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ISSN 2764 - 8206
041
NOVEMBRO DE 2023 • ANO 04 • Nº 41 • R$ 24,99
PEIXES, E MORTE
Estudos apontam que habitantes da Amazônia estão comendo pescados contaminados com metilmercúrio e microplásticos
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Editorial Sangrando a terra
Estamos nos matando
“A ganância está fazendo o homem branco sangrar a terra e não vai morrer só indígena, vai morrer todo mundo”. Ouvi essa frase de uma liderança do povo Yanomami, quando, no ano de 2021, visitei Boa Vista (RR) em busca de jornalistas para trabalhar na redação da CENARIUM AMAZÔNIA, em Roraima, período em que já se falava em crise humanitária em meio à pandemia da Covid-19. No mesmo ano, publicamos o especial “Genocídio Yanomami”.
“O homem é o lobo do homem”. A ideia de que o homem é o maior inimigo de si mesmo, tornada célebre pelo filósofo inglês Thomas Hobbes em seu mais famoso livro, “Leviatã”, foi a primeira que me veio à mente ao refletir sobre a reportagem de capa desta edição. Pedindo licença ao filósofo para uma interpretação um pouco diferente da dele, entendo que todo o mal que causamos ao meio ambiente retorna para nós como ameaça a nossa vida. E, assim, estamos nos matando aos poucos.
O cenário da época era de institucionalização do garimpo ilegal em terras indígenas no Brasil, durante o governo de Jair Messias Bolsonaro (2018-2022), e de normalização do crime, já que o então vice-presidente da República, Hamilton Mourão, admitia 20 mil garimpeiros vivendo da exploração do ouro dentro de comunidades indígenas, no Estado roraimense, cujo principal mecanismo para o processo de separação do metal de sedimentos é a utilização do mercúrio, substância altamente tóxica. Foi em 2021 que vieram à tona imagens de crianças e adultos desnutridos em função da falta de alimentos nas florestas, que tinham como principal fonte de subsistência peixes, frutas e hortaliças, que foram contaminados no processo de garimpagem. Achei que a profecia da liderança Yanomami iria demorar a se concretizar, mas me enganei. Dois anos se passaram, e vemos que o prognóstico bate à porta, após instituições de pesquisa apontarem que todos, independentemente da cor ou etnia, correm risco de terem reduzida a expectativa de vida, devido à ingestão de peixes contaminados por mercúrio, oriundos do garimpo nas terras e rios da Amazônia. Tema de matéria especial da REVISTA CENARIUM deste mês, a pesquisa sobre a radiografia dos peixes foi publicada, em 2023, e apontou até 40% de contaminação na amostra analisada nos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. A intoxicação por mercúrio no corpo de um ser humano pode levar meses ou anos para se manifestar e os sintomas vão de perda de apetite até a paralisação total dos rins. O líder Yanomami de Roraima não exagerou na profecia em 2021, ele só não disse quem vai pagar pelo sangue derramado com o garimpo.
Paula Litaiff Diretora-Geral
Quando o filósofo associou o homem ao lobo, animal que, para ele, era a ideia de um predador feroz e perigoso, quis dizer que essa ideia de agressividade, de violência, é algo que o ser humano pode cometer contra si mesmo, ou aos outros indivíduos ao seu redor. Traçando um paralelo com a nossa reportagem de capa, temos o homem lançando mercúrio indiscriminadamente no meio ambiente para saciar sua ânsia por ouro e riqueza, e jogando plástico em rios e mares quando este não serve mais às suas atividades comerciais. Tanto o mercúrio, quanto o plástico acabam indo para os peixes dos quais nos alimentamos. Assim, lenta e silenciosamente, estamos nos envenenando. Para Hobbes, precisamos de um contrato social para domar nossa bestialidade por meio de leis regidas por um Estado. No caso dos crimes ambientais que causam a contaminação por mercúrio e microplásticos, temos leis, mas nem isso impede. O resultado está demonstrado em pesquisas recentes de universidades e instituições, como a Fiocruz. Sobre o mercúrio, não é de hoje que está comprovada a contaminação dos rios da Amazônia e dos peixes da região, assim como os males desse envenenamento causado no corpo humano. A novidade é que, agora, sabemos que a intoxicação não se restringe às populações vizinhas aos garimpos ilegais. Os peixes contaminados foram identificados em feiras e mercados de grandes centros urbanos amazônicos e com altos níveis de contaminação. Sobre os microplásticos, as pesquisas começaram há menos tempo e ainda não se sabe com exatidão a gravidade dos prejuízos a nossa saúde. De certo, é que estão presentes em peixes vendidos em mercados nas cidades, ou seja, estão sendo consumidos. Somos mesmo nossos piores inimigos. E como tais, será que ainda há tempo de conseguirmos nos salvar de nós mesmos?
Márcia Guimarães Gestora de Conteúdo
Leitor&Leitora 💬 Reportagens com profundidade
💬 Compreender a Amazônia
Gostaria de expressar meu sincero apreço pelas reportagens incríveis que têm sido publicadas em suas páginas. A profundidade e o cuidado com que abordam questões da região amazônica são notáveis, proporcionando uma visão abrangente e esclarecedora.
Espero ansiosamente cada nova edição, sabendo que serei presenteada com informações valiosas e perspectivas que contribuem para uma compreensão mais profunda sobre a Amazônia. Iza Motta Rio de Janeiro - RJ
Mauro Martini
Crédito: Acervo Pessoal
São Paulo - SP
💬 Espaço de debates A CENARIUM AMAZÔNIA é um importante espaço para a discussão e a disseminação de informações sobre a Amazônia brasileira. Vejo nela um grande potencial jornalístico, com ótimos conteúdos.
💬 Qualidade jornalística
💬 Conteúdo de qualidade
Quero parabenizá-los pelas reportagens envolventes e informativas sobre a Amazônia. A qualidade jornalística e o comprometimento com a verdade são notáveis.
A qualidade excepcional do jornalismo presente em cada edição é digna de reconhecimento.
Carlos Henrique
Manaus - AM
Manaus - AM
💬 Investimentos em Manaus Gostaria de falar sobre a última edição da REVISTA CENARIUM (outubro/2023), intitulada “R$ 7 bilhões para Manaus”, cujo conteúdo foi importante por apontar as aplicações do dinheiro público em diversos setores na cidade.
Jean Araújo Mairinque - SP
💬 MANDE SUA MENSAGEM
Lourdes Ribeiro
💬 E-mail: cartadoleitor@revistacenarium.com.br | WhatsApp: (92) 98564-1573
Jean Oliveira Manaus - AM
Sumário
► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
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Peixes Amazônicos Envenenados....................................44
Amazônia: menos árvores no chão.................................06
Polo de Duas Rodas ‘aquece’ produção..........................46
AM cercado por queimadas.............................................08
Tesouros históricos revelados..........................................48
VAZANTE HISTÓRICA
Legado de um seringueiro...............................................52
‘Vai e vem’ das águas .......................................................10 A seca vista do espaço......................................................12
► CENARIUM+CIÊNCIA UEA foca no empreendedorismo digital........................14
► PODER & INSTITUIÇÕES Um ‘massacre’ dentro da lei.............................................16 Senado aprova Reforma Tributária..................................18 ‘Blindagem’ anticrimes cibernéticos................................21
► ECONOMIA & SOCIEDADE PEIXES, MERCÚRIO E MORTE Mais perto da morte: peixe nosso envenenado de cada dia........................................................................22 Situação alarmante em RR e AC......................................28 Indígenas: linha de frente da intoxicação.......................32 Dificuldade de diagnóstico e tratamento........................34
► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS Cresce a violência no campo...........................................56
► ARTIGO – LUCIANA SANTOS
ESPECIAL PARA A REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA
Aborto: qual direito à vida estão defendendo nas tribunas?................................................57
► MUNDO E CONFLITOS INTERNACIONAIS Rastros da guerra..............................................................58
► ENTRETENIMENTO & CULTURA Semeadores da cultura ancestral......................................60
► ARTIGO – ALLAN RODRIGUES A pior seca na Amazônia é a de políticas públicas.........63
► VIAGEM & TURISMO Seca impacta turismo no Amazonas...............................64
► DIVERSIDADE
Grávidas e crianças são grupos de risco..........................36
CONSCIÊNCIA NEGRA
Garimpagem com sustentabilidade?...............................40
Arte contra o racismo.......................................................66
Crédito: Luana Lopes | Divulgação
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Crédito: Ricardo Oliveira
18
Crédito: Marcos Oliveira | Agência Senado
Novembro de 2023 • Ano 04 • Nº 41
Árvore em pé na Floresta Amazônica
Amazônia: menos árvores no chão Desmatamento na Amazônia brasileira cai 22% entre agosto de 2022 e julho de 2023
Mayara Subtil — Da Revista Cenarium Amazônia
B
RASÍLIA (DF) — A área com perda florestal na Amazônia brasileira foi de 9.001 quilômetros quadrados (km²), entre agosto de 2022 e julho de 2023. Os números oficiais do governo federal foram divulgados no dia 9 de novembro, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), após reunião da Comissão Interministerial de Prevenção 06
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e Controle do Desmatamento, que reúne 19 ministérios.
houve Estados, como o Mato Grosso, em que o desmatamento aumentou (+9%).
Se comparado ao último levantamento do Inpe, o resultado agora representa queda de 22,3% no total da área desmatada entre as duas temporadas. Na edição anterior, o número fechou em 11.594 quilômetros quadrados, entre agosto de 2021 e julho de 2022. Essa metodologia considera sempre o intervalo de agosto de um ano a julho do ano seguinte. O resultado de 2023, portanto, contabiliza cinco meses do Governo Jair Bolsonaro (PL) e sete do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Os dados compõem o relatório anual do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), considerado o mais exato para medir as taxas anuais. Porém, é distinto do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que ilustra os alertas mensais — e que já sinalizava quedas na devastação do bioma nos últimos meses.
Entre os Estados, a redução foi ainda mais acentuada em Rondônia (-42%), no Amazonas (-40%) e no Pará (-21%). Mas
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, atribuiu a queda na perda de floresta a uma série de ações, com destaque, sobretudo, ao aumento de 104% dos autos de infração aplicados pelo Instituto Brasileiro de
Crédito: Ricardo Oliveira
MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
“Tem uma ação integrada do governo para poder alcançar esse resultado em cima dos eixos que não é apenas de comando e controle, como vocês vão ver, é também de desenvolvimento sustentável, é também de instrumentos econômicos, é também de ordenamento territorial e regularização fundiária, que é assim que o desmatamento haverá de cair”, disse a ministra.
Crédito: Ricardo Oliveira
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por atos contra a flora na Amazônia. As apreensões aumentaram 61%, os embargos 31%, e a destruição de equipamentos 41%.
Entre as Unidades de Conservação (UCs), houve redução de 58% da taxa de desmatamento e alta de 320% dos autos de infração aplicados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no mesmo período. Com o resultado obtido de agosto de 2022 a
Imagem aérea da Floresta Amazônica durante a cheia dos rios
julho de 2023, foi evitada a emissão de 133 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e) na atmosfera, o que
representa cerca de 7,5% das emissões do País, tendo como base o ano de 2020, último dado oficial disponível.
NÚMEROS DO DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA AGOSTO DE 2022 A JULHO DE 2023 QUEDA DE 22,3%
PERDA FLORESTAL
na comparação com o mesmo período anterior (agosto de 2021 e julho de 2022 — 11.594 km²)
9.001 km²
Pará
Mato Grosso
+9% -21% -42%
-40%
de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e) deixaram de ir para a atmosfera
FISCALIZAÇÃO
NOS ESTADOS Rondônia Amazonas
133 MILHÕES
+104%
nos autos de infração aplicados pelo Ibama
+61% de apreensões
+41%
+31%
de destruição de equipamentos
de embargos Fonte: Inpe e MMA.
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MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
AM cercado por queimadas Estados vizinhos ao Amazonas lideram ranking de focos de calor, confirma Inpe Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia
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ANAUS (AM) – Estados vizinhos ao Amazonas, como o Pará, Amapá, Mato Grosso e Rondônia, concentraram, de 1º a 6 de novembro, quase 3 mil focos de queimadas. Os dados foram levantados pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA no dia 7 de novembro, na plataforma de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e mostram o Amazonas no 6º lugar do ranking de focos de calor na Amazônia. No topo da lista está o Pará, com 2.188 focos, correspondendo a 65,2% do total geral, que é de 3.360. O Estado vive um dos piores momentos do período de incêndios florestais e, segundo o Governo do
Amazonas, imagens de satélite mostram o impacto dessas queimadas na qualidade do ar próximo à região do Baixo Amazonas e na intensificação da fumaça sobre a capital Manaus. Depois do Pará, o Amapá ocupa a segunda posição, com 311 focos de calor no período. No Maranhão, foram registrados 199. No Mato Grosso e Rondônia, esse número chega a 191. O Amazonas teve 131 focos e o Acre, 89. Rondônia ficou em 8º lugar, com 44 focos, e vTocantins ocupa o último lugar, com 14 pontos de calor. O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, confirmou, no dia 6 de novembro, em uma entrevista a um telejornal do Amazonas, que o Pará é líder em número de focos na Amazônia. Na entrevista, o gestor explicou que a situação se agrava com o fenômeno El Niño e as mudanças climáticas. “O El Niño, agravado pelas mudanças climáticas, está trazendo uma onda de calor muito intensa, e fazemos um apelo para que as pessoas parem de colocar fogo, muitas delas querendo limpar terrenos ou áreas que foram desmatadas”, afirmou Rodrigo Agostinho, acrescentando que os brigadistas do Prevfogo combatem dois grandes incêndios florestais no Pará, e que
Crédito: Bdqueimadas Inpe
Imagem de satélite do Inpe mostra os focos de queimadas na Amazônia
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as queimadas no Amazonas estão mais controladas do que em meses anteriores. “Temos quase 300 homens, entre o Amazonas e o Pará, combatendo dois grandes incêndios no Pará, na região de Oriximiná e na Resex Tapajós-Arapiuns. Há cinco focos ativos no entorno de Manaus, mas perto da situação que nós tivemos, há algumas semanas, está realmente controlado”, explicou, à época.
FUMAÇA DO PARÁ EM MANAUS Segundo o Governo do Amazonas, baseado nas imagens do satélite GOES-16, fornecidas pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), o fluxo de ventos traz o material particulado em suspensão para a Região Metropolitana de Manaus. Esse material tem encontrado
dificuldades em se dispersar devido à ausência de chuvas e ao calor intenso na região, potencializados pelo El Niño severo deste ano. “Podemos verificar, por meio das imagens dos satélites, que todos os municípios que sofrem influência do Rio Amazonas, servindo como um corredor de fluxo de ventos até chegar a Manaus, têm sido impactados pela fumaça, mesmo sem terem focos de incêndios registrados”, explicou o secretário de Meio Ambiente do Amazonas, Eduardo Taveira.
QUALIDADE DO AR MELHORA Após duas semanas consecutivas de fumaça, a capital do Amazonas, Manaus, amanheceu, no dia 7 de novembro, com uma melhora significativa na qualidade
do ar, devido à chuva na cidade durante aquela madrugada. Conforme o Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental (Selva), a qualidade do ar estava entre “boa” e “moderada” naquele dia, muito diferente do que vinha sendo registrado nos últimos dias. A fumaça na capital é agravada pela falta de chuvas, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A Defesa Civil do Amazonas emitiu boletim pluviométrico da chuva em Manaus, baseado no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). A capital amazonense tem mais previsão de chuva, conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
FOCOS POR ESTADO (3.358 FOCOS, DE 01/11/2023 A 06/11/2023) PARÁ (2188 F | 65.2%) AMAPÁ (311 F | 9.3%) MARANHÃO (199 F | 5.9%) MATO GROSSO (191 F | 5.7%) RONDÔNIA (191 F | 5.7%) AMAZONAS (131 F | 3.9%) ACRE (89 F | 2.7%) RORAIMA (44 F | 1.3%) TOCANTINS (14 F | 0.4%) 0
Fonte: Inpe
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220
330
440
550
660
770
880
990
1100
1210
1320
1430
1540
1650
1760
1870
1980
2190
Ranking de queimadas por Estados
Qualidade do ar em Manaus, às 10h30, no dia 7 de novembro 09
VAZANTE HISTÓRICA MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
‘Vai e vem’ das águas Seca no AM: SGB aponta ‘normalidade’, após nível do Rio Negro voltar a descer Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia
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ANAUS (AM) – O Rio Negro voltou a secar no dia 8 de novembro, após o nível da água ter subido 52 centímetros desde o último dia 28 de outubro. Segundo dados do Porto de Manaus, que faz a medição, o Rio Negro desceu mais dois centímetros. O Serviço Geológico do Brasil (SGB) aponta que oscilações nos níveis durante a fase final da vazante são consideradas “normais”. O nível do rio desceu de forma crescente durante quase todo o mês de outubro, chegando ao menor nível da história, de 12,70 metros, no dia 26 daquele mês. Depois, começou a subir vertiginosamente até o dia 7 de novembro, atingindo 13,22 metros. “Na fase de final de vazante, esse comportamento pode acontecer, no sentido de subidas e depois voltar a descer. O volume de água que está chegando no Rio Negro na estação de Manaus é resultado das contribuições da região de cabeceira (como é o caso do Alto Solimões) de duas semanas anteriores, que, na ocasião, estavam apresentando descidas”, explicou à reportagem a pesquisadora em geociências do SGB Jussara Cury. A pesquisadora pontua ainda que, no momento, a estação de Tabatinga, no Alto Solimões, registrou uma subida de nível de 8 centímetros e, se essa elevação se consolidar, haverá a recuperação do nível do rio também no restante da calha, que é um contribuinte do Rio Negro, em Manaus. Jussara Cury acrescenta que a
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previsão climatológica indica chuvas nos próximos dias, o que poderá contribuir para a subida dos rios. “Essas elevações de nível do rio estão relacionadas às precipitações na região, segundo os boletins climáticos”, conclui.
DENTRO DA PREVISÃO Conforme mostrou a REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, a subida dos rios no Amazonas deveria ocorrer só em novembro. Por isso, é possível que a mudança no nível seja reflexo de um fenômeno conhecido como repiquete, ou seja, um “efeito sanfona”, quando um rio chega ao seu limite e estabiliza, mas chuvas isoladas fazem com que o nível do mesmo volte a subir e, depois, descer. Apesar do Rio Negro ter mantido processo de subida em Manaus, em São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, foi registrada descida de 14 centímetros, no início de novembro, chegando à cota de 5,20 metros, apontou o SGB. “Nessa estação, as mínimas históricas tendem a ocorrer em fevereiro, ou seja, a tendência é de descida nos níveis”, disse o órgão, baseado no 48º Boletim de Monitoramento Hidrológico. Em Tabatinga, no Alto do Rio Solimões, foi registrada redução de 12 centímetros no nível. O Rio Solimões, em Manacapuru, apresentou oscilações, com cota de 3,54 metros. O Rio Amazonas também apresen-
Balsa encalhada no Rio Negro, em Manaus
REVISTA CENARIUM Crédito: Ricardo Oliveira
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Na fase de final de vazante, esse comportamento pode acontecer, no sentido de subidas e depois voltar a descer” Jussara Cury, pesquisadora em geociências do SGB.
tou descidas em Itacoatiara, Óbidos e em Santarém. Em Parintins, foram registradas subidas mais recentes, e o rio alcançou a cota de -2,11 metros.
EMERGÊNCIA No Amazonas, todos os 62 municípios amazonenses estavam em situação de emergência, até o dia 8 de novembro. Segundo dados da Defesa Civil, o Estado tinha 598 mil pessoas afetadas pela seca severa, até aquele momento, afetando 150 mil famílias. O governador também anunciou medidas para reforçar as ações do Governo, que já estão em andamento, por meio da operação Estiagem 2023.
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VAZANTE HISTÓRICA MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Crédito: Divulgação | Nasa
Imagem de satélite da Nasa mostra como estava a seca do Rio Negro no final de outubro
A seca vista M do espaço
ANAUS (AM) – Imagens do Observatório da Terra, sistema da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos (Nasa), mostram a diferença entre a seca do ano passado e deste ano no Amazonas. As imagens foram capturadas pelo instrumento OLI (Operational Land Imager), a bordo do satélite Landsat 8, e destacam a gravidade da situação na bacia do Rio Negro, próximo a Manaus, capital do Estado.
Imagens da Nasa mostram impacto da vazante na bacia do Rio Negro, no Amazonas Yana Lima – Da Revista Cenarium Amazônia 12
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De julho a outubro, a região enfrenta uma seca severa, registrando níveis alarmantemente baixos de chuva. Na data em que a imagem mais recente foi capturada, o nível do Rio Negro estava em 15,14 metros,
REVISTA CENARIUM
que as chuvas ocorram com maior frequência, principalmente nas principais bacias formadoras dos rios Negro e Solimões”, explica Senna.
VEJA AS 10 MAIORES SECAS DO RIO NEGRO EM MANAUS 0
2,5
5
7,5
10
12,5
1916
14,42
1926
14,54
1936
14,97
1958
14,74
1963
13,64
1997
14,34
1998
15,03
2005
14,75
2010
13,63
2023
13,59 Fonte: Porto de Manaus
Embora ainda não seja suficiente para conter a vazante dos rios, as chuvas ajudaram a conter focos de incêndios e amenizar a nuvem de fumaça que pairava sobre Manaus e em outros municípios da região Metropolitana. Este índice chegou a atingir níveis críticos no final de outubro, fazendo com que a qualidade do ar na cidade fosse considerada a segunda pior do mundo. Segundo especialistas consultados pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, essa situação de seca extrema na Amazônia é um lembrete da vulnerabilidade da região a mudanças climáticas e eventos climáticos extremos, ressaltando a necessidade de ações de conservação e manejo responsável dos recursos naturais.
conforme dados do Porto de Manaus. Em contraste, no mesmo período do ano anterior, o rio registrava um volume de 19,59 metros, mais alinhado com as condições típicas da estação.
VAZANTE CONTINUA
Apesar das chuvas registradas no final de outubro, o período chuvoso ainda não chegou oficialmente, segundo o meteorologista Renato Senna, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Enquanto isso, o Rio Negro, que atingiu o menor nível desde que passou a ser medido, há 121 anos, deve continuar baixando. Até agora, os períodos mais intensos de seca do Rio Negro ocorreram em 2010 (13,63 metros), 1963 (13,64 metros) e 1906 (14,20 metros). Em 2010, pior seca histórica até então, o nível do rio caiu até o dia 24 de outubro, quando a cota foi de 13,63 metros, momento em que começou a subir. “O rio deve permanecer ainda baixando por mais alguns dias, pois será necessário
Crédito: Reprodução | NOAA
Desde quando as imagens da Nasa foram capturadas, o nível do rio caiu ainda mais, chegando a ficar abaixo dos 13 metros, sendo a maior seca em mais de um século, desde o início do monitoramento do rio amazônico.
El Niño O cientista atmosférico René Garreaud, da Universidade do Chile, destacou que o El Niño desempenhou um papel fundamental no agravamento da seca. Este fenômeno de aquecimento cíclico das águas superficiais no Pacífico centro-leste tem impacto nos padrões de circulação atmosférica, resultando em condições mais secas na Bacia Amazônica. A seca no Rio Negro e em outros rios próximos causa consequências significativas, com impactos severos no abastecimento de água potável em várias comunidades, afetando a navegação comercial e causando a morte de peixes e de outros animais. A seca também afetou indústrias locais, prejudicando a fabricação de produtos químicos, navios e equipamentos elétricos. 13
CENARIUM+CIÊNCIA
UEA foca no empreendedorismo digital Universidade do Estado do Amazonas inaugura prédio do Ocara, em Parintins, para inclusão tecnológica e geração de novos negócios Da Revista Cenarium Amazônia*
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ANAUS (AM) – Com a proposta de inclusão tecnológica digital não apenas no campo de uso das tecnologias, mas também no desenvolvimento das potencialidades na geração de novos negócios, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) inaugurou, no final de outubro, em parceria com a Samsung, por meio dos incentivos da Lei de Informática N.° 8.387/1991, o edifício de laboratórios do projeto Ocara – Polo de Empreendedorismo Digital da Amazônia, localizado no Centro de Estudos Superiores de Parintins (Cesp/UEA), no município de mesmo nome. O objetivo é, por meio do projeto, potencializar a criação de novos negócios, 14
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estruturando um eixo de empreendedorismo digital. Esses objetivos estão alinhados com os recentes movimentos do mercado, considerando as diversas empresas de grande porte que estão migrando serviços e negócios para o mundo digital de forma marcante, a ponto de terem fechado uma fatia de lojas físicas para iniciar novos aplicativos de atendimento. A reitora da UEA em exercício, professora doutora Kátia Couceiro, esteve na inauguração e ressaltou a importância do projeto Ocara para a comunidade acadêmica da universidade e a população de Parintins. “É muito prazeroso ver a magnitude dessa obra e gratificante essa parceria entre UEA e Samsung. Daqui, jovens com espírito empreendedor, sairão formados, prontos para o mercado de trabalho”. “Muitos acadêmicos que ingressam na universidade possuem pouca ou nenhuma fluência com as tecnologias digitais. São diretrizes desse projeto, aprofundar os conhecimentos no âmbito do empreendedorismo digital,
como forma de potencializar negócios e, também, na gestão de tecnologias digitais, no contexto da indústria 4.0 e das transformações digitais”, destacou o coordenador do Ocara, professor doutor Marceliano Oliveira.
ESTRUTURA Com espaço de 1.514 metros quadrados, divididos em sete laboratórios, o Ocara conta com capacitações dos seguintes módulos no eixo de Empreendedorismo Digital: Transformação Digital; Introdução aos Conceitos da Indústria 4.0; Design Digital; Fundamentos do Design Industrial; Cultura e Capacitação Empreendedora e Estruturação de Novos Negócios. A meta é formar em torno de 1.500 alunos, em quatro anos. O ambiente foi pensado para a aplicação de metodologias imersivas e inovadoras no ensino-aprendizagem, contendo espaços para dinâmicas, ideação, concepção, prototipagem e ateliê de design, numa estrutura de ponta preparada para esta finalidade.
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Crédito: Divulgação
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É muito prazeroso ver a magnitude dessa obra e gratificante essa parceria entre UEA e Samsung. Daqui, jovens com espírito empreendedor, sairão formados, prontos para o mercado de trabalho” Kátia Couceiro, professora doutora, reitora da UEA em exercício, na ocasião.
Laboratório inaugurado em parceria com a Samsung
Vale destacar que o projeto Ocara também possui um curso de graduação em Design Digital, sendo este de caráter inovador, diferente do curso de Design Gráfico, que é voltado ao mercado das impressões. O curso de Design Digital é completamente voltado à criação de produtos digitais, como, por exemplo, as capas de CDs digitais para plataforma de streaming, identidade visual para web sites, ícones para aplicativos, jogos ou computador, personagens para jogos e demais produtos. Eles até podem vir a ser impressos, mas, hoje em dia, já são consumidos completamente no meio digital. Também possuem formato e qualidade diferenciados, sem enfoque na parte gráfica ou tipografia de impressão.
Exposição Logo após a inauguração do prédio do laboratório, iniciou a 4ª Feira do Ocara, onde estão sendo apresentadas as soluções de desafios desenvolvidas por acadêmicos dos módulos do projeto. O evento é realizado semestralmente e faz parte do calendário pedagógico do projeto. Tem como objetivo consolidar uma aprendizagem voltada para a solução de desafios e defesas de propostas, onde os resultados são apresentados à comunidade. A primeira feira teve 58 produtos apresentados, variando entre lojas digitais, marketing digital de negócios físicos, plataforma de streaming, sites, mercados
digitais, estufas controladas por sensores para cultivo de vegetais e outros. Estiveram presentes na inauguração o pró-reitor de Interiorização da UEA, o professor doutor Valber Nascimento; o diretor da Agência de Inovação (Agin), professor doutor Antônio Mesquita; a diretora do Cesp, professora doutora Keila Amoedo; a coordenadora dos cursos de graduação de oferta especial da UEA, Tatiana Barbosa; o gerente especialista de Open Innovation da Samsung, José Cambeiro; o diretor da Escola Superior de Tecnologia (EST/UEA); e o professor doutor Ricardo Barboza. (*) Com informações da UEA.
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PODER & INSTITUIÇÕES
Um ‘massacre’ dentro da lei Líder indígena classifica como ‘massacre’ PEC que dá poder de demarcar terras indígenas ao Senado Mayara Subtil e Daleth Oliveira – Da Revista Cenarium Amazônia
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RASÍLIA (DF) e BELÉM (PA) – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) N.° 59, de 2023, está em curso no Senado para tornar competência da Casa Legislativa a demarcação das terras indígenas. A PEC foi apresentada em meio à tensão em torno do veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o
Marco Temporal. À REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, o cacique Kretã Kaingang declarou, no dia 10 de novembro, que a manobra dos parlamentares repete o massacre contra o povo Laklãnõ-Xokleng, quase dizimado por pistoleiros em abril de 1904. “Esse massacre já existe. [Os congressistas] só querem consumar dentro da lei. Precisam, de alguma maneira, dessa emenda para dizer que está na Constituição Federal. Esse massacre já acontece com os parentes Yanomami, por exemplo, gerando morte entre lideranças indígenas. Este momento é um dos mais difíceis que estamos passando. Negam os nossos direitos, trabalharam a miscigenação”, disse.
Há quase 100 anos, dez homens armados avançaram sobre um acampamento do povo Xokleng, próximo de Aquidaban, hoje, município de Apiúna, em Santa Catarina. Os indígenas ainda acordavam, quando os invasores passaram a atirar contra eles sem pausa. Todos morreram. Os descendentes dos Laklãnõ-Xokleng, cujos sobreviventes acabaram expulsos de suas terras, foram pivôs de um julgamento de relevância nacional, que terminou em vitória aos povos indígenas. Após dois anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu se a terra indígena Ibirama-LaKlãnõ, onde moram os Xokleng, os Kaingang e os Guarani, deveria incorporar uma Crédito: Taina Xavier | Reprodução Midia Ninja
O cacique Kretã Kaingang afirma que este é um dos momentos mais difíceis que seu povo está passando 16
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área reconhecida pelo Executivo como parte da reserva, o que foi reivindicado pelo governo catarinense. A ação se baseava na tese do Marco Temporal para alegar que os indígenas não têm direito à área em disputa porque não estavam ali em 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal. O Artigo 231 da Carta Magna, por sua vez, garante a esses povos o direito sobre suas áreas tradicionais. Se a tese fosse reconhecida pelos magistrados, valeria para todos os processos de demarcação em andamento e início na Justiça. Em paralelo, o Congresso avançou em discussões sobre a pauta e aprovou um projeto de lei sobre o tema. “A maioria dos parlamentares, hoje, que são contra a pauta indígena, são descendentes desses europeus oriundos da Segunda Guerra Mundial que vieram para o Sul. Esses que governam, hoje, o Congresso Nacional. O agronegócio domina o Congresso Nacional. Foram caçadores do nosso povo. Tudo o que puderam fazer com os nossos povos fizeram. Agora, chegaram na Amazônia, pois a briga principal é a questão da demarcação”, complementou Kaingang, que é filho de Angelo Kretã, responsável por liderar a retomada das terras indígenas no Sul e morto em 1980. Conforme a PEC protocolada no Senado, “as terras tradicionalmente ocupadas pelos ‘índios’ são de domínio da União, trata-se de procedimento administrativo da União identificar essas terras e demarcá-las no interesse das comunidades
indígenas que ocupam de modo tradicional essas áreas”.
Senadores da Amazônia Legal que assinam a PEC da demarcação:
“No fim e ao cabo, a demarcação das terras indígenas consubstancia-se em verdadeira intervenção em território estadual, com a diferença fundamental de que, neste caso, e ao contrário da intervenção prevista no inciso IV do art. 49, nenhum mecanismo há para controlá-la, ou seja, a falta de critérios estabelecidos em lei torna a demarcação unilateral”, cita ainda o texto. No total, 27 senadores assinaram a proposta. Oito são da Amazônia Legal.
Jaime Bagattoli (PL-RO)
DEMARCAÇÃO DOS TERRITÓRIOS
Jayme Campos (União-MT)
As demarcações de terras indígenas têm por objetivo garantir o direito indígena àquela área. Estabelecem a real extensão da posse ao povo originário e assegura a proteção dos limites demarcados, impedindo a ocupação ou exploração por não indígenas — como fazendeiros ou garimpeiros, por exemplo. Esse reconhecimento formal veio com a aprovação do Estatuto do Índio, de 1973. Hoje, a demarcação é feita a partir de um antropólogo nomeado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), responsável por elaborar um estudo técnico especializado para demarcar a área. Ao fim de todas as etapas do processo burocrático, as demarcações precisam ser submetidas ao presidente da República para homologação via decreto. Em 2023, Lula assinou a homologação para a demarcação de oito terras indígenas. No início do ano, a atual gestão federal informou que ia dar prioridade à
Zequinha Marinho (Podemos-PA) Plínio Valério (PSDB-AM) Mecias de Jesus (REPUBLICANOS-RR) Lucas Barreto (PSD-AP) Alan Rick (União-AC) Dr. Hiran (PP/RR) Fonte: Senado Federal.
homologação de uma lista de 14 territórios indígenas, já que se acirrou a tensão nesses locais. Conforme o Poder Executivo, desde 2018, ainda na gestão de Michel Temer, eram feitas demarcações no Brasil. O ex-presidente Jair Bolsonaro destacava em discursos que não demarcaria terras indígenas. Para Kretã Kaingang, é necessário que o Executivo acelere os processos. “[O governo federal] não tem força para barrar os projetos de lei, mas garante a homologação da demarcação das terras. Tem terra que não está em lugar nenhum, mas há famílias que querem a demarcação. O território já era nosso, sempre foi nosso. Cada terra que você não demarca, impacta diretamente nas mudanças climáticas”, disse.
Marco Temporal no Congresso Em outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou trechos do projeto de lei que fixa a tese na legislação para demarcação de terras indígenas. O debate retornou ao Congresso, que deverá avaliar os vetos presidenciais. O veto é o instrumento que o presidente da República tem para manifestar a sua discordância com projetos aprovados pelo Congresso. O mecanismo permite que o chefe do Executivo exclua trechos ou mesmo rejeite a íntegra da matéria. Mas os congressistas têm o direito de derrubá-lo. A bancada ruralista vem alegando que a decisão do STF, bem como os vetos presidenciais, são uma “afronta à soberania” do Congresso. Apesar disso, o Executivo tem papel constitucional
de legislar ou vetar propostas, enquanto o do Judiciário é de resguardar a Constituição Federal. Conforme levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), divulgado no início de novembro pelo Observatório do Clima e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), se os vetos de Lula sobre o Projeto de Lei n.º 2.903 forem derrubados, há risco de expor uma área de 55 milhões de hectares de florestas em terras indígenas na Amazônia ao desmatamento. “As terras indígenas cairão num limbo que resultará em aumento da pressão por invasão ilegal de grileiros, atualmente, já em curso, e numa avalanche de desmatamento”, cita o estudo. 17
PODER & INSTITUIÇÕES
Plenário do Senado Federal durante votação do texto principal da Reforma Tributária Crédito: Marcos Oliveira | Agência Senado
Senado aprova Reforma Tributária Maioria dos senadores da Amazônia Legal vota a favor da proposta, que teve trechos alterados e voltou para a Câmara Federal Mayara Subtil – Da Revista Cenarium Amazônia
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RASÍLIA (DF) – O Senado aprovou no dia 8 de novembro, em segundo turno, o texto-base da Reforma Tributária. A matéria recebeu, ao todo, o sim de 53 parlamentares e o não de 24. Considerando apenas os senadores da Amazônia Legal, foram 21 votos a favor e 4 contra. A aprovação, em cada turno, ocorre apenas se a proposta receber o aval de, pelo menos, 49 senadores, por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Agora, a proposta retorna para as mãos dos deputados federais para uma nova rodada de discussões. O relator da matéria no Senado, senador Eduardo Braga (MDB-AM), fez modificações no texto original aprovado anteriormente na Câmara. “Quero agradecer a votação histórica. No regime democrático, é a primeira vez que o Senado aprova uma Reforma
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Tributária. Quero agradecer a confiança no trabalho que realizamos”, declarou o senador Eduardo Braga (MDB-AM). A aprovação do texto principal aconteceu em meio a pressões de senadores e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para o fatiamento da PEC. A Reforma Tributária simplifica tributos federais, estaduais e municipais. Também estabelece a possibilidade de tratamentos diferenciados e setores com alíquotas reduzidas, como, por exemplo, serviços de educação, medicamentos, transporte coletivo de passageiros e produtos agropecuários. A proposta prevê, ainda, um imposto seletivo — conhecido como “imposto do pecado” — para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, e assegura isenção tributária a produtos da cesta básica. Pela PEC, cinco
tributos serão substituídos por dois Impostos sobre Valor Agregado (IVAs) — um gerenciado pela União, e outro com gestão compartilhada entre Estados e municípios. O projeto também avança nos mecanismos que serão adotados para a manutenção da Zona Franca de Manaus (ZFM). Hoje em dia, produtos do polo industrial são isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), diferentemente de bens produzidos em outras localidades do País. Na prática, funciona como um incentivo fiscal à instalação de novas empresas na área. Com a extinção do IPI na reforma, o texto estabelece que o incentivo fiscal poderá ser feito com a criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a importação, produção ou comercialização de bens que recebem incentivos na ZFM.
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VEJA COMO VOTARAM OS SENADORES DA AMAZÔNIA LEGAL EM 1° TURNO: A FAVOR
■ Lucas Barreto (PSB-AP) ■ Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP) ■ Ana Paula Lobato (PSB-MA) ■ Eliziane Gama (PSD-MA)
CONTRA ■ Wellington Fagundes (PL-MT) ■ Jaime Bagattoli (PL-RO)
■ Weverton (PDT-MA)
■ Dr. Hiran (PP-RR)
■ Jayme Campos (União-MT)
■ Mecias de Jesus (Republicanos-RR)
■ Margareth Buzetti (PSD-MT)
■ Alan Rick (União-AC)
■ Beto Faro (PT-PA)
■ Marcio Bittar (União-AC)
■ Jader Barbalho (MDB-PA)
■ Sérgio Petecão (PSD-AC)
■ Zequinha Marinho (Podemos-PA)
■ Eduardo Braga (MDB-AM)
■ Confúcio Moura (MDB-RO)
■ Omar Aziz (PSD-AM)
■ Chico Rodrigues (PSB-RR)
■ Plínio Valério (PSDB-AM)
■ Eduardo Gomes (PL-TO)
■ Davi Alcolumbre (União-AP)
■ Professora Dorinha Seabra (União-TO)
SENADORES AUSENTES ■ Marcos Rogério (PL-RO) – Em atividade
parlamentar ■ Irajá (PSD-TO) Fonte: Senado Federal.
Principais mudanças na Reforma Tributária no Senado em relação ao texto aprovado na Câmara dos Deputados SETORES COM ALÍQUOTA REDUZIDA ■ Novos segmentos terão alíquota reduzida
para 40% da alíquota-padrão do futuro Imposto sobre Valor Adicionado (IVA): ► Comunicação institucional; ► Produtos de limpeza consumidos por famílias de baixa renda; ► Setor de eventos; ► Nutrição enteral ou parenteral (que previnem ou tratam complicações da desnutrição). ■ Profissionais liberais com atividades regulamentadas pagarão 70% da alíquota do IVA. ► Na prática, a mudança beneficia apenas empresas, escritórios e clínicas que faturem mais de R$ 4,8 milhões por ano. Isso porque a maioria dos profissionais autônomos, que ganham abaixo desse valor, está incluída no Simples Nacional.
ALÍQUOTA ZERO ■ Os seguintes setores passarão a não
pagar IVA: ► Serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos; ► Compra de automóveis por taxistas; ► Compra de medicamentos e dispositivos médicos pela Administração Pública e por entidades de assistência social sem fins lucrativos; ► Reabilitação urbana de zonas históri-
cas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.
REGIMES ESPECÍFICOS ■ Inclusão dos seguintes setores em re-
gimes específicos de tributação, com tratamento diferenciado na cobrança e na coleta de tributos: ► Agências de viagem; ► Concessão de rodovias; ► Missões diplomáticas; ► Serviços de saneamento; ► Telecomunicações; ► Sociedades Anônimas de Futebol, que terão recolhimento unificado; ► Serviços de transporte coletivo intermunicipal e interestadual: migraram da alíquota reduzida para regime específico.
REVISÃO PERIÓDICA ■ A cada cinco anos, exceções serão re-
visadas, com custo-benefício avaliado. ► setores beneficiados deverão seguir metas de desempenho econômicas, sociais e ambientais; ► dependendo da revisão, a lei determinará regime de transição para a alíquota padrão.
IMPOSTO SELETIVO ■ Cobrança sobre produtos que gerem
danos à saúde ou ao meio ambiente;
■ Alíquotas definidas por lei; ■ 60% da receita vai para Estados e mu-
nicípios;
■ Princípio da anualidade: cobrança só
poderá começar no ano seguinte à sanção da lei; ■ Imposto regulatório: não tem objetivo de arrecadar, mas regular mercado e punir condutas prejudiciais; ■ Produtos: ► possibilidade de cobrança sobre combustíveis; ► alíquota de 1% sobre extração de recursos naturais não renováveis, como minério e petróleo; ► cobrança sobre armas e munições, exceto as usadas pela administração pública; ■ Exclusão da incidência sobre: ► telecomunicações; ► energia; ► produtos que concorrem com os produzidos na Zona Franca de Manaus.
CESTA BÁSICA ■ Restrição do número de produtos com
alíquota zero, com desmembramento em duas listas a pedido do Ministério da Fazenda: ► cesta básica nacional, com alíquota zero, e caráter de enfrentamento à fome; ► cesta básica estendida, com alíquota reduzida para 40% da alíquota padrão e mecanismo de cashback (devolução parcial de dinheiro); ► cesta nacional poderá ser regionalizada, com itens definidos por lei complementar. 19
PODER & INSTITUIÇÕES
CASHBACK PARA ENERGIA E GÁS DE COZINHA ■ Devolução obrigatória de parte dos tri-
butos da conta de luz e do botijão de gás para famílias de baixa renda; ■ Ressarcimento ocorreria no momento da cobrança, entrando como desconto na conta de luz; ■ Detalhes a serem regulamentados por lei complementar.
TRAVA ■ Teto para manter constante a carga
tributária sobre o consumo;
■ Atualmente, esse teto corresponderia a
12,5% do PIB;
■ A cada 5 anos, seria aplicada uma fór-
mula que considera a média da receita dos tributos sobre consumo e serviços entre 2012 e 2021; ■ Fórmula será calculada com base na relação entre a receita média e o Produto Interno Bruto (PIB, bens e serviços produzidos no País); ■ Caso o limite seja superado, a alíquota de referência terá de cair; ■ Redução seria calculada pelo Tribunal de Contas da União, baseado em dados dos entes federativos e do futuro Comitê Gestor do IBS.
FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL ■ Fundo que ajudará o desenvolvimento
de regiões de menor renda;
■ Aumento da verba de R$ 40 bilhões para
R$ 60 bilhões anuais;
■ Transição para o aumento: ■ Fundo começaria com aportes de R$
8 bilhões em 2029 até chegar a R$ 40 bilhões no início de 2034; ■ Em 2034, aportes subiriam R$ 2 bilhões por ano até atingir R$ 60 bilhões em 2043. ■ Divisão dos recursos: ► 70% pelos critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE); ► 30% para Estados mais populosos.
FUNDO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ■ Destinado a Estados do Norte com áreas
de livre-comércio.
■ Inicialmente restrito ao Amazonas, foi
ampliado para Acre, Rondônia, Roraima e Amapá. ■ Mudou de nome para Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental. 20
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SETOR AUTOMOTIVO ■ Prorrogação até 31 de dezembro de 2032
de incentivos tributários concedidos a montadoras instaladas no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste. ■ Benefício vale apenas para projetos aprovados até 31 de dezembro de 2024. ■ Incentivo não poderá ser ampliado. ■ Versão inicial do relatório no Senado previa benefício apenas para produção de carros elétricos. ■ Emendas dos senadores Fabiano Contarato (PT-ES) e Carlos Viana (Podemos-MG) estenderam incentivo a montadoras de veículos movidos a biodiesel e a veículos híbridos movidos a biodiesel e a gasolina. ■ Inclusão do biodiesel beneficia produtores rurais. ■ Benefício a ser regulamentado por lei complementar. ■ Ampliação gerou ofensiva de última hora de governadores do Sul e do Sudeste e críticas de montadoras tradicionais.
FUNDO DE COMPENSAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS ■ Seguro-receita para compensação da
perda de arrecadação dos entes federativos com o fim de incentivos fiscais sobe de 3% para 5% do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS); ■ Mudança atende a pedido dos Estados; ■ Critérios de repartição: ► Estados e municípios com maior perda relativa (em termos percentuais) de arrecadação; ► receita per capita (por habitante) do fundo não pode exceder três vezes a média nacional, no caso dos Estados, e três vezes a média dos municípios de todo o País, no caso das prefeituras.
COMITÊ GESTOR ■ Encarregado de gerir a cobrança e a ar-
ca das operações do FGTS e dos demais fundos garantidores, como Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), Fundo Garantidor de Habitação Popular (FGHab), vinculados ao Minha Casa, Minha Vida, e Fundo de Desenvolvimento Social (FDS). ■ Zona Franca de Manaus ■ Câmara havia incluído o imposto seletivo sobre produtos concorrentes de fora da região para manter competitividade da Zona Franca; ■ Relator trocou o imposto seletivo por Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). ■ Limites a Unidades da Federação ■ Mantido artigo incluído de última hora na Câmara que autoriza Estados e Distrito Federal a criarem contribuição sobre produtos primários e semielaborados para financiar infraestruturas locais, mas foram acrescentadas restrições: ► Permissão apenas a fundos estaduais em funcionamento em 30 de abril de 2023; ► Com a regra, apenas Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará poderão manter contribuição; ► Contribuição só poderá ser cobrada até
recadação do IBS, Conselho Federativo foi rebatizado de Comitê Gestor; ■ Órgão passará a ter caráter exclusivamente técnico, assegurando a divisão correta dos recursos, sem capacidade de propor regulações ao Legislativo; ■ O presidente do Comitê Gestor terá de ser sabatinado pelo Senado. ■ Congresso poderá convocar o presidente do Comitê Gestor e pedir informações, como ocorre com os ministros. ■ A representação do órgão será feita por integrantes das carreiras da Administração Tributária e das Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e municípios. ■ Emenda sobre representantes do órgão foi acatada a pedido dos Fiscos para impedir criação de carreiras e cargos dentro do Comitê Gestor. ■ Incentivo a Estados e municípios ■ Estados e municípios que aumentarem arrecadação ao longo do tempo acima da média dos demais entes receberão maior parcela do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos Estados e dos municípios. ■ Medida cria estímulos para gestores locais melhorarem a eficiência da arrecadação. ■ Incentivo quer evitar “caroneiros”, governadores e prefeitos que peguem carona na divisão do IBS durante a transição sem se esforçarem para aumentar arrecadação própria, porque a parcela de cada um estará estabelecida após 2028.
2032, para evitar nova guerra fiscal.
(*) Com informações da Agência Brasil.
BANCOS ■ Manutenção da carga tributária das ope-
rações financeiras em geral;
■ Manutenção da carga tributária específi-
Crimes cibernéticos têm aumentado no Brasil, com a população cada vez mais conectada à internet
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ANAUS (AM) – Com a população cada vez mais conectada à internet, os crimes cibernéticos têm aumentado em todo o País. Dados do Indicador de Tentativas de Fraude da Serasa Experian mostram que, em janeiro deste ano, foram registradas 284.198 mil tentativas de fraude. Isso significa que a cada 9 segundos um brasileiro foi vítima desse crime. E, para minimizar as ocorrências no Amazonas, o deputado estadual Roberto Cidade (UB), presidente da Assembleia Legislativa do Estado (Aleam), propôs e teve aprovado em plenário o Projeto de Lei n.º 220/23, que institui a Semana de Conscientização acerca da Segurança Digital em Repartições Públicas do Amazonas. A proposta aguarda a sanção governamental. “O roubo de informações do internauta é considerado crime contra o patrimônio, mas quase ninguém sabe o que isso sig-
Crédito: Evandro Seixas | Aleam
REVISTA CENARIUM
‘Blindagem’ anticrimes cibernéticos Lei de Roberto Cidade protege dados na internet e aguarda sanção governamental Da Revista Cenarium Amazônia*
nifica e, muitas vezes, por falta de conhecimento, a pessoa se coloca em situações que podem acarretar muita dor de cabeça. O que pretendemos com essa proposta é difundir informações sobre segurança digital e, principalmente, sobre as implicações que o mau uso do ciberespaço pode causar. Essa é uma preocupação já recorrente em todo o mundo e estamos propondo essa lei que segue o mesmo caráter de orientação”, disse. Segundo a proposta, a Semana de Conscientização acerca da Segurança Digital terá por objetivos promover o aprendizado do conceito da cibercidadania, estimulando a análise das relações sociais nos ambientes digitais e virtuais; conscientizar sobre os riscos presentes nos ambientes digitais, tais como abuso sexual virtual, cyberbullying, vazamento de dados pessoais, ação de cibercriminosos, crimes cibernéticos e outras ameaças.
A lei prevê ainda instruir a população sobre as medidas legais aplicáveis pelo cometimento de atos infracionais nos ambientes digitais e virtuais; esclarecer sobre os riscos à saúde física e psicológica decorrentes do uso das tecnologias digitais; além de reforçar informações sobre os benefícios do uso adequado das novas tecnologias, com destaque para o acesso à informação e ao conhecimento, bem como para o fortalecimento das relações familiares e comunitárias. De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, o número de estelionatos no Brasil mais que quadruplicou nos últimos cinco anos: em 2022, foram registrados 1.819.409 casos do crime, 326% a mais que em 2018, quando ocorreram 426.799 registros. Em 2022, foram 151,6 mil casos por mês ou 208 golpes por hora. (*) Com informações da Assessoria.
PRINCIPAIS CATEGORIAS DE CRIMES CIBERNÉTICOS ► Ataques diretos aos computadores: o criminoso infecta um dispositivo com vírus para danificar o serviço e coletar informações.
► Uso do dispositivo para cometer outros crimes: são aqueles ataques que fazem uso de computadores ou redes para disseminar o vírus, como exemplo, a fraude em e-mails.
► Computadores são usados como um acessório: o criminoso utiliza o dispositivo para armazenar informações roubadas.
Fonte: Assessoria de comunicação do deputado Roberto Cidade.
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PEIXES, MERCÚRIO E MORTE ECONOMIA & SOCIEDADE
Mais perto da morte:
peixe nosso envenenado de cada dia Comercialização e ingestão de pescado contaminado com metilmercúrio e microplástico põem em risco vida da população amazônica
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ANAUS (AM) – Moradores das cidades amazônicas estão consumindo peixes contaminados com altos níveis de mercúrio e também com microplásticos. Estudos recentes desenvolvidos por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), Greenpeace Brasil, Iepé, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) e da Universidade Federal do Pará (UFPA) apontam que peixes comercializados nos mercados locais dos principais centros urbanos da Amazônia e que chegam à mesa da população estão impróprios para o consumo e podem acarretar uma intoxicação crônica, um processo silencioso, que pode diminuir a expectativa de vida. “Quando se come peixe contaminado, temos um caso de intoxicação crônica,
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você fica longos períodos entrando em contato com concentrações baixas daquele contaminante. Então, você adoece em um processo silencioso. No caso do mercúrio na Amazônia, observamos uma exposição antes de o indivíduo nascer, dentro da barriga da mãe ele já está exposto, e essa exposição vai acontecendo até o final da vida. Ele (indivíduo) não morre por conta do metilmercúrio, mas ele (metilmercúrio) compromete o organismo como um todo e acaba diminuindo a expectativa de vida”, disse a pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz, Ana Claudia Santiago de Vasconcellos, uma das autoras do estudo sobre contaminação por mercúrio. O estudo “Análise regional dos níveis de mercúrio em peixes consumidos pela população da Amazônia brasileira” trouxe à tona um dado alarmante: mais de um quinto (21,3%) dos peixes comercializados nos centros urbanos e que chegam à mesa
Crédito: Divulgação | Arquivo Pessoal
Camila Carvalho – especial para a Revista Cenarium Amazônia
REVISTA CENARIUM
Peixes expostos em um mercado na Amazônia foram analisados por pesquisadores 23
PEIXES, MERCÚRIO E MORTE
“
A contaminação por mercúrio atinge toda a população da Amazônia, mesmo nos grandes centros urbanos, longe das regiões garimpeiras”
Crédito: Maria Silveira | Iepé
ECONOMIA & SOCIEDADE
Decio Yokota, pesquisador do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé).
das famílias na região Amazônica apresentaram níveis de contaminação acima do limite de ≥ 0,5 μg/g (microgramas de mercúrio por grama de peixe) aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Agência de Vigilância Sanitária Brasileira (Anvisa). Em Roraima e no Acre, a situação é ainda mais alarmante, com as maiores prevalências de contaminação, 40% e 35,9%, respectivamente, pelo metal pesado altamente tóxico. Em Rondônia, os níveis de contaminação chegaram a 26%, seguido de 22,5% de peixes contaminados no Amazonas e 16% no Pará. A pesquisadora Ana Claudia Santiago de Vasconcellos informou que o estudo foi realizado de março de 2021 a setembro de 2022, publicado em maio de 2023, com a avaliação de 1.010 peixes de 80 espécies distintas, comprados em mercados e feiras locais, simulando o hábito da população, nos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. As amostras foram coletadas nos municípios de Altamira (PA), Belém (PA), Boa Vista (RR), Humaitá (AM), Itaituba (PA), Macapá (AP), Manaus (AM), Maraã (AM), Oiapoque (AP), Oriximiná (PA), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), Santa Isabel do Rio Negro (AM), Santarém (PA), São Félix do Xingu (PA), São Gabriel da Cachoeira (AM) e Tefé (AM).
CONTAMINAÇÃO EM MASSA Ana Claudia explicou que o mercúrio encontrado nos peixes e que está sendo consumido pela população é a forma orgânica do mercúrio, denominada de metilmercúrio, que é fruto de uma trans24
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Mercúrio utilizado por garimpeiros na extração de ouro contamina rios e peixes
formação química que ocorre quando o mercúrio derretido na atividade de garimpo entra em contato com as bactérias dos rios. “Dentro do corpo humano, o metilmercúrio atinge o sistema nervoso central. Ele provoca lesões no cérebro das pessoas, tanto do indivíduo adulto, quanto no cérebro de fetos”, explicou a pesquisadora. Os estudiosos são uníssonos ao afirmar que as atividades nos garimpos são as principais responsáveis pela contaminação dos peixes por mercúrio, mas alertaram para o avanço da contaminação. “Outro fato importante é que muitos dos peixes mais apreciados fazem migrações, como o caso do Dourado, responsável pela maior migração em água doce do mundo, que vai desde a foz do Amazonas até suas cabeceiras. Ou seja, existem muitos peixes com movimentos de milhares de
quilômetros dentro da bacia amazônica, e, portanto, a contaminação do pescado não fica restrita a apenas as regiões onde existem garimpos ativos. Essa é a principal contribuição dessa pesquisa, a contaminação por mercúrio, atinge toda a população da Amazônia, mesmo nos grandes centros urbanos, longe das regiões garimpeiras”, afirmou o pesquisador do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), Decio Yokota.
PEIXES COM PLÁSTICO Em julho deste ano, um estudo do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), em Tefé (AM), coordenado pela mestra em Zoologia, Carolina Gomes Sarmento, identificou, pela primeira vez, a presença de plástico no trato gastrointestinal (estômago e intestino) de seis espécies de peixes, que são frequentemente consumidos pela
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Fácil e barato, mas com consequências gravíssimas à saúde O uso do metilmercúrio, especialmente na atividade garimpeira na Amazônia, é a maneira mais fácil e barata de separar o ouro dos demais sedimentos, mas traz consequências gravíssimas à saúde humana e ao bioma amazônico.
Segundo o pesquisador, apenas grandes empresas usam o cianureto. “Os garimpeiros pequenos e as flotilhas de balsas, que podem ser bastante grandes, usam mercúrio. Grandes empresas usam cianureto”, disse o pesquisador.
Segundo o doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Philip Fearnside, há possibilidade de substituição do mercúrio pelo cianureto, que é venenoso e exige cuidados.
Ele explicou que o mercúrio elementar é transformado em metilmercúrio, a forma altamente venenosa, em ambientes sem oxigênio.
“O uso de mercúrio é a maneira mais fácil e barata para separar o ouro do sedimento e agregar as partículas de ouro. É possível fazer sem mercúrio usando cianureto. Isto também é venenoso, exigindo cuidado durante o uso, mas não bioacumula igual ao mercúrio”, disse.
“Isto ocorre no fundo de reservatórios de hidrelétricas, onde a água estratifica e forma uma camada sem oxigênio no fundo. Também ocorre em lagos ou em baías ao longo dos rios onde a água fica parada. O metilmercúrio bioacumula, aumentando em concentração aproximadamente por um fator de dez em cada elo da cadeia alimentar. Chegando no topo com predadores como botos ou tucanarés, a
concentração é alta. Seres humanos comem peixes predadores e, assim, têm valores mais altos ainda. O organismo não tem como eliminar o mercúrio no corpo, e ele aumenta ao longo do tempo. As consequências para a saúde são gravíssimas”, explicou. Segundo ele, não há indícios de ações para descontaminação dos locais já contaminados na Amazônia. “Descontaminar é muito difícil, pois o mercúrio está misturado com grandes volumes de sedimentos. Ele só acumula em poços concentrados quando há uma laje de rocha por baixo dos sedimentos, como era o caso nos trechos do Rio Madeira, hoje ocupado pelos reservatórios de Santo Antônio e Jirau. Que eu saiba, não há nenhum plano para descontaminação”, disse o pesquisador Philip Fearnside. Crédito: Ricardo Oliveira
Moradores de cidades amazônicas têm se alimentado com peixes contaminados
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PEIXES, MERCÚRIO E MORTE ECONOMIA & SOCIEDADE
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Crédito: Divulgação | Pesquisa
Os plásticos nos peixes são os Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), que são substâncias químicas constantes nos plásticos. São esses POPs que acabam entrando na nossa corrente sanguínea” Gleyce Aquino, pesquisadora da UFPA.
população: o jaraqui, a sulamba/aruanã, o tucunaré; o tambaqui; a sardinha e o pacu comum.
Imagens 1 e 2: microplásticos encontrados dentro de peixes na Amazônia
Segundo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), que fomentou o estudo, nos 336 peixes examinados, foram encontradas 34 partículas com formas de fragmentos e filamentos de sacolas, linhas de pesca e isopor.
“Os plásticos nos peixes são os Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), que são substâncias químicas constantes nos plásticos. São esses POPs que acabam entrando na nossa corrente sanguínea quando ingerimos peixes contaminados e podem gerar doenças cardíacas, respiratórias, endócrinas e, até mesmo, a infertilidade”, disse a pesquisadora Gleyce Aquino. Segundo ela, todas as espécies possuíam plástico no estômago, independente de período (chuvas ou seca) e local da coleta. “Verificamos que a maioria desses plásticos, cerca de 80%, eram de cores 26
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Crédito: Divulgação | Pesquisa
No Pará, pesquisadores do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Amazônia (Neap) da UFPA descobriram que a maioria das espécies de peixes comercializadas no Estado contém partículas de plástico no organismo. A pesquisa coletou mais de 700 peixes, de 20 espécies, dentre elas a pescada-amarela, pratiqueira e a pescada-gó, de março a julho, e de julho até dezembro, provenientes da maior faixa contínua de manguezais do Brasil, uma área de 379 hectares que vai do litoral nordeste do Pará até o Maranhão.
azuis. Isso diz algo muito importante, porque esse plástico advém das indústrias pesqueiras, que perdem ou descartam irregularmente redes e linhas de pesca que são da coloração azul”, salientou. A contaminação do pescado na Amazônia representa um enorme risco à população. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no Brasil, o consumo de peixes pela população é, em média, de 9 quilos
por habitante, ao ano. Na região amazônica, a realidade é diferente, por conta da proximidade com os rios e o ecossistema da região, fazendo com que o consumo de peixes faça parte, inclusive, da cultura e dos hábitos alimentares amazônicos. Na região, estima-se que o consumo, especialmente em comunidades ribeirinhas e nos maiores centros urbanos, se aproxime de 150 quilos por pessoa, anualmente. Edição: Márcia Guimarães
COMO O MERCÚRIO CONTAMINA OS PEIXES?
Os garimpeiros utilizam uma forma elementar do mercúrio, denominada de azougue, para a separação do ouro de outros sedimentos.
Queimado pelos garimpeiros, o mercúrio derretido evapora e o ouro puro é obtido.
Parte do mercúrio evapora e outra parte cai na água dos rios. Em contato com a água, o metal sofre transformações químicas e tende a ficar preso na matéria orgânica dos rios.
No fundo dos rios, o mercúrio é transformado por bactérias em sua forma orgânica: o metilmercúrio, que acaba contaminando os peixes. Fonte: Fiocruz e Ministério da Saúde
PEIXES CONTAMINADOS POR MERCÚRIO AMAZONAS Nº de Peixes Nº de Espécies % ≥ 0,5 μg/g
262 34 22,50
ACRE Nº de Peixes Nº de Espécies % ≥ 0,5 μg/g
78 25 35,90
RONDÔNIA Nº de Peixes Nº de Espécies % ≥ 0,5 μg/g
REGIÃO AMAZÔNICA Nº de Peixes 1010 Nº de Espécies 80 % ≥ 0,5 μg/g 21,3
RORAIMA Nº de Peixes Nº de Espécies % ≥ 0,5 μg/g
75 27 40,00
AMAPÁ Nº de Peixes Nº de Espécies % ≥ 0,5 μg/g
114 27 11,40
PARÁ Nº de Peixes Nº de Espécies % ≥ 0,5 μg/g
393 47 15,80
88 28 26,10
Fonte: Estudo “Análise regional dos níveis de mercúrio em peixes consumidos pela população da Amazônia brasileira”.
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PEIXES, MERCÚRIO E MORTE ECONOMIA & SOCIEDADE
Situação alarmante em RR e AC Estudo apontou que dois em cada cinco peixes nesses Estados têm índices de mercúrio superior ao limite recomendado
Camila Carvalho e Winicyus Gonçalves – Da Revista Cenarium Amazônia
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ANAUS (AM) e BOA VISTA (RR) - Os níveis de contaminação por mercúrio nos peixes em Roraima e no Acre chamaram a atenção dos pesquisadores e deram o pontapé para os estudos sobre o nível de contaminação que chega às mesas dos centros urbanos da Amazônia.
Saúde Atribuível ao Consumo de Pescado Contaminado por Metilmercúrio na Bacia do Rio Branco, Roraima” e identificou que em praticamente todos os cenários analisados, as razões de risco estimadas mostram que a população de Roraima se encontra sob elevado risco de adoecimento, devido ao consumo de pescados contaminados.
Entre 27 de fevereiro e 06 de março de 2021, um grupo formado por seis pesquisadores de diversas instituições de pesquisa desenvolveu o estudo “Avaliação de Risco à
“Isso significa que independentemente do padrão de consumo de pescado (baixo, moderado ou elevado), de a população residir em áreas urbanas ou não e do
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REVISTA CENARIUM Crédito: Leo Otero | MPI
Área de garimpo em Surucucu, dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima 29
PEIXES, MERCÚRIO E MORTE ECONOMIA & SOCIEDADE
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Independentemente do padrão de consumo de pescado (baixo, moderado ou elevado), de a população residir em áreas urbanas ou não e do extrato populacional analisado (mulheres em idade fértil, crianças e homens adultos), todos os indivíduos que consomem peixes provenientes dos locais amostrados estão sob risco de adoecer, devido à ingestão de metilmercúrio” Trecho do estudo “Avaliação de Risco à Saúde Atribuível ao Consumo de Pescado Contaminado por Metilmercúrio na Bacia do Rio Branco, Roraima”.
40% Em Roraima, 40% dos peixes estudados estavam contaminados. A ingestão de mercúrio potencial pela população local extrapolou de 5,9 a 27,2 vezes a dose de referência.
39,5% No Acre, 39,5% dos peixes estudados estavam contaminados. A dose potencial de ingestão ultrapassou de 6,9 a 31,5 vezes a dose de referência preconizada pelos órgãos de vigilância.
extrato populacional analisado (mulheres em idade fértil, crianças e homens adultos), todos os indivíduos que consomem peixes provenientes dos locais amostrados estão sob risco de adoecer, devido à ingestão de metilmercúrio”, apontaram os pesquisadores no estudo. Durante a pesquisa, foram coletados 75 peixes de 20 espécies diferentes no Baixo Rio Branco; Baixo Rio Mucajaí, afluente da margem direita do Rio Branco; Rio Branco na cidade de Boa Vista; e Rio Uraricoera, no município de Amajari. Na época, o trabalho foi considerado pioneiro, ao avaliar o risco à saúde humana atribuível ao consumo de pescado contaminado por mercúrio. Participaram do estudo os pesquisadores Ana Claudia S. de Vasconcellos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); Ciro C. de Sousa, do Instituto Socioambiental (ISA); Marcelo de O. Lima, do Instituto Evandro Chagas; Marcos W. de Oliveira, do ISA; Sylvio Romério B. Ferreira, da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Paulo Basta, da Fiocruz.
NADA MUDOU Após o estudo específico com os peixes na bacia do Rio Branco, os pesquisadores decidiram se debruçar em dados sobre a região amazônica. E o cenário não mudou: entre os Estados pesquisados, Roraima e Acre têm os maiores índices de contaminação - 40% e 39,5%, respectivamente - dos peixes analisados. Em Roraima, a ingestão potencial de mercúrio pela população local extrapolou de 5,9 a 27,2 vezes a dose de referência. Os dados apontam que as mulheres em idade fértil estariam ingerindo até 8 vezes 30
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mais mercúrio do que a dose preconizada, e crianças de 2 a 4 anos até 27 vezes mais do que o recomendado. No Acre, a ingestão potencial de mercúrio ultrapassou de 6,9 a 31,5 vezes a dose de referência preconizada pelos órgãos de vigilância. Para os pesquisadores, o índice tem relação com o avanço dos garimpos, principalmente em territórios indígenas, como a Terra Yanomami, na divisa entre Amazonas e Roraima. “Os garimpos utilizam amplamente o mercúrio metálico no processo de separação do ouro. Porém, esse mercúrio é despejado no ambiente sem qualquer cuidado e se acumula no sedimento dos rios. Ali, converte-se em metilmercúrio (a forma química mais perigosa), onde é incorporado aos organismos aquáticos”, explica o estudo. Os pesquisadores afirmam que é necessário que sejam desenvolvidas políticas públicas e programas para a garantia da segurança alimentar das populações mais afetadas, respeitando a soberania alimentar e o modo de vida de cada região. Apesar disso, autoridades de meio ambiente em Roraima, por exemplo, não estimam impacto direto na alimentação e na saúde das pessoas que vivem nas zonas urbanas, como o presidente da Fundação Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh), Glicério Fernandes, assinalou. “Ainda não há um impacto sensível a se mensurar nas zonas urbanas em Roraima. No caso do peixe, por exemplo, aproximadamente, 90% do que vai para a mesa da população é criado em cativeiro. Eles se alimentam praticamente de ração e a piscicultura em Roraima utiliza água da
Crédito: Alexandre Fonseca | Cortesia
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Mercúrio utilizado por garimpeiros na extração de ouro contamina rios e peixes
chuva ou nascentes. Ninguém usa água do rio”, explicou Fernandes. Apesar da explicação do presidente da Femarh, vale lembrar que estudo sobre a contaminação de peixes na Amazônia analisou amostras de pescado coletadas em diversos mercados e feiras, que foram extraídas de peixes que estavam sendo vendidos à população. Em Roraima, informaram as autoridades, a atenção em saúde em relação ao impacto do garimpo está voltada para doenças que são comuns no Estado. O coordenador-geral de Vigilância em Saúde (CGVS) da Secretaria Estadual de Saúde (Sesau), Gerson Castro, explica que capacitações têm sido feitas para evitar surtos de doenças em Roraima. “É evidente que aqui no Estado o garimpo traz outros inúmeros problemas
em saúde pública. A malária e a leishmaniose têm incidências altas aqui no Estado, por conta dos garimpos estarem, principalmente, em regiões de mata fechada e levarem a doença aos indígenas. Estamos realizando capacitações com frequência para auxiliar em ações de prevenção”, disse Castro. Segundo o Governo do Acre, não há registro de garimpo no Estado, mas o pescado consumido na região vem de outros Estados castigados por esta prática. “Então, o Acre está rodeado de regiões com muito garimpo, como na fronteira com o Peru, mas também é em Rondônia. Essa pesquisa se focou no peixe que estava sendo oferecido nas feiras dessas cidades. E o Acre tem muito do seu pescado sendo abastecido dessas outras regiões”, afirma Décio Yokota, pesquisador do Iepé.
Acesse o estudo sobre o mercúrio em RR:
Acesse o estudo sobre o mercúrio na Amazônia:
Edição: Márcia Guimarães 31
PEIXES, MERCÚRIO E MORTE ECONOMIA & SOCIEDADE
Indígenas: linha de frente da intoxicação Contaminação por mercúrio afeta diretamente aldeias indígenas na Amazônia Winicyus Gonçalves – Da Revista Cenarium Amazônia
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OA VISTA (RR) – Os indígenas são os primeiros a sentirem os impactos da contaminação por mercúrio na Amazônia. São eles que estão mais perto dos garimpos ilegais de ouro, de onde vem o metal perigoso, e também são os que estão, há mais tempo, sendo contaminados. A presença do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TI-Y), maior território indígena do País, por exemplo, tem causado uma série de ameaças à vida dos indígenas. A crise sanitária, com altas incidências de casos de malária e desnutrição no território, é um dos aspectos mais visíveis no estado de saúde dos indígenas. Porém, a contaminação por mercúrio agrava ainda mais o quadro de saúde dos povos originários em Roraima. Fernando Palimitheli é cacique da comunidade Palimiú, que fica em Alto
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Fiquei com muitas dores de cabeça e dores pelo corpo, quando eu bebia da água e comia do peixe do rio. Aqui no Palimiú, as crianças ficam muito fracas e algumas pessoas que vivem aqui contam que os cabelos começaram a cair” Fernando Palimitheli é cacique da comunidade Palimiú. 32
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Crédito: Acervo Pessoal
Fernando Palimitheli é cacique na comunidade Palimiú e relata ter sofrido problemas de saúde como consequência da contaminação por mercúrio
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“
Tem crianças nascendo com má-formação, as pessoas estão com o cabelo caindo. Isso é resultado de mercúrio. Estamos muito preocupados com os rios contaminados” Junior Herukari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY).
O presidente do Condisi-YY, Junior Herukari, diz que outras comunidades em Roraima têm saúde impactada pela contaminação por mercúrio
Alegre, no interior de Roraima, às margens do Rio Uraricoera, principal via fluvial do garimpo ilegal para dentro da reserva. Palimitheli conta que ele e outros indígenas que vivem na região chegaram a ficar doentes, por conta da água e do peixe ingeridos no território. “A água fica muito suja e com muita lama e não dá mais para beber. O mercúrio também estragou o peixe. Eu, por exemplo, fiquei com muitas dores de cabeça e dores pelo corpo quando eu bebia da água e comia do peixe do rio. Aqui no Palimiú, as crianças ficam muito fracas e algumas pessoas que vivem aqui contam que os cabelos começaram a cair”, relata o indígena. Palimitheli e outros indígenas da região do Palimiú receberam atendimento médico de profissionais de saúde que atuam no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y), mas nunca receberam algum laudo ou diagnóstico que comprovasse a contaminação por mercúrio. Ele pede que pesquisadores possam ir até a região e que façam testes.
Crédito: Ravena Rosa | Ag. Brasil
muito contaminados e o cheiro que fica é muito ruim”, finaliza.
“Pedi ajuda ao Condisi-YY [Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana] para nos ajudar a examinar a comunidade e ver a contaminação que tem aqui por mercúrio. Precisamos que a Fiocruz venha aqui e nos ajude a examinar a nossa água e o nosso peixe, porque corremos muito risco”, complementa Palimitheli. Em janeiro deste ano, no auge da crise humanitária na Terra Yanomami, a Casa de Saúde Indígena (Casai), que é o estabelecimento responsável pela assistência em saúde aos indígenas, chegou a abrigar mais de 700 pessoas, mas o local tem capacidade para pouco mais de 200, segundo o Centro de Operações de Emergências (COE) do governo federal. O líder indígena acrescenta que outros impactos para além dos problemas de saúde foram sentidos na região. O maquinário utilizado para extrair minérios como ouro e cassiterita causa poluição e prejudica a caça de animais selvagens. “Eles [os garimpeiros] matam os animais para comer e o barulho das máquinas afasta os animais para longe. A terra e os rios estão
IMPACTO O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY), Junior Herukari, conta que indígenas de outras regiões do Estado também relatam que, ao beber da água de rios e comer peixes, começaram a ter problemas de saúde. “Várias comunidades estão passando por esses problemas causados pelo garimpo. Além do Palimiú, tem a Surucucu, Homoxi, Xitei. Tem crianças nascendo com má-formação, as pessoas estão com o cabelo caindo. Isso é resultado de mercúrio. Estamos muito preocupados com os rios contaminados”, diz Herukari. A partir da crise sanitária, o governo federal realizou uma operação para a retirada de garimpeiros na Terra Yanomami e, segundo o Ministério da Defesa, aproximadamente, 16 mil já deixaram o território indígena. Contudo, para Herukari, é preciso haver mais ações de assistências aos indígenas e para recuperar o meio ambiente, degradado bem antes do início da operação. “Não é só tirando os garimpeiros que vai resolver todo o problema. O rastro do garimpo já está aqui há mais de 30, 50 anos. Esse é o resultado do que estamos levando nos nossos corpos. Os corpos dos Yanomami estão muito contaminados com mercúrio. Esse também é o resultado do governo Bolsonaro, que deixou a sua assinatura”, avalia Herukari, referindo-se ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Edição: Márcia Guimarães 33
PEIXES, MERCÚRIO E MORTE ECONOMIA & SOCIEDADE
Dificuldade de
diagnóstico e tratamento Sintomas da intoxicação crônica por mercúrio ou por ingestão de microplásticos podem ser confundidos com outras enfermidades, dificultando o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento Camila Carvalho – Especial para a Revista Cenarium Amazônia
Manacapuru, tendo como fonte a ingestão de alimento não informado, mas ainda em investigação. Após a notificação, foi realizada a investigação por parte da vigilância em saúde municipal. Com a manutenção da suspeita do caso, o procedimento inclui a realização de exames complementares para confirmar a contaminação com a coleta do produto que pode estar relacionado ao caso, sendo desde ingestão de fezes, urina, cabelo ou alimentos contaminados.
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adequado, os sintomas podem progredir e afetar, diretamente, a expectativa de vida, segundo pesquisadores.
Antônio Magela, infectologista, diretor de assistência médica da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD).
Muitas vezes, os sintomas surgem 15, 20 anos após a ingestão e eles são dor de cabeça, tontura, turbação visual, náusea, vômito, diarreias, de causas inexplicáveis” Sem o diagnóstico e/ou tratamento
ANAUS (AM) – Com efeito especialmente nos sistemas nervoso central e cardiovascular, os sintomas gerados pela ingestão de peixes contaminados com metilmercúrio ou com microplásticos, muitas vezes, são confundidos com outras doenças e as pessoas sequer procuram auxílio médico-hospitalar.
“Os danos que o mertilmercúrio causa no sistema nervoso central são irreversíveis. Esse mercúrio, quando chega ao cérebro, ele fica ali impregnado por um período de até 20 anos. Como essa pessoa não para de comer peixe contaminado, ela não para de se contaminar. Então, é um processo contínuo. Não existe ainda um medicamento ou um tratamento que seja regulamentado para retirar esse mercúrio que se acumula no cérebro”, explicou a pesquisadora Ana Vasconcellos, da Fiocruz. No Amazonas, por exemplo, a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas Dra. Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP) informou que, em 2023, foi notificado apenas um caso de intoxicação exógena associada à ingestão de mercúrio na zona rural de 34
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Segundo a FVS, não há registro de óbitos por contaminação de mercúrio no Amazonas nos bancos de dados oficiais do Ministério da Saúde. O diretor de assistência médica da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD), infectologista Antônio Magela, alertou para o desenvolvimento de doenças neurológicas, em decorrência da contaminação por mercúrio. A fundação concentra atendimento de casos de intoxicação por mercúrio no Amazonas. “Enquanto houver esses garimpos ilegais, a nossa população vai permanecer vulnerável a desenvolver doenças neurológicas crônicas de difícil diagnóstico e, consequentemente, de difícil tratamento.
Muitas vezes, os sintomas surgem 15, 20 anos após a ingestão e eles são dor de cabeça, tontura, turbação visual, náusea, vômito, diarreias, de causas inexplicáveis. Atualmente, não temos na rotina de exames laboratoriais o pedido de exames de metais pesados. O mercúrio é facilmente detectado no sangue e na urina, mas não são exames rotineiros”, afirmou o infectologista. Quanto à ingestão de peixes contaminados com microplásticos, a identificação de problemas de saúde causados por essa intoxicação é ainda mais difícil, porque as pesquisas, em geral, ainda estão começando. A pesquisadora Gleyce Aquino informou que o estudo que encontrou microplásticos em peixes nos mercados de centros urbanos da Amazônia será compartilhado com os órgãos responsáveis tanto pela fiscalização da venda dos pescados quanto com a vigilância sanitária, para que sejam adotadas as providências cabíveis e os alimentos impróprios para consumo não cheguem à mesa dos consumidores. Segundo ela, o estudo - que é sua dissertação - está em fase de revisão, e, em sua totalidade, ainda se encontra em sigilo. “Outro achado muito importante são as presenças de microesferas de plástico encontradas nos esfoliantes de rosto e de corpo. Dentre as espécies de peixes que mais ingeriram polímeros plásticos está a espécie comercial Cynoscion acoupa, que é conhecida popularmente como pescada-amarela. Ao ingerir peixes contaminados, esses microplásticos acabam chegando até a corrente sanguínea e gerando vários problemas de saúde”, explicou a pesquisadora.
ORIENTAÇÃO DIETÉTICA A FVS do Amazonas orienta que, em caso de suspeita de contaminação por mercúrio, é preciso que sejam avaliados fatores que possam estar relacionados à exposição,
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incluindo a análise de ambientes, como locais de trabalho, ou ingestão acidental. Em ambos os casos, a recomendação principal é procurar o serviço de saúde para avaliação médica. Para os pesquisadores que trabalham com o tema, a orientação à população é que diminua a ingestão de peixes carnívoros – pirarucu, tucunaré e piranha – que possuem níveis de mercúrio mais altos. “Pirarucu, tucunaré, piranha têm níveis de mercúrio mais altos do que os peixes herbívoros, como a matrinxã e o pacu. Orientamos que as pessoas abram mão, se possível, dos peixes carnívoros e passem a comer mais peixes herbívoros, que têm níveis de mercúrio bem mais baixos. No caso das gestantes, a recomendação é que
não comam peixes carnívoros nunca”, disse a pesquisadora Ana Vasconcellos da Fiocruz.
sionais de saúde para identificação das intoxicações por mercúrio.
CAPACITAÇÃO
Ela é a coordenadora de um projeto que já promoveu o treinamento e a capacitação de 200 profissionais de saúde, entre Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e médicos, no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Tapajós, no Pará, para que eles possam entender como o mercúrio se comporta no ambiente e no corpo humano, bem como solicitar pedidos de exames para identificação da contaminação pelo metal pesado e entender os principais sintomas.
“O metilmercúrio é devastador e é um processo muito perverso porque é invisível e, muitas vezes, os problemas de saúde não fazem com que aquela pessoa procure um serviço de saúde ou um médico, por exemplo. Já é difícil que o médico desconfie que seja algo causado pelo mercúrio, porque, na maioria das vezes, o profissional de saúde não está preparado para esse tipo de diagnóstico e esse também é um dos braços da nossa pesquisa”. Foi com essa frase que a pesquisadora Ana Vasconcellos, da Fiocruz, destacou a importância do treinamento e da capacitação de profis-
O projeto deve iniciar uma nova turma de treinamentos e capacitação em dezembro deste ano, na Terra Indígena Yanomami.
IMPACTOS DO MERCÚRIO NA SAÚDE Gestantes, lactantes, mulheres em idade fértil, crianças, indígenas e ribeirinhos são populações mais vulneráveis aos impactos do mercúrio na saúde. Gestantes
Lactantes
Crianças
Indígenas
METILMERCÚRIO
SINAIS E SINTOMAS DE INTOXICAÇÃO Inalatória
A exposição ao mercúrio pode ser ambiental ou ocupacional A gravidade dos efeitos à saúde depende da forma química do mercúrio, da dose, da via do tempo de exportação e de características individuais.
Ribeirinhos
Absorvido pelo trato gastrointestinal, atravessa a barreira hematoencefálica e placentária, chegando ao cérebro e ao feto.
VIAS DE EXPORTAÇÃO Os sistemas nervoso, cardiovascular e renal são os mais afetados
Digestória
Principais sinais e sintomas incluem:
Danos graves ao sistema nervoso, como perda da visão periférica, alfinetadas nas mãos, nos pés e na boca
Dificuldades motoras, na fala, no caminhar e de audição
Dérmica
Os sintomas podem incluir distúrbios neurológicos e comportamentais
Fraqueza muscular
Comprometimento neurológico
Coma e óbito
As manifestações neurológicas neonatais são ainda mais severas, com efeitos teratogênicos e mutagênicos. Fonte: Ministério da Saúde / Cartilha “Orientações para a notificação de intoxicações por mercúrio
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Crédito: Fernando Frazão | Ag. Brasil
Crianças Yanomami já sofrem com impactos da contaminação por mercúrio, além de outras doenças
Grávidas e crianças são grupos de risco
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O consumo de peixes contaminados com mercúrio pode causar danos cerebrais irreversíveis em recém-nascidos, aponta estudo. Poluentes orgânicos persistentes, os microplásticos já foram encontrados em placentas e no leite materno Camila Carvalho – Especial para a Revista Cenarium Amazônia
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ANAUS (AM) – Ao longo de todos os estudos que têm abordado a ingestão de peixes contaminados com metilmercúrio e poluentes orgânicos persistentes, ou, simplesmente, microplásticos, pesquisadores chamam a atenção especialmente para os danos devastadores e, por vezes, irreversíveis causados às grávidas e aos recém-nascidos. No estudo “Avaliação de Risco à Saúde Atribuível ao Consumo de Pescado Contaminado por Metilmercúrio na Bacia do Rio Branco, Roraima”, os pesquisadores chamaram a atenção para os sintomas que acometem adultos que ingeriram altas doses de metilmercúrio via ingestão de peixes contaminados. “Nos casos graves em adultos, os sintomas da intoxicação por metilmercúrio incluem alucinação, convulsões, perda da sensibilidade das mãos e dos pés, dificuldades para caminhar, que podem resultar numa dependência de cadeira de rodas, perda da visão e da audição. Existem também manifestações subclínicas, pois, nesses casos, os sintomas podem se confundir com outras doenças, como, por exemplo: dor de cabeça crônica, zumbido no ouvido, dificuldade para enxergar, sensação de gosto metálico na boca, distúrbios do sono, ansiedade, depressão, taquicardia, hipertensão, entre outros sintomas”, apontaram os pesquisadores. Segundo os pesquisadores, a alta toxicidade do metilmercúrio faz com que essa substância seja capaz de ultrapassar a barreira placentária e chegar até o feto. “Um indivíduo que passou por essa exposição ainda na barriga da mãe pode nascer com problemas cognitivos graves, problemas de inteligência. É comum que a criança não goste de frequentar a escola, não consiga aprender. São comuns problemas de coordenação motora, mas nas crianças os desfechos mais graves são os de paralisia cerebral, retardo mental e má-formações, por conta da alta concentração de metilmercúrio ainda na barriga da mãe”, explicou a pesquisadora Ana Claudia Santiago de Vasconcellos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Os pesquisadores apontaram, ainda, que se os níveis de contaminação forem muito elevados, a criança pode morrer durante a gestação. “Ao nascimento, a criança pode apresentar paralisia cerebral, ter deformidades e/ou malformação congênita. Também pode haver manifestações subclínicas, que não são de fácil detecção. Quando a criança é cronicamente exposta ao mercúrio durante a gestação, ela pode ter problemas em seu desenvolvimento. Quando é bebê, por exemplo, a criança pode demorar para se sentar, para engatinhar, para dar os primeiros passos e para falar as primeiras palavras. Essas limitações, na maioria das vezes, são irreversíveis, e podem se arrastar para toda vida, gerando perdas cognitivas, perdas na memória e déficits no aprendizado, que vão ter impactos na vida adulta”, afirmaram os pesquisadores. No caso dos microplásticos, a ingestão de peixes contaminados acarreta no desenvolvimento de doenças cardíacas, respiratórias e até endócrinas. “Podemos afirmar que já foram encontrados microplásticos na corrente sanguínea, pulmões e até no leite materno e na placenta humana. Esses achados de microplásticos na placenta humana e no leite materno são bem recentes, então mais estudos estão sendo realizados para saber quais as consequências que podem acarretar nessa população totalmente vulnerável, que são os bebês”, afirmou a pesquisadora Gleyce Aquino. A pesquisadora ressaltou que as principais fontes de contaminação do pescado são a pescaria e o descarte irregular de materiais de pesca, como redes e linhas, e a poluição presente nos rios e mares. Tal contaminação tem efeitos ainda imensuráveis a longo prazo. Questionada sobre o risco de morte a partir da ingestão de peixes com microplásticos, ela ressaltou os problemas de saúde que podem acometer as pessoas a médio e longo prazos, e disse que os casos serão estudados. “Essa ainda é uma área um pouco nebulosa na ciência. Tínhamos muitos estudos
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Podemos afirmar que já foram encontrados microplásticos na corrente sanguínea, pulmões e até no leite materno e na placenta humana. Esses achados de microplásticos na placenta humana e no leite materno são bem recentes”
Gleyce Aquino, pesquisadora da UFPA.
sobre os efeitos causados na biota marinha, porém somente de alguns anos para cá que começamos a estudar os efeitos que esses polímeros causam nos humanos. No momento não sei lhe precisar se essa ingestão do peixe contaminado pode levar o ser humano à morte, podemos afirmar apenas que já foram encontrados microplásticos na corrente sanguínea, pulmões e até no leite materno. Infelizmente, estamos suscetíveis a todo momento à contaminação por plásticos, uma vez que eles estão presentes na nossa vida diariamente. Agora, vamos continuar estudando sobre a ingestão de polímeros plásticos nos peixes e expandir para outros filos que podem estar sofrendo também com essa contaminação”, disse a pesquisadora Gleyce Aquino. 37
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Crédito: Divulgação | Acervo Pessoal
Pesquisadora Ana Claudia Santiago de Vasconcellos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em campo
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Ao nascimento, a criança pode apresentar paralisia cerebral, ter deformidades e/ ou malformação congênita. (...) Quando a criança é cronicamente exposta ao mercúrio durante a gestação, ela pode ter problemas em seu desenvolvimento” Trecho do estudo sobre peixes contaminados na Amazônia.
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Identificação Em um trabalho inédito e pioneiro em regiões de garimpo e aldeias indígenas, na tentativa de avaliar os efeitos da exposição pré-natal ao mercúrio no neurodesenvolvimento infantil, um grupo de pesquisa está desenvolvendo o “Estudo Longitudinal de Gestantes e Recém-Nascidos Indígenas Expostos ao Mercúrio na Amazônia”, coordenado pelo pesquisador Paulo Basta, da Fiocruz. “Vamos acompanhar a mulher desde o primeiro momento em que se descobrir grávida e fazer o monitoramento desde o período pré-natal. E aí coletar amostras da mãe para identificar seus níveis de mercúrio, que é um indicador do que será repassado à criança. Quando o bebê nascer, vamos avaliar as condições de parto e monitorá-lo até completar dois anos, considerando o conceito dos mil dias, etapa da vida na qual são deter-
minadas consequências para o resto de sua trajetória”, explicou o pesquisador. O estudo integra o projeto Proteção dos Povos Indígenas e Tradicionais do Brasil, fomentado pelo governo da Alemanha, por intermédio da rede WWF e conta, ainda, com a participação das seguintes instituições: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Seção de Meio Ambiente (Seamb), Instituto Evandro Chagas (IEC), Ministério da Saúde; Laboratório de Pesquisa de Ciências Farmacêuticas (Lapesf) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj); Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, da Universidade de São Paulo (USP); Programa de Conservação de Espécies & Redução dos Impactos do Garimpo, WWF-Brasil; e Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Rio Tapajós.
SEQUELAS DO MICROPLÁSTICO NO CORPO EFEITOS NO CORPO HUMANO
Doenças cardíacas
Endócrinas
Respiratórias
Ainda não se sabe ao certo os efeitos sobre o corpo humano a longo prazo.
ONDE JÁ FORAM ENCONTRADOS
Corrente sanguínea
Leite materno
Pulmões
Placenta humana
Na placenta e no leite materno são achados recentes. Mais estudos estão sendo realizados para identificar consequências nos bebês.
PRINCIPAIS FONTES DE CONTAMINAÇÃO DO PESCADO Pescaria
Descarte irregular de materiais de pesca, como redes e linhas
Poluição presente nos rios e mares
Fonte: Pesquisadora Gleyce Damasceno, da UFPA.
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PEIXES, MERCÚRIO E MORTE
Crédito: Danilo Mello | Aleam
ECONOMIA & SOCIEDADE
Garimpagem com sustentabilidade? Deputado propõe liberação de garimpo no Amazonas: ‘Desenvolvimento sustentável’ Yana Lima – Da Revista Cenarium Amazônia
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ANAUS (AM) – O deputado estadual do Amazonas Adjuto Afonso (União Brasil) apresentou, no dia 31 de outubro deste ano, o Projeto de Lei (PL) n.º 1.011/2023, que cria o “Marco Regulatório para a Atividade de Mineração” no Estado, com base no Decreto Federal n.º 9.406 de 12 de junho de 2018. O decreto foi publicado no governo do ex-presidente da República Michel Temer (2016-2018) para flexibilizar a garimpagem, que antes era considerada ilegal.
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Adjuto argumenta que o projeto promoverá o “desenvolvimento sustentável”. Utilizado pela primeira vez em 1987 na Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas (ONU), o termo “sustentabilidade” é oposto à ideia de garimpagem. O conceito consiste em satisfazer as necessidades de consumo da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras, com o uso mínimo de recursos naturais e a preservação das espécies. A extração de ouro, por exemplo, é considerada de alto impacto no ecossistema, devido ao uso de mercúrio na maioria dos processos. Adjuto Afonso defendeu o PL n.º 1.011/2023 na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam). A matéria tramita na Casa. No Parlamento, deputados manifestaram-se publicamente a favor do garimpo,
O deputado estadual Adjuto Afonso defendeu na Aleam o PL que regula a mineração no Amazonas
como o presidente da Aleam, Roberto Cidade (União Brasil), Cabo Maciel (PL) e Sinésio Campos (PT). O autor do projeto que libera o garimpo no Amazonas afirma que a intenção é “modernizar” o setor da mineração no Estado, promovendo “o desenvolvimento econômico de forma sustentável e responsável”. A proposta prevê que a atividade de mineração estará sujeita a responsabilidades ambientais que envolvem a prevenção, mitigação e compensação de impactos ambientais, considerando o bem-estar das comunidades locais e o desenvolvimento sustentável nas áreas próximas às minas.
IMPACTOS IRREVERSÍVEIS Os impactos do estabelecimento da infraestrutura de mineração foram objeto de estudo de pesquisadores da Universi-
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dade de São Paulo (USP), em conjunto com a Universidade de Queensland, da Austrália. A pesquisa apontou que a mineração representa um potencial risco para as florestas tropicais no mundo todo. “Em especial na floresta amazônica, a atividade leva ao desmatamento, passando dos limites operacionais suportáveis pela floresta”, afirma o estudo.
O projeto partiu de simulação de como ficariam esses ambientes, com a abertura de estradas para o acesso às novas minas, e assim averiguar o avanço e a quantidade de desmatamento. Um exemplo utilizado foi o da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), que compreende nove Unidades de Conservação na divisa dos Estados do Amapá e Pará e pode implicar em um desmatamento substancial, desde a instalação das minas até as atividades secundárias que giram em torno da exploração de minérios. O estudo concluiu que as atividades de mineração gerariam consequências diretas e indiretas, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento regional. “Nós teríamos uma perda de diversidade significativa. Há uma perda de habitat imediata também”, afirma a pesquisadora. Leia o PL n.º 1011, do deputado Adjuto Afonso (União Brasil/AM)
Adjuto Afonso, deputado estadual pelo Amazonas, na justificativa do projeto de lei. Crédito: Divulgação
As regiões do Amapá e Pará foram escolhidas para a pesquisa. A pesquisadora Juliana Siqueira-Gay, engenheira ambiental, doutora em Ciências pela Escola Politécnica (Poli) da USP e gerente de projetos no Instituto Escolhas, diz que o estudo se baseou em “dois principais modelos, o que a gente chama de modelos espacialmente explícitos”.
A mineração é uma atividade econômica importante no Amazonas, porquanto pode contribuir para o desenvolvimento regional e gerar empregos e renda”
Balsas e dragas são destruídas em operações da Polícia Federal e Ibama
Reunião no Madeira O deputado estadual Adjuto Afonso copiou o modelo de projeto de lei de liberação de garimpo existente em Rondônia e Mato Grosso como marco inicial da atividade legal de garimpo. Ele conta que participou de reunião promovida pela Câmara Municipal de Humaitá (a 451 quilômetros de Manaus) com garimpeiros (ilegais) da região, vereadores, o prefeito da cidade, o presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), Juliano Valente, e o secretário estadual de Mineração, Gás e Energia, Ronney César Campos Peixoto. “A mineração é uma atividade econômica importante no Amazonas,
porquanto pode contribuir para o desenvolvimento regional e gerar empregos e renda, fato justificado pelo rogo da população que habita a Calha do Rio Madeira”, diz o deputado na justificativa do projeto. Em 2021 e 2022, operações ambientais da Polícia Federal (PF) em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) explodiram quase 200 balsas e dragas de garimpeiros ilegais no Rio Madeira, em Rondônia. A PF investiga, atualmente, o envolvimento de políticos e empresários no financiamento da atividade ilegal.
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PEIXES, MERCÚRIO E MORTE ECONOMIA & SOCIEDADE
Terras indígenas Entre 1985 e 2020, a área minerada no Brasil cresceu seis vezes, segundo a mais recente análise temporal do território brasileiro feita pelo MapBiomas. O dado, que resulta da análise de imagens de satélite com o auxílio de Inteligência Artificial, expressa o salto de 31 mil hectares em 1985 para um total de 206 mil hectares no ano passado. Boa parte desse crescimento se deu mediante a expansão na floresta amazônica. Em 2020, três de cada quatro hectares minerados no Brasil estavam na Amazônia. O bioma concentra 72,5% de toda a área, incluindo a mineração Industrial e o garimpo. São 149.393 hectares; destes,
101.100 hectares (67,6%) são de garimpo. A quase totalidade (93,7%) do garimpo do Brasil concentra-se na Amazônia. No caso da mineração industrial, o bioma responde por praticamente a metade (49,2%) da área ocupada por essa atividade no País. Segundo o instituto, além de se concentrar na Amazônia, o garimpo caracteriza-se também pela forte expansão em anos mais recentes. A expansão do garimpo coincide com o avanço sobre territórios indígenas e Unidades de Conservação. De 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%; no caso das Unidades de Conservação, o crescimento foi de 301%. No ano passado,
metade da área nacional do garimpo estava em Unidades de Conservação (40,7%) ou terras indígenas (9,3%). “Pela primeira vez, a evolução das áreas mineradas é apresentada para a sociedade, mostrando a expansão de todo o território brasileiro desde 1985. Trata-se de dados inéditos que permitem compreender as diferentes dinâmicas das áreas de mineração industrial e garimpo e suas relações, por exemplo, com os preços das commodities, com as Unidades de Conservação e terras indígenas”, afirma Pedro Walfir, professor da UFPA e coordenador do Mapeamento de Mineração no MapBiomas.
Crédito: Ricardo Oliveira
Garimpeiro utilizando mercúrio
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PEIXES, MERCÚRIO E MORTE ECONOMIA & SOCIEDADE
Peixes Amazônicos Envenenados As populações ribeirinhas e indígenas na Amazônia já apresentam níveis de contaminação superiores ao estabelecido pela OMS e Anvisa Camila Carvalho – Especial para a Revista Cenarium Amazônia
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ANAUS (AM) – Em um recente estudo, divulgado em julho de 2023 pela WWF Brasil, pesquisadores de seis instituições apontam os altos níveis de contaminação por mercúrio em países amazônicos. O metal pesado foi classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma das seis substâncias mais perigosas para a saúde humana, devido
à sua alta toxicidade e aos riscos que apresenta à saúde humana e ao meio ambiente. Segundo os pesquisadores, atualmente, não há um limite mínimo seguro de Hg (mercúrio) nos seres humanos (o que significa que qualquer pessoa que tenha um determinado nível de concentração de mercúrio em seu corpo pode sofrer Crédito: Bacabeira Audiovisual - Iepé
Pescado tratado, pronto para a venda em uma das feiras amazônicas
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REVISTA CENARIUM
O QUE APRENDEMOS COM MINAMATA? Segundo a WWF, na primeira metade do século passado, no Japão, habitantes da cidade de Minamata apresentaram sintomas como fortes convulsões, surtos de psicose, perda de consciência e febre. As vítimas haviam consumido peixes pescados na Baía de Minamata, onde uma empresa de produção de PVC, que usava mercúrio na fabricação, descartava os
resíduos do processo. Em 1956, a origem da doença de Minamata foi esclarecida. Cerca de 5 mil pessoas foram atingidas. Além das vítimas que ficaram com sequelas graves, estima-se que o número de mortos tenha chegado a 900 pessoas, transformando Minamata em um dos maiores desastres ambientais do planeta. Décadas depois, em outubro de 2013, outra cidade
japonesa, Kunamoto, sediou a Conferência Diplomática para a assinatura da Convenção de Minamata sobre Mercúrio. O tratado internacional era o resultado de várias rodadas de negociações, que envolveram 140 países no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). A Convenção de Minamata tem por objetivo proteger a saúde humana e o meio
ambiente dos efeitos adversos do mercúrio, estabelecendo uma série de medidas para reduzir as emissões e liberações de mercúrio em nível global, dentre elas a adoção de alternativas seguras ao uso do Hg e medidas para o monitoramento e controle das suas emissões. Entre os países amazônicos, apenas a Venezuela ainda não é um país-membro da Convenção.
os efeitos adversos da contaminação). No entanto, o limite máximo é de 10 ppm (partes por milhão) de Hg em qualquer parte corporal.
Dados do portal do Observatório do Mercúrio mostram que as populações ribeirinhas e indígenas na Amazônia já apresentam níveis de contaminação superiores ao estabelecido pela OMS e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com padrões de contaminação diferentes, de acordo com cada país. Para reduzir os níveis de Hg, os pesquisadores recomendam três medidas primordiais: controle da cadeia produtiva do ouro e do garimpo ilegal e irregular; identificação e medição de eventos de poluição por mercúrio, com caracterização de riscos associados; e desenvolvimento e implementação de medidas de redução dos riscos e impactos da contaminação por mercúrio em populações humanas expostas e vulneráveis e espécies selvagens.
Crédito: Divulgação | Arquivo Pessoal
Segundo o estudo, conduzido pela WWF-Brasil, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca – Fiocruz, Centro de Innovación Científica Amazónica Universidade do Estado de Mato Grosso e Secretaria Permanente da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (SP/OTCA), Brasil, na Colômbia e no Peru, países que detêm o maior número de pesquisas no segmento, a concentração de mercúrio nas populações ribeirinhas e indígenas é muito alta, estando acima do limite máximo da OMS ou muito próximo desse valor.
Peixe estudado em Tefé, no Amazonas, em pesquisa fomentada pela Fapeam
Observatório do mercúrio É uma plataforma on-line aberta e é a maior iniciativa de compilação e georreferenciamento de dados ambientais e de contaminação por Hg em humanos e peixes na região Amazônica. A base de dados abrange 139 estudos, dos anos de 1990 a 2022, para níveis de contaminação em populações humanas, e 94 estudos, de 1992 a 2022, para níveis de contaminação em peixes.
de poluição relacionados ao garimpo, o Observatório do Mercúrio pode informar e apoiar diretamente ações para a redução desses impactos por atores dos setores público, privado e da sociedade civil.
CONTAMINAÇÃO POR PAÍS Bolívia
1,8
A construção da plataforma foi realizada por um grupo de especialistas da área de contaminação por mercúrio da Escola de Saúde Pública – Fiocruz, do Centro de Innovación Científica Amazónica (Cincia), do Peru, do WWF-Brasil e outros especialistas
Guiana Francesa
Segundo a nota da WWF, ao fornecer informações precisas, delimitadas no tempo e georreferenciadas sobre eventos
Fonte: Estudo da WWF – Julho/2023.
Brasil Colômbia
Peru
8,71 1,40 6,45 1,10
Suriname Venezuela
4,62 1,92
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ECONOMIA & SOCIEDADE
Polo de Duas Rodas ‘aquece’ produção
Produção de motocicletas da Moto Honda da Amazônia
Crédito: Ricardo Oliveira
Fabricação de motocicletas cresce 12% no Polo Industrial de Manaus; veja ranking de fabricantes Adrisa De Góes – Revista Cenarium Amazônia
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ANAUS (AM) – O número de motocicletas produzidas na Zona Franca de Manaus (ZFM) superou 1,1 milhão, nos primeiros nove meses deste ano. O total alcançado nas linhas de montagem é resultado da atuação de dez fábricas instaladas no Polo Industrial de Manaus (PIM), que, juntas, superam em 12% a produção do mesmo período do ano passado. O painel de monitoramento é atualizado a cada mês pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo). A projeção da entidade é
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fechar o ano com 1,5 milhão de motocicletas produzidas, volume 10,4% superior na comparação com 2022, que foi de 1,4 milhão de unidades. Com 76% da meta anual alcançada, os dados também mostram os cinco melhores meses da produção: agosto (167 mil); maio (155 mil); março (152 mil); setembro (140 mil); julho (122 mil). No ano passado, a formação se repetiu, com exceção do mês de julho, que ficou fora e deu lugar para abril. “A produção de motocicletas vem seguindo o planejado pela indústria e mostra um crescimento con-
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tínuo e consolidado para atender à demanda do mercado, que segue positiva. O momento é bom e o segmento possui potencial para aumento em seus volumes de produção”, comenta o presidente da Abraciclo, Marcos Bento, sobre os números de setembro.
RANKING DA PRODUÇÃO Das 1,1 milhão de motocicletas produzidas no Polo Industrial de Manaus (PIM), entre janeiro e setembro deste ano, 794 mil unidades foram fabricadas pela Moto Honda da Amazônia. Em relação ao ano anterior para o mesmo período, o crescimento na produção é de mais de 100 mil unidades. Dentre os modelos que
mais saem na linha de produção estão a CG 160 FAN, POP 110 e a NXR 160 Bros. Os modelos estão entre os favoritos dos motociclistas de aplicativo, que realizam corrida com passageiro, e serviços de delivery, segundo pesquisa publicada pela Garagem360. Até abril deste ano, o País somava 1,6 milhão de trabalhadores nesse ramo, de acordo com dados do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec). Também figuram como maiores montadoras de motocicletas do PIM: Yamaha (903.400); JTZ (15.463) BMW (10.547) e Kawasaki (8.504). Veja ranking completo abaixo:
Produção de motocicletas do Polo Industrial de Manaus em 2023 Honda 903.400 Yamaha 238.489 JTZ 15.463 BMW 10.547 Kawazaki 8.504 Triumph 5.708 Dafra 5.384 Suzuki 1.711 Harley Davidson 1.458 Ducati 1.009 250.000
500.000
750.000
Fonte: Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo)
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ECONOMIA & SOCIEDADE
Tesouros históricos revelados
Crédito: Ricardo Oliveira
Seca extrema na Amazônia expõe patrimônios arqueológicos inéditos
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia
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ANAUS (AM) – A seca extrema dos rios na Amazônia tem evidenciado patrimônios arqueológicos nunca encontrados, que contam histórias do modo de vida dos antepassados, mas que estão ameaçados com a falta de atenção dos poderes públicos e já se tornaram até mesmo atração turística. Em Manaus e no interior do Amazonas, desenhos rupestres e cerâmicas, estimados em cerca de 2 mil anos, surgiram com a pior seca em 121 anos. O sítio arqueológico Ponta das Lajes, na Zona Leste da capital amazonense, é um dos lugares onde desenhos em forma de rostos e evidências do uso de ferramentas, talhados em pedras de uma parede rochosa, ficaram descobertos após a descida das águas do Rio Negro. Alguns dos achados já eram de conhecimento de pesquisadores, pois surgiram em grandes secas, como a de 2010, mas outros são inéditos. Além da capital amazonense, artefatos arqueológicos também são encontrados, em períodos de grande seca, em municípios como Iranduba, Manacapuru e Coari. Cerâmicas e gravuras foram identificadas também em Alvarães, a 530 quilômetros de Manaus, no final de outubro. Segundo o arqueólogo Carlos Augusto Silva, no conjunto de símbolos identificados no Sítio das Lajes, há indícios do uso das pedras para afiar e amolar ferramentas. O primeiro deixou linhas finas, como se algo fosse arrastado para frente e para trás. O segundo deixou a marca de buracos, com cerca de 10 a 15 centímetros
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Gravura rupestre talhada em pedra na Ponta das Lajes, na Zona Leste de Manaus
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O Sítio das Lajes tem essa magnitude. Talvez demonstre que ali era uma área de produção de ferramentas. Agora, não foi usado intensamente, talvez exatamente pela subida e descida das águas” Carlos Augusto Silva, arqueólogo.
de diâmetro e 5 centímetros de profundidade, como se a ferramenta fosse torcida na pedra. Além disso, as formas de rostos desenhados nas pedras também indicam uma área de interação social. “O Sítio das Lajes tem essa magnitude. Talvez demonstre que ali era uma
área de produção de ferramentas. Agora, não foi usado intensamente, talvez exatamente pela subida e descida das águas. Isso mostra que o rio talvez descesse assim em outras épocas, não intensamente ou constantemente”, explica o pesquisador. “São dados novos, que não são do conhecimento da arqueologia, esse tipo de gravura”. Além das gravuras em pedras, já foram identificadas, no complexo arqueológico, artes em cerâmica e urnas funerárias, associadas a rituais fúnebres. “É algo bastante interessante para entender que a história da Amazônia é bastante longa. Ao que parece, esses povos tinham três categorias de trabalho: a terra, a água e a floresta. Portanto, isso é uma amostra desse trabalho dessas populações que viveram nesse ambiente aqui,
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Cerâmicas encontradas em Alvarães, no Amazonas
no abraço do Rio Negro e Solimões, e deixaram essas figuras”, acrescenta Carlos Augusto Silva.
PONTA DAS LAJES A região é conhecida por ser uma área onde, em períodos de seca, surge uma praia muito procurada por banhistas da capital amazonense. As gravuras rupestres começaram a surgir quando o nível do Rio Negro atingiu a menor cota da história, no final de outubro. No dia 27 daquele mês, o nível se estabilizou em 12,70 metros, quase um metro abaixo da última grande seca, em 2010, quando chegou a 13,63 metros.
Crédito: Reprodução | Facebook
Com a repercussão negativa, o historiador afirmou, em nota, que o procedimento foi realizado com um pincel de pelo, aplicando caulim, uma argila natural de coloração branca, que foi imediatamente retirada com água, após ele ter feito o registro fotográfico. Otoni Mesquita ainda pediu desculpas, mas afirmou que o seu “método de investigação” está dentro dos pressupostos de sua formação acadêmica.
No local, a CENARIUM AMAZÔNIA constatou uma grande quantidade de lixo e a presença de visitantes e turistas, que vão ao local atraídos pela repercussão do aparecimento das gravuras rupestres.
PINTURA No dia 26 de outubro, as gravuras chegaram a ser pintadas com pigmento pelo artista plástico e historiador Otoni Mesquita, sem autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Os registros foram publicados nas redes sociais pelo perfil Manaus de Antigamente e apagados, após internautas questionarem a ação.
Crédito: Ricardo Oliveira
Visitantes e turistas frequentam local onde estão as gravuras
Limpeza e vigilância O Iphan informou que realizou junto ao Instituto Soka Amazônia, no dia 28 de outubro, uma ação de limpeza dos resíduos sólidos no Sítio Arqueológico Ponta das Lajes, com um conjunto de, aproximadamente, 200 voluntários, entre pesquisadores e sociedade civil, todos devidamente cadastrados e orientados para a ação na área. Ainda segundo o instituto, também estiveram na ação a Polícia Federal e integrantes da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social (Semseg), que fará ronda na região para coibir possíveis ações contra o Patrimônio Arqueológico. O instituto ainda ressaltou que os bens arqueológicos pertencem à União, e que a legislação “veda qualquer tipo de aproveitamento econômico de artefatos arqueológicos, assim como sua destruição e mutilação”. Para a realização de pesquisas de campo e escavações, é preciso o envio prévio de projeto arqueológico ao Iphan, que avaliará e editará portaria de autorização. “Já que aparece isso, é dever do Estado brasileiro, juntamente com a sociedade civil organizada e os poderes públicos, tentar manter essa história. Porque, segundo a Política Nacional do Meio Ambiente, todos têm direito a um meio ambiente saudável e também com sua história preservada. Se hoje não tomarmos providências, é possível que daqui a 20, 30 anos, aquilo não esteja ali para as outras gerações. Isso é uma espécie de preocupação que todos nós devemos ter em mente”, acrescentou o arqueólogo Carlos Augusto Silva. 49
ECONOMIA & SOCIEDADE
Raimundo Mendes, o Raimundão, se emociona, ao lembrar luta ao lado de Chico Mendes
Crédito: Mayara Subtil | Revista Cenarium Amazônia
Legado de um seringueiro Primo de Chico Mendes, Raimundo Mendes, que atuou junto ao líder dos seringueiros, relembra trajetória: ‘Luta nobre que deu sua vida’ Mayara Subtil - Da Revista Cenarium Amazônia
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RASÍLIA (DF) – “Quando olho e vejo… o nome do Chico [Mendes] espalhado no mundo… o seringueiro que não teve a oportunidade de ir a banco de escola, que nasceu nas condições mais difíceis e, agora, tem se projetado ao mundo… é tudo graças a uma luta nobre que Chico abraçou e deu sua vida”. Essas são as palavras do extrativista e seringueiro acriano Raimundo Mendes de Barros, conhecido como Raimundão, de 78 anos. Ele carrega como legado familiar
o ativismo ambiental e é primo de Chico Mendes, morto por defender a Amazônia e os direitos dos extrativistas, com um tiro de escopeta em 22 de dezembro de 1988, exatamente uma semana após completar 44 anos e enquanto tomava banho nos fundos de casa. Sensibilizado com o que vinha acontecendo na Amazônia nas décadas de 1960 e 1970, Raimundo de Barros, junto com Chico Mendes e outros companheiros, se uniram com um só objetivo: a não devas-
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tação das florestas. O motivo: a Amazônia vinha sendo ocupada por pessoas do Sul do Brasil focadas na criação de gado. Naquela época, a política implantada pelo regime militar fomentava conflitos de terra na região amazônica, pois a substituição da borracha pela pecuária impulsionou a especulação fundiária (investimento e valorização econômica de propriedades de fazendeiros, barrando o acesso de pequenos produtores às terras), além de ter dado abertura à devastação ambiental para a geração de pastos.
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O latifúndio foi muito mais cruel. Quer que todos nós que estamos na floresta se retire, vá viver como um mendigo, ver os nossos filhos na marginalidade” Raimundo Mendes de Barros, conhecido como Raimundão, seringueiro do Acre.
que estamos na floresta se retire, vá viver como um mendigo, ver os nossos filhos na marginalidade, as nossas filhas na prostituição, para ficarem com a terra. O capital é perverso. Mas estamos rompendo com essa camisa de força”, disse Raimundão. Durante entrevista à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, Raimundão, que hoje vive na Reserva Chico Mendes, em Xapuri, no Acre, não conteve as lágrimas, ao lembrar da morte e da figura que Chico Mendes representa às atuais gerações, sobretudo, por não acreditar que a longa luta dos seringueiros seja em vão. “Muitos dos nossos companheiros não sabem a capacidade de força, o potencial que eles têm para, junto com os outros, fazer com que essa corrente de força dos nossos algozes, que é o capital, que é o latifúndio, a gente junto, é muito mais fácil de vencer. E tem muitos que, muitas
Chico Mendes foi assassinado em 1988 Crédito: Reprodução
das vezes, não acreditam na força que têm. Nunca abandonei o seringal, continuei no seringal”, disse. Raimundo mencionou que, apesar do pulso do atual governo federal frente ao desafio de combater o desmatamento e os crimes ambientais na Amazônia, ainda é preciso fazer mais. “Os problemas da nossa Amazônia não se resolvem em um passe de mágica. Eles se resolvem a partir da organização, da conscientização, da nossa companheirada habitante da Amazônia e daqueles homens e mulheres de organizações que estão espalhados no Brasil que são solidários e nos ajudam”, mencionou o seringueiro. O primo de Chico Mendes se dedicou e ainda se dedica à batalha pela preservação ambiental, tanto ao lado do líder seringueiro quanto agora, seguindo com seu legado. Foi em 1979 que Raimundão largou o emprego na extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) para se tornar seringueiro e se debruçar na missão de proteger a Amazônia. Se envolveu com os sindicatos de trabalhadores rurais que se fortaleciam no interior do Acre, mesmo diante do poderio dos fazendeiros locais. Raimundo Mendes conta ainda que escapou com vida dos conflitos entre seringueiros e fazendeiros ocorridos no Acre
Crédito: Reprodução | CNS
“Pior ainda foi quando chegou o latifúndio. Porque os ‘patrões’ ainda nos roubavam no preço, na conta, na mercadoria, na borracha, nos reprimiam, nos expulsavam das colocações. O latifúndio foi muito mais cruel. Quer que todos nós
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Tínhamos parentes na lista de alvos ameaçados de morte. Todos os militantes do movimento social eram ameaçados de morte” Anacleto Maciel Moreira, seringueiro do Acre.
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Posso dizer que Chico Mendes representa a comunidade. Eu considero que eu tenho vocês como estrategistas presentes no mundo”
Crédito: Reprodução | Divulgação
ECONOMIA & SOCIEDADE
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
entre as décadas de 1970 e 1980. Hoje, é visto como defensor do extrativismo, sobretudo, como fonte de renda na Reserva Chico Mendes, Unidade de Conservação (UC) ambiental cuja criação foi impulsionada pela luta dos seringueiros acrianos. Mas, mesmo com anos de luta, ainda segue ameaçada por criações de gado e desmatamento. “Nesses 35 anos [da morte de Chico Mendes], nós não arredamos o pé da luta. A gente continuou e eu nunca abandonei o seringal. Dou toda razão a companheiros que relataram ter sido necessário deixar o seringal para ir para a cidade, mas eu não deixei”, acrescentou. Para Raimundão, a atual missão de proteger a floresta está nas mãos dos mais novos. “Já tivemos conquistas muito importantes no que pese à gama de companheiros insubstituíveis como Chico Mendes, Wilson Pinheiro, irmã Dorothy, e tantos outros companheiros que perdemos nessa luta. Agora, com essa juventude, para mim, ela vem muito mais preparada do que nós, pois, nós não tivemos oportunidade de galgar banco de escola, e a grande maioria deles já tem formações”, concluiu. Após a morte de Chico Mendes, em 1988, houve comoção mundial pela partida do seringueiro. Diferente dos casos de outros líderes sindicais mortos no Acre dos anos 1980, os suspeitos de planejar e matar o seringueiro, o fazendeiro Darly Alves da 54
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Ministra Marina Silva posa ao lado de amigos da luta em defesa dos direitos dos extrativistas
Silva e seu filho Darci Alves Ferreira, foram logo capturados e presos.
meu pai e meu tio estávamos na lista para sermos mortos”, contou.
Pai e filho foram condenados em 1990 a 19 anos de detenção. Os dois fugiram da prisão três anos mais tarde, mas foram recapturados em 1996. Já em 1999, Darly passou a cumprir o restante da pena em prisão domiciliar. A justificativa foi problemas de saúde. No mesmo ano, Darci ganhou o direito de cumprir o restante da pena em regime semiaberto.
Anacleto nunca frequentou a escola, mas aprendeu a ler com o pai. Viu na criação de poemas um meio de praticar o que foi ensinado em casa. A paixão do seringueiro pelos versos chegou aos ouvidos de Ângela Mendes, filha de Chico Mendes, que pediu que ele escrevesse um poema em homenagem ao pai ativista ambiental.
O seringueiro acriano Anacleto Maciel Moreira conheceu Chico Mendes 11 anos antes de sua morte e estava em Xapuri, na época com 22 anos, em meio aos acontecimentos do assassinato do sindicalista. Para ele, o atentado contra Chico Mendes dificultou a vida das famílias que dependiam da mata para sobreviver.
“Linda criança nasceu dentro do seringal, no famoso Estado do Acre, distante da capital. Defendeu a vida digna, foi seu grande ideal. Defendeu o ecossistema, fauna, flora, mata média, alta e baixa, caspa, cipó e raiz da floresta amazônica. O que procura se acha, castanheira, castanha, seringueira, borracha. O chumbo varou seu peito. Os bandidos ali correu [sic]. A polícia acovardada dali desapareceu. Dali a poucos segundos Chico Mendes morreu”, diz um trecho do texto criado por Anacleto.
“Tínhamos parentes na lista de alvos ameaçados de morte. Todos os militantes do movimento social eram ameaçados de morte. Anos antes, [fazendeiros] mataram diversas pessoas e amigos de Chico. Eu,
Crédito: Ton Molina | Revista Cenarium Amazônia
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Liderança discursa no 6° Congresso Nacional das Populações Extrativistas
Congresso Nacional das Populações Extrativistas
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aimundo Mendes e Anacleto Maciel estavam entre as 250 lideranças dos territórios tradicionais que estiveram em Brasília (DF) participando do 6° Congresso Nacional das Populações Extrativistas. O encontro foi promovido pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), entre os dias 13 e 17 de novembro. O movimento foi criado por Chico Mendes e completou, em 2023, 38 anos de existência. No encontro, as lideranças debateram pautas relacionadas a mudanças climáticas e crédito de carbono, bem como a manutenção
e a consolidação de territórios de uso coletivo. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, chegou a ir ao evento e cumprimentou as lideranças, em especial, Raimundo Mendes. Marina tem a carreira marcada pela luta em defesa do meio ambiente, inclusive, ao lado de Chico Mendes, que a lançou como vereadora pelo PT, em 1988. “Posso dizer que Chico Mendes representa a comunidade. Eu considero que tenho vocês como estrategistas presentes no mundo”, declarou a ministra.
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Cresce a violência no campo Número de casos tem segunda maior alta em 10 anos, diz CPT; indígenas são os que mais sofrem Mayara Subtil – Da Revista Cenarium Amazônia
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RASÍLIA (DF) – O número de conflitos no campo, registrado de janeiro a junho de 2023, foi o segundo maior dos últimos 10 anos, passando à frente apenas do primeiro semestre de 2020. Os dados parciais são da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e foram divulgados no dia 10 de outubro. No total, houve o registro de 973 embates, uma alta de 8% em relação ao mesmo período de 2022, quando, à época, foram contabilizados 900 conflitos. Quem sofreu mais atos violentos por terra, nesse período, foram indígenas e suas comunidades, pois representam pouco mais de 38% dos casos. Em seguida, aparecem os trabalhadores rurais sem-terra (19,2%), posseiros (14,1%) e quilombolas (12,2%). Ainda conforme o relatório da CPT, boa parte dos conflitos, em 2023, ocorreu em razão da terra (791). Na sequência, aparece como motivo o trabalho escravo rural (102) e conflitos pela água (80). Cerca de 527 mil pessoas estavam no meio de conflitos, no primeiro semestre de 2023. A CPT também registrou queda no número de mortes em relação ao ano ante-
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Crédito: Reprodução | CPT
POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS
Indígenas foram os que mais sofreram violência no campo, diz relatório da CPT
rior: 14, em 2023, ante 29, em 2022. Um déficit de 51,7%. Mas o relatório revela que 80% dos casos foram na Amazônia Legal e metade das mortes ocorreram em razão da contaminação por agrotóxicos. Aqui, indígenas seguem como os mais afetados, com seis mortes somadas. Depois, aparecem os trabalhadores sem-terra (5), posseiro (1), quilombola (1) e funcionário público (1). Também em números exatos, 878 famílias tiveram suas casas destruídas; 1.524 seus roçados e 2.909 seus pertences. Houve, também, 554 famílias expulsas das terras que ocupavam e 1.091 despejadas judicialmente. Ocorreram, ainda, 143 crimes de pistolagem; 85 de grilagem e 185 de invasão.
MULHERES YANOMAMI A violência contra as mulheres no contexto do campo registrou alta, em 2023. Passou de 94, em 2022, para 107, em 2023: crescimento de 13,8%. O destaque negativo foi a escalada da violência na Terra Indígena Yanomami, com registro de estupros de 30 adolescentes por garimpeiros ilegais em fevereiro.
Alvo, há décadas, de garimpeiros ilegais, o maior território indígena do Brasil enfrentou, nos últimos anos, o avanço desenfreado da atividade ilegal no território. Em 2022, a devastação aumentou em 54%, em relação ao ano anterior – cenário que tem mudado com as ações deflagradas desde janeiro de 2023. Mas, segundo dados do próprio Ministério da Defesa, os garimpeiros ainda ocupam 215 hectares do território indígena. A invasão do garimpo predatório, além de implicar no aumento de doenças no território, causa violência, conflitos armados e devasta o meio ambiente. A ação aumenta o desmatamento, a poluição dos rios, devido ao uso do mercúrio, e causa prejuízos para a caça e a pesca. Tudo isso, incide nos recursos naturais essenciais à sobrevivência dos indígenas na floresta. Doentes, os adultos não conseguem buscar comida para a família ou cultivar plantações na terra devastada, o que impacta na dieta das crianças, as mais fragilizadas. É um ciclo que leva à fome e provoca a grave crise humanitária no território.
Aborto: qual direito à vida estão defendendo nas tribunas? Luciana Santos – Especial para a Revista Cenarium Amazônia
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á temas que desencadeiam sempre o mesmo teatro. Li sobre a pressão de parlamentares para que o ministro Barroso não coloque em pauta no STF a questão da descriminalização do aborto e fiquei pensando: como seria interessante a mesma iniciativa e dureza nos discursos para a garantia dos direitos já legalmente previstos às crianças e adolescentes. Sim, porque esse nascituro tão defendido nas tribunas, se chegar ao mundo e não morrer logo após o parto, ele vai crescer e precisar de inúmeros serviços e políticas públicas que andam bem aquém do que seria aceitável para o pleno desenvolvimento de um ser humano. E a crítica não é só para os que transitam no Congresso Nacional, falo também sobre aqueles que possuem assentos nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais. Quantos políticos você conhece que fiscalizaram e cobraram, por exemplo, que as crianças tenham vagas em creches públicas? Aqui em Manaus, chegou-se ao absurdo de ser anunciado o sorteio de vagas, quando a lei determina que o acesso seja para todos. E sobre propostas de leis, quais entre as aprovadas, recentemente, você lembra que tenham em seu objeto algo que, de fato, impacte positivamente na vida de crianças e adolescentes? Você, como cidadão, alguma vez foi convidado para uma audiência pública que debatesse alguma lei destinada a esse público em específico? Muito provavelmente não, porque não se tem uma cultura de convidar a sociedade civil organizada para debater projetos de lei. As leis, em geral, são criadas (ou copiadas) nos gabinetes e protocoladas para
seguirem a tramitação exigida. E se essa ação “de cima para baixo” resultasse em benefícios para a população seria maravilhoso. O problema é que o que se percebe é uma enxurrada de leis “florzinhas”, que servem apenas para dar volume aos índices de produção legislativa. E por falar em número, como forma de ajudar os senhores parlamentares locais, já que moro no Amazonas, vou citar apenas quatro índices que obtive no site do Unicef para uma recente entrevista que fiz no CENARIUM DIVERSIDADE (inclusive, parabenizo a agência pelo trabalho de monitoramento desenvolvido) e que demonstram que algo não vai bem: o abandono escolar nos anos finais do ensino médio é, na média nacional, de 6,5% e, no Amazonas, é de 8,2%; a porcentagem de escolas públicas da educação básica com acesso à água é de apenas 21%; a porcentagem de escolas públicas da educação básica com acesso a esgoto é de 8%; e o Amazonas ocupa o sexto lugar no ranking de homicídios de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos. Vejo os números e penso: cadê os parlamentares “pró-vida” que não estão fiscalizando a aplicação de políticas públicas? E não podemos deixar de citar a questão da subnotificação e também da interseccionalidade, que podem mostrar um cenário muito pior, aquele que se tenta jogar para debaixo do tapete, que se rejeita, mas que está explícito nos sinais de trânsito pedindo algum trocado. Como mulher preta, não posso deixar de lembrar que as crianças e adolescentes que mais são vítimas de mortes violentas são as negras. São elas e as indígenas também que menos
Crédito: Acervo Pessoal
ARTIGO – LUCIANA SANTOS – ESPECIAL PARA A REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA
têm acesso à saúde, educação e lazer. São crianças que nem são vistas como sujeitos de direito. Não é à toa que são chamadas de “menores”, em programas de TV sensacionalistas (e racistas), e amargam à espera por uma família adotiva que nunca virá. A discussão sobre o aborto também passa por essas nuances, porque essas pessoas vão nascer e não vão ter seus direitos respeitados pelos Estados, tampouco por esses mesmos atores políticos (percebi, agora, que o termo cai como uma luva), que dizem estar lutando pelo direito à vida. E se fossem seus filhos vivendo uma vida sem nenhum tipo de dignidade? Muitas mulheres, por temerem que seus filhos virem estatísticas, buscam, sim, o aborto e eu não as critico, muito pelo contrário. Só sendo mulher para saber como é duro viver em uma sociedade machista como a brasileira; sociedade esta composta, majoritariamente, por “mães solos”, porque ou foram abandonadas (e os filhos também) ou tiveram seus companheiros assassinados. Então, senhores, diminuam as encenações dedicadas aos seus currais eleitorais e busquem não só conhecer melhor a realidade da população que representam, como também “arregacem as mangas” para defender, de fato, o direito à vida. (*) Luciana Santos é jornalista e advogada, mestra em Direito Constitucional, especialista em Direito Público, Direitos Humanos e Processo Civil, Africanidades e Cultura Afro-brasileira e possui MBA em Marketing e MBA em Gestão empresarial. (*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor. 57
MUNDO E CONFLITOS INTERNACIONAIS
Rastros da guerra Conflito Israel-Hamas pode trazer repercussões diplomáticas, econômicas e sociais ao AM Yana Lima – Da Revista Cenarium
No Amazonas, as comunidades palestinas e israelenses coexistem em relativa paz e cooperação, especialmente no âmbito do comércio. O mesmo ocorre com membros de outras comunidades do Oriente Médio, como libaneses, árabes e jordanianos. A Sociedade Árabe Palestina do Amazonas, por exemplo, tem investimentos significativos no Estado. Ela é responsável pela geração de quase 15 mil empregos diretos, por meio de indústrias e comércio. Enquanto a comunidade israelita tem uma história de mais de 200 anos com a região amazônica. Os descendentes se tornaram prósperos comerciantes, industriais e/ou fazendeiros, e profissionais de renome em várias áreas. Atualmente, Manaus abriga cerca de 200 famílias judaicas, segundo pesquisa da historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, professora da Universidade de São Paulo (USP). Segundo o advogado Anderson Fonseca, especialista em Comércio e Relações 58
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Internacionais, o impacto da guerra em Israel na vida dessas comunidades no Amazonas é inevitável. “Mesmo distantes geograficamente, não há como negar a forte influência que o ocorrido tem a trazer a nós, afinal, ambas comunidades são bem representativas no âmbito do comércio em nossa região, o que, eventualmente, pode sofrer algum revés, a depender da posição oficial do Brasil em relação ao conflito”, pontua.
AUMENTO POPULACIONAL E INFLUÊNCIA DIPLOMÁTICA Segundo Anderson Fonseca, é provável que muitos parentes e conterrâneos de refugiados, em decorrência do conflito, busquem abrigo no Amazonas, aumentando a população local. Na análise do jurista, as comunidades palestinas e israelenses no Amazonas ainda podem contribuir para o diálogo, em busca de cessar-fogo no conflito em suas terras natais. “No âmbito político, há representantes de ambas as comunidades no Legislativo local, e o Estado conta com um senador de descendência árabe que desempenha um papel importante na aproximação do Brasil com o governo federal”, destaca Fonseca. Entre os políticos amazonenses com ascendência palestina está o senador Omar Aziz. Em maio, ele liderou uma sessão no Senado Federal para lembrar os 75 anos da invasão da Palestina por forças isra-
Crédito: Yasser Qudih | AFP
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ANAUS (AM) – Apesar de não estar diretamente envolvido, e mais de 10 mil quilômetros distante do conflito recente entre o Hamas e o Estado de Israel, o Amazonas, assim como outros Estados da Região Norte, pode sentir reflexos dos ataques. As tensões podem afetar o Estado do ponto de vista diplomático, econômico e social. As comunidades locais com descendentes dos dois países envolvidos incluem empresários, comerciantes estratégicos e políticos influentes.
elenses. Ele disse que, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), entre 725 mil e 800 mil palestinos foram expulsos de suas terras. “A Organização das Nações Unidas, ela, com várias resoluções, nenhuma cumprida, qualquer outro país teria sofrido sanções imediatas, se não cumprisse as resoluções da ONU. Infelizmente, isso vem acontecendo há décadas. E é um momento de a gente procurar não só a paz, mas o direito e autodeterminação dos povos”, defendeu Aziz. O evento ocorreu antes dos conflitos mais recentes.
REVISTA CENARIUM
Palestino carrega criança no colo, após ataque de Israel na Faixa de Gaza
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Ambas comunidades são bem representativas no âmbito do comércio em nossa região, o que eventualmente pode sofrer algum revés, a depender da posição oficial do Brasil em relação ao conflito” Anderson Fonseca, advogado.
Impactos no setor agrícola O confronto não deve afetar drasticamente o comércio entre o Brasil e Israel, mas pode gerar implicações para o setor agrícola brasileiro. Uma das principais preocupações diz respeito ao preço do petróleo, já que as oscilações podem afetar o custo de produção de fertilizantes, diesel e frete no Brasil. O prolongamento do conflito no Oriente Médio pode elevar preços de commodities, afetando setores de exportação do Brasil, como carnes, soja,
cereais e produtos florestais. O Brasil exportou US$ 727,43 milhões em produtos agrícolas para Israel no ano passado, conforme dados da balança comercial. Além disso, o País importa fertilizantes, defensivos e sementes de Israel, com compras totalizando US$ 1,45 bilhão em 2022. O Brasil depende de fertilizantes israelenses, com Israel sendo responsável por uma parte significativa dos suprimentos de cloreto de potássio e fosfato diamônico (DAP).
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Crédito: Arquivo Pessoal
ENTRETENIMENTO & CULTURA
Tiago Hakiy, Yaguarê Yamã e Jaime Diakara, da esquerda para a direita
Semeadores da cultura ancestral Autores indígenas do AM participam de exposição dos povos originários em SP Alessandra Leite – Da Revista Cenarium Amazônia
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ÃO PAULO (SP) – O Sesc Ipiranga, na Zona Sul da cidade de São Paulo recebe, até o dia 17 de março de 2024, a exposição “Araetá – A Literatura dos Povos Originários”, que apresenta ao público um recorte da produção literária de autoria indígena por meio de publicações de escritores e escritoras que representam mais de 50 povos originários. Autores indígenas do Amazonas estão entre os expositores. Além dos livros, a mostra reúne ilustrações, fotografias, artesanias e objetos artísticos, bem como apresenta mais de 334 títulos, publicados por 105 editoras do
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País. O escritor amazonense, poeta e contador de histórias tradicionais indígenas, Tiago Hakiy, também autor de 15 livros, sobre a exposição, fala sobre a importância de valorizar as obras dos povos indígenas. “Acredito que exposições como essa devem e precisam ser continuadas em vários outros lugares desse nosso Brasil, de modo que o Brasil possa realmente se conhecer, dentro dessa plenitude que representa os povos originários”, ressalta Hakiy. Para o autor, trata-se de uma grande oportunidade de mostrar as produções
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“Que boa essa chance de não sermos coadjuvantes, mas sim promotores máximos das nossas atividades culturais, da nossa literatura, disseminando, de dentro da aldeia, o que carregamos da nossa ancestralidade. Se não fizermos isso, o apagamento cultural vai continuar acontecendo”, enfatiza. Hakiy afirma, ainda, que a exposição tira da invisibilidade o que está se produzindo por vários escritores indígenas e artistas, de um modo geral. “É uma canoa que chega e dentro dela traz muitos remadores, pintores, escritores, músicos, que trabalham para que a cultura e a tradição de seus determinados povos não sejam esquecidas”, diz, metaforizando o que representa esta visibilidade. “Uma canoa singrando os rios, enfrentando o dia, mirando o alto, colhendo os frutos do mundo. Dentro dela, transporta muitos remadores: pintores, escritores, músicos. Todos esses semeadores da cultura indígena, para que a tradição de seus povos não seja jamais esquecida”, acrescenta, de forma poética.
Biblioteca Araetá, com as obras dos autores indígenas
ANCESTRALIDADE Considerada uma experiência singular, a exposição Araetá traz uma interação com as escritas, oralidades, cosmovisões, pertencimentos étnicos, ancestralidades, geografias e temáticas de diversidade manifestadas por escritores e escritoras. “Eles propiciam um rico diálogo intercultural. Ara e Etá são termos da língua Tupi. Ara é o dia, o que está no alto, o fruto, o mundo. Etá é o plural dessa língua. Araetá, assim, nos remete aos frutos, aos dias, aos mundos da literatura dos povos originários”, explica o curador Ademario Ribeiro Payayá. Para ele, os caminhos percorríveis através das histórias criadas por 114 autores, equiparam-se a uma espécie de “Caminho de Peabiru”, antiga rota que conectava diferentes povos indígenas do continente sul-americano. “Araetá traça um percurso que abrange a diversidade étnica, geográfica e temática de escritoras e escritores indígenas. Nas bordas desse percurso, há o convite para um diálogo intercultural”, reitera.
REGISTROS DA TRADIÇÃO Outro autor amazonense em evidência na exposição Araetá, Jaime Diakara, escri-
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Que boa essa chance de não sermos coadjuvantes, mas sim promotores máximos das nossas atividades culturais, da nossa literatura” Tiago Hakiy, escritor amazonense, poeta e contador de histórias tradicionais indígenas.
tor do povo Desana, observa a importância da literatura, seu sentido e significado na linguagem literária indígena. Para ele, a presença dos livros escritos por autores indígenas em exposições e feiras é uma grande oportunidade de trazer para a sociedade, por meio de obras escritas, o que antes só existia na oralidade. “Quando eu vivia na minha aldeia, no Igarapé Cucura, tive contato com ancestrais para ouvir de perto e memorizar os contos contados oralmente. Comecei a ouvir, desde criança, os contos infantis e, na vida adulta, passei a ouvir os contos mitológicos relacionados às conexões cosmológicas. Isso, hoje, tornou-se uma grande literatura indígena, que vem mais nessa linha teórica do que o ouvir e o ler”, enfatiza.
Crédito: Mayara Maluceli
feitas a partir do olhar de quem está dentro da aldeia, de quem carrega a ancestralidade e não apenas pela perspectiva exterior de quem pesquisa.
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ENTRETENIMENTO & CULTURA
O Brasil precisa se conhecer melhor. Conhecer a sua população, incluindo a população indígena, como parte sua também” Yaguarê Yamã, escritor.
Para Diakara, é uma forma de valorizar os autores indígenas, colocando-os nas mesas de debate, para que essas memórias ancestrais, cujas histórias só os anciões conheciam, venham à superfície e enriqueçam o diálogo cultural, com os encantos, as rezas, as danças, as festas, as pinturas corporais e toda a representatividade contida nessas manifestações.
BRASILIDADE Autor de 40 livros, em sua maioria para o público infantojuvenil, o escritor Yaguarê Yamã figura entre os indígenas amazonenses com suas obras expostas na exposição Araetá. Para ele, o momento é de grande alegria pela oportunidade de divulgar, em São Paulo, o que ele chama de brasilidade de fato.
A Casa dos Saberes é um espaço dedicado ao líder Yanomami Davi Kopenawa 62
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“O Brasil precisa se conhecer melhor. Conhecer a sua população, incluindo a população indígena, como parte sua também. Para isso, nada melhor que o próprio escritor indígena escrever e publicar, evitando, assim, os estereótipos e preconceitos”, pontua. Na avaliação de Yamã, o brasileiro, em geral, se ampara em uma ideia de
ser europeu e esquece as raízes originais no Brasil. “Infelizmente, o brasileiro gosta de olhar para fora, para ser o que não é. A gente precisa de uma brasilidade e essa brasilidade vem pelo conhecimento sobre os povos tradicionais, nativos, suas línguas. Como eu sempre digo, o brasileiro precisa se conhecer”, destaca.
Tributo a Davi Kopenawa A exposição Araetá – A Literatura dos Povos Originários também presta homenagem ao escritor e xamã Davi Kopenawa, dedicando ao líder Yanomami o espaço intitulado Casa dos Saberes, que, com curadoria de Kaká Werá Jecupé, concentra-se na experiência sensorial e estética da arte que inspira a literatura produzida por diversos povos indígenas no Brasil. O projeto expográfico está dividido por espaços temáticos apresentados pelo escritor, professor e artista plástico Ariabo Kezo, do povo Balatiponé. As salas são identificadas pelos biomas
Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado e Pantanal. Com exposição idealizada por Selma Caetano, curadora e produtora-executiva do “Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa” –, o projeto curatorial da mostra é dividido com o pedagogo, teatrólogo e poeta Ademario Ribeiro Payayá, o ambientalista e escritor Kaká Werá Jekupé, o fotógrafo Richard Werá Mirim e a documentarista Cristina Flória. Entre nomes de renome nacional, estão os escritores: Ailton Krenak, Eliane Potiguara e Daniel Munduruku.
Crédito: Mayara Maluceli
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ARTIGO – ALLAN RODRIGUES
Crédito: Acervo Pessoal
A pior seca na Amazônia é a de políticas públicas Allan Rodrigues
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Amazônia continua a enfrentar secas recordes que abalam não apenas a flora e a fauna, mas também têm repercussões significativas sobre as comunidades locais e o ecossistema global. Embora a previsibilidade desses eventos climáticos tenha se tornado mais precisa, a falta de políticas públicas eficazes expõe a inércia dos governos no planejamento e na execução de ações estruturantes e de longo prazo. A consequência é a alta vulnerabilidade da população, principalmente interiorana, diante de eventos ambientais extremos, como as grandes secas e cheias. Ano após ano, a região testemunha secas prolongadas e intensas. Esses eventos não são meras anomalias, mas indicadores claros das mudanças climáticas em curso. O aumento das temperaturas e a alteração nos padrões de chuva não somente ameaçam a biodiversidade única da região, mas também têm sérias implicações para os municípios interioranos, as comunidades tradicionais e os povos indígenas, que dependem diretamente desses recursos naturais. A ciência climática alcançou avanços notáveis na previsão de eventos extre-
mos. Hoje, somos capazes de antecipar, com considerável precisão, a ocorrência de secas, permitindo que haja tempo suficiente para preparações e respostas adequadas. No entanto, apesar desse progresso, muitas dessas advertências têm caído em ouvidos moucos, devido à falta de ações preventivas efetivas por parte das autoridades.
mesmas providências emergenciais, que, mais tarde, não se desdobram em políticas públicas capazes de mitigar os impactos destes eventos ambientais extremos na próxima estação chuvosa ou de vazante.
A ausência de políticas públicas robustas e proativas nas esferas federal, estadual e municipal agrava os impactos das secas na Amazônia. A falta de investimentos em infraestrutura de adaptação, como sistemas de gestão de água e programas de reflorestamento, deixa as comunidades vulneráveis à escassez de recursos essenciais. Além disso, a falta de regulamentações ambientais eficazes permite práticas predatórias, como o desmatamento ilegal, agravando, ainda mais, a situação.
As secas recordes na Amazônia não são apenas uma crise ambiental, mas uma crise humanitária que exige ação imediata. A previsibilidade desses eventos deveria ser um chamado à ação para a implementação de políticas públicas efetivas, não apenas em resposta às secas, mas também para abordar os desafios adicionais de saneamento básico, transporte e abastecimento. A proteção da Amazônia e o bem-estar de suas comunidades dependem de um compromisso coletivo em enfrentar esse desafio com determinação e resiliência. Somente assim podemos garantir um futuro sustentável para esta região vital para o equilíbrio global.
As secas e as enchentes batem recordes sucessivos e sempre presenciamos os mesmos problemas: isolamento de cidades, falta de água potável, desabastecimento e encarecimento de combustíveis e gêneros alimentícios. Também se repetem as
*Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues é jornalista, escritor, professor do curso de Jornalismo da Ufam, mestre e doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e líder do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Cultura e Amazônia (Trokano).
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VIAGEM & TURISMO
Comunidade Santa Helena do Inglês, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro; seca do rio já é a maior da história
Seca impacta turismo no Amazonas Crédito: Ricardo Oliveira
Pousadas fechadas e perda de renda são reflexos da seca no turismo de base comunitária no AM
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia**
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ANAUS (AM) – O turismo de base comunitária — aquele no qual a comunidade organiza e presta serviços para os visitantes — nas comunidades Santa Helena do Inglês e Saracá, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro, a aproximadamente 1h30 de Manaus, no Amazonas, é mais um setor que enfrenta os impactos da seca severa dos rios na Amazônia,
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com a ausência de visitantes, pousadas fechadas e o risco de desabastecimento de mercadoria. O nível do Rio Negro chegou a ficar abaixo dos 13 metros, o menor em 121 anos. Em toda a Região Norte, mais de 600 mil pessoas sofrem com os efeitos da vazante, incluindo isolamento e desabastecimento. Além do Amazonas, populações do Acre, Amapá, Pará, Rondônia e Roraima também sofrem as consequências como escassez de água e comida, além de prejuízos à navegação, principal meio de transporte na região. É nesse cenário que vivem os comunitários que dependem dos rios para o desenvolvimento do turismo na localidade, a 60 quilômetros da capital amazonense.
Apoio da FAS A Pousada Vista Rio Negro, assim como outros empreendimentos turísticos na região do Rio Negro, foi implementada pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), com recursos do Fundo Amazônia. O objetivo, segundo a fundação, é estimular o desenvolvimento do turismo protagonizado pelas pessoas que vivem nas comunidades, mantendo a floresta em pé e promovendo a prosperidade social. No dia 13 de outubro, organizações da sociedade civil, reunidas na Aliança Amazônia Clima, realizaram a entrega de cestas básicas na RDS do Rio Negro, que beneficiaram mais de 150 pessoas nas comunidades Santa Helena do Inglês e Saracá. “Tivemos muita dificuldade de chegar, mas chegamos e é importante dizer que a Aliança Amazônia Clima tem tudo para contribuir com o poder público e trazer um alento para as comunidades impactadas pela seca. É desafiador, é difícil, mas não é impossível, e esse é só o começo do trabalho que temos pela frente”, afirmou a superintendente de Desenvolvimento Sustentável da FAS, Valcleia Solidade.
A dificuldade para chegar à comunidade de Santa Helena do Inglês obrigou a gestora da Pousada Vista Rio Negro, Adriana Azevedo Siqueira, a cancelar os pacotes reservados para os meses de outubro e novembro. “A gente recebia mais ou menos entre 20 a 30 hóspedes, incluindo parceiros; agora, nada. Não temos como receber, porque as coisas estão mais difíceis. Os atrativos que costumávamos oferecer aos nossos hóspedes não existem mais, e é por isso que tivemos que fechar a pousada”, afirmou à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA. O turismo de base comunitária na localidade envolve as famílias da comunidade em atividades como guias de turismo, cozinheiras, serviços gerais e outras. A falta de visitantes impacta diretamente na renda dos comunitários, que vivem, em muitos casos, apenas com o benefício do Bolsa Família.
Crédito: Reprodução | FAS
REVISTA CENARIUM
Comunidades Santa Helena do Inglês e Saracá, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro
“Antes dos grupos chegarem, eu organizava com as pessoas que iam trabalhar dentro da pousada, chamava as pessoas para trabalhar. Gerava uma renda tanto para os guias, que iam levar os turistas, quanto para as cozinheiras, os serviços gerais e fora outras coisas indiretamente, porque a gente comprava goma e tucupi. Portanto, tudo isso gerava renda dentro da comunidade”, explicou Adriana.
Negro, está totalmente prejudicada, tiveram que fechar tudo, porque não tiveram mais como atender os clientes, as pessoas que vêm nos visitar. Isso tem um impacto muito grande na geração de renda. As 14 pousadas comunitárias de pequeno porte que nós temos dentro da RDS estão fechadas, deixando de gerar mais de 112 empregos, para 112 famílias. Isso é um problema muito grave”, alertou.
“E também nós tínhamos parceria com outra comunidade, que era o artesanato, já que a gente não tem artesanato aqui. Levávamos nossos clientes para outra comunidade, aí gerava renda nessa outra comunidade também. Isso teve que parar, com essa estiagem”, complementou.
Os moradores da comunidade também ainda vivem sob alerta de risco de desabastecimento de mercadorias e produtos essenciais. “Temos muitos comércios pequenos que estão ficando desabastecidos, não tem como vir, e aí muitos comerciantes falaram que só vão trazer a mercadoria quando voltar a água. Aquilo que hoje nós temos pouco, se continuar secando, vamos continuar sem”, disse Brito.
DISTÂNCIAS O presidente da Comunidade Saracá, localizada também na RDS Rio Negro, Sebastião Brito, contou que nunca havia visto uma seca tão impactante como esta, incluindo a de 2010, quando o Rio Negro atingiu 13,63 metros. O baixo nível do rio tem causado a escassez de água potável, a formação de bancos de areia e impossibilitado até mesmo a pesca. “Em 2010, não apareceu tanto banco de areia, esse tanto de lama, isso dificulta o acesso. Hoje, a nossa cadeia do turismo, que vem crescendo muito na RDS do Rio
EXPECTATIVA Diante da continuidade da seca no Amazonas, os comunitários receiam que a situação piore. “Eu acredito que a tendência é ficar pior, aí a preocupação dobra, porque a gente sabe que muitas coisas podem piorar. O acesso, hoje, por meio de rabeta e canoa, a gente ainda consegue chegar em nossas comunidades. Em algumas outras, se continuar secando mais, vai fechar”, afirmou Sebastião Brito.
A gestora Adriana Azevedo Siqueira espera, com grande expectativa, a normalidade do nível do rio. “A minha expectativa é que voltasse logo o rio para a gente continuar trabalhando no turismo. A gente não quer viver só de doação, a gente quer viver trabalhando, porque os ribeirinhos são assim, eles não querem viver de doação. A gente quer trabalhar para obter nossos sustentos, mas, com essa estiagem do jeito que está aí, é meio difícil a gente continuar o nosso trabalho no turismo”, concluiu. (*) Colaborou Ana Pastana (*) Fundação Amazônia Sustentável
Como ajudar A Aliança Amazônia Clima arrecada alimentos não perecíveis, água potável e valores financeiros para a compra de itens de necessidade básica em apoio às comunidades afetadas pela seca extrema na região. As doações podem ser entregues na sede da FAS, localizada na Rua Álvaro Braga, 351, bairro Parque 10, em Manaus (AM). As contribuições financeiras podem ser feitas por meio da chave PIX 03351359000188 – Fundação Amazônia Sustentável e pelo site bit.ly/doe-amazonia.
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CONSCIÊNCIA NEGRA DIVERSIDADE
Arte contra o racismo Iniciativas não governamentais usam novas abordagens para superar o racismo estrutural Yana Lima – Da Revista Cenarium Amazônia
Em Rondônia, o número de denúncias de racismo aumentou 41% em um ano, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O Estado aparece em segundo lugar no ranking de Unidades Federativas com mais práticas racistas do Brasil, atrás apenas do Rio Grande do Sul. Para ajudar a mudar esta realidade, surgem iniciativas como o Espetáculo ÌFÉ, que combate a intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana. Este termo, inclusive, vem sendo substituído pela expressão racismo religioso, que, segundo definição da cartilha Terreiros em Luta, são as violências que expressam ódio pelas tradições e culturas afro-brasileiras e seus adeptos. 66
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A peça teatral, dirigida por Raoni Amaral, homenageia o legado de Mãe Eunice da Oxum e seu terreiro Ilê Axé Oxum Aladê. Os cenários retratam desde os rituais sagrados até os desafios enfrentados pela comunidade negra no início da construção do Estado de Rondônia. Inspirado por uma experiência pessoal com uma mãe de santo na infância, a obra de Raoni Amaral ganhou vida em 2016. O espetáculo resgata e preserva histórias, tradições e contribuições culturais dos terreiros de matriz afro-religiosa em Porto Velho. Amaral afirma que a produção enfatiza o valor da diversidade étnico-religiosa-social, e sensibiliza o público sobre a importância do respeito e da empatia na era atual em relação às religiões e matrizes afro-amazônicas, em meio a um cenário atual de intolerância religiosa no Estado de Rondônia.
Crédito: Divulgação
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ANAUS (AM) – Iniciativas não governamentais capitaneadas por defensores da igualdade racial têm empregado novas abordagens para desafiar e superar as barreiras do racismo estrutural. São exemplos como o projeto “Direito à Memória – Outras Narrativas”, em Manaus, e o Espetáculo ÌFÉ, em Rondônia, que utilizam as artes visuais e o teatro como ferramentas para sensibilizar a população pela luta contra o racismo, na busca por reparação histórica. As ações trazem para as artes o objetivo de conscientização e a mobilização do Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.
“A peça desafia tabus religiosos, desmistificando preconceitos enraizados sobre as práticas religiosas. Ao dar voz às narrativas das religiões de matriz africana na Amazônia, a peça contribui para a quebra de estigmas, promovendo o entendimento e o respeito entre diferentes credos e crenças”, destaca Raoni. A ialorixá Nilda da Oxum, presidente da Federação de Cultos À Umbanda e Ameríndios do Estado de Rondônia
Ação do projeto Direito à Memória lembra pessoas negras importantes para o Brasil
REVISTA CENARIUM
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CONSCIÊNCIA NEGRA DIVERSIDADE
Ensaio fotográfico visa transmitir a essência do espetáculo ÌFÉ Crédito: Luana Lopes | Divulgação
(Fecuaron), afirma que em Porto Velho existem diversas segmentações que unem tradições ancestrais às questões culturais locais. “Em 2012, quando realizamos o levantamento dos terreiros em Porto Velho, identificamos mais de 150; hoje, esse número é muito maior”, afirmou Ya Nilda da Oxum. Segundo os levantamentos mais recentes, ainda em meados de 2021, foram registrados mais de 400 terreiros, abrangendo práticas como umbanda, candomblé, jurema, tambor de mina, e aqueles que envolvem mais de dois segmentos de culto religioso, todos do axé. 68
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DIREITO À MEMÓRIA Em Manaus, Keila Sankofa é uma artista transmídia que desenvolve o projeto Direito à Memória — Outras Narrativas (@direitoamemoria), que utiliza a arte para resgatar memórias e trazer à tona nomes de figuras negras do Amazonas. Realizado pelo grupo Picolé da Massa - DaVarzea das Artes (@grupopicoledamassa), o projeto iniciou em 2018, como uma resposta à falta de reconhecimento e valorização das contribuições das pessoas negras, especialmente como educadores, professores, intelectuais e estruturadores do Estado.
O racismo estrutural, destaca Keila, resulta em um apagamento na consciência coletiva, onde figuras importantes são ignoradas, praças são adornadas com estátuas de colonizadores, e a história acaba distorcida. O projeto, que utiliza múltiplas mídias, incluindo intervenção urbana e produção de filmes como “Alexandrina – Um relâmpago”, visa resgatar e recontar as histórias de 13 figuras fundamentais para o Estado, desafiando o apagamento provocado pela estrutura racista. “Esse racismo proporciona na cabeça da população um apagamento. As pessoas não sabem quem são essas pessoas impor-
REVISTA CENARIUM
Além disso, o projeto promove intervenções urbanas, ocupação de ônibus com estandartes contendo imagens e links para as histórias das figuras homenageadas, com foco na população negra. O Direito à Memória é uma plataforma que transcende as barreiras tradicionais, trazendo à tona narrativas, muitas vezes, esquecidas e
proporcionando renda para artistas negros e indígenas, reforçando a importância do reconhecimento econômico dessas potências, muitas vezes, ignoradas.
MÍDIA E DIVERSIDADE O racismo estrutural sempre excluiu pessoas negras dos espaços de poder, inclusive da mídia. A REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA assumiu o compromisso de romper esse padrão, e se destaca como um exemplo de resistência. Um exemplo é o programa Cenarium Diversidade, conduzido pela advogada e jornalista Luciana Santos. O programa quebra barreiras ao oferecer espaço para a voz negra, contribuindo para uma narrativa mais inclusiva e representativa.
“
Esse racismo proporciona na cabeça da população um apagamento. As pessoas não sabem quem são essas pessoas importantes. As próprias praças são cheias de estatuetas de colonizadores, de assassinos”
Racismo estrutural Como escreve em seu livro, “o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’ com que se constituem as relações políticas, econômicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo estrutural”. Comportamentos individuais e processos institucionais têm, dessa forma, origem em uma sociedade em que “racismo é a regra e não exceção”.
Keila Sankofa, artista transmídia que desenvolve o projeto Direito à Memória Outras Narrativas.
Advogado gaúcho Antônio Cortês participou dos estudos para a criação da data de 20 de novembro como Dia da Consciência Negra no Brasil
Racismo no Brasil
Crédito: Reprodução Leo Caobelli | Folhapress
Silvio Almeida, filósofo, advogado e professor universitário, é o atual ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil. Além do histórico na política e em movimentos sociais, ele é autor do livro Racismo Estrutural, lançado em 2018, que se tornou uma das principais referências para os estudos raciais. Na visão de Silvio Almeida, todo racismo é estrutural.
Crédito: Divulgação
tantes. As próprias praças são cheias de estatuetas, de colonizadores, de assassinos. Pessoas que vieram para cá extrair muitas das nossas riquezas e as pessoas que, tanto do passado quanto do presente, que é o que o direito à memória trabalha, elas são apagadas. E esse apagamento é proposital, a partir dessa estrutura racista que só olha os nossos corpos como estruturadores, nunca como produtores de pensamento”, avalia.
As estatísticas revelam uma dolorosa disparidade em vários aspectos da vida das pessoas negras, que aparecem em posição desfavorável em índices de violência policial, encarceramento, acesso à educação, disparidades econômicas e insegurança alimentar. Os números destacam a persistência do racismo sistêmico no Brasil. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, pessoas brancas ganham salários 68% maiores que pessoas negras e, de acordo com a Rede Penssan, 65% das casas chefiadas por pessoas negras estão em insegurança alimentar, só para citar alguns dados. 69
TV C
CONSCIÊNCIA NEGRA
AR N E C V T
DIVERSIDADE
“Durante muito tempo, não se via pessoas negras com frequência nos meios de comunicação, e isso tem muito a ver com a nossa própria história, com essa questão da invisibilidade da população negra. E a REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA vem abrir esse espaço, eu posso dizer até que de forma pioneira no Amazonas. A gente começa a ver em outros veículos, outras pessoas negras, mas nem sempre em papéis em que elas possam emitir opinião”, pontua a apresentadora, que também é advo-
gada, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Público, Direitos Humanos e Processo Civil; e Africanidades e Cultura Afro-Brasileira. O programa Cenarium Diversidade está em sua terceira temporada, disponível no canal TV Cenarium Amazônia, no YouTube. Entre os convidados, estão pesquisadores, professores, artistas, escritores, empreendedores, líderes comunitários e de movimentos sociais. Segundo a apresentadora, a proposta é
debater temas atuais, sempre com uma visão que favoreça minorias sociais, que nem sempre têm espaço na mídia tradicional. “Por mais que a gente debata outros temas além da questão racial, em todos eles, ele acaba de alguma forma sendo inserido, porque o debate racial é o grande tema no nosso País. Todos os problemas sociais no Brasil perpassam pela questão racial”, afirma Luciana Santos. *Colaborou Camila Lima, de Porto Velho (RO).
TV
M U I R A N E C
NÚMEROS EXPÕEM A REALIDADE DO RACISMO NO BRASIL
68%
mais que negros
18%
84% das pessoas
65%
Apenas dos jovens negros (18 a 24 anos) estão na universidade
R A N E C
das casas chefiadas por pessoas negras estão em insegurança alimentar
mortas em operações policiais são negras
68,2% das pessoas
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Brancos ganham
encarceradas são negras
Fontes: IBGE, 2019; Rede Penssan; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea/IBGE - 2020); Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023.
Dia da Consciência Negra – Data surgiu no Estado mais racista do País
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Enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria racial é direcionada ao indivíduo. Neste segundo caso, a situação muda: o Distrito Federal tem a maior incidência (633 casos); seguido de Santa Catarina (1.545 casos) e Mato Grosso do Sul (468 casos). Estados como São Paulo e Espírito Santo tiveram alguns dados indisponíveis, no momento da pesquisa, que cruzou dados de secretarias estaduais de segurança pública, policiais, dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
IA N Ô Z A M
A data foi definida no Estado que lidera o ranking de casos de racismo. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, o Rio Grande do Sul registrou 2.486 casos de racismo, uma taxa de 22,8 por 100 mil habitantes em 2022, muito à frente do segundo colocado, Rondônia, que registrou uma taxa de 5,8, com 92 casos no mesmo
ano. O Amapá aparece em terceiro lugar no ranking, com 38 casos (5,2 por 100 mil habitantes).
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Entre os universitários estava o advogado Antônio Côrtes, de 69 anos, que ainda vive no Estado. “Fizemos uma analogia com a construção mítica do Tiradentes. Em 1971, formalizamos que, se a morte dele era lembrada, também tínhamos que lembrar a de Zumbi. Estruturamos, então, a proposta de substituir o 13 de maio pelo 20 de novembro, que seria uma data escolhida por nós, não pela oficialidade. Era uma tomada de consciência”, disse Antônio em entrevista ao Geledes.
Zumbi foi o último líder do Quilombo dos Palmares e também o de maior relevância histórica. Após pesquisas sobre o quilombo, o grupo decidiu adotar o 20 de novembro, data da morte de Zumbi, como alternativa mais significativa. O movimento cresceu nacionalmente, culminando na oficialização do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, em 2011.
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Em um sábado de 1971, um grupo de 12 negros se reuniu em Porto Alegre (RS) para questionar a legitimidade do 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea, como data representativa para o povo negro.
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