Revista Cenarium – Ed. 34 - Abril/2023

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A CRISE CLIMÁTICA E O TORMENTO HABITACIONAL

Cidades da Amazônia passam por drama habitacional agravado todo ano com inundações que pioram com a crise no clima e na gestão pública

ISSN 27648206 782764 9 820605 034
ABRIL DE 2023 • ANO 04 • Nº 34 • R$ 24,99

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Clima e urgências

Como forma de alertar a sociedade sobre os reflexos da crise climática no contexto habitacional da Amazônia e os riscos de novas tragédias, esta edição da REVISTA CENARIUM aborda a urgência nas execuções das políticas públicas existentes nas diretrizes dos Planos Nacionais de Habitação (2009) e de Adaptação Climática (2016).

Estudos da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) têm apontado que o Rio Negro, localizado na maior capital da região amazônica, Manaus, vem registrando aumento nos níveis históricos como, em 2021, que atingiu 30 metros, uma marca que ultrapassou o nível de 1902. Entre as causas das chuvas acima da média estava o fenômeno “La Niña” em parte da Amazônia Ocidental.

À medida que se registra o aumento recorde no índice pluviométrico em Manaus, avançam as ocupações irregulares em áreas de risco. Pesquisa realizada pela Organização Não Governamental (ONG) MapBiomas apontou que Manaus é a cidade brasileira com a maior expansão de terras urbanizadas em assentamentos precários entre 1985 e 2021.

De acordo com o estudo do MapBiomas, no Amazonas, 50 dos seus 62 municípios possuem moradias em situação de risco. Somadas, as áreas totalizaram 1.841 hectares em 2021. Desse número, 770 hectares estão concentrados em Manaus, o que representa 42%, aproximadamente.

Especialistas ouvidos, nesta edição da REVISTA CENARUM, avaliaram que o envolvimento com questões urgentes do cotidiano, em segmentos como saúde e educação, dificulta o planejamento de agendas de adaptação de longo prazo.

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A grande preocupação é qual prazo temos até o acontecimento de uma nova tragédia, como a que ocorreu, em Manaus, no mês de março, com a morte de oito pessoas em um deslizamento de terras? Qual a possibilidade de ocorrerem tragédias em maiores proporções da registrada na capital amazonense?

O Acordo de Paris, para conter a crise climática, do qual o Brasil é signatário, é, sobretudo, um compromisso dos agentes públicos com a população mais carente, em sua maioria formada por pessoas que não possuem acesso à informação sobre os recursos bilionários que são destinados à contenção dos desastres naturais e à dignidade humana.

Sofrimento sem fim

Ano após ano, o cenário se repete no “inverno amazônico”. Começa a chover forte e, nas cidades da região, ruas alagam, casas ficam embaixo d’água, crateras se abrem, barrancos deslizam, rios invadem comunidades, milhares de famílias pobres perdem todo o pouco que tinham e vidas se perdem. É sabido que o período chuvoso, que costuma ir de novembro a abril, tem se tornado mais intenso e irregular pelas mudanças climáticas. Mas, será que a culpa dos prejuízos e mortes é somente da fúria da “mãe natureza”? Não. É preciso considerar o fator governança nesse binômio no qual o resultado costuma ser trágico.

Neste ano, temos visto impactos das chuvas e cheias dos rios em grande parte dos Estados da Amazônia Legal, principalmente no Amazonas, Pará, Acre, Maranhão, Tocantins e Rondônia. As precipitações têm registrado marcas impressionantes, como os mais de 100 milímetros acumulados em um só dia em Manaus, em março, mas, nos resultados disso, não há nada que já não tenhamos visto antes. O sofrimento da população é o mesmo, há décadas.

A verdade é que as cidades amazônicas cresceram rápido e de forma desordenada, sem planejamento urbano, habitacional e de infraestrutura, que acompanhasse tal crescimento e objetivasse o bem-estar humano. Os altos índices de déficit habitacional mostram que a população pobre foi empurrada para moradias inadequadas e em lugares onde ninguém gostaria de morar. É o que afirmam urbanistas, geógrafos, sociólogos e antropólogos ouvidos pela REVISTA CENARIUM nesta edição, na reportagem de capa, em que voltamos o olhar para a governança de risco de desastres.

Com monitoramentos e alertas de órgãos independentes e até de suas próprias pastas, o poder público sabe onde estão as áreas de risco de deslizamento e inundações, quantas famílias vivem nestes locais e conhece os índices de déficit habitacional. O que falta é planejar ações de longo prazo para evitar ou minimizar os impactos, o que levaria o gerenciamento de desastres para o campo preventivo. Por enquanto, as medidas anunciadas pelas gestões públicas têm caráter emergencial e assistencialista. E a população segue pagando o preço de um sofrimento que parece não ter fim.

Editorial
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�� Compromisso com a verdade

Acredito que a CENARIUM informa com seriedade e tem compromisso com a verdade. Está no caminho da visibilidade das questões indígenas. Inclusive, é muito importante, a divulgação sobre as questões indígenas. A CENARIUM é uma das poucas, posso dizer, um dos poucos meios de comunicação que tem tratado as questões indígenas ao nível nacional e da Amazônia.

Claro, vai aperfeiçoando, aprimorando e pautando questões importantes, acompanhando a agenda do movimento indígena. Então, vai melhorar muito, por exemplo, falar sobre o abril indígena e quais são as programações e o que tem ao nível nacional e da Amazônia. Quais Estados estão se programando, realizando seus Acampamentos Terra Livre que é uma agenda nacional dos povos indígenas, que pode pautar sistemas também. Por que se mobilizam? Por que Acampamento Terra Livre? De onde surgiu, para que é? Para que serve esse espaço, essa instância e outras agendas também do movimento indígena, que é um avanço. E, claro, vai conhecendo mais as questões indígenas. A luta do povo indígena é importante.

Então, são as minhas palavras, parabenizar pelo trabalho, por dar visibilidade também à luta dos indígenas da Amazônia e do Brasil, para que outras pessoas saibam, de fato, quem são os povos e o que fazem, como vivem, onde estão localizados, qual é a luta deles e como a sociedade e o meio de comunicação podem estar contribuindo com isso, fortalecendo o estado democrático de direito, o respeito às diferenças. Os meios de comunicação têm esse papel fundamental de informar de forma correta, com seriedade e ter conhecimento de causa, falar com as lideranças sempre e ouvir a opinião deles.

Ivo Cípio ‘Macuxi’, advogado, ativista, assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR)

Boa Vista - RR

�� Boa leitura

Gosto muito de ler a REVISTA CENARIUM. Esse trabalho de falar sobre a Amazônia é lindo!

Patrícia Gadelha São Paulo-SP

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A REVISTA CENARIUM desempenha um papel fundamental na disseminação de informações relevantes e confiáveis para a sociedade. Seus conteúdos atuais e precisos são especialmente valiosos para aqueles que desejam se manter atualizados sobre a Região Norte do País.

Em Roraima, a CENARIUM se estabeleceu como um veículo democrático e acessível para a divulgação de fatos locais e nacionais. A revista apresenta pautas de grande importância que, muitas vezes, não são abordadas em outros meios de comunicação, tais como a situação dos povos indígenas, a exploração ilegal de garimpos e os bastidores da política local. Para mim, a CENARIUM é uma das principais fontes de informação que utilizo para acompanhar os principais acontecimentos atuais.

Renata Rocha, advogada especialista em Direito Público e Direito do Trabalho Boa Vista - RR

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A REVISTA CENARIUM, ao longo dos seus 3 anos, sempre nos apresentou conteúdo com qualidade e verdade. Parabéns, CENARIUM! Hellen

�� MANDE SUA MENSAGEM �� E-mail: cartadoleitor@revistacenarium.com.br | WhatsApp: (92) 98564-1573 Sumário Abril de 2023 • Ano 04 • Nº 34 26 16 64
Leitor&Leitora
Cintra Brasília-DF Crédito: Arquivo Pessoal Crédito: Foto Diário do Pará Crédito: Ricardo Oliveira Crédito: Corrado Dalmonego Cimi ► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE Avanço da destruição 06 Pressão para desmatar 08 Queimadas preocupam em Roraima 10 ► CENARIUM+CIÊNCIA Energia que vem do orgânico ......................................... 12 Proteção das águas .......................................................... 14 ► PODER & INSTITUIÇÕES ABRIL INDÍGENA Yanomami: pedido de socorro à ONU 16 ‘Acampamento Terra Livre’ 18 ‘Territórios sem Fome’ ..................................................... 20 Drama urbano ................................................................. 22 Resistência cultural 24 ► ECONOMIA & SOCIEDADE A CRISE CLIMÁTICA E O TORMENTO HABITACIONAL Amazônia embaixo d’água 26 Manaus: tragédia anunciada ........................................... 32 Acre em caos 36 Maranhão: alagamentos e voçorocas 38 Infraestrutura insuficiente em Belém 41 Rondônia tem ‘enchente’ de problemas ........................ 44 Emergência no Tocantins ................................................ 47 Invisibilidade regional 52 ► ARTIGO – TENÓRIO TELLES Manaus, uma cidade e seu destino 54 Reforma tributária com Zona Franca ............................. 56 Fotojornalismo: CENARIUM premiada 58 ► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS ‘Caos fundiário’ no Pará 60 ► ENTRETENIMENTO & CULTURA ENTREVISTA MILTON HATOUM Pluralidade de vozes 64 ► DIVERSIDADE Prêmio Inaô celebra igualdade racial 68

Avanço da destruição

Desmatamento na Amazônia, no 1º trimestre, é o segundo maior desde 2016, aponta Inpe

MANAUS (AM) – O primeiro trimestre deste ano (janeiro a março) encerrou com 844,7 quilômetros quadrados de floresta da Amazônia desmatada, conforme os dados do sistema Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O índice equivale ao

segundo pior resultado para o período, desde a série histórica iniciada em 2016.

Conforme o Deter, somente o mês de março encerrou com 356 quilômetros quadrados de área sob alerta de desmatamento na Amazônia Legal, o que também resulta em dados negativos, ocupando o terceiro pior resultado para o período desde a série histórica iniciada em 2016.

Dos nove Estados que compõem a Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão) os três primeiros lugares em desmatamento ficaram com Amazonas, com 127 quilômetros quadrados de área desmatada; Pará, com 83 quilômetros quadrados; e, em terceiro lugar, o Estado do Mato Grosso, com 80 quilômetros quadrados de desmatamento.

JANEIRO E FEVEREIRO

Os números atuais vão na contramão dos dados divulgados em janeiro deste ano, quando o desmate na Amazônia Legal foi de 167 quilômetros quadrados, uma redução de 61% se comparado ao mesmo mês de 2022, quando a destruição chegou a 430 quilômetros quadrados.

Em fevereiro, outro levantamento elaborado pelo Greenpeace Brasil, apontou que o Estado do Mato Grosso liderava a maior área de alerta de desmatamento no mês, com 162 quilômetros quadrados (50,3% do total de 322 quilômetros quadrados). Em seguida vinha o Amapá e o Amazonas, ambos com 46 quilômetros quadrados (14,2% do total).

Ainda conforme o Greenpeace, baseado em dados apresentados pelo sistema Deter-B, do Inpe, fevereiro também bateu o recorde de alertas de desmatamento da série histórica, chegando a 322 quilômetros quadrados. Os dados representaram um aumento de 61,8% em relação ao mesmo

844,7 Km²

Os alertas de desmatamento são feitos pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real

O Ministério do Meio Ambiente informou que, na Amazônia, houve aumento de 219% das multas por desmatamento e outras infrações contra a flora no trimestre em comparação com a média do período nos quatro anos anteriores. Em todo o Brasil, esse número ficou em 78%.

Na Amazônia Legal, também cresceram as apreensões (133%) e os termos de destruição de bens e produtos relacionados às infrações ambientais

mês no ano de 2022, que chegou a 199 quilômetros quadrados de área desmatada.

O sistema Deter não é considerado o dado oficial de desmatamento, mas é tido como o sistema mais preciso em relação às medições de taxas anuais. O sistema cobre alterações florestais para áreas maiores que 3 hectares (0,03 quilômetros quadrados).

CERRADO

Os registros mostraram também que, entre janeiro e março, a destruição do Cerrado foi recorde, chegando a 1.375,3 quilômetros quadrados. Os registros do Deter para o Cerrado começaram em maio de 2018.

A área destruída no Cerrado e na Amazônia, em 2023, equivale a quase duas vezes a cidade do Rio de Janeiro (1.200 quilômetros quadrados). Até então, o número mais alto para o Cerrado no período tinha sido registrado em 2022, quando a área perdida ultrapassou 1.288 quilômetros quadrados. O recorde da Floresta Amazônica também é do ano passado, com mais de 941 quilômetros quadrados.

1.375,3 Km²

Dados do sistema Deter do Inpe mostram que o desmatamento na Amazônia chegou a 844,7 quilômetros quadrados, entre janeiro e março deste ano.

1.200 Km²

Os registros mostraram também que, entre janeiro e março, a destruição do Cerrado foi recorde, chegando a 1.375,3 quilômetros quadrados.

A área destruída no Cerrado e na Amazônia, em 2023, equivale a quase duas vezes a cidade do Rio de Janeiro (1.200 quilômetros quadrados).

Aumento de índices

(192%), além dos embargos de propriedades (93%).

“São medidas que descapitalizam os infratores e impedem que obtenham financiamento, além de restringir o comércio de produtos ilegais”, afirma a pasta, em nota.

O Deter mapeia e emite alertas de desmate visando orientar ações do Ibama e de outros órgãos de fiscalização. Os resultados representam um alerta precoce, mas não são o dado fechado do desmatamento.

Os números oficiais são de outro sistema do Inpe, o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), que são divulgados duas vezes ao ano.

No Cerrado, o desmatamento neste ano tem se concentrado na Bahia (568 quilômetros quadrados), no Piauí (215 quilômetros quadrados), no Tocantins (152 quilômetros quadrados) e no Maranhão (138 quilômetros quadrados).

(*) Com informações da Folhapress

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
07 06 www.revistacenarium.com.br REVISTA CENARIUM MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Crédito: Ricardo Oliveira

Pressão para desmatar

Novo distrito brasileiro, Santo Antônio do Matupi, no Amazonas, teve aumento de 110% no desmatamento Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o Amazonas tem um novo distrito municipal: Santo Antônio do Matupi, localizado em Manicoré, distante 332,08 quilômetros da capital, Manaus. As atividades econômicas da localidade, que surgiu a partir de um assentamento, têm impactado no aumento do desmatamento e a agropecuária é um dos principais fatores. Dados do Observatório da BR-319, levantados a pedido da REVISTA CENARIUM, apontaram que o número de alertas de desmatamento no novo distrito aumentou 110%, em 13 anos.

Segundo o IBGE, os distritos são unidades administrativas internas ao município. Determinações estaduais podem disciplinar o surgimento dos distritos, adicionando critérios de criação, alteração ou supressão.

O assentamento surgiu em 1995, a partir de um projeto de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Com o tempo, a localidade, no quilômetro 180 da BR-230 (Transamazônica), se estabeleceu e é apontada como um dos principais fatores responsáveis pela pressão sobre Unidades de Conservação situadas no município, como mostrou a  CENARIUM no “ESPECIAL | Custo Devastação – Povos da Floresta sentem impactos”.

Segundo o Observatório, os alertas de desmatamento no, agora, distrito manicoreense “explodiram”, desde 2010. Naquele ano, o desflorestamento foi de 70 mil hectares. No ano passado, esse número

chegou a 148 mil hectares desmatados, segundo a organização. Os dados foram levantados a partir do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora o desmatamento por corte raso na região.

O consultor ambiental do Observatório da BR-319 Thiago Marinho, que atua na área de geoprocessamento, afirma que o aumento constante da área desmatada no distrito evidencia a derrubada da floresta para o crescimento da atividade agropecuária, que está em forte expansão. A ligação do distrito via estrada e a proximidade com a BR-319 e com a cidade de Porto Velho, em Rondônia, reduzem os custos logísticos, favorecendo a expansão de novos lotes para além dos limites do assentamento.

“As imagens de satélite que usamos para monitorar os ramais mostram a existência, na região, de duas dinâmicas: dentro do distrito, temos as ocorrências de desmatamento e queimadas para expansão agropecuária; e nas suas bordas, com o crescimento de ramais para extração ilegal de madeira em áreas protegidas que cercam o distrito e o crescimento do garimpo ilegal, que juntos ganharam força nos últimos anos”, explicou ele.

OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA

A origem do vilarejo exemplifica a história da ocupação da região amazônica, quando colonos, encantados com políticas de integração da ditadura militar, foram atraídos à localidade com a promessa de

crescimento econômico e terras “à vontade”. O suposto “vazio demográfico” da região foi usado como argumento para a ocupação dessas terras. Matupi é conhecido por concentrar um grande número de madeireiras.

Além do próprio distrito, o município de Manicoré também é conhecido por concentrar os maiores números de desmatamento do Amazonas. No início do mês de março deste ano, o Observatório da BR-319 mostrou que as cidades de Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré e Tapauá, no interior do Estado, foram responsáveis por quase 94% do desmatamento registrado na área de influência da rodovia BR-319, em 2022. Juntos, os municípios somaram 159 mil hectares desmatados.

Há dois anos, a professora Maria*, moradora de Manicoré, contou à CENARIUM como o desmatamento e a exploração ilegal dos recursos naturais impactam diretamente na vida de quem depende da floresta em pé para sobreviver. “Primeiro é a madeira retirada ilegalmente. Eles apresentam planos de manejo que não são autorizados pelos órgãos competentes. Futuramente, não vai ter mais madeira. Outra coisa é a questão da caça predatória, muitos caçadores vão para as áreas das sete cachoeiras. Tem caçador que pega 80 pacas para vender”, contou Maria*, à época.

Hoje, o cenário não mudou. A professora falou sobre os artifícios que invasores usam para retirar madeira do Rio Manicoré. “Eles [os madeireiros] ficavam assediando [os moradores], no sentido de ‘Vou

Caminhão transporta toras de madeira pela Transamazônica, próximo ao município amazonense de Manicoré

te dar internet, posso tirar tantas balsas de madeira?’ e a pessoa que se intitulava dona daquele pedaço fechava negócio. Foi assim que eles foram tirando madeira, e foram explorando mesmo”, afirmou, acrescentando que a prática se expandiu para a Terra Indígena (TI) Rio Manicoré.

Em 2022, o Governo do Amazonas entregou a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), título de uso dos recursos

naturais, a extrativistas das comunidades tradicionais no município. Foi na área demarcada pela CDRU que o Greenpeace Brasil registrou, em agosto de 2022, uma área de mais de 1,8 mil hectares sendo destruída pelo fogo. O território abriga 4 mil moradores em 15 comunidades.

*Nome fictício criado para proteger a identidade da personagem, por questões de segurança.

Desmatamento em Santo Antônio do Matupi - 2010 a 2022

Novos distritos na Amazônia

Além do Amazonas, os Estados de Rondônia e Mato Grosso têm, cada um, um novo distrito municipal, o que consiste em novas unidades administrativas internas próximas a algum município. Em Rondônia, foi criado o distrito municipal de São Domingos de Guaporé, em Costa Marques, a 407,77 quilômetros de distância de Porto Velho; e no município de Itiquira, no Mato Grosso, Ouro Branco do Sul é o novo distrito municipal.

A atualização na lista de subdivisões municipais identificou o acréscimo de 28 novos distritos municipais no Brasil. Com a nova divisão, Santo Antônio do Matupi, assim como os demais, terá seus dados divulgados individualmente nos resultados do Censo 2022, do IBGE, o que possibilitará acesso a informações e perspectiva de análises específicas sobre a população local.

Fonte: Prodes/Inpe, 2023

Estimativa a partir dos alertas mensais (julho de 2021 a junho de 2022) de desmatamento da plataforma SAD/Imazon, 2023.

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Crédito: Bruno Kelly Greenpeace

Queimadas preocupam em Roraima

A capital Boa Vista registrou 374 focos de queimadas, no primeiro trimestre de 2023; somente em fevereiro, Estado concentrou 57% de toda a área queimada no Brasil, aponta instituto

Bianca Diniz e Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

BOA VISTA (RR) – A Prefeitura de Boa Vista, em Roraima, divulgou, no dia 5 de abril, o balanço de queimadas referente ao primeiro trimestre de 2023. No total, foram registrados 374 focos de queimadas e os bairros mais atingidos foram Caçari, Estados e Nova Cidade. Segundo o balanço, a estiagem, que ainda persiste na região, intensifica a situação.

Segundo a diretora de Educação Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), Karla de Oliveira, a conscientização da população é fundamental para prevenir esse tipo de ocorrência, considerada crime ambiental, e pode acarretar graves penalidades para os responsáveis.

“Animais morrem nos incêndios e os seres humanos podem ter problemas de saúde agravados por conta da inalação da fumaça. A fuligem também é um transtorno para os moradores que têm as casas invadidas por elas”, alertou.

CRIME AMBIENTAL

A Lei Municipal n.º 947 de 2007 proíbe expressamente a queima de qualquer tipo de resíduo orgânico ou inorgânico na zona urbana de Boa Vista. O não cumprimento da lei pode resultar em autuação pela fiscalização, com base no Decreto Federal n.º 6514, que prevê multas a partir de R$ 5 mil para quem for responsável por atear fogo em terrenos.

RECOMENDAÇÕES

A Semma recomenda que os moradores que identificarem queimadas denunciem imediatamente por meio da Central de Atendimento 156. Além disso, orienta que lixos domésticos, entulhos e galhadas não sejam queimados, em hipótese alguma, uma vez que a responsabilidade pelo descarte correto desses resíduos é do cidadão.

NO ESTADO

Durante o mês de fevereiro deste ano, o Estado de Roraima foi o que mais

Amazônia queimada

No dia 13 de março, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia também divulgou que “a Amazônia foi o bioma mais queimado, no Brasil, nos dois primeiros meses do ano, com 487 mil hectares atingidos pelo fogo”. Segundo o instituto, “a área equivale a quatro vezes a capital paraense, Belém, e representa 90% de tudo o que queimou no País, no período”. Roraima também é citada na soma dos meses de janeiro e fevereiro. Conforme o texto, foram 259 mil hectares, ou 48% de toda a área queimada no Brasil. Se somado aos Estados de Mato Grosso e Pará, os últimos com 90 mil e 70 mil hectares queimados, as regiões abrangem 79% do fogo ocorrido no Brasil, no período.

apresentou queimadas, conforme dados do “Monitor do Fogo”, do MapBiomas, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). As informações, divulgadas no dia 10 de março, apontam que a região concentra 57% de toda a área queimada no mês, no País, correspondendo a 141 mil hectares consumidos pelo fogo.

Entre os municípios mais afetados do Estado roraimense, em fevereiro, estão Amajari, Normandia e Pacaraima. Segundo o relatório, em relação ao mês de janeiro, a queimada, em Roraima, teve alta de 19% em fevereiro, e 98% do que foi queimado no último mês corresponde a vegetações campestres nativas.

Segundo o pesquisador do Ipam, Luiz Felipe Martenexena, as queimadas em Roraima podem estar atreladas às características ambientais e climáticas do local.

“Roraima está localizado no hemisfério norte, enquanto a maior parte dos demais Estados se localiza no hemisfério sul. Dessa forma, enquanto o período de seca, em boa parte do País, ocorre entre os meses de maio a setembro, em Roraima, os meses de seca ocorrem entre dezembro e abril”, explica Luiz Felipe.

Estados em emergência

No dia 6 de março, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima decretou emergência em Estados da Amazônia e, também, de outros biomas devido ao risco de incêndios florestais. A portaria, assinada pela ministra Marina Silva, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) e entrou em vigor no dia14 de março.

Queimadas na Amazônia são monitoradas por organizações como MapBiomas e Greenpeace

141 mil ha

No mês de fevereiro deste ano, 141 mil hectares foram consumidos pelo fogo em Roraima.

REVISTA CENARIUM 11 10 www.revistacenarium.com.br MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Crédito: Christian Braga Greenpeace

Energia que vem do orgânico

Mandioca, casca do cupuaçu e babaçu - Pesquisas da Ufam estudam biomassas como fontes de energia elétrica ou térmica

Irina Coelho - Equipe Ascom/Ufam

MANAUS (AM) – Você já ouviu falar em biomassa? São matérias orgânicas de origem vegetal ou animal usadas para produzir energia. No Brasil, há vegetais com grande potencial para a produção de energia elétrica ou térmica, como cana-de-açúcar, azeite de dendê (óleo de palma), buriti, mandioca, babaçu, cupuaçu, andiroba, entre outros. Pensando nisso, o Centro de Desenvolvimento Energético Amazônico da Universidade Federal do Amazonas (CDEAM/ Ufam) desenvolve estudos sobre diferentes biomassas, a exemplo da mandioca, casca do cupuaçu, casca de castanha-do-brasil e o babaçu como fontes de energia elétrica ou térmica. São alternativas para o abastecimento de energia em comunidades isoladas, sobretudo, na região amazônica. Segundo o diretor do CDEAM/Ufam, professor Rubem Cesar Rodrigues Souza, para falar da relevância do uso desses recursos é preciso entender que energia é meio e não fim, ou seja, não basta fornecer eletricidade, é preciso ter uma estratégia clara de desenvolvimento local.

“Ao se produzir energia elétrica com biomassa, se gera emprego próximo ao local de consumo da energia, ajudando a fixar o homem no campo, com dignidade e com perspectiva de desenvolvimento local.

Além disso, a produção local de energia evita o custo de transporte de combustível, diferentemente do que acontece com o

óleo diesel. É importante lembrar também que o uso de recursos de biomassa contribui para reduzir o aquecimento global e seus danos consequentes”, destacou.

O professor lembrou ainda que a viabilidade econômica depende de cada projeto.

“De modo geral, são necessárias políticas públicas para viabilizar essas soluções em larga escala, dado que a geração de energia elétrica a óleo diesel, usada no interior do Estado, é subsidiada”, enfatizou.

“Ao se produzir energia elétrica com biomassa, se gera emprego próximo ao local de consumo da energia, ajudando a fixar o homem no campo, com dignidade e com perspectiva de desenvolvimento local”

Rubem Cesar Rodrigues Souza, diretor do Centro de Desenvolvimento Energético Amazônico da Universidade Federal do Amazonas (CDEAM/Ufam).

MANDIOCA

A mandioca pode ser utilizada para produção de bioetanol (álcool). O bioetanol pode ser queimado diretamente para produzir calor ou ser usado em motores a álcool, tanto para fins automotivos

quanto em grupos geradores para geração de eletricidade. O vinhoto, subproduto da produção de bioetanol, pode ser utilizado para recuperar as características do solo onde é plantada a mandioca, ou então, para produção de biogás. O biogás, por sua vez, pode ser utilizado para acionar um fogão a gás, uma geladeira a gás ou então, um grupo gerador a gás e produzir eletricidade.

CASCA DE CUPUAÇU

A casca do cupuaçu pode ser utilizada em um equipamento chamado de gaseificador. A casca é colocada no equipamento que, a partir da queima controlada, produzirá um gás combustível. Esse gás combustível pode ser queimado diretamente para produzir calor ou então, após passar por um sistema de filtragem, acionar um grupo gerador e produzir eletricidade.

BABAÇU

O babaçu pode ser separado em dois tipos de materiais energéticos, a casca e o óleo. A casca pode ser queimada em um gaseificador para produção de eletricidade. Por sua vez, o óleo pode ser utilizado na produção de biodiesel, que pode ser utilizado para a produção de eletricidade em grupos geradores a diesel ou ser queimado diretamente para a produção de calor.

Fórum Permanente de Energia

A partir do histórico de ações na área de energia, passando por projetos de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), organização de eventos técnicos científicos e formação de recursos humanos, o CDEAM, em março de 2019, instituiu o Fórum Permanente de Energia da Ufam (FPE/Ufam). O objetivo foi estabelecer parcerias e propor políticas públicas na área.

Além da Ufam, que o preside, o Fórum é constituído por representantes das indústrias e de outras universidades,

Conselho estadual

No dia 4 de abril deste ano, o professor Rubem Cesar Rodrigues Souza participou, como representante da Ufam, da reunião de recomposição do Conselho Estadual de Energia (CEE), na sede da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Amazonas (Sedecti).

Poder Executivo, empresas de energia elétrica e Organizações Não Governamentais (ONGs) de preservação do meio ambiente.

O Fórum gestou a Lei Estadual n.º 5.350, de 22 de dezembro de 2020, que estabelece a política estadual para incentivar as fontes renováveis de energia e as tecnologias de eficiência energética e inclui a criação do Fundo Estadual de Desenvolvimento Energético.

Na ocasião, também foi instituído um grupo de trabalho que irá revisar a minuta de proposta de lei para a criação do Fundo Estadual de Desenvolvimento Energético, a ser, futuramente, encaminhada à Assembleia Legislativa do Estado (ALEAM) para votação. Criado em 2012, o conselho estava inativo, desde 2014.

Os trabalhos do conselho serão coordenados pela Secretaria Executiva de Mineração, Energia, Petróleo e Gás (Semep), vinculada à Sedecti, e que vem desenvolvendo estratégias para implementação da política estadual de incentivo ao aproveitamento de fontes renováveis de energias e eficiência energética, segundo a Lei n.º 5.350/2020.

A castanha é fonte de biomassa estudada por pesquisadores da Ufam
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Crédito: Ricardo Oliveira

Proteção das águas

Universidade do Estado do Amazonas (UEA) lança projetos para proteger igarapés de Manaus

Renata Brito e Gerson Freitas - Ascom UEA

MANAUS (AM) – Em alusão ao Dia Mundial da Água, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) realizou, no dia 22 de março, o evento “Olhares: Sustentabilidade e as políticas de intervenção para enfrentar os desafios da poluição dos igarapés de Manaus”. Na oportunidade, a universidade e o Instituto

Rios Brasil (IRBR) lançaram o Observatório dos Igarapés de Manaus (Obim), além da segunda fase do projeto PCD Yara, que irá monitorar e avaliar a qualidade da água dos igarapés por meio dos parâmetros de cor, índice de PH, temperatura, condutibilidade, turbidez e concentração de oxigênio na água.

O encontro, promovido em parceria com o Instituto Rios Brasil (IRBR), ocorreu na Escola Normal Superior (ENS/UEA), localizada na Avenida Djalma Batista, 2.470, bairro Chapada. O objetivo do encontro foi discutir sobre a importância da conservação das águas dos igarapés da cidade e o Dia Mundial da Água.

O evento contou, ainda, com o apoio da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), do Ministério Público de Contas do Amazonas (MPC-AM) e de Organizações da Sociedade Civil (OSC).

Sobre o lançamento dos projetos durante o evento, o professor doutor Carlossandro Albuquerque, do Mestrado em Recursos Hídricos (ProfÁgua/UEA), explica que a ideia da construção do Observatório é dar destaque às ações para viabilizar a gestão sustentável dos recursos hídricos.

“O Obim é uma iniciativa de alguns institutos, ONGs [Organizações Não Governamentais] e universidades. O intuito é possibilitar que essas instituições possam acompanhar o estágio de qualidade, degradação, ocupação e recuperação dos igarapés de Manaus para planejar ações que possam promover a preservação e a conservação da água”, pontuou.

Em relação ao PCD Yara, Carlossandro revela que a nova fase do projeto iniciou no dia 25 de março, na bacia do Tarumã-Açu, para monitorar a qualidade dos rios de água preta. “O lançamento desses projetos visa, primeiro, mostrar para a população a importância da conservação do recurso natural chamado água. Ela é elemento fundamental para a vida, então precisamos estar, constantemente, monitorando a sua qualidade para poder ser consumida pelo ser humano e também abastecer a agricultura, indústria e outros serviços. Esse evento visa, justamente, mobilizar e despertar a sociedade para o acompanhamento e a manutenção desse recurso hídrico”, enfatizou o professor.

PCD YARA

A primeira fase do projeto iniciou em dezembro de 2021 e, no segundo semestre de 2022, os primeiros testes para monitorar a qualidade da água do Rio Amazonas de forma remota foram realizados no município de Parintins (a 369 quilômetros de Manaus). A ação é feita por um dispositivo desenvolvido por professores e alunos da UEA. Desde então, a equipe faz o mapeamento, a avaliação e a padronização das informações coletadas nas bacias para contribuir nas soluções e nas políticas públicas voltadas à gestão de recursos hídricos.

O sistema conta com dispositivos eletrônicos que coletam e transmitem, via rede sem fio, informações relativas ao índice de PH, temperatura, condutibilidade elétrica, turbidez e concentração de oxigênio na água. A primeira plataforma foi instalada na orla de Parintins e transmite as informações, em tempo real, para a estação base, localizada no Centro de Estudos Superiores de Parintins (Cesp/ UEA).

INTERDISCIPLINARIDADE

O projeto conta com uma equipe formada por 14 pessoas entre geógrafos, engenheiros, químicos, biólogos, bolsistas graduandos e graduados, todos trabalhando com ações mistas, além da parceria com o mestrado em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos (ProfÁgua/UEA) e o Laboratório de Sistema Embarcados do HUB da Escola Superior de Tecnologia.

“O lançamento desses projetos visa, primeiro, mostrar para a população a importância da conservação do recurso natural chamado água. Ela é elemento fundamental para a vida”

Carlossandro

(ProfÁgua/UEA).

Albuquerque, professor doutor do Mestrado em Recursos Hídricos A UEA e o Instituto Rios Brasil (IRBR) lançaram o Observatório dos Igarapés de Manaus (Obim), com o intuito de acompanhar o estágio de qualidade, degradação, ocupação e recuperação dos cursos de água Equipamento de monitoramento instalado em Parintins (AM) Crédito: Ricardo Oliveira
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Crédito: Divulgação UEA

Yanomami: pedido de socorro à ONU

Líder indígena denuncia às Nações Unidas tragédia humanitária dos povos Yanomami e Ye’kwana

MANAUS (AM) – O líder Yanomami e Ye’kwana, Dário Kopenawa Yanomami, usou a 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 29 de março, para denunciar a invasão pelo garimpo, estupro, proliferação de doenças e a morte de 570 crianças indígenas. Dário falou durante o “Debate Geral”, na condição de representante, de 30 mil indígenas divididos entre os povos Yanomami e Ye’kwana.

Dário Yanomami é vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e, segundo ele, as falas da liderança indígena brasileira foram de responsabilização do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “A invasão do garimpo ilegal, dentro da Terra [Indígena] Yanomami, se intensificou durante o Governo Bolsonaro”, acusou. De acordo com Dário Kopenawa, boa parte das agressões foram permitidas de forma oficial. “Facilitado por medidas administrativas e decisões políticas do Governo Bolsonaro”, disparou, em entrevista ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Dário também responsabilizou o garimpo e a extração de cassiterita no território Yanomami como dois vetores cau-

sadores de uma explosão nos números dos casos de malária e de outras doenças infectocontagiosas na Terra Indígena. “Muitas doenças, como malária, pneumonia, verminoses e desnutrição, além de violência contra mulheres e crianças, assédio sexual e estupro”, elencou o indígena.

EFEITO POSITIVO

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, o antropólogo Alvatir Carolino declarou: “Uma denúncia dessa natureza tem efeitos positivos, porque isso força o agir do Estado brasileiro e de organismos internacionais, à medida que a repercussão ganha espaços para além do espaço local”, comentou. “Temos um histórico nesse sentido. É só olhar para o movimento dos seringueiros no Acre. Com a ida de Chico Mendes à ONU, bancos e agências bilaterais de financiamento revisaram suas políticas de investimentos e o Estado teve que se posicionar em relação às formas de uso da terra na Região Amazônica”, recordou.

Carolino continuou: “A fala de Dário Kopenawa não pode ser vista como algo que vai prejudicar o Brasil, porque é a forma como os Estados democráticos nos olham e, nesse caso, eles observam o norte do novo governo. Por exemplo,

o Governo Bolsonaro não tinha compromisso com a vida e esse não é o caso do Governo Lula, que vê com responsabilidade a ciência, o meio ambiente, a sustentabilidade, os povos tradicionais e a vida”, comparou. “Com essas denúncias chegando aos organismos internacionais, os outros governos vão saber distinguir as diferenças”, destacou.

Para Alvatir, a postura de Dário Kopenawa mostra a grandeza da democracia brasileira. “Hoje, existe uma diferença, que é o olhar humanizador do governo, e é, nesse momento, que os governos internacionais vão identificar o tempo que aquele problema começou e quais as perspectivas de solução do atual governo do Brasil. Isso não vai prejudicar as nossas relações internacionais, porque prejudicada elas já estavam e, disso, o mundo já

sabia. O que é importante saber é que o Brasil tem a capacidade, hoje, de retomar todas as suas boas relações internacionais”, comemorou.

AÇÃO DE VIENA

A fala de Dário Kopenawa, na ONU, tem amparo na Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), um sistema internacional de direitos humanos e dos mecanismos de proteção destes direitos, cujo objetivo é incentivar e promover o seu maior respeito, de uma forma justa e equilibrada. Por isso, Kopenawa fez um apelo internacional. “Pedimos apoio internacional para ajudar o governo brasileiro a chegar, urgentemente, às aldeias mais distantes e para a retirada urgente do garimpo da Terra Yanomami”, apelou o líder representante dos povos Yanomami e Ye’kwana.

“Pedimos apoio internacional para ajudar o governo brasileiro a chegar, urgentemente, às aldeias mais distantes e para a retirada urgente do garimpo da Terra Yanomami”
Dário
Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY). Em assembleia realizada em 2022, o povo Yanomami relembrou a luta e a resistência pela homologação de suas terras Dário Kopenawa atua em várias frentes com o intuito de defender medidas emergenciais de recuperação da rede de proteção aos povos indígenas Mencius Melo – Da Revista Cenariu Crédito: Corrado Dalmonego Cimi
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Crédito: Elaine Menke | Câmara Dos Deputados
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A variedade de produtos da terra são a base para uma agricultura familiar que pode ajudar a retirar os indígenas do mapa da fome no Brasil

‘Territórios sem Fome’

Combate à fome foi tema da Semana dos Povos Indígenas 2023, com a campanha ‘Territórios sem Fome’

Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A Semana dos Povos Indígenas, organizada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), teve como tema “Territórios Livres: Povos sem Fome”. A mobilização foi promovida, durante o mês de abril, em vários Estados do País, e ocorreu em sintonia com o tema da Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) “Fraternidade e fome”, cuja proposta foi abordar o combate à fome no Brasil, já que o País voltou a figurar no “Mapa da Fome Mundial”, em levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU).

Em material publicado em suas redes sociais, o Cimi detalhou a proposta: “Após quatro anos de imensos desafios, vivenciamos o retorno do Brasil ao vergonhoso “Mapa da Fome”, da Organização das Nações Unidas (ONU), e à insegurança alimentar. O percentual de brasileiras e brasileiros que não têm certeza de quando

vão fazer a próxima refeição está acima da média mundial”, diz o documento.

Em entrevista para a REVISTA CENARIUM, o coordenador do Cimi Regional Norte I, Francesco Comelle, teceu críticas ao governo de Jair Bolsonaro (PL). “Apesar de iniciar o ano de 2023 com sabor de esperança, os povos indígenas do Amazonas e Brasil ainda estão sofrendo o impacto de quatro anos de desgoverno Bolsonaro, quatro anos de omissão e ataque aos direitos e povos indígenas. Quatro anos que fizeram o Brasil retornar ao vergonhoso ‘Mapa da Fome’, segundo a ONU”, lamentou.

INSEGURANÇA ALIMENTAR

Comelle continuou as críticas: “Para os povos indígenas do Amazonas, esse cenário de aumento da insegurança alimentar e da fome intensificou-se pela não proteção das terras indígenas demarcadas, a não demarcação das terras indígenas em reivindicação, bem como pela promoção pelo Governo Bolsonaro e governadores estaduais, como Antonio Denarium (governador de Roraima), à cumplicidade da invasão dos territórios indígenas por garimpeiros, pescadores, madeireiros”, apontou.

Francesco elencou outros problemas. “Essa prática de exploração e inva-

são dos territórios vem poluindo os rios, a fauna, os solos e as pessoas, sobretudo, por mercúrio. Essa violenta exploração compromete, diretamente, a soberania territorial e alimentar dos povos, espantando a caça e, a exemplo dos profundos buracos deixados como rastros do caos, semeiam fome, desnutrição, doenças e morte. O avanço da mineração e de garimpos, no Amazonas e Roraima, impacta a vida e as possibilidades do usufruto exclusivo e saudável dos territórios pelos povos originários”, denunciou.

MUDANÇA CLIMÁTICA

O dirigente do Cimi concluiu as críticas: “A predação do território não pode ser compensada por projeto compensatório nenhum para o povo que venha a ter o território impactado. Não colocar freio à exploração da natureza tem trazido evidentes mudanças climáticas que, agora, impactam, especialmente, aos povos indígenas que convivem com a floresta por milhares de anos. Se não mudar sua concepção de desenvolvimento e progresso, o cenário será de fome para os povos indígenas do Amazonas e para a humanidade, tal como Papa Francisco nos exorta na sua encíclica Laudato Si”, clamou.

Questão urgente

Para o sociólogo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Antônio, a questão é urgente. “A fome é uma urgência e nós temos uma parcela gigantesca da população brasileira que não tem o que comer e, se você for observar, não basta dar a cesta básica, porque muitas famílias não têm o gás para fazer a comida”, atentou. “Nas comunidades indígenas, apesar de parecer contradição, já que se tem a impressão de que não faltam alimentos na zona rural, a fome existe e ela é diferente de região para região. No Alto Solimões existe o recurso pesqueiro, já no Alto Rio Negro não é a mesma coisa”, observou.

O profissional acrescentou: “Quando o Cimi pauta o enfrentamento da fome, assim como a CNBB o fez, isso chama a atenção das pessoas e aproxima as comunidades religiosas e assistenciais para enfrentar o problema da fome. Mas, não podemos esquecer que essa fome é resultado de quatro anos de falta de políticas públicas voltadas para o setor produtivo rural. O agricultor sem crédito não pôde produzir alimentos e ele mesmo passou a ser vítima dessa ausência. A produção agrícola, em qualquer lugar do mundo, precisa de subsídios”, destacou.

Povo Xukuru Kariri em uma horta coletiva cultivada pela comunidade para o consumo dos indígenas. O uso sustentável da terra gera qualidade de vida

Luiz Antônio observa que é preciso entender o tema: “São culturas que dependem de meses para a colheita. E como você vive esses meses somente em fase de produção? Com financiamento do governo. Sem isso, não se consegue produzir alimentos. Sem isso, cai a produção e o alimento encarece. O governo destinou, agora, R$ 1 bilhão para essa produção, que é a chamada agricultura familiar. Essa destinação é para comprar alimentos do agricultor e, em seguida, distribuir às redes de assistência que cuidam de quem está com fome. A metade desse recurso é para isso. É preciso cobrar o Estado sobre essas políticas”, finalizou.

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Drama urbano

Indígenas enfrentam falta de estrutura e subemprego nos grandes centros urbanos; Em Manaus, Parque das Tribos é considerado o maior bairro indígena

MANAUS (AM) – Nos últimos tempos, muito se tem falado sobre a situação precária enfrentada por indígenas de diversos povos, especialmente com o avanço de garimpos ilegais sobre suas terras. A precariedade, entretanto, não é exclusividade das aldeias localizadas em Terras Indígenas cobiçadas pelo garimpo. Há outra situação enfrentada pelos povos originários, praticamente invisibilizada: aquela que envolve os indivíduos que saem de suas aldeias e comunidades e se mudam para os grandes centros urbanos.

nas que se aventuram a deixar seus lugares de origem e suas culturas para tentar a vida no ambiente urbano.

São os mesmos problemas enfrentados pelos habitantes menos afortunados das cidades, seja qual for sua origem. Faltam infraestrutura básica, condições sanitárias e maior presença do poder público no local, que reúne famílias indígenas de, pelo menos, 35 povos diferentes.

As mulheres são maioria entre as lideranças de cada etnia dentro do Parque

“Nas aldeias, os indígenas estão acostumados a pegar a comida na hora. Caçando, pescando e colhendo de suas plantações. Na cidade, tem que ter dinheiro para comprar o alimento”

A urbanização do indivíduo, advinda da mudança para as cidades, acaba se revelando uma verdadeira favelização da vida indígena. Em Manaus, capital do Amazonas – Estado que abriga a maior população indígena do País –, um bom exemplo desta favelização pode ser observado no Parque das Tribos, comunidade criada no bairro Tarumã para abrigar as famílias indígenas.

A capital encrustada na floresta amazônica reservou um espaço um tanto quanto inóspito para os povos que habitam esta mesma floresta há milênios e decidem morar na cidade. Completando nove anos no dia 18 de abril, o Parque das Tribos é um exemplo perfeito dos desafios, dificuldades e carências enfrentadas por indíge-

das Tribos. Recentemente, as lideranças, em assembleia, elegeram a cacica Lutana Ribeiro Albuquerque, da etnia Kokama, presidente da Associação Indígena e de Moradores do Parque das Tribos (Aimpat), chamada por ela de “associação do branco”. “Sou a cacica da comunidade e presidente da associação do branco”, diz

Ao longo dos nove anos de existência, o Parque das Tribos deixou, entretanto, de ser uma comunidade majoritariamente indígena. A dificuldade de adaptação à vida urbana e falta de infraestrutura fez muitos indígenas voltarem às suas bases, repassando seus lotes e fazendo com que a população “branca”, atualmente, seja maioria na comunidade, segundo Lutana.

Segundo a presidente da associação comunitária, atualmente, são cadastradas 950 famílias, entre indígenas e não indígenas. “Falta fazer uma contagem de quantos indígenas e quantos brancos realmente tem. Só temos o total geral de 950 famílias e sabemos que a maioria é de famílias ‘brancas’”, diz a cacica.

A origem dos indígenas que habitam o Parque das Tribos é variada. Eles chegaram a Manaus vindos de aldeias localizadas nos mais diversos municípios do Amazonas, como São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus), Atalaia do Norte (a 1.136 quilômetros de Manaus), Benjamin Constant (a 1.119 quilômetros de Manaus), entre outros municípios e localidades.

A maioria veio para a capital para estudar, ou para proporcionar aos filhos melhores condições de estudos. Muitos já moravam em Manaus, pagando aluguel, e, com a criação do Parque das Tribos, ganharam um lote na comunidade e se mudaram. Alguns se formaram e voltaram para suas aldeias, repassando seus lotes a terceiros.

COMIDA COMPRADA

Segundo a cacica Lutana, a maior dificuldade de adaptação enfrentada pelos indígenas que decidem trocar a aldeia pela cidade diz respeito à alimentação. “Nas aldeias, os indígenas estão acostumados a pegar a comida na hora. Caçando, pescando e colhendo de suas plantações. Na cidade, tem que ter dinheiro para comprar o alimento”, afirma.

Outra dificuldade de adaptação é referente às taxas de energia e água encanada. Na aldeia, atualmente, é paga uma taxa de

energia do programa “Luz para Todos”, uma taxa simbólica paga conjuntamente, e a água é geralmente encontrada em abundância na natureza. Na cidade, muitos não se acostumaram com as tarifas cobradas pelas concessionárias, consideradas muito altas.

“Estão acostumados com o alimento natural. Então, eles queriam plantar. E aqui não tem como plantar. Os terrenos são só para moradia. Não tem como plantar macaxeira, banana, cará, essas coisas. Então, eles achavam dificultoso”, explica a cacica Lutana. “Para pescar, precisa de uma canoa e eles não tinham canoa. Mas, alguns indígenas que moram próximo à margem do rio, na segunda etapa, se acostumaram porque estão próximos à beira do rio e têm suas canoas e sua malhadeira para pescar”, conta a cacica.

PANDEMIA

A venda de artesanatos, junto com alguns subempregos, compõe a principal fonte de renda da maioria dos indígenas que decidem trocar a vida na aldeia pela vida urbana.

Durante a pandemia de Covid-19, sem ter como vender artesanato e com a perda de muitos subempregos que lhes rendiam a sobrevivência, a fome passou a fazer parte do cotidiano e foi mais uma razão que levou ao êxodo de volta às aldeias.

Com o agravante da doença que acometeu muitos dos moradores do Parque das

Tribos, um grande número decidiu deixar a cidade, durante a pandemia. “Lá dentro das aldeias, não convivemos com as doenças. Tem algumas doenças, mas não é como na cidade. Então, eles voltaram para suas bases, que são as aldeias”, justifica Lutana.

INFRAESTRUTURA

Ao chegar ao Parque das Tribos, a reportagem se deparou com um dos problemas enfrentados pela comunidade: as chuvas abriram uma enorme cratera em uma das poucas vias asfaltadas do local – apenas as principais são pavimentadas. Trata-se de uma das reivindicações dos indígenas. A maioria das ruas está intrafegável. Sem pavimentação, as águas as transformaram em verdadeiros lamaçais.

A falta de infraestrutura é gritante. “A gente reivindica tudo na comunidade. Falta esgoto, falta meio-fio nas poucas ruas asfaltadas. Essa cratera que abriu é devido à falta de sarjeta para a água correr. Sem isso, ela vai desbarrancando tudo”, diz a líder da comunidade.

A comunidade enfrenta as mesmas dificuldades que são velhas conhecidas dos “brancos” favelados: muita promessa de melhoria e pouca ação. As demandas passam de mão em mão e acabam não sendo atendidas. A unidade de saúde de que dispõem, até o momento, é somente a que eles mesmos criaram: a Unidade de

Apoio à Saúde do Povo Indígena (Uaspi), posto de saúde para os habitantes do bairro. Há promessa da Prefeitura de Manaus de instalação de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) com atendimento diferenciado para os indígenas.

A área do Parque das Tribos é circundada por uma reserva ecológica que já foi transformada em parque municipal. A falta de infraestrutura, entretanto, está destruindo boa parte da reserva. As águas da chuva também acabam escoando para a reserva, causando erosão, o chamado desbarrancamento, e derrubando boa parte da vegetação.

Como infraestrutura é uma questão básica, a falta dela acarreta outros problemas. O ônibus escolar que atende as crianças da comunidade, por exemplo, não consegue chegar na maioria das ruas, obrigando os estudantes a percorrerem distâncias consideráveis caminhando no barro antes de embarcar na condução escolar.

Dentro da comunidade, os estudantes contam, atualmente, com o Centro de Educação Escolar Indígena Wakenai Anumareith e com a Escola Municipal Santa Rosa 2, com capacidade 1,3 mil alunos.

A aventura de tentar a vida na cidade, portanto, se mostra um desafio repleto de percalços para quem sai da aldeia em busca de melhores condições de vida.

Lutana Ribeiro Albuquerque, cacica da etnia Kokama, presidente da Associação Indígena e de Moradores do Parque das Tribos (Aimpat). Cacica Lutana Ribeiro Albuquerque e a cratera que se abriu em rua do Parque das Tribos Omar Gusmão – Especial para a Revista Cenarium
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Resistência cultural

Preservação de costumes é desafio para indígenas nos centros urbanos

Omar Gusmão – Especial para a Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Diante de tantos desafios e dificuldades apresentados na vida cotidiana, preservar os costumes e a cultura de cada etnia se torna uma tarefa árdua e, muitas vezes, inglória. Mesmo assim, diversas famílias fazem questão de repassar às novas gerações a herança cultural de seus antepassados. Começando pela língua materna. É o caso de Mira Maia, da etnia Tikuna, que faz questão de falar em língua Tikuna com os três filhos crianças em casa. “Falo toda hora com eles em língua Tikuna, na verdade. É mais fácil para mim. Eu falo português todo torto”, afirma Mira. “Falo porque é a minha língua”, justifica.

Aos 29 anos, Mira tem três filhos, uma menina e dois meninos. Há sete anos mora em Manaus, no Parque das Tribos. Veio de Tabatinga (a 1.106 quilômetros de Manaus), onde morava na comunidade indígena Belém do Solimões, a maior do município, reunindo indígenas das etnias Tikuna, Kokama e Kambeba.

A vinda para Manaus, como na maioria dos casos, se deu pela necessidade de ter melhores oportunidades de educação. O esposo de Mira, Milton Klésio, veio fazer faculdade em Manaus. Cursa Enfermagem e já trabalha na área. Os dois se casaram na comunidade. Ambos são Tikuna. Vieram para Manaus quando tinham dois filhos.

O outro já nasceu na capital. “Os outros dois nasceram lá. Em casa”, conta Mira. Michele, de 11 anos, Milton, de 9 anos, e Milton Júnior, de 6 anos – os três filhos de Mira –, também falam Tikuna entre si, enquanto brincam em um lago às margens do Parque das Tribos. A língua indígena, para eles, também é a língua materna, apesar de também falarem português com a mesma fluência.

A PARTEIRA

Joaquina Gabriel Ferreira Tavares, da etnia Sateré-Mawé, faz valer sua função de parteira na aldeia para se manter

conectada às origens. Há sete anos em Manaus, Joaquina só veio para a cidade após a criação do Parque das Tribos. “Antes, minha filha morava em Manaus de aluguel. Eu vinha só passar o final de ano e voltava para a comunidade, em Maués”, conta.

Parteira na aldeia, Joaquina continuou realizando partos quando chegou à cidade. Ajudou algumas de suas filhas a darem à luz, já em Manaus, e já ajudou várias mães na hora do parto no Parque das Tribos. “Na minha comunidade, tem gente que fui eu que fiz o parto, trouxe ao mundo, e que já está se tornando mãe”, conta.

para pescar. Às vezes, você não tem um almoço agora de manhã. Mas, quando der umas onze horas, você já está muito bem com um peixe puxado do rio, fresquinho. Vai também para a floresta, mata uma caça. Faz sua farinha. Não precisa nem gastar dinheiro”, afirma.

Ela veio pela primeira vez a Manaus com 29 anos, quando o primeiro filho se mudou para a cidade para estudar. Ele veio estudar em Manaus, aos 11 anos. “Eu vinha no final do ano ver ele, passava um mês e voltava para a aldeia”, relata. “A gente quer o melhor para os nossos filhos e manda eles para a cidade para terem uma educação melhor”, diz.

“Na época que eu estudava, na comunidade, a gente não tinha essa oportunidade. Era muito carente nas aldeias. Então, a minha maior esperança era que meus filhos tivessem uma educação, uma escola melhor. Nas aldeias, até o professor não tinha escolaridade, formação melhor. O professor fazia quinto ano, quarto ano [do ensino fundamental] e já ia passar aquele pouco que ele tinha para a gente”, lembra. Joaquina lamenta o fato de que muitas pessoas se envergonham de suas tradições, se envergonham de serem indígenas. Por isso, fez questão de criar um grupo de danças e um grupo de cantos indígenas, para manter as tradições de seu povo Sateré-Mawé na cidade.

Indígenas do Parque das Tribos tentam passar para as novas gerações suas línguas e costumes

Joaquina, aos 66 anos, afirma que um dos pilares da cultura indígena é justamente não abandonar suas tradições.

“E a nossa tradição é essa: não abandonar a sua cultura, a sua tradição, o seu costume”, afirma.

“Mas, eu não abandono lá não. Estou aqui na cidade, há sete anos, porque todos meus filhos estão aqui. Mas lá ainda tenho minha roça, meu sítio e volto sempre que dá”, diz, ressaltando que a grande diferença entra vida da cidade e da aldeia é mesmo a alimentação.

“Aqui você só come do melhor se tiver um dinheirinho. Na aldeia, não. Você sai

Durante a pandemia de Covid-19, o grupo fazia lives de danças e cantos Sateré-Mawé. A atividade do grupo de dança e canto fez, inclusive, com que os próprios indígenas fizessem um resgate de elementos de sua cultura que já estavam se perdendo, por meio de pesquisas para as apresentações do grupo. “Nós, muitas vezes, nem conhecíamos a nossa história. Não conhecíamos o nosso valor”, reflete Joaquina.

O Parque das Tribos possui uma maloca comunitária na qual as diversas etnias apresentam suas danças e cantos, além de realizarem várias atividades referentes às suas culturas.

No dia 19 de abril, quando é comemorado o Dia dos Povos Indígenas, as diversas etnias do Parque das Tribos se reúnem na maloca comunitária para celebrarem a data e a diversidade de culturas que se reúnem no local. A festa celebra também o aniversário do Parque das Tribos.

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A CRISE CLIMÁTICA E O TORMENTO HABITACIONAL

AMAZÔNIA EMBAIXO D’ÁGUA

Chuvas fortes, subida dos rios, falta de planejamento urbano e déficit habitacional são a equação para o histórico de deslizamentos, enchentes, tragédias e prejuízos nas cidades amazônicas

MANAUS (AM) – Considerado o principal indicador de diretrizes a serem observadas pelos diferentes níveis de governo para mitigar as consequências do aumento da temperatura do planeta, o Plano Nacional de Adaptação Climática, publicado em 2016, ainda não é prioridade na pauta dos gestores dos nove estados que formam a Amazônia Legal, como Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão.

A ausência de um planejamento interligado para a adoção de intervenções preventivas em tragédias causadas por fenômenos naturais na Amazônia reflete, diretamente,

em um dos maiores tormentos da região, o déficit habitacional, apesar da região concentrar 58,93% do território brasileiro.

Neste ano, mais de 200 cidades da região amazônica entraram em situação de emergência por conta das chuvas que afetaram 98.865 pessoas, segundo dados das pastas estaduais de Defesa Civil. Ao menos oito pessoas morreram em deslizamentos de terras no Amazonas. O distanciamento das áreas atingidas em relação ao centro do País contribui para a invisibilidade do drama das famílias comprometidas pelos danos.

Pelo levantamento da REVISTA CENARIUM, as estruturas administrati-

assentamentos precários e favelas estão associados com uma sobreposição de camadas sociais e ambientais. Em geral, essas pessoas que vivem nessas áreas têm maior vulnerabilidade”

Julio Pedrassoli, coordenador da equipe de Infraestrutura Urbana do MapBiomas.

vas dos governos e municípios que compõem a região amazônica não possuem as chamadas “Comissões Municipais de Adaptação à Mudança do Clima”, como prevê o Plano Nacional de Adaptação Climática.

O plano foi criado a partir do “Acordo de Paris”, tratado mundial que entrou em vigor em 2016, com a participação do Brasil e de outros 194 países, que tem como objetivo reduzir o aquecimento global.

“A agenda de adaptação de cidades brasileiras à crise climática ainda é incipiente, porque compete com outras questões urgentes em áreas como saúde e educação”, afirma Gabriela Marques Di

Giulio, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP).

Di Giulio participa de um projeto desenvolvido desde 2015, que investiga como as cidades brasileiras avançam na agenda adaptativa, alinhando ações climáticas com políticas de desenvolvimento sustentável, cuja pesquisa inclui Manaus (AM), São Paulo (SP), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Vitória (ES) e Natal (RN).

A pós-doutora em Sociologia e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Marilene Corrêa afirma que, anualmente, a população amazônica sofre com a falta de um plano público de contenção para evitar danos gerados com a subida dos

rios, um fenômeno natural na Amazônia que ocorre todo o ano.

Ela ressalta que antigamente a enchente só era alçada ao patamar de tragédia quando invadia os igarapés urbanos, mas atualmente isso mudou. “São populações predominantemente pobres que não têm como comprar um terreno, não têm como morar em bairros asfaltados. Então, é muito difícil você acreditar que numa geografia como a nossa, enchente ou até mesmo vazante possa causar desastres naturais, mas causa”.

Marilene enfatiza que essas tragédias anunciadas se dão pela falta de políticas habitacionais e a ausência do poder

Eduardo Figueiredo – Da Revista Cenarium*
“Os
REVISTA CENARIUM 27 26 www.revistacenarium.com.br ECONOMIA
Crédito: foto Diário do Pará
& SOCIEDADE

público no manejo dessa questão. Para ela, é necessário analisar com minúcia as cidades da Amazônia que são impactadas por fenômenos naturais que se combinam com os fenômenos de ausência de moradia para população mais pobre.

INAÇÃO PÚBLICA

“Quando eu falo na ausência do poder público, eu não estou falando da ausência de negação ao problema. O poder público sabe do problema, ele tem documentos e estudos que revelam o problema. O poder público não tem é competência para dizer ao governo federal que faltam 100 mil moradias em Manaus, em compensação ele pede 5 mil”, diz a pesquisadora.

Dados do estudo mais recente da rede MapBiomas sobre urbanização entre 1985 e 2021 mostram que o total de áreas urbanizadas no Brasil triplicou nesses quase 40 anos: saltou de pouco mais de 1 milhão de hectares para quase 4 milhões.

Chamou a atenção dos pesquisadores o crescimento da ocupação informal, incluindo áreas de risco. Quando o recorte é feito por bioma, a liderança fica com a Amazônia, com quase 30% da ocupação em áreas informais.

CHUVAS E URBANIZAÇÃO DESORDENADA

IMPACTOS EM 2023

AMAZONAS

Manaus

PROBLEMAS

Alagamentos

Deslizamentos de terras

PESSOAS AFETADAS

Mais de 300 8 mortes

MARANHÃO

ACRE

Diversas Cidades PARÁ Belém

PROBLEMAS

Alagamentos

PESSOAS AFETADAS 32 mil

Diversas Cidades RONDÔNIA

PROBLEMAS

35.800

PROBLEMAS

Alagamentos de ruas, transbordamentos de canais e de rios

PESSOAS AFETADAS

Mais de 300

Diversas Cidades TOCANTINS

PROBLEMAS

Inundações, enchentes, erosão, queda e deslizamento de terras

PESSOAS AFETADAS 30 mil

DÉFICIT HABITACIONAL

Déficit habitacional por situação do domicílio na Amazônia Legal (total) 2019

Diversas Cidades

PROBLEMAS

Alagamentos e transbordamento dos rios

PESSOAS AFETADAS 465

Déficit habitacional relativo aos domicílios particulares permanentes (2019)

Alagamentos e voçorocas PESSOAS AFETADAS
Pará Maranhão Amazonas Mato Grosso Rondônia Tocant ns Amapá Roraima Acre 354.296 17,8% 15,2% 15,2% 14,8% 13,5% 9,% 8,9% 8,7% 8,6% 329.495 169.603 101.158 60.347 47.290 41.973 23.844 23.285
Amapá Maranhão Roraima Amazonas Pará Rondônia Tocant ns Mato Grosso Acre
Fonte: Relatório Déficit Habitacional no Brasil (SGB) - 2021 Fontes: IBGE, MapBiomas, Defesa Civil, Abrainc, Fundação João Pinheiro, FGV.
Crédito:
|
Crédito: Ricardo Oliveira
Defesa Civil de Porto Velho
Reprodução
Homem observa barranco que cedeu no bairro Jorge Teixeira, periferia de Manaus
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ECONOMIA & SOCIEDADE
Imagem de inundação feita pela Defesa Civil de Porto Velho (RO)
A CRISE CLIMÁTICA E O TORMENTO HABITACIONAL

O MapBiomas é uma iniciativa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG/OC) e é produzido por uma rede colaborativa de cocriadores formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia organizados por biomas e temas transversais.

DÉFICIT HABITACIONAL

De acordo com o último relatório divulgado em 2021, pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), referente ao ano de 2019, o déficit habitacional estimado para o País é de 5,876 milhões de domicílios, dos quais 5,044 milhões estão localizados em área urbana e 832 mil em área rural. Em termos relativos, o número total representa 8,0% do estoque total de domicílios particulares permanentes e improvisados do País, que são aqueles ambientes localizados em uma edificação que não é destinada exclusivamente à moradia, como também os locais inadequados para habitação.

O déficit habitacional é um conceito que tem dado sustentação aos indicadores que buscam estimar a falta de habitações e/ ou existência de habitações em condições inadequadas como noção mais ampla de necessidades habitacionais.

Pela perspectiva das grandes regiões do Brasil, segundo o estudo, o Sudeste

apresentou os maiores números em termos absolutos e somou um déficit de 2,287 milhões de domicílios, seguido pela região Nordeste, com 1,778 milhão de unidades. Em terceiro lugar, a região Norte, onde concentra-se a maior parte da Amazônia Legal, com um déficit de 719 mil domicílios; a região Sul, com 618 mil. Por último, a região Centro-Oeste, com 472 mil.

Já em termos relativos, a região geográfica com piores índices é a Norte, cujo déficit habitacional representa 12,9% do estoque de domicílios particulares permanentes e improvisados. Em seguida, aparece o Nordeste, com 9,2%; o Centro-Oeste, com 8,4%; o Sudeste, com 7,2%; e, por fim, o Sul, com 5,6%.

Ao analisar o avanço da urbanização precária, o coordenador da equipe de Infraestrutura Urbana do MapBiomas, Julio Pedrassoli, afirmou que avaliação precisa levar em consideração mais o ponto de vista social do que, simplesmente, o geográfico.

“Os assentamentos precários e favelas estão associados com uma sobreposição de camadas sociais e ambientais. Em geral, essas pessoas que vivem nessas áreas têm maior vulnerabilidade”, apontou Pedrassoli.

(*) Colaboraram Leandra Goes e Iury Lima.

poder público sabe do problema. O poder público tem documentos e estudos que revelam o problema. O poder público não tem é competência para dizer ao Governo Federal que faltam 100 mil moradias em Manaus” Marilene Corrêa, pós-doutora em Sociologia e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

“O
Crédito: Divulgação Corpo de Bombeiros Crédito: Reprodução Reuters Crédito: Ricardo Oliveira Lavouras alagadas em Tocantins Pertences de moradores do bairro Jorge Teixeira, em Manaus
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Imagem de voçoroca no Maranhão

Manaus: tragédia anunciada

Especialistas apontam que cidade é uma metrópole estruturada sobre geografia urbana desigual e excludente, e que os desastres são tragédias anunciadas; Planejamento urbano é indicado como solução

Marcela Leiros - Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Considerada a metrópole dominante da Amazônia, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Manaus tem amargado, desde o início de março, momentos de desespero diante das fortes chuvas do verão amazônico, período que compreende os meses de dezembro a maio e é conhecido pela intensificação das precipitações. Deslizamentos, alagamentos, mais de 300 pessoas impactadas, 90 desabrigados e oito mortes foram alguns dos rastros deixados pela alta precipitação das chuvas. A cidade tem 62 áreas de risco, segundo a Prefeitura de Manaus.

O IBGE considerou, em 2020, a capital amazonense como influente, atraindo moradores de 71 cidades, que viajam a Manaus em busca de negócios, serviços públicos e compras. Diante do crescimento populacional vertiginoso – no último

Censo do IBGE, em 2010, eram 1,8 milhão de pessoas –, hoje a cidade conta com mais de 2,2 milhões de habitantes, grande parte concentrada nas periferias, onde, nos dias 12 e 25 de março, o alto volume de chuvas solidificou uma tragédia anunciada.

Na comunidade Pingo D’água, bairro Jorge Teixeira, Zona Leste, um desliza-

mento de terra vitimou quatro crianças e quatro adultos da mesma família. O local ficava na base de um barranco que cedeu com a água da chuva. Noventa e duas famílias foram retiradas da comunidade, abrigadas temporariamente em uma escola e, depois, realocadas provisoriamente em um residencial.

Duas semanas depois, a forte chuva que assolou novamente Manaus transbordou igarapés (pequenos riachos que cortam a cidade), que invadiram e arrastaram residências na capital amazonense. Duas crianças ficaram soterradas e foram resgatadas com vida após um barranco deslizar no bairro Armando Mendes, Zona Leste de Manaus. Na comunidade Manaus 2000, Zona Sul da cidade, casas construídas à margem de um igarapé conhecido como Igarapé do Quarenta foram arrastadas.

CRESCIMENTO DESORDENADO

O Mapbiomas apontou que Manaus foi a capital do País que registrou o maior crescimento de áreas ocupadas por favelas, nos últimos 37 anos. Foram 9.549 hectares de crescimento de ocupações irregulares. Doutor em Geografia Urbana pela Universidade de São Paulo (USP), Marcos Castro

Moradora chora em meio a escombros após enxurrada na comunidade da Sharp, em Manaus
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Crédito: Ricardo Oliveira

Então, ocupam áreas de encostas e fundos de vales às margens de igarapés. E são estas as que mais oferecem riscos, sobretudo em períodos chuvosos”

Marcos Castro, doutor em Geografia Urbana pela Universidade de São Paulo (USP).

explica que a cidade é uma metrópole que se estruturou sobre uma geografia urbana desigual e excludente. Ele analisa que os desastres não podem ser considerados acidentes, mas tragédias anunciadas.

“Infelizmente, é o pedaço de terra urbana que sobra aos segmentos mais pobres e excluídos da população. A terra urbana, como mercadoria, possui preço e valor. E aqueles excluídos estão fora desse circuito. Então, ocupam áreas de encostas e fundos de vales às margens de igarapés. E são estas as que mais oferecem riscos, sobretudo em períodos chuvosos”, afirma.

O presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Amazonas (CAU-AM), Jean Faria, afirma que é comum “apontar dedos” e culpar entes públicos pelos desastres que acontecem nas cidades, mas, historicamente, os municípios crescem de maneira desordenada e muito mais rápido do que o poder público consegue acompanhar. Mas, ele não exime prefeituras e governos da responsabilidade de fiscalizar e controlar as ocupações em áreas de risco.

“Você [o poder público] não consegue acompanhar, os elementos urbanísticos

de drenagem, coleta de águas pluviais, urbanização, não conseguem acompanhar o crescimento da cidade quando é desordenado. A única ‘culpa’ que eu coloco nos entes públicos é que eles deveriam tomar cuidado com as fiscalizações e não deixar que certas áreas fossem invadidas: margens de igarapés, áreas de risco. Mas, até isso, às vezes, é um pouco difícil, pela falta de demanda que o Estado tem de fiscalização, de fiscais mesmo”, explica.

A historiadora e mestra em História Social, pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Stephanie Lopes do Vale lembra que são as periferias que sofrem com os deslizamentos e, anualmente, são os mesmos locais afetados. Há intervenção dos órgãos responsáveis, entretanto faltam programas de prevenção. Stephanie Lopes observa o que tem sido chamado de racismo ambiental, termo utilizado para se referir ao processo de discriminação que populações periferizadas ou compostas de minorias étnicas sofrem através da degradação ambiental.

“São sempre as mesmas áreas e setores sociais vitimados pelas tragédias. Não há culpa da natureza, pois as chuvas são da estação. Sem terem canalização, as águas não têm para onde correr e sem espaço para a sua subida natural, os igarapés ficam enforcados e temos imagens, como vimos, de casas sendo completamente alagadas. É uma situação recorrente”, acrescenta.

DÉFICIT HABITACIONAL

A cidade tinha, em 2021, déficit habitacional – termo que representa a quantidade de famílias sem moradia ou que vivem em condições de moradia precárias em determinada região – de 105 mil, segundo o IBGE. No Estado todo eram

193 mil. A Defesa Civil catalogou que mais de 4 mil famílias viviam, em 2019, em, aproximadamente, 1.600 áreas de risco de deslizamentos, desabamentos e alagações.

O prefeito David Almeida (Avante) afirmou, em fevereiro deste ano, que as principais áreas de risco monitoradas pela Defesa Civil Municipal estão concentradas nos bairros Cidade Nova e Cidade de Deus,

na Zona Norte, e no Jorge Teixeira. Das 62 áreas de risco, a prefeitura iniciou a recuperação de 17, após os casos do mês de março. David Almeida foi a Brasília para negociar repasses ao município.

“Entregamos os 62 projetos em mãos do ministro, que totalizam R$ 208 milhões. Esperamos que sinalizem com o valor para fazer o plano de trabalho. Já investimos, em dois anos, R$ 68 milhões, e, agora, estamos recuperando seis áreas, mas dependemos do aporte federal”, disse o prefeito durante visita da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o ministro da Integração Regional, Waldez Góes, a Manaus, em 26 de março.

MORADIAS POPULARES

Além dos realocados pela prefeitura da capital, o Governo do Amazonas fez, em março, o reassentamento imediato de 200 famílias da comunidade da Sharp e Manaus 2000, vítimas das chuvas e enxurradas de março. As áreas já estavam contempladas no Programa Social e Ambiental de Manaus e Interior (Prosamin+), que prevê soluções de moradia. O governador Wilson Lima afirmou que o Estado começaria o atendimento a 2.500 famílias da comunidade da Sharp. Destas, 1 mil residiam na área mais alagada.

Planejar para controlar

Jean Faria analisa que a prioridade dos entes públicos deve ser a fiscalização das áreas de risco. É preciso monitorar mais de perto e tentar tirar as pessoas dessas localidades. O presidente da CAU-AM acrescenta ainda que a prevenção de desastres é o planejamento urbano.

O programa também contempla famílias de outras localidades no entorno do Igarapé do Quarenta, como Manaus 2000, Avenida Silves e Maués, todas na Zona Sul. O investimento será de R$ 1 bilhão, com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e contrapartida do Governo do Amazonas.

O governador do Estado também afirmou que o governo vai voltar a atenção para melhorias em moradias de três municípios do interior. Em Parintins, a 369 quilômetros de Manaus, o programa ganha o nome de Prosai-Parintins (Programa de Saneamento de Igarapés no Interior do Estado), com investimento de R$ 413,8 milhões.

“Isso não vai acabar nunca, até porque é do ser humano tentar buscar um local para morar”, explica. “Mas, se a gente conseguir contemplar as áreas de invasões em áreas de riscos, acho que a gente consegue atenuar muito o que pode acontecer com as chuvas nos próximos anos e evitar que pessoas sofram”.

Stephanie Lopes também cita o planejamento urbano e dá ênfase à necessidade de se educar a população ambientalmente. “Creio que um planejamento urbano e investimento na área de prevenção são necessários”, afirma. “Essa época de chuvas já é bastante conhecida. E a perda da cobertura vegetal em Manaus é notável, além da poluição dos igarapés e o enforcamento deles. A cidade vem se expandindo sem lidar com a estrutura natural e as áreas de periferia são as que mais sofrem”.

“Infelizmente, é o pedaço de terra urbana que sobra aos segmentos mais pobres e excluídos da população. A terra urbana, como mercadoria, possui preço e valor. E aqueles excluídos estão fora desse circuito.
Mulher prepara alimentos na cozinha onde as paredes foram levadas pelas águas Crédito: Ricardo Oliveira
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ECONOMIA & SOCIEDADE
O TORMENTO HABITACIONAL

Civil Municipal. “As primeiras estimativas apontam para prejuízos na ordem de R$ 300 milhões, só na capital”, afirmou. Ainda segundo a Defesa Civil, pelo menos 61 bairros podem desmoronar em Rio Branco, após a vazante dos rios e igarapés, cujas cotas de transbordamento se aproximam da normalidade. O desmoronamento de morros e outras áreas que ficaram submersas apresentam, agora, as voçorocas - fenômenos geológicos que surgem como pequenas fendas no solo, mas se desenvolvem formando grandes crateras e atingindo o lençol freático.

DÉFICIT HABITACIONAL

Segundo o Relatório Déficit Habitacional no Brasil (SGB) 2021 — com dados coletados em 2019 — o Acre é o Estado da região amazônica com o menor número de déficit habitacional, o que não significa que o problema não seja grande. Em todo o Estado, o déficit é de 24 mil moradias. A maior parte é na capital, com déficit de 11 mil, seguido por Cruzeiro do Sul, com 2,4 mil.

Acre em caos

Governo estadual e prefeitura da capital decretaram situação de emergência; Governo federal promete aporte de recursos para ajuda humanitária e construção de moradias

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium*

MANAUS (AM) – O Acre sofre mais um ano de impactos das fortes chuvas do “inverno amazônico”.

O Estado amarga o número de mais de 30 mil afetados pelos efeitos das precipitações, apenas na capital, Rio Branco, conforme a prefeitura. Em março de 2023, o governo estadual e a prefeitura da capital acriana decretaram situação de emergência. Assim como em outros Estados na Amazônia Legal, problemas de infraestrutura, falta de planejamento urbano e déficit habitacional levam a população mais pobre a morar em locais inadequados ou de risco e contribuem para o agravamento dos impactos das chuvas.

A ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, esteve em Rio Branco (AC), em março, no início do período mais crítico das enchentes, ao lado do ministro da Integração Regional, Waldez Góes. Na ocasião, ela considerou que o clima amazônico está atípico. Isso porque é comum o período estival, com a diminuição das chuvas, começar na segunda quinzena de abril, o que não está ocorrendo em 2023.

As chuvas não param e, quando começou a vazante na capital Rio Branco e nos municípios do Alto Acre, na outra ponta do Estado, na região do Juruá, os rios locais começaram a subir. Em Cruzeiro do Sul, a

segunda cidade mais populosa do Acre, na fronteira com o Amazonas, o Rio Juruá fez, no dia 13 de abril, as primeiras vítimas de suas inundações, ameaçando ainda causar, em caso de continuidade das precipitações, os mesmos estragos registrados na capital e no Alto Acre.

Somente em Rio Branco, a Defesa Civil Municipal estima que, pelo menos, 80 casas às margens de rios, igarapés ou em outras áreas alagadiças simplesmente desapareceram. “Outras estão ainda de pé, mas apresentam rachaduras e riscos de virem abaixo”, disse o tenente-coronel Cláudio Falcão, do Corpo de Bombeiros Militar do Acre (CBMAC) e coordenador da Defesa

dos Transportes e em outros órgãos em busca de socorro.

“Nós precisamos praticamente reconstruir nossa cidade, mas a obra mais imediata é a pavimentação do trecho da Rodovia do Pacífico, que cruza a nossa cidade e que foi inundada”, disse Hassem, ao ministro Renan Filho, dos Transportes. Até o fechamento desta reportagem, o ministro ainda não se manifestou sobre o pedido da prefeita.

Na Assembleia Legislativa do Acre, o governador Gladson Cameli (PP) conseguiu a aprovação de uma lei emergencial de liberação de empréstimos na ordem de R$ 50 milhões. Os recursos, segundo o governador, serão utilizados na construção de, pelo menosm 400 residências no Conjunto Habitacional Cidade do Povo, um dos maiores do Estado, inaugurado em

100 mil

Entre os Estados da Amazônia Legal com déficit habitacional relativo aos domicílios particulares, que são aqueles construídos em locais não apropriados para habitações, o Acre também está em último lugar no ranking da Amazônia, com 8,6%. Os dados também são do Relatório Déficit Habitacional no Brasil (SGB), divulgado em 2021, com dados referentes ao ano de 2019.

MEDIDAS DE GESTÃO

Para tentar amenizar problemas habitacionais em Rio Branco, a Câmara Municipal da cidade aprovou, às pressas, o programa “Recomeçar”, de iniciativa do prefeito Tião Bocalom (PP). O projeto prevê investimentos iniciais de R$ 10 milhões para moradores atingidos pelas enchentes.

Além de Rio Branco, em municípios como Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia e Xapuri, na fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru, na região do Alto Acre, pelo menos 100 mil pessoas atingidas, começaram a voltar às suas casas. Em Brasília, a prefeita de Brasileia, Fernanda Hassem (Sem partido), foi ao Ministério

2016 para abrigar justamente moradores que, anteriormente, viviam em áreas de riscos e alagadiças.

Ainda sobre a situação vivenciada no Acre, quem veio a público, em nome do governo federal, foi o ex-senador e ex-governador Jorge Viana, atual diretor-presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, do vice-presidente Geraldo Alckmin. Viana disse ter sido autorizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antes de sua viagem à China, a divulgar a liberação de quase R$ 17 milhões para ajuda humanitária nas cidades atingidas pelas cheias no Acre.

(*) Colaborou Tião Maia.

Pelo menos 100 mil pessoas atingidas pelas cheias começaram a voltar às suas casas nos municípios de Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia e Xapuri, na fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru, na região do Alto Acre.

Mulher

Casa invadida pelas águas de enchente após fortes chuvas no Acre
observa desolada estragos causados pela enchente em sua residência
Crédito: Tião Maia 36 www.revistacenarium.com.br
Crédito: Tião Maia A CRISE CLIMÁTICA E O TORMENTO HABITACIONAL ECONOMIA & SOCIEDADE REVISTA CENARIUM 37

Maranhão: alagamentos e voçorocas

Fortes chuvas se unem ao crescimento desordenado e prejudicam a população

MANAUS (AM) – Sessenta e quatro cidades do Estado do Maranhão estavam em situação de emergência, até o fechamento desta edição, devido às chuvas que atingiram os municípios, causando alagamentos e deslizamentos de terras. O Governo do Maranhão contabilizava que mais de 35.800 famílias foram afetadas pelas inundações e, pelo menos, 7,7 mil estavam desabrigadas ou desalojadas. Mas, além dos alagamentos, outro fator tem preocupado autoridades e moradores: as voçorocas, buracos de erosão causados pelas chuvas. O fenômeno ameaça engolir casas no Estado.

O município de Buriticupu (distante 417 quilômetros de São Luís) se encontrava em situação de calamidade pública, até o fechamento desta edição, devido ao fenômeno. As voçorocas são crateras gigantes, formadas no solo onde não há vegetação e são intensificadas pelas chuvas, que, somente em março, registraram 500 milímetros de água, volume considerado acima da média para o período.

No município, que possui mais de 70 mil habitantes, foram mapeadas 23 dessas erosões. Uma delas, possui 70 metros de profundidade e 500 de comprimento,

Prevenção

Questionado sobre como são realizadas ações de prevenção junto aos moradores de áreas de risco, antes do período chuvoso, que ocorre anualmente, o governo estadual informou que o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil atuam em conjunto, em treinamento com as prefeituras, além de monitoramento do nível dos rios.

“O objetivo é operacionalizar as coordenadorias municipais, criar plano de contingência, catalogar famílias que residem em áreas de risco. Além de fornecer instruções sobre o acesso às plataformas e o preenchimento de documentações para o acionamento de recursos federais diante dos enfrentamentos aos desastres.

O acompanhamento da elevação do nível dos rios é feito pelo Departamento de Meteorologia da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil (Cepdecma), que utiliza dados de agências como Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), além do Cemadem, que é o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais”, informou o governo.

Ainda segundo o governo, “quando esses rios chegam próximo da cota de inundação, as famílias são retiradas e leva-

das para os abrigos temporários ou fazem uso do aluguel social, em alguns casos”. O governo informou, ainda, que é necessário evitar a ocupação de locais identificados como áreas de risco, para evitar que tragédias aconteçam, mas que se não for possível, a população deve se manter atenta aos alertas dos órgãos competentes. “É necessário, também, ressaltar que alguns destes problemas são potencializados pela ação humana, como, por exemplo, o descarte irregular de lixo e o desmatamento de áreas próximas às margens de rios, que levam ao seu assoreamento”, diz o governo.

segundo a Defesa Civil do município. Conforme a Defesa Civil do Estado, cerca de 220 famílias que moram próximo às voçorocas serão realocadas. Além disso, o governo federal decretou estado de calamidade pública. A medida foi publicada no dia 28 de março deste ano, no Diário Oficial da União (DOU).

“A chuva piorou muito [a situação]. Nosso monitoramento mostra que uma voçoroca, geralmente, avança 30 metros por ano, em extensão. Com a chuva dos últimos dias, ela avançou de 50 a 60 metros em extensão”, afirmou o prefeito de Buriticupu, João Carlos Teixeira, à Folha de S. Paulo. “Ao longo da história, bairros inteiros foram praticamente engolidos. Nos últimos meses, foram desocupadas

27 habitações. Das 27 casas, algumas já desceram morro abaixo, mas, graças a Deus, a prevenção deu certo, e a gente conseguiu retirar as famílias. Agora, estamos fazendo um plano para retirar mais 220 famílias”, comentou.

A forma desordenada como o município cresceu contribui para o aumento das voçorocas, que acontecem há 30 anos, segundo o prefeito. “Nosso solo é muito instável e tem uma declividade bastante definida, que faz com que a água ganhe força. E a cidade cresceu muito rápido e de forma desordenada. É claro que não é tão simples. Cada voçoroca tem sua particularidade. Mas, estamos unindo forças com todos os entes federativos para realizar os estudos necessários e tirar as

famílias das encostas para que nenhuma tragédia aconteça”, concluiu Teixeira em entrevista à Folha.

35.800

No Maranhão, o governo do Estado contabilizava, até o fechamento desta edição, 35.800 famílias afetadas pelas inundações e, pelo menos, 7,7 mil desabrigadas ou desalojadas

Sobrevoo de áreas inundadas na região de Trizidela do Vale e Pedreira, no Maranhão Milena Soares – Da Revista Cenarium
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Crédito: Rricardo Stuckert Presidência Da República

A CRISE CLIMÁTICA E O TORMENTO HABITACIONAL ECONOMIA & SOCIEDADE

Conforme o município, as famílias retiradas da área de risco estão recebendo auxílio aluguel.

ENCHENTES

Em todo o Estado, nove rios, além de riachos e açudes, transbordaram. Casas cobertas por água e famílias que perderam tudo. Essa é a realidade de milhares de moradores que vivem nas 64 cidades afetadas pelas enchentes no Maranhão. O número de mortes causadas por deslizamentos e enchentes, até março, foi de seis, nos municípios de Santa Luzia do Tide, Açailândia e Arame. Há comunidades inteiras alagadas, segundo informou a Defesa Civil do Maranhão.

Entre as cidades mais afetadas, segundo governo, está Trizidela do Vale. Segundo a prefeitura do município, as férias dos estudantes da rede pública de ensino foram antecipadas, de julho para abril, devido ao alagamento das escolas e pelo fato de sete unidades de ensino estarem servindo de abrigo para moradores desabrigados.

Gestão pública

Conforme a última pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro, em 2019, que calcula o déficit habitacional no Brasil desde 1995, o Maranhão é o Estado com o maior déficit habitacional, fora da Região Norte, com 329.495 domicílios particulares permanentes e improvisados, o que representa 15,2%.

As regiões Norte e Nordeste lideram o déficit habitacional.

O estudo calcula a porcentagem considerando o número de habitantes por Unidade Federal. No caso do Maranhão, o cálculo é feito baseado em 200 mil a 500 mil habitantes no Estado.

O déficit habitacional é um conceito que tem dado sustentação aos indicadores que buscam estimar a falta de habitações e/ou existência de habitações em condições inadequadas como noção mais ampla de necessidades habitacionais.

À REVISTA CENARIUM, o Governo do Maranhão informou que além das mais de 35.851 famílias afetadas pelas inunda-

ções, a capital São Luís tem 89 áreas de risco catalogadas e 380 famílias residem nessas áreas. Questionado sobre quais programas estaduais o governo dispõe de habitação para essas famílias em áreas de risco ou previsão de implantação de uma política habitacional, o governo não respondeu sobre o assunto.

“Como elo primário de sistema de Defesa Civil Nacional, as coordenadorias municipais mobilizam atendimentos emergenciais para alocação de famílias desabrigadas e aluguéis sociais. O Estado também pode conceder aluguel social em determinados casos”, informou o governo, sem detalhar quantas famílias recebem o auxílio.

O governo federal informou, no início de abril, que, no Maranhão, há previsão da inclusão de mais de 7 mil habitações do programa “Minha Casa, Minha Vida”, sendo 500 unidades previstas no Residencial Leonel Brizola, no município de Timon.

Infraestrutura insuficiente em Belém

Cidade cresceu sobre igarapés aterrados; Gestão pública tenta amenizar impacto das águas, com obras de drenagem e manutenção de canais

Michel Jorge – especial para a Revista Cenarium

BELÉM (PA) – Há quem diga que em Belém (PA) basta uma chuva rápida e forte atingir o centro da cidade para causar transbordamento de canais e alagamentos em várias vias. Os alagamentos na capital paraense, assim como em outras grandes cidades brasileiras, são históricos e recorrentes. A estrutura da cidade não suporta os grandes volumes de chuvas que atingem a região, principalmente no inverno amazônico.

São centenas de pontos de alagamento, ruas e avenidas intransitáveis, pessoas ilha-

das em carros e ônibus. A cidade inteira sente o resultado das fortes chuvas que faz bairros como Jurunas, Cremação e a parte mais baixa de Batista Campos ficarem com as vias com água acumulada.

Em Ananindeua, segundo município mais populoso do Estado e o quarto da Região Norte do Brasil, a situação é a mesma. Na Rodovia BR-316, no período chuvoso deste ano, os bueiros não deram conta da vazão da água da chuva e o trecho próximo à entrada da alça viária também ficou intrafegável.

Em bairros periféricos, como Águas Lindas, que faz divisa com Belém, e Coqueiro, onde há ruas que chegam a ficar semanas alagadas — constantemente, os moradores perdem móveis e eletrodomésticos para a água que invade suas casas.

No dia 15 de março, o governador Helder Barbalho participou de uma reunião com secretários de governo para definir ações que serão realizadas pelo Estado para combater alagamentos em Belém. ‘‘O

governo do Estado busca colaborar com as famílias da nossa capital e de outras cidades que sofrem com o inverno amazônico’’, afirmou o governador.

No último mês, Belém entrou em alerta meteorológico laranja, com o nível das águas do Rio Guamá alcançando 3,6 metros na cidade e 3,9 metros na região das ilhas. A cor laranja indica que as chuvas previstas para a região são potencialmente perigosas e podem causar inundações e alagamentos. A informação foi emitida pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e propagada pela Prefeitura de Belém, por meio da Comissão de Defesa Civil Municipal.

Os riscos de maré alta são considerados altos para índices a partir de 3 metros, quando coincidem com chuvas fortes, e altíssimos para índices acima de 3,5 metros, coincidindo com chuvas fortes. A preamar indicada pode ser ainda maior, caso ocorra a coincidência de seu pico com a incidência de chuvas na região.

Ruas alagadas na área central de Belém, capital do Pará, que, todos os anos, sofre no período das chuvas Crédito: Thiago Gomes
Crédito: Ueslei Marcelino | Reprodução Reuters
Crédito: Thiago Gomes O Liberal Reprodução
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Mulheres se abraçam, em meio à enchente na cidade de Imperatriz, no Maranhão

URBANIZAÇÃO

Para Ingrid Oliveira, arquiteta e urbanista pela Universidade Federal do Pará (UFPA), a maioria dos grandes municípios brasileiros teve uma formação espacial espontânea e o planejamento das questões técnicas de infraestrutura não conseguiu acompanhar e respeitar os ciclos hidrológicos naturais. “O correto seria a água se infiltrar no solo, além de desembocar nos córregos e rios, que então correm para o mar. E, assim, o ciclo recomeçaria”, explica.

“Quando a chuva chega no espaço urbano, a água cai sobre o solo impermeável e não consegue se infiltrar. Nossos canais e rios estão canalizados. Essas águas, em grande quantidade e velocidade, escorrem para as sarjetas e galerias, que não conseguem suportá-las”, concluiu.

SEM PLANEJAMENTO

Apesar dos dados alarmantes, a chuva se torna uma ameaça pela falta de planejamento urbano de Belém, aponta o arquiteto e urbanista, doutor em Planejamento Urbano e Regional Juliano Ximenes. Antes de sentir os processos naturais como catastróficos, segundo o arquiteto, é preciso analisar dois fatores sobre a formação da cidade de Belém. Considerar a formação da cidade e a maneira com que a empreitada colonial se preocupou em subjugar as características físicas da região para contribuir com a atividade do comércio no litoral. Os interesses por trás do aterramento do que hoje representa todo o centro da capital, podem ser apontados como o primeiro destes dois pontos de declínio para a realidade dos alagamentos.

Os alagamentos, por sua vez, segue Ximenes, são resultados da ausência de planejamento e investimento em infraes-

trutura. Portanto, o segundo fator determinante para os problemas vividos pelos belenenses é a construção desenfreada e sem planejamento do centro urbano, pautada apenas nas regiões mais privilegiadas, aponta o especialista. A estrutura de Belém foi pensada à base de concreto e asfalto, na contramão de uma região naturalmente castigada por 3 mil milímetros anuais de chuva.

De acordo com Ximenes, a herança da falta de um planejamento decente e urgente aliada às desigualdades sociais empurram para as periferias pouquíssima, ou nenhuma qualidade de vida.

“É necessário que se priorize o investimento nas periferias e que os projetos de urbanização sejam baseados em soluções ambientalmente de baixo impacto, tendo como diretrizes a expansão da área verde, a revegetação de áreas tornadas áridas e pobremente pavimentadas, o aumento de permeabilidade dentro da cidade, a

não consegue se infiltrar. Nossos canais e rios estão canalizados. Essas águas, em grande quantidade e velocidade, escorrem para as sarjetas e galerias, que não conseguem suportá-las”

Oliveira, arquiteta

mudança de concepção dos projetos de drenagem em direção a um projeto que emule e mimetize certas funções anteriormente existentes nos rios, como a absorção da água da chuva pelo solo, pelas margens e pelo processo de evapotranspiração’’, afirma Ximenes.

Para o arquiteto, os processos naturais, como chuva, relevo plano e marés não são os fatores determinantes do problema. “O fator central é a brutal desigualdade da nossa urbanização, que nos faz ser a segunda metrópole mais precária do País segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] disse em 2019’’, acrescenta Ximenes sobre a questão do alagamento na capital belenense.

Além de Belém e Ananindeua, muitos municípios sofrem com as constantes inundações. Em maio de 2022, durante o inverno em Ourém, o Governo do Pará decretou situação de emergência após fortes chuvas causarem alagamentos e interditarem rodovias.

Segundo a Defesa Civil, aproximadamente, 300 famílias ficaram desalojadas. Estradas vicinais e estaduais foram destruídas pelas fortes águas. A chuva também afetou moradores de Capitão Poço, Capanema e Garrafão do Norte, segundo o Estado.

Dona Maria de Nazaré, 55 anos, moradora do bairro Pantanal, em Ourém, teme que, no inverno, a situação se repita. ‘‘Eu

tenho rezado todos os dias para que o divino Espírito Santo não permita que se repita o que aconteceu ano passado. As famílias precisaram se assistidas pelo governo do Estado, depois que suas casas foram inundadas. Foi muito triste’’, disse dona Maria.

AÇÕES

Como resposta aos constantes alagamentos, a Prefeitura de Belém, por meio do Programa de Saneamento da Bacia da Estrada Nova (Promaben), inaugurou, em janeiro deste ano, o primeiro canal de descarga do sistema de drenagem da Bacia da Estrada Nova, um investimento de R$ 29,5 milhões. A obra visa melhorar o escoamento de águas da chuva por cerca de cinco quilômetros, atendendo aos moradores do bairro Jurunas e partes dos bairros Batista Campos e Cidade Velha.

Localizado no bairro Jurunas, na Avenida Bernardo Sayão com a Rua dos Caripunas, às margens do Rio Guamá, o canal de descarga é um imenso complexo de acumulação e controle de água constituído por um grande poço de visita, capaz de acumular uma grande quantidade de água, e do canal de descarga, com 192 metros de extensão, que também tem uma grande capacidade de acumulação de água. Por

meio de três comportas será feito então o controle das águas das chuvas e do Rio Guamá, para evitar alagamentos.

A rede de drenagem foi renovada e ampliada a sua profundidade para cinco metros, aumentando a sua capacidade de escoamento e acumulação.

Constituída por áreas planas e baixas onde a presença de cursos d’água é recorrente, a Bacia da Estrada Nova, uma das maiores e mais povoadas da cidade, é outro ponto sensível da cidade, com um histórico de mais de 50 anos de ocupação desordenada.

Também já estão em andamento, pela Prefeitura de Belém, por meio do Promaben, os projetos de duplicação da Bernardo Sayão, entre a Rua dos Mundurucus e a Avenida Engenheiro Fernando Guilhon, o que irá trazer mais saneamento e qualidade de vida para a população daquela área que vive com constantes alagamentos. O prefeito Edmilson Rodrigues (Psol) afirma que a macrodrenagem da Bacia da Estrada Nova é a maior obra de infraestrutura da cidade. ‘‘É um grande investimento. Todo o projeto foi refeito para modernizar o sistema de drenagem com as comportas que possibilitarão não ter mais alagamentos’’, afirmou.

Áreas alagadas

O bairro Jurunas surgiu com o aterramento do Igarapé do Piry, que ligava essa área próxima ao rio com o resto da cidade. É uma área plana, propícia a alagamentos, segundo o coordenador-geral do Promaben, Rodrigo Rodrigues.

‘‘Com o aumento do asfalto e do cimento, que impermeabilizam o solo, a água da chuva fica sem saída. Qualquer chuva e maré alta é sentida imediatamente em boa parte da cidade, com transtornos no trânsito e na vida dos moradores de áreas mais baixas, pelo menos aqui nessa parte da cidade, a água não será mais represada e vai encontrar saída. Mesmo com as marés altas, será possível conter a maré com as compor-

tas e os 129 metros de canal também poderão acumular a água que não ficará mais nas ruas’’, explica Rodrigues.

CHUVAS

O clima chuvoso de Belém exige uma boa manutenção das galerias e canais, principalmente nas áreas onde a população sofre mais com os alagamentos. ‘‘O mês mais chuvoso em Belém é março, com média de 369 milímetros de precipitação de chuva. Mesmo no mês menos chuvoso, que é outubro, a média é de 40 milímetros de precipitação de chuva. É muita água que precisa de escoamento’’, ressalta Rodrigues.

“Quando a chuva chega no espaço urbano, a água cai sobre o solo impermeável e
Ingrid e urbanista. Trecho da BR-316 que cedeu durante as fortes chuvas desse ano Crédito: Reprodução
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Rondônia tem ‘enchente’ de problemas

Morando em áreas de risco, população se acostumou com perdas da ‘época das águas’; mais de 50 mil habitam locais inapropriados

Iury Lima - Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) - Inundações, enchentes, erosão, queda e deslizamentos de terras. Mais de 50 mil pessoas convivem com esses riscos em regiões, muitas vezes inapropriadas, onde ergueram moradia, em Rondônia. O Estado é o quinto da Amazônia Legal em número de pessoas em risco, ocupando a mesma posição em quantidade de áreas com algum grau de perigo: 139 localidades espalhadas pelos 52 municípios, segundo os dados mais recentes do Serviço Geológico do Brasil (SGB), vinculado ao Ministério de Minas e Energia.

Somada à falta de ações efetivas das gestões municipais e estadual, essa realidade se torna uma fórmula propícia ao acúmulo de tragédias e prejuízos à população. Inundações e enchentes são os problemas mais recorrentes e o resultado é o mesmo a cada

ano que passa: quando começa a chover, especialmente no ‘inverno amazônico’, ruas viram rios, casas submergem, fome e doenças ganham mais chances de se alastrar num círculo vicioso, que gera desabrigados e atinge, principalmente, aos mais pobres. É uma ‘seca’ de soluções em meio à ‘inundação’ de problemas.

DESASTRES E PREJUÍZOS

Desde o mês de fevereiro, o nível do Rio Madeira vem preocupando moradores e acendendo o sinal de alerta para a Defesa Civil municipal, em Porto Velho (RO). Na época, o rio já havia ultrapassado a cota de atenção, que é de 14 metros acima do nível normal, chegando aos 15 metros até, pelo menos, a primeira quinzena de abril. Com esse cenário, os agentes que trabalham no monitoramento voltam a atenção para comunidades ribeirinhas do médio e baixo Madeira, geralmente as mais afetadas quando o afluente apresenta “possibilidade moderada” de inundação, segundo a pasta.

mas sociais. A meta era diminuir o déficit habitacional de 50 mil pessoas.

Outro retrato é o município de Cacoal, a 480 quilômetros de Porto Velho, que teve prejuízo de R$ 5 milhões, apenas em 2022, com a cheia do Rio Machado e outros corpos hídricos da região após as chuvas intensas. Com a falta de apoio do governo federal, a alternativa do Executivo foi pagar um benefício de R$ 2 mil para mais de 1,2 mil famílias desalojadas e liberar parte do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Na cidade, que tem 16 áreas de risco - todas por enchente -, 4 mil pessoas convivem com a possibilidade de desocupar os lares, todo ano, devido a eventos extremos. No ano passado, a prefeitura decretou situação de emergência, com 24 bairros inundados por cinco rios. Pelo menos 300 famílias perderam tudo. Coordenador da equipe de Infraestrutura Urbana do MapBiomas, Julio Pedrassoli explica que os habitantes das áreas listadas com o risco de desastres recorrem a esses espaços por falta

Municípios problemáticos

Das 139 áreas de risco em Rondônia, a maioria, 115 no total, é considerada de “risco muito alto” pelo SGB: 82,73%. As outras 24 regiões, 17,27%, apresentam “risco alto”.

com habitações construídas sobre elas, representam quase a totalidade desses locais: 107 áreas.

de Rondônia, prejuízos com enchente ultrapassaram R$ 5 milhões, em 2022

A preocupação se deve às cheias históricas do Madeira, a exemplo do recorde atingido em 2014: com as águas 19 metros acima do normal, cerca de 30 mil pessoas foram diretamente impactadas e, no fim das contas, quase 100 mil rondonienses sentiram os efeitos do fenômeno, de alguma forma, segundo a Defesa Civil. Pessoas que perderam as casas, ficaram desabrigadas ou tiveram boa parte dos bens destruídos. Na época, cerca de 10 mil moradores de Porto Velho aguardavam pela sonhada casa própria, com progra-

O risco de inundação é o que corresponde à maior possibilidade de desastres em 86 desses locais. Erosão e enchentes vêm na segunda e terceira posições como fatores de risco. O SGB ainda aponta que 13 locais podem ser assoladas por deslizamentos, enquanto o risco de queda aparece em apenas dois pontos.

O Estado tem 52.656 pessoas morando nesses lugares.

A capital lidera, com 37 localidades, concentrando a maior proporção de áreas de risco. Depois aparecem Cacoal (RO), com 16, e Buritis (RO), com 15, na vice-liderança. Juntos, os dez municípios com mais áreas de risco,

Porto Velho também tem o maior número de pessoas convivendo com perigo, mesmo dentro de casa: 16.880 habitantes. Além disso, mais de 50% desses lugares são listados como de risco muito alto, enquanto 48% estão sob alto risco. Para 20 dos 37 lotes, o risco é de inundação; 12 têm risco de erosão e, as outras cinco, de deslizamento.

Já a cidade de Vilhena, na oitava posição entre os municípios de Rondônia, tem quatro áreas listadas pelo Serviço Geológico do Brasil: duas com risco de inundação e duas com risco de erosão. O SGB também revela a existência de um residencial do programa “Minha Casa, Minha Vida” em um desses locais.

Em Cacoal, município Equipe da Defesa Civil atuando no resgate de família em área alagada em Rondônia
Rondônia |
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Crédito: Governo de Rondônia | Reprodução
Governo de
Reprodução

O que diz o poder público

A REVISTA CENARIUM questionou o Governo de Rondônia e as prefeituras de Porto Velho, Cacoal e Vilhena sobre os atuais índices de déficit habitacional, ações para prevenir e reparar desastres, além de atividades assistenciais tomadas pelo poder público em prol das famílias atingidas.

Em resposta, a Prefeitura de Porto Velho afirmou que investiu R$ 38 milhões para a conclusão de 1,4 mil unidades habitacionais. Dessas moradias, quase a metade, 600 casas populares, devem ser destinadas às pessoas que vivem em áreas de risco e, o restante, para famílias de baixa renda.

“Com isso, também teve início a atualização do cadastro de moradores contemplados que podem ter perdido o status exigido para poderem ser beneficiados com o imóvel”, esclareceu a gestão, em nota. “Somente após a con-

de opção, “porque é onde o mercado imobiliário não avança, onde tem restrições ambientais e legais”. “Então, são as áreas mais desvalorizadas, inclusive, porque têm uma suscetibilidade natural a acontecer eventos desse tipo, como alagamentos e deslizamentos”, declarou à

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“O risco é quando se junta duas coisas: a primeira é a vulnerabilidade das pessoas, que têm uma baixa capacidade de resposta num evento adverso”, destacou Pedrassoli.

clusão deste levantamento será possível atualizar o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social e ter os dados do atual déficit habitacional de Porto Velho”, informou a prefeitura.

A prefeitura também afirmou que a Defesa Civil segue monitorando áreas de risco sujeitas a deslizamentos de terra e alagamentos, e que presta orientação à população que vive em locais considerados de risco a buscar “abrigos seguros”.

A gestão também diz que, em determinados casos, ajuda nos deslocamentos, distribui água potável, hipoclorito de sódio e cestas básicas, especialmente em regiões ribeirinhas.

Já o governo de Rondônia e as demais prefeituras que também se comprometeram a apresentar os dados não informaram sobre a criação e a execução de planos habitacionais e não retornaram, até o fechamento desta reportagem.

“Choveu muito, a casa é fraca e não tem alicerce, vai cair. Diferente de uma mansão, pois pode chover a mesma quantidade, que ela não vai desabar. Existe ainda a suscetibilidade, que é uma questão natural. O morro, naturalmente vai descer com a chuva, é um processo erosivo e natural. Quando se junta as duas coisas, cria-se uma situação de risco, uma probabilidade muito grande de que vai acontecer alguma coisa que vai impactar as pessoas que não têm capacidade de resposta”, destacou.

Município de Cacoal

ÁREAS DE RISCO EM RONDÔNIA:

Risco muito alto: 115 locais - 82,73%

Risco alto: 24 locais - 17,27%

Inundação: 86

Erosão: 22

Enchente: 16

Deslizamento: 13

Queda: 2

Fonte: SGB

CIDADES COM MAIS ÁREAS DE RISCO

Porto Velho: 37

Cacoal: 16

Buritis: 15

Ariquemes: 12

Nova Mamoré: 6

Colorado do Oeste: 5

Jaru: 5

Vilhena: 4

FONTE: SGB

CIDADES COM MAIS HABITANTES EM ÁREAS DE RISCO

1º Porto Velho: 16.880 pessoas

2º Ji-Paraná: 5.580 pessoas

3º Cacoal: 4.244 pessoas

4º Ariquemes: 1.468 pessoas

5º Nova Mamoré: 1.384 pessoas

6º Jaru: 1.180 pessoas afetadas

FONTE: SGB

Emergência no Tocantins

O município de Cacoal informou que tem, aproximadamente, 1 mil residências em áreas de risco, o que afeta entre 3,5 e 4 mil pessoas, que, segundo a prefeitura, só enfrentam insegurança durante o período de chuvas mais intensas. O município informou ainda que assentou mais de 1.200 famílias em conjuntos habitacionais construídos com recursos dos governos estaduais e federais, nos últimos anos. Somando-se às famílias abrigadas em terrenos cedidos pelo município, ao longo dos últimos 20 anos, mais de 5 mil

famílias tiveram acesso a moradias, diz a prefeitura. Algumas delas construídas em sistema de mutirão.

Ainda segundo o município, quando questionado sobre um plano habitacional, fora as famílias em área de risco, “o município não conta com muitas famílias em situação de vulnerabilidade, o que faz com que a maioria dos habitantes ou tenham casa própria, ou morem de aluguel”.

A prefeitura informou também que há, aproximadamente, 600 famílias com dificuldades de pagar aluguel, que moram

com familiares ou em pequenas kitnets, enquanto aguardam a conclusão de um conjunto habitacional do governo federal (Conjunto Habitacional Cidade Verde). Destas, 300 foram sorteadas para esse conjunto e outras 300 aguardam em fila de espera o início de novas obras.

O maior problema enfrentado pelo Poder Público, diz o município, “é a insistência de famílias pioneiras, que construíram suas casas ao longo de rios e igarapés, que se recusam a deixar o local, mesmo advertidas sobre os riscos”.

MANAUS (AM) – Nos primeiros três meses de 2023, o Tocantins decretou situação de emergência devido às fortes chuvas que causaram alagamentos e cheia nos rios. Segundo a Defesa Civil estadual, inundações e alagamentos deixaram, pelo menos, 296 desabrigados em todo o Estado, que tiveram que deixar suas casas e foram direcionados para abrigos disponibilizados pelo governo estadual. Outras 236 pessoas desalojadas foram abrigadas em casas de familiares, amigos, hospedagens, vizinhos. A situação é semelhante à de anos anteriores e causada não só pelos índices de precipitações, mas também pelas escolhas de gestão habitacional e de infraestrutura.

De acordo com o Mapbiomas, a forma de ocupação e o uso do solo podem estar relacionadas a situações extremas como as vividas em Tocantins. “Tem toda a questão de mudança do uso de cobertura da terra.

Palmas

A Prefeitura Municipal de Palmas informou à REVISTA CENARIUM que, na capital, os alagamentos ficam concentrados nas vias públicas, “não havendo registro de impacto sobre residências”. Segundo o órgão, o maior impacto de alagamentos nas ruas da cidade são as obstruções de vias. “O maior impacto ocorre na mobilidade da cidade, obstrução de vias devido a alagamentos, porém curtos (em média 30 minutos após a precipitação, não havendo prejuízo para as vias públicas). Vale ressaltar que a capital possui diversas vias paralelas umas às outras, servindo de rotas alternativas. Não é mensurado o prejuízo econômico, uma vez que o transtorno gerado é somente na locomoção”, disse o órgão.

Conforme o município, apesar de a capital estar às margens do Rio Tocan-

tins, não há “oscilação significativa (do rio) devido ao controle do reservatório da Hidrelétrica de Lajeado, além de não haver uma população ribeirinha ou comunidades de pesca que habitam a margem do rio”.

“Independentemente desses fatos, a Defesa Civil Municipal (DC) realiza trabalhos educativos nas escolas da capital sobre os riscos relacionados às chuvas, enchentes, alagamentos, enxurradas, deslizamentos, descargas atmosféricas etc. A DC busca estar próxima às comunidades, em especial as que estão mais afastadas do centro da cidade, mantendo uma sala de situação para acompanhar os eventos climatológicos e seus efeitos no município. Além de emitir boletins diariamente”, disse a prefeitura.

Estado acumula prejuízos com a subida dos rios no período chuvoso e gestão pública ainda busca possíveis soluções de moradia e infraestrutura
Milena Soares – Da Revista Cenarium Município de São Miguel do Tocantins alagado pela subida das águas
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Crédito: Prefeitura de São Miguel de Tocantins

A CRISE CLIMÁTICA E O TORMENTO HABITACIONAL ECONOMIA & SOCIEDADE

O ambiente natural armazena água e, quando tem o evento de chuva, ele retém a água e fica soltando essa água mais lentamente para o rio”, explicou Juliano Schirmbeck, pesquisador do Mapbiomas Água, à TV Globo.

O MapBiomas é uma iniciativa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg/OC) e é produzido por uma rede colaborativa de cocriadores formada por Organizações Não Governamentais (ONGs), universidades e empresas de tecnologia organizados por biomas e temas transversais.

A cidade de São Miguel do Tocantins (distante a 637 quilômetros de Palmas), uma das atingidas pelos alagamentos no Estado, teve 230 famílias afetadas devido ao transbordamento do Rio Tocantins, segundo informou o secretário de Administração, José Valnei Barros Monteiro. O município está localizado na divisa entre o Tocantins e o Estado do Maranhão.

“Ainda estamos avaliando a situação, mas os estragos são grandes. Duas pontes que ligam povoados romperam, uma terceira foi praticamente levada inteira

[pelas águas] e houve alagamento em vários pontos da cidade, devido à cheia do Rio Tocantins”, contou o secretário à Agência Brasil. “Em torno de 1,4 mil pessoas foram atingidas nas zonas urbana e rural, principalmente no distrito de Bela Vista, próximo à Imperatriz (MA). Várias escolas receberam famílias desabrigadas, além de igrejas e alguns clubes”, disse. Ainda conforme o gestor, o Governo do Estado doou cestas básicas, medicamentos e colchões para atender às famílias atingidas: “Mas, certamente, iremos precisar de recursos financeiros para reconstruir os estragos”, concluiu.

Na Zona Oeste, em Lagoa da Confusão (distante 227 quilômetros de Palmas), as colheitas alagadas devido às chuvas fez com que o município tivesse prejuízo econômico. Segundo a Associação dos Produtores Rurais do Sudoeste do Tocantins (Aproest), ao menos 5 mil hectares de arroz devem ser perdidos, devido ao excesso de chuvas no município. A perda equivale a 30 mil toneladas de arroz e a um prejuízo perto dos R$ 60 milhões.

No município de Araguanã (distante 466 quilômetros de Palmas), em março,

Habitação

Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV) apontou, em 2020, que o déficit habitacional do Tocantins era de mais de 42 mil moradias. Segundo o estudo, foi verificada carência de 844.342 moradias na Região Norte. Esse número, segundo a pesquisa, leva em consideração 98,3% de pessoas com renda familiar de até cinco salários mínimos (851.568 casas).

O índice é um reflexo da quantidade de famílias que vivem em condições inadequadas de moradia e pode ser relacionado aos impactos causados anualmente pelas chuvas e pela subida dos rios, pois demonstra que a ocupação urbana não tem sido feita de forma planejada, pensando no bem-estar humano.

O estudo projeta, ainda, a formação de novas famílias em dez anos. Nessa projeção, a Região Norte vai demandar 13% de novas moradias para diminuir o déficit habitacional, sendo Tocantins o quarto maior a demandar moradias para atender novas famílias. A previsão é de que sejam 115 mil unidades.

Na primeira semana de abril, o governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa, reuniu-se com representantes da Caixa Econômica Federal para dialogar sobre o programa “Minha Casa, Minha Vida”. Ao divulgar o encontro, o governo não detalhou o andamento da parceria.

Em março, o governo e a Prefeitura de Palmas se reuniram para tratar do programa “Minha Casa, Minha Vida”, do governo federal. Na ocasião, o secretá-

rio de Estado das Cidades, Habitação e Desenvolvimento Urbano (Secihd), Fábio Frantz, afirmou que “o próximo passo é instrumentalizar os projetos e apresentar, ao governo federal e ao governador Wanderlei Barbosa, o que está disponível para ser executado em um curto espaço de tempo e, assim, reduzir a desigualdade social e promover a ocupação urbana planejada.

A CENARIUM solicitou informações ao Governo do Tocantins sobre o número de áreas de risco contabilizadas no Estado, número de famílias que vivem nessas regiões e quais programas de habitação o Estado dispõe ou pretende implantar para diminuir o déficit habitacional, mas, até o fechamento desta edição, não houve resposta.

150 pessoas, que integram 35 famílias, ficaram desalojadas. A Defesa Civil informou que a cheia do Rio Lontra, devido às chuvas, atingiu 73 casas em três bairros da cidade e nove ruas alagadas. As famílias foram encaminhadas para escolas da cidade, que se transformaram em abrigos temporários.

INDÍGENAS

Comunidades do povo Krahô-Kanela também sofreram com os impactos das cheias e ficaram debaixo d’água, após o nível dos rios Formoso e Dueré subirem. As terras estão localizadas no município de Lagoa da Confusão. Segundo o cacique Wagner Catmeje, foi necessário construir diques para evitar que a água não entrasse nas casas.

O Governo de Tocantins divulgou que representantes da Secretaria Municipal de Governo e Assuntos Indígenas de Lagoa da

Emergência

Confusão estiveram em Palmas apresentando a situação ao coordenador-adjunto da Defesa Civil Estadual, tenente-coronel Erisvaldo Alves. São cerca de 40 famílias impactadas e o plano inicial divulgado pela Defesa Civil é levá-las para locais mais altos e seguros até que as chuvas cedam.

Os indígenas Krahô-Kanela vivem, há 15 anos, em uma área de 1 hectare no município, pois não têm um território demarcado. E enfrentam, anualmente, os problemas com os alagamentos. “Queremos garantir um território criando uma reserva indígena para o nosso povo. Esse processo já existe, mas está paralisado, há anos”, relatou a liderança Renato Krahô, durante reunião com a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, em março. Em resposta, Joenia informou que a Funai dará andamento à demanda dos indígenas Krahô.

No dia 5 de abril, o Governo do Tocantins decretou situação de emergência devido aos estragos causados pelas chuvas e consequentes enchentes e inundações. Com o decreto, o Estado poderá realizar compras de bens e serviços, sem licitação, desde que as aquisições sejam concluídas em até 180 dias, pois é proibida a prorrogação dos contratos. Com a medida, a Coordenadoria de Proteção e Defesa Civil, do Corpo de Bombeiros, fica autorizada a mobilizar todos os órgãos e entidades da administração direta e indireta estadual para atuarem nas ações de resposta à situação e de reconstrução dos danos provocados pela força das águas.

A partir do decreto, as autoridades locais poderão evacuar construções em situação de risco; utilizar propriedades privadas como bases de apoio, em caso de perigo público (com indenização posterior ao proprietário do local); e entrar em qualquer residência, com o objetivo de prestar socorro.

400 Comunidade indígena também foi impactada pela cheia
Crédito: Corpo de Bombeiros Governo do Tocantins
REVISTA CENARIUM 51 50 www.revistacenarium.com.br
No Tocantins, mais de 400 pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas em todo o Estado, por conta da subida dos rios no período chuvoso desse ano.

Invisibilidade regional

Tragédias sociais da região repercutem pouco nos grandes centros do País, dizem especialistas

Eduardo Figueiredo – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – “A Amazônia é vendável, se compra a Amazônia. Quando se quer falar de rio de água doce que pode proteger uma parte da humanidade, é a Amazônia. Mas, e os povos que vivem nela?”, o questionamento é da antropóloga e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Iraildes Caldas sobre a invisibilidade das pautas sociais nos Estados que compõem a Amazônia Legal, em comparação com as regiões sul e sudeste.

Nos primeiros meses de 2023, fortes chuvas castigaram Estados como Amazonas, Acre, Pará, Rondônia, Maranhão e Tocantins. Mas, a pouca repercussão nos noticiários nacionais e a falta de atenção por parte do governo federal chamam a atenção. Especialistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM explicam porque

as tragédias na Amazônia são invisíveis aos olhos da maioria do País.

“As tragédias da Amazônia quando envolvem a floresta, o desflorestamento e desmatamento têm uma reverberação na mídia nacional, que são, na verdade, as mídias do sudeste, que se dizem nacional, mas, por exemplo, uma tragédia local,

como foi a morte das pessoas devido aos deslizamentos em Manaus, eles não cobrem”, explica a jornalista e mestre em Ciências Políticas Liege Albuquerque.

SUDESTE X NORTE

No dia 19 de janeiro de 2023, o litoral norte de São Paulo foi castigado com fortes chuvas. Em São Sebastião, 36 pessoas morreram por conta dos desabamentos e, em Ubatuba, a morte de uma criança foi registrada. No total, em todo o litoral, foram registradas 65 mortes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava na Bahia, onde ia aproveitar o feriado de Carnaval, mas cancelou a folga para visitar a região. O presidente sobrevoou as áreas afetadas e prometeu construir casas para as famílias que ficaram desabrigadas.

Menos de dois meses depois, no dia 12 de março, Manaus foi cenário de uma tragédia semelhante. No bairro Jorge Teixeira, Zona Leste da capital amazonense, oito pessoas morreram soterradas e 11 casas foram destruídas por conta de um deslizamento de terras causado pelas chuvas. No dia seguinte, 13 de março, o presidente cumpriu agenda na 52ª Assembleia dos Povos Indígenas, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada em Normandia, Roraima, Estado vizinho ao Amazonas, mas não visitou a área onde ocorreu a tragédia.

A comoção em torno da tragédia no litoral de São Paulo ganhou o apoio de campanhas realizadas por Organizações Não Governamentais (ONGs) que se uniram para amenizar o impacto sofrido pelas famílias. Algumas das campanhas são: #tamojunto da Gerando Falcões; SOS São Paulo – CUFA e Frente Nacional Antirracista e SOS – Ação da Cidadania. Nas redes sociais, o assunto foi parar entre os mais comentados, com famosos e anônimos manifestando solidariedade às vítimas.

RELEVÂNCIA NACIONAL

Na análise de Liege Albuquerque, as pautas amazônicas precisam ter um grande apelo nacional para serem levadas para fora. “Tanto na mídia impressa ou internet, que é quase a mesma coisa, quanto na TV. Na verdade, isso sempre foi assim. As desgraças ‘pequenas’, que são muito locais, dificilmente reverberam”, afirma a jornalista.

“Quando se quer falar de rio de água doce que pode proteger uma parte da humanidade, é a Amazônia. Mas, e os povos que vivem nela?”

Iraildes Caldas, antropóloga e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Iraildes Caldas acrescenta que só se fala do Amazonas, por exemplo, em períodos de grande seca. “(...) o Amazonas parece que é um Estado que nem existe. Só aparece quando tem tragédias, quando tem as calamidades públicas, quando tem as grandes secas, que os peixes estão mortos, então se mostra aquele rio de peixes mortos e o povo fica: ‘olha estão matando os peixes’, mas não se olha para essa região com políticas adequadas, até acham que aqui não tem barranco, não tem colina, então não vai ter deslizamento”.

Caldas ainda destaca que quando se fala em Amazônia, mostram-se as palafitas e as pessoas pescando dentro da canoa. “Esse estereótipo é para mostrar uma Amazônia feia, pobre, de pessoas preguiçosas, que não querem desenvolvimento, não querem saber de progresso”, completa.

Pós-doutora em Sociologia, Marilene Corrêa, avalia que Manaus tem o perfil das grandes cidades brasileiras e, por conta da população, que está acima dos 2 milhões de habitantes, está sujeita a todo o tipo de tragédia. Para a especialista, na capital do Amazonas, o perfil da desigualdade, pobreza e delinquência são consequências da ausência de maior regulação dos direitos humanos.

Sobre a diferença na forma de disseminar as notícias em relação às tragédias na Amazônia, a pós-doutora explica que a maneira como essas informações são divulgadas pode revelar o que os comunicadores compreendem sobre a Amazônia.

“A forma pela qual a matéria é comunicada e o impacto que ela gera nos meios de comunicação de massa revelam um déficit de compreensão do que seja a Amazônia”

Marilene Corrêa, pós-doutora em Sociologia.

“A forma pela qual a matéria é comunicada e o impacto que ela gera nos meios de comunicação de massa revelam um déficit de compreensão do que seja a Amazônia, da relação da Amazônia com a sociedade brasileira e, consequentemente, com as preocupações do Brasil”, afirma.

O que fazer para chamar atenção?

Liege Albuquerque acredita que o fortalecimento da mídia local é necessário para que os problemas da região sejam vistos nacionalmente. Ela ressalta que nas duas primeiras gestões de Lula (2003-2011), as pautas de relevância para a região amazônica não eram totalmente ignoradas, mas deixavam a desejar.

“O problema dos Yanomami e de outras etnias não é de hoje, só que piorou muito nos últimos quatro anos, porque eles foram completamente ignorados. Mas a gente está só começando o Governo Lula, que agora tem uma atenção maior, pelo menos midiaticamente, pelo marketing que a gente viu, relata a professora. Liege destaca que para mudar esse cenário é necessário fortalecer as mídias regionais. “É óbvio que veículos de comunicação, como a REVISTA CENARIUM e a Amazônia Real, pela seriedade que têm demonstrado, estão chamando a atenção para os problemas, para as mazelas locais, acabam reverberando na mídia nacional e chegando ao governo federal. Então, o que precisa é o fortalecimento da mídia regional, para que os problemas sejam mais vistos pelos políticos e percebidos pela Nação”, finaliza.

Moradores de São Sebastião, em São Paulo, limpam a lama de rua de comunidade, após enxurrada Famílias que moram na comunidade da Sharp, em Manaus, convivem com falta de infraestrutura e saneamento
“O que precisa é o fortalecimento da mídia regional para que os problemas sejam mais vistos pelos políticos e percebidos pela nação”
Liege Albuquerque, jornalista e mestre em Ciências Políticas.
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Crédito: Ravena Rosa
Ag Brasil
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Crédito: Ricardo Oliveira

Manaus, uma cidade e seu destino

Tenório Telles

Nada está imune a esse devir permanente que define o existir humano e o existir das coisas. Pessoas, povos, cidades... tudo se rege pelo movimento que impulsiona a vida, transformando tudo, determinando a morte e o nascimento de novas possibilidades de vivências e de convívio humano. Tem razão o pensador do mundo, padre Antônio Vieira, quando afirmava que o fluxo da existência é inapelável: “Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera!”.

O tempo é um tirano implacável e nada escapa ao seu pingar corrosivo. Tudo sucumbe ante seu trotar irremediável. Nem mesmo as cidades estão imunes à sua conspiração silenciosa. As cidades nascem e morrem como os seres humanos, porque é em função deles que nascem e são. O escritor italiano Italo Calvino percebeu essa dimensão humana que plasma os espaços urbanos, como se depreende da leitura de seu enigmático livro “As cidades invisíveis”:

As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam outra coisa.

A cidade como espaço de convivência entre os homens tem sido um tema recorrente na literatura. A poesia que se produz no Amazonas é ilustrativa dessa preocupação. Um dos poetas mais expressivos da lírica regional, Aldisio Filgueiras, elegeu a cidade de Manaus como tema de sua produção poética. O escritor problematiza-lhe a história, a condição social de sua gente e a tragédia urbana que caracteriza o seu destino. No livro “Manaus – as muitas cidades”, o sujeito poético evoca o mal-estar e a urbanização irracional desse espaço social que mais parece uma ferida braba que cresce devorando a floresta, os igarapés, os bichos e se volta contra os seus habitantes, devorando-lhes corpos e sonhos:

“Sim: existe uma cidade em nós. Uma cidade tão singular que se realiza apenas no plural: Manaos-Manaus. (...)

A cidade fabrica bairros quando não se suporta e não cabe em si mesma:

Aí, Manaus é Manoa.

Aí, Manaus é Cidade Nova.

Aí, Manaus é Zumbi dos Palmares.

Aí, Manaus é Santa Etelvina – a que morreu sem deixar herança.

Aí, Manaos é Manaus: uma questão de sentido. Jamais a cidade que existe em nós”.

O poema de Aldisio é um manifesto sobre o processo histórico de Manaus e um questionamento contundente sobre uma cidade que poderia ter sido um lugar de convivência criativa e humanidade, mas que, pela indiferença e a forma como foi sendo constituída historicamente, perdeu-se de si e do próprio sonho de ser um lugar para a vida, para a construção humana e para um convívio transformador, seguro e construtivo.

É possível, por meio, da leitura de alguns poetas de nossa terra perceber as diversas faces que Manaus foi assumindo ao longo do tempo, tanto do ponto de vista subjetivo como na sua paisagem social e urbana. O poema “Geografia provinciana”, de Astrid Cabral, evoca uma época e o dia a dia de uma cidade que não existe mais. Retrata-lhe poeticamente o contexto posterior à “debacle” da borracha. O que explica o tom nostálgico do texto:

“Manaus um ponto perdido no mapa. Ali, desgarrada entre paredes de verde. Mas iam e vinham navios Trazendo franjas do mundo. Europa e Península Ibérica surgiam das próprias pedras das avenidas e esquinas: (...)

O mundo estava em Manaus Manaus estava no mundo”.

O texto é expressivo da cumplicidade do artista com o seu tempo. A Manaus tematizada por Astrid ficou perdida na memória. É a “cidade

invisível” de sua infância e que reconstitui através de seus versos. O universo provinciano remanescente do fausto da borracha teve na poesia da escritora sua melhor tradução.

Nada escapa à lógica que determina o curso da história. E assim as regiões mais longínquas do planeta vão sendo integradas ao mapa do globalismo reinante. O destino dos homens é um detalhe nas estratégias geopolíticas dos senhores que decidem o futuro do mundo. Manaus não escapou a essa sorte. De entreposto extrativista, transformou-se compulsoriamente num posto avançado da produção e comércio internacional – uma cicatriz a corroer as entranhas desse vasto mundo, verde e líquido que é a Amazônia. Simão Pessoa, num de seus mais contundentes poemas, “Zorra Franca”, situa o problema:

Esta zona nunca foi franca mas falsa: com seu estilo decadente de Art Noveau sem graça. Ali onde havia macacaúba, marupá, louro e andiroba hoje é só vidro fumê (concreto armado com portas pantográficas e degradée) (...) Esta zona franca nunca passou de um rendez-vous: com suas polacas new society e seu ar de dejá vu...

O olhar de Simão retoma a discussão sobre o embate cultura e natureza e as transformações vividas pelo espaço geográfico em razão do processo de desenvolvimento econômico, personificado na Zona Franca, abordada de forma irônica pelo sujeito poético: “Esta zona nunca foi franca / mas falsa”. Chama a atenção

igualmente para a transformação do espaço urbano de Manaus – expresso na substituição da floresta (“macacaúba”, “louro e andiroba”) por uma paisagem de ferro, cimento armado e “vidro fumê”, que cresce de forma avassaladora em todas as direções. A metáfora que melhor traduz o que aconteceu com a cidade foi a perda e a poluição dos igarapés e outros cursos d’água que lhe davam um aspecto singular e aprazível. Esses olhares poéticos, com tons e perspectivas diversas, expressam e testemunham um paradoxo: o que, para muitos, é encarado como uma conquista do desenvolvimento, na verdade, é um retrato em branco e preto da realidade urbana degradante e degradada de uma cidade que nunca será “Liverpool”; que, observando-se o caos urbano e a situação social de seus habitantes, segue com os traços fundamentais e os problemas de um porto de lenha. Não por outra razão, no poema “Ai de ti, Manaus”, Aldisio Filgueiras, como os velhos profetas, faz uma imprecação à cidade: “Ouve a pobreza / dos teus / bairros, Manaus”.

Manaus é uma cidade que ainda não enfrentou o seu próprio presente, materializado na trajetória dramática de seus habitantes, sitiados pela pobreza, pela marginalização social e privados do direito ao saneamento e condições de vida mais humanas, espoliados por um processo político que se define pela falta de

visão do futuro, pela autofagia e ausência de sensibilidade.

Vivemos as ilusões de uma ideia de progresso que projeta as soluções dos problemas contemporâneos para o futuro, enquanto vidas inocentes são desperdiçadas. Vivemos entre um passado que se estiola, que se perde, e um futuro que não se cumpre. Um poeta de nossa terra retratou, com rara sensibilidade e beleza estética, o drama vivido por uma cidade que um dia foi chamada, de forma ufanística, de “A Paris dos Trópicos”. Trata-se de Luiz Bacellar, no poema “Noturno do bairro dos Tocos”. No texto, o eu lírico se volta para a memória para relembrar os tempos de menino, suas reminiscências de uma cidade que foi se arruinando e sobreviveu no seu imaginário, nas lembranças que guardou dos prédios, nos becos e paisagens capturadas pelo seu olhar. Nesses versos tocantes, Bacellar rememora subjetivamente a paisagem urbana da Manaus de sua infância e de, alguma forma, antecipa o que veio a acontecer com nossa cidade:

“Há tanta angústia antiga em cada prédio! Em cada pedra nua e gasta. E agora em necessário pranto que demora o amargo verso vem como remédio

pelos sonhos frustrados em cada hora da ingaia infância. Madurando o tédio nos becos turvos, porque exige e pede-o inquieta solidão que assiste e mora em cada tronco e raiz, calçada e muro: Chora-Vintém, O-Pau-Não-Cessa. Impuro se derrama um palor de lua morta nas crinas tristes, no anguloso flanco: memória e angústia fundem-se num branco cavalo manco numa rua torta”.

E assim seguimos, perseguindo nossas miragens, enquanto o tempo tudo devora, tudo corrói. Como um arqueólogo, o poeta revolve as entranhas do passado, revelando-lhe os sentidos, os segredos e as imagens de seu lugar de vivências, as paisagens da cidade que o viu despertar para o mundo. No caso das vozes líricas que ecoam neste texto: a cidade de Manaus, em contextos e recortes temporais diferentes. Como diz Thiago de Mello, no seu belo livro “Manaus, amor e memória”: “Minha memória trabalha com a matéria de um tempo que o próprio tempo comeu”. Somos a cidade onde nascemos e, em muitos aspectos, ela nos traduz.

(*) Tenório Telles é escritor, doutorando em Literatura e Crítica Literária (PUC/SP) e autor de Estudos de Literatura do Amazonas, Prelúdio coral e Viver.

ARTIGO – TENÓRIO TELLES
“Manaus é uma cidade que ainda não enfrentou o seu próprio presente, materializado na trajetória dramática de seus habitantes, sitiados pela pobreza”
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Crédito: Ricardo Oliveira Crédito: Acervo Pessoal

Reforma tributária com Zona Franca

‘É possível fazer uma proposta preservando a ZFM’, diz Alckmin

MANAUS (AM) – Ao participar da 308ª Reunião Ordinária do Conselho de Administração da Suframa (CAS), realizada no dia 24 de março, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin (PSB), defendeu que é possível fazer uma proposta da Reforma Tributária preservando a competitividade da Zona Franca de Manaus (ZFM).

“É perfeitamente possível construir uma proposta de Reforma Tributária preser-

vando a Zona Franca de Manaus. E aqui foram muito bem destacadas suas capilaridades, levar os seus benefícios para o interior e também para os demais Estados para conseguirmos avançar. Essa é a determinação do presidente Lula. Esse é um requisito importante da agenda tributária, de manter a competitividade da ZFM”, afirmou o vice-presidente.

O Polo Industrial de Manaus (PIM) possui, aproximadamente, 500 indústrias de alta tecnologia, gerando mais de meio milhão de empregos, diretos e indiretos,

principalmente, nos segmentos eletroeletrônico, bens de informática e duas rodas. Uma das pautas prioritárias do Governo Lula é a aprovação da Reforma Tributária ainda no primeiro semestre. No Congresso, tramitam duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) a PEC n.º 110/2019 e a PEC n.º 45/2019.

O governador do Amazonas, Wilson Lima (União), fez um discurso enfático na defesa do modelo de desenvolvimento econômico da Amazônia. Segundo ele, a presença de Geraldo Alckmin é funda-

mental para mostrar ao governo federal que as indústrias geram mais de 114 mil empregos diretos, que a Zona Franca conta com mais de 500 indústrias de alta tecnologia e contribui para a preservação ambiental do Amazonas que, hoje, mantém 97% da cobertura natural da Floresta Amazônica preservada.

REUNIÃO DO CAS

Durante a primeira reunião do CAS deste ano foram aprovados 44 projetos industriais e de serviços que estimam investimentos totais de cerca de R$ 1,5 bilhão e a geração de mais de 2 mil novos empregos na Zona Franca de Manaus (ZFM).

Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

História de 1967

Com 56 anos de fundação, completados na última terça-feira, 28, a Zona Franca de Manaus (ZFM) é uma área de livre comércio, de importação e exportação e de incentivos fiscais, criada visando estimular o desenvolvimento econômico no interior da Amazônia, mediante a criação de um centro industrial, comercial e agropecuário. A Zona Franca de Manaus foi criada em 1967, pela Lei N° 3.173/1967.

“A Zona Franca de Manaus é essencial, e nós não abrimos mão, tendo em vista o prejuízo econômico, social e ambiental que a região e o País teriam caso perdêssemos esse modelo econômico”, ressaltou o governador.

Em fevereiro deste ano, Wilson Lima assinou decretos para a concessão de incentivos fiscais para 66 indústrias do Polo Industrial de Manaus (PIM), que tiveram projetos aprovados no Conselho de Desenvolvimento Econômico do Amazonas (Codam). Com investimentos de cerca de R$ 2 bilhões, as empresas devem gerar 2 mil novos postos de trabalho no Estado.

Em 2021, foi sancionada a renovação da Lei Estadual de Incentivos Fiscais, dois anos antes do prazo final da legislação, garantindo os benefícios tributários estaduais até 2032, dando segurança jurídica ao polo industrial.

O evento teve caráter especial em função da comemoração do aniversário de 56 anos da Suframa e do modelo ZFM,

O vice-presidente e ministro do MDIC, Geraldo Alckmin, durante a reunião do CAS

celebrados, oficialmente, no dia 28 de fevereiro – e contou com a presença do governador do Amazonas, Wilson Lima (União); do governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade); do prefeito de Manaus, David Almeida (Avante); do prefeito de Rio Branco, Sebastião Bocalom; do superintendente interino da Suframa, Marcelo Pereira; de autoridades políticas e empresariais; e de representantes de entidades de classe da região.

Novo superintendente da Suframa

Milena Soares – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O ex-deputado federal pelo Amazonas, Bosco Saraiva (Solidariedade), aceitou o convite do vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, no dia 6 de abril, para assumir a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). O convite foi confirmado pela assessoria do político à  REVISTA CENARIUM. A nomeação foi

publicada no Diário Oficial da União (DOU), no dia 25 de abril.

Bosco Saraiva se reuniu com Geraldo Alckmin, em Brasília (DF), no dia 6 de abril, onde o vice-presidente fez o convite e o ex-deputado aceitou o cargo.

À CENARIUM, a assessoria do ex-deputado informou que as conversas para que o político assumisse a superintendência já aconteciam há algum tempo.

A Suframa estava sem titular desde o início do Governo Lula.

“Essa é a determinação do presidente Lula. Esse é um requisito importante da agenda tributária, de manter a competitividade da ZFM”
O Polo Industrial de Manaus (PIM) possui, aproximadamente, 500 indústrias; o Polo de Duas Rodas é um dos principais setores Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium Crédito: Ricardo Oliveira Crédito: Divulgação Sugrama
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Fotojornalismo: CENARIUM premiada

Publicação vence prêmio nacional do Instituto MOL de Jornalismo para Solidariedade

MANAUS (AM) – A REVISTA CENARIUM ganhou o prêmio MOL de Jornalismo para a Solidariedade, na categoria Fotojornalismo, no dia 30 de março. A premiação aconteceu via YouTube e o fotojornalista Ricardo Oliveira, da CENARIUM foi escolhido pelo trabalho “Manejar é Preciso”. Uma seleção de imagens que o profissional denominou de “Manejadores – Uma Crônica Visual”.

A premiação é uma iniciativa do Instituto MOL para reconhecer o trabalho de profissionais e estudantes de jornalismo que contribuem para fortalecer a cultura de doação, a solidariedade e a atuação das organizações da sociedade civil – destacando a importância dos temas para o exercício da cidadania no País. Na versão 2023, o concurso teve como jurados experientes jornalistas, dentre os quais: Cecília Olliveira; Breiller Pires; Rene Silva, Elaíze Farias e Dennis de Oliveira.

A jornalista da CENARIUM Ívina Garcia também foi indicada na categoria “texto”, pela reportagem “Cozinha solidária distribui comida para indígenas na comunidade Parque das Tribos, em Manaus”, que aborda a insegurança alimentar dos povos indígenas, em Manaus, diante da pandemia da Covid-19.

Para Ricardo Oliveira, a premiação simboliza o reconhecimento daqueles que são os verdadeiros guardiões da Amazônia. Homens e mulheres que sempre conviveram em harmonia com a floresta. “Fico muito feliz pela Amazônia e seus protagonistas manejadores ribeirinhos que me concederam toda a paciência e a logística para contar, em imagens, um pouco desse importante trabalho de preservação”, reconheceu.

Bio profissional

Em 2008 e 2011, Ricardo Oliveira foi finalista do Prêmio Embratel de Reportagem - Regional Norte, com o trabalho “Waimiris-Atroaris: Massacres, Riquezas e Mistérios” (texto e fotos) e com o Caderno Especial Fronteiras. Em 2014, ganhou o prêmio Sebrae Nacional de Fotografia, com a reportagem “Milagre dos Peixes”, no Amazonas em Tempo.

‘MANEJADORES’

As imagens premiadas, capturadas sob o olhar de Ricardo Oliveira, foram produzidas durante viagem para acompanhar como pescadores, da região do Purus, organizam-se para garantir segurança e subsistência. “É preciso fazer uma longa viagem pelas curvas do Purus até seus lagos. Para chegar à morada do grande peixe, temos

que furar os varadores mata adentro. O gigante se vê brincando de pular e mostra sua cauda colorida em vermelho chamariz e, ao nos avistar, encabulado, se refugia no capinzal”, relatou Ricardo Oliveira à época que captou as imagens.

Em seu relato, o fotojornalista também descreveu: “Subindo o rio, a ordem dos setores se dá logo na entrada, Caua-

As lentes do fotógrafo Ricardo Oliveira captam imagens que retratam a Amazônia que mais precisa ser vista: a de homens e mulheres que nela vivem

Produto final

Ao todo, cinco jornalistas foram premiados nas categorias Jovem Jornalista, Áudio, Vídeo, Texto e Fotografia. Vitorioso, Ricardo Oliveira explicou como chegou ao produto final das imagens: “Escolhi essa coletânea de fotos e reportagem em uma viagem ao Purus, onde passei uma semana com os pescadores e transformei essa viagem e minhas anotações em uma produção sobre o manejo do pirarucu (importante peixe da nossa região), mostrando a solidariedade entre

Em 2016, ganhou o Prêmio Nacional MPT Ministério Público do Trabalho, a 7ª edição do Prêmio Anamatra de Direitos Humanos e o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos (Menção Honrosa) com reportagem sobre o “Piabeiros e Piaçabeiros às margens do Rio Negro e das Leis Trabalhistas e dos Direitos Humanos”.

eles e como a comunidade se mantém e se comporta”, detalhou.

O Instituto MOL é responsável pela Editora MOL, dedicada ao fortalecimento da cultura de doação no Brasil, por meio da produção de conhecimento, eventos, apoio a movimentos, pesquisas, financiamentos de campanhas e muito mais.

Na edição deste ano, foram escolhidas reportagens com a seleção dos melhores trabalhos que receberam troféus e uma premiação em dinheiro.

cuianã, Itapuru, Ayapuá Cabeceira, Arumã, Paraná do Macaco, sendo Supiá Redenção o último. O barco de madeira ‘Promessa de Deus’, com forma que lembra um charuto, durante dez dias vai deslizando por diversos paranás e lagos, até o encontro com os outros manejadores que lá se encontram. No percurso, como ‘pano de fundo’, a fauna, com mergulhões, biguatingas, jacarés, macacos e tantos outros”.

Mencius Melo – Da Revista Cenarium A premiação MOL é mais um reconhecimento ao trabalho da REVISTA CENARIUM em divulgar a Amazônia Crédito: Divulgação Crédito: Ricardo Oliveira
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Crédito: Ricardo Oliveira

‘Caos fundiário’ no Pará

Em 12 anos, Estado recuperou apenas um de 10 mil imóveis com títulos de terra fraudados

Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – Estudo inédito mapeou o rastro de ilegalidade deixado pelo que especialistas chamam de “caos fundiário” em curso no Pará. O Estado é um dos nove territórios da Amazônia Legal que, recorrentemente, lideram indicadores de irregularidades ambientais no bioma. Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o governo paraense retomou apenas um dos mais de 10 mil imóveis rurais cancelados por suspeita de grilagem, em 12 anos. Um péssimo exemplo vindo do Estado candidato a ser a sede da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em 2025.

Segundo a pesquisa, lançada em fevereiro, uma área de floresta dez vezes maior que a cidade de São Paulo está entre os títulos de terras cancelados por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os pesquisadores analisaram, ao todo, 10.728 matrículas canceladas nos cartórios por terem sido registradas ilegalmente e concluíram que, pelo menos, 332 lotes realmente existem e poderiam voltar ao patrimônio público.

Todos esses títulos somam área superior a 91 milhões de hectares, ou seja, 73% da extensão territorial do Pará. “O que seria impossível, pois o Estado já possui quase 50% de seu território formado por áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas”, alerta o instituto.

O estudo reuniu, além de cientistas do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA).

SOBREPOSIÇÃO E ‘FANTASMAS’

Segundo a pesquisa, dois grandes problemas podem ser a causa dos registros irregulares: terras matriculadas em sobreposição a outras ou, ainda, a titulação de áreas “fantasmas”. Resumindo: roubo de terras públicas e tentativas de empréstimos bancários com hipoteca. É o que também explica a pesquisadora do Imazon Brenda Brito.

“São, possivelmente, áreas que foram matriculadas de forma ilegal, porque elas, de fato, não existiam fisicamente. Então,

a gente tá falando de papéis que não têm qualquer relação com a terra. Eram títulos totalmente fraudados e que eram levados ao cartório”, diz a pesquisadora. Ela também pondera que, numa outra hipótese, “o título da área falava de mil hectares e se colocou um zero a mais na hora de fazer o registro, aumentando isso para 10 mil hectares”.

“Ou, eventualmente, você pode estar falando de áreas que, sim, possuíam toda a documentação, mas aquilo não estava apresentado ao cartório”, acrescenta Brito. Ela ressalta que, nestes casos, existe um procedimento previsto pelo Tribunal de Justiça (TJ) para a reversão do cancelamento, “é o que se chama de requalificação”, explica.

Se for o caso, é preciso apresentar uma lista de documentos, incluindo o georreferenciamento dos imóveis. No entanto, o estudo não chegou a uma resposta sobre quantos imóveis solicitaram a reversão ou, ainda, quantos foram requalificados.

Brenda Brito também destaca que os títulos têm validade legal até que o cancelamento seja realizado. No entanto, nesse meio tempo, além de serem usadas como garantia para empréstimos, essas áreas podem ser vendidas, exploradas com planos de manejo madeireiro e até incluídas em projetos de créditos de carbono. Um cenário que, na avaliação dela, pode inflar os conflitos por terra e as ameaças territoriais contra comunidades tradicionais.

COMPENSAÇÃO AMEAÇADA

Para o professor de Direito Agroambiental da UFPA e coautor da pesquisa, Girolamo Domenico Treccani, a situação observada no Pará não é apenas um “caos fundiário”. Ele afirma que as irregularidades evidenciam uma “situação de caos ambiental”. O cenário serve de alerta para interessados em investir no mercado de sequestro de carbono, no Estado, como compensação ambiental – segmento já inflamado pelas fraudes, segundo Treccani.  Ele revela que a pesquisa confirmou denúncias já apresentadas em investigações anteriores a respeito do assunto: “existem casos de matrículas canceladas que estão sendo objeto de contrato de crédito de carbono”, afirma.

• Os pesquisadores analisaram, ao todo, 10.728 matrículas canceladas nos cartórios por terem sido registradas ilegalmente e concluíram que, pelo menos, 332 lotes realmente existem e poderiam voltar ao patrimônio público.

• Todos esses títulos somam área superior a 91 milhões de hectares, ou seja, 73% da extensão territorial do Pará.

Transparência

A retomada das terras deveria seguir o exemplo do registro da gleba Arraiolos, feito no nome do governo estadual, em 2018. Foi o único território retomado em um período de 12 anos entre os milhares de títulos cancelados, segundo o levantamento do Imazon, UFPA e IFPA.

Trata-se de uma área de 386 mil hectares, mais de três vezes a cidade do Rio de Janeiro, localizada no município de Almeirim, distante mais de 400 quilômetros de Belém. A conservação da unidade ocorreu depois que uma fazenda foi retomada por ter sido registrada ilegalmente em nome da empresa Jari S/A, alvo de cancelamento determinado pelo CNJ, como apontado pela pesquisa.

“Nosso estudo destaca que a decisão do Conselho Nacional de Justiça, de 2010, foi um passo essencial para combater a grilagem de terra no Estado do Pará, porém ainda é necessário avançar”, classifica a pesquisadora e coautora do estudo, Brenda Brito.

Ela defende que a sociedade precisa ter conhecimento sobre o que, de fato, aconteceu com os imóveis que tiveram títulos cancelados. “A transparência é essencial para evitar que essas matrículas ainda, eventualmente, sejam utilizadas para investimentos e para a implantação de projetos, porque, aí, você vai estar gerando mais insegurança jurídica no Estado”, avalia a pesquisadora.

Área a recuperar equivale à soma de dez vezes a cidade de São Paulo, convertida em floresta: cerca de 1,5 milhão de hectares
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Crédito: Reprodução Imazon

Tamanho do problema

A área a recuperar é enorme: a soma de dez vezes a cidade de São Paulo, convertida em floresta. Cerca de 1,5 milhão de hectares, 60% do total dos 332 imóveis localizados pelos pesquisadores no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – dentre os mais de 10 mil cancelados -, correspondem a regiões de mata. Daí a urgência pela retomada desses territórios, que podem estar em áreas do governo estadual ou federal, segundo o estudo.  Juntos, os mais de 300 imóveis têm 2,5 milhões de hectares de terra. Para chegar aos números, a pesquisa também cruzou dados de georreferenciamento das áreas com indicadores de mudança no uso e cobertura do solo: mais de 800 mil hectares já haviam sido desmatados até 2020, 34% do total. E, quase 80% disso, por conta do avanço das atividades agropecuárias.

“Parece inacreditável, mas, infelizmente, é a ponta mais importante, que poderia ajudar a Amazônia, o Pará e o Brasil a ter uma recompensa ao seu ativo ambiental. E nós ainda temos muitos ativos válidos de um ponto de vista ambiental, muitas florestas públicas, áreas

destinadas às populações tradicionais, como quilombolas, indígenas ou projetos de assentamentos agroextrativista, que poderiam ser oferecidas no mercado nacional e internacional de crédito de carbono. O que se assiste, porém, é um assalto ao patrimônio público, na medida em que se celebram contratos cuja legitimidade de um ponto de vista fundiário e ambiental é absolutamente questionável”, lamenta o coautor da pesquisa.

Os mais prejudicados, na avaliação do pesquisador, são as populações tradicionais e originárias, devido ao agravamento da dificuldade de acesso à terra para essas comunidades.

“Infelizmente, os estudos publicados nas últimas duas décadas pela Comissão Pastoral da Terra nos mostram como a violência faz parte do dia a dia dessas populações”, cita Girolamo Treccani. “Se antes eram camponeses, lideranças sindicais, lideranças religiosas e advogados, nos últimos levantamentos são as populações tradicionais as vítimas dessa situação”, complementa o especialista.

Mais de 800 mil hectares de floresta já haviam sido desmatados, até 2020, dentro dos imóveis com títulos cancelados pelo CNJ. Grande parte serve à agropecuária

Municípios recordistas

Mesmo sendo áreas bem distribuídas pelo território do Pará, as irregularidades são mais robustas nos municípios de São Félix do Xingu e Altamira, ambos também recordistas em desmatamento. Juntos, somam mais de 45 milhões de hectares de terra, metade dos títulos cancelados.

Decisão do CNJ de 2010 determinou cancelamento administrativo de todos os registros de imóveis que descumprem a Constituição Federal

Decisão histórica

Considerada histórica por Organizações da Sociedade Civil, a decisão do CNJ, de agosto de 2010, determinou o cancelamento administrativo, sem necessidade de ação judicial, de todos os registros de imóveis feitos em cartórios do Pará que desrespeitaram a Constituição Federal.

Pela legislação, existe um limite máximo de área que pode ser titularizado por órgãos fundiários sem prévia autorização do Congresso e que varia de acordo com a data de matrícula. Entre julho de 1934 a novembro de 1964, esse limite foi de 10 mil hectares. A partir daquela data, caiu para 3 mil hectares, limite que ficou fixado até outubro de 1988. Hoje, é de 2,5 mil hectares. Isso também se aplica para áreas desmembradas em mais de uma propriedade. Como resultado, os supostos proprietários devem provar que as terras foram adquiridas conforme a lei. “É uma decisão histórica, exatamente porque permite à sociedade brasileira conhecer essa realidade de caos fundiário”, avalia o pesquisador e professor de Direito Agroambiental, Girolamo Domenico Treccani.

“Ao mesmo tempo, essa decisão do CNJ resguarda o direito de todas aquelas pessoas que tinham documentos válidos. Portanto, uma eventual matrícula bloqueada ou até cancelada, mas cujo detentor comprovasse que tinha origem legítima, poderia ser requalificada, isto é, voltar a ter vigência e desbloqueá-la”, acrescenta o professor.

Treccani diz que, agora, é preciso sistematizar as informações sobre a localização, tamanho e quantidade de terras públicas estaduais e federais envolvidas nos cancelamentos. Em segundo lugar, ele aponta que é preciso saber para quem as terras foram destinadas e para quais finalidades.

“Na medida em que a terra for pública, nós entendemos que a União e o Estado têm que participar de uma maneira ativa desse debate. Nós não acreditamos que se tratem de contratos assinados, exclusivamente, entre particulares, exatamente porque o objeto fundamental é a proteção da floresta. E a floresta se localiza em terra pública”, conclui Domenico Treccani.

“Existem casos de matrículas canceladas que estão sendo objeto de contrato de crédito de carbono”. (...)
“Parece inacreditável, mas, infelizmente, é a ponta mais importante, que poderia ajudar a Amazônia, o Pará e o Brasil a ter uma recompensa ao seu ativo ambiental”
Girolamo Domenico Treccani, professor de Direito Agroambiental da UFPA e coautor da
pesquisa.
Crédito: Elineudo Meira | Fotos Públicas 63 62 www.revistacenarium.com.br REVISTA CENARIUM POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS
Crédito: Divulgação Greenpeace

Pluralidade de vozes

Hatoum diz que os governos de Lula e Dilma promoveram inclusão cultural: ‘Resultado está aparecendo’

MANAUS (AM) – O escritor amazonense Milton Hatoum falou, em entrevista à REVISTA CENARIUM, sobre literatura e política, e defendeu que os governos anteriores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) promoveram a inclusão de indígenas, negros, mulheres e pessoas marginalizadas culturalmente nas universidades. Para ele, o resultado dessa inclusão está aparecendo agora. O escritor também reviveu memórias de Manaus.

Hatoum visitou Manaus, no início de março deste ano, quando participou da pré-estreia do filme “O Rio do Desejo”, inspirado em sua obra “O Adeus do Comandante”. O evento ocorreu no dia 7 de março, no Teatro Amazonas. Hatoum também recebeu o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), no dia 10 de março.

Na leitura do amazonense, há uma pluralidade de vozes resultantes da oportunidade ao acesso à universidade e que já começam a despontar para a escrita e seus diversos vieses. O escritor falou, com grande expectativa, sobre o futuro da literatura no País.

“Acho que há um movimento, no Brasil, onde há muitas vozes de jovens que se

formaram em uma inclusão na universidade, de duas gerações, onde indígenas, negros, mulheres e pessoas que estavam à margem da nossa cultura foram incluídos no então Governo Lula e, em parte, no Governo Dilma. Agora, o resultado disso está aparecendo, porque a cultura passa pelo estudo”, analisa.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2002, primeiro ano do Governo Lula, uma média de 3,5 milhões de estudantes estavam no Ensino Superior. Em 2010, no último período do Governo Lula, a presença de alunos nas universidades chegou a 6,3 milhões. No Governo Dilma, a oferta de vagas no Ensino Superior atingiu 1,586 milhão, ao longo de 2015 e no primeiro semestre de 2016.

PERÍODO TENEBROSO

Durante o Governo Bolsonaro, que encerrou em 2022, a cultura sofreu com os impactos do esvaziamento da pasta. A extinção do Ministério da Cultura e desmonte da Agência Nacional do Cinema (Ancine) é um dos exemplos deixados pela gestão anterior. Para Milton Hatoum, o governo de Jair Bolsonaro foi um período tenebroso e o País passa, agora, por um

Milton Hatoum recebeu a equipe da REVISTA CENARIUM para um bate-papo no Largo São Sebastião, Centro de Manaus Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium
REVISTA CENARIUM 65 64 www.revistacenarium.com.br
Crédito: Fricardo Oliveira
ENTRETENIMENTO & CULTURA ENTREVISTA MILTON HATOUM

“Acho que há um movimento, no Brasil, onde há muitas vozes de jovens que se formaram em uma inclusão na universidade, de duas gerações, onde indígenas, negros, mulheres e pessoas que estavam à margem da nossa cultura foram incluídos”

momento de esperança e muito trabalho de reconstrução, não só no âmbito cultural.

“Nós saímos de uma longa e tenebrosa noite, de um período de trevas destruidor, cruel, de uma política deliberadamente destrutiva em todas as áreas. E agora, no Governo Lula, que é de fato democrático, creio que tudo será retomado: a cultura, a educação pública, a saúde, os direitos humanos. Penso que seja um momento

de muita esperança, mas também de muita luta, pois reconstruir não será fácil como foi destruir”, defendeu.

MEMÓRIAS

O local da entrevista, concedida no dia 11 de março, foi uma escolha do próprio Hatoum: em frente à Banca do Largo, localizada no Largo São Sebastião, no Centro Histórico de Manaus. O estabelecimento pertencia a Joaquim Melo, grande amigo

do escritor, que morreu em janeiro deste ano. Milton Hatoum relembrou os bons momentos vividos em um dos seus locais preferidos da cidade.

“Eu frequentava muito os arredores do Teatro Amazonas, acordava com os sinos da igreja. Lancei meus livros aqui, na Banca do Largo, com o nosso querido e saudoso Joaquim Melo, que foi um grande divulgador da cultura não só manauara, mas amazônica, e deixou seu

diz ao fato de Manaus ser minha infância, esse teatro, essa praça, eu morava a 150 metros daqui. Para quem escreve, a infância e primeira juventude são decisivas”, revelou Milton.

NOVOS TALENTOS

Considerado um dos grandes nomes da literatura contemporânea, Hatoum falou sobre a importância das novas gerações para o fazer literário. Para o escritor, é “extremamente desejável” e necessário o surgimento de novos talentos na literatura.

“Ela não para só em uma geração, ela continua, os jovens estão aí produzindo, escrevendo, não só ficcionistas, mas poetas importantes também de Manaus, Belém, do Norte, da Amazônia”, considerou.

FILME

Hatoum usou a pré-estreia do filme “O Rio do Desejo”, no dia 7 de março, para exemplificar a busca do público por boas iniciativas culturais e avaliou o trabalho dirigido por Sérgio Machado, que tem entre os protagonistas Sophie Charlotte, Daniel Oliveira, Rômulo Braga e Gabriel Leone.

“Reconstruir é muito duro e a prova disso é a estreia do filme ‘O Rio do Desejo’, realizada aqui, no Teatro, lotado, e ainda tinham 800 pessoas fora. Isso é uma resposta a essa destruição e ânsia pela retomada dos movimentos culturais e demais setores que as pessoas estão”, destacou o escritor, lembrando que a obra foi gravada em Itacoatiara, distante 270 quilômetros de Manaus.

“Meus quatro primeiros romances são ambientados em Manaus. É uma atmosfera da cidade ou do Amazonas, como “Órfãos do Eldorado’. Depois, eu publiquei dois volumes de uma trilogia, ‘A noite da espera’ e ‘Pontos de Fuga’. Neste ano, talvez, eu publique o terceiro e último volume, que aborda um pouco a minha experiência em Brasília e em São Paulo. O terceiro é uma surpresa, aparece uma outra cidade, um lugar mineiro. Depois, quem sabe, eu escreva mais sobre minha cidade, novamente. Tenho alguns contos inéditos ambientados em Manaus”, finaliza.

Sobre Milton Hatoum

Milton Assi Hatoum é natural de Manaus, Amazonas. Além de romancista, é formado em Arquitetura, pela Universidade de São Paulo, estudou Literatura na França e atuou como professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), de onde ganhou o título de Doutor Honoris Causa, no dia 10 de março deste ano. Hatoum também tem experiência como colunista do jornal O Estado de São Paulo. O autor tem obras traduzidas para 17 países e acumula vários prêmios literários, dentre eles, o Prêmio Jabuti, considerado o mais tradicional prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. “Relato de um Certo Oriente” (1989); “Dois irmãos” (2000); “Cinzas do Norte” (2005); “Órfãos do Eldorado” (2008) e “A Cidade Ilhada” (2009)” estão entre as obras mais famosas do escritor.

Confira a entrevista completa com Milton Hatoum no Canal da  TV CENARIUM AMAZÔNIA no YouTube. legado. Quando venho a Manaus, ando pelas praças da cidade, a Praça da Polícia, da Saudade, a parte que abrange o Centro mais antigo”, contou.

Hatoum também rememorou uma das frases mais conhecidas contidas em uma das suas produções literárias, “Para onde vou, Manaus me persegue”. “Essa frase, de fato, marcou e é uma frase de um conto que se passa em Manaus. Escrevi enquanto estava na Universidade da Califórnia. Con-

“Eu achei ótimo o Sérgio ter estreado o filme aqui e provar que Manaus também está atenta à cultura, esperando por uma obra rodada em Itacoatiara. Um trabalho profundamente humano e amazônico. Isso é Manaus, é nossa cidade que volta a respirar em todos os sentidos. Convido a todos a assistirem a esse belíssimo filme”, disse o autor do conto “O Adeus do Comandante”, que inspirou a película.

Quanto à possibilidade de Manaus estar, novamente, inserida em narrativas produzidas pelo autor, Milton revelou que já tem metas agendadas e vai fazer surpresas.

Milton Hatoum, escritor. Milton é admirador declarado das arquiteturas presentes nos prédios do Largo São Sebastião
67 66 www.revistacenarium.com.br ENTREVISTA
Crédito: Fricardo Oliveira
MILTON HATOUM ENTRETENIMENTO & CULTURA REVISTA CENARIUM

Prêmio Inaô celebra igualdade racial

Jornalista da REVISTA CENARIUM esteve dentre os homenageados

Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Personalidades, políticos e ativistas foram homenageados na 2ª edição do Prêmio Nacional Igualdade, promovido pelo Instituto Nacional Afro Origem Amazonas (Inaô), no dia 20 de março, no Auditório Carlos Alberto Bandeira de Araújo, sede da Procuradoria-Geral da Justiça do Amazonas, Zona Oeste de Manaus, pelo trabalho desenvolvido na promoção da igualdade social e racial no País.

Nesta edição, os agraciados foram o prefeito de Manaus, David Almeida; o procurador-geral de Justiça Alberto Nascimento; o ex-presidente da Manauscult e vereador de Manaus Alonso Oliveira; a professora quilombola Rafaela Fonseca; a comunicadora Érica Lima; a ativista Arlete Anchieta; a figura pública Juliana Lima; a comunicadora Priscilla Peixoto, o jurista Helso Ribeiro; o ativista e historiador Valdicley Vilas Boas; o secretário de acesso à Justiça Marivaldo Pereira; a umbandista Mãe Vanda e o ex-presidente da Fundação Palmares Zulu Araújo.

Biografia

Priscilla Daniela Peixoto tem 35 anos. Formou-se em Jornalismo, pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em 2012. Trabalha no ramo jornalístico há 11 anos e atua, também, no audiovisual, onde já desenvolveu produtos nas áreas de cinematografia e publicidade. Desenvolveu, também, trabalhos para agências de publicidade e para Associação de Mídias Audiovisuais e Cinema do Amazonas. Atualmente, faz parte da equipe de jornalismo da REVISTA CENARIUM, como repórter, editora e apresentadora dos programas “CENARIUM DIVERSIDADE” e “CENARIUM ENTREVISTA”. É mãe da pequena Thaylla, de 10 anos.

O presidente do Inaô Amazonas, Christian Rocha, destacou a relevância da homenagem a pessoas que colaboram com as pautas raciais e sociais. “A segunda edição do prêmio é um recorte da nossa luta. Ele traz à tona a evidência das nossas conquistas e a esperança de que há ainda muito para se conquistar. Então, estamos aqui para sagrar trabalhos, parcerias e, principalmente, pessoas que tenham o objetivo de tornar essa sociedade mais harmoniosa. Então, desde já, agradeço a todos”, pontuou.

Entre os homenageados, Christian destacou o trabalho da jornalista, apresentadora, editora e repórter da REVISTA

CENARIUM Priscilla Peixoto e da professora Arlete Anchieta. “A professora Arlete Anchieta é uma mulher guerreira, profissional e trabalhadora, já a Priscilla é a imagem da mulher brasileira e amazônida, que outrora era impossível ver uma mulher negra em papel de destaque nos meios de comunicação. Então, isso nos traz a esperança de que portas podem ser abertas para futuros negros e negras

que veem nessas pessoas inspirações para continuar lutando”, disse.

A jornalista Priscilla Peixoto conta que a premiação é um reconhecimento de um esforço coletivo pela pauta. “É uma satisfação. É o reconhecimento de toda uma equipe, não é só meu. Eu acho que sou só uma ferramenta que externa isso, mas fico grata não só por mim, mas por toda a equipe, e à empresa que trabalho, que me permite falar sobre essas pautas que ainda são tabus”, ressalta.

Para ela, é importante que jornalistas façam do trabalho uma ferramenta contra o racismo, misoginia, homofobia e outros preconceitos. “Nosso trabalho tem um posicionamento muito importante nesse sentido, acredito que com essa ferramenta nós ampliamos a nossa mente, trazemos informações, quebramos barreiras e tabus, em qualquer meio de comunicação. Então, nosso trabalho na diversidade é um dos agentes principais para que a gente consiga mudar mentes, principalmente nessas problemáticas enraizadas”, afirma.

Homenageados na 2ª edição do Prêmio Nacional Igualdade, promovido pelo Instituto Nacional Afro Origem Amazonas (Inaô)

Priscilla Peixoto, comunicadora da REVISTA CENARIUM e homenageada no prêmio
Crédito: Reprodução
68 www.revistacenarium.com.br REVISTA CENARIUM 69 DIVERSIDADE
Crédito: Ricardo Oliveira
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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS tceamazonas TRANSMISSÃO AO VIVO Arte: Matheus RodriguesDICOM / TCE-AM
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A
E S S Õ E S
R I B U N A L
C O N T A S

A Amazônia nos salva da falta de biodiversidade, da seca, das mudanças climáticas e até da fome. Duvida?

Pois a oresta é a casa de milhões de espécies, protege as nascentes dos rios, ajuda a estabilizar o clima e a irrigar as plantações de alimentos do Centro-Sul.

Porém, a Amazônia nunca esteve tão ameaçada. O desmatamento está batendo recordes.

O Greenpeace Brasil está lutando para manter a oresta em pé há mais de 20 anos, monitorando o desmatamento, protestando e denunciando crimes ambientais. Somos independentes. Não aceitamos receber recursos de governos, empresas ou partidos políticos. Precisamos de pessoas como você para continuar a nossa luta.

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Ou nós salvamos a Amazônia agora, ou ela nunca mais vai nos salvar.

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