o relatório, está expresso na escassez de recursos para o setor, na falta de pessoal e de gestão competente da área. “Dos
R$ 4,6 trilhões de despesas previstas no orçamento de 2022, menos de R$ 3 bilhões foram utilizados para políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e de instituições vinculadas à pasta”, informa.
O documento revela que, enquanto em 2008 o Ibama tinha 1.800 servidores atuando na fiscalização ambiental, em 2022, eram apenas 700, nem todos em campo. “Houve efetivo aparelhamento e ocupação de cargos gerenciais e de direção sem capacidade técnica e política de atuação na área de proteção e gestão ambiental. São contundentes os casos de perseguição e assédio aos servidores dos órgãos”, acrescenta.
O estudo prossegue dizendo que o desmonte das políticas ambientais foi reforçado com o esvaziamento por meio da “transferência de estruturas e órgãos vinculados ao MMA e a outros ministérios e pela desestruturação da governança colegiada e aguda restrição à participação social”.
Por fim, atesta que o Brasil perdeu protagonismo na agenda internacional sobre clima, florestas, biodiversidade, povos indígenas e populações tradicionais, água, Amazônia, oceano, energia limpa e descarbonização das cadeias produtivas.
“A política de mudança do clima foi completamente esvaziada, a ponto de que o Brasil, que antes era um expoente ator na esfera global, passou a ser visto como um pária”, sintetizou a ministra Marina Silva, ao tomar posse no MMA.
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Crédito: Marcelo Camargo | Ag Brasil
Chefias de órgãos estratégicos
Suframa, Ibama, ICMBio, Inpe, Inpa e outros têm atuação de impacto na Amazônia
MANAUS (AM) - Enquanto o primeiro escalão “amazônico” do governo federal já foi nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as chefias de órgãos vinculados com atuação de grande impacto na região e suas particularidades ainda estão sendo definidas pelos ministros.
Na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a titular é a deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR).
Ainda em dezembro de 2022, o então futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou a criação, na estrutura da Polícia Federal (PF), de uma diretoria de “Amazônia e Meio Ambiente”, a ser chefiada pelo delegado Humberto Freire de Barros, que iniciou carreira na região chefiando a Delegacia de Controle de Segurança Privada na Superintendência da PF no Amapá.
Na Fundação Palmares, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, delegou a presidência ao advogado João Jorge. Fundador do grupo Olodum, Jorge é mestre em Direito Público, pela Universidade de Brasília (UnB) e ex-membro do conselho da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC).
MEIO AMBIENTE, CT&I E SUFRAMA
Para o comando do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi escolhido o ex-deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP).
Até o fechamento desta reportagem, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, ainda não havia definido os nomes que comandarão o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), nem as diretorias do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), estrutura que volta ao MMA, após ter passado os quatro anos do Governo Bolsonaro sob o “guarda-chuva” do Ministério da Agricultura.
Ao assumir o MMA, Marina anunciou a criação de novas secretarias no ministério (de Bioeconomia e Recursos Genéticos; de Gestão Ambiental Urbana; e de Povos e Comunidades Tradicionais) e da Secretaria Extraordinária do Desmatamento e Ordenamento Territorial e Fundiário, que será vinculada formalmente à Casa Civil e com atuação transversal. No entanto, nenhum nome foi confirmado para assumir as pastas, até o fechamento desta edição.
A Autoridade Nacional Climática deve sair do papel até abril e, como autarquia, precisará ser criada por meio de lei a ser aprovada no Congresso Nacional. Entre os nomes cotados para o novo órgão está o do professor Carlos Nobre (USP). No Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), a ministra, Luciana Santos, anunciou o nome da pesquisadora Antônia Maria Ramos Franco Pereira para a diretoria do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Clezio Marcos
de Nardin é quem comanda o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
Para ocupar um dos cargos mais cobiçados por políticos no Amazonas, a definição é do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin (PSB). Ele nomeará o próximo titular da Superintendência da Zona Franca de Manaus (ZFM), e ainda não deu prazo para concretizar essa nomeação.
Atualmente, quem responde pela chefia da Suframa é o superintendente interino
Marcelo Pereira. Mas, a bancada de parlamentares do Estado do Amazonas, no Congresso, indicou o ex-deputado federal do mesmo Estado, Bosco Saraiva (PSD), para ser o novo superintendente. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá que referendar a indicação dos deputados e senadores do Amazonas para iniciar o processo de nomeação e publicação do nome do novo superintendente.
Uma das apostas de Alckmin para vitrine internacional, o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) é vinculado
institucionalmente à Suframa, embora a gestão independente, a princípio, estará com um pool de instituições lideradas pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
E A FUNASA?
A Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que tinha superintendências em todos os Estados amazônicos e era voltada à promoção do saneamento, foi extinta por Lula, por meio de medida provisória, que transferiu as atribuições do órgão para os ministérios das Cidades e da Saúde.
A deputada Joenia Wapichana foi escolhida para comandar a Fundação Nacional dos Povos Indígenas
Luciano Falbo – Especial para a Revista Cenarium
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Crédito: Marcelo Camargo Ag Brasil
Processo (lento) de apuração
Mais de dois meses depois, ataques em Brasília (DF) levantam debate sobre atuação da Justiça
Daniel Amorim – Da
Cenarium
MANAUS (AM) – Na manhã de domingo, 8 de janeiro de 2023, a praça dos Três Poderes, em Brasília (DF), foi cenário do mais grave atentado à democracia brasileira desde o fim da ditadura civil-militar. Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram os prédios do Congresso, Palácio do
Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF) e cometeram uma série de atos de vandalismo, motivados pela recusa em aceitar o presidente eleito pela via democrática, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e instigados por teorias da conspiração divulgadas em aplicativos de mensagens. Mais de dois meses depois, os ataques suscitam debate
sobre a atuação da Justiça nos capítulos seguintes ao episódio.
Segundo Capoulican Padilha, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, no Amazonas (OAB-AM), há uma certa demora em punições desejadas pela sociedade civil, que se trata de um aspecto
AGU pede devolução de R$ 20 milhões
Da Revista Cenarium*
BRASÍLIA (DF) – A Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou, no dia 10 de fevereiro, na Justiça Federal do Distrito Federal, com pedido para que a ação cautelar que bloqueou os bens dos acusados de financiar o fretamento de ônibus para os atos que depredaram os prédios da Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, seja convertida em ação civil pública. Sob a justificativa de proteção do patrimônio público, a medida pede que os envolvidos
sejam condenados em definitivo a ressarcir R$ 20,7 milhões ao erário.
Na ação, que inclui 54 pessoas físicas, três empresas, uma associação e um sindicato, a AGU destaca configurar “ato ilícito quando o titular de um direito (no caso em específico o direito à livre manifestação e reunião pacífica), ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, nos termos do Art. 187 do Código Civil”.
formal da Justiça brasileira, que funciona por meio de prazos definidos em lei, para a produção de provas no âmbito do processo e na manifestação da defesa e da acusação.
“O Ministério Público Federal (MPF) ainda está oficializando as denúncias, as acusações formais dos envolvidos. Não podemos falar em acertos e erros, nesse sentido. Aqueles que estão presos cautelarmente são presos processuais, aguardando julgamento”, ressalta.
Por outro lado, dentre as medidas que ainda devem ser tomadas, Padilha cita a necessidade de aprofundamento nas investigações para definir o perfil da atuação dos golpistas nos atos. “Outra informação relevante é a identidade dos líderes que não participaram dos eventos e financiaram a cadeira de comando e as ações criminosas”, acrescenta.
Nesse contexto, a única ressalva fica por conta do que Padilha chama de “atuação precipitada do Judiciário”, o que vai na contramão da folclórica lentidão da Justiça brasileira e pode favorecer argumentos dos advogados de defesa. “Acho que o Ministério Público está oferecendo acusações e denúncias de forma um pouco precipitada. Não sei qual a motivação. E isso pode comprometer o andamento processual, na medida em que um bom defensor pode explorar essas acusações”.
REGRA VERSUS EXCEÇÃO
Nos debates sobre a investida golpista em Brasília (DF), há uma crítica recorrente à atuação da Justiça: a punição em caráter prévio foi aplicada a pessoas sem grande poder aquisitivo ou influência na política. A prisão em larga escala é defendida, inclusive, por grupos de esquerda, em geral, contrários a um sistema que penaliza a população preta e periférica sem condições de defesa.
“Precisamos entender que, de acordo com o Direito, a prisão é exceção e não a regra. Você apura os fatos, identifica os sujeitos envolvidos no ato criminoso e formula denúncias na Justiça, que vai acolhê-la ou não, e convoca os acusados para a sua própria defesa”, explica o sociólogo Luiz Antônio do Nascimento, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). “A prisão ocorre quando o sujeito está atrapalhando as investigações ou continua praticando crime, o que parece que está ocorrendo”.
No entanto, o professor acredita que o procedimento padrão da Justiça deve garantir a punição dos articuladores da tentativa de golpe. “A investigação policial começa pelos ‘peixes pequenos’, que vão dar elementos probatórios – porque não estão preocupados em guardar provas – e, a partir disso, as autoridades vão chegando nos peixes graúdos e maiores” complementa Nascimento.
Especialista cita necessidade de identificar articuladores da tentativa de golpe
Mais 139 pessoas denunciadas
Da Revista Cenarium* BRASÍLIA (DF) – A Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncias contra 139 pessoas presas em flagrante dentro do Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro, além de outras duas pessoas presas na Praça dos Três Poderes portando materiais como rojões, facas, cartuchos de gás lacrimogênio e itens usados para produzir explosivos caseiros do tipo “coquetel molotov”.
Elas são acusadas de associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, do Código Penal); abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP); golpe de Estado (art. 359-M do CP); dano qualificado contra o patrimônio da União (art. 163, parágrafo único, I, II, III e IV do CP), além de deterioração de patrimônio tombado (art 62, I, da Lei N.º 9.605/1998), com concurso de pessoas e concurso material (art. 29, caput, e art. 69, caput, do Código Penal, respectivamente).
As manifestações são assinadas pelo subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos do MPF.
A AGU explica que o valor de R$ 20,7 milhões tem como referência cálculos de prejuízos efetuados pelo Supremo Tribunal Federal, Palácio do Planalto, Câmara dos Deputados e Senado Federal e “é o valor que a Advocacia-Geral da União reputa como dano material já incontroverso, sem prejuízo de, no curso da instrução processual, serem produzidos novos elementos de provas demonstrando um dano ainda maior ao patrimônio público”.
(*) Com informações da Agência Brasil.
Já foram denunciadas 835 pessoas, sendo 645 incitadores (que participaram dos atos ou foram presos em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília (DF), mas sem envolvimento direto na invasão e vandalismo dos prédios); 189 executores (responsáveis pelos atos diretos de invasão, vandalismo e depredação); e um agente público por omissão. O relator do caso no STF é o ministro Alexandre de Moares. De acordo com dados oficiais, até o fechamento desta edição, 941 pessoas detidas no dia ou em função dos atos, seguiam presas.
(*) Com informações do MPF.
Movidos pela recusa em aceitar um presidente eleito, manifestantes cometeram uma série de atos de vandalismo em Brasília (DF)
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Ag Brasil
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Crédito: Joedson Alves Ag Brasil
Reparação com atraso
Funai
ATALAIA DO NORTE (AM) – A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, anunciou, durante a reunião na sede da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), com lideranças do governo estadual e federal, o fim do processo contra o indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira, assassinado com o jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari, em Atalaia do Norte, em junho de 2022.
Bruno era coordenador dos povos indígenas isolados e foi afastado, em 2019, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O indigenista foi exonerado após coordenar uma operação que expulsou centenas de garimpeiros das Terras Indígenas.
Segundo a ministra Sônia, o processo foi responsável pela morte de Bruno, que, mesmo afastado, continuou a trabalhar na Terra Indígena sem segurança. “Hoje, estamos aqui também para anunciar o fim
Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas.
do processo que levou à morte o nosso Bruno Pereira, perseguido pelo antigo governo”, afirmou a ministra Sônia.
A atual presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Joenia Wapichana, afirma que a presença do órgão na região vai garantir ações efetivas e diálogo entre o governo federal e os povos indígenas que habitam o Vale do Javari. “Nós vamos estar presentes aqui nesses diálogos e nessas ações. Quero agradecer a Bia e a Alessandra (esposas de Bruno e Dom, respectivamente), isso aqui não é um ato simbólico, é de responsabilidade. É o mínimo”, explicou Wapichana.
Sobre o processo que a Funai movia contra o indigenista, a presidente destaca que já deveria ter sido arquivado pelo
“Dos Santos”, e Amarildo da Costa de Oliveira, o “Pelado”, fazendo pesca ilegal de pirarucu. O indigenista e o jornalista já eram desafetos dos irmãos e, segundo a PF, foram rendidos pela dupla, assassinados e tiveram os corpos esquartejados e incendiados.
Bruno Pereira e Dom Phillips foram mortos após receberem ameaças em campo na região do Vale do Javari, palco de conflitos e rota do tráfico de drogas, garimpo ilegal e exploração ilegal de madeira. Ambos realizavam uma expedição pelas proximidades.
Pensão para a família
antigo gestor da fundação. “Quem deveria estar aqui era o ex-presidente da Funai, assinando o arquivamento (do processo contra o Bruno), mas a gente está aqui para assinar”, disse a presidente da Funai, durante a assembleia, que também contou a presença de representantes dos Ministérios da Justiça e da Saúde.
Participaram ainda o secretário de Saúde Indígena (Sesai), Weibe Tapeba, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, o superintendente da Defensoria Pública da União (DPU), Renan Sotto, o superintendente da Polícia Federal (PF), Umberto Rodrigues, e a embaixadora do Reino Unido, Stafany Alkak. Uma comitiva do Governo do Amazonas também esteve presente.
RETORNO DAS INVESTIGAÇÕES
Joenia Wapichana anunciou também que as investigações em torno da morte de Dom e Bruno foram arquivadas, mas que vão reverter o arquivamento e continuar as investigações. Investigações da Polícia Federal apontaram que ambos foram mortos depois que flagraram os irmãos Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como
Mencius Melo – Da Revista Cenarium MANAUS (AM) – A família do indigenista Bruno Pereira, assassinado no Vale do Javari, no Amazonas, obteve, em novembro de 2022, a autorização para receber a pensão a qual tem direito. O governo federal pagará pensão à mulher do indigenista, a antropóloga Beatriz Matos, e aos três filhos do casal. A autorização foi assinada no dia 24 de novembro de 2022, pelo Ministério da Justiça.
Para o antropólogo e cientista político Paulo Queiroz, o componente da maldade estava contido na morosidade do governo federal em fazer algo, que a lei garante à família do indigenista. “O objetivo, dentre outros, era agravar o estado aflitivo da família, barrando a oneração, mas o Ministério da Justiça também sofreu pressão. Aliás, a pensão à família dele é um direito, absolutamente, legítimo”, destacou.
Ainda segundo o cientista, a família de Bruno Pereira esperou esse tempo porque o indigenista não era bem-visto no Planalto, por conta de sua atuação frente aos indígenas e suas causas. Na opinião de Paulo Queiroz, o atraso foi proposital e providencial. “Aliás, um atraso ‘providencial’, uma vez que ele era uma ‘persona non grata’ do sistema Funai, justamente, por ir na contramão da inércia institucional e denunciar desmandos”, observou.
“Hoje, estamos aqui também para anunciar o fim do processo que levou à morte o nosso Bruno Pereira, perseguido pelo antigo governo”
encerra processo contra indigenista Bruno Pereira, assassinado em 2022, no Vale do Javari Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
Acervo
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Pessoal
TCE-AM educa em cidadania
Projeto ‘Aluno Ouvidor’ pretende incentivar práticas cidadãs e de controle social entre estudantes do Ensino Médio
Pedro Sousa – Especial para a Revista Cenarium
MANAUS (AM) - A manhã do dia 16 de março foi diferente para os estudantes do Centro Educacional de Tempo Integral (Ceti) Professora Maria Izabel Desterro e Silva, principal centro de ensino de Iranduba, município vizinho a Manaus. Os 794 alunos lotaram o auditório da escola para, de forma pioneira, participarem do lançamento do ‘Aluno Ouvidor’, programa desenvolvido pela Ouvidoria do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), em parceria com a Secretaria de Estado de Educação (Seduc), cujo objetivo é estimular nos estudantes do Ensino Médio práticas cidadãs e de controle social.
O programa é uma evolução do ‘Ouvidoria Estudantil’, que vinha sendo desenvolvido, desde 2019, na Ouvidoria do TCE-AM junto a estudantes da rede municipal de ensino de Manaus e que, agora, com o ‘Aluno Ouvidor’, chegará a 17 municípios do interior do Amazonas, com foco voltado para os alunos do Ensino Médio de praticamente todas as calhas do Estado, conforme destacou o ouvidor-geral do TCE-AM, conselheiro Josué Cláudio, durante apresentação do projeto aos alunos, que lotaram o auditório da instituição de ensino.
“Iniciamos por Iranduba a execução do ‘Aluno Ouvidor’, mas também levaremos esse evento para diversos municípios do interior do Estado, dando as bases iniciais para que, ao longo do ano letivo, esses estudantes sejam estimulados no aspecto de cidadania, de fiscalização e controle dos recursos públicos, ou seja, estamos plantando uma semente para que essa geração de alunos chegue à vida adulta com um conhecimento prático de como cobrar o poder público para a melhoria da sociedade”, destacou o conselheiro-ouvidor.
Ainda segundo Josué Cláudio, antes mesmo do evento de lançamento, os alunos que participarão de forma ativa no programa realizaram uma capacitação específica, inclusive com formação de um grêmio estudantil, que será o núcleo do programa dentro da escola, com contato direto com a Ouvidoria da Corte de Contas. Ao todo, o programa terá a formação de 36 grêmios estudantis.
“Estamos realizando junto a esses grêmios estudantis uma linha de contato direto, uma vez que esses alunos, até mesmo pela idade, já se sentem mais independentes e precisam ter as suas demandas ouvidas. Portanto, o ‘Aluno Ouvidor’ é um programa também que estimula a responsabilidade nesses jovens, por meio de uma participação ativa. Apesar de ter início na escola, a ideia é que essa participação social tenha continuidade de forma ampla dentro de todo o município”, concluiu.
Para a coordenadora da Seduc em Iranduba, Neila Nádia Lobo, a atuação presente da Ouvidoria do TCE-AM na escola, de forma presencial, é prova da importância do programa.
“Estamos plantando uma semente para que essa geração de alunos chegue à vida adulta com um conhecimento prático de como cobrar o poder público para a melhoria da sociedade”
Josué Cláudio, conselheiro-ouvidor do TCE-AM.
“Os alunos e a comunidade escolar se sentem importantes e valorizados, pois percebem que estão sendo ouvidos e isso é fantástico para o aprendizado e para a execução do programa. Só o fato de o Tribunal de Contas estar vindo ao interior de forma ativa é uma evidência de que o programa é realmente importante, ao passo que os próprios estudantes também assimilam isso”, disse.
Segundo o gestor da escola, Fábio Luiz Pereira, o Ceti de Iranduba é o ponto central da educação do município. “Nada melhor do que iniciar esse programa pioneiro por meio da nossa escola Maria Isabel, que atende a todas as comunidades irandubenses. Temos 794 matriculados em tempo integral, portanto, o que for desenvolvido na nossa escola será, consequentemente, reproduzido também no nosso município”, comentou.
Além de Iranduba, os municípios do interior do Amazonas que também participarão do programa são: Manacapuru,
Lançamento do projeto ‘Aluno Ouvidor’, no Ceti Professora Maria Izabel Desterro e Silva, em Iranduba
Josué Cláudio, conselheiro-ouvidor do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas
Crédito: Izabela Rebouças TCEAM
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Crédito: Izabela Rebouças | TCEAM
Parintins, Nhamundá, São Gabriel da Cachoeira, Coari, Humaitá, Careiro Castanho, Careiro da Várzea, Benjamin Constant, Tabatinga, Itacoatiara, Rio Preto da Eva, Anamã, Anori, Beruri e Manaus.
VOZ ATIVA
Estudante do 3º Ano do Ensino Médio no Ceti de Iranduba, Pauliene da Silva, de 17 anos, destacou que está empolgada com o programa, já que, apesar de ter diversas demandas sobre a escola, não tinha conhecimento sobre como agir para poder ser ouvida.
“Nós, estudantes da escola, conseguimos ter uma visão ampla e privilegiada de aspectos que podem estar acontecendo de forma errada e que podem, de alguma forma, ter esse processo melhorado. No entanto, apesar de vermos alguns erros e contradições, não sabíamos onde reclamar e, muitas vezes, não sabíamos nem ao menos que tínhamos esse poder de ser ouvidos. Esse programa vai nos dar voz ativa para que possamos reclamar e cobrar,
portanto, a expectativa é grande para que isso aconteça. Nós alunos precisamos ser ouvidos”, destacou a jovem estudante.
Também estudante do 3º Ano, o aluno Thiago de Castro, de 18 anos, comentou que o programa será útil não só no ambiente escolar. “Acredito que não só para mim, mas para todos os alunos, o programa será importante, tanto para a escola, quanto para toda a sociedade irandubense, pois a cidade precisa de algumas coisas que só podem ser feitas por meio da cobrança do poder público e, agora, teremos o conhecimento e as ferramentas para que isso aconteça”, disse.
‘ALUNO OUVIDOR’
A parte prática do programa contará com duas etapas, que totalizam 32 horas, sendo elas a capacitação e a formação dos grêmios estudantis, que possibilitarão serviços de apoio ao aprendizado, como treinamentos, reuniões organizadas pelo Tribunal de Contas com instituições interessadas em temáticas do projeto, e o
acompanhamento e monitoramento das atividades desses corpos diretivos, com foco em formar os alunos, ao longo do ano letivo, com a meta de garantir o respeito aos direitos de inclusão social.
Os estudantes participarão de atividades presenciais de capacitação realizadas e orientadas por instrutores da Corte de Contas, para preparar o aluno e orientá-lo para o exercício das atividades de ouvidoria, por meio de formações, treinamentos e monitoramentos, atividades individuais com prática de participação popular no cotidiano da escola e mediação de conflitos, por meio de monitoramento da Ouvidoria, além de reuniões organizadas pelo TCE-AM e outras instituições parceiras do programa.
A etapa de capacitação do programa envolverá os alunos em quatro módulos que dividem temas de Constituição e Poderes da República; gestão democrática e participativa; consciência social; o funcionamento e papel das ouvidorias; recebimento e tratamento de demandas; procedimentos gerais, entre outros.
A prova de vida por reconhecimento facial
Enquanto a biopolítica se fundamenta no controle das ações externas e manifestas dos sujeitos no espaço da sociedade, quase como seu contrário, a psicopolítica toma como objeto a transparência dos atos que emanam das subjetividades dos mesmos sujeitos, com o objetivo de planejamento e controle político das relações sociais e de poder. A primeira pautou a sociedade na sua caminhada da modernidade até o final do século passado; a segunda, vem sobrepondo-se, hodiernamente, em decorrência do desenvolvimento e prevalência das tecnologias em geral, das tecnologias da comunicação e da disseminação das teorias neoliberais. Na biopolítica se vai da aparência para a essência; e, na segunda – a psicopolítica –, a transparência é o fenômeno que atravessa as relações entre indivíduos, sujeitos e grupos sociais como realidade objetiva. Essa discussão filosófica foi tratada, com propriedade, por Byung-Chul Han, em Psicopolítica – o neoliberalismo e novas técnicas de poder. Belo Horizonte: ÂYINÉ, 2018.
O que nos importa, neste momento, é registrar a presença do neoliberalismo como fundamento ideológico entre nós e a sua força, representada na face recrudescida das nossas relações sociais, das nossas relações de poder e das nossas relações pessoais. O indivíduo substitui o sujeito social, a realidade objetiva se escancara na forma de transparência ou melhor, de uma “pseudotransparência”,
em decorrência da ação do aparato de comunicação que se coloca a serviço do poder de dominação. Estamos seduzidos pelas novas mídias, mas não são elas as culpadas, como muitos costumam supor, elas são somente o meio utilizado por seus operadores para se apoderarem das referências comportamentais, dos desejos, das mentes de forma totalitária, isto é, do inconsciente coletivo, para reprogramá-lo em favor de forças que controlam e corroboram com os ideais de uma sociedade que nega o humanismo, a solidariedade e a ética.
Até agora, recusamos tratar esse assunto como nosso, em parte por recusarmos a pós-modernidade, o neocapitalismo e o neoliberalismo, na crença de não termos passado por todas as etapas evolutivas do capitalismo. Um negacionismo da dialética, talvez. Porém, o Brasil é um dos países que mais opera as novas tecnologias de comunicação. O processo de digitalização, entre nós, alcançou um status de grande potência. As redes sociais operam com rentabilidade e se beneficiam de todas as fragilidades que as tornam mais receptivas e competitivas com outros sistemas de comunicação, que não mais resistem ao seu assédio e à convergência.
Os imperativos categóricos que sustentavam a democracia liberal foram rompidos e o Estado Democrático de Direito faz água porque ainda não encontrou os meios para sobrepor-se aos fatos gerados nesses novos espaços da sociedade digital
de “neoliberalismo faceiro”, ampliado pela mídia tradicional, que busca a convergência para sobreviver no reino do “deus mercado”. Os “malucos” que construíram e realizaram o Oito de Janeiro, no Brasil, estão operando nessa nova lógica. Como nos indica Byung-Chul Han (No enxame: perspectivas do digital. Petrópolis: Vozes, 2018, p.134), “a psicopolítica se empodera do comportamento social das massas ao acessar a sua lógica inconsciente. A sociedade digital de vigilância, que tem acesso ao inconsciente coletivo, ao comportamento social futuro das massas, desenvolve traços totalitários. Ela nos entrega à programação e ao controle psicopolítico”.
Das palavras, já dizia Jean Baudrillard (Palavras de Ordem. Porto: Campo das Letras, 2001, p. 9): “existe na temporalidade das palavras um jogo quase poético de morte e de renascimento: as sucessivas metaforizações fazem com que uma ideia se torne noutra coisa para lá dela mesma – ‘uma forma de pensamento’. Porque a linguagem pensa, pensa-nos e pensa por nós, pelo menos enquanto pensamos através dela”. Senhora das palavras e da intimidade de nossa alma, a sociedade digital já está pensando por nós!
(*) Jornalista profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; doutor em Ciências da Comunicação, pela Universidade de São Paulo; professor emérito da Universidade Federal do Amazonas.
ARTIGO – WALMIR DE ALBUQUERQUE BARBOSA
Crédito: Izabela Rebouças | Tceam Crédito: Acervo Pessoal 45 44 www.revistacenarium.com.br PODER & INSTITUIÇÕES
Walmir de Albuquerque Barbosa
Fome e descaso no Vale do Javari
Problemas na
região vão muito além da falta de segurança
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
ATALAIA DO NORTE (AM) – Vivendo com menos que o mínimo, indígenas do Vale do Javari, em Atalaia do Norte, distante 1.136 quilômetros de Manaus, relatam abandono, falta de demarcação, insegurança e falta de diálogo com os governos estadual e federal. A equipe de reportagem da REVISTA CENARIUM esteve no município, entre os dias 26 e 28 de fevereiro, para acompanhar a visita de uma comitiva do governo federal e ouviu relatos de moradores do local.
Todos os dias, no porto de Atalaia do Norte, famílias de indígenas chegam em barcos cercados por palha e lona, na esperança de conseguir sacar os auxílios federais e estaduais, único meio de sobrevivência de alguns indígenas.
Dionísio Kulyna, que está há quatro meses atracado no porto, disse ter viajado cinco dias pelo Rio Solimões com a família até Atalaia do Norte. Todos os dias, ele e outros chefes de família vão até Tabatinga checar se já podem sacar o auxílio. “Hoje, fui lá e estava sem sistema. Então, amanhã vou tentar ir de novo para ver se já posso sacar. Enquanto isso, a gente continua aqui”, diz Kulyna.
Abrigados ao lado da Unidade Básica de Saúde Fluvial (UBSF) de Atalaia do Norte, Dionísio passou os últimos 150 dias com outros seis membros da família em redes atadas, em uma embarcação
sem portas, paredes ou privacidade. Além deles, outros indígenas estão no local, desde o ano passado, tomando banho ao ar livre, comendo pescado e sobrevivendo de doações.
Dionísio é apenas um dos homens que a reportagem encontrou, enquanto esteve na estrutura flutuante ocupada, na maioria, por mulheres e crianças, que se dividem nos afazeres, preparando carne de caça, peixes e verduras compradas na feira de Atalaia. Redes se estendem ao longo das duas construções de madeira que flutuam no Rio Solimões.
Conforme o secretário municipal de Assuntos Indígenas de Atalaia do Norte, Jaime Mayoruna, o estado de insegurança alimentar e falta de assistência é uma realidade no porto da cidade. Ele conta que desde que assumiu a secretaria do município tem tentado amenizar a situação.
“Isso aqui ninguém conta, mas nós temos parentes que ficam dias aqui com fome e, muitas vezes, ajudamos com o que podemos fazer. Eu venho de manhã e distribuo pão, às vezes, ajudamos com o gás ou arroz, mas não é todo dia que podemos”, relata o secretário.
Às margens do porto ficava a sede da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que foi desativada pela Defesa Civil do município por estar na área onde
um barranco cedeu. No local, uma bomba d’água é disponibilizada para os indígenas.
“A gente estava tendo muito relato de diarreia e dos parentes ficando com doenças e passando mal, então entrei em contato com o prefeito Denis, para colocar essa bomba d’água, foi o que melhorou”, relata.
O diretor-presidente da Fundação Estadual do Índio (FEI), Sinesio Tikuna Trovão, relatou à reportagem que tem tentado diálogo com o governo estadual, desde que assumiu a presidência da fundação, no fim de dezembro do ano passado.
“Isso aqui ninguém conta, mas nós temos parentes que ficam dias aqui com fome e, muitas vezes, ajudamos com o que podemos fazer. Eu venho de manhã e distribuo pão, às vezes, ajudamos com o gás ou arroz, mas não é todo dia que podemos”
Jaime Mayoruna, secretário Municipal de Assuntos Indígenas de Atalaia do Norte.
A fala de Trovão corrobora com o discurso dado pela atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, durante a reunião de lideranças no Vale do Javari, no dia 27 de fevereiro. Wapichana destacou que a presença de indígenas em cargos de poder dá início à política indígena e não mais indigenista.
“Hoje, passaremos a fazer política indígena e não mais indigenista, porque, hoje, temos indígenas no ministério, na secretaria de Saúde, na Funai e no Congresso. Então, hoje, a política é feita por nós indígenas e não mais pelos não indígenas”, enfatizou a presidente da Funai.
REPRESENTANTES
Uma comitiva, composta por secretários de pastas estratégicas, representou o governador do Amazonas, Wilson Lima, na ação organizada pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que recebeu também ministros e secretários do governo federal.
“Até esse momento, o governo do Estado não atendeu à agenda da população indígena. As duas maiores associações indígenas tentaram três vezes marcar encontro. Por esse motivo, estão havendo manifestações em Manaus. Eles me convocaram para vir aqui conversar”, relata.
“Nós queremos contribuir com a política indígena, porque queremos, por meio dessas organizações de base, Alto Rio Negro, Alto Solimões e Vale do Javari, alinhar as demandas. Esse é o nosso pensamento agora”, afirma o diretor-presidente.
Entre os agentes estaduais que participaram da reunião, estão: o secretário de Estado de Segurança Pública (SSP-AM), general Carlos Alberto Mansur, a secretária de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejusc), Jussara Pedrosa, e o atual diretor-presidente da Fundação Estadual do Índio (FEI), Vanderlei Alvino.
O comandante-geral da Polícia Militar do Amazonas (PM-AM), coronel Marcus Vinícius Oliveira também esteve na comitiva. Representantes da Secretaria de Estado de Governo (Segov) e da Casa Militar completaram a equipe.
Estruturas flutuantes e barcos abrigam famílias indígenas nas margens do Porto de Atalaia do Norte
Indígenas da etnia Kulyna aguardam os chefes da família retornarem de Tabatinga
Mulheres preparam comida, enquanto aguardam o retorno dos maridos, tios e pais
Diretor-presidente da Fundação Estadual do Índio (FEI), Sinesio Tikuna Trovão
Crédito: Ricardo Oliveira
Crédito: Ricardo Oliveira
Crédito: Ricardo Oliveira
Crédito: Ricardo Oliveira
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ECONOMIA & SOCIEDADE
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PROFUNDA
Lideranças ameaçadas
Indígenas do Vale do Javari pedem segurança, em encontro com representantes do governo Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
ATALAIA DO NORTE (AM) – Em encontro com comitiva do governo federal, no dia 27 de fevereiro, lideranças indígenas apresentaram um documento com propostas para melhorias na vida dos povos originários do Vale do Javari e região que vivem sob constante insegurança. A pauta inclui mais infraestrutura, segurança, educação e saúde.
A entrega da carta aconteceu na sede da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), localizada em Atalaia do Norte, extremo oeste do Amazonas, e teve a participação da ministra Sonia Guajajara, da presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, e de outros representantes do governo federal e estadual.
O encontro foi inédito na região, segundo o articulador da Univaja, Beto Marubo. “Eles vieram convidados pelas lideranças indígenas. A presença de uma delegação desse tamanho, convidada por indígenas, nunca aconteceu antes”. A última visita ministerial, em Atalaia do Norte, aconteceu em 2006, quando o então ministro do Trabalho esteve na cidade a convite do prefeito, à época, que não tinha ligação com a pauta indígena.
Na carta entregue aos representantes do governo federal, a Univaja pede novos concursos para policiais na região, reforma na base operacional da Funai que
está, atualmente, desativada em Atalaia do Norte, por estar próximo a um barranco que cedeu. Além disso, pedem reforço na segurança dos ambientalistas e indígenas, fiscalização contínua e monitoramento avançado dos indígenas isolados.
Segundo a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, com a maior representatividade em vários setores do governo, esse é o momento para serem discutidas as pautas indígenas. “Estamos em um momento de estado de oportunidade”, afirma a ministra. É o que também pensa a presidente da Funai, Joenia Wapichana.
Além delas, o superintendente da Polícia Federal (PF), Humberto Ramos, o secretário de Segurança do Amazonas, Coronel Mansur, o secretário Nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar, o secretário Especial de Saúde Indígena, Weibe Tapeba, e o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, foram alguns entre os que falaram durante a cerimônia, que contou, ainda, com uma homenagem dos Kanamari a Bruno Pereira e Dom Phillips, assassinados em 2022, no Vale do Javari, após flagrarem uma atividade de pesca ilegal.
Na ocasião, as líderes indígenas entregaram lembranças artesanais de cada etnia
para a ministra Sonia Guajajara, a presidente da Funai, Joenia Wapichana, e às esposas de Dom e Bruno, Alessandra Sampaio e Beatriz Matos. Ao fim do evento, uma carta-compromisso foi assinada por todos os presentes.
‘Ato de responsabilidade’
Da Revista Cenarium*
MANAUS (AM) – A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, disse que o encontro realizado na sede da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) consiste não somente em um ato simbólico, “mas de responsabilidade”, tendo em vista a vulnerabilidade em que o Estado deixou o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips.
Para ela, o governo federal tem uma dívida com as famílias de ambas as vítimas, assassinadas por denunciar crimes na região do Vale do Javari, como o garimpo e a caça ilegais.
“A gente tem que buscar pela justiça, pela investigação, não somente pelo
Bruno ou Dom, ou por Maxciel [Maxciel Pereira dos Santos, trabalhador da Funai, assassinado em Tabatinga em 2019], mas por outros servidores, que estão aqui com a gente, pelas nossas lideranças, que continuam sendo ameaçadas e já estão alertando isso faz um tempo”, argumentou Joenia.
Presente no evento, a viúva de Bruno Pereira, a antropóloga Beatriz Matos, contou que seus filhos também sofreram ameaças após a morte de Bruno. Ela lamentou o episódio e ressaltou que vai fazer de tudo para evitar que os indígenas da região passem pela mesma situação. Neste mês, ela se tornou diretora de Proteção Territorial e de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, no Ministério dos Povos Indígenas.
(*) Com informações da Agência Brasil.
Entrega da carta à ministra Sônia Guajajara, na sede da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), localizada em Atalaia do Norte
Presidente da Funai, Joenia Wapichana, na reunião com líderes indígenas
Viúvas de Dom Phillips, Alessandra Sampaio, e Bruno Pereira, Beatriz Matos, durante reunião com a Univaja
Crédito: Ricardo Oliveira
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Crianças assistem a um desenho animado na televisão de um estabelecimento comercial de Atalaia do Norte
‘Pérola’ pobre
Atalaia do Norte tem pior índice de desenvolvimento humano
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
ATALAIA DO NORTE (AM) – A
“Pérola do Javari”, como é conhecida a cidade de Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas, a 1.136,73 quilômetros da capital, Manaus, possui o menor Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal (IDHM) de todo o Estado, com 0,450. A média nacional é de 0,754, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O IDHM é utilizado para classificar o grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida dos municípios.
É em Atalaia do Norte que fica localizada a segunda maior reserva indígena do Brasil, o Vale do Javari, que compreende uma parte do município de Guajará e foi cenário do assassinato do indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira e do jor-
do Amazonas
nalista britânico Dominic Mark Phillips, em junho de 2022.
Com uma população estimada em 20.868 pessoas, segundo o IBGE, apenas 7% possui uma ocupação formal que, na maioria das vezes, envolve funcionalismo público (cargos na prefeitura do município ou na Secretaria Especial de Saúde Indígena), tendo em vista não haver fábricas ou empresas formais no local.
Grande parte das ocupações informais envolvem pesca, caça e comércios de produtos, como, por exemplo, a “banca de gasolina”, que devido à falta de postos, oferece garrafas de dois litros (conhecidos como “cocão”) ao preço de R$ 15.
Caminhando pelas ruas de Atalaia, se vê pequenos comércios de variedades,
concentrados, principalmente, na área portuária do município, e construções abandonadas pela metade. Na feira, uma cantina e uma banca de pescado se destacam no vazio do prédio.
Nos arredores, uma balsa abriga a maior feira aberta de Atalaia, onde o grupo religioso Asociación Evangélica de la Misión Israelita del Nuevo Pacto Universal, do Peru, abastece a cidade com frutas, verduras, legumes e carnes.
Segundo Veríssimo Ferreira Gonçalves, 47, Atalaia se acomodou. Natural do Pará, Veríssimo se mudou para o Amazonas, mudando-se para Tabatinga e depois para Atalaia, onde vive há mais de 10 anos. Ele conta que tentou cultivar e produzir no município, mas encontrou dificuldades.
“Eu tentei comprar terreno em Atalaia, para começar a plantar, mas, na época, encontrei muita dificuldade; o gerente do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], à época, me negou, aí conheci a Associação Evangélica e me mudei para o Peru. Lá, temos uma comunidade, com 40 famílias, que abastece a cidade”, afirma.
Conforme Veríssimo, uma comitiva da comunidade “Foli Monte dos Oliva”, no Peru, sai toda terça-feira realizando uma viagem de mais de 20 horas de barco, até Atalaia do Norte, onde ficam por um período, depois partem para Benjamin Constant, Tabatinga e voltam para Foli, em uma expedição de 40 horas. “Aqui, se não fosse o abastecimento que vem do Peru, o povo já tinha passado fome,
Sem
de Atalaia abastecem veículos com garrafas pet
porque tudo vem do Peru, a gente traz tudo de lá”, afirma.
A geração de emprego e renda faz parte da medida composta para calcular o IDHM. Além dos postos de trabalho, a saúde e a educação também compõem o sistema. Ainda segundo dados do IBGE, a média salarial em Atalaia era de 1,6 salário mínimo, em 2020, sendo que metade da população possui rendimento de meio salário-mínimo por mês.
Já na área da saúde, Atalaia possui a maior porcentagem de mortalidade infantil do Estado, com média de 42 crianças mortas a cada mil nascidos vivos. Além disso, as internações por diarreia são de 1,6 a cada mil habitantes.
Como relatou à reportagem o secretário municipal de Assuntos Indígenas, Jaime
Lazer e habitação
Na praça central da cidade, esculturas de garças, cobra, onça e tartaruga embelezam aquele que é um dos únicos espaços de lazer no centro do município. Somado a isso, uma quadra de esportes na praça de alimentação, próximo à margem do Rio Solimões, completa os pontos de encontro dos moradores. Na proteção, uma escultura de São Sebastião se ergue na praça.
As casas construídas em alvenaria ou madeira, com telhados pintados de vermelho, compõem a cidade que, segundo o IBGE, não possui domicílios
com urbanização adequada, ou seja, sem bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio. Atalaia tem ainda 0,8% dos domicílios com esgoto adequado, sendo o pior índice do Amazonas.
A reportagem questionou a Prefeitura de Atalaia do Norte sobre quais ações efetivas estão sendo traçadas para gerar emprego e renda, bem como tirar Atalaia do mapa de piores índices de desenvolvimento humano do Estado, mas até o fechamento da matéria não obteve retorno.
Mayoruna, uma bomba d’água foi disponibilizada pela Prefeitura de Atalaia para os indígenas, após uma ascensão nos casos de diarreia. “A gente estava tendo muito relato de diarreia e dos parentes ficando com doenças e passando mal. Então, entrei em contato com o prefeito Denis [Paiva] para colocar essa bomba d’água, foi o que melhorou”, relata.
Membros da Asociación Evangélica de la Misión Israelita del Nuevo Pacto Universal usam vestimentas típicas, sendo obrigatório o uso de véu para as mulheres
Moradores de Atalaia do Norte passam tempo na área do porto da cidade
posto de gasolina, moradores
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ECONOMIA
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PROFUNDA
& SOCIEDADE
Chuvas e tragédias
O governador do Amazonas, Wilson Lima, e o prefeito de Manaus, David Almeida, no local do deslizamento, acompanhando o trabalho de resgate
Especialistas defendem medidas preventivas para evitar desastres e mortes em Manaus
Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – O deslizamento de terra que deixou oito mortos na Comunidade Brasilerândia, bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus, devido às chuvas do dia 12 de março, poderia ter sido evitado se ações planejadas dos órgãos públicos impedissem ocupações irregulares. Especialistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM apontam entre as medidas preventivas para evitar desastres, a não construção de casas em locais de riscos e planejamento com projetos habitacionais. Segundo a Prefeitura, Manaus possui 62 áreas de alto risco.
O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) vem apontando, desde 2016, a capital do Amazonas como a que mais recebeu avisos de risco de deslizamentos de terra. A cidade tem uma combinação historicamente preocupante de elevados índices de precipitação com déficit habitacional que empurra famílias de baixa renda para áreas de risco.
Segundo a última atualização da Defesa Civil do município, a média de chuva do dia 12 de março, em 24 horas, foi de 97,2 milímetros. A previsão para todo o mês de março era de 251 milímetros.
Para o geólogo Rafael Riker, é necessário evitar a construção de casas em locais com potenciais riscos de erosão, que é o processo de desgaste, transporte e sedimentação do solo, dos subsolos e das rochas como efeito da ação dos agentes erosivos, como a água e os ventos.
“Os igarapés são os principais agentes erosivos na região de Manaus. Onde houver igarapé haverá erosão e, consequentemente, deslizamentos. A melhor medida para evitar acidentes com pessoas é as pessoas dessas áreas de riscos e evitar que essas áreas sejam ocupadas novamente”, afirmou Rafael.
Para o engenheiro ambiental Amazonino Castro, professor do curso de Engenharia Ambiental do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente da Universidade Federal do Amazonas (IEAA/ Ufam), os alertas de chuvas fortes são essenciais para evitar tragédias. Na noite anterior ao desastre, a Defesa Civil do Amazonas informou que a região de Manaus teria precipitação superior a 100 milímetros ao longo do domingo. Para o professor, os sinais são informações de suma importância para evitar esses tipos de tragédias.
“O monitoramento constante das condições geotécnicas das áreas de risco é essencial. Isso pode ser feito por meio de instrumentação e monitoramento geotécnico, como inclinômetros, piezômetros, extensômetros e medidores de tensão”, frisou.
O professor salienta que o desafio dos órgãos municipais é fazer cumprir o Plano Diretor do município, pois nele são previstos planos para as áreas que não são indicadas para moradias. Muitas vezes, essas áreas são ocupadas por meio de “invasões”, de forma irregular, e a ausência de fiscalização e controle, por parte do poder público, figura como um grande desafio para evitar tais ocupações. Com isso, precisam ser tomadas medidas preventivas para que as tragédias provocadas pelas chuvas sejam evitadas.
PROTEÇÃO DO SOLO
O geólogo Rafael Riker explica que as erosões e deslizamentos sempre vão ocorrer e, nos períodos de chuvas, esses fenômenos são potencializados. Segundo Riker, as áreas ocupadas irregularmente pela população podem ser evitadas. Uma das soluções é a proteção do solo. Para o geólogo, a vegetação é um ótimo meio de proteção do solo.
JORGE TEIXEIRA
O deslizamento de terra que deixou, até o fechamento desta edição, oito pessoas mortas, aconteceu por volta das 20h30. Entre as vítimas, estão quatro crianças e quatro adultos. Quatro dessas vítimas pertencem à mesma família. Uma pessoa chegou a ser resgatada com vida, mas não resistiu aos ferimentos.
União de esforços
Governador do AM e prefeito de Manaus mobilizam estruturas do Estado e do município para articulação de plano emergencial
MANAUS (AM) – O governador do Amazonas, Wilson Lima, e o prefeito de Manaus, David Almeida, estiveram no bairro Jorge Teixeira, na Zona Leste de Manaus, acompanhando o trabalho das equipes de resgate na área do deslizamento de terra que atingiu 11 residências. As estruturas de Defesa Civil assistência social e infraestrutura estaduais e municipais foram mobilizadas para atuação junto às famílias de vítimas fatais e sobreviventes, além de planejamento de ações emergenciais e preventivas, buscando evitar novas tragédias. Foi decretada situação de calamidade pública em Manaus e são feitas articulações para atuação em conjunto com o governo federal.
Ainda na noite do domingo, dia 12 de março, data do deslizamento, Wilson Lima e David Almeida estiveram no local acompanhando o trabalho das equipes de resgate.
O governador informou, na ocasião, que toda a estrutura do Estado estava mobilizada na busca de possíveis vítimas e no atendimento dos moradores afeta-
rou David, que, na ocasião, também decretou situação de calamidade pública na capital, para tornar mais célere a alocação de recursos emergenciais para situações de danos à saúde pública.
Almeida afirmou ainda que a prefeitura já se antecipava, desde o ano passado, com intervenções em, pelo menos, 17 áreas, e a contratação de empresas para agilizar o processo. “Nós fizemos a contratação de algumas empresas em cada zona da cidade de Manaus. Tanto é que a empresa que temos contrato para fazer nessa área da cidade está em deslocamento para iniciar o trabalho. Nós vamos fazer o trabalho de cima para baixo, vamos demolir casas e indenizar famílias”, acrescentou o prefeito. O prefeito também destacou que conta com a ajuda do governo federal e estadual para encontrar soluções. A Defesa Civil Nacional, órgão do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, mobilizou equipes com agentes na segunda-feira, dia 13, para prestar o apoio necessário ao bairro Jorge Teixeira.
dos pelo desabamento. “Assim que soube do ocorrido, determinei que o Corpo de Bombeiros e Defesa Civil estivessem aqui. Assim como temos o apoio da Polícia Militar e da Assistência Social, nesse momento, para auxiliar a Prefeitura de Manaus nos procedimentos necessários para atender essas famílias”, disse Lima.
No dia 13 de março, o governador conversou com o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, e solicitou audiência para o prefeito de Manaus, David Almeida, para tratar das áreas de risco na cidade.
INTERVENÇÃO
O prefeito de Manaus, David Almeida, retornou ao local do deslizamento, na manhã do dia 13 de março, segunda-feira, e, em coletiva de imprensa, afirmou que Manaus há mais de mil áreas de risco e que, dessas, 62 são de extremo risco.
“A Defesa Civil tem esse levantamento, mas essas 62 áreas prioritárias nós vamos buscar intervenções com urgência”, decla-
RECUPERAÇÃO DE ÁREAS
A prefeitura informou que, ao longo dos últimos dois anos de gestão do prefeito David Almeida, a Secretaria Municipal de Infraestrutura de Manaus (Seminf) concluiu dez grandes obras em áreas de erosões. O trabalho consiste na contenção do talude e ampliação do sistema de drenagem.
A Seminf informou ainda que as áreas erosivas foram mapeadas pelo poder público municipal e que, nos últimos dois anos, a prefeitura solucionou os problemas de grandes erosões em 15 localidades. Conforme mapeamento da Seminf, outras 62 áreas recebem intervenções.
As áreas de grandes erosões, que passam por intervenções com serviços de infraestrutura, estão localizadas nos bairros São Raimundo, conjunto Cidadão Lula, bairro Francisca Mendes, Nova Cidade, Grande Vitória, Mauazinho, Cidade de Deus, Petrópolis, Grande Vitória, Praça 14 de Janeiro, Jorge Teixeira e Monte das Oliveiras.
Barranco desmoronou na Comunidade Brasilerândia, no bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus, levando 11 casas
Eduardo Figueiredo, Marcela Leiros e Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
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Gildo Smith | Cortesia
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Crédito: Dhyeizo Lemos Semcom
ECONOMIA
REVISTA CENARIUM
DESLIZAMENTO EM MANAUS
& SOCIEDADE
Yanomami: fatura da destruição
Associação cobra ações imediatas e R$ 6,6 bilhões da União, por danos causados pelo garimpo em território
MANAUS (AM) – A Urihi Associação
Yanomami ingressou com uma ação civil pública contra a União para reparação de danos causados pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. O documento, protocolado no dia 4 de fevereiro na 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Roraima, estabelece uma série de providências, elaboração de normas de proteção ao ambiente e indenização no valor de R$ 6,6 bilhões. Dentre as ações apresentadas pela associação voltadas ao Estado Brasileiro “estão o imediato mapeamento da localidade, a fim de identificar precisamente as principais fontes de exposição; identificação, a partir de placas e avisos indicativos, dos locais de contaminação, inclusive em linguagem apropriada à Comunidade Indígena; suporte imediato de remessa de água potável às Comunidades; monitoramento dos níveis de mercúrio nos peixes consumidos na Terra Indígena Yanomami (RR)” entre outros reparos de danos ambientais, sociais e coletivos causados pelo garimpo ilegal. Segundo a associação, que representa mais de 150 comunidades Yanomami, o
que se tem notado é “uma busca de minoração de perdas, recomposições e ajudas pontuais na alimentação e atenção básica de saúde, contudo, nenhuma, repita-se, nenhuma medida administrativa (estudos, mapeamento ou execução) relacionada, imediata e urgentemente, ao tratamento, recuperação e restauração das águas originárias em razão do nefasto prejuízo da utilização do mercúrio”, diz um trecho do documento.
RACISMO AMBIENTAL
No documento, de 120 páginas, a Uhiri destaca ainda que o poder público foi omisso na proteção ambiental das Terras Indígenas e que, desde 2018, a falta de iniciativas levou a um rápido aumento da mineração ilegal de ouro, desmatamento e violência contra os povos Yanomami.
“O Estado Brasileiro, infelizmente, foi cúmplice da violência étnico-ambiental contra o Povo Yanomami e, em razão disso, merece reparação à altura dos danos étnico-sociais praticados”, consta no texto.
O documento menciona o racismo ambiental, considerando que a expres-
Área de garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Registro do Greenpeace de 2021
incorporado à rede do Sistema Único de Saúde (SUS).
A União é solicitada a realizar orientações junto às Comunidades Indígenas Yanomami afetadas pelo garimpo quanto ao consumo seguro de peixes para prevenir mais contaminações, por conta da extração ilegal de minério no território.
Território tem 42 mortes em 2023
Da Revista Cenarium*
MANAUS (AM) – O Ministério da Saúde (MS) registrou a ocorrência de 42 mortes de indígenas na Terra Indígena Yanomami, nos dois primeiros meses de 2023. Esse número pode chegar a 48, uma vez que seis óbitos estavam sob investigação até o fechamento desta edição e não haviam ainda sido contabilizados nos dados do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami, vinculado à pasta. As principais causas dos óbitos foram desnutrição grave, diarreia e pneumonia, doenças associadas à fome.
são denuncia a distribuição dos impactos ambientais que não se dá de forma igual entre a população, sendo a parcela marginalizada e historicamente invisibilizada a mais afetada pela poluição e degradação ambiental.
Conforme a Uhiri Yanomami, a “restrição em órgãos de proteção ao meio ambiente, flexibilização de legislações de proteção ambiental e ameaça a direitos de povos indígenas são os principais argumentos para tal afirmação”.
DESCARTE DO MERCÚRIO
Um plano para a não utilização de mercúrio na mineração de ouro no Brasil integra os pedidos apresentados no documento, além de um protocolo de atendimento básico para as pessoas contaminadas pelo minério e acompanhamento de apoio por especialistas para ser
As informações foram repassadas pelo ministério em resposta a questionamentos da reportagem sobre dados de óbitos de indígenas após a declaração, em 20 de janeiro, do estado de emergência em saúde pública na terra Yanomami.
No Hospital da Criança Santo Antônio, do município de Boa Vista, quatro crianças Yanomami morreram desde a declaração da emergência, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Duas mortes foram por desnutrição grave, uma por diarreia aguda e outra por pneumonia.
Mais de cem profissionais da área da saúde foram enviados à região, desde a convocação da Força Nacional do SUS, como parte das ações de emergência. Foram feitos mais de 6.200 atendimentos médicos, segundo o Ministério da Saúde. Na Casai, 78% das crianças com desnutrição grave ganharam peso e evoluíram para um quadro moderado, diz a pasta.
(*) Com informações da Folhapress.
Yanomami em estado de desnutrição são resgatados do território para tratamento de saúde
Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
Crédito: Funai
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UEA celebra esportes
Jogos Universitários da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) reúnem estudantes da floresta e da maior capital da Amazônia
Mencius Melo – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – A maior universidade multicampi do Brasil, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) abriu oficialmente a sétima edição dos Jogos Universitários (JuniUEA). A solenidade de abertura foi realizada no dia 3 de março, na quadra da Escola Superior de Tecnologia (EST), localizada na Avenida Darcy Vargas, 1.200, Parque 10 de Novembro, Zona Centro-Sul de Manaus. Ao todo, são 1.243 alunos que se inscreveram na competição, sendo 1.016 de Manaus e 227 de sete municípios do interior.
As disputas tiveram início no dia 11 de março, em 15 modalidades concentradas em Manaus. Os jogos serão realizados na Escola Superior de Tecnologia (EST), no Centro Social Urbano (CSU) do Parque 10 de Novembro, na Vila Olímpica de
“É uma promessa de campanha, inclusive, do professor André Zogahib [reitor] e minha, de que os jogos voltassem ao calendário da instituição, porque é uma iniciativa que une os estudantes da capital e do interior”, comemorou.
A reitora em exercício também destacou que os jogos servem de plataforma para a seleção de futuros atletas. “O JuniUEA é um incentivo à prática regular da atividade física. É importante salientar também que, desses jogos, iremos buscar competidores com bons rendimentos para, com isso, ajudar na seleção de atletas que irão compor as equipes que representarão a universi-
dade em eventuais competições das diversas modalidades, em níveis municipal, estadual e nacional”, destacou a gestora.
INEDITISMO
Para a estudante de Enfermagem, Ester Pereira Abensur, a iniciativa também serve como um momento para construir boas memórias. “É a primeira vez que participo dos jogos, e vamos disputar na modalidade ‘vôlei’, que é um esporte coletivo. Para mim, tem um caráter especial. É incrível, porque estou quase concluindo o curso, e nunca havia participado dos jogos. Para mim, que sou uma pessoa
competitiva, está sendo maravilhoso”, explicou a estudante.
Já o estudante do curso de Educação Física de Boa Vista do Ramos, (distante 271 quilômetros de Manaus), Clóvis Andrade, de 32 anos, que desfilou com o maior símbolo dos jogos olímpicos pelo mundo: a tocha olímpica, participar da abertura dos jogos com o “fogo dos deuses” e ainda participar das partidas é motivo de orgulho. “Estou muito orgulhoso, porque é a primeira vez que estamos participando, e eu fui escolhido para levar a tocha dos jogos, isso me deixou muito feliz”, triunfou.
“O JuniUEA é um incentivo à prática regular da atividade física. É importante salientar também que, desses jogos, iremos buscar competidores com bons rendimentos”
Manaus e no ginásio do Centro de Convivência, no Dom Pedro. A entrada é gratuita. Fazem parte da competição, provas de atletismo, jogos eletrônicos, dominó, xadrez, futsal, futebol, handebol, basquetebol, voleibol indoor, vôlei de praia, tênis de mesa, juni acadêmico (competição de trabalhos/pesquisas acadêmicas), jiu-jítsu e queimada.
Em entrevista à REVISTA CENARIUM, a reitora da UEA em exercício, Profª Dra. Kátia Couceiro, saudou a volta dos jogos da UEA e falou sobre a relevância da socialização para a qualidade de vida dos universitários: “É fundamental voltar a integrar os estudantes da UEA, após dois anos de suspensão dos jogos, por conta da pandemia, porque esporte é qualidade de vida, é saúde física e mental”, avaliou a professora que complementa:
Estudantes da UEA participam de competição de natação nos Jogos Universitários
Kátia Couceiro, Profª Dra. e reitora da UEA, em exercício.
O medalhista amazonense Sandro Viana (à esq.), a reitora em exercício Kátia Couceiro (ao centro), e o pró-reitor Darlisson Souza (à dir.), na cerimônia de abertura dos jogos
Divulgação Uea
Divulgação Uea Crédito: Mencius Melo Crédito: Divulgação Uea 59 58 www.revistacenarium.com.br REVISTA CENARIUM ECONOMIA & SOCIEDADE
As equipes de cada curso da UEA formaram seleções para disputar, entre si, as medalhas e o mais alto lugar no pódio dos jogos da instituição
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Reportagem premiada
em Paris, durante a Copa do Mundo de Futebol de 1998.
Em 2014, ganhou o prêmio Sebrae Nacional de Fotografia, com a reportagem “Milagre dos Peixes”. Venceu a 7ª edição do Prêmio Anamatra de Direitos Humanos e o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos (Menção Hon-
rosa), com a reportagem sobre “Piabeiros e Piaçabeiros às margens do Rio Negro e as Leis Trabalhistas e dos Direitos Humanos”.
Em agosto de 2022, o fotojornalista venceu o 9° Prêmio Sebrae de Jornalismo, etapa estadual, na categoria Foto, com a imagem “Manejar é Preciso”, em matéria publicada pela REVISTA CENARIUM.
de Manaus. É uma emoção gigantesca”
Veja a lista de vencedores do Prêmio Águas de Manaus
de Jornalismo
Ambiental:
Categoria Universitário:
Karla Lima da Silva (Universidade Nilton Lins) – Água Branca: Conheça o único igarapé urbano considerado 100% limpo na capital amazonense
MANAUS (AM) – A reportagem “Água Branca: último igarapé limpo de Manaus resiste ao avanço da urbanização”, da REVISTA CENARIUM, assinada pela jornalista Ívina Garcia e pelo fotojornalista Ricardo Oliveira, foi eleita como a melhor matéria nas categorias Webjornalismo e Fotojornalismo, na 1ª edição do ‘Prêmio Águas de Manaus de Jornalismo Ambiental’. O evento, promovido em fevereiro pela concessionária Águas de Manaus, tem o intuito de valorizar jornalistas e profissionais que promovem o acesso à informação pública.
A cerimônia de premiação foi realizada no Salão Rio Solimões do Palácio Rio Negro, localizado no Centro de Manaus. Para a vencedora Ívina Garcia, o primeiro prêmio da carreira vem em tom de gratidão. “É muito gratificante receber esse prêmio falando sobre uma pauta que a gente ama, falando sobre meio ambiente e sobre o último igarapé limpo de Manaus. É uma emoção gigantesca”, celebrou a jornalista.
Para o fotojornalista Ricardo Oliveira, a premiação reforça a força das pautas ambientais, um dos temas centrais da REVISTA CENARIUM. Ricardo aproveita para falar sobre a imagem ven-
cedora, que classifica como “atual, mas com concepção antiga”.
“É uma alegria ver nosso trabalho sendo reconhecido e, em menos de três anos de REVISTA CENARIUM, já participamos de várias indicações e prêmios. Quanto à imagem que fiz, penso que é atual, mas a concepção é antiga, pois os igarapés, em Manaus, eram do que a gente chamava de ‘água branca’ e lembra a minha infância. O lugar onde fizemos [a fotografia] é símbolo de uma resistência”, disse Ricardo.
PREMIADOS
Ívina Garcia tem 25 anos, é manauara, graduanda em Jornalismo, pela Fametro, e já atuou como social media em empresas de vendas e em produção de TV. Repórter voltada para editoria de Economia em jornal impresso, recentemente, destacou-se nas coberturas dos movimentos antidemocráticos na cidade de Manaus.
Ricardo Oliveira é amazonense, iniciou a carreira no Rio de Janeiro, onde morou e estudou na FotoRiografia. Foi um dos vencedores do “I Prêmio de Jornalismo Governo do Estado do Amazonas”. Participou da exposição coletiva
“É Tempo de Brasil”, no Museu do Louvre,
Premiação
Ao todo, foram mais de 70 inscritos juntando as categorias Jornalismo Impresso, Webjornalismo, Radiojornalismo, Telejornalismo, Fotojornalismo e Jornalismo Universitário o Grande Prêmio de Jornalismo – este último, para a reportagem que alcançou a maior pontuação em todas as categorias. Os trabalhos foram avaliados por uma comissão julgadora integrada por professores do curso de Comunicação Social, jornalistas e um representante da concessionária.
Critérios como técnicas de reportagem, adequação ao tema, apuração das informações, criatividade, abordagem e inovação na linguagem foram alguns pontos considerados. Foram premiados três trabalhos por categoria.
Além de troféus, os que venceram em primeiro lugar ganharam o valor de R$ 5 mil em cada categoria, exceto a universitária. A premiação contou, ainda, com o vencedor eleito com a maior pontuação geral dentre todas as categorias, premiado com o valor de R$ 7 mil.
Ívina Garcia, jornalista.
Fotojornalismo:
1° lugar – Sérgio Ricardo de Oliveira (Revista Cenarium) – Água Branca: Último igarapé limpo de Manaus resiste ao avanço da urbanização
Impresso:
1° lugar – Fabiane Nunes de Morais (Jornal A Crítica) – Conservar as águas é da natureza de todos
Radiojornalismo:
1° lugar – Gecilene de Aguiar Sales Cavalcante (Rádio Rio Mar) – Acesso à água potável garante dignidade e promove mudanças sociais
Telejornalismo:
1° lugar – Laíssa Rodrigues Ponce de Leão Carvalho (TV Norte) – Água: Fonte de Vida
Webjornalismo:
1° lugar – Ívina Rafaely Rodrigues Garcia Mendonça (Revista Cenarium) – Água Branca: Último Igarapé Limpo de Manaus Resiste ao Avanço da Urbanização
Grande Prêmio Águas de Manaus de Jornalismo
Ambiental:
Vencedora: Laíssa Rodrigues Ponce de Leão Carvalho (TV Norte) – Água: Fonte de Vida
O fotojornalista Ricardo Oliveira e a jornalista Ívina Garcia da Revista Cenarium
‘Água Branca’: matéria da REVISTA CENARIUM sobre igarapé em Manaus vence prêmio de jornalismo ambiental
Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
“É muito gratificante receber esse prêmio falando sobre uma pauta que a gente ama, falando sobre meio ambiente e sobre o último igarapé limpo
Crédito: Orson Oliveira Crédito: Orson Oliveira
Crédito: Ricardo Oliveira
Foto vencedora na categoria Fotojornalismo
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Vencedores da 1ª edição do ‘Prêmio Águas de Manaus de Jornalismo Ambiental’
Queimadas: SOS florestal
Ministério do Meio Ambiente declara emergência na Amazônia e em outras regiões
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – O Ministério do Meio Ambiente (MMA) decretou emergência em Estados da Amazônia e também de outros biomas, devido ao risco de incêndios florestais. A portaria, assinada pela ministra Marina Silva, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) do dia 6 de março deste ano e entrou em vigor no dia 14 de março. A medida vai vigorar em períodos diferentes. Entre os meses de abril a novembro de 2023, a emergência valerá no Estado do Acre; mesorregiões sudoeste amazonense e sul amazonense, do Amazonas;
mesorregiões extremo-oeste baiano e Vale São-Franciscano da Bahia, na Bahia; Distrito Federal; Estado de Goiás; mesorregiões Jequitinhonha, Metropolitana de Belo Horizonte, norte de Minas, oeste de Minas, Vale do Mucuri, Vale do Rio Doce, Campo das Vertentes, Central Mineira, noroeste de Minas, sul/sudoeste de Minas e Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, em Minas Gerais; Mato Grosso; mesorregião sudeste piauiense, no Piauí; Rio de Janeiro; Rondônia; Tocantins; e São Paulo.
Entre os meses de maio e dezembro de 2023, a emergência será nas mesorregiões
centro-amazonense e norte-amazonense, do Amazonas; mesorregiões centro-maranhense, leste-maranhense, norte-maranhense e sul-maranhense, no Maranhão; mesorregião Zona da Mata, em Minas Gerais; Mato Grosso do Sul; mesorregiões Baixo Amazonas, Marajó, Metropolitana de Belém, sudeste paraense e sudoestepParaense, no Pará; mesorregiões centro-norte Piauiense, norte piauiense e sudoeste piauiense, no Piauí; e no Paraná.
Entre os meses de junho de 2023 a janeiro 2024, vai vigorar no Estado do Amapá; mesorregiões centro-norte baiano
3.332
O Inpe registrou 3.332 focos de calor, entre os dias 1° e 16 de novembro de 2022, no Amazonas, Acre e em Rondônia, região conhecida como Amacro. O aumento foi de 1.216%, em relação ao mesmo período de 2021
32%
De acordo com estudo da Fapesp, 32% das áreas queimadas anualmente na Amazônia ocorreram em terras agrícolas (dominadas por pastagens).
e centro-sul baiano, na Bahia; Ceará; mesorregião oeste maranhense, no Maranhão; mesorregião nordeste paraense, no Pará; e mesorregiões São Francisco Pernambucano e Sertão Pernambucano, em Pernambuco.
Entre julho de 2023 e fevereiro de 2024, a emergência será na mesorregião Agreste Pernambucano, Mata Pernambucana e Metropolitana de Recife, em Pernambuco. E de setembro de 2023 a abril de 2024, nas mesorregiões Metropolitana de Salvador, nordeste baiano e sul baiano, na Bahia, e nos Estados de Roraima e Acre.
CAUSA DAS QUEIMADAS
Um estudo brasileiro, divulgado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), mostrou que o uso descontrolado do fogo pelo homem tem mais influência do que a seca nas queimadas registradas em toda a Amazônia, entre os anos de 2003 e 2020.
Segundo os autores, a maioria dos períodos com alto número de focos de incêndios está mais relacionada com as queimadas agrícolas e com o desmatamento do que com as condições de seca extrema.
Em média, 32% das áreas queimadas anualmente no bioma foram em terras agrícolas (dominadas por pastagens), seguidas por campos naturais (29%) e áreas de florestas maduras (16%). Ao avaliar o desmatamento e as anomalias de déficit hídrico, o primeiro fator contribuiu
mais do que o segundo para os incêndios no período analisado.
Além disso, ao inovar e ampliar o escopo de análise para as regiões amazônicas dos nove países com a floresta em seus territórios, o trabalho mostrou que Brasil e Bolívia responderam juntos pela maior parte das detecções anuais de focos de fogo no período. Isso representa, no caso brasileiro, em média, mais da metade das áreas queimadas anualmente na Amazônia e, em terras bolivianas, cerca de um terço.
Estados
Em novembro de 2022, dados do satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram que as queimadas, na região considerada um dos principais arcos de devastação da Amazônia, cujos governadores reeleitos são bolsonaristas e onde Jair Bolsonaro (PL) obteve ampla votação, tiveram um aumento expressivo e sem precedentes nos dias que se sucederam à derrota do ex-presidente nas urnas.
O instituto registrou 3.332 focos de calor entre os dias 1° e 16 de novembro de 2022, no Amazonas, Acre e em Rondônia, região conhecida como Amacro. No mesmo período, em 2021, foram 253 incêndios nos três Estados. O aumento foi de 1.216%.
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, publicou decreto de emergência no DOU de 6 de março deste ano
Queimada na Amazônia registrada pela ONG Greenpeace
Crédito: Christian Braga Greenpeace
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CENARIUM POLÍCIA &
Crédito: Fábio Rodrigues Pozzebom | Ag Brasil
REVISTA
CRIMES AMBIENTAIS
‘Rio do Desejo’: paixões proibidas na Amazônia
MANAUS (AM) – O filme “O Rio do Desejo” foi lançado em Manaus, no dia 7 de março, em pré-estreia no centenário Teatro Amazonas. A sessão especial para convidados brindou o público local com o trabalho gravado no Amazonas e inspirado no conto “O Adeus do Comandante”, do também amazonense Milton Hatoum. A película, dirigida por Sérgio Machado, tem entre os protagonistas Sophie Charlotte e Daniel Oliveira, que conversaram com a REVISTA CENARIUM sobre o contexto do cinema brasileiro, a experiência de “vivenciar” o Amazonas e seu povo e, também, sobre as expectativas para a divulgação do filme.
“O cinema é a narrativa, a cultura com suas histórias, seus sotaques, suas potências e, nesse caso, mostrando a floresta,
com atores daqui que participam do nosso filme mostrando a cidade de Itacoatiara.
Com toda a humildade e reverência de ter entrado em contato profundo com a população da cidade, com seu jeito, temperos e cores, foi maravilhoso. Isso joga luzes e mostra um novo Brasil, fora do eixo Rio-São Paulo”, destacou Sophie Charlotte.
Daniel Oliveira recordou suas primeiras vivências no Amazonas, durante a produção de “A Festa da Menina Morta”, película de 2008, com direção de Matheus Nachtergaele. “São tantas histórias… tive a oportunidade de filmar com o Matheus Nachtergaele, em Barcelos, ‘A Festa da Menina Morta’. À época, todos foram de avião e eu optei por viajar de barco, fui na rede, e nunca havia tido essa experiência
em viajar quase dois dias, foi maravilhoso. Lembro quando chegamos a Barcelos. Foram quase dois meses experimentando sabores e saberes”, relembrou.
FAZER A FESTA
Para o diretor Sérgio Machado, o audiovisual brasileiro passou por tempos sombrios, mas, são novos tempos, e é preciso fazer festa sobre o que foi superado. “Quero fazer desse filme uma festa. Passamos quatro anos por um verdadeiro inferno. Tivemos um governo que, sequer, era neutro, ele era inimigo declarado do audiovisual. Vivemos o pior cenário. A mente mais criativa não consegue, realmente, projetar o que aconteceu. O 8 de janeiro acorreu, no audiovisual, ao longo desses quatro anos”, lamentou.
Sophie Charlotte, atriz.
Sinopse
Ao se apaixonar pela bela e misteriosa Anaíra (Sophie Charlotte), Dalberto (Daniel Oliveira) abandona seu trabalho na polícia e se torna comandante de um barco. O casal passa a viver na casa que Dalberto divide com os dois irmãos, às margens do Rio Negro.
Mas, quando Dalberto é obrigado a se arriscar em uma longa viagem rio acima, desejos proibidos vêm à tona. Enquanto Dalmo (Rômulo Braga), o irmão mais velho, luta para controlar a atração que sente pela cunhada, Anaíra e Armando (Gabriel Leone), o caçula, se aproximam. A volta de Dalberto reúne, sob o mesmo teto, os três irmãos apaixonados pela mesma mulher.
Rodado no Amazonas, o filme é baseado no conto “O Adeus do Comandante”, do amazonense Milton Hatoum. “O Rio do Desejo” é uma produção da TC Filmes e Gullane, em coprodução com a SPCINE, associação com o Canal Brasil e Mar Grande, patrocinado pela Petrobras, com investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e distribuição da Gullane.
O filme também tem o apoio da Agência Nacional do Cinema (Ancine), por meio do Fundo Setorial do Audiovisual; patrocínio da Sabesp, por meio do Programa de Fomento ao Cinema Paulista, do Governo do Estado de São Paulo, assim como fomento via ProAC LAB. E conta também com apoio do Projeto Paradiso.
“A cultura como foco de resistência foi a que mais apanhou em um período terrível, mas, eu estou muito empenhado em um desejo político de virar esse jogo, já que eles foram eficazes em prejudicar a relação do público com o cinema brasileiro. Pretendo que, aqui em Manaus, a gente já saia com vitória, com um público feliz. Estamos precisando de alegria, porque estamos revivendo, estamos renascendo. Estamos com sangue nos olhos para reconstruir o audiovisual brasileiro. E esse lançamento, em Manaus, é marcante”, apostou.
“Estamos precisando de alegria, porque estamos revivendo, estamos renascendo. Estamos com sangue nos olhos para reconstruir o audiovisual brasileiro. E esse lançamento, em Manaus, é marcante”
Sérgio Machado, diretor.
“Com toda a humildade e reverência de ter entrado em contato profundo com a população da cidade, com seu jeito, temperos e cores, foi maravilhoso. Isso joga luzes e mostra um novo Brasil, fora do eixo Rio-São Paulo”
‘Com seu jeito, temperos e cores’, diz atriz Sophie Charlotte sobre filmar no Amazonas
Mencius Melo – Da Revista Cenarium
A película, dirigida por Sérgio Machado, tem entre os protagonistas Sophie Charlotte e Daniel Oliveira
Os labirintos dos rios do Amazonas servem de cenário para o longa, dirigido pelo experiente diretor baiano Sérgio Machado
Cena ‘quente’ do filme entre os personagens de Sophie Charlote e Daniel Oliveira
Crédito: Reprodução Crédito: Reprodução
65 64 www.revistacenarium.com.br ENTRETENIMENTO & CULTURA
Crédito: Ricardo Oliveira
Apagamento feminino
Dia da Mulher: obra revela fenômeno na cultura brasileira
Mencius Melo – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – A obra “Mulheres, Direito e Protagonismo Cultural” (Ed. Almedina Brasil, 670 pág.), coordenada por Cecília Nunes, Flávia Piovesan, Vivian Barbour e Inês Virgínia Soares, traz um importante registro da história das mulheres brasileiras na produção cultural do País, em 48 textos escritos por especialistas: há a constatação de que muitos registros foram apagados ou mesmo expropriados das criadoras, como no caso das compositoras brasileiras.
Um dos dados surpreendentes foi encontrado pela historiadora Ana Carolina Murgel, doutora em História e Cultura pelo Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp (IFCH). A pesquisadora imaginava encontrar de 800 a 900 compositoras brasileiras, mas se deparou com o número surpreendente de 7.500 mulheres compondo entre os séculos XIX e início do século XXI. A grande maioria delas foi apagada dos registros oficiais, evidenciando uma sabotagem em larga escala com o legado feminino na cultura brasileira.
Em entrevista à REVISTA CENARIUM, a advogada Cecília Nunes falou sobre como a contribuição das mulheres para a música, dança e outras áreas artísticas é ignorada, historicamente, em diferentes regiões do País, mesmo sendo os ambientes artísticos mais plurais. “De fato, apesar de os meios culturais e artísticos serem mais abertos, em geral, para a diversidade, não é certo dizer que são locais em que os direitos das mulheres são plenamente respeitados. A luta pela igualdade de gênero perpassa também essas áreas, e os artigos presentes
a expropriação da autoria atinge a própria dignidade dessas pessoas. Segundo a lei de direitos autorais brasileira, de N.°
9.610/98, a obra intelectual é uma criação que advém do ‘espírito humano’. Expropriar uma pessoa de suas próprias criações é atingi-la de forma brutal, em um âmbito íntimo e estritamente pessoal, gerando efeitos danosos duradouros”, criticou.
Questionada sobre a procura por alguma salvaguarda de seus direitos, Cecília respondeu: “Sob a perspectiva do apagamento cultural, o artigo de Ana Carolina Murgel avalia o caso das compositoras brasileiras e o apagamento de seus direitos em relação às suas próprias criações. Por fim, temos o caso analisado pelo artigo de Livia Tinoco sobre as catadoras de mangaba de Sergipe, que fala da luta e disputa política pelo direito de exercer essa importante manifestação cultural”, declarou.
MACHISMO E PATRIARCADO
no livro reforçam, ainda mais, essa necessidade”, observou.
PARENTES E COMPANHEIROS
A especialista afirma ainda que, na grande maioria, a violência do apagamento ou expropriação foi e é cometida por pessoas próximas. “É amplamente demonstrado em pesquisas que os casos de violência partem, em sua grande maioria, dos próprios companheiros dessas mulheres. No caso da expropriação cultural não é diferente. A intimidade do relacionamento, infelizmente, pode criar um ambiente propício para essas diversas formas de violência contra a mulher”, declarou.
Ainda segundo ela, apagar é um gesto brutal. “Esse apagamento do potencial criativo das mulheres se mostra ainda mais perverso quando pensamos na obra intelectual criada por elas, uma vez que
Para Cecília, “a sociedade brasileira é machista e isso está enraizado bem mais fundo do que podemos imaginar. Obras como essa, portanto, são de extrema urgência e relevância, vez que possibilitam a um determinado grupo de mulheres falar sobre suas experiências, suas lutas e suas reflexões práticas dos direitos culturais e do acesso aos bens culturais. É certo que a mudança desse status quo é algo lento e que demanda muito esforço, mas é necessário trilhar o caminho para que a igualdade de gênero possa ser uma realidade nos diversos âmbitos sociais”, afirmou.
Mesmo com os recentes avanços no novo governo, Cecília Nunes tem ressalvas. “É um avanço, mas também é o ‘dever de casa’. Séculos de opressão e desigualdade brutal entre homens e mulheres formaram a sociedade brasileira que temos hoje. Não é uma mudança de governo ou a promulgação de uma lei que revolucionará essa estrutura. Mas, isso também não significa que tais mudanças não são necessárias ou relevantes. Como dito, o caminho precisa ser trilhado, as pequenas mudanças constroem as grandes, e é nesse sentido que as ações que objetivam a igualdade de gênero devem ser pensadas e executadas”, ponderou.
Sobre o futuro, Cecília aponta: “os direitos autorais são uma espécie de direi-
“Esse apagamento do potencial criativo das mulheres se mostra ainda mais perverso quando pensamos na obra intelectual criada por elas, uma vez que a expropriação da autoria atinge a própria dignidade dessas pessoas”
tos culturais, expressamente previstos na Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso 27, e artigo 215. Por serem também caracterizados como direitos fundamentais, os direitos autorais ocupam um lugar de especial relevância dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Isso significa dizer que a ofensa aos direitos autorais, culturais e fundamentais é um dano causado, diretamente, à dignidade da pessoa lesada”, finalizou.
Cecília Nunes, advogada e uma das coordenadoras da obra.
Uma das coordenadoras da obra ‘Mulheres, Direito e Protagonismo Cultural’, a advogada Cecília Nunes, que apontou ‘parentes e companheiros’ como os responsáveis pelos apagamentos
Da esquerda para a direita, Clementina de Jesus, cantora brasileira, a escritora Júlia Lopes e Chiquinha Gonzaga, compositora brasileira; Artistas tiveram que lutar para terem seus nomes marcados na história
O
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Crédito: Acervo Pessoal Crédito: Reprodução
Globo
Cartilha antirracismo
Com maioria da população preta e parda, Brasil ainda enfrenta dificuldades na educação racial. TSE lançou uma cartilha para evitar expressões racistas
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – O debate sobre racismo tem crescido na sociedade brasileira com o passar dos anos. A ocupação de pessoas pretas em cargos políticos e de destaque na sociedade elevam a discussão, mesmo com a baixa representatividade. Pensando nos casos de injúria racial, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou a cartilha “Expressões racistas: por que evitá-las”, que traz uma série de frases que remetem ao período escravocrata, de ataques à comunidade preta e motivos para esses termos serem banidos do vocabulário.
A cartilha traz ao todo 40 expressões e palavras de cunho racista e o contexto
histórico no qual estão inseridas. Palavras usadas no cotidiano como “denegrir”, “esclarecer” ou “inhaca” são algumas delas. A cartilha traz ainda sugestões de expressões para substituir as consideradas frases racistas.
Das 212,7 milhões de pessoas que vivem no País, 47% se consideram pardas e 9,1% pretas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2021. O racismo e a injúria racial ainda são muito presentes, apesar de existirem leis contra os atos.
O racismo está presente no Art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal, que diz que a prática constitui crime inafian-
“Não se pode punir nem tratar com rigor as questões acidentais, a questão é de educação. Acho que com o tempo essa educação surgirá e absorveremos de uma maneira racional e nítida as propostas da cartilha”
Paulo Queiroz, escritor e antropólogo.
çável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. A Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, diz que serão punidos os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Já nos casos de injúria racial, a lei define que a injúria consiste em ofender e/ou insultar alguém pela raça, cor, etnia, religião ou origem.
Para o professor universitário, escritor e antropólogo Paulo Queiroz, a cartilha é um importante meio para educar, mas a publicação deve enfrentar desafios para ser aceita. “São desafios que chamamos de ‘hercúleos’, ou seja, aqueles que têm a força de Hércules contrária. É uma ideia interessante de evolução no espaço e no tempo, porque o tribunal se ajusta às necessidades evolutivas da sociedade. O que era, não é mais e o que não era pode ser, dependendo da necessidade social”, diz.
Paulo pontua que é relevante se colocar contra os exageros em nome da “liberdade de expressão”, ele diz que esses movimentos [em favor de minorias] têm ganhado corpo e poder na legitimação dos direitos
dos negros. “Eu aplaudo essa iniciativa e a iniciativa da cartilha”, afirma Queiroz.
O professor alerta a importância de não punir descuidos acidentais e combater casos de desinformação com educação. “Não se pode punir nem tratar com rigor as questões acidentais, a questão é de educação. Acho eu que com o tempo essa educação vai surgir e absorveremos de uma maneira racional e nítida as propostas da cartilha”, afirma.
PENAS MAIS DURAS
O Brasil caminha em busca de uma equidade racial. Recente projeto na Câmara dos Deputados aprovou o aumento da pena para quem comete injúria racial.
Conforme o novo texto, a pena seria aumentada de 1 a 3 anos para 2 a 5 anos.
O aumento da pena será aplicado apenas em casos de injúria em relação à raça, cor, etnia ou procedência nacional, não
sendo utilizado em casos contra pessoa idosa ou com deficiência. A pena ainda recebe agravo de 1/3 em contextos onde se usa injúria para descontração, diversão ou recreação.
O Projeto de Lei 4566/21 (antigo PL 1749/15) foi aprovado como texto substituto ao de autoria da ex-deputada Tia Eron e do ex-deputado Bebeto e agora aguarda a sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL).
BRASÍLIA TSE 2022
Cartilha lançada pelo TSE. Brasil tem maioria preta e parda, segundo o IBGE
Crédito: Cartilha Pra Arte
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2022_tse_expressoes_racistas_evitalas
Vazio existencial
Samiza
Avida não tem sentido. Esse é o pensamento principal daqueles que experimentam a dolorida emoção de “viver por viver”. É uma espécie de desconexão com tudo que nos rodeia. É o que chamamos de vazio existencial –sentimento de desmotivação que faz com que as pessoas deixem de ver sentido em suas vidas.
Uma sensação dolorida de que o sentido da vida escureceu, onde ficou só sofrimento e uma experiência de desconexão com o mundo exterior. Em muitos casos, é experimentado por indivíduos que sofreram acontecimentos marcantes negativamente.
Até certo ponto, esta sensação acaba sendo perfeitamente natural, já que a tristeza costuma dar essa sensação de vazio. Apesar disso, se esta sensação está acontecendo com constância, e passar a se tornar frequente, é importante ligar o alerta, pois pode se transformar numa depressão, que é uma doença séria e que precisa ser tratada com seus devidos cuidados.
Se for apenas um sentimento momentâneo, com o passar do tempo e o empenho da pessoa e ajuda dos amigos e família, é perfeitamente possível voltar a enxergar um significado positivo na própria existência e seguir em frente trilhando novos caminhos com sentido e direção.
Observe que quando o corpo sente fome, uma refeição pode ajudar. Em momentos de cansaço, o repouso dá conta do recado. Até mesmo os sentimentos, quando doem, podem ser acalantados com uma dose de afeto e boas conversas. E quando o que incomoda é um vazio que não se sabe de onde vem, mas que insiste em fazer morada dentro de nós? O que fazer quando surge aquele sentimento que ocupa um lugar imenso dentro do peito?
Essa impressão de que nos falta algo que não se sabe e que, na maioria das vezes, nos pega desprevenidos. Uma tarde nebulosa, em um domingo sem companhias, algumas horas longe das redes sociais ou mesmo a ausência de uma atividade que domine nossa atenção são algumas das ocasiões em que nos deparamos com o vazio existencial. Esses, no entanto, não são os únicos momentos em que esse sentimento nos acomete. Algumas pessoas conseguem percebê-lo, mesmo estando em uma multidão. Um vazio que a sociedade alimenta por meio das mensagens relacionadas a valores individuais e satisfação imediata.
Muitas vezes, também são aqueles que navegam na busca do prazer, com o único propósito de anestesiar o seu sofrimento. A diferença é que eles não percebem o vazio que experimentam.
Algumas pessoas começam a sentir esse vazio existencial sem qualquer motivo aparente, algumas têm uma carreira de sucesso, uma família equilibrada, bons amigos, um relacionamento estável e, até mesmo, uma boa condição financeira. Contudo, mesmo que, visivelmente, tenham inúmeras razões para serem felizes, sentem-se incompletas. Trata-se de uma sensação de vazio na alma e de ausência de algo que nem elas mesmas sabem o que é.
Deixo aqui os principais sinais do vazio existencial:
1. Sentir-se só, mesmo quando está na presença de outras pessoas;
2. Não encontrar motivos para comemorar nada;
3. Falta de disposição, ânimo e automotivação;
4. Achar que tudo é trabalhoso demais;
5. Ver apenas o lado negativo das coisas. Caso você se identifique com algum, saiba que, assim como sua mente entrou nesse estado de vazio, você tem absoluta capacidade para modificar isso e encontrar um novo propósito para a sua vida. A sua felicidade está em suas mãos!
(*) Articulista Cenarium, terapeuta e palestrante formada em Psicanálise e Hipnoterapia Clínica Verbal e Não Verbal.
ARTIGO – SAMIZA SOARES
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Soares Crédito: Acervo Pessoal
“Eu acho que a mulher do fim do mundo é aquela que busca, é aquela que grita, que reivindica, que sempre fica de pé. No fim, eu Elza Soares, cantora.
Uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher