O GÁS QUE SUFOCA NA AMAZÔNIA
Comunidades indígenas lutam para provar que existem e resistir às pressões da exploração de combustíveis fósseis na maior floresta tropical do mundo
www.revistacenarium.com.br | Fevereiro de 2024
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REVISTA CENARIUM O
Editorial
Dinheiro para quem?
Com uma receita líquida de R$ 2,5 bilhões só no primeiro trimestre de 2023, a Eneva S/A vai na contramão do que defendem os protocolos mundiais de meio ambiente e investe em exploração de combustíveis fósseis, violando direitos dos povos tradicionais no Amazonas com a promessa de gerar desenvolvimento financeiro no município de Silves (AM), mas dinheiro para quem?
O questionamento é da cacica Ivanilde Mura à reportagem da REVISTA CENARIUM, na matéria especial deste mês, que junto com outras lideranças indígenas relatam os desafios e riscos de enfrentar um grupo empresarial com amplo poder político e sedento por lucro a qualquer custo, alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF), e tendo como principal acionista o Banco BTG Pactual, cofundado pelo ex-ministro de ultradireita Paulo Guedes.
Guedes foi quem culpou os “mais pobres” pelos problemas ambientais do mundo, ao dizer que eles “destroem tudo porque estão com fome”, durante um discurso no Fórum Econômico Mundial de Davos, nos Estados Unidos, em 2020. Neste cenário, como é possível acreditar que uma empresa como a Eneva está preocupada com o desenvolvimento regional de uma cidade no meio da Amazônia?
Com a promessa de gerar arrecadação anual de royalties de mais de R$ 70 milhões ao ano, a Eneva fechou 2023, com um repasse de R$ 2,3 milhões de royalties após oito anos de exploração de gás no município de Silves, cujo cenário é de visível estagnação econômica, como mostrou o documentário “Eneva viola direitos dos povos da Amazônia”, no canal do YouTube da CENARIUM.
Pior do que não ver se concretizar o “sonho do Eldorado” em Silves com a chegada da Eneva, é presenciar a disparidade social entre a sede do grupo bilionário na cidade e as famílias de pais, filhos e netos vivendo de catar restos de lixo deixados próximo à empresa, sem qualquer perspectiva de serem beneficiados pela exploração de gás natural. É a ganância que faz vítimas nessa e nas próximas gerações e nos deixa totalmente incrédulos que esse ciclo um dia vá terminar.
Paula Litaiff Diretora-GeralQual é o ponto de equilíbrio?
Encontrar equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Eis aqui um dos grandes dilemas da atualidade. Na Amazônia, maior floresta tropical do mundo, podemos observar o cabo de guerra em torno da busca por esse equilíbrio em diversos empreendimentos que desafiam políticos, empresas e comunidades tradicionais. Extração mineral, exploração de petróleo, extração de gás, óleo, potássio e por aí segue o hall de exemplos em que nos perguntamos: como fazer girar a economia com base em recursos naturais sem destruir a natureza? E aqui, não esqueçamos, também somos natureza.
De um lado, temos as comunidades que vivem em áreas impactadas direta ou indiretamente pelos empreendimentos. Querem ser ouvidas, respeitadas, querem compensações financeiras e sociais, querem sua fatia do bolo do desenvolvimento. De outro lado, temos as empresas e governos. As empresas querem faturar, fazer valer seus investimentos e também alegam que querem gerar desenvolvimento para as comunidades. Os governos e seus gestores buscam turbinar seus cofres com os recursos advindos das empresas e que, ao menos em tese, serão revertidos em desenvolvimento para as comunidades.
E, nesse cabo de guerra, todos dizem defender a preservação do meio ambiente.
Nesta edição da REVISTA CENARIUM, trazemos para a reportagem de capa a problemática da extração de gás e óleo em Silves e Itapiranga. Um dos empreendimentos em atividade no Amazonas que vem gerando conflitos entre indígenas, empresa e gestores públicos, onde entidades não governamentais, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), e órgãos de controle, como o Ministério Público Federal (MPF), também buscam intervir.
A questão do gás envolve denúncias de pressões e ameaças, impactos sobre o modo de vida de indígenas, investigação do MPF e ação civil pública, e também a defesa do empreendimento como forma de fortalecer a economia e favorecer a população do interior. Envolve ainda questões ambientais, uma vez que o mundo discute o fim do uso de combustíveis fósseis. E, entre todos os questionamentos, há um que se sobrepõe: haverá ponto de equilíbrio entre a extração do gás, os interesses das comunidades locais, a manutenção da floresta, as metas de negócios e os desejos governamentais?
Gestora de Conteúdo Márcia GuimarãesLeitor&Leitora
�� Conteúdo analítico
A REVISTA CENARIUM se destaca pela sua abordagem analítica e humanizada da região amazônica. Através de uma combinação única de jornalismo investigativo e sensibilidade narrativa, a revista consegue mergulhar nas complexidades sociais, ambientais e políticas da Amazônia. Cada artigo é elaborado para nos oferecer uma visão panorâmica dos desafios e das oportunidades na região amazônica, enquanto dá voz às comunidades locais e aos especialistas. Ao mesmo tempo, a revista não perde de vista o aspecto humano, capturando histórias inspiradoras, revelando as conexões profundas entre as pessoas e a floresta. Essa abordagem séria, não só informa, mas também envolve e inspira os leitores a se envolverem ativamente na proteção e no desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Margarida Martins Manaus-AM
�� Olhar atento à Amazônia
“É animador saber que podemos contar com um meio de comunicação atento às particularidades da Amazônia, que tem entregado um Jornalismo sério e feito por quem sabe”.
Emmily Melo
Boa Vista-RR
�� Mais sobre o Acre
Sou leitor da REVISTA CENARIUM há mais de um ano, gosto muito do conteúdo. Sinto falta de mais informações sobre o meu Estado do Acre. No tocante geral de notícias, a revista está de parabéns!
Davi Lucas
Rio Branco-AC
�� Leitura inspiradora
Gosto da abordagem diferenciada e da capacidade de dar voz a perspectivas diversas e, muitas vezes, negligenciadas em nossa região. Ler a REVISTA CENARIUM é verdadeiramente inspirador.
Denise Pilar Manaus-AM
�� Padrão de produção
A REVISTA CENARIUM demonstra um alto padrão técnico em sua produção, com uma diagramação atrativa e uma redação clara e concisa. A variedade editorial e a qualidade da impressão também contribuem para uma leitura agradável.
Mônica Costa
Manaus-AM
�� Abordagem aprofundada
A REVISTA CENARIUM é uma publicação que se destaca pela sua abordagem séria e profunda dos temas que publica. Gostei da edição de janeiro. Parabéns!
Rodrigo Santos
Brasília-DF
Crédito: Composição Luís Paulo Dutra | Revista Cenarium
Amazônia em colapso
Estudo mostra que floresta alcança ponto irreversível de danos até 2050
Hector Muniz – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – A Amazônia tem um prazo: 2050. A afirmação tem como base um artigo científico publicado na revista científica Nature liderado por pesquisadores brasileiros que apontaram em seu estudo que, se não forem tomadas medidas urgentes, o ano de 2050 pode marcar o início de uma redução substancial na cobertura de
floresta na região amazônica, que pode ser irreversível.
O artigo é, inclusive, a capa da revista científica Nature, publicada no dia 14 de janeiro de 2024. O artigo em questão é assinado por 24 pesquisadores de todo o Mundo, dos quais 14 são brasileiros. A pesquisa é financiada pelo Instituto Serrapilheira.
“Não é um colapso total, mas acaba sendo um colapso parcial, vamos dizer. A gente encontra aí, mais ou menos, 50% de possibilidades. Significa [redução de] uma quantidade substancial de floresta, o que influencia na quantidade de água, na quantidade de carbono que a floresta é capaz de manter e reciclar água”, disse a cientista Marina Hirota, professora do
Representação do curto tempo que a Amazônia ainda tem antes de entrar em colapso previsto em estudo“Significa [redução de] uma quantidade substancial de floresta, o que influencia na quantidade de água, na quantidade de carbono que a floresta é capaz de manter e reciclar água”
Marina Hirota, cientista e professora do departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e uma das coordenadoras do estudo.
departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e uma das coordenadoras do estudo para a Agência Brasil.
A REVISTA CENARIUM procurou pesquisadores no Amazonas que realizam estudos sobre a Amazônia e os impactos ambientais. Todos os especialistas ouvidos disseram que ainda não conseguiram ler o artigo, mas todos em comum citaram a necessidade de uma ação de prevenção. “Com o que estamos vivendo, não acho estranho”, disse a socioambientalista Muriel Saragoussi.
IMPACTOS VISTOS
Ambientalistas ouvidos pela reportagem alertam sobre o impacto ambiental que a Amazônia vem sofrendo devido a ações humanas.
“Tem relações diretas com atividades humanas, de omissões, principalmente, relacionado também a atividades produtivas, que elevam também o desmatamento e a degradação. Então, o cenário é bastante ruim do ponto de vista climático e nós já estamos em um processo de aquecimento global irreversível”, analisou Carlos Durigan, geógrafo e diretor da Wildlife Conservation Society (WCS-Brasil) no Amazonas.
“Acabamos de sair de uma seca recorde e devemos nos preparar para enfrentar outra crise em 2024, caso permaneça a tendência fluvial que estamos observando. Apesar do retorno das chuvas, os índices ainda são insuficientes para assegurar que, no início do verão, teremos condições normais de navegabilidade”, afirmou o presidente do Sindarma, Galdino Alencar, durante reunião com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti), sobre a observação feita em relação à subida dos rios.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Segundo Marina Hirota, dentre as medidas que podem ser tomadas para afastar a ameaça de colapso parcial da floresta está o combate ao desmatamento: “essa seria uma ação importante e já está sendo feita”.
Para a cientista, outra medida é a restauração ecológica a partir de meios eficientes, o que depende de diferentes modelos de governança dentro do Brasil e de outros
países amazônicos. “Como fazer isso, acho que ainda é uma pergunta em andamento”.
Um terceiro ponto importante citado pela cientista diz respeito à criação de estratégias de mitigação das mudanças climáticas, que dependem de uma governança mundial.
“O clima da Amazônia é muito dirigido pelo que acontece na temperatura global do planeta, assim como em qualquer parte do Mundo. A temperatura global aumentando vai ter impacto em cascata no clima regional da Amazônia. E as previsões, e o que a gente já vê acontecendo, são de redução gradual da quantidade de chuvas, aumento da duração e da intensidade das secas, aumento de eventos extremos de seca e de chuva intercalados”.
O artigo começou a ser escrito em 2020, a partir do relatório de um conjunto de cientistas no Painel Científico da Amazônia. A pesquisa atual derivou de um capítulo deste relatório e aponta a região sudeste da Amazônia com o maior número de mudanças.
Capa da Revista NatureCrédito: Ricardo Oliveira
Seca no Lago do Aleixo, em Manaus; estiagem severa fez lago chegar ao nível extremo de seca
Mudanças climáticas
devem atrasar recuperação da navegabilidade no Amazonas, alerta Sindarma
Hector Muniz – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – A seca severa que fez o Rio Negro registrar o menor nível em mais de cem anos ainda deve persistir no decorrer de 2024. A expectativa é do Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial do Amazonas (Sindarma), que alertou que, mesmo com o retorno das chuvas, “os índices ainda são insuficientes para assegurar condições normais de navegabilidade no início do verão”.
“Acabamos de sair de uma seca recorde e devemos nos preparar para enfrentar outra crise em 2024, caso permaneça a tendência fluvial que estamos observando. Apesar do retorno das chuvas, os índices ainda são insuficientes para assegurar que no início do verão teremos condições normais de navegabilidade”, afirmou o presidente do Sindarma, Galdino Alencar, durante reunião com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti).
O geólogo e consultor ambiental independente Jorge Garcez prevê que neste ano o Amazonas não deverá enfrentar seca ou cheia severas por conta de uma transição do El Niño para o La Ninã. As consequências do El Niño são várias: alteração na vida
marinha do Oceano Pacífico; aumento das chuvas na América do Sul e em parte dos Estados Unidos; intensificação das secas no Nordeste do Brasil; surgimento de fortes tempestades no meio do Oceano Pacífico, dentre outras consequências.
Durante o La Niña também acontecem vários efeitos: a região Centro-Oeste do Brasil fica mais fria durante um rápido período. Chove muito no Nordeste, o verão fica mais frio.
“A gente deve passar esse ano por uma transição entre o El Niño e a La Niña que deve criar corpo em 2025. Então, esse ano, não devemos ter nenhuma cheia extrema e nenhuma seca extrema. A gente deve ficar em uma cota padrão dos sistemas dos rios amazônicos”, prevê Garcez.
“Apesar do retorno das chuvas, os índices ainda são insuficientes para assegurar que no início do verão teremos condições normais de navegabilidade”
Galdino Alencar, presidente do Sindarma.
EFEITOS DEVASTADORES
No dia 5 de outubro do ano passado, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, declarou que o El Niño de 2023 era atípico em razão das mudanças climáticas, o que gerou “efeitos devastadores”, referindo-se diretamente à severa estiagem que atinge a Região Norte. A fala ocorreu durante a sétima edição do Fórum Nacional de Controle do Tribunal de Contas da União (TCU).
Em 2023, os rios do Amazonas registraram estiagens históricas. No porto de Manaus, onde é calculado o nível do Rio Negro, no dia 26 de outubro, o nível do rio que banha parte de Manaus atingiu a marca de 12,70, a maior seca em mais de 100 anos.
“Começamos o ano com chuvas torrenciais na Amazônia, particularmente no Acre, no Amazonas e em Rondônia, e secas no sul do País. Nós estamos encerrando o mesmo ano com chuvas torrenciais onde era seco e seca insuportável onde tivemos enchentes. O que sobrou da enchente vem a seca e leva e o que sobrou da seca vem a enchente e leva. Isso são os eventos extremos. De fato, o El Niño é um fenômeno natural, mas está potencializado pela mudança do clima e essa potencialização está levando a efeitos devastadores”, disse a ministra, à época.
Um estudo realizado pela World Weather Attribution (WWA), grupo internacional de cientistas especializados em pesquisas sobre o clima, que reúne o Brasil, Reino Unido, Holanda e Estados Unidos, mostra que a estação de estiagem de 2023 provocada pelo El Niño foi mais seca e mais longa do que o normal, fazendo com que os rios atingissem níveis extremamente baixos.
Os cientistas do WWA constataram que a mudança climática está reduzindo a precipitação e aumentando o calor na Amazônia, o que foi responsável por tornar a estiagem sem precedentes de 2023 cerca de 30 vezes mais provável do que ocorreria apenas pela ação do El Niño.
“À medida que o clima aquece, uma potente combinação de diminuição da precipitação e aumento do calor está impulsionando a seca na Amazônia”, disse a pesquisadora Regina Rodrigues, professora de Oceanografia Física e Clima da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e que fez parte da equipe que conduziu o estudo.
À REVISTA CENARIUM, especialistas apontaram que o Amazonas pode voltar a sofrer eventos extremos climáticos, como foi o caso da seca, mas de forma mais
“À medida que o clima aquece, uma potente combinação de diminuição da precipitação e aumento do calor está impulsionando a seca na Amazônia”
Regina Rodrigues, professora de Oceanografia Física e Clima da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisadora que fez parte da equipe que conduziu estudo da WWA sobre a estiagem severa na Amazônia.
Preservação
Recentemente, um levantamento realizado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) registrou a queda de 73% no desmatamento em áreas de conservação da Floresta Amazônica. O resultado é da comparação entre 2023 e 2022. Para a diretora de estratégia da World Wildlife Fund Brasil (WWF Brasil), Mariana Napolitano, as áreas protegidas são fundamentais na adaptação aos fenômenos climáticos.
“São ferramentas importantes no combate ao desmatamento, não só com a emissão de mais carbono, mas também na adaptação das mudanças climáticas”, destacou.
pontual e tênue. O geógrafo e diretor da Wildlife Conservation Society (WCS-Brasil) no Amazonas, Carlos Durigan, afirma que o planeta alcançou um processo de aquecimento irreversível, por conta da atividade humana.
“Tem relação direta com atividades humanas, de omissões, principalmente relacionado também a atividades produtivas, que elevam também o desmatamento e a degradação. Então, o cenário é bastante ruim do ponto de vista climático e nós já estamos em um processo de aquecimento global irreversível”, analisou.
Galdino Júnior, do Sindarma, apresentou levantamento no dia 31 de janeiro deste ano
Transporte de madeira ilegal na BR-319
BR-319: alerta para catástrofe
Nature defende a reversão da estrada e da exploração petrolífera na Amazônia para evitar desastre Lucas Ferrante – Especial para a Revista Cenarium*
MANAUS (AM) – O periódico Nature, classificado como um dos maiores e mais importantes periódicos científicos do mundo, ao lado da revista Science, destacou que, do ponto de vista científico, a necessidade de redução do uso e exploração de combustíveis fósseis é inegociável. No entanto, o Brasil está indo
na contramão do mundo, após o discurso do presidente Lula na COP28. Embora suas palavras tenham sido exatamente o que a comunidade internacional e científica desejava ouvir, elas se dissiparam como meras palavras ao vento, devido a uma série de ações adotadas pelo governo federal nos dias subsequentes ao discurso.
A pavimentação da rodovia BR-319, visando facilitar o acesso a vastas áreas de exploração de petróleo e gás, bem como a concessão desses blocos no Amazonas, tornou-se infame como o “leilão do fim do mundo”. Isso se deve ao seu potencial para desencadear um colapso no clima global, representando um dano ambiental irreversível e insuperável para o nosso planeta.
Nesta publicação, eu e o pesquisador e microbiologista Guilherme Becker, do Centro de Microbioma One Health, Centro de Dinâmica de Doenças Infecciosas e Instituto de Ecologia da Penn State University, apontamos que a pavimentação da Rodovia BR-319, além de ser uma tragédia do ponto de vista climático, conduzirá a Amazônia a um ponto de não retorno. Além disso, essa pavimentação deve propiciar saltos zoonóticos, desencadeando não apenas uma, mas uma série de pandemias globais. Saltos zoonóticos são infecções causadas por vírus, bactérias, fungos, parasitas e até príons, que estão estocados naturalmente em alguns organismos, e podem se espalhar para outros, incluindo humanos, por meio do contato direto ou através de alimentos, água ou meio ambiente.
Quando esses patógenos conseguem infectar e se adaptar para se espalhar entre os seres humanos, ocorre o salto zoonótico, resultando no surgimento de novas doenças infecciosas que afetam as populações humanas. Um estudo publicado há dois anos pelo nosso grupo de pesquisa já indicava que o Amazonas, assim como os outros Estados da região Amazônica, não está preparado para emitir um alerta epidemiológico caso uma pandemia venha a emergir na região.
É consenso entre os principais periódicos do mundo que a pavimentação da Rodovia BR-319 é inviável, tendo sido apontada pela Science, em 2020, como
uma ponta de lança do desmatamento na Amazônia. Em resumo, o aumento da exploração de petróleo e o aumento do desmatamento causado pela rodovia devem agravar as mudanças climáticas, levando o bioma a um ponto de não retorno, o que trará consequências para todo o planeta.
Por sua vez, a liberação de patógenos letais, que, atualmente, estão isolados na floresta, fará com que se disseminem facilmente, encontrando condições adequadas no cenário de mudança climática para gerar não apenas uma, mas uma sequência de epidemias e pandemias muito mais
“Abrir este bloco de floresta irá propiciar saltos zoonóticos com consequências ainda inimagináveis. É catastrófico”
Guilherme Becker, pesquisador e microbiologista do Centro de Microbioma One Health, Centro de Dinâmica de Doenças Infecciosas e Instituto de Ecologia da Penn State University.
severas e intensas do que a pandemia da Covid-18. O parecer publicado no periódico Nature, no dia 30 de janeiro de 2024, aponta:
“Proteger o meio ambiente é uma decisão baseada na ciência e não deve ser negociada. No entanto, dois dias após o discurso do presidente Luiz Lula da Silva na cúpula climática COP28 em Dubai, Emirados Árabes Unidos, em 1º de dezembro de 2023, seu governo anunciou a pavimentação da rodovia BR-319. Essa rodovia conecta Manaus, no coração da Floresta Amazônica, a Porto Velho, no “arco do desmatamento” em suas fronteiras ao sul. Em 13 de dezembro, a agência nacional de petróleo do Brasil vendeu os direitos de perfuração de petróleo em 602
áreas, sendo 21 delas na bacia amazônica, acessadas através da BR-319 e de estradas secundárias. Uma semana depois, o Congresso Brasileiro aprovou um projeto de lei considerando o projeto rodoviário como essencial e alocando recursos para ele a partir do Fundo Amazônico, destinado a proteger a floresta tropical. Os doadores do Fundo Amazônico devem exercer seu direito de veto para evitar isso, ou serão considerados corresponsáveis por um projeto que prejudicará as metas climáticas, acelerará a perda de biodiversidade e abrirá vastas áreas de floresta que abrigam uma diversidade incalculável de patógenos, como vírus, bactérias e príons. O governo brasileiro está minando suas próprias alegações de que está protegendo a Amazônia. Para enfatizar o compromisso do Brasil em mitigar as mudanças climáticas e promover o bem-estar global, é fundamental reverter essas decisões prejudiciais”.
Segundo Guilherme Becker, a rodovia BR-319 deve não apenas propiciar saltos zoonóticos de vírus, bactérias, príons e fungos estocados na floresta para o ser humano, dando origem a novas epidemias e pandemias, mas também ajudar a disseminar patógenos já conhecidos para a fauna da Amazônia.
Becker destaca um estudo liderado por ele no renomado periódico Ecography, em que se demonstrou que a abertura de estradas na Amazônia serve como uma via de propagação do patógeno letal aos anfíbios, conhecido como Batrachochytrium dendrobatidis, classificado como o patógeno mais letal do mundo, conhecido em vertebrados.
Em uma pesquisa também realizada no Centro de Microbioma One Health da Penn State University pelo laboratório do pesquisador e publicada pelo periódico Ecology Letters em janeiro, foi demonstrado que o aumento das secas interfere diretamente na microbiota da pele dos sapos, tornando-os mais suscetíveis aos efeitos nocivos do Batrachochytrium dendrobatidis.
Frente às mudanças climáticas que têm afetado a Amazônia, o que incluiu a grande seca observada em 2023 e as projeções futuras, se pavimentada, a rodovia BR-319 poderá desencadear a maior perda de
biodiversidade já observada no planeta, afetando, principalmente, os anfíbios, que são um dos grupos mais importantes no controle natural de pragas para a agricultura e de vetores de doenças para o ser humano. O pesquisador ainda destaca: “Abrir este bloco de floresta irá propiciar saltos zoonóticos com consequências ainda inimagináveis. É catastrófico”.
Os apontamentos técnicos da ciência também devem ser seguidos pelo Judiciário, pois estudos têm mostrado que decisões equivocadas da Justiça ao negar a ciência têm tido sérias consequências para a região. Um exemplo disso foi o estudo publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, que apontou que o desembargador I’talo Fioravanti
“Para enfatizar o compromisso do Brasil em mitigar as mudanças climáticas e promover o bem-estar global, é fundamental reverter essas decisões prejudiciais”
Trecho de parecer publicado no periódico Nature em 30 de janeiro de 2024.
Sabo Mendes usou a crise do oxigênio em Manaus como argumento legal para permitir a realização de audiências públicas do licenciamento da rodovia BR-319, em meio à pandemia da Covid-19, sem a participação dos povos indígenas. A melhor rota para o abastecimento de Manaus com suprimentos médicos é o Rio Madeira, tanto em termos de custos como de agilidade no transporte, como demonstrado no estudo.
Outro exemplo catastrófico foi um processo movido pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas e pela Federação da Indústria do Estado do Amazonas para impedir um lockdown que visava conter uma segunda onda da pandemia da Covid19 na cidade de Manaus. O juiz Ronnie
BR-319 vista de cimaFrank Torres Stone negou o pedido de lockdown feito pelo Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), alegando falta de informações suficientes, mesmo existindo uma nota técnica realizada por especialistas e divulgada pelo MP-AM.
O periódico Nature Medicine chegou a apontar em uma publicação, em agosto de 2020, que as ações do Judiciário de não escutar a Ciência levariam Manaus a uma segunda onda da Covid-19, assim como ocorreu. Em 2021, o periódico Regional Environmental Change apontou que o Amazonas e o Brasil não têm capacidade de dar o alerta de uma pandemia global que surja na região em decorrência da degradação ambiental, fornecendo recomendações claras para que políticos e o judiciário ouçam a Ciência.
As pesquisas científicas são claras: se a rodovia BR-319 for pavimentada, afetará toda a Amazônia com consequências
globais, e essa responsabilidade recairá sobre o presidente Lula e seu governo. É crucial que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, inste o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a suspender imediatamente todas as licenças de manutenção e pavimentação da rodovia BR-319, e que o Judiciário e o governo brasileiro impeçam essa catástrofe, assim como a exploração de petróleo na bacia Amazônica. Isso será um divisor de águas no comprometimento ambiental do Brasil com as metas climáticas globais, o meio ambiente e a saúde pública global.
Os nomes dos responsáveis por permitir os desdobramentos dos efeitos da pavimentação da Rodovia BR-319 e a exploração de petróleo na bacia Amazônica devem entrar para a história como aqueles que conheciam as consequências, mas, mesmo assim, foram coniventes com
a abertura dessa Caixa de Pandora. Pavimentar a estrada para o fim do mundo ou garantir o bem-estar global está nas mãos do presidente Lula, da ministra do Meio Ambiente Marina Silva e do judiciário brasileiro. A ciência é clara: – Proteger o meio ambiente é uma decisão baseada na ciência e não deve ser negociada – Nature 30 de janeiro de 2024.
*Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mestrado e doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), avaliando em sua tese as mudanças contemporâneas da Amazônia, dinâmicas epidemiológicas, impactos sobre os povos indígenas e mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e pessoas.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.
Ameaça silenciosa nos céus: ‘Síndrome Aerotóxica’
Monica Piccinini
Em 7 de janeiro, o mundo testemunhou com choque o alarmante incidente com o avião da Alaska Airlines envolvendo o voo 1282, um Boeing 737-9 MAX, onde um plugue da porta da fuselagem explodiu durante o voo perto de Portland, Oregon, EUA. O evento perturbador segue de perto os trágicos acidentes de 2018 e 2019 envolvendo dois jatos Boeing 737 MAX 8, ceifando a vida de 346 pessoas devido a falhas nos sistemas de controle de voo que causaram quedas fatais.
Na sequência destes incidentes, surgiram preocupações profundas sobre a segurança geral das aeronaves, exigindo atenção e escrutínio urgentes.
Outro assunto preocupante e, muitas vezes, esquecido que afeta a segurança dos nossos voos envolve a potencial contaminação do ar que circula na cabine e no cockpit com produtos químicos tóxicos.
Aeronaves a jato exigem o uso de óleos de motor sintéticos e fluidos hidráulicos, que podem potencialmente infiltrar-se no suprimento de ar em aeronaves modernas, exceto no Boeing 787 Dreamliner. O suprimento de ar, conhecido como “ar sangrado”, é retirado não filtrado do motor ou da Unidade de Potência Auxiliar (APU), contaminando o ar interno da aeronave com substâncias tóxicas.
https://vimeo.com/497609511
A inalação de óleo e fluidos que vazam para o suprimento de ar respirável da aeronave pode resultar em problemas de saúde neurológicos, cardiológicos e respiratórios imediatos e prolongados. Este conjunto de sintomas, decorrentes
da exposição ao ar tóxico, é denominado “síndrome aerotóxica”.
https://ehjournal.biomedcentral.com/ articles/10.1186/s12940-023-00987-8
Durante uma entrevista em junho de 2022 no programa americano de Seth Meyers, o ator Miles Teller compartilhou sua experiência após ter sido exposto a vapores tóxicos em um jato durante as filmagens de “Top Gun”:
“E então pousamos. Eu pensei, cara, não estou me sentindo muito bem, estava
“Aeronaves a jato exigem o uso de óleos de motor sintéticos e fluidos hidráulicos, que podem potencialmente infiltrar-se no suprimento de ar em aeronaves modernas”
com muito calor e comecei a coçar loucamente. Então, saio do jato e estou coberto de urticária, da cabeça aos pés. Instantaneamente, vou ao médico. Vou ao médico e meu exame de sangue volta e tenho pesticidas retardadores de chama e combustível de aviação no sangue”.
https://www.youtube.com/ watch?v=VvDThIKXOOM
ALERTA VERMELHO
Desde a década de 1950, pilotos, tripulantes de cabine e passageiros têm levantado consistentemente preocupações sobre a qualidade inadequada do ar na cabine e a potencial contaminação do suprimento de ar das aeronaves. Isso normalmente é identificado por um odor peculiar, mas muitas vezes sutil, de “meia suja”. Em casos de contaminação grave, pode haver fumaça visível. Estes são frequentemente chamados de “eventos de fumaça” na indústria da aviação.
Os eventos de fumaça são altamente preocupantes, pois têm o potencial de prejudicar ou incapacitar os pilotos e a tripulação de cabine durante um voo, colocando assim em risco a vida da tripulação e dos passageiros.
https://assets.publishing.service.gov.uk/ media/604f41cee90e077fe16cfa0d/Airbus_ A319-111_G-EZDD_04-21.pdf
O ar fornecido aos pilotos, tripulantes e passageiros tem origem nos motores. Devido às altas temperaturas durante a operação do motor, qualquer vazamento de óleo do motor tem o potencial de se transformar em uma névoa de produtos químicos que pode ser inadvertidamente inalada por pilotos, tripulantes e passageiros.
Numerosos relatórios de pilotos, tripulantes, passageiros, organizações e cientistas sugerem que estas ocorrências são mais frequentes do que normalmente se reconhece.
https://assets.publishing.service.gov.uk/ media/5f16a2ab3a6f405c00b4456c/Airbus_ A320-232_G-EUYB_09-20.pdf
https://www.gov.uk/aaibreports?keywords=fume+event
Em alguns casos, os pilotos foram obrigados a demitir-se inteiramente dos seus cargos devido aos efeitos adversos para a saúde decorrentes destes eventos de fumaça. Muitos pilotos e tripulantes hesitam em documentar e divulgar oficialmente tais ocorrências, com medo de perderem os seus empregos.
Em 1997, a Dra. Susan Michaelis, ex-piloto e autoridade em segurança da aviação, teve que se aposentar da profissão, aos 34 anos, devido a uma doença que a tornou incapaz de voar. Desde então, ela tem dedicado seus esforços à pesquisa na área. Refletindo sobre sua experiência pessoal como piloto, a Dra. Michaelis explica: https://www.susanmichaelis.com/about
“Comecei minha carreira na aviação em 1986 e, após oito anos, em 1994, consegui uma posição como piloto de linha aérea regional na Austrália, operando o BAe 146. Logo após iniciar esta função, detectei consistentemente um odor desagradável semelhante ao de um meia suja dentro da aeronave.
“Essa ocorrência passou a ser uma experiência regular sempre que ocorriam alterações nos motores, APU, abastecimento de ar ou quando eram iniciadas diferentes etapas do voo. A fumaça era normalmente temporária, mas repetia-se em quase todos os voos. Posteriormente, comecei a sentir dores de cabeça, dor de garganta, dificuldade de falar e de concentração, além de sensação de cansaço e náusea.
“A situação deteriorou-se progressivamente e, durante um período de dois dias, em meados de 1997, a situação parecia um pouco mais difícil. Sem que eu soubesse, aqueles dois dias marcaram meu último voo como piloto. Os sintomas que vinha sentindo há quase três anos no trabalho chegaram a um ponto em que, aos 34 anos, não consegui mais continuar voando. Eventualmente, meu certificado médico de piloto foi revogado e não voei como piloto comercial, desde então”.
A Dra. Michaelis revelou os efeitos e consequências a longo prazo para a sua
saúde devido à exposição contínua a eventos de fumaça:
“Atualmente, estou lidando com câncer de mama lobular incurável em estágio 4 e atribuo isso à exposição consistente a esses vapores ao longo dos anos. Os vapores contêm produtos químicos e contaminantes reconhecidos como desreguladores endócrinos que imitam o estrogênio. Isto é particularmente significativo no contexto dos cânceres da mama provocados pelo estrogênio, que é o tipo que tenho.
Em 2018, a Administração Federal de Aviação Americana (FAA) emitiu um alerta de segurança aos operadores, orientando que “odor a bordo, fumaça e/ou eventos de fumaça durante o voo podem ocorrer sem outros sinais visuais e/ou olfativos”. Para mitigar as consequências para a saúde dos passageiros e da tripulação, “é fundamental uma ação rápida e decisiva”.
https://www.faa.gov/sites/faa.gov/files/ other_visit/aviation_industry/airline_ operators/airline_safety/SAFO18003.pdf
“A inalação de óleo e fluidos que vazam para o suprimento de ar respirável da aeronave pode resultar em problemas de saúde neurológicos, cardiológicos e respiratórios imediatos e prolongados”
“Apesar de não voar em grandes altitudes, cruzar fusos horários ou trabalhar em turnos noturnos, fui exposta a vapores de ar sangrado. Esta exposição não só acabou com a minha carreira, mas temo que acabe por levar ao fim da minha vida, dada a natureza desta forma incurável de câncer da mama”.
Com base no estudo da Dra. Michaelis de 2017, entre 274 pilotos entrevistados, 63% relataram ter sofrido efeitos adversos à saúde, com 44% relatando sintomas que persistem por dias ou semanas após a exposição, 32% apresentando sintomas que duram semanas a meses e 13% enfrentando doenças crônicas de saúde, que resultou na desqualificação permanente para voar devido a problemas de condicionamento físico.
https://who-sandbox.squiz.cloud/__ data/assets/pdf_file/0019/341533/5_ OriginalResearch_AerotoxicSyndrom_ENG. pdf
IMPACTO NA SAÚDE
Os fabricantes de aeronaves garantem a recirculação de, pelo menos, 50% do ar no interior da aeronave através da instalação de filtros HEPA. Esses filtros são eficazes na eliminação de bactérias e vírus do ar recirculado. No entanto, eles não são projetados para remover vapores aquecidos do motor ou do fluido hidráulico.
Os contaminantes no ar sangrado podem envolver vários produtos químicos nocivos, incluindo organofosforados (OP), como o fosfato de tricresil retardador de chama (TCP), uma variedade de compostos orgânicos voláteis (VOC), como aldeídos e solventes, bem como monóxido de carbono e outras substâncias tóxicas.
https://ehjournal.biomedcentral.com/ articles/10.1186/s12940-023-00987-8
Embora uma variedade de produtos químicos possam contaminar o cockpit e o ar da cabine, a principal fonte de preocupação tem sido o organofosfato TCP, uma neurotoxina encontrada em óleos de motor e em partículas ultrafinas (UFPs), que são compostas de gotículas finas no ar sangrado.
De acordo com um estudo publicado em dezembro de 2023 no International Journal of Environmental Research and Public Health, as exposições contínuas a organofosforados podem levar a danos neurológicos através de outros mecanismos, incluindo alterações na expressão genética, aumento do estresse oxidativo, neuroinflamação e perturbação do sistema endócrino.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/ PMC10742713/
A exposição a contaminantes no ar sangrado e os efeitos adversos relatados
“Em casos de contaminação grave, pode haver fumaça visível. Estes são frequentemente chamados de “eventos de fumaça” na indústria da aviação”
pela tripulação incluem um padrão de efeitos adversos agudos e de longo prazo à saúde. Como qualquer substância tóxica, os sintomas sofridos dependem do nível e da duração da exposição.
https://ehjournal.biomedcentral.com/ articles/10.1186/s12940-023-00987-8
Vários fatores clínicos, incluindo dieta, tabagismo e consumo de álcool, idade, comorbidades, medicamentos e genética, também podem desempenhar um papel na determinação das reações individuais aos eventos de fumaça.
Os sintomas iniciais associados a eventos de fumaça incluem tontura, nebulosidade, comprometimento da memória de curto prazo e do pensamento cognitivo, náusea, tremor, fadiga, falta de coordenação, dificuldades respiratórias, comprometimento do equilíbrio, tosse, dor no peito e irritação dos olhos, nariz, e garganta. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/ PMC10186727/
Embora alguns indivíduos apresentem sintomas de curta duração, outros podem levar horas, dias, semanas, meses ou até anos para se recuperar totalmente e, em certos casos, uma recuperação completa pode não ocorrer.
A exposição a eventos de fumaça pode estar ligada a uma variedade de condições de saúde duradouras, incluindo queixas relacionadas com os sistemas nervosos central e periférico, tosse, problemas respiratórios, doenças pulmonares, disfunção cognitiva, encefalopatia tóxica, asma, bronquite crônica, sinusite, pólipos das cordas vocais, batimentos cardíacos irregulares, pressão arterial elevada, tremores, fraqueza muscular, dormência nos membros,
neuropatia periférica, perda de controle da temperatura, doenças neurodegenerativas (como Parkinson e Alzheimer), depressão, ansiedade, problemas de fertilidade, distúrbios oculares e câncer.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/ PMC10186727/
Em 2023, 16 especialistas internacionais divulgaram um protocolo médico concebido para examinar tripulações e passageiros que foram expostos a eventos de ar contaminado e fumaça. No entanto, de acordo com a Dra. Michaelis, ainda há falta de interesse por parte da indústria da aviação na recolha de dados epidemiológicos de pessoas expostas ao ar contaminado em aeronaves.
https://www.gcaqe.org/health
SOLUÇÕES PROPOSTAS
O ex-capitão de companhia aérea e produtor de cinema Tristan Loraine destacou uma possível solução para eventos de fumaça:
“Ajustar a forma de fornecimento de ar à cabine é uma possibilidade. Ao contrário do 787, que usa compressores elétricos, todos os outros aviões utilizam a abordagem da falha de sangria de ar. Há vários anos, a Airbus e a empresa alemã Liebherr Aerospace colaboraram na exploração da possibilidade de converter um A320 num sistema sem sangramento, como o 787, empregando compressores elétricos para aspirar o ar exterior”.
“No entanto, devido ao consumo substancial de energia elétrica dos compressores elétricos, eles enfrentaram desafios na geração de energia suficiente para operar dois compressores grandes. Consequentemente, o projeto não avançou além de tornar metade da aeronave “sem sangramento”.
“Olhando para o futuro, à medida que se desenvolvem os avanços na produção de energia elétrica, esta abordagem poderá tornar-se potencialmente uma solução promissora – talvez até a solução ideal. Infelizmente, atualmente não há nenhum esforço sério para desenvolver esta tecnologia”.
A monitorização de eventos de fumaça é um aspecto crucial da investigação; no entanto, a falta de sistemas de detecção de
ar contaminado representa um desafio na identificação da fonte e na quantificação da presença de poluentes no interior das aeronaves.
O Sindicato Espanhol de Pilotos de Companhia Aérea (Sepla) e o Global Cabin Air Quality Executive (GCAQE), entidade que defende os interesses das tripulações, apelam à instalação imediata de sistemas de alerta para ar contaminado no cockpit.
https://sepla.es/en/
https://www.gcaqe.org/
Há uma necessidade imediata de adotar um protocolo médico internacional que reconheça os efeitos adversos à saúde associados à exposição de fumaça dentro das cabines e cockpits das aeronaves. Um protocolo foi publicado recentemente pela Dra. Michaelis e sua equipe. No entanto, a indústria ainda não o adotou.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/ PMC10186727/
Atualmente, não existe um sistema global central de relatórios; no entanto, o GCAQE criou proativamente o Global Cabin Air Reporting System (GCARS). Este novo sistema de notificação global confidencial é oferecido gratuitamente e está acessível tanto para tripulações quanto para passageiros para relatar incidentes de ar contaminado em aeronaves.
https://www.gcaqe.org/gcars
“Com base no estudo da Dra. Michaelis de 2017, entre 274 pilotos entrevistados, 63% relataram ter sofrido efeitos adversos à saúde”
A introdução de protocolos de treinamento para tripulações durante eventos de fumaça pode aumentar a conscientização e resolver problemas de subnotificação. Além disso, é necessário melhorar a formação e a elaboração de relatórios sobre
“Ajustar
a forma de fornecimento de ar à cabine é uma possibilidade. Ao contrário do 787, que usa compressores elétricos, todos os outros aviões utilizam a abordagem da falha de sangria de ar”
a contaminação do ar sangrado e do ar fornecido para o pessoal de manutenção, os fabricantes, os operadores de companhias aéreas e a gestão sênior.
“Vários indivíduos do setor nos informaram que os executivos das companhias aéreas e os departamentos de engenharia priorizam a eliminação de odores, em vez de abordar a presença de produtos químicos, simplesmente para evitar reclamações dos passageiros.
“Do ponto de vista da segurança de voo, argumentamos que esta abordagem é problemática, pois carece de indicadores de alerta. É comparável a consumir álcool sem manifestar efeitos colaterais imediatos, até desmaiar”, explicou Loraine.
OS REGULADORES
A Administração Federal de Aviação Americana (FAA), a Agência de Segurança da Aviação da União Europeia (Easa) e a Autoridade de Aviação Civil do Reino Unido (CAA) foram contatadas para comentar sobre os seus protocolos e medidas planejadas para lidar com eventos de fumaça.
A FAA respondeu com uma reprodução exata do conteúdo encontrado na página do site Cabin Air Quality: https://www.faa.gov/newsroom/cabin-airquality.
Parte da resposta da Easa incluiu:
“Várias investigações e projetos de pesquisa foram conduzidos por diversas equipes científicas, envolvendo medições em
voo, mas não permitiram até o momento obter a caracterização completa dos compostos químicos envolvidos em eventos de contaminação do ar de cabine única/ cockpit (CAC), determinar as fontes e os níveis de exposição à contaminação e realizar uma avaliação abrangente do risco toxicológico para tais eventos”.
“Devido à falta de uma relação estabelecida entre a exposição a eventos CAC e potenciais problemas de saúde, nenhum protocolo médico padronizado é definido para avaliar os profissionais da aviação afetados”.
A CAA comentou:
“Com base nos dados disponíveis submetidos através do nosso processo de Relatório de Ocorrências Obrigatórias, as ocorrências relacionadas com a purga de ar do motor são raras, constituindo apenas uma proporção muito pequena do número total de relatórios de eventos de fumos que recebemos todos os anos.
“A tecnologia de sensores para detectar eventos de fumaça permanece em fase de prova de conceito. Existem muitas fontes de “contaminantes” numa cabine que podem ser detectadas por dispositivos sensores, incluindo os provenientes do catering ou dos passageiros. Até que seja comprovado que a tecnologia funciona num contexto de aviação, não aconselharíamos a sua utilização neste momento”.
A Dra. Michaelis detalhou como a indústria da aviação percebe e aborda os eventos de fumaça:
“As companhias aéreas, os reguladores, os fabricantes e a indústria da aviação em geral fazem o seu melhor para ignorar grande parte da literatura científica que se refere aos efeitos adversos em pessoas expostas à contaminação do ar sangrado. Inapropriadamente, insistem que os eventos de fumaça são raros e afirmam que não existem dados que estabeleçam uma ligação entre as exposições e os efeitos adversos relatados.
“Em vez disso, envolvem-se em estudos científicos adicionais e em investigações adicionais que não conseguem colocar questões de investigação apropriadas ou nos levam em círculos, apelando repetidamente a mais investigação, ao mesmo
tempo que rejeitam os extensos dados que continuam a ser documentados”.
A Dra. Michaelis compartilha uma mensagem final às companhias aéreas, reguladores, fabricantes, governos, pilotos, tripulantes e passageiros em todo o mundo:
“O ar respirável nas aeronaves é rotineiramente contaminado por baixos níveis de óleos de motor e fluidos hidráulicos. Esta prática começou na década de 1950 e foi exaustivamente documentada e reco-
“Há uma necessidade imediata de adotar um protocolo médico internacional que reconheça os efeitos adversos à saúde associados à exposição de fumaça dentro das cabines e cockpits das aeronaves”
nhecida. Apesar das provas esmagadoras, a indústria da aviação concentrou-se na negação e na ofuscação, recusando-se a investigar os efeitos nas pessoas”.
“A informação disponível é convincente e não há comitês sofisticados que possam adiar mais a resolução deste problema. A era de manter esse segredo aberto terminou. Soluções para mitigar riscos podem estar ao nosso alcance se houver determinação ou se for adotada uma abordagem proativa”.
Entretanto, os pilotos, a tripulação de cabine e os passageiros continuam a inalar ar que pode estar contaminado com produtos químicos tóxicos, muitas vezes sem se aperceberem, sofrendo as repercussões de eventos de fumaça que afetam a sua saúde e a segurança dos voos. Infelizmente, uma resolução para este problema permanece indefinida.
(*) Escritora com foco em temas ambientais, de Saúde e de Direitos Humanos.
Portas abertas para o desenvolvimento
Comitê credencia UEA para fortalecer investimentos em Pesquisa e Inovação Da Revista Cenarium*
MANAUS (AM) – Em uma demonstração de seu compromisso com a Inovação e o desenvolvimento regional, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) marcou presença na 73ª Reunião Ordinária do Comitê das Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento na Amazônia (Capda).
No evento, realizado de forma virtual, os comitentes aprovaram o credenciamento para o Centro de Estudos Superiores de Itacoatiara (Cesit/UEA). Esse credenciamento abre portas para investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), por meio da Lei de Informática, impulsionando a capacidade da universidade de contribuir para a transformação tecnológica e econômica da Amazônia.
O reitor da UEA, Prof. Dr. André Zogahib, expressou sua satisfação com o reconhecimento nacional: “A instalação da primeira incubadora de startups fora de Manaus é um feito que destaca nosso comprometimento com a promoção de um ambiente empreendedor e tecnológico em toda a região. Estamos felizes em contribuir para o desenvolvimento e a promoção de iniciativas inovadoras que impulsionam o progresso na Amazônia”, destacou.
Um dos pontos altos da reunião foi a apresentação dos resultados do Programa Prioritário de Fomento ao Empreendedorismo Inovador (PPEI) coordenado pela Softex Amazônia, no qual a UEA desempenha papel fundamental na for-
mação e capacitação de profissionais, impulsionando o empreendedorismo e a inovação na região.
O diretor da Agência de Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual da UEA, Prof. Dr. Antônio Mesquita, ressaltou as oportunidades que o credenciamento irá proporcionar à universidade. “O credenciamento e a participação em programas de PD&I abrem novas perspectivas para nossa instituição. Com a renovação do Acordo de Cooperação Técnica entre a Suframa e a Softex, estamos nos preparando para enfrentar novos desafios e contribuir, ainda mais, para o desenvolvimento socioeconômico sustentável da região amazônica”, finalizou.
(*) Com informações da Assessoria.
Crédito: Divulgação
No evento, realizado de forma virtual, os comitentes aprovaram o credenciamento para o Cesit/UEA
Crédito: Divulgação
“A instalação da primeira incubadora de startups fora de Manaus é um feito que destaca nosso comprometimento com a promoção de um ambiente empreendedor e tecnológico em toda a região”
André Zogahib, reitor da UEA.
Política de contradições
Garimpo em Unidade de Conservação enfraquece agenda ambiental de Helder Barbalho
Da Revista Cenarium
BELÉM (PA) – Enquanto o governador Helder Barbalho (MDB), que foi reeleito presidente do Consórcio da Amazônia, defende a preservação das florestas em fóruns internacionais, o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio) é questionado por liberar exploração de ouro em Unidade de Conservação (UC).
No oeste do Pará, a Floresta Estadual (Flota) do Paru, uma das maiores Unidades de Conservação de uso sustentável do mundo, enfrenta o desafio crescente com o avanço do garimpo ilegal. Nessa área, árvores gigantes da Amazônia, como um exemplar de angelim-vermelho com idade entre 400 e 600 anos, destacam-se como testemunhas silenciosas da degradação em curso.
Crédito: Composição de Paulo Dutra | Revista CenariumCom mais de 2 mil garimpeiros atuando em, aproximadamente, 100 frentes de extração de ouro e pelo menos 41 pistas clandestinas de pouso, a Flota do Paru está tomada por atividades ilegais, segundo informações de órgãos governamentais e organizações ambientais integrantes de um inquérito civil conduzido pelo Ministério Público Federal (MPF) no Pará.
Criada em 2006 com o objetivo de proteger uma área de 3,6 milhões de hectares que abriga árvores de diversas espécies da região, a Flota do Paru está sob a responsabilidade do Governo do Pará, por meio do Ideflor-Bio.
Desde sua criação, a Unidade de Conservação não tem recebido a devida fiscalização para impedir a atividade ilegal de garimpo. Em outubro de 2023, o Ideflor-Bio surpreendeu ao conceder autorização para a exploração mineradora dentro da área protegida, em contrariedade ao próprio plano de manejo, que designou as áreas ocupadas por garimpos como zonas temporárias, com caráter provisório e sujeitas a desocupação.
A liberação para mineração de ouro foi direcionada à empresa Mineração Carará Ltda., cujo proprietário, Eduardo Ribeiro Carvalho Pini, é apontado pelo MPF como dono de áreas de garimpos ilegais atuantes na Flota.
O documento, que foi assinado pelo presidente do Ideflor-Bio, Nilton Pinto, foi submetido para obtenção de licenciamento ambiental dentro da área protegida, aguardando análise pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas).
Relatórios de vistoria e imagens de satélite identificam que a área requerida para licenciamento já funciona como garimpo ilegal, próximo de uma pista de decolagem.
O Ideflor-Bio justifica a autorização concedida à Mineração Carará, alegando que a empresa está “autorizada pelo Ministério de Minas e Energia para atividades de pesquisa e lavra mineral de ouro desde 1981” e que o empreendimento está na zona de ocupação temporária, onde os garimpos operam. Segundo o instituto, não há impedimentos legais para essa atividade.
Essa concessão de licença para exploração em uma Unidade de Conservação levanta questionamentos sobre o compromisso do governo do Estado com a preservação ambiental, especialmente diante dos esforços públicos para defender a Amazônia em fóruns internacionais.
À reportagem, o Governo do Pará informou que trabalha de forma integrada com o Ministério Público, Polícia Civil do Pará (PC-PA) e Exército Brasileiro para combater garimpos ilegais em Unidades de Conservação estaduais. A nota destaca que, no decorrer de 2023, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) fechou 42 garimpos ilegais no Pará.
“O Governo do Pará informa que trabalha de forma integrada com o Ministério Público, Polícia Civil, Militar, Federal e Exército, para desarticular garimpos ilegais em Unidades de Conservação (UCs) estaduais. Em 2023, equipes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) fecharam 42 garimpos ilegais no Pará”, respondeu.
3,6 milhões ha
A Flota do Paru foi criada em 2006 para proteger uma área de 3,6 milhões de hectares e está sob a responsabilidade do Governo do Pará, por meio do Ideflor-Bio.
Plano de manejo da Flota do ParuGolpe frustrado: cerco a Bolsonaro se fecha
Ex-presidente está proibido de sair do País e ter contato com investigados
Da Revista Cenarium*
MANAUS (AM) – O passaporte do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), cuja entrega foi requerida pela Polícia Federal (PF) e determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, já está em posse das autoridades.
O documento estava guardado no escritório que o ex-mandatário mantém na
sede do PL, em Brasília (DF). O local foi um dos alvos das operações de busca e apreensão realizadas no dia 8 de janeiro.
“Entrei em contato com o delegado que conduzia a diligência para que o mesmo já procedesse ao recebimento do passaporte, atendendo, assim, à determinação do ministro [Alexandre de Moraes]. O delegado atendeu meu pedido e emitiu a certidão da entrega”, afirmou o advogado Paulo Amador da Cunha Bueno, que integra a defesa do ex-presidente.
Bolsonaro estava em sua casa na Vila Histórica de Mambucaba, em Angra dos Reis (RJ), quando a PF bateu à sua porta.
Tercio Arnaud Thomaz, um dos assessores do ex-presidente e também alvo da operação, estava no local com ele.
“Saí do governo há mais de um ano e sigo sofrendo uma perseguição implacável”, disse Bolsonaro, numa ligação de WhatsApp por vídeo.
“Me esqueçam, já tem outro governando o País”, seguiu o ex-presidente.
Além de determinar a entrega do passaporte, a PF informou a Bolsonaro que ele está proibido de se comunicar com os outros alvos da operação.
O ex-presidente afirmou que estava ainda se inteirando das buscas e apre-
Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente brasileiro, teve seu passaporte retido em apuração sobre atos antidemocráticosensões e das prisões, e que não poderia dar mais declarações. “Estou tentando entender, parece que é um novo inquérito”, disse.
A PF deflagrou, no dia 8 de janeiro, a Operação Tempus Veritatis para investigar organização criminosa que teria atuado na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de Direito.
Ela teria tentado obter vantagem de natureza política com a manutenção do então presidente da República no poder, mesmo depois de ter sido derrotado por Lula (PT) nas eleições.
As informações que embasaram a operação foram coletadas na delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid.
Crédito: Composição de Paulo Dutra Revista Cenarium
Subcomandante do Cigs, tenente-coronel Cleverson
Subcomandante do Cigs é alvo de investigações
“Me esqueçam, já tem outro governando o País”Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil.
Os policiais cumpriram 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão preventiva em dez Estados e no Distrito Federal (DF).
Dois ex-assessores de Bolsonaro — o coronel Marcelo Câmara e Filipe Martins — foram presos. Câmara já era investigado no caso da fraude ao cartão de vacinação do ex-presidente. Martins foi assessor especial para Assuntos Internacionais do ex-presidente.
Há ainda medidas cautelares, como proibição de contatos entre os investigados, retenção de passaportes e destituição de cargos públicos.
Entre os alvos da operação estão os ex-ministros de Bolsonaro general Augusto Heleno (GSI), general Braga Netto (Casa Civil e Defesa), Anderson Torres (Justiça) e o ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira, como mostrou a Folha.
(*) Com informações da Folhapress.
Karina Pinheiro – Da Revista Cenarium MANAUS (AM) – O subcomandante do Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs), tenente-coronel Cleverson Ney Magalhães, foi alvo de busca e apreensão da Operação Tempus Veritatis deflagrada no dia 8 de janeiro, pela Polícia Federal (PF). A unidade de treinamento militar está localizada no bairro São Jorge, Zona Oeste de Manaus.
Ao todo, a Tempus Veritatis cumpriu mandatos contra três militares do Exército Brasileiro que atuam e atuaram no Amazonas. Os ex-comandantes do Comando Militar da Amazônia (CMA), sediado em Manaus, general Augusto Heleno e general Estevam Cals Theophilo Gaspar, também foram alvos de mandados de busca e apreensão e de medidas cautelares.
A informação consta em decisão judicial referente à Petição n.º 12.100/ DF assinada pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF) ao qual a REVISTA CENARIUM teve acesso. Tanto o general Heleno quanto Theophilo Gaspar foram alvos de mandados de busca e apreensão, além de serem obrigados a entregar o passaporte e proibidos de manter contato com outros investigados do caso, inclusive por meio de advogados.
Cleverson Ney Magalhães é citado 16 vezes na petição que consta no Supremo Tribunal Federal (STF). Foram cumpridos contra o subcomandante medidas caute-
lares e mandados de busca e apreensão de armas, munições, computadores, tablets, celulares e outros dispositivos eletrônicos na casa do investigado.
As apurações da Tempus Veritatis apontam que o grupo investigado se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas eleições presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar em dinâmica de milícia digital.
De acordo com o relatório da Polícia Federal (PF), o subcomandante fazia parte do Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas, atuando em reuniões de planejamento e na mobilização, logística e financiamento para manter as manifestações em frente aos quartéis militares.
Inclusive, Cleverson participou de uma organização de encontro específico para tentar influenciar militares, com curso de Forças Especiais, com intenções golpistas, que dariam suporte às medidas para tentar impedir a posse do presidente eleito e restringir o exercício do Poder Judiciário.
O subcomandante teve suspensa a função pública e foi proibido de sair do País, tendo que entregar os passaportes nacionais e estrangeiros no prazo de 24 horas, e de manter contato com os demais investigados, inclusive, por meio de advogados.
Dinheiro na balança eleitoral
‘Retorno do fundo privado de campanha é abuso de poder econômico’, apontam especialistas
Hector Muniz – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Em meio à cogitação do retorno do financiamento privado de campanhas pelo presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), especialistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM apontam que esse instrumento abusa do poder econômico e desequilibra a disputa eleitoral.
Em dezembro do ano passado, durante a votação do orçamento e do fundo eleitoral de quase R$5 bilhões para as eleições municipais deste ano, Rodrigo Pacheco apontou a possibilidade de retorno desse financiamento fomentado por colaborações de grandes empresas. O senador chamou de equívoco o valor do fundo ser superior ao da eleição presidencial de 2022.
“Considero que esse valor [de R$4,9 bilhões] precipita muito a discussão da volta do financiamento privado de pessoas jurídicas, que havia sido suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, numa ação da Ordem dos Advogados do Brasil. E precipita, inclusive, uma reflexão sobre as eleições no País, o custo delas para o Brasil em todos os sentidos”, declarou Pacheco em sessão do Senado.
Para o cientista político Carlos Santiago, houve uma distorção no uso do financiamento de campanha que culminou no abuso de poder econômico.
“Houve uma distorção aí. No financiamento empresarial havia um abuso do poder econômico, havia grandes interesses de corporações por trás. Isso desequilibrava a corrida eleitoral e o interesse era que existisse um fundo único para que
“No financiamento empresarial havia um abuso do poder econômico, havia grandes interesses de corporações por trás, isso desequilibrava a corrida eleitoral”
Carlos Santiago, cientista político.
as eleições fossem financiadas”, explicou Carlos Santiago.
Ele recorda que o fundo foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou o instrumento como inconstitucional e que, a partir daí, o Congresso Nacional decidiu criar um fundo público para custear as campanhas políticas.
“Houve uma ação de inconstitucionalidade que foi protocolada pela OAB. E, naquela época, o STF declarou que o financiamento empresarial é inconstitucional. Porque o financiamento é de pessoa física. Diante disso, o Congresso Nacional criou um fundo especial para financiar as campanhas políticas, um fundo especial, público, para financiar essas campanhas. O objetivo da OAB era o financiamento das campanhas políticas porque, no período do financiamento empresarial, as campanhas eram astronômicas e existia também muito caixa dois”, destacou Santiago.
Criado em 2017, fruto das leis n.º 13.487 e n.º 13.488, o Fundo Eleitoral é uma das principais fontes de recursos para campanhas e é distribuído somente no ano da eleição. O Congresso Nacional aprovou a sua criação para compensar o fim do financiamento privado estabelecido em 2015 pelo STF e que proibiu doações de pessoas jurídicas para campanhas políticas. As doações privadas eram recompensadas em forma de contratos com empresas, o que culminou no escândalo do Petrolão em que figuras do MDB, PT e PP foram implicadas.
Sacos de dinheiro em frente ao prédio do Congresso Nacional simbolizando o financiamento empresarial de campanhas
HISTÓRICO
O advogado Fernando Borges aponta que, a fim de mitigar os efeitos da extinção do fundo privado de campanha, o Congresso também criou financiamento de pessoas físicas com previsão de limite para as doações.
“O sistema prevê esse financiamento por meio de pessoas físicas e houve uma restrição de pessoas jurídicas por conta desse motivo. Mas, é importante ressaltar que existe um limite para essa doação e que o fundo é reservado para os partidos”, destacou Borges.
FUNDO BILIONÁRIO
Na sanção da Lei Orçamentária Anual (LOA) no fim de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) manteve os R$4,9 bilhões definidos pelo Congresso Nacional para o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas Eleitorais. Na proposta inicial apresentada pelo governo, o valor reservado era de R$939,3 milhões.
Na última eleição municipal, em 2020, o fundo eleitoral era de R$2 bilhões, menos da metade do total destinado ao
pleito deste ano. Os R$4,9 bilhões são equivalentes ao montante estabelecido para as eleições de 2022, quando foram eleitos presidente, governadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores.
O cientista político Helso Ribeiro analisa que os partidos menores têm acesso limitado ao fundo partidário pelo fato de terem elegido poucos parlamentares. Como paliativo, segundo Helso, esses partidos acabam coligando com outras siglas para ampliar o acesso ao fundo eleitoral e o tempo de televisão.
“O partido do prefeito de Manaus [Avante] tem pouco fundo eleitoral se comparado com o PL, com o PT, com o MDB. Agora, é bom lembrar que o fundo eleitoral é nacional e é o que os partidos distribuem. Se você for observar, quem mais vai receber é o PL e o União Brasil. Mas o Brasil tem 5.560 municípios, e, além disso, os partidos têm que dividir entre os pré-candidatos a prefeito e vereadores. Mas tem algo que poucos falam que não medem, que é o caixa dois, por conta de alianças que nem sempre estão visíveis, nem são transparentes. E, infelizmente, isso pesa”, avaliou.
“O sistema prevê esse financiamento por meio de pessoas físicas e houve uma restrição de pessoas jurídicas por conta desse motivo. Mas, é importante ressaltar que existe um limite para essa doação”
Fernando Borges, advogado.
Indígenas do AM lutam para provar que existem e manter seu modo de vida em meio a ameaças e pressões da exploração de combustíveis fósseis
Adrisa de Góes e Márcia Guimarães –Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – “É lamentável a gente não poder ficar em nossa terra sem escolta (policial). É uma vida totalmente diferente não poder ter a liberdade de antes, de pescar, de caçar, de fazer o que se gostava”. Incluído no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH), o cacique da aldeia Gavião Real I, Jonas Mura, define o que sente ao viver sob ameaças de morte por questionar o processo de exploração de gás e óleo no maior Estado da Amazônia.
A liderança faz parte das quase 200 famílias indígenas e ribeirinhas que moram no entorno do chamado “Complexo do Azulão”, localizado entre as cidades de Itapiranga e Silves, distantes 226 e 181 quilômetros de Manaus, respectivamente, no Estado do Amazonas, que está sob a operação de extração de
combustíveis fósseis para a geração de energia (termelétricas) da empresa Eneva S.A, desde 2021.
Alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF), a empresa Eneva tem denúncias de ameaças de funcionários registradas pelos povos tradicionais, que também afirmam ser ignorados no processo de exploração comercial da região, contrariando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O contexto de ameaças consta em um relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Prelazia de Itacoatiara, que revela denúncias que chegam a citar pessoas ligadas à empresa e apontam os impactos do empreendimento. O documento embasou o pedido de suspensão de licenciamento ambiental do empreendimento, solicitado pelo Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas à Justiça Federal em fevereiro deste ano.
A Eneva é acusada por populações tradicionais e órgãos federais de realizar o processo de licença exploratória sem consulta prévia aos povos originários da localidade, sob alegação de que não existem terras indígenas homologadas ou em estudo na área de influência da extração de gás e óleo. Na contramão, comunidades tradicionais da região lutam para
serem reconhecidas. A empresa afirma que mantém diálogo com as populações dos municípios da área de abrangência do Complexo do Azulão.
A série de questionamentos dos indígenas e órgãos públicos sobre a maneira como se deu a instalação da empresa motivou a REVISTA CENARIUM a ir à aldeia Gavião Real I, em Silves, em fevereiro deste ano, para saber quem são os indígenas que se sentem esquecidos pela maior operadora privada de gás natural do País. O local está situado a cerca de 60 quilômetros da cidade, na rodovia AM-363, e mais 20 quilômetros mata adentro.
Jonas Mura está 27 anos à frente da comunidade habitada por 96 famílias das etnias Mura, Sateré-Mawé e Munduruku. A aldeia onde vive o cacique, Gavião Real I, é uma das sete que integram a região cortada pelo Rio Anebá. Ao todo, cerca de 190 famílias vivem em toda a extensão da localidade adjacente à região explorada pela Eneva.
À reportagem, Jonas ressaltou a preocupação com os limites exploratórios da Eneva no município, sobretudo quanto aos recursos naturais. Para ele, a exploração, que considera desenfreada e sem a devida preservação, pode comprometer o futuro e a manutenção das comunidades, que
Crédito: Ricardo Oliveira
O cacique da aldeia Gavião Real I, Jonas Mura, em uma área de exploração da Eneva no município de Silves, no AmazonasECONOMIA & SOCIEDADE
dependem da caça e da pesca como fonte de alimentação.
“Há muito tempo, a gente vem lutando para não ter os nossos direitos violados pelo homem branco. A luta é para proteger a nossa fauna, a nossa floresta, rios e lagos, para que nossos filhos, netos e bisnetos possam usufruir disso mais tarde. Se a gente não proteger essa terra, ela vai ser destruída pelo homem branco e nossos descendentes não vão poder ver a riqueza que nós temos aqui”.
Jonas Mura é cacique da aldeia Gavião Real I, localizada na Comunidade Livramento, em Silves, no Amazonas.
O cacique destaca, ainda, que as matas e rios são ambientes que contribuem para a sobrevivência das populações das aldeias. Atualmente, a economia nas comunidades gira em torno da produção de farinha de mandioca, extração de tucumã e castanha, além de programas sociais, como Bolsa
Família e Auxílio Estadual, do Governo do Amazonas.
“As nossas caças que a gente pegava se afugentaram para longe. Os nossos peixes, com esse barulho de queima de gás, com esse barulho de balsas sobre o rio, fugiram daqui. Isso vem nos atingindo dentro da nossa terra indígena. Essa é uma grande preocupação minha com essa situação dessa empresa Eneva, que vem explorando e retirando gás dentro do nosso território”, afirma o cacique da aldeia Gavião Real I.
No município de Itapiranga, o relatório da CPT aponta, ainda, a existência de uma aldeia de indígenas da etnia Baré, além de um grupo de indígenas isolados, ou seja, que não possuem contato significativo com a sociedade em geral. Nesse último caso, a localidade da comunidade tradicional foi preservada pela entidade, mas acredita-se que os indígenas pertençam ao povo Pariquis.
O último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado
em 2022 e divulgado em agosto do ano passado, reconhece um total de 1.066 pessoas como integrantes da população indígena das cidades de Silves e 327 em Itapiranga.
RISCO DE ESGOTAMENTO
Na aldeia e comunidade Santo Antônio, no Rio Anebá, as incertezas quanto ao futuro das florestas e rios também preocupam famílias indígenas da etnia Mura e ribeirinhos que vivem na localidade. Atualmente, a produção da farinha de mandioca é a principal fonte de renda dos moradores, que dependem das mudanças da natureza para garantir ou não o sustento do mês.
De acordo com a cacica Ivanilde dos Santos Mura, a pesca já foi uma das grandes fontes de renda da população local, mas, atualmente, o Rio Anebá deixou de ser rico em peixes. Para ela, a influência sem limites da ação humana contribuiu para a escassez do alimento.
Vista aérea do complexo do Campo do Azulão, no Amazonas“Aqui, nós dependemos da força da natureza para sobreviver, tanto para trabalhar quanto para se alimentar. Agora, quando o peixe é difícil, a gente recorre ao frango caipira, à caça… A gente não chega a passar fome, mas a vida é complicada, parece que somos invisíveis”, afirma a cacica Mura.
A líder indígena ressaltou, ainda, que o receio do esgotamento de recursos naturais é uma preocupação de outras comunidades na região. Segundo ela, em reuniões e encontros de lideranças tradicionais, o assunto é discutido com frequência e as soluções, na maioria das vezes, são mínimas.
DINHEIRO PARA QUEM?
“A gente só ouve falar que a Eneva é uma empresa grande, que vai trazer benefícios, melhorias para o povo silvense, mas aqui para nós, que vivemos em meio à mata e ao rio, não chega isso. A nossa grande preocupação é que esses recursos desapareçam cada vez mais (…) A nossa região só é rica para as grandes empresas, mas para nós, que somos daqui, não é”, desabafa a liderança.
Ivanilde Mura destaca, ainda, no relato à reportagem, que durante a permanência da Eneva na região, não houve diálogo entre a empresa e as populações de indígenas locais. Segundo a cacica, as lideranças das comunidades do Anebá atuam com o objetivo de terem suas reivindicações atendidas.
O gás do Azulão é transformado em líquido para ser transportado em carretas por 1.100 quilômetros até Boa Vista, em Roraima, onde é regaseificado e utilizado para a geração termelétrica na Usina Jaguatirica I, responsável por cerca de 70% do suprimento elétrico do Sistema Isolado da capital do Estado. Atualmente, a empresa está avaliada no mercado em quase R$ 20 bilhões, de acordo com dados da Bolsa de Valores do dia 19 de fevereiro.
A área de exploração do Campo do Azulão foi descoberta em 1999 e declarada comercial em 2004. A Eneva comprou os blocos de extração de gás da Petrobras em 2017, por US$ 54,5 milhões, mas iniciou as atividades comerciais na região somente em 2021, 22 anos depois da descoberta.
EM NÚMEROS
R$ 2 milhões
Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o município de Silves recebeu, em 2023, pouco mais de R$ 2 milhões de royalties pela extração do combustível.
R$ 73 milhões
A previsão anual de concessão de royalties é de R$ 73 milhões ao ano em um período de pico das obras de expansão da exploração.
200 famílias indígenas
De acordo com relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), há, pelo menos, 200 famílias vivendo no entorno do Complexo do Azulão.
US$ 54,5 milhões
A área de exploração do Campo do Azulão foi descoberta em 1999 e declarada comercial em 2004. A Eneva comprou os blocos de extração de gás da Petrobras em 2017 por US$ 54,5 milhões, mas iniciou as atividades comerciais somente em 2021.
57,70 km²
Em 2019, a ANP aprovou o plano de desenvolvimento da reserva de gás da Eneva com um total de 57,70 km². O total da área corresponde a, aproximadamente, 8 mil campos de futebol.
ECONOMIA & SOCIEDADE
SOBREPOSIÇÃO À TERRA
O relatório da CPT aponta, ainda, que quando os blocos de gás se sobrepõem às áreas das comunidades indígenas de Silves e Itapiranga, é possível verificar que todas essas áreas são invadidas e impactadas diretamente, e fica evidente a dimensão do problema que a exploração pode causar aos povos e ao meio ambiente da região.
A Pastoral da Terra informou que, a pedido das lideranças, sua equipe que visitou as comunidades foi verificar dois poços que estão dentro dos territórios e, que foram perfurados para estudo de outra espécies minerais, um poço é da GeoSol (Latitude: 2°58’10.06”S, Longitude: 58°30’2.06”O) e o outro da Potássio Brasil (Latitude: 2°38’43.14”S, Longitude: 58° 2’12.17”O).
De acordo com o relatório, a equipe também foi ao poço de gás e/ou óleo da Eneva, que não se sabe ao certo o produto que está operando (localizado com as coordenadas: Latitude: 2°49’23.76”S e Longitude: 58°31’36.97”O”, no município de Silves, “que fica a menos de oito quilômetros de distância da área habitada pelos indígenas, totalmente dentro do perímetro de onde esses povos tiram produtos para sua subsistência”.
A equipe da CPT informou que também visitou poços localizados a menos de sete quilômetros da área de uso dos indígenas de Itapiranga e a menos de 1 quilômetro de moradias que ficam à margem da rodovia AM-363, situados nas coordenadas Latitude: 2°43’5.33”S e Longitude: 58° 9’7.04”O (poço de gás, não operando) e coordenadas Latitude: 2°43’6.30”S e Longitude: 58°10’0.19”O.
O cacique Jonas Mura acompanhou a reportagem até um dos poços em exploração pela Eneva na região do Anebá, em Silves. O acesso se deu pela rodovia estadual (AM-363), conhecida como Estrada da Várzea, e seguiu por cerca de 20 quilômetros em um ramal de barro, que é de uso da madeireira Mil Madeiras Preciosas. No dia em que a equipe esteve no local, não havia movimentação de funcionários da Eneva.
A exploração do Anebá foi anunciada no início de 2022. À época, a Eneva informou a intenção de integrar a região ao Azulão, bem como construir um gasoduto para interligar os dois ativos. Em fevereiro deste ano, a empresa informou que vai declarar a comercialidade da área recém-explorada à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A localidade deve ser chamada de Campo de Tambaqui.
“A empresa nunca veio até nós para ter um diálogo, uma consulta aos povos tradicionais, às pessoas que moram próximo a essa grande construção. Nós não tivemos o respeito, sequer, de ser ouvido, tanto pela parte da gestão municipal de Silves quanto pelo Estado (…) Minha preocupação é que, daqui a 20 anos, isso venha desaparecer”.
Cacique Jonas Mura é responsável pela aldeia Gavião Real I, em Silves.
Os indígenas reclamam que não foram consultados sobre o projeto, o que contraria a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O artigo 6º da norma, integrado à legislação brasileira, determina aos governos a consulta prévia às populações tradicionais, de forma que seja respeitada a cultura de cada povo quando houver qualquer medida administrativa ou legislativa que, potencialmente, afete os interesses e modo de vida indígena.
“Aqui, na região do Anebá, assim como em Itapiranga, existem povos indígenas, povos tradicionais, assim como os ribeirinhos. Nós não vamos desistir da nossa luta, pois moramos aqui há décadas. O que nós queremos é ter nossos direitos respeitados e buscamos o reconhecimento. Estão passando por cima da gente. Não vamos sair daqui”, afirma o cacique.
Em 2019, a ANP aprovou o plano de desenvolvimento da reserva de gás da Eneva com um total de 57,70 km². O total da área corresponde a aproximadamente 8 mil campos de futebol. Recentemente, a empresa anunciou que pretende apresentar
Moradores da Comunidade Santo Antônio, no Rio Anebá
ECONOMIA & SOCIEDADE
ao órgão de controle uma nova proposta de expansão exploratória.
O relatório da CPT aponta, ainda, que apesar dos impactos ao meio ambiente e às comunidades locais, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) concedeu “licença para a instalação e operação do projeto da Eneva, sem a apresentação e discussão social do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) específico para a exploração do gás, para os diversos poços já em exploração, desde 2021”, e ainda apresentam novos projetos para ampliar o empreendimento do Complexo do Azulão.
À ESPERA DO PROGRESSO
Com pouco mais de 11 mil habitantes, a população do município de Silves aguarda o progresso prometido com a chegada da Eneva na região. Na cidade, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) local é 0,632, em uma escala que varia entre 0 a 1. O valor é considerado médio no Estado. A única cidade com IDH avaliado como alto é a capital do Amazonas, Manaus, com 0,737.
A CENARIUM esteve na cidade para entender, junto aos moradores, como o empreendimento de exploração de gás tem influenciado economicamente no município. Mesmo após quatro anos do início da operação comercial da empresa em Silves,
os relatos sobre a falta de emprego ainda são constantes.
Trabalhando como operadora de caixa em um pequeno comércio, Keite Viana afirma que não há diversidade de oportunidades de trabalho na cidade. Segundo ela, as vagas disponíveis, na maioria das vezes, são para comércios como mercadinhos e lojas de roupas, além do empreendedorismo e cargos comissionados na Prefeitura de Silves.
“É difícil encontrar emprego aqui. O trabalho é mais no comércio. Na prefeitura, é só quem eles querem. A Eneva tem quatro anos aqui e Silves continua a mesma coisa. Quando se anda pelas ruas, é possível ver a situação delas”, relata a jovem.
Na chegada à cidade, a reportagem teve dificuldades para encontrar hotéis ou pousadas disponíveis, mesmo em um período de baixa temporada turística no município. Isso porque a maioria dos estabelecimentos é ocupada por pessoas de outros Estados que vão a Silves trabalhar na Eneva, apurou a reportagem nos hotéis consultados.
O agricultor Gilcélio da Silva, morador da comunidade São João, que fica em frente à cidade, contou à reportagem que quando precisa de atendimento médico recorre à unidade hospitalar do município,
A cacica do povo Mura da Comunidade Santo Antônio,
Ivanilde Mura Crédito: Ricardo OliveiraCAMPO DO AZULÃO
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mas nem sempre consegue solução para o problema de saúde.
“A vida do silvense é feita de dificuldades e uma das maiores é quando a gente vem pra cidade em busca de atendimento médico e não consegue ser atendido. A gente vem das comunidades sem certeza se vai ou não conseguir medicamento e consulta médica”.
Gilcélio da Silva, morador de Silves.
Na cidade, a reportagem também encontrou um grupo de coletores de resíduos em um lixão a céu aberto. Um
Crédito: Ricardo Oliveira
dos trabalhadores, que preferiu não ser identificado, afirmou que coleta alumínio e cobre no local, a fim de garantir o próprio sustento e da família.
“A gente queria sair desse lixo. Às vezes, dá pena de ver as pessoas aqui, é triste, chega dá vontade de chorar. Não era para nós vivermos uma situação dessas, já que a cidade é rica em gás, mas Silves está ficando para trás”, desabafa o trabalhador.
Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o município de Silves recebeu, em 2023, pouco mais de 2 milhões de royalties pela extração do combustível.
A previsão anual é de R$ 73 milhões ao ano em um período de pico das obras de expansão da exploração.
Moradora de Silves caminha por rua sem asfaltamento na cidadeInsegurança alimentar
Por conta dos impactos da exploração de gás e óleo, a segurança alimentar das comunidades já pode estar sendo ameaçada, aponta a Comissão Pastoral da Terra (CPT). De acordo com o relatório da entidade, “apurou-se junto às lideranças que a exploração do gás afeta diretamente muitos dos lagos e rios da região que fazem parte de um Acordo de Pesca”.
Durante o período de seca, esses reservatórios ficam quase totalmente sem água e, com isso, diversas espécies da fauna aquática passam parte do ano represadas em reservatórios naturais, diz o relatório, que aponta que, “caso essas águas sejam contaminadas pelos resíduos da exploração do gás e óleo, colocariam em risco de extinção diversas espécies desse
estoque pesqueiro local, o que afetaria a alimentação e a saúde dos habitantes de dezenas de comunidades de Silves e municípios vizinhos”.
A CPT ressalta “a ausência de qualquer estudo que possa demonstrar os efeitos da bioacumulação e da biomagnificação dos contaminantes químicos oriundos da exploração fóssil pela Eneva, que possam comprometer a biota aquática e o ecossistema altamente sensível de toda a região”.
A Pastoral da Terra destaca no relatório que o Acordo de Pesca foi criado pela Portaria Ibama Nº 2 de 28/01/2008, publicada no Diário Oficial da União (DOU) – Seção 1, Nº 20, no dia 29 de janeiro de 2008, e abrange o Rio Urubu e todo o complexo
lacustre do Canaçari, nos municípios de Itacoatiara, Itapiranga e Silves.
Na região do Igarapé Açu Grande e Igarapé Açuzinho, comunidade Santana, Curuá e Conceição, os indígenas informaram à CPT, segundo o relatório, que não querem mais tomar água dos lagos e igarapés, pois ouviram dizer que numa outra região próxima a outro poço de gás as pessoas estão tendo problema com diarreias e problemas na pele. “Um senhor chegou a ficar muito emotivo e falou: ‘[…] Digam à justiça e ao MPF que os políticos e a Eneva querem acabar com a gente. O que adianta ter Leis se não estão sendo respeitadas? Cadê os fiscais do Estado? Por favor, nos ajudem, digam a eles que nós existimos”.
Pai e filho em canoa sobre o rio na região do AnebáRiscos ao modo de viver
Moradores de comunidades indígenas relatam que empreendimento do Complexo do Azulão gera impactos em atividades como caça e pesca
Adrisa De Góes e Márcia Guimarães –Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) - “Estão acabando com nosso chão, nosso ar, nossa floresta e contaminando nossas águas. Sem peixe, sem caça, sem ar limpo, como podemos viver? Não queremos dinheiro sujo, que vai custar a vida dos nossos parentes. Não queremos!”. A declaração, em tom de desabafo, consta no relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e é atribuída a um ancião indígena ouvido pela equipe que visitou as comunidades em Silves e Itapiranga. A fala emocionada
traduz o sentimento sobre os impactos da exploração de gás e óleo na região.
O relatório destaca que as características da região de Silves e Itapiranga são “muito sensíveis, principalmente para exploração mineral, que tem efeito direto ao meio ambiente e a quem o habita e dele subsiste”. Ainda segundo a CPT, não foram realizados estudos suficientes que assegurem que a exploração de gás e óleo não trará danos irreparáveis ao ecossistema.
O produtor rural Rotenes Mura segura um cesto com tucumãsPara o produtor rural Rotenes de Castro Mura, morador da aldeia Gavião Real I, no território silvense, o cultivo de tucumã contribui, mensalmente, para a renda familiar. Entretanto, ele ainda precisa se deslocar para caçar e pescar em áreas afastadas da comunidade indígena. Devido a essa necessidade, a incerteza do futuro na região se tornou uma preocupação.
“O peixe, a caça, a nossa produção são muito importantes para a nossa sobrevivência, porque não temos outra fonte, não temos de onde tirar. Tudo o que a gente tira daqui serve para a nossa família. De uns tempos para cá, tudo ficou mais difícil. Depois que a Eneva chegou aqui, somos até proibidos de entrar na mata para buscar o sustento”, relata Rotenes Mura.
O relatório da CPT aponta que a exploração do gás e do óleo do Campo Azulão atinge “dois dos maiores reservatórios de água doce do planeta, o Rio Amazonas e o Aquífero Alter do Chão, a Floresta
Fragmentos históricos de utensílios feitos em cerâmica indígena encontrados próximos à antiga casa do cacique Jonas Mura
“O peixe, a caça, a nossa produção é muito importante para a nossa sobrevivência (...) Depois que a Eneva chegou aqui, somos até proibidos de entrar na mata para buscar o sustento”
Rotenes de Castro Mura, produtor rural.
Amazônica e toda a sua diversidade de vida e riqueza, o que pode desencadear efeitos catastróficos não somente para Silves e Itapiranga, mas também para a população de outros Estados”.
Ainda segundo a Pastoral da Terra, somente na área do território Gavião Real há oito áreas de terra preta, onde numa dessas áreas está localizado um antigo cemitério indígena e que também é um dos Sítios Arqueológicos da região. A reportagem da CENARIUM visitou o
local e encontrou fragmentos de peças produzidas em cerâmica, com formatos que se assemelham a potes utilizados por indígenas do passado.
Também existem, segundo a CPT, quatro lagos considerados estratégicos para a preservação do pirarucu e de outras espécies, além de um cemitério indígena que está em uso. Foram também identificados pela CPT quatro andirobais nativos, quatro copaibais nativos e três castanhais nativos, sendo um grande e dois pequenos.
Ameaças à vida
Liderança indígena que questiona exploração de gás em Silves relata que vem sofrendo ameaças
Adrisa de Góes e Márcia Guimarães –Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) - A luta assumida pelo cacique Jonas Mura se tornou alvo de perseguição, insegurança e ameaças, segundo relatou a liderança indígena à CENARIUM. No ano passado, ele foi inserido no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH). Em uma das situações, teve que fugir de madrugada, porque foi avisado de que um grupo invadiria a casa onde estava.
“Tive que sair às 2 horas da madrugada, com escolta, com um sargento, mais o pessoal da Polícia Civil. São diversas situações”, disse o líder da Aldeia Gavião
Real I, que, juntamente com outros líderes comunitários, tem questionado junto a órgãos federais a concessão de licenças para a exploração do gás, sem o reconhecimento das populações tradicionais que habitam a região.
De acordo com Jonas Mura, as ameaças de morte começaram em 2016, quando os indígenas iniciaram a busca por sua identificação étnica e quando o empreendimento para a exploração do gás ainda estava em fase de estudos e testes. Em dezembro daquele ano, a liderança teve sua casa incendiada e perdeu todos os seus pertences.
“Um dia, quando a gente saiu para pescar, as minhas coisas todas estavam dentro da casa e eles [os autores] puseram fogo. Até hoje, a polícia nunca chamou para fazer uma investigação séria sobre essa questão, foi o que me chamou mais atenção. Queimou tudo, nós ficamos sem
nada, apenas com a roupa do corpo, eu, minha esposa e filhos. Nós tivemos que sair daqui para viver em meio a mais pessoas”, relata o cacique.
A reportagem teve acesso ao Boletim de Ocorrência (BO n.º 6680/2016), registrado na Delegacia de Itacoatiara e o caso também foi reportado à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Em uma das páginas do registro está anexada a foto com a seguinte frase, deixada pelos autores do crime: “O próximo é o Jonas”.
No BO, a liderança indígena cita famílias da região como pessoas que faziam ameaças. Na ata de reunião da Funai, consta o relato de que o caso não seria atendido na Delegacia de Itacoatiara, por ser de jurisdição de Silves e que a Delegacia de Silves não tinha “condições logísticas de atendimento”. Jonas Mura afirma que nunca chegou a ser comunicado sobre as investigações do caso.
O cacique Jonas Mura foi inserido no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH)DENÚNCIAS DOCUMENTADAS
As denúncias feitas por Jonas Mura foram documentadas no relatório da CPT, que também contém denúncias de ameaças mais recentes, ocorridas em 2023. No último dia 16 de agosto, dia da chegada da CPT à Aldeia Gavião Real I, “lideranças informaram que uma caminhonete branca, modelo Amarok, com funcionários da Eneva, havia acabado de sair da localidade” e que estavam à procura da
liderança indígena que está sob proteção do PPDDH.
Ainda segundo os relatos, “inclusive teriam tirado foto da casa do cacique, do barracão da aldeia e de outros lugares”.
A CPT foi informada que “as lideranças relataram ainda que não era a primeira vez que pessoas supostamente ligadas à Eneva estariam rondando a aldeia”.
No mesmo ano, em junho, outro relato de ameaça exposto por moradores da
comunidade foi incluído nos registros da CPT. Dessa vez, um jovem da localidade contou que, “no mês de junho deste ano [2023], teria visto uma picape branca e um carro cinza cheio de homens armados próximo ao ramal de acesso à aldeia”.
“Eu estava caçando quando ouvi o barulho dos carros e fui olhar mais de perto para ver quem era, foi quando vi dois carros parados a uns 100 metros do ramal, sentido pra quem sai da aldeia,
e três homens saindo dos carros engatilhando dois revólveres e uma arma grande, com lupa, que parecia ser uma espingarda. Um deles falou para o outro: o nome do cacique é Jonas Mura. É ele e mais aquela mulher e o marido, da outra comunidade. Vamos acabar com esse problema. Quero ver quem vai ter coragem pra falar alguma coisa”, disse o jovem, conforme trecho do relatório da CPT.
Em outra ocasião, em fevereiro de 2023, “quatro homens fortemente armados abordaram um carro oficial do Dsei Manaus [Distrito Sanitário Especial Indígena], dentro do ramal da comunidade”, perguntando pela liderança indígena. O cacique Jonas Mura teve conhecimento sobre esse fato porque foi informado pelas pessoas que estavam no carro do Dsei. Os homens estavam em uma picape, cuja placa não foi identificada, segundo a denúncia encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas, sendo registrada na Manifestação 20230040827. A liderança indígena concedeu à reportagem acesso às cópias de partes do documento do MPF onde estão registradas as denúncias de ameaça, incluindo o episódio da abordagem ao carro do Dsei.
O cacique Jonas Mura destacou, ainda, em entrevista à CENARIUM, que vem sendo acusado de tentar impedir o desenvolvimento econômico e social da região, ao fazer questionamentos à exploração do gás, e ressaltou que seu objetivo e o de outras lideranças é assegurar o reconhecimento dos indígenas.
“A única coisa que eu quero mesmo é que eles ouçam a nossa voz, que eles nos
reconheçam, que estamos ali há muito tempo. Ali é o nosso território. Ali é a nossa casa. Ali a gente tem lugar sagrado, tem lagos que a gente pesca. Que haja o empreendimento de uma forma respeitosa com a gente”, afirmou, acrescentando que é necessária também uma compensação pelos impactos ao meio ambiente.
APURAÇÃO DAS AMEAÇAS
“Um dia, quando a gente saiu para pescar, as minhas coisas todas estavam dentro da casa e eles [os autores] puseram fogo. Até hoje, a polícia nunca chamou para fazer uma investigação séria sobre essa questão”
Jonas Mura, liderança indígena.
Em setembro de 2023, a CENARIUM já havia noticiado o contexto de ameaças. Na ocasião, ao ser questionado sobre o recebimento de denúncias de ameaças citando pessoas ligadas à empresa Eneva, o MPF no Amazonas, por meio de sua assessoria de comunicação, já havia confirmado “o
recebimento das denúncias mencionadas”. Naquele mês, o MPF informou ainda que, “o órgão ministerial já acionou o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Amazonas e comunicou órgãos públicos sobre a situação”.
Também questionada se confirmava o recebimento da denúncia de ameaças de morte e quais medidas de proteção foram tomadas, a Funai informou, por meio da assessoria de comunicação, à época, que “recomendou ao órgão ambiental do Amazonas (Ipaam) a suspensão do curso do processo de licenciamento ambiental do empreendimento, até que seja devidamente regularizado o Componente Indígena, vez que as licenças foram emitidas sem a devida consulta ao órgão indigenista”.
REGISTROS FEDERAIS
O contexto de ameaças está registrado, além do relatório da CPT, em documentos do MPF, como a Recomendação Legal n.º 03/2023 5º Ofício/PR/AM, que cita em um dos seus trechos: “Considerando informações recebidas de lideranças indígenas e tradicionais, do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos do Amazonas (PPDDH/AM), bem como de outras fontes sobre ameaças contra a vida de lideranças na região de Silves/AM a partir das pressões originadas no contexto do empreendimento da empresa Eneva/ SA na região e das discussões referentes ao mesmo”.
Na recomendação, o MPF pediu o cancelamento de audiências públicas sobre projeto de ampliação do empreendimento
Relato de ameaça registrado em relatório do CPTaté que fosse elaborado o Estudo de Componente Indígena (ECI). As audiências foram realizadas.
Em outro documento, desta vez do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas (Ofício SEI n.º 2202/2023/MPI), com data de 21 de agosto de 2023, são citadas diversas situações de conflito com indígenas no Amazonas, como a exploração de potássio no município de Autazes, incluindo as que envolvem a extração de gás em Silves.
Ao identificar o assunto do ofício, o documento afirma: “Denúncia e solicitação de apoio. Contexto de ameaça e de perseguição de lideranças indígenas, defensoras e defensores de direitos humanos no Estado do Amazonas. Risco iminente de morte. Exploração mineral e garimpo em TI”.
O documento foi enviado à Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), com cópias para a Defensoria Nacional de Direitos Humanos (DNDH/DPU), MPF no Amazonas, Procuradoria da República no Estado do Amazonas (PR/AM), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e Comissão Pastoral da Terra no Amazonas (CPT/AM).
APURAÇÃO EM ANDAMENTO
A síntese do relatório, intitulada “Situação dos povos indígenas dos municípios
de Itapiranga e Silves, 11 a 19 de agosto de 2023”, segundo a CPT, traz informações registradas “in loco, a partir de relatos dos povos indígenas e tradicionais que habitam na região de Silves e Itapiranga, dos dados registrados no App UTM, Geo Map (aplicativos de mapeamento por satélite), de pesquisas em plataformas do Estado que disponibilizam acesso público aos seus conteúdos e fotografias tiradas do celular da Equipe CPT”.
Segundo a Pastoral da Terra, a íntegra do relatório não foi divulgada ainda por conter informações sensíveis, para preservar a segurança de pessoas envolvidas e para não prejudicar o andamento das apurações.
Ainda conforme a CPT, uma equipe da Prelazia de Itacoatiara, acompanhada de lideranças comunitárias de cada município, esteve na região para realizar levantamento cartográfico, étnico e cultural dos povos indígenas e tradicionais que habitam nas áreas rurais dos municípios citados.
“A missão teve como objetivo atender a um pedido urgente das lideranças indígenas, para ouvi-las sobre a crescente escalada de ameaças, violações de direitos e insegurança que estão sofrendo decorrente da exploração do gás pela empresa Eneva, e para ajudá-las a identificar o local onde vivem, nos autos da Ação Civil Pública / processo 102126913.2023.4.01.3200, que tramita na 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJAM
[Sessão Judiciária do Amazonas]. Por razão das notícias de ameaças, seguiu-se um protocolo rigoroso de segurança”, diz trecho do relatório.
A Ação Civil Pública é movida pela Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural (Aspac) e por representante da Associação do povo Mura, no intuito de garantir a consulta aos povos indígenas e tradicionais da região dos municípios de Silves e Itapiranga, além de assegurar a legalidade na execução do processo de licenciamento ambiental do empreendimento, com a elaboração também do Estudo de Componente Indígena (ECI).
A CPT Prelazia de Itacoatiara informou que enviou o relatório ao Ministério Público Federal do Amazonas (MPF), à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), para conhecimento e apuração das denúncias.
Veja o relatório Relato de ameaça registrado em denúncia ao MPFCrédito: Ricardo CAMPO DO AZULÃO ECONOMIA & SOCIEDADE
Oliveira
Retrato indígena
Relatório da Comissão Pastoral da Terra identificou comunidades Adrisa de Góes e Márcia Guimarães – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Os indígenas identificados no relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) pertencem aos povos Mura, Baré, Sateré-Mawé e Munduruku, vivem em Silves e Itapiranga, e estão distribuídos em diversas aldeias.
Criança indígena e papagaio na aldeia Gavião Real IO relatório da CPT informa ainda que as aldeias de Silves são atendidas pela Secretaria de Saúde Indígena – Distrito Sanitário Especial Indígena (Sesai/Dsei/Manaus), já os indígenas de Itapiranga, apesar de alguns deles terem o Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (Rani), não contam com essas políticas públicas.
“É importante frisar que há famílias e/ ou comunidades de indígenas nos dois municípios que ainda não foram mapeadas, apenas têm-se informações sobre a existência deles”, ressalta o relatório.
Segundo a CPT, as informações sobre os indígenas isolados, do povo Pariquis, serão encaminhadas aos órgãos específicos da esfera federal para as devidas e legais providências.
TERRA REIVINDICADA
Segundo o relatório da Comissão Pastoral da Terra, “atualmente, o povo Mura da Aldeia Gavião Real se encontra em processo de qualificação, sendo que a reivindicação deste território se deu há mais de oito anos. Não se teve informação do andamento do RCID [Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação]”.
No relatório, a equipe da CPT informa que teve acesso a dois documentos sobre o processo de qualificação do Território Gavião Real e que “estes comprovam, pelo menos, duas falhas do Estado – os documentos mostram a data da visita de reconhecimento dos povos indígenas, 06/08/2015, conforme declaração expedida pela Fundação Nacional do Índio Funai Coordenação Regional Manaus, e a data que o relatório da visita foi assinado, dia 05/07/2023”.
Ainda segundo o relatório, “os documentos também não deixam dúvidas que o Estado sabia da existência dos indígenas na região de Silves e que o licenciamento não cumpriu as exigências e orientações legais, pois não houve sequer um diálogo, quanto mais a Consulta Prévia, Livre e Informada da Convenção OIT [Organização Internacional do Trabalho] 169”.
PRESSÕES E FAVORECIMENTO
À equipe da CPT, conforme o relatório, foram “relatadas inúmeras ocorrências de ameaças e de tratamentos discriminatórios
cometidos por vereadores e funcionários da Prefeitura [de Silves] e da Eneva que os indígenas sofrem nas repartições públicas local, nas ruas e dentro das aldeias”.
O relatório cita ainda que em duas audiências públicas sobre o empreendimento da Eneva em que a CPT participou acompanhando as lideranças uma servidora do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) enfatizou “que não existe Terra Indígena em Silves e que não há comunidades indígenas impactadas pela exploração do gás”. Para os indígenas, aponta o relatório, o comportamento da servidora pública é um indicativo de que o Ipaam possa estar atuando de forma parcial e em benefício dos interesses da empresa. “Até no documento da Eneva os dados sobre a população indígena são falsos”, destacou uma liderança no relatório da CPT.
Ainda conforme o relatório, “em todas as aldeias visitadas ouviram-se relatos que os indígenas e camponeses tradicionais já estão tendo problemas emocionais, e que um dos fatores causadores poderia ser a pressão psicológica que eles estão sofrendo”.
Em seu relatório, a CPT ressalta que mantém contato diário com as lideranças indígenas e tradicionais das regiões impactadas pela exploração do gás nos
municípios de Itacoatiara, Itapiranga e Silves. Conforme as informações colhidas nas comunidades, segundo descrito no relatório, “há um possível favorecimento e apoio do Poder Público (Ipaam, Comissão de Geodiversidade, Recursos Hídricos, Minas, Gás, Energia e Saneamento da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, na pessoa do Dep. Sinésio Campos, de vereadores e da prefeitura do município de Silves) ao projeto da empresa Eneva para explorar gás e óleo no Amazonas”.
RECOMENDAÇÃO DA FUNAI
A CPT ressalta que a Funai recomendou a suspensão do curso do processo de licenciamento ambiental das atividades de exploração de gás do Campo da Azulão (Ofício n.º 1705/2023/DPDS/Funai), devido aos relatos de possíveis impactos às comunidades indígenas da região.
A CPT também salienta que não identificou no Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da implantação do projeto o número da população indígena, e que no Estudo de Impacto Ambiental do Projeto de Produção e Escoamento de Hidrocarbonetos do Complexo de Azulão e adjacências, Bacia do Amazonas, datado em março de 2023, a Eneva utilizou dados desatualizados sobre a população atual dos indígenas dos municípios de Silves e Itapiranga.
Menino indígena em canoaMPF quer suspensão
Ministério Público Federal do Amazonas pediu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região a suspensão imediata dos processos de licenciamento ambiental do Ipaam que envolvem a Eneva e que o Ibama assuma futuros pedidos de licenciamento
Adrisa de Góes e Márcia Guimarães –Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Procurado pela REVISTA CENARIUM para esta reportagem em dezembro de 2023, o Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas não se pronunciou sobre as ameaças de morte contra os indígenas na região. À época, o órgão informou que tentava, na Justiça, a suspensão das licenças ambientais emitidas pelo Governo do Estado.
Em fevereiro deste ano, o órgão pediu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região que os futuros licenciamentos ambientais relacionados à exploração de petróleo e gás sejam realizados somente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na região do Complexo do Azulão.
O MPF solicitou também a suspensão imediata de todos os processos de licenciamento ambiental do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) que
envolvem a Eneva. A petição ainda pede a revogação da exploração dos poços de gás e petróleo em áreas que estejam localizadas nos territórios indígenas, extrativistas e de povos isolados impactados pelo empreendimento, apontadas no relatório da CPT.
“Fica claro que o empreendimento afeta comunidades em terras indígenas, mesmo ainda não homologadas, e territórios tradicionais, o que faz com que o Ibama seja o órgão competente para a realização do licenciamento”.
Trecho da manifestação do Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas.
As solicitações foram realizadas após inquérito conduzido pelo MPF sobre os possíveis impactos a povos indígenas e comunidades tradicionais resultantes da exploração de petróleo e gás na Bacia do Amazonas e também sobre a criação da
Indígenas junto a poço de exploração da EnevaReserva de Desenvolvimento Sustentável Saracá-Piranga, que fica localizada na mesma área onde a termelétrica pretende ser instalada, juntamente com o complexo do Azulão.
Caso os pedidos de urgência não sejam atendidos pela Justiça, o MPF pede que o Ipaam fique impedido de expedir qualquer licença ambiental no complexo do Azulão e que os órgãos fiscalizadores (Ipaam e Ibama) não emitam qualquer licença de atividade local sem a consulta prévia aos povos indígenas e extrativistas da região, conforme está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), além da realização do Estudo de Componente Indígena (EIC) pela Funai e os estudos dos povos isolados da região.
O MPF ressalta, ainda, que a empresa Eneva e o Ipaam ignoraram a presença de terras indígenas em processo de demarcação no licenciamento ambiental para a Usina Termelétrica Azulão na Bacia do Amazonas. A instituição destaca ainda que a região é coberta por um Acordo de Pesca com o Ibama, estratégia que restringe a atividade na região. Considerando isso, a atividade de exploração de gás, segundo o MPF, compromete ainda a segurança alimentar das comunidades.
Em nota sobre o pedido do MPF, a Eneva utilizou informações do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Funai para rebater a tese acatada pela Justiça Federal, que tem como base o relatório da Comissão Pastoral da Terra.
“É importante destacar que, de acordo com as bases oficiais da Funai e Incra, que regulamentam a definição no Brasil, não foram identificadas comunidades tradicionais indígenas e/ou quilombolas na área do Campo de Azulão. Dessa forma, não há o que se falar de ausência de estudos indígenas ou quilombolas, pois não há previsão legal para tal”, ressaltou a empresa.
IPAAM NEGA IRREGULARIDADES
Procurado pela reportagem, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) enviou nota e refutou qualquer favorecimento à Eneva e afirmou que o licenciamento ambiental da empresa em
Silves e Itapiranga segue as diretrizes da legislação ambiental vigente.
“Não procede qualquer alegação de parcialidade quanto ao trabalho do órgão ambiental, tendo em vista que o Ipaam segue o que tem determinado na legislação atual”, afirma a nota.
O órgão destacou que não há terras indígenas demarcadas na região do empreendimento, tornando desnecessária, até o momento, a revisão das licenças concedidas. O instituto ainda reforça que a empresa Eneva atende aos requisitos ambientais estabelecidos, respeitando as normativas em vigor.
A reportagem também tentou contato com o deputado estadual Sinésio Campos e o prefeito de Silves, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
PROTEÇÃO POLICIAL
Com relação à segurança e direitos dos povos indígenas na região, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) confirmou ter recebido denúncias, incluindo ameaças de morte, e informou ter aberto um processo para acompanhar as investigações. Em nota enviada à CENARIUM, o órgão federal afirma que houve uma reunião inicial
com a Articulação dos Povos Indígenas da Amazônia (Apiam), em resposta a uma carta escrita pela associação.
Em relação ao relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que recomendou ação urgente sobre povos isolados, o MPI afirmou que contactou a Funai para alinhamento com o Departamento de Proteção Territorial e de Povos Isolados e de Recente Contato.
No que diz respeito ao processo de licenciamento ambiental e consulta aos povos indígenas, o MPI disse que participa do processo e disse ter solicitado ao Ipaam o cancelamento de audiências públicas da Eneva até a visibilização adequada dos indígenas no procedimento. A Fundação recomendou a suspensão do processo de licenciamento ambiental, devido à ausência de consulta adequada aos órgãos indigenistas, o que, no entanto, não ocorreu.
Quanto à qualificação para o reconhecimento de território indígena em Silves, o MPI informou estar ciente do processo, mas determinou que os detalhes atuais sejam fornecidos pela Funai. Procurada, a Fundação não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre o assunto, até o fechamento desta reportagem.
Imagem aérea de área implantada pela Eneva para exploração de gásCAMPO DO AZULÃO
ECONOMIA & SOCIEDADE
Procurada pela reportagem, a Eneva se manifestou por meio de nota e informou que desconhece denúncias envolvendo colaboradores do Complexo do Azulão
Adrisa de Góes e Márcia Guimarães – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Procurada pela reportagem, a Eneva informou, em nota, que não tem conhecimento de denúncias envolvendo seus colaboradores no Complexo Azulão e informou que tem atuação “transparente” e “em conformidade com a legislação ambiental”. A empresa informou ainda que repudia práticas violentas e afirmou que mantém diálogo pacífico com as comunidades, e que tem compromisso com o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental.
Quanto ao licenciamento para a exploração de gás no Complexo do Azulão, a Eneva comunicou que o processo atende aos requisitos previstos em lei e afirmou que o modelo atual não requer consulta prévia a comunidades indígenas ou quilombolas na área de influência direta do empreendimento. A companhia afirmou ainda que seus estudos prévios não constataram impactos a comunidades indígenas.
Posicionamento na íntegra:
A Eneva desconhece a existência de denúncia a respeito de seus colaboradores, contratados e subcontratados e esclarece que atua com total transparência em todas as fases de implantação do Complexo Azulão e com irrestrito respeito à legislação ambiental vigente. A empresa repudia toda e qualquer prática violenta, seja de funcionários diretos, indiretos e/ou fornecedores. Valorizamos as regiões em que estamos presentes e mantemos um diálogo transparente e pacífico com as comunidades locais. Temos um processo periódico de comunicação com os representantes locais, marcado pela abordagem totalmente pacífica e sem nunca ter identificado incidente de qualquer natureza.
A Eneva ainda destaca que todos os processos de licenciamentos de seus empreendimentos na Amazônia cumprem rigorosamente as leis e os regulamentos. Eles permitem contribuir com o desenvolvimento, com a inegociável preservação da vida e do meio ambiente, com a geração de empregos e oportunidades e com o alinhamento às novas matrizes econômicas para a região. Vale ressaltar que a empresa comprou o Campo de Azulão da Petrobras em 2017, tendo iniciado as contratações de funcionários a partir de 2018.
Cumpridos, portanto, todos os requisitos legais no referido Campo de Azulão, é importante informar que o gás produzido na unidade de Silves abastece hoje mais de 50% de toda a energia consumida no vizinho Estado de Roraima. Todas as etapas do processo de licenciamento ambiental, reiteramos, estão ocorrendo conforme estabelecido na legislação. A Eneva apresentou o EIA/Rima dentro do prazo exigido. O documento está disponível para consulta no site do Ipaam (http://www.ipaam. am.gov.br/eneva-rima-silves-e-itapiranga/).
Para esse licenciamento não é exigida realização de consulta prévia a comunidades tradicionais indígenas ou quilombolas, bem como não há identificação de indígenas e quilombolas na área de influência direta do empreendimento, num raio de 30 quilômetros. Os estudos técnicos realizados não identificaram impactos ambientais sobre as terras indígenas demarcadas ou em fase de demarcação e nem sobre as Unidades de Conservação. Também não há impactos ambientais interestaduais.
Maior operadora privada de gás natural onshore do Brasil e empresa integrada de energia, a Eneva segue as melhores práticas de governança, está listada no Novo Mercado da B3 desde 2007 e integra a carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3), sendo listada entre as companhias com o melhor desempenho em práticas de sustentabilidade em suas operações. A companhia é signatária do Pacto Global das Nações Unidas (ONU).
Complexo do Azulão: em nota, a Eneva informou que tem atuação “transparente” e “em conformidade com a legislação ambiental”
Menos escolas e mais igrejas
Região Norte é líder em templos religiosos, aponta pesquisa do IBGE
Ricardo Chaves – Da Agência Cenarium
MANAUS (AM) – Na Região Norte há mais templos religiosos do que escolas ou hospitais. A informação consta em dados do Censo Demográfico 2022 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado no dia 2 de fevereiro deste ano.
É a primeira vez que o órgão capta esse dado para os domicílios do País.
O Pará lidera o ranking na região, com 37.758 estabelecimentos religiosos, enquanto que o número de unidades escolares fica em 14.150 e de saúde, 1.927. Se somar a quantidade de instituições escolares e centros de saúde (16.077), é possível identificar que o número de igrejas é 134% maior.
Em segundo lugar no levantamento do IBGE aparece o Amazonas, com 19.134 igrejas, 7.052 escolas e 2.738 centros
hospitalares. O número de templos de prática religiosa chega a ser 95% maior em relação à soma.
Completam o ranking os Estados de Rondônia (7.670), Tocantins (5.151), Acre (4.600), Amapá (3.187) e Roraima (2.150).
INFLUÊNCIA NA POLÍTICA
Para o doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e sociólogo Israel Pinheiro, os números expressam como os grupos influenciados pela religião estão definindo as pautas políticas na última década, em conjunto com o setor do agronegócio.
Culto religioso“Justamente, são esses grupos que estão definindo as pautas políticas nos últimos 10, 15 anos. É um indicativo de que a tendência é que se tenha, cada vez mais, estruturas que garantam que essa política funcione dessa maneira”, diz o pesquisador.
O doutor em Sociedade e Cultura refere-se aos últimos anos em que esses setores se movimentaram para viabilizar uma agenda contra direitos individuais, como a questão da diversidade sexual e a identificação de gênero que atacam, também, direitos sociais, como a questão ambiental.
“Não à toa, temos dificuldade para atingir metas de emissão de carbono, de proteção e conservação da Amazônia. Tudo isso tem a ver também com esse conjunto de forças da sociedade que se mobiliza em uma direção. Vamos ter muita dificuldade no futuro com isso”, afirma o sociólogo.
“São esses grupos que estão definindo as pautas políticas nos últimos 10, 15 anos. É um indicativo de que a tendência é que se tenha, cada vez mais, estruturas que garantam que essa política funcione dessa maneira”
Israel Pinheiro, doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e sociólogo.
CRESCIMENTO OSTENSIVO
A AGÊNCIA CENARIUM mostrou, em janeiro deste ano, o crescimento, principalmente, de grupos pentecostais e neopentecostais e como eles vêm ganhando adeptos em todo o País. Um movimento tem chamado a atenção: o de utilizar em seus cultos referências historicamente ligadas às religiões de matriz africana.
Uma nota técnica intitulada “Crescimento dos Estabelecimentos Evangélicos no Brasil nas Últimas Décadas”, publi-
cada no fim do ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela um expressivo crescimento desse grupo nos últimos 20 anos.
Entre os 124.529 estabelecimentos existentes no País, em 2021, 52% são de evangélicos pentecostais ou neopentecostais, liderando o resultado, seguidos por 19% de evangélicos tradicionais e 11% de católicos. Entre os evangélicos pentecostais, a Assembleia de Deus é a que possui o maior número de estabelecimentos, 14%.
Povo Yanomami faz cobranças a Lula
Indígenas cobram ações efetivas do governo federal, após aumento de garimpo
Adrião Galvão – Da Revista Cenarium
BOA VISTA (RR) – Apesar dos esforços do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para frear a emergência em saúde pública na Terra Indígena Yanomami (TI-Y), o garimpo ilegal devastou 7% do território em 2023 e os indígenas que sobrevivem no local cobram medidas efetivas.
A área destruída pela mineração já acumula 5.432 hectares, como aponta a nota técnica divulgada em 26 de janeiro deste ano pelo Instituto Socioambiental (ISA), Hutukara Associação Yanomami, Urihi Associação Yanomami, Associação Wanassedume Ye’kwana e Greenpeace.
O documento revela a redução de áreas degradadas pelo garimpo, se comparada aos quatro últimos anos, quando as taxas de crescimento foram de 42% (2018-2019), 30% (2019-2020), 43% (2020-2021), 54% (2021-2022), mas também faz ligação da insistente presença dos garimpeiros na Terra Indígena, com a morosidade e insu-
ficiência das ações do governo federal para combater a atividade ilegal na região, após um ano da crise humanitária no território.
Em entrevista à REVISTA CENARIUM, o presidente da Associação Urihi Yanomami, Junior Hekurari, ressaltou que o governo sabia que seria cobrado por suas promessas em relação aos Yanomami, mas não se mobilizou o suficiente.
“Imaginamos que o governo federal não tenha fracassado intencionalmente, porém, para se entender uma realidade como a da população Yanomami, é preciso estar próximo e buscar maneiras efetivas, principalmente com relação ao combate
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita à Casai, em Boa Vista (RR), em 2023do garimpo ilegal. Esperamos que as ações que foram colocadas em papéis, sejam, de fato, postas em prática. Que mais postos de saúde sejam construídos, e que seja reavaliado como serão realizadas as ações de saúde nos pontos mais cruciais”, completou o presidente.
Apesar das denúncias ao longo de 2023, o governo federal ainda não apresentou um novo plano para a extrusão dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami. O prazo dado por Lula para a retirada total dos garimpeiros era de nove meses (Fase 01 – 90 dias; Fase 2 – 180 dias), mas, claramente, não foi cumprido.
“Os dados demonstram que embora o atual governo tenha se mobilizado para combater o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) em 2023, os esforços foram insuficientes para neutralizar a atividade na sua totalidade […] O que se verificou ao longo de 2023 é que, ainda que em menor escala, o garimpo permanece produzindo efeitos altamente nocivos para o bem-estar da população Yanomami”, diz o relatório.
De acordo com a nota, foi registrado o desmatamento associado ao garimpo em 21 das 37 regiões Yanomami, sendo elas: Alto Catrimani, Alto Mucajaí, Apiaú, Arathau (Parima), Auaris, Balawau, Demini, Ericó, Hakoma, Homoxi, Kayanau (Papiu), Maturacá, Missão Catrimani, Palimiu, Papiu (Maloca Papiu), Parafuri, Surucucus, Uraricoera, Waikás, Waputha e Xitei. Em pelo menos 13 das 21 regiões, foi confirmada a presença garimpeira.
Um monitoramento do Greenpeace Brasil mostra que o garimpo não só se manteve ativo durante todo o ano de 2023, como cresceu a partir do mês de agosto, quando as Forças Armadas protagonizaram as operações de desintrusão na Terra Yanomami.
“Se no primeiro semestre, o conjunto de operações e medidas de controle de acesso ao território contribuiu para a saída de boa parte dos invasores (estima-se que algo em torno de 70% a 80% do contingente de 2022), no segundo semestre, com o relaxamento das ações de repressão, especialmente depois que as Forças Armadas assumiram um maior protagonismo nas operações, observou-se a reativação e a
intensificação da exploração em diversas zonas”, divulga o documento.
FORÇAS ARMADAS
Com base na denúncia das comunidades Yanomami, a nota técnica relata também as estratégias utilizadas pelos grupos criminosos para burlar a fiscalização, como a resistência armada às operações de fiscalização, operações no período noturno e a mudança de alguns centros de distribuição da logística para focos de garimpo situados em território venezuelano, a exemplo das regiões Alto Orinoco, Shimada Ocho, Alto Caura e Santa Elena, além do uso de novas tecnologias de comunicação com o intuito de antecipar operações e a reativação de canteiros mais distantes dos grandes rios.
“Nas imagens do mosaico Planet de julho de 2023 foi identificada, por exemplo, a abertura de uma nova pista clandestina na região, nas coordenadas -63,3477; 2,3507, distante 3 quilômetros do limite internacional e a pouco mais de 4 quilômetros de grandes cicatrizes de garimpo em território venezuelano. No país vizinho, nesta zona, também se observou a construção de uma nova pista de pouso de quase 500 metros, que era inexistente até março de 2023”, cita o documento.
No relatório, a Associação Hutukara Yanomami denuncia também a intensificação no trânsito de garimpeiros nas regiões do Rio Couto de Magalhães, Rio Mucajaí e Uraricoera, devido ao “afrouxamento” das operações no segundo semestre, que inclui a “morosidade do Estado” para reativar e equipar as bases de proteção.
No Rio Uraricoera, o terceiro mais devastado pelo garimpo em 2023, houve a reativação de duas pistas de pouso desativadas no primeiro semestre de 2023, a Mucuim e a Espadinha. As organizações apontam uma média diária de três aeronaves na pista Mucuim, por volta das 6h, com objetivo de se esquivar de eventuais fiscalizações.
“A barreira improvisada na altura da região do Palimiu também não tem sido eficaz para controlar o acesso de invasores ao território. De acordo com as lideranças locais, diariamente, antes de amanhecer (entre 4h30 e 6h) a comunidade é acordada pelo barulho dos motores de alta
Viver com medo
Os depoimentos na nota técnica relatam o sentimento de “medo e terror permanente entre as famílias”. A Associação Yanomami, presidida por Davi Kopenawa, detalha a aflição de um morador da comunidade Palimiu, local frequentemente atacado por garimpeiros.
“Meus filhos estão com medo. Eles atrapalham nosso sono, tenho medo de que eles venham atirar na gente, por isso eu não durmo direito. Nós vivemos bem na beira do rio, por isso quando eles passam eu fico com muito medo. Quero poder dormir com silêncio. Aqui no “centro” eles também não dormem bem. Vocês viram? Hoje passaram cinco barcos de manhã. Nós queremos que vocês tragam o silêncio de volta para nossa floresta”, desabafou.
“Imaginamos que o governo federal não tenha fracassado intencionalmente. Porém, para se entender uma realidade como a da população Yanomami, é preciso estar próximo e buscar maneiras efetivas”
Junior Hekurari, presidente da Associação Urihi Yanomami.
Malária
A malária entre os Yanomami também apresentou um aumento significativo de 84,2%. Foram 25.204 casos registrados no ano passado, enquanto em 2022 foram 15.561, correspondente a 77%. Atualmente, o território Yanomami tem a presença de 31.007 indígenas, distribuídos em 376 comunidades. Ao todo, 60,7% dos indígenas têm abaixo de 20 anos.
A ampliação da cobertura vacinal em crianças menores de 1 ano, e de 1 a 4 anos, a disponibilização de concentradores de oxigênio e nebulizadores nas Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSIs), a disponibilização de kits de higiene para os pacientes e o reforço da Vigilância Nutricional para reduzir a mortalidade infantil são algumas das soluções apresentadas pelas associações Yanomami ao governo federal para o enfrentamento da emergência sanitária na população.
potência transitando pelo rio, furando o “bloqueio”. O que demonstra que o bloqueio não possui equipes sentinelas em caráter permanente, e a equipe instalada no local não tem realizado abordagens de maneira compulsória”, explicita o documento.
A Hutukara também aponta no relatório a redução de 70% do efetivo do Exército Brasileiro na base de proteção da Funai: “Observou-se que, além do efetivo do Exército Brasileiro que contava com, aproximadamente, 15 pessoas – efetivo reduzido em pelo menos 70% (tendo em vista que este bloqueio já contou com pelo menos 50 militares), ocupavam a base da Funai no local: 04 agentes da Força Nacional de Segurança, com a prerrogativa de fazer a segurança das equipes de saúde; 02 agentes da Polícia Federal, atuando como polícia judiciária no encaminhamento de pessoas detidas pela fiscalização; 04 servidores da Funai, tratando-se de dois agentes e dois cozinheiros/serventes; e nenhum servidor do Ibama”.
SERVIÇOS DE SAÚDE
A crise humanitária e de saúde no maior território indígena do País, com quase 10
Grupo de mulheres Yanomami na região da base de Surucucumilhões de hectares, foi decretada em 20 de janeiro de 2023 pelo governo federal para combater a desnutrição, malária e avanço do garimpo na região. À época, o local já era ocupado por cerca de 20 mil garimpeiros. A mineração ilegal na Terra Yanomami é apontada ainda como principal causa de doenças e mortes entre indígenas.
A persistência dos núcleos de exploração do garimpo no território Yanomami é apontada no relatório como principal impedimento para a retomada às ações de promoção e prevenção em saúde nas comunidades mais vulneráveis. Devido ao clima de insegurança e conflito nas zonas de mineração ilegal, os profissionais de saúde acabam evitando realizar visitas em muitas aldeias, o que implica na realização de ações fundamentais de atenção básica, como vacinação, busca ativa de malária e pré-natal.
Garimpo no Rio Uraricoera em janeiro de 2022
Ações permanentes
No dia 10 de janeiro, o presidente da Urihi Associação Yanomami, Junior Hekurari, esteve na região de Auaris, na Terra Yanomami com a comitiva do governo federal composta pelas ministras Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas; Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima; o ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos; a presidente da Fundação dos Povos Indígenas, Joenia Wapichana; e o secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba.
Foi anunciada a permanência das medidas de proteção das comunidades Yanomami e o pontapé para a criação da Casa de Governo, que vai coordenar, a partir de Boa Vista, as políticas públicas voltadas para população da etnia.
Na oportunidade, também foi anunciado pelos ministros o investimento de R$ 1,2 bilhão em 2024 para ações de saúde e assistência social, entre outras, direcionadas aos indígenas Yanomami. Hekurari espera que “as ações que foram colocadas em papéis, sejam, de fato, postas em prática”.
“Que mais postos de saúde sejam construídos, e que seja reavaliado como serão realizadas as ações de saúde nos pontos mais cruciais. Quanto ao garimpo, que as bases sejam erguidas e o monitoramento seja contínuo, principalmente nos locais que são pontos de entrada para os invasores. Temos esperança, e continuaremos lutando pela proteção da nossa floresta”, completou o presidente.
Crédito: Divulgação Isa
A falta de cuidados de atenção básica também é apontada como um dos fatores relacionados à baixa resistência imunológica da população Yanomami. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde apontam que, em 2023, ao menos 308 indígenas da etnia morreram em decorrência de doenças tratáveis. Uma queda tímida de apenas 10%, se comparado aos 343 óbitos registrados em 2022.
Entre as mortes registradas entre janeiro e novembro do ano passado 175 são de crianças, entre zero e nove anos. 104 são de bebês com menos de um ano. A maioria dos óbitos foi causada por doenças respiratórias como a gripe e pneumonia, doenças infecciosas e parasitárias, endócrinas, nutricionais e metabólicas. Além das causas externas de morbidade e mortalidade.
“Obviamente, a manutenção de um alto número de mortes (308 até novembro de 2023), não se explica apenas por esta razão, houve também importantes falhas na execução das ações de saúde, como o baixo investimento nas infraestruturas de saúde no território, o déficit de recursos humanos, e equívocos de planejamento, mas os efeitos deletérios do garimpo não podem ser subestimados. A falta de estruturação na Saúde Yanomami, com efeito, abre brechas para a
Crédito: Greenpeace Brasil
utilização do próprio sistema como violador de direitos humanos”, ressalta o documento assinado pelas associações Yanomami.
Dados coletados entre janeiro e novembro do ano passado pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami
Pista clandestina no Alto Catrimani, Terra Indígena Yanomami
(D-SEI-Y) mostram o salto gigantesco de 3.303 para 20.524 casos de síndromes gripais entre a população originária. Já as notificações de síndrome respiratória aguda grave subiram de 2.478, em 2022, para 5.598 em 2023.
Estado Brasileiro violou direitos humanos
No balanço divulgado, as organizações afirmam que o Brasil violou os direitos humanos do povo Yanomami ao descumprir as ordens determinadas pela justiça. Em 2017, uma ação civil pública (1000551-12-2017.4.01.4200) determinou que o Estado Brasileiro implementasse Bases de Proteção Etnoambiental da Funai em Mucajaí, Médio Uraricoera e Serra da Estrutura. Já outra ação de 2020 (100197317.2020.4.01.4200) determinou a extrusão dos garimpeiros ilegais.
Já em julho de 2022, a Corte Interamericana de Direitos Humanos também determinou que o Brasil adotasse medidas para a proteção da vida dos Yanomami e Ye’kwana “em face de extrema gravidade e urgência, além de perigo de dano irreparável”. Novamente em dezembro de 2023, a Corte internacional exigiu, após
uma visita no Território Yanomami, a continuidade das medidas provisórias em face da violação contínua e ainda existente.
Nas considerações finais, a nota técnica apresenta quais medidas devem ser tomadas para as próximas etapas de enfrentamento da crise humanitária dos Yanomami. Entre elas, a retomada urgente de operações de desintrusão de garimpeiros no Território; o fortalecimento e a articulação entre as ações setoriais e planejar o desenvolvimento das ações de maneira integrada, através de uma coordenação operacional e intersetorial da emergência Yanomami e a criação de uma força-tarefa para o controle da malária na TI-Y.
Os Yanomami também pedem que o governo brasileiro elabore um Plano de Proteção Territorial, que considere
soluções para reduzir a vulnerabilidade das calhas de rio que dão acesso à TI-Y; promova o bloqueio fluvial e controle do espaço aéreo da TI-Y. Além de ampliar a rotina de patrulhamento nos rios em caráter no mínimo mensal e capacitar indígenas para o envolvimento nas ações de vigilância.
A criação de uma força-tarefa para o controle da malária, o estímulo ao desarmamento voluntário nas regiões vulneráveis e o monitoramento remoto contínuo da Terra Yanomami são outras recomendações contidas na nota técnica, junto à construção de um cronograma de ações de neutralização do garimpo, apoio emergencial, promoção à saúde, reocupação das UBSIs, com apoio de forças de segurança e desenvolvimento de atividades de recuperação socioeconômica das comunidades.
Relato de morador da Comunidade Yanomami Korekorema
“O garimpo é como a leishmaniose. Se você tira tudo, volta a curar, mas, se você não usar remédio, a doença só aumenta. É assim. Eles se espalham”
“Perto da minha comunidade (Korekorema) tem quatro acampamentos dos garimpeiros. Eles são muitos, trabalhando com muitas máquinas, já fizeram um buraco muito grande perto da nossa casa. Eles são muitos. O buraco que eles fizeram já está muito fundo. O garimpo é como a leishmaniose. Se você tira tudo volta a curar, mas, se você não usar remédio, a doença só aumenta. É assim. Eles se espalham.
Como é que nós vamos viver? Acho que todos nós vamos morrer. Não tem nenhuma segurança na nossa comunidade. Estamos sozinhos, vivemos pensando que os garimpeiros vão vir nos atacar. Temos muito medo. Isso não é certo. Eles estão muito perto da nossa casa. Nós não temos como correr para fugir, não temos nosso motor. Se eles vierem nos atacar, vamos todos morrer. Nós estamos sem comuni-
cação lá. Se acontecer alguma coisa, como vamos pedir ajuda?
Eles já estão acabando com a nossa água. Não tem mais peixes. Nós procuramos comida, mas não achamos. Os garimpeiros nos expulsam da nossa própria terra. Eles pensam que nós vamos levar a polícia para lá, então eles nos ameaçam. Por isso nós fugimos, nós temos medo. Todas as minhas crianças estão doentes, tem mais de 15 crianças com malária na minha casa.
A saúde não faz missão lá. Tem mais de um mês que ninguém vai lá fazer atendimento. Queremos que a equipe de saúde fique lá. Nós queremos o Exército e a saúde. Se tiver segurança para a saúde, eles podem nos curar, mas eles têm medo de ir até lá. Já que não tem polícia, os garimpeiros aumentam. Nós queremos mostrar onde estão os garimpeiros.
Mas a polícia não vai na nossa casa. Como vamos fazer? Estamos sofrendo muito lá. Sem ajuda dos napë. Eles querem nos matar, mas a gente ainda está firme, não queremos fugir. Talvez eles vão nos
atacar, por isso meus jovens vivem com suas flechas na mão, eles têm medo. Isso tudo é verdade, você tem que levar essas minhas palavras, porque são verdade.
Nós queremos poder viver tranquilamente. Estamos ainda esperando por isso. Será que eles vão nos responder? Vão ouvir nossas palavras? Nós queremos nossa terra livre de garimpeiros. Eu tenho muitos filhos, muitas crianças. Por causa delas eu vivo preocupado, por isso eu vim entregar minhas palavras para vocês. Eu vivo ensinando meus filhos a fugirem e se esconderem.
Nós não dormimos em paz. Vocês têm que entregar minhas palavras para as autoridades. Tem que mostrar para eles a situação do Korekorema. Nós ouvimos o barulho das máquinas. Eu não aguento mais isso. Se minhas crianças morrerem doentes, nós pensamos que vamos ter que brigar com os garimpeiros. Para vingar nossas crianças. É isso que eu vim dizer”.
O autor do relato não foi identificado por questões de segurança.
Carne com devastação
Controle de desmatamento é baixo em frigoríficos de Mato Grosso, revela pesquisa
Davi Vittorazzi – Da Revista Cenarium
CUIABÁ (MT) – Trinta dos 33 frigoríficos em Mato Grosso apresentam controle de desmatamento considerado muito baixo. Os dados, referentes ao ano de 2023, são do Radar Verde, indicador do Instituto O Mundo Que Queremos (IOMQQ) e do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
As empresas analisadas possuem registros de Serviço de Inspeção Estadual (SIE) e de Serviço de Inspeção Federal (SIF) e atuam na Amazônia Legal. A região concentra 43% do rebanho bovino de todo o País, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre os frigoríficos localizados em Mato Grosso, apenas a Marfrig Global Foods foi classificada com grau de controle intermediário. Já as empresas JBS/ SA e Minerva foram consideradas com grau de controle baixo. Todas as outras empresas consultadas tiveram a pior nota do indicador.
Para avaliar essas empresas, o Radar Verde verifica o grau de exposição dos frigoríficos ao risco do desmatamento, grau de controle da cadeia e o grau de transparência pública. Com isso, se vê a extensão da área sob risco de desmatamento nas zonas fornecedoras de gado para os frigoríficos e se mede a disponibilidade de informação pública sobre políticas dos frigoríficos contra o desmatamento.
Gados em área de pastoDesmatamento na Amazônia Legal
Conforme os dados do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Mato Grosso teve o incremento de 1.918,37 quilômetros quadrados de área desmatada na Amazônia Legal, apenas em 2023.
De 2008, quando se começaram os registros, até 2023, segundo o Prodes, o ranking acumulado de desmatamento na Amazônia Legal por Estado é o seguinte:
52.366,90
Fonte: Prodes/Inpe.
Crédito: Composição de Paulo Dutra Revista Cenarium
Internet insegura: Pará entre os campeões
Estado é um dos líderes em ranking nacional de crimes cibernéticos
Yuri Siqueira – Da Revista Cenarium
BELÉM (PA) – O Estado do Pará enfrentou um aumento significativo nas ocorrências de crimes cibernéticos em 2023. Segundo dados fornecidos pela Polícia Civil do Pará (PC-PA), o Estado registrou uma média de 7,1 ocorrências de crimes cibernéticos por dia, totalizando 2.600 casos ao longo do ano.
Esse número reflete uma tendência que está se tornando cada vez mais evidente
no cenário da segurança digital em todo o País. Os crimes cibernéticos abrangem uma variedade de atividades ilícitas, desde fraudes financeiras até invasões de privacidade e crimes contra a honra.
O residente de Belém, capital do Pará, Marcos Moura, é servidor público e já foi duas vezes vítima de crimes cibernéticos, com clonagem de cartão de crédito e fraude em aplicativos de mensagens instantâneas, ao tentar comprar online.
“Se algo parece estranho ou muito bom para ser verdade na internet, é melhor não arriscar. Botões superatrativos, promoções imperdíveis, venda de produtos muito abaixo de preço de mercado são iscas muito utilizadas”
Vanessa Lee, delegada titular da Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos.
“Fui fazer uma compra online com meu cartão de crédito em um site, coloquei meus dados, fiz a compra. Dois dias depois, recebi uma mensagem de texto confirmando uma outra compra de um eletrodoméstico de R$400,00. Nessa hora eu estava em casa, não estava comprando nada. Foi aí que entendi que meu cartão tinha sido clonado”, comentou.
Marcos relatou que precisou bloquear seu cartão de crédito e registrar boletim de ocorrência para assegurar que estava sendo vítima de um crime cibernético. A segunda ocasião em que o servidor público foi novamente vítima de crime pela internet foi ao tentar comprar um aparelho celular, em um site de compra e venda.
“Vi o anúncio do celular em um site de compra e entrei em contato com o número que estava lá. Me tiraram todas as dúvidas do celular, me passaram muita confiança e aí eu confirmei que ia comprar, foi quando a pessoa que estava falando comigo marcou de me encontrar em um shopping, mas antes pediu metade do valor do celular para garantir a venda. Mandei o pix. Cheguei no shopping e não encontrei ninguém, olhei no WhatsApp e tinha sido bloqueado pelo suposto vendedor. Foi
quando entendi que esse adiantamento era uma enganação”, detalhou Marcos.
De acordo com levantamento realizado pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), que considera os dados gerais do mercado, o faturamento das vendas online no País alcançou a marca de R$ 80,4 bilhões em 2023. O valor representa aumento de 2% na comparação com 2022.
Essa prática da compra online se tornou facilitadora e cresceu principalmente no período da pandemia da Covid-19. E de forma proporcional também aumentaram os casos de ocorrências de crimes cibernéticos, que têm levantado preocupações para as autoridades em lidar com os desafios complexos e em constante evolução do mundo digital.
Segundo a titular da Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos, Delegada Vanessa Lee, os criminosos utilizam das mais diversas formas para fazer vítimas de crimes pela internet.
A delegada explica que os crimes cibernéticos mais comuns são: fraude de cartão de crédito; invasão de contas bancárias; falso parente, quando o criminoso se passa por um membro da família da
vítima, geralmente através de e-mails, mensagens de texto ou telefonemas, para enganar a vítima e obter dinheiro ou informações pessoais e também venda ilegal de dados pessoais.
“Esses diversos crimes são praticados utilizando técnicas como phishing, engenharia social, técnicas de invasão, entre outros métodos. Os criminosos cibernéticos frequentemente exploram vulnerabilidades em sistemas de segurança, falhas de software e, principalmente, a falta de conscientização dos usuários que deixam informações pessoais e de suas rotinas expostas, o que facilita o cometimento desses atos ilícitos”, afirmou a delegada.
Ainda de acordo com a delegada Vanessa Lee, prevenir crimes cibernéticos é essencial no mundo digital atual. Ela diz que com a crescente dependência da tecnologia na vida diária, proteger dados e informações pessoais tornou-se uma prioridade.
“Se algo parece estranho ou muito bom para ser verdade na internet, é melhor não arriscar. Botões superatrativos, promoções imperdíveis, venda de produtos muito abaixo de preço de mercado são iscas muito utilizadas pelos criminosos para cometer crimes usando a internet”, explicou.
Arte dos novos tempos
Exposição ‘Geração 21’ reúne artistas do novo século em Manaus
Adrisa de Góes – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Desenhos, pinturas, fotografias, cerâmicas, esculturas, instalações e arte digital compõem a exposição “Geração 21”, disponível de 15 de fevereiro até o dia 15 de abril, no Palacete Provincial, localizado na Praça Heliodoro Balbi, Centro de Manaus. A mostra reúne artistas do Amazonas cuja trajetória teve início no século XXI.
O evento é uma produção do coletivo que leva o mesmo nome da exposição, em parceria com a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, Facul-
Obras de Leen intituladas ‘A Sufocada’ e ‘À Flor da Pele’“Nosso objetivo é inserir, cada vez mais, artistas em espaços históricos e culturais do Estado, de modo que também possamos construir nossa história como coletivo”
Victor Hugo Reis, curador e também um dos artistas da mostra, mestrando em Sociedade e Cultura na Amazônia.
dade de Artes da Universidade Federal do Amazonas (Faartes/Ufam) e do Coletivo “Gravuristas”, do laboratório de Serigrafia da instituição federal.
Segundo o curador e também um dos artistas da mostra, o mestrando em Sociedade e Cultura na Amazônia Victor Hugo Reis, a organização coletiva surgiu em 2023, com oito artistas e somente para uma exposição específica. Atualmente, o grupo conta com 38 artistas.
“Nosso objetivo é inserir, cada vez mais, artistas em espaços históricos e culturais do
Estado, de modo que também possamos construir nossa história como coletivo. E não somente isso, pretendemos realizar exposições e projetos com a comunidade para apoiar a arte e a cultura no Amazonas”, destaca o artista.
EXPRESSÃO DE SENTIMENTOS
Elene Rebelo, cujo nome artístico é Leen, está entre os 38 artistas que vão expor obras no evento. Graduada em Artes Visuais pela Ufam, ela ministra aulas de desenho e pintura em uma escola particular da capital amazonense.
Na exposição Geração 21, a artista vai expor quatro obras, dentre elas, três pinturas em acrílica sobre tela e uma em cerâmica com a técnica Raku, uma forma de cozedura e pós-cozedura de peças em cerâmica que envolve uma posterior “queima” das peças.
“A minha vivência diante das minhas obras é em expressar meus sentimentos e colocar em obras. Todas estão mostrando cada momento que eu passei. Uma, que não tem título, mostra um pouco sobre estar sozinha e não saber para onde ir. Outras duas falam sobre estar sufocada e cheia de sentimentos, tanto que se chamam ‘A sufocada’ e ‘À flor da pele’”, explica a artista.
Elene Rebelo ressalta ainda que os sentimentos que a inspiraram nasceram na pandemia da Covid-19. “Minha obra em cerâmica registra um vazio, que nos faz pensar que o vazio sempre pode ser preenchido, mesmo quando temos muitas cicatrizes”, destaca.
Obra de Victor Hugo Reis, disponível no acervo da Pinacoteca do AmazonasRacismo religioso X intolerância religiosa
Saiba qual a diferença entre os dois crimes
Thaís Matos – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – A religião é um fator predominante e diversificado no Brasil. Com maioria de católicos, os evangélicos, espíritas e seguidores de religiões de matriz africana também aparecem em números expressivos pelo País, segundo o último censo sobre religiões realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mesmo com a pluralidade religiosa do Brasil, ainda existe muita intolerância, em especial, contra as religiões afro. Isso porque o racismo estrutural presente na sociedade se estende também a essas crenças.
Segundo a mestra em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos Karolline Porto, a principal diferença entre o racismo religioso e a intolerância religiosa está no fator racial.
“Racismo religioso acontece nas religiões de matriz africana, pois temos aí um fator racial determinante, com toda a bagagem do colonialismo produzindo a inferioridade do colonizado. A intole-
rância religiosa trata de violações à religiosidade, mas sem haver subjugação da cor e das raízes da pessoa. As religiões afro são alvo de violência por toda essa construção de inferioridade, subjugação, desumanização à cultura negra”, explicou a especialista.
“Racismo religioso acontece nas religiões de matriz africana, pois temos aí um fator racial determinante (...). A intolerância religiosa trata de violações à religiosidade, mas sem haver subjugação da cor e das raízes da pessoa”.
Karolline Porto, mestra em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos.
Mulheres com trajes usados em ritos de religiões de matriz africana
Porto pontua também que o colonizador esperava a “morte” dos saberes negros, organizando as violações a essa população de forma que a própria identidade fosse apagada e discriminada. “O racismo está para além de uma prática individual, já que se trata, na verdade, de um sistema de dominação racial”, destaca a mestra em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos.
A advogada especialista em Direitos Humanos Luciana Santos reforça a explicação. “Criou-se essa visão de que a religiosidade dos povos africanos seria ‘demoníaca’ e isso, infelizmente, virou
um senso comum e um instrumento do racismo. Isso é percebido nos números o quanto é forte aqui no País”, destaca.
Em 2023, foi sancionada a Lei n.º 14.532 que equipara o crime de injúria racial ao crime de racismo e também protege a liberdade religiosa. A lei prevê pena de reclusão de dois a cinco anos e proibição de frequência a quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.
Luciana Santos destaca à reportagem que, mesmo havendo leis, é preciso ter
políticas públicas mais efetivas e que os Estados e municípios sigam essas políticas.
“O que precisamos é de um conjunto de políticas públicas que possam combater esse crime. Temos leis rigorosas, como a lei de crimes contra a mulher e, mesmo assim, continua acontecendo. Destaco nisso, a educação; temos a Lei Federal n.º 10.639/2003 que torna obrigatório no currículo escolar o ensino de histórias e cultura afro-brasileira, só que essa lei não é aplicada em todos os municípios como deveria ser”, enfatiza a advogada.
Yanomami, Macuxi, Wapichana: conheça os povos indígenas de Roraima
Estado abriga 14 povos e possui 32 territórios
Winicyus Gonçalves – Da Revista Cenarium Amazônia
BOA VISTA (RR) – Yanomami, Macuxi, Wapichana… Roraima tem 14 etnias indígenas em 32 territórios que fazem o Estado ter a quinta maior população indígena do Brasil, com 97.320 pessoas, conforme dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cada etnia tem seus hábitos e suas particularidades.
Os povos indígenas em Roraima, são: Yanomami, Wapichana, Ninam, Sanoma, Yanoma, Yanomami, Yaroame, Ingarikó, Macuxi, Taurepang e Waimiri-Atroari. A população indígena corresponde a 15,29% do total de 636.303 habitantes do Estado. Com isso, Roraima é o Estado brasileiro com mais indígenas na comparação com o total da população – o que significa dizer que uma em cada sete pessoas que vive no Estado se autodeclarou indígena.
Crédito: Ricardo Oliveira DIVERSIDADE
Indígena Yanomami carrega seu bebêNúcleo Insikiran, da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Jonildo Viana, esses povos contribuíram sensivelmente para a formação do Estado de Roraima: “Nós somos um Estado formado, principalmente, por indígenas que nunca foram valorizados como deveriam ser”, explica.
PRINCIPAIS
O povo Yanomami tem uma cultura rica, que inclui não apenas os vários idiomas presentes em sua linguagem, mas também seus ritos, danças, cosmovisões, culinária, saberes ancestrais e outros. Os indígenas Yanomami têm hábitos de caça, pesca e cultivo da roça, onde desenvolvem o plantio de tubérculos, frutas e raízes importantes para o seu desenvolvimento e, inclusive, comércio ou trocas com grupos vizinhos.
“São, sobretudo, lutadores de seus interesses e direitos políticos, de sobrevivência, direitos humanos e dignidade junto aos demais povos, indígenas ou não indígenas, compondo as dinâmicas políticas nacionais em relação aos povos indígenas brasileiros”, complementa Viana.
Os Macuxi possuem uma vasta história de luta por direitos e pela terra. São povos habitantes em áreas da Venezuela, Guiana e Brasil, onde estabeleceram a maioria de suas comunidades.
“A impressão de viajantes no século XVIII, a respeito deles, os apontava como um povo insubordinado, insolente, guerreiro e arredio, que não ensinava sua língua aos brancos”, explica a ex-deputada estadual por Roraima e defensora pública Lenir Rodrigues, atuante nas causas indígenas em Roraima.
O fato é que os Macuxi passaram por um processo de migração, trazendo consigo sua cultura, idioma, mitos e estrutura social. Há registros, inclusive, de outros povos migrando com eles e apenas anos depois sendo diferenciados, por conta das particularidades de sua cultura, como no caso dos Taurepang.
Já os Wapichana são povos indígenas que habitam áreas no Brasil e na Guiana, em áreas próximas aos rios Branco e Rupununi, especificamente, as regiões de Surumu, Taiano, Amajari e Serra da Lua. Eles vivem em função da autoridade
do Tuxaua, um líder com características políticas, que tem o objetivo de zelar pelos interesses do povo, como comércio, alimentação, celebrações e outros assuntos relacionados.
“Nós somos um Estado formado, principalmente, por indígenas que nunca foram valorizados como deveriam ser”
Jonildo Viana, antropólogo e coordenador do Núcleo Insikiran, da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
“Boa parte do que conhecemos como a culinária de Roraima vem do povo Wapichana. Deles surgiram o Aluá, preparado com milho, beiju, farinha e as bebidas: pajuaru e caxiri, preparadas com mandioca, entre outros”, acrescenta Viana.
VENEZUELA
Além das onze etnias brasileiras, foram incorporadas três etnias venezuelanas de
refugiados e migrantes vivendo, atualmente, no Brasil e em Roraima: os Warao, os Pemon e os Eñepá. Warao é uma etnia indígena que recebe o mesmo nome que sua língua. Habitam uma área que compreende as regiões entre Brasil e Venezuela.
“Uma de suas características históricas e sociais marcantes são as migrações. De lá para cá, e sofrendo com as mudanças sociais, econômicas e políticas na Venezuela, migram a outras nações por sua sobrevivência, inclusive, para Roraima. Hoje, estima-se que há, aproximadamente, 1,5 mil Warao vivendo em Roraima”, diz Lenir.
O mesmo problema da migração ocorre com o povo Pemon, que são habitantes da tríplice fronteira Brasil, Venezuela e Guiana. Os Pemon assumem várias denominações e autodenominações e também sofrem os efeitos da migração.
Os Eñepá são uma etnia indígena venezuelana que vive em regiões localizadas no Estado Bolívar e, mais recentemente, no Brasil. Sua cultura também é marcada pela produção de miçangas, pulseiras e outros artesanatos provenientes de suas matas.
Para Viana, o fenômeno da migração é perceptível dentro e fora do Estado e causa consequências ruins aos indígenas: “Eles se perceberam marginalizados na cidade, ou seja, não confortáveis dentro dessa estrutura urbana, principalmente, pela linguagem e pelos hábitos”, explica.
Crédito: Fernando Frazão | Agência BrasilCrônicas do Cotidiano: ‘Vita activa’, enquanto dure
Walmir de Albuquerque Barbosa
“Abusca pela imortalidade, pela glória imortal, é, segundo Arendt, ‘a fonte e o centro da vita activa’. O ser humano conquista a sua imortalidade no palco do político. Em contrapartida, o objetivo da vita contemplativa, não é, segundo Arendt, o persistir e durar no tempo, mas a experiência do eterno, que transcende tanto o tempo como também o mundo circundante. Ela ocorre fora das circunstâncias humanas; ou seja, fora do político. Contudo, nenhum ser humano consegue, prossegue Arendt, demorar-se na experiência do eterno. Ele precisa retornar ao seu mundo circundante” (Byung-Chul Han. Vita contemplativa: ou sobre a inatividade. RJ: Vozes, p.145, 2023).
Com os meus agradecimentos ao filósofo coreano, de formação alemã, pela bela síntese de um texto memorável de Hannah Arendt – a Condição Humana (1981,1ª Edição brasileira), marco o meu retorno ao lugarzinho que espero ter conquistado no coração dos leitores. Não é um palco político-partidário, mas um pequeno tamborete, erguido a um palmo do chão, para um diálogo profundamente amoroso sobre o que nos preocupa. E são tantas coisas, tantos problemas que parecem insolúveis, que o desânimo pode nos seduzir a uma vida contemplativa, que, sendo por fuga, torna-se alienação.
Os que vivem de salário ou de aposentadorias baratas; os que lutam pelo almoço para garantir o jantar, ou os que ficam com as sobras das alegrias de uns poucos, sabem muito bem do que estamos falando. No entanto, é preciso refletir, e essa reflexão
nasce quando nos afastamos do epicentro do turbilhão societário e nos dedicamos a enfrentar o mosaico do cotidiano e organizar os nossos pensamentos e convicções, sem radicalidades, pois é preciso, em qualquer análise de situação, estarmos abertos a todos os recortes da realidade e termos a certeza de que, mesmo assim, alguns nos escaparão.
O “Bicho” está pegando! Como aquele monstro bíblico do Apocalipse, que arrancou parte das estrelas do firmamento, o Congresso Nacional, na sua formação heterodoxa e cruel, escolhido pelo voto do povo no “tonteio” dos embates entre partidos políticos oportunistas, quer comer o Orçamento da República através de emendas impositivas, que travarão qualquer condução política da gestão de um governo que precisa ser para todos. Eles querem o orçamento para si. Não se trata de levar o dinheiro para casa, como acontece nos furtos ou assaltos a bancos, mas levar o orçamento para seus moinhos, seus redutos eleitorais nem sempre claros e transparentes, para investimentos nem sempre necessários e urgentes.
Tudo isso, para poder garantir, com mesquinhez, a renovação dos seus mandatos, a alimentação dos lobbies indecentes, que defendem interesses personalísticos e rondam os corredores de Brasília; promover a cizânia entre grupos sociais e o poder e garantir, assim, a permanência dos privilégios, que bem conhecemos: desonerações, sonegações, postergações e tantas outras ações, que, pelo inusitado, pela invencionice e pela desfaçatez, já ganha-
ram até um nome eufemístico: “jabutis”, que sobem em árvores frondosas. E o pior, já temos até bancadas defendendo o “direito divino” de certos líderes religiosos, em transações controversas, a não darem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
No fogo cruzado das acusações, descobrimos que não vivemos no melhor ou no pior dos mundos. A onda que sacode a contemporaneidade é bem maior até que as provocadas pelos tsunamis pontuais que conhecemos. É geracional, manifesta e insidiosa de um mundo cansado de lutar contra si mesmo, contra a maldade, as desigualdades e as fraquezas de caráter que nos levaram à renúncia da perseguição da ética, da alteridade e da bondade. Despidos ou desanimados dessas vontades, restou-nos a volta aos velhos fantasmas que pensávamos ter destruído: o nazifascismo, a crueldade com os semelhantes, a violência desarrazoada contra tudo e contra todos, o narcisismo e o individualismo, que fazem de nós mesmos vítimas e algozes armados pelos algoritmos nas redes sociais, encurralados nos guetos místicos e ideológicos. O que dizer de tudo isso? “A luta continua”! A vita activa está bem ali, mesmo que os nossos olhos não a vejam e nossas mãos não consigam acessá-la!
(*) Walmir de Albuquerque Barbosa é jornalista profissional, graduado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), doutor em Ciências da Comunicação, pela Universidade de São Paulo, e professor emérito da Ufam.