Revista Cenarium – Ed. 43 - Janeiro/2024

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ISSN 2764 - 8206

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JANEIRO DE 2024 • ANO 04 • N.º 43 • R$ 24,99

ELEIÇÕES 2024

O QUE ESTÁ EM JOGO


www.revistacenarium.com.br | Janeiro de 2024

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Editorial O jogo eleitoral da exceção

As suas escolhas e a Amazônia

“Toda vez que você coloca um sujeito num lugar de exceção, você desliga ele do seu lugar de origem”, disse uma das maiores escritoras brasileiras contemporâneas, Maria da Conceição Evaristo de Brito, ao explicar a estratégia do sistema político para desconstruir a identidade ancestral dos povos e garantir seu alijamento no processo de formação da consciência social.

O que o seu voto tem a ver com a preservação da Amazônia? Tudo. Em se tratando de eleições gerais, o seu voto pode ajudar a escolher alguém preocupado com a floresta e com a vida humana na região e no planeta, e com poder de implementar ações em âmbito nacional e até mundial. No caso das eleições municipais, o seu voto soma para escolher gestores e legisladores que podem influir direta e indiretamente tanto na execução das ações de amplitude nacional e internacional, quanto na criação de outras medidas mais específicas e internas, visando ao bem-estar e a uma melhor relação entre todo o meio ambiente que envolve a sua cidade.

Aos 75 anos, Conceição Evaristo, representante da literatura afro-brasileira, diz não abdicar do voto nas eleições, apesar de não lhe ser obrigatório. O ativismo de Conceição é voltado à população negra e pode ser aplicado a todo grupo social historicamente alvo de subalternização. O jogo eleitoral da exceção é camuflado de ideologia e religiosidade e só pode ser combatido se houver consciência de seus efeitos letais para a sociedade. Pensando em trazer a reflexão sobre o protagonismo social neste ano, a REVISTA CENARIUM traz, nesta edição, reportagens com opiniões de especialistas sobre o que está em jogo na agenda socioambiental e de sobrevivência dos povos nas eleições de 2024, e como o processo pode intervir na crise climática e na biodiversidade. Vivemos um ano de 2023 carregado do peso pela negação ambiental deixada por omissões administrativas passadas e pela irresponsabilidade do mundo com a exploração econômica. O Amazonas sofreu uma das maiores secas dos últimos 121 anos, forçada pelo El Niño; o Brasil perdeu um território do tamanho do Uruguai para as queimadas, com prejuízos para os biomas da Amazônia e do Pantanal; a crise sanitária continua latente na Terra Yanomami (RR) tomada pelo garimpo ilegal. Não saímos do discurso e o debate socioambiental arrefeceu, no início deste ano. É neste momento que se faz premente a análise sobre o cenário de exceção e a perda de protagonismo de determinados grupos sociais que somam a maioria do eleitorado, mas acabam virando massa de manobra para quem detém o poder político e o poder econômico. O conhecimento ainda é a melhor arma para combater a subalternização nas eleições e a CENARIUM se coloca como um veículo de comunicação potencializador deste debate.

Paula Litaiff Diretora-Geral

Neste ano, teremos eleições municipais, nas quais escolheremos prefeitos e vereadores. Vamos decidir quem deve permanecer nos cargos que já ocupa e quem deve entrar para o Legislativo e para o Executivo municipais. E as escolhas vão interferir em qual será o futuro das cidades amazônicas. Em seis das nove capitais dos Estados que compõem a Amazônia Legal, os atuais prefeitos estão aptos a disputarem a reeleição. Passarão pelo teste de qualidade de suas gestões e receberão dos eleitores as respostas sobre se devem seguir administrando suas cidades. Além deles, outros já se apresentam como possíveis alternativas à troca de gestor. Do lado do eleitorado, as escolhas estarão em sua maioria nas mãos e mentes de jovens adultos, na faixa dos 24 aos 34 anos, onde está concentrada grande parte dos eleitores das capitais amazônicas, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Tende a ser um eleitorado mais preocupado com questões ambientais, como a crise climática que impulsionou a seca histórica dos rios da Amazônia em 2023. Mas, em algumas cidades, há forte presença de eleitores conservadores, como em Manaus, onde pesquisas recentes mostraram que mais de 40% da população se declara como sendo de extrema-direita, perfil que não costuma ser muito afeito a conceitos como aquecimento global e desenvolvimento sustentável. Pensando, então, no poder de definição de futuros por meio do voto, a REVISTA CENARIUM dedica a capa desta edição às eleições municipais deste ano, trazendo a conjuntura política, social e ambiental da região e as escolhas que estão envolvidas no pleito. E, não se pode esquecer, nós também somos meio ambiente.

Márcia Guimarães Gestora de Conteúdo


Leitor&Leitora 💬 Qualidade editorial A qualidade editorial da revista destaca-se, proporcionando aos leitores uma experiência informativa excepcional. Thiago Veloso Manaus – AM

Crédito: Acervo Pessoal

💬 Dedicação pelo conteúdo Parabéns à equipe da REVISTA CENARIUM pela dedicação em oferecer um conteúdo de alta qualidade. Suas reportagens envolventes e bem elaboradas destacam-se, proporcionando aos leitores uma experiência informativa e reflexiva. Adorei a edição de dezembro. Fernanda Oliveira Manaus – AM

💬 Reportagens relevantes

💬 Diversidade de temas A REVISTA CENARIUM é incrível! Sempre acompanho as publicações, pelos assuntos diversos e interessantes. Quando quero me atualizar sobre o que acontece, principalmente na Amazônia, vou à página de vocês. Parabéns pelo conteúdo!

Padrão excepcional de suas reportagens. Não perco uma edição. Quando vejo no Instagram a nova edição, já corro para o site para ler a revista. Parabéns! Socorro Diniz Porto Velho – RO

Gabriel Siqueira São Paulo – SP

💬 Habilidade no texto

💬 Inspiração Uma fonte inspiradora de conhecimento. Excelente trabalho. Paulo Henrique

Quero estender um caloroso aplauso à equipe da REVISTA CENARIUM, pela sua incrível habilidade em escrever matérias e explorar temas de maneira tão envolvente.

Belém – PA

💬 MANDE SUA MENSAGEM

💬 E-mail: cartadoleitor@revistacenarium.com.br | WhatsApp: (92) 98564-1573

Dionísio Leitão São Paulo – SP


Sumário

► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

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► ECONOMIA & SOCIEDADE

Seca na Amazônia: o que aprendemos?..........................06

Tormento Yanomami.......................................................40

BR-319: da ‘má-fé’ à revelação do lobby – Alerta para a

‘Estamos num local que há muito para ensinar’............46

Amazônia..........................................................................10

Infância vulnerável...........................................................52

► ARTIGO – SAMIZA SOARES Você já parou para pensar no seu propósito de vida?....13

► CENARIUM+CIÊNCIA Manejo sustentável: população de pirarucu revigorada.....14 Universidades sustentáveis...............................................16

► PODER & INSTITUIÇÃO

Combustível de lucro ‘aditivado’....................................56

► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS Floresta Amazônica: desmatamento despenca...............58 Denúncia de fogo criminoso...........................................60

► ARTIGO – WALMIR DE ALBUQUERQUE BARBOSA

ELEIÇÕES 2024

Crônicas do Cotidiano: A presença do outro,

O seu voto e a Amazônia.................................................18

a ação comunicativa e a “infocracia”..............................61

Floresta “esquecida”.........................................................22 Eleitorado: jovens são maioria na região........................26 Agenda socioambiental ...................................................28 Democracia viva...............................................................30 Estímulo ao desenvolvimento.........................................34

► ENTRETENIMENTO & CULTURA Tacacá é hype na internet.................................................62 Viagem insegura...............................................................64

► DIVERSIDADE

Mais próximo do cidadão................................................36

Democracia racial distante..............................................66

► ARTIGO – ADEMIR RAMOS – ESPECIAL PARA A REVISTA CENARIUM

Saberes do esotérico.........................................................68

► ARTIGO – ALLAN RODRIGUES

Ailton Krenak na ABL representa reconhecimento da

Uma agência reguladora do Ensino Superior não garante

mobilização e articulação indígena................................38

ensino público gratuito e de qualidade..........................70

Crédito: Ricardo Oliveira

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Crédito: Ricardo Oliveira

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Crédito: Antônio Augusto | Ascom TSE

Janeiro de 2024 • Ano 04 • Nº 43


MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Seca na Amazônia: o que aprendemos? Quais são as lições que a crise climática vem nos ensinando Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

Calor extremo e estiagem severa causaram mortes de peixes e isolamento de comunidades na Amazônia Crédito: Mateus Moura | Revista Cenarium

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ANAUS (AM) – A seca dos rios e o calor extremo na Amazônia dispararam “alarmes” como nunca vistos na história da região. A morte de botos e peixes, rios registrando os níveis mais baixos na história, famílias isoladas, falta de insumos na indústria e risco de desabastecimento foram algumas das consequências, e especialistas já confirmaram: esses eventos climáticos extremos são consequências das mudanças climáticas, somadas ao fenômeno El Niño. Mas, depois dos prejuízos socioeconômicos que enfrentamos, o que aprendemos com a crise climática, e o que esperar para o futuro?

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O período de chuvas na região Amazônica compreende os meses entre novembro e março, e o período de seca ocorre entre maio e setembro. Os meses de abril e outubro são de transição entre um regime e outro. Em 2023, o período de estiagem se intensificou para além de setembro, encerrando-se em novembro, pelo menos em alguns Estados, como o Amazonas. Em outros, como o Tocantins e o Maranhão, ela continua causando prejuízos. A população amazônica também sobreviveu a uma onda de calor extremo, no que foi considerado o ano mais quente em 174 anos. Segundo a Organização Meteo-

rológica Mundial (OMM), a temperatura média da superfície global ficou 1,4 °C acima da média de 1850/1900. No Brasil, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontou que o calor ficou acima da média histórica de julho a novembro. Para o professor do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Centro de Estudos da Amazônia Sustentável (Ceas) Paulo Artaxo, as consequências do que cientistas mostram em estudos e pesquisas foram sentidas “na pele” com mais intensidade, não apenas na região amazônica, mas também em outras regiões do País. No


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Rio Grande do Sul, um ciclone provocou enchentes, deixando 50 mortos.

AMAZONAS EM CRISE O Amazonas, um dos Estados mais afetados pela estiagem, já se preparava, em setembro, para o que viria. Naquele

O que nós vemos na prática de tomada de decisão, é algo completamente o inverso do que deveria ter sido feito. Nós vemos mais estradas planejadas na Amazônia, o que aumenta o desmatamento” Lucas Ferrante, doutor em Biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

período, o governo do Estado indicou que a seca poderia ser mais severa e prolongada, com projeção de afetar, pelo menos, 30 dos 62 municípios do Amazonas. Quase dois meses depois, 60 cidades estavam em emergência, com 600 mil pessoas afetadas. A intensificação da estiagem levou rios como o Negro e o Solimões aos menores níveis da história. Em 16 de outubro, o primeiro atingiu 13,59 metros, a menor cota em 121 anos, até então. Dez dias depois, o nível estabilizou na menor cota da história: 12,70 metros. O Solimões, que banha 11 municípios do Amazonas, também alcançou o nível mais baixo da história, com 3,61 metros na estação de Manacapuru, cidade a 68 quilômetros de Manaus (AM), no dia 19 do mesmo mês.

12 de setembro Arte: Mateus Moura/Revista Cenarium

“O ano de 2023 foi, particularmente, importante na questão da crise climática que estamos enfrentando, pois o aumento dos eventos climáticos extremos, tanto em frequência quanto em intensidade, dominou a pauta das mudanças climáticas. Enquanto é muito difícil para as pessoas perceberem o aumento de temperatura de 0,3 graus por década, todo mundo percebe uma seca como essa que está assolando a Amazônia atualmente, ou as chuvas torrenciais que ocorreram no Rio Grande do Sul, no Paraná, ou incêndios no Canadá, e assim por diante”, explica.

Projeção do Governo do Amazonas indica seca mais severa e prolongada

28 de setembro Manaus entra em situação de emergência, com o Rio Negro com 16,11 metros

26 de setembro Governos estadual e federal anunciam força-tarefa para levar ajuda humanitária a municípios afetados

28 de setembro Primeiras carcaças de botos são encontradas em Tefé

29 de setembro Amazonas entra em emergência e comitê de crise é instalado

4 de outubro Comitiva de ministros chega ao Amazonas e anuncia liberação de recursos

16 de outubro Rio Negro atinge menor nível em 121 anos, com 13,59 metros

26 de outubro Rio Negro estabiliza no menor nível em 121 anos, com 12,70 metros

23 de outubro 17 mil funcionários da Zona Franca de Manaus entram em férias coletivas, por escassez de insumos

26 de outubro Municípios em emergência no Amazonas chegam a 60

28 de novembro Serviço Geológico do Brasil confirma fim da seca nos rios Solimões e Negro

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Crédito: Ricardo Oliveira

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Morador de comunidade isolada pela estiagem no Amazonas caminha sobre o leito do rio seco

Junto à seca, quem mora no Estado, mais precisamente na capital, Manaus, enfrentou uma onda de calor que levou os termômetros a registrarem a temperatura mais alta da história, de 39,2 graus. A sensação térmica prevista era de 49 graus. Foi essa combinação do calor, somado à estiagem, mudanças climáticas e El Niño que causou a morte de animais, como botos e peixes. O número de botos-cor-de-rosa e botos-tucuxi mortos no Amazonas chegou a 178, segundo a Organização Não Governamental (ONG) WWF.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS Diante deste cenário, que beirou o catastrófico, Paulo Artaxo analisa que 08

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as mudanças climáticas — as transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima — mostraram que a Amazônia é uma das regiões mais vulneráveis às mudanças climáticas, seja pela posição tropical ou morfologia. “Ela tem sensibilidades muito forte a alterações do perfil de temperatura e perfil de chuvas e precipitações na região”, elenca. O cientista ainda analisa que o aquecimento da região amazônica, com a redução das chuvas e precipitações, desencadeia uma degradação que pode estar fazendo com que a floresta reduza seu estoque de carbono lentamente, o que realimenta as mudanças climáticas globais. Artaxo afirma que os eventos climáticos extremos

foram importantes para acordar a população para a gravidade da emergência climática. “Essas questões dominaram a pauta da Amazônia e mostraram que os impactos socioeconômicos de secas como essa que observamos em 2023, que foi canalizada pelo aumento da temperatura global associada com o El Niño bastante forte, que pode se repetir no futuro. Isso mostra a importância da adaptação climática que o Brasil vai ter que implementar o mais rápido possível para que possamos proteger a região amazônica de secas muito fortes como essa”, declara. O doutor em Biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Lucas Ferrante reforça a análise


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Crédito: Agência Brasil

de Artaxo, lembrando que presenciamos uma “palhinha” do que representam as mudanças climáticas para a Amazônia junto ao El Niño, com comunidades, principalmente no interior do Amazonas, drasticamente afetadas. O biólogo reforça que a falta de tomada de decisões mais enfáticas para enfrentar

a degradação da região contribuíram para os impactos negativos. “O que nós vemos na prática de tomada de decisão, é algo completamente o inverso do que deveria ter sido feito. Nós vemos mais estradas planejadas na Amazônia, o que aumenta o desmatamento. Precisamos lembrar que esse desmatamento

Enquanto é muito difícil para as pessoas perceberem o aumento de temperatura de 0,3 graus por década, todo mundo percebe uma seca como essa, que está assolando a Amazônia atualmente” Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Centro de Estudos da Amazônia Sustentável (Ceas).

intensifica as mudanças climáticas, que isolam as pequenas comunidades no interflúvio dos rios, e essas estradas não vão dar ligação para essas áreas. Ou seja, é um plano que parte, talvez, por uma premissa da intensificação desses eventos, mas ele agrava esses eventos e não resolve o problema”, destaca.

E em 2024? Com a previsão de que o El Niño se estenda até abril ou junho desse ano — a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) prevê probabilidade de 62% —, com intensidade forte. Paulo Artaxo analisa que esses dados mostram que o “inverno amazônico” pode ser de escassez hídrica, acelerando o processo de degradação florestal. “Isso indica que ainda vamos ter impactos fortes do El Niño, pelo menos no primeiro semestre do ano que vem [2024]. E em particular na região amazônica, isto pode fazer com que tenhamos chuvas abaixo do normal, o que pode fazer o estresse hídrico que estamos observando em muitas regiões da Amazônia, e com isso prejudicar a floresta do ponto de vista de acelerar o processo de degradação florestal que estamos em curso, devido ao aumento global da temperatura e da reeducação da precipitação”, explica. A expectativa, segundo ele, é que o Brasil finalmente implemente medidas efetivas para a mitigação das mudanças climáticas, com a redução de gases de efeito estufa. Ele cita, principalmente, o combate ao desmatamento e o fim da utilização de combustíveis fósseis. “É muito importante, como meio de se proteger dessas mudanças, que o Brasil implemente medidas de redução das emissões de gás, tanto zerando o desmatamento da Amazônia

quanto deixando de queimar combustíveis fósseis, eletrificando a frota de transportes, e, com isso, também fazendo com que a geração de eletricidade seja banida do ponto de vista de queima de combustíveis fósseis. Como também o Brasil, nos fóruns internacionais, deve pressionar os países desenvolvidos a eliminarem os combustíveis fósseis, para que possamos preservar a Amazônia para que ela continue seu trabalho de remoção de carbono da atmosfera, que ela estava fazendo até a última década”, conclui. Já Ferrante é enfático ao afirmar que as mudanças climáticas devem ser controladas, ou a região amazônica se tornará inóspita para a biodiversidade e para a população humana. “Nós vemos já uma perda de biodiversidade, inclusive na diminuição de recursos pesqueiros, afetando as comunidades tradicionais. E as previsões disso são que, daqui a menos de 20 anos, a situação da Amazônia seja de uma seca muito mais severa do que a que vivemos durante 2023, inclusive com recordes de temperatura ainda maiores. Nós estamos falando de, talvez, ondas de calor, que gerem ondas de mortalidade, assim como observamos hoje na Europa. Então, é extremamente fundamental, para manter a vida na Amazônia, não só sustentabilidade, mas que a região seja capaz de conter a vida humana, que tenhamos um contingenciamento das mudanças climáticas, isso é fundamental”, finaliza. 09


MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

BR-319: da ‘má-fé’ à revelação do lobby – Alerta para a Amazônia Diversos estudos científicos demonstram que a pavimentação da estrada que corta a floresta levaria a impactos graves e irreversíveis Lucas Ferrante – Especial para a Revista Cenarium*

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ANAUS (AM) – Em 2020, o Ministério Público Federal (MPF) classificou as ações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em relação ao “Lote C”, também conhecido como “Lote Charlie” da rodovia BR-319, como “má-fé” e uma “afronta ao Judiciário”, devido ao órgão pautar a pavimentação do trecho, mesmo depois de uma decisão judicial, na qual não cabia mais recurso, estabelecendo a necessidade de consulta dos povos afetados e de estudos ambientais. Esses fatos também foram apontados na Revista Science, um dos maiores e mais prestigiados periódicos científicos do mundo que, além de destacar esses fatos, apontou que a rodovia BR-319 é uma ponta de lança para o desmatamento na Amazônia. Um estudo publicado pelo periódico científico Land Use Policy, em 2020, apontou que a rodovia impacta, diretamente, 63 Terras Indígenas (TIs) e outras cinco comunidades indígenas não demarcadas, totalizando mais de 18 mil indígenas impactados, além de uma população de isolados no município de Tapauá (distante 449 quilômetros da capital). Na última semana de dezembro de 2023, a Procuradoria-Geral da República (PGR) cobrou do Governo Lula medidas mais contundentes para a proteção de populações indígenas isoladas, dada a extrema vulnerabilidade dessas populações à invasão de seus territórios, como vem

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ocorrendo em Tapauá, devido à expansão de ramais ilegais vindos da rodovia BR-319. Conforme apontado por um estudo no periódico científico Environmental Conservation, editado pela Universidade de Cambridge, vários ramais ilegais já perpetram terras indígenas na área da rodovia BR-319. Além disso, conforme o mesmo estudo, existem registros de invasões com conivência de órgãos de fiscalização, como Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), demonstrando total ausência de governança territorial. Em um segundo estudo publicado pela Land Use Policy, foi demonstrado que a venda de áreas ocupadas ilegalmente às margens da rodovia varia de R$ 20 a R$ 3.000 o hectare. O mesmo estudo apontou que as taxas de desmatamento no “trecho do meio” da rodovia BR-319 também excedem em três vezes o observado em relação à média para todo o bioma amazônico. De acordo com uma nota técnica produzida pelo Observatório da Rodovia BR-319, os ramais ilegais já superam em quase seis vezes a extensão da rodovia. Em meio à crise de saúde pública que assolou Manaus durante a pandemia de Covid-19, uma revelação alarmante surge sobre as ações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes em relação à rodovia BR-319. Um estudo publicado no Journal of Racial and Health Disparities aponta que o Dnit esteve envolvido em

práticas de lobby, omitindo informações cruciais sobre a rota mais eficaz para o transporte de oxigênio.

NEGLIGÊNCIA Segundo a pesquisa, o Dnit negligenciou a opção pelo Rio Madeira, que estava em seu período de melhor trafegabilidade. A escolha da BR-319 resultou em um prolongado tempo de transporte de 96 horas, enquanto a alternativa fluvial poderia ter entregue o oxigênio em Manaus em um intervalo de 30 a 56 horas, potencialmente salvando dezenas de vidas. O estudo também destaca que a opção pela rota rodoviária acarretou custos adicionais significativos, totalizando 1,5 milhão a mais em comparação com a alternativa pelo Rio Madeira. O Dnit, por meio de suas redes sociais, divulgou a BR-319 como a melhor rota, sugerindo que a alternativa seria no contrafluxo do Rio Amazonas, partindo de Santarém (PA). No entanto, como indicado pelo estudo, a verdade veio à tona, questionando a integridade das informações compartilhadas pelo Dnit. A pergunta que paira é: se o oxigênio estava em Porto Velho (RO), por que o Dnit omitiu a opção pelo Rio Madeira? Esses achados levantam sérias indagações sobre a transparência e a responsabilidade do Dnit, além de lançar luz sobre a necessidade de uma investigação mais aprofundada para esclarecer as circunstâncias e as motivações por trás dessas


Crédito: Brenno Carvalho | Agência O Globo | Reprodução

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Grandes campos em desmatamento próximo à BR-319, no distrito de Realidade (AM)

decisões durante um momento crucial para a saúde pública.

da infraestrutura da rodovia BR-319 para o dia 11 de dezembro.

No dia 7 de dezembro de 2023, o coordenador do Grupo de Trabalho (GT) da BR-319, instituído pela Portaria n.° 1.109/2023, do Ministério dos Transportes, enviou um convite para a apresentação de estudos que promovessem a otimização

A rapidez do convite, em cima da hora, exclui a participação de comunidades afetadas. Isto também demonstra que o Ministério dos Transportes não está disposto a dialogar com os impactados pela rodovia BR-319 ou com os pesquisadores que têm demonstrado os inúmeros impactos causados pela rodovia. O histórico de ações do Dnit contra os afetados é evidente, como a realização de audiências públicas sobre os estudos ambientais no meio da pandemia da Covid-19.

18 mil

indígenas Estudo publicado pelo periódico científico Land Use Policy, em 2020, apontou que a BR-319 impacta 63 Terras Indígenas (TIs) e cinco comunidades indígenas não demarcadas, somando mais de 18 mil indígenas impactados.

ências públicas questionáveis e mentiras por parte da Funai, aponta para uma clara violação dos processos de licenciamento estabelecidos pela legislação brasileira.

FUNAI

No dia 18 de dezembro de 2023, foi incluído, de forma urgente, na agenda de discussões do plenário da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n.º 4994/2023. Esse projeto de lei propõe o reconhecimento da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) como “infraestrutura crítica essencial para a segurança nacional” e demanda a obtenção de licenciamento para a realização da obra, bem como a alocação imediata dos recursos para a sua construção.

Em 2022, funcionários da Funai também afirmaram falsamente em audiências públicas que a consulta dos povos indígenas havia sido realizada, sendo desmentidos tanto por pesquisadores quanto pelo promotor do Ministério Público Federal, Fernando Merloto. A falta de diálogo do Ministério dos Transportes, aliada a audi-

Além da ausência de justificativa técnica, o projeto passa por cima dos ministérios, da própria legislação do País e ainda tenta perverter fundos destinados à preservação da floresta, como o Fundo Amazônia, para a realização da obra com maior impacto sobre a Amazônia. Em estudo publicado pela revista científica Die 11


Crédito: Ricardo Oliveira

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

BR-319, em um dia de chuva

Erde, foi apontado que, se pavimentada, a rodovia BR-319 tende a levar a Amazônia ao ponto de não retorno. Este limiar de desmatamento causará o colapso de todo o bioma, como já apontado por diversos estudos científicos.

PESQUISAS Em estudo publicado no Environmental Monitoring and Assessment, que é editado pelo grupo Nature, foi apontado que a pavimentação da rodovia BR-319 aceleraria as mudanças climáticas, intensificando as secas na Amazônia Central e causando a extinção de espécies que, hoje, são consideradas comuns e fora de perigo de extinção. 12

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Pesquisa divulgada também em 2023, na renomada Conservation Biology, um dos principais periódicos científicos da área da biologia da conservação, apontou que a pavimentação da rodovia BR-319 levaria ao colapso dos serviços ecossistêmicos conhecidos como “rios voadores amazônicos”, fenômeno responsável pela maior parte das chuvas das regiões Sul e Sudeste do Brasil. O estudo destacou que isso afetaria espécies de outros biomas do Brasil, como o bioma da Mata Atlântica, além de afetar o abastecimento humano da região mais populosa do País e a agricultura do Sul e Sudeste. Neste cenário, a comunidade científica clama por uma ação imediata do Judiciário

para revogar o PL n.º 4994/2023, a fim de preservar os serviços ecossistêmicos vitais. A manutenção da BR-319 tem beneficiado apenas grileiros e madeireiros ilegais, fortalecendo o crime organizado, conforme indicam estudos recentes na Land Use Policy e Environmental Conservation. A atuação do Ministério Público Federal é imperativa para reverter esse cenário sombrio. (*) Lucas Ferrante é biólogo, formado pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e mestre e doutor em Biologia, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Dentre suas diferentes áreas de pesquisa, Ferrante estuda a grilagem, invasão de terras na Amazônia, zoonoses e dinâmicas epidemiológicas.


ARTIGO – SAMIZA SOARES

Crédito: Acervo Pessoal

Você já parou para pensar no seu propósito de vida? Samiza Soares

Você já parou para refletir sobre o seu propósito de vida? Ter um propósito é como ter um farol, que guia nossas escolhas e ações. É descobrir aquilo que nos motiva, dá significado e nos conecta com o mundo ao nosso redor. Ter um propósito nos ajuda a encontrar um senso de direção, mesmo nos momentos mais desafiadores. Imagine o seguinte exemplo terapêutico: Maria é uma mulher que se sente desanimada e sem rumo. Ela tem uma carreira bem-sucedida, mas sente um vazio interior. Ao iniciar um processo terapêu-

tico, Maria embarca em uma jornada de autoconhecimento. Durante as sessões, ela começa a explorar seus valores, interesses e paixões. Pouco a pouco, Maria começa a descobrir o que realmente a move: ajudar outras pessoas, por meio do voluntariado. O propósito de vida de Maria se manifesta e ela sente uma verdadeira transformação, encontrando alegria e satisfação em sua nova missão. Ter um propósito de vida traz benefícios profundos para o nosso bem-estar emocional. Ele nos ajuda a encontrar sentido em nossos desafios, a enfrentar obstáculos com resiliência e a nutrir nossa saúde mental. Além disso, ter um propósito está diretamente ligado à nossa motivação e felicidade geral. Então, queridos leitores, quero convidá-los a explorarem seu próprio propósito de vida, a conectarem-se com seus valores, interesses e paixões mais genuínos. Deixem

que o propósito guie suas escolhas e ações. E lembrem-se de que, mesmo que seu propósito possa evoluir ao longo do tempo, ele sempre será uma bússola interna em busca do significado e realização. Abra-se para a possibilidade de viver com um propósito significativo. Sua vida pode encontrar um novo sentido e leveza. Permita-se descobrir seu propósito de vida e florescer em uma jornada de realização pessoal. (*) Samiza Soares é formada em psicanálise e hipnoterapia clínica pelo Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica (IBPC), Instituto Lucas Naves e Omni Hypnosis Training Center. Possui mais de seis anos de experiência na área de psicanálise e terapia de desenvolvimento pessoal. Seu protocolo de atendimento é voltado para pessoas individuais, casais, adolescentes e executivos de alta performance, além de atendimento residencial, emergencial e on-line.

Crédito: Banco de Imagens

C

omo terapeuta, estou aqui para falar sobre um assunto profundo e transformador: a importância de ter um propósito de vida. Muitas vezes, nos encontramos perdidos, sem direção ou sentido em nossas jornadas. No entanto, ter um propósito claro pode trazer um profundo impacto positivo em nossa saúde mental e emocional.

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CENARIUM+CIÊNCIA

Manejo sustentável: população de pirarucu revigorada População do peixe cresceu 620% no médio Solimões, segundo o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

população”, afirma o diretor do Mamirauá, João Valsecchi.

João Felipe Serrão – Da Revista Cenarium*

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ANAUS (AM) – A população do pirarucu aumentou 620% na região do médio Solimões, no Amazonas, desde que o primeiro plano de manejo sustentável foi implementado, em 1999. O número representa um crescimento médio anual de cerca de 25%, segundo o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, e contribuiu para que a espécie saísse de risco de extinção nesta região do Estado. O peixe, que é um símbolo da Amazônia, já chegou a entrar na lista de espécies em risco de extinção, em 1996. Na época, a pesca extrativa foi proibida e o pirarucu se tornou objeto de pesquisa do Instituto Mamirauá, responsável por inaugurar o projeto de manejo sustentável. “A espécie estava ameaçada e o manejo sustentável foi o responsável pela recuperação da

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O médio Solimões compreende os municípios de Coari, Fonte Boa, Uarini, Alvarães, Tefé, Jutaí, Codajás, Manacapuru, Iranduba, Anori, Anamã, Caapiranga e Manaquiri.

A espécie estava ameaçada e o manejo sustentável foi o responsável pela recuperação da população”

João Valsecchi, diretor do Instituto Mamirauá. Apesar do crescimento da população, o pirarucu continua na lista da Convenção Internacional de Espécies com Risco de Extinção, porque não há projetos de manejo em toda a extensão da bacia amazônica. “Não precisa entrar na área de reserva para ver o pirarucu. Hoje, a população

voltou a níveis naturais nessas áreas, que fazem com que, naturalmente, haja uma migração para o rio”, explica a coordenadora de manejo de pesca do instituto, Ana Cláudia Gonçalves. Segundo ela, no Amazonas, há duas possibilidades de manejo legal: a piscicultura e a pesca extrativa sustentável. O Instituto Mamirauá presta assistência na segunda modalidade. Para trabalhar legalmente com o pirarucu, o Plano de Manejo Sustentável precisa ser aprovado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

PERÍODO DE DEFESO A captura do pirarucu é realizada da segunda quinzena de outubro até 30 de novembro, data limite para a autorização da pesca. Isso porque o período de dezembro a maio compreende o defeso, para a reprodução dos peixes. Além da quantidade, as análises do Instituto Mamirauá também indicam que o tamanho médio do pirarucu aumentou. Em 1998, a média era de 1,27 metro. As medições realizadas em 2022 revelaram que o peixe passou a ter 1,80 metro, em média.


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Impacto econômico O comércio do pirarucu gerou um faturamento de cerca de R$ 4,3 milhões para comunidades pesqueiras do Amazonas. Enquanto o preço médio de comercialização do peixe no Estado, em 2023, foi de R$ 4,50/kg, as comunidades que contam com a assessoria técnica do Instituto receberam, em média, R$ 6,68/ kg, atingindo R$ 10, em algumas localidades. Para as comunidades pesqueiras, a renda proveniente do pirarucu manejado tem impacto significativo, representando

até 40% de toda a renda proveniente da pesca e 15% da renda geral. Segundo o Mamirauá, o ganho bruto por pescador em cada temporada, apenas com o pirarucu, se aproxima de R$ 4 mil. A concentração da renda em um período também influencia a capacidade dos pescadores para o planejamento, como a melhora das condições de moradia, investimento na atividade e na educação dos filhos. (*) Com informações do Instituto Mamirauá.

Crédito: Ricardo Oliveira

R$ 4,3 milhões

O comércio do pirarucu gerou um faturamento de cerca de R$ 4,3 milhões para comunidades pesqueiras do Amazonas.

Pescador segurando o pirarucu, peixe típico da Amazônia 15


CENARIUM+CIÊNCIA

Universidades sustentáveis UEA aparece em ranking internacional de sustentabilidade Da Revista Cenarium*

é resultado dos esforços da universidade voltados à sustentabilidade. “Temos muitas ações para sermos uma universidade sustentável e isso envolve não apenas os aspectos relacionados à gestão em termos de economia de recursos e uso sustentável, mas também em relação ao que produzimos em termos de tecnologia, visando à sustentabilidade. Essa missão demonstra que a UEA desempenha um papel significativo na busca por uma sociedade mais sustentável”, disse.

Temos muitas ações para sermos uma universidade sustentável, e isso envolve não apenas os aspectos relacionados à gestão em termos de economia de recursos e uso sustentável”

André Zogahib, professor doutor e reitor da UEA. No ranking, as universidades recebem uma pontuação em seis categorias: ambiente e infraestrutura; energia e mudanças climáticas; resíduo; água; transporte; e ensino e pesquisa. Nesta edição, a UEA melhorou seu desempenho em quatro categorias, elevando sua pontuação, que passou de 1.825 (em 2022) para 2.910 em 2023. O reitor da UEA, professor doutor André Zogahib, afirmou que o reconhecimento 16

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Do total de 1.183 IES participantes, 43 são instituições brasileiras, das quais apenas três são da Região Norte: Universidade Federal do Acre (Ufac), Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), além da UEA. A universidade amazonense participa do ranking desde 2020 e, desde então, vem concentrando esforços em prol da sustentabilidade. (*) Com informações da UEA.

Crédito: Ricardo Oliveira

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ANAUS (AM) – Pelo quarto ano consecutivo, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) integra o ranking do UI GreenMetric, sendo a única do Estado do Amazonas incluída na lista. O índice avalia e classifica os esforços em sustentabilidade e gestão ambiental das Instituições de Ensino Superior (IES) em todo o mundo. O ranking 2023 foi divulgado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28).


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As universidades desempenham papel importante na missão de preservar a Amazônia 17


ELEIÇÕES 2024 PODER & INSTITUIÇÃO

O seu voto e a Amazônia O ano é de escolha dos gestores municipais, o que pode impactar nas discussões sobre as questões sociais e bioeconômicas envolvendo a Amazônia Camila Carvalho - Especial para a Revista Cenarium 18

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ANAUS (AM) – No ano em que a Amazônia, berço da maior biodiversidade entre as florestas tropicais do planeta, se prepara para ser o palco da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (COP) 30, em Belém (PA), em 2025, o bioma amazônico será o cenário das eleições municipais com seis dos nove atuais gestores das capitais amazônicas aptos a disputarem a reeleição. A escolha dos novos dirigentes pode impactar, direta e indiretamente, nas questões

sociais e bioeconômicas envolvendo a Amazônia e ditar o cenário para os próximos quatro anos. A COP é um evento realizado anualmente pela Organização das Nações Unidas (ONU) com a participação de representantes de vários países, líderes mundiais, da sociedade civil, pesquisadores e estudiosos para debater as mudanças climáticas, encontrar soluções para os problemas ambientais que afetam o planeta e negociar acordos que sejam benéficos para a população mundial.


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Neste ano, os eleitores têm a missão de escolher quem vai administrar suas cidades

Com a conferência sendo realizada no Brasil, em Belém (PA), em 2025, a floresta amazônica e as políticas de redução de emissões de gases do efeito estufa a partir da Amazônia estarão na pauta principal do evento. As tratativas para organização e realização da Conferência iniciaram em 2023 e seguirão ao longo de 2024, conflitando, em diversos momentos, com o calendário e as ações das eleições municipais. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as eleições municipais de 2024 serão realizadas no dia 6 de outubro (em primeiro turno) e no dia 27 de outubro (em caso de segundo turno). Segundo a Justiça Eleitoral, o segundo turno deve ocorrer apenas nas cidades com mais de 200 mil eleitores, como nas capitais dos Estados da Amazônia, nas quais o candidato mais bem votado à Prefeitura não tenha atingido a maioria

absoluta (metade mais um) dos votos válidos, excluídos brancos e nulos. Oficialmente, o calendário eleitoral das eleições municipais deste ano iniciou em 23 de janeiro, com as discussões em audiências públicas e pelo Plenário do TSE das resoluções que disciplinarão o pleito. Em 6 de abril - seis meses antes das eleições - todos os partidos políticos e federações partidárias têm de ter o registro dos estatutos no TSE para poderem disputar as eleições. Isto possibilitará que os candidatos possam, posteriormente, registrarem suas candidaturas por determinada legenda e disputarem as eleições. A campanha de arrecadação prévia de recursos via financiamento coletivo inicia em 15 de maio, momento em que os que pretendem disputar as eleições ainda são pré-candidatos, já que ainda não é permitido o pedido explícito de votos.

Segundo o calendário divulgado pelo TSE, entre 20 de julho e 5 de agosto, devem ocorrer as convenções partidárias para a definição das coligações e escolha de candidatos às Prefeituras, com o registro de candidatura dos escolhidos feito na Justiça Eleitoral até 15 de agosto. O período deve coincidir com os eventos pré-COP30 anunciados pelo governador do Pará, Helder Barbalho, em dezembro de 2023, após reunião com representantes da Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem), na COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Na reunião, representantes da Cojovem leram uma carta ao governador na qual reivindicavam, entre outros, a inclusão das Juventudes amazônidas nas políticas públicas socioambientais do Pará de forma transversal; aumento de propostas e orçamentos para Juventudes em Políticas, 19


ELEIÇÕES 2024

200 mil O equilíbrio entre o desenvolvimento urbano e a preservação da floresta é um dos desafios dos gestores das capitais amazônicas 20

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Segundo a Justiça Eleitoral, o segundo turno deve ocorrer apenas nas cidades com mais de 200 mil eleitores, como nas capitais dos Estados da Amazônia.

Crédito: Ricardo Oliveira

PODER & INSTITUIÇÃO


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Projetos, Programas, Planos e Estratégias Climáticas do Estado do Pará, em especial dentro do Plano Estadual Amazônia Agora; realização de uma COP de crianças e juventudes durante a COP30 em 2025, em Belém (PA); inserção da Câmara Técnica de Juventudes na construção da COP30 em uma instância deliberativa; e uma cadeira para a Câmara Técnica de Juventudes no Comitê Executivo do Fórum Paraense de Mudanças e Adaptações Climáticas (FPMAC). Na época, o governador se comprometeu em sediar eventos pré-COP voltados às discussões e informou que a proposta deve ser submetida à ONU. Em meio a este cenário de discussões internacionais, os gestores municipais das capitais amazônicas precisam, ainda, enfrentar seus desafios internos. Em Rio Branco, capital do Acre, por exemplo, o novo gestor terá de lidar com problemas históricos no município, como a falta de conectividade, além de questões sanitárias que afetam as comunidades urbanas. Em São Luís, no Maranhão, o desafio do novo gestor será reduzir os índices de devastação das florestas, a extração ilegal de madeira e a degradação das áreas florestais remanescentes por incêndios criminosos. Belém, por sua vez, vive uma crise do lixo, com o dilema dos lixões a céu aberto e fechamento de aterros sanitários. Em Manaus, capital do Amazonas e cidade considerada a capital da Amazônia, um dos principais desafios do prefeito que for eleito em outubro será o reordenamento urbano, com questões referentes ao combate ao desmatamento, além do avanço das organizações criminosas. Em Boa Vista, capital de Roraima, o novo prefeito tem como desafio a crise humanitária na Terra Indígena Yanomami, as questões sociais envolvendo a imigração de venezuelanos, além dos reflexos dos garimpos ilegais.

PROPAGANDA ELEITORAL LIBERADA Em meio às discussões sobre a preservação da floresta amazônica, a partir de 16 de agosto deste ano estará aberta a temporada de propaganda eleitoral, com

pedidos de votos e manifestação explícita pró-eleição. Em 30 de agosto – 35 dias antes da antevéspera do primeiro turno – inicia a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, com término no dia 3 de outubro, uma quinta-feira, anterior às eleições, no domingo, 6 de outubro.

“PANO DE FUNDO” O processo eleitoral deve ser permeado por discussões envolvendo a Amazônia e, especificamente, nas capitais e grandes cidades amazônicas, especialmente por conta da realização da COP30, de forma inédita, no bioma amazônico. Com viés de preservação e desenvolvimento sustentável, os olhos do mundo estarão voltados para a Amazônia, com, segundo o governo federal, a oportunidade de a região ser um exemplo de descarbonização da economia. Após o anúncio de que Belém sediaria a COP, a secretária de Estado dos Povos Indígenas do Pará, Puyr Tembé, ressaltou a necessidade de preparação e mobilização da sociedade civil para receber o evento mundial. “É preciso compartilhar as responsabilidades. Os desafios da emergência climática não são do Brasil, muito menos dos povos indígenas, assim como a COP30 não é uma COP da Amazônia, é do Brasil!”, ressaltou, à época. Além da realização da COP30, as eleições dos novos dirigentes para as capitais amazônicas impactam, diretamente, no combate aos garimpos em Terras Indígenas, na elaboração de projetos e ações voltados à preservação da floresta e a meta de desmatamento zero, anunciados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde o início do mandato, em 2023, e, ainda, no combate às queimadas e a consequente poluição do ar, influenciando em eventos climáticos extremos. A eleição dos prefeitos, em outubro deste ano, impactará no futuro do bioma amazônico, uma vez que as escolhas dos gestores refletem na definição de projetos e ações ao longo dos próximos quatro anos que devem envolver a preservação e a manutenção da Amazônia.

Discussões da COP30 iniciaram em 2023 Desde 2023, as cidades amazônicas têm sido palco de eventos e discussões pré-COP30, que será realizada em Belém, em novembro de 2025, para colocar as cidades amazônicas, especialmente a capital do Pará, no centro das discussões climáticas nacionais e internacionais preparatórias à COP. Na própria Belém, sede do evento, foram realizados, em 2023, ao menos seis eventos pré-COP: o Fórum das Cidades Amazônicas, no qual os prefeitos dos países Pan-Amazônicos trataram sobre políticas públicas para impulsionar a urbanização sustentável da região; a Cúpula da Amazônia, uma iniciativa do governo federal para reunir os chefes de Estado para debater a cooperação entre os países amazônicos com países que fazem parcerias para o desenvolvimento sustentável da região; a 1ª Cúpula Judicial Ambiental da Amazônia, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a jurisprudência brasileira em temas ambientais e climáticos; e a reunião “Diálogos Amazônicos”, organizada por entidades da sociedade civil para discutir questões socioambientais envolvendo a Amazônia. Além disso, também foram realizados, em Belém, mas com a participação da sociedade civil de diversas cidades amazônicas, representantes nacionais e internacionais para discutir a Amazônia, o evento chamado “Diário Talks”, organizado por empresas de comunicação e demais pessoas jurídicas visando discutir a inovação como rota para a produção com sustentabilidade na Amazônia, e a Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, com a presença do oitavo Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, do ex-primeiro-ministro britânico, Tony Blair, e do ex-presidente da Colômbia, Iván Duque, para discutir novas economias para a Amazônia. 21


ELEIÇÕES 2024

Floresta “esquecida” Em 2020, quando ainda eram candidatos, atuais prefeitos das capitais da Amazônia “esqueceram” de mencionar propostas ou projetos para o bioma amazônico em seus planos de governo

cidades nas quais eles buscavam a eleição. Segundo dados das propostas de governo apresentadas pelos então candidatos em 2020 à Justiça Eleitoral, as disputas pelas gestões municipais das capitais amazônicas têm ignorado discussões sobre a preservação, manutenção e, até mesmo, o desenvolvimento sustentável do maior bioma brasileiro.

Camila Carvalho – Especial para a Revista Cenarium

Entre os prefeitos aptos a disputarem reeleição estão o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), que, em 2020, até chegou a apresentar propostas referentes ao meio ambiente, mas, ao longo do mandato, derrubou árvores na capital amazonense para, curiosamente, construir a sede da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmas) em um parque público municipal, derrubou árvores de canteiros centrais para alargar avenidas e preferiu culpar o Governo do Amazonas e outros municípios, quando Manaus foi coberta por uma névoa de fumaça decorrente das queimadas florestais em meio à seca histórica que assolou a região amazônica, em 2023.

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ANAUS (AM) – Nas eleições deste ano, seis dos nove atuais gestores das capitais amazônicas podem disputar a reeleição e tentar seguir no comando das prefeituras. Em 2020, em meio ao enfrentamento da pandemia da Covid-19 e de dados alarmantes sobre os índices de desmatamento e queimadas somados ao início da seca severa na Amazônia, os então candidatos às prefeituras das capitais amazônicas “esqueceram” de mencionar, explicitamente, propostas, ações ou projetos voltados para a Amazônia em seus planos de governo apresentados oficialmente à Justiça Eleitoral. As propostas apresentadas com relação ao meio ambiente foram vagas, genéricas e abrangeram, apenas, o ambiente das 22

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Durante a campanha eleitoral, em 2020, David Almeida chegou a informar à Justiça Eleitoral que tinha como objetivo, caso eleito, “preservar o meio

ambiente e garantir o uso sustentável dos seus recursos”. “Não existe futuro sem o cuidado com o meio ambiente. Manaus não pode ser a cidade do asfalto cercada pela floresta. A excelência da qualidade de vida em Manaus passa pela preservação das águas (rios, igarapés e nascentes), a arborização da cidade e a reconstrução dos biomas degradados. Manaus será o portal turístico da Amazônia e, naturalmente, vocacionada à economia verde”, informou David Almeida no plano de governo, no qual ele também disse que lançaria o programa “Manaus Verde”, voltado para a arborização e a conservação florestal na cidade. Até o momento, também são pretensos candidatos à Prefeitura de Manaus ou figuram entre os cotados pela população, além de David Almeida: o presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), deputado estadual Roberto Cidade (União Brasil), o deputado federal Amom Mandel (Cidadania) – que chegou a publicar um vídeo nas redes sociais desistindo da possível candidatura – além do ex-superintendente da Suframa Coronel Menezes (PL) e do deputado federal Alberto Neto (PL), que devem chegar a um consenso partidário rumo à disputa.

Crédito: Ricardo Oliveira

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Disputa polarizada Um cenário atípico deve permear Cuiabá, no Mato Grosso. Isto porque o prefeito, Emanuel Pinheiro, não pode ser reeleito. Em 2020, ele dedicou parte do plano de governo entregue à Justiça Eleitoral para “prestar contas” das ações realizadas ao longo do mandato e ressaltou projetos e atividades relacionadas ao meio ambiente. “A falta das árvores e as queimadas constantes estavam deixando a nossa Cuiabá mais quente, mais cinzenta e triste, então, ações urgentes foram tomadas na tentativa de reverter a situação da nossa Cidade Verde, contemplando o reflorestamento das áreas públicas, o combate às queimadas, o controle do crescimento desordenado, a degradação dos nossos rios, principalmente do Rio Cuiabá”, disse, no plano de Governo.

Segundo um panorama divulgado pelo Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (Legal), é possível que haja uma polarização entre apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. “É possível dizer que o bolsonarismo tenderá a ser o principal condutor do certame nas cidades do Estado de Mato Grosso, pois os principais grupos políticos e econômicos têm mantido atiçadas as pautas no âmbito do bolsonarismo, de modo que este não arrefeceu no Mato Grosso, mesmo após as eleições presidenciais. Além disso, grupos e partidos que orbitam o campo progressista no Estado, não detêm lideranças com grande densidade eleitoral que possam, de fato, ser competitivas no processo eleitoral que

se aproxima, com exceção de Cuiabá”, apontou o panorama do Legal, realizado em agosto de 2023. Segundo o Legal, em Cuiabá há, pelo menos, seis candidaturas postas e competitivas ao pleito: o deputado federal Fábio Garcia (União Brasil), que é do campo conservador; o presidente do Legislativo Estadual, deputado Eduardo Botelho (União), do centro do campo político; o deputado federal Abílio Brunini (PL), defensor do bolsonarismo, além dos deputados estaduais Lúdio Cabral (PT) e Rosa Neide (PT), aliados do presidente Lula. “As eleições de 2024, em Mato Grosso, tendem a ser marcadas pelo debate em torno de pautas conservadoras e com forte vínculo ao bolsonarismo”, apontou o panorama realizado em agosto de 2023, pelo Legal.

Crédito: Reprodução | Agência Pará

Em Belém, as eleições devem sofrer influência dos preparativos para a COP30

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ELEIÇÕES 2024 PODER & INSTITUIÇÃO

Em Rio Branco, capital do Acre, o prefeito Sebastião Bocalom Rodrigues, o Tião Bocalom, do Progressistas, e também apto à reeleição, segundo a Justiça Eleitoral, foi sucinto com as promessas referentes ao meio ambiente em 2020. “Fortalecer iniciativas e incentivar os produtores rurais e proprietários rurais quanto às práticas de conservação do meio ambiente, entre elas: preservação de nascentes, cursos d’água e matas ciliares”, disse, no plano de governo apresentado à Justiça Eleitoral e disponível para acesso público. Em 2024, Tião Bocalom enfrenta, antes das eleições, uma desavença partidária. Ele foi liberado pelo Progressistas, comandado pelo governador Gladson Cameli, para disputar o pleito por outro partido, enquanto o Progressistas lançará o nome de Alysson Bestene (atual secretário de Governo). Também já se mostram interessados na disputa o ex-prefeito Marcus Alexandre (MDB), o deputado estadual Emerson Jarude (Novo), o ex-deputado Jenilson Leite (PSB), e o atual presidente da Fundação de Cultura Elias Mansour, Minoru Kinpara (PSDB). Em Macapá, capital do Amapá, e em Porto Velho, capital de Rondônia, os prefeitos, respectivamente, Dr. Furlan e Hildon

Chaves (PSDB), sequer citaram o meio ambiente em suas propostas de Governo apresentadas à Justiça Eleitoral. Dr. Furlan deve enfrentar em busca da reeleição os pretensos candidatos: Josiel Alcolumbre (União Brasil), Acácio Favacho (MDB), Aline Gurgel (Republicanos), Paulo Lemos (PSOL), Otávio Fakhoury (PTB) – citados em pesquisas eleitorais desde julho de 2023. Estão confirmados na disputa, até o momento: o deputado estadual Jesus Pontes (PDT) e o ex-deputado estadual Paulo Lemos (PSOL), anunciados pelos partidos em dezembro do ano passado. Já em Porto Velho, Hildon Chaves, reeleito em 2020, está fora da disputa. De acordo com pesquisas eleitorais realizadas em 2023, a eleição municipal pode ser protagonizada pelo presidente da Assembleia Legislativa de Rondônia, deputado Marcelo Cruz (Patriota); Mariana Carvalho (PSDB); pelo ex-deputado estadual Zequinha Araújo (MDB); pelo deputado estadual Alan Queiroz (Podemos); pelo deputado federal Vinicius Miguel (PSB); pelo ex-deputado estadual Jair Montes (Avante) e pelo advogado Samuel Costa (PCdoB). Em Boa Vista, capital de Roraima, o atual prefeito Arthur Henrique (MDB), foi

sucinto ao citar o meio ambiente em sua proposta de governo, em 2020. “A nossa capital é a cidade que tem mais praças na Amazônia, e isso representa também qualidade de vida”, disse no plano de Governo. Arthur Henrique deve disputar as eleições contra os deputados estaduais Catarina Guerra (União Brasil) e Soldado Sampaio (Republicanos), o deputado federal Nicoletti (União Brasil), o ex-vice-governador Frutuoso Lins (PL), o advogado Gustavo Hugo (Rede) e o auditor fiscal de tributos estaduais Ozeas Colares (Novo). Já em São Luís, no Maranhão, Eduardo Braide (Podemos) prometeu, ao menos, quatro ações relacionadas ao meio ambiente: atuar na prevenção e solução de alagamentos na cidade; criar o Selo “Amigo do Meio Ambiente”, para certificar iniciativas de sustentabilidade; atuar para preservar a biodiversidade, com foco na zona rural do município; e ampliar a manutenção das praças, parques e demais áreas de uso comum do município. Braide deve disputar a reeleição contra o deputado federal Duarte Junior (PSB); o terceiro colocado nas eleições em 2020, o deputado estadual Neto Evangelista (União Brasil), e o ex-prefeito Edivaldo Holanda Jr.

Crédito: Ricardo Oliveira

A cidade de Manaus sofreu em 2023 com uma série de crises relacionadas a questões climáticas

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Crédito: Oswaldo Forte | Agência Belém

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Vista do Mercado Ver-o-Peso em Belém

PROPOSTAS Entre os atuais gestores das capitais amazônicas, a prefeita de Palmas, no Tocantins, Cinthia Ribeiro (PSDB), foi a única, em 2020, que elencou, ao menos, 16 propostas diretamente relacionadas ao meio ambiente, clima, proteção de áreas e criação de programas de desenvolvimento sustentável. Reeleita, Cinthia Ribeiro também está fora da disputa pela reeleição e a Prefeitura de Palmas deve ser disputada pelo ex-prefeito Carlos Amastha (PSB), pelo deputado estadual Júnior Geo (PSC), a deputada estadual Janad Valcari (PL), a ex-deputada federal Dulce Miranda (MDB), o ex-deputado Marcelo Lelis (PV), a ex-senadora Kátia Abreu (PP) e o ex-deputado e ex-candidato a governador Paulo Mourão (PT).

Influência da COP30 Em Belém, capital do Pará, a eleição deve sofrer forte influência da realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (COP) 30, em 2025, já que o prefeito eleito será o gestor da capital durante as discussões em torno da Amazônia. O interesse não é meramente ambiental, mas também pelo fluxo de investimentos em infraestrutura e turismo potencializados com a realização do evento. Em 2020, Edmilson Rodrigues (PSOL), atual prefeito, citou a Amazônia em suas propostas apenas para ressaltar a necessidade de valorização da diversidade sociocultural. As propostas referentes ao meio ambiente foram pautadas, sobre-

tudo, sobre o esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais e infraestrutura urbana de Belém. Neste ano, em meio à COP, ele deve disputar a prefeitura com, pelo menos, quatro outros candidatos: o deputado federal Éder Mauro (PL), Delegado Eguchi (PTB) e os deputados estaduais Thiago Araújo (Cidadania) e Zeca Pirão (MDB). Segundo o panorama divulgado pelo Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (Lega), a disputa segue polarizada, desde 2018, entre simpatizantes do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que apoiam Edmilson Rodrigues, e do ex-presidente Jair Bolsonaro, em torno do nome do Delegado Eguchi. 25


ELEIÇÕES 2024

Crédito: Rovena Rosa | Ag. Brasil

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Jovem eleitor durante votação

Eleitorado: jovens são maioria na região Perfil do eleitorado das capitais amazônicas demonstra que eleições passam, predominantemente, pelos votos de jovens adultos de 25 a 34 anos Camila Carvalho - Especial para a Revista Cenarium

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ANAUS (AM) - A busca pela vitória nas urnas das capitais amazônicas deve passar, prioritariamente, por campanhas voltadas aos jovens adultos (de 21 a 34 anos) que residem nestas cidades. Sozinhos, eles ultrapassam os 1.688.321 milhões de eleitores e representam mais de 31,61% dos 5.340.408 milhões de votantes nas capitais amazônicas. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e estão atualizados até julho de 2022, última contagem do eleitorado, às vésperas das eleições de 2022, e estão disponíveis para consulta pública.

Segundo as informações disponibilizadas pela Justiça Eleitoral, os jovens adultos das cidades amazônicas darão não apenas o tom das campanhas, mas também vão ser reflexos dos anseios das comunidades amazônicas nestas eleições. Em Belém, capital do Pará, por exemplo, bastou o anúncio oficial da realização da COP30 na cidade para que os jovens intensificassem as articulações e atraíssem, ainda mais, a atenção para as questões envolvendo as populações tradicionais, a preservação da Amazônia e o desenvolvimento sustentável da região.


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Lideranças da sociedade civil e acadêmica de oito países da Amazônia realizaram, em agosto de 2023, o evento “Diálogos Amazônicos”, para alinhar as reivindicações às autoridades. Durante o evento, os jovens amazônidas se reuniram em diversos painéis organizados pela Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem) e reivindicavam participar, ativamente, e não como meros espectadores, das discussões que serão travadas na COP30, em 2025. No mesmo período, em Manaus, capital do Amazonas, jovens lideranças reuniram-se no “Glocal Experience Amazônia” — evento ligado ao cumprimento da Agenda 2030, baseada nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) — para discutir medidas efetivas contra o avanço das mudanças climáticas,

que nas eleições municipais. “Um discurso, pelo menos, voltado para as questões ambientais da parte dos prefeitos pode viabilizar parcerias futuras. Em Manaus (AM), por exemplo, um candidato a prefeito envolvido com as questões ambientais agregaria possíveis investidores”, afirmou.

De acordo com dados do TSE, dos mais de 5,3 milhões de eleitores das capitais da Amazônia, mais de 53,19% são mulheres, mais de 68% são eleitores solteiros que têm o ensino médio completo, seguido dos que têm ensino médio incompleto. Apesar de a maioria do eleitorado não ter ensino superior, os eleitores das capitais amazônicas têm se mostrado críticos, mas “sem amarras”. Para o cientista político Helso do Carmo Ribeiro Filho, há possibilidade de um “recall” da eleição

Não podemos esperar passivamente por soluções. É nosso dever sermos protagonistas das transformações que queremos” Marcos Vinícios Botelho, ativista representante da Rede de Juventudes 2030 (Rejuv2030), durante evento Glocal Experience Amazônia, realizado em Manaus, em 2023.

a inclusão de crianças e adolescentes nas discussões referentes ao meio ambiente, clima e Amazônia, além dos direitos e garantias das sociedades amazônicas.

de 2022, na qual o então presidente Jair Messias Bolsonaro perdeu o cargo para o atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

A discussão foi capitaneada pelos denominados “protagonistas da Amazônia” — jovens amazônidas — e finalizou com a produção de uma carta por lideranças jovens regionais.

No pleito, segundo dados da Justiça Eleitoral, Lula ganhou de Bolsonaro apenas em Belém, no Pará, entre as demais capitais amazônicas na Região Norte. Em Boa Vista, capital de Roraima, Jair Bolsonaro teve 79,47% dos votos válidos registrados pela Justiça Eleitoral. O ex-presidente Jair Bolsonaro venceu Lula também em Campo Grande (MT) e em Palmas (TO), onde teve mais de 60% dos votos válidos. Lula venceu em São Luís, no Maranhão, também com mais de 60% dos votos.

“Não podemos esperar passivamente por soluções. É nosso dever sermos protagonistas das transformações que queremos”, afirmou ao público presente. Para o cientista político e advogado Helso do Carmo Ribeiro Filho, um pretenso candidato com discurso voltado às questões socioambientais ganharia desta-

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REFLEXO DAS ELEIÇÕES DE 2022

Durante o evento, o representante da Rede de Juventudes 2030 (Rejuv2030) ativista Marcos Vinícios Botelho, ressaltou o papel dos jovens nas discussões e ações referentes, principalmente, ao bioma amazônico.

TOTAL DE ELEITORES NAS CAPITAIS AMAZÔNICAS

“Penso que ainda haverá um recall da eleição passada, ainda não dá para analisarmos em que nível porque a população de Manaus, por exemplo, é muito exigente, a cada pleito ela mostra que não tem amarras”, avaliou o cientista político Helso do Carmo Ribeiro Filho.

Homens 2.499.388

Mulheres 2.841.020

NÍVEIS DE ESCOLARIDADE COM MAIOR NÚMERO DE ELEITORES Ensino médio completo 1.832.220 Ensino médio incompleto 719.519 Ensino fundamental incompleto 690.788 FAIXAS ETÁRIAS COM MAIOR CONCENTRAÇÃO DE ELEITORES 21 a 24 486.947

25 a 29 620.454

30 a 34 580.920

ESTADO CIVIL Solteiros – 3.647.193 Casados – 1.382.530 Fonte: TSE

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ELEIÇÕES 2024 PODER & INSTITUIÇÃO

Agenda socioambiental Especialistas apontam discussões prioritárias que envolvem o bioma amazônico e revelam que a pauta ambiental não tem sido priorizada Camila Carvalho - Especial para a Revista Cenarium

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ANAUS (AM) – Os prefeitos das capitais amazônicas historicamente não priorizam uma agenda ambiental e, quando os temas socioambientais chegam ao Legislativo Municipal, se perdem na demora de tramitação. É o que apontam especialistas ouvidos pela CENARIUM, que indicam que as prioridades estão mais relacionadas à infraestrutura, saneamento básico, recuperação das vias públicas, segurança, educação e saúde, e que os gestores municipais precisam se preparar para lidar com crises causadas por questões climáticas. Recentes pesquisas do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (Legal) apontam que “há um volume considerável de propostas relacionadas ao tema ‘Meio Ambiente e Energia’ no Poder Legislativo, fruto de projetos de lei, que, em geral, têm um processo de tramitação lento e com alta taxa de arquivamento”.

para avaliar a popularidade dos atuais prefeitos, especialmente dos que virão para a reeleição, além da oposição, que vai propor uma agenda alternativa ao status quo. Mas, segundo ele, “a agenda ambiental não é uma prioridade para os prefeitos e os vereadores”. Ele compõe o grupo de pesquisas do Legal, que é um observatório interinstitucional em rede, com a participação de pesquisadores de Instituições de Ensino Superior dos Estados da Amazônia Legal brasileira sob a coordenação-geral do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da

As administrações municipais enfrentarão com maior regularidade crises ambientais causadas pelas mudanças climáticas como as inundações e as ondas de calor” Breno Leite, pesquisador e cientista político do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (Legal).

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). O laboratório conta com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS).

O dado pode ser um cenário assustador, se considerarmos que o maior interesse dos parlamentares e gestores da Amazônia deveria estar voltado às questões que interferem direta e/ou indiretamente na manutenção do bioma amazônico, mas apontam a realidade da região: a falta de prioridade nas agendas ambientais.

Na avaliação do pesquisador, os 772 municípios da Amazônia Legal não estão alheios às preocupações e problemas do País e as prioridades do debate eleitoral devem passar por temas como “obras na área de infraestrutura, saneamento básico, recuperação das vias públicas, segurança, educação e saúde”, além do gerenciamento de crises relacionadas diretamente ao meio ambiente.

Segundo o pesquisador e cientista político Breno Rodrigo de Messias Leite, a mobilização eleitoral deste ano funcionará como um importante termômetro

“As administrações municipais enfrentarão com maior regularidade crises ambientais causadas pelas mudanças climáticas, como as inundações e ondas de

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calor, crises humanitárias causadas por ondas migratórias, falta de moradia, violência urbana e crimes ambientais causadas por queimadas, ocupações irregulares e tráfico de animais silvestres”, ressaltou o pesquisador Breno Leite. Segundo o cientista político Helso do Carmo Ribeiro Filho, um discurso voltado ao menos com as questões ambientais pode viabilizar parcerias futuras e ser fundamental para o sucesso na disputa. Para o pesquisador e epidemiologista do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD) - Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)/Amazônia, Jesem Orellana, a prioridade global é o enfrentamento da crise climática, no qual a Amazônia tem um papel central. Mas, para ele, não basta apenas exigir dos governantes a preservação do bioma sem garantir a sobrevivência dos povos tradicionais. “Na prática, mitigar os efeitos da emergência climática, passa pela garantia da segurança alimentar e hídrica, bem como o adequado e oportuno acesso a serviços de saúde de qualidade, especialmente as ações de prevenção e promoção da saúde ou da atenção primária, mediante a ampliação e a qualificação da estratégia de saúde da família ou, ainda, o fortalecimento de programas de vigilância em saúde e de vacinação da população, por exemplo. Portanto, não podemos “exigir” a preservação do bioma amazônico, sem oferecermos opções práticas para que os habitantes da região possam viver com dignidade. Há muitas experiências exitosas de bioeconomia ou de parcerias público-privadas que poderiam auxiliar. Há soluções, o que segue faltando é cidadania e políticos qualificados e comprometidos com o bem-estar humano”, afirmou Orellana. Como epidemiologista, ele elencou o que poderia ser apontado como prioridade pelos candidatos ao pleito na Amazônia.


PARA ALÉM DO MEIO AMBIENTE Temas que devem ser prioridade nas capitais amazônicas BOA VISTA

MACAPÁ

► Crise humanitária Yanomami ► Imigração dos venezuelanos

► Queimadas em áreas urbanas ► Saneamento básico/água tratada

MANAUS ► Infraestrutura / Mobilidade urbana ► Saneamento Básico

BELÉM ► Infraestrutura/mobilidade urbana ► Coleta de lixo

SÃO LUÍS ► Planejamento habitacional ► Mobilidade urbana

PALMAS

RIO BRANCO

► Problemas socioterritoriais ► Transporte público

► Saneamento básico/água potável ► Conectividade

CUIABÁ

PORTO VELHO ► Infraestrutura/Transporte público ► Planejamento urbano

► Trânsito ► Transporte público

Fonte: Levantamento feito pela reportagem em noticiários locais de cada cidade publicados na internet.

“Em termos de saúde pública, uma prioridade segue sendo o saneamento básico, incluindo não somente água potável, em quantidade e qualidade aceitáveis, como também o tratamento de resíduos sólidos e a coleta/manejo adequado do lixo produzido pela população”, disse.

GESTÃO E GOVERNABILIDADE Independentemente do resultado das eleições, os pesquisadores foram unânimes em afirmar que os prefeitos das capitais amazônicas vão necessitar de uma ampla base de apoio, especialmente nos Legislativos municipais, para a aprovação de medidas e ações voltadas à Amazônia. “O governo precisa gerenciar uma base parlamentar substantivamente ampla e partidariamente coesa, que seja capaz de sustentar a sua governabilidade com a aprovação de medidas administrativas e projetos de lei. As capitais dos Estados da

Amazônia Legal precisam implantar, com certa urgência, modelos de governança policêntrica, com foco na participação de atores estatais e não estatais na construção de agendas ligadas à sustentabilidade socioambiental e integração das comunidades tradicionais e urbanas às cadeias econômicas”, disse o pesquisador Breno Leite. O pesquisador da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana, também ressaltou a importância da escolha de parlamentares engajados com a agenda ambiental, especialmente para o enfrentamento de problemas crônicos socioambientais na Amazônia. “É crucial escolhermos gestores comprometidos com pautas de saúde pública e socioambientais efetivas, realistas e alinhadas ao complexo cenário global e regional, sobretudo por estarmos em uma região marcada historicamente por fracassos sanitários e de precária preserva-

ção do bioma amazônico. É igualmente importante elegermos vereadores com esse perfil, pois o gestor máximo sozinho é incapaz de oferecer soluções sem apoio e diálogo”, ponderou Orellana. A reportagem fez um levantamento em noticiários sobre os problemas de cada cidade publicados na internet nos últimos meses e identificou alguns dos temas que devem ser considerados prioritários pelos gestores municipais na próxima gestão (veja o infográfico). As prioridades dos candidatos às eleições nas capitais amazônicas devem ser conhecidas com o registro das candidaturas junto à Justiça Eleitoral, momento em que os candidatos ao pleito devem apresentar os planos/programas de governo com as propostas que sustentam as candidaturas e os habilitam a receber o voto do eleitor. 29


PODER & INSTITUIÇÕES

Democracia viva Extremistas da Amazônia participaram de ataques aos Três Poderes em Brasília; relembre, um ano depois, o frustrado atentado ao regime democrático Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

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Logo após aquele dia, investigações já apontavam que partiram de Estados amazônicos, como o Pará, Rondônia e Mato Grosso, os financiamentos dos golpistas que participaram dos ataques terroristas. Não coincidentemente, as localidades fazem parte do arco do desmatamento, região onde a fronteira agrícola avança em direção à floresta. No dia 8 de janeiro de 2024, um ano depois daquela fatídica data, a 23ª fase da Operação Lesa Pátria buscou identificar, em Estados como o Mato Grosso, Maranhão, Rondônia e Tocantins, os financiadores dos ataques. Um desses atores foi o empresário paraense George Washington de Sousa, de 54 anos, condenado a 9 anos e 4 meses de prisão pela tentativa de atentado a bomba perto do Aeroporto de Brasília, 30

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Crédito: Marcelo Camargo | Ag. Brasil

ANAUS (AM) – O dia 8 de janeiro de 2023, assim como os dois meses que o antecederam, foram de tensão crescente na Capital Federal, Brasília (DF), com a participação direta de pessoas da região amazônica. Desde acampamentos golpistas até o ato extremista que culminou na invasão e na vandalização dos prédios dos Três Poderes — Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal (STF) e Palácio do Planalto — na Capital Federal, a história foi desenhada, negativamente, com a colaboração de amazônidas.


REVISTA CENARIUM

Represálias Antes do fatídico dia em Brasília, o País viveu uma escalada de tensão nacional com os acampamentos golpistas em frente a quartéis do Exército em vários Estados, inclusive na Amazônia Legal, que duraram dois meses e só foram desmobilizados após ordens judiciais. A REVISTA CENARIUM repercutiu o assunto em, pelo menos, duas edições especiais da revista física. A primeira, de novembro de 2022, abordou a “realidade paralela” dos extremistas acampados em frente aos quartéis. A segunda, de janeiro de 2023, questionou “Quem banca os golpistas?” A concentração nas áreas dos QGs militares reuniu homens, mulheres e até crianças (levadas pelos responsáveis), em uma tentativa de articular um plano para o golpe de estado, e que contavam com financiamento de empresas, conforme mostrou a REVISTA CENARIUM na reportagem “Protestos antidemocráticos recebem ajuda de ao menos cinco empresas em Manaus”. A investigação jornalística causou a ira dos extremistas, que chegaram a intimidar profissionais da imprensa, como a ex-repórter da CENARIUM, Ívina Garcia, e o fotojornalista Ricardo Oliveira. “Foi devastador, ainda mais que a polícia não deu retorno e tive que me afastar do trabalho por segurança. Recebi muitas ameaças que se voltaram até para minha família. Foi horrível me sentir impotente, não poder trabalhar na cobertura que eu estava acompanhando desde o começo. Mas, em compensação, pude ir no dia que desfizeram o acampamento, após os ataques do 8 de janeiro”, compartilha a profissional.

Bolsonaristas em atos terroristas em Brasília, em frente ao Congresso Nacional 31


PODER & INSTITUIÇÕES Crédito: Reprodução Redes Sociais e Agência Senado

Roniclei Teixeira (à esquerda), George Washington e Yuri Luan

em dezembro de 2022. Ele confessou ter montado o artefato e entregue a outra pessoa, com a intenção de explodir um poste de energia para deixar a capital sem luz. A bomba, que chegou a ser colocada em um caminhão-tanque, foi encontrada pelo motorista do veículo e desativada pela polícia.

A responsabilidade política (de Bolsonaro) é inequívoca. Eu acredito que, até mesmo, os militares não retiraram esses invasores, esses manifestantes, por conta de algum estímulo que havia por parte da Presidência da República” Gilmar Mendes, ministro do STF, em entrevista à AFP.

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Em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), no Congresso Nacional, o empresário de Xinguara, no Pará, chegou a admitir que frequentou o acampamento bolsonarista montado em frente ao quartel-general do Exército, na Capital Federal, mas negou que a tentativa de ataque terrorista tivesse relação com o ataque aos Três Poderes e com uma tentativa de invasão da sede da Polícia Federal, em 12 de dezembro. Além de George Washington, outros dois paraenses foram identificados como extremistas envolvidos nos ataques terroristas aos Três Poderes, em Brasília. Ambos chegaram a publicar vídeos durante o ato antidemocrático, como é o caso de Roniclei Teixeira. Em um vídeo postado na rede social dele, o então morador de Jacundá, no sudeste paraense, estimulou a ação e mostrou a invasão. “Bora, meu povo brasileiro! Botando os vagabundos para correr, esses filhos da p*ta!”, diz ele no vídeo.

RONDÔNIA Dos outros Estados da Amazônia, Rondônia teve, pelo menos, oito pessoas reconhecidas entre os manifestantes que estavam na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, durante o ato que terminou em ataques terroristas, no dia 8 de janeiro. O rondoniense Yuri Luan dos Reis foi um dos 100 denunciados pela invasão e depredação da sede dos Três Poderes, em Brasília. Morador de Cerejeiras, distante cerca de 800 quilômetros da capital Porto Velho, Yuri apareceu em um vídeo divulgado três dias antes da invasão à sede dos Três Poderes, junto a outros bolsonaristas que convidavam a população para a concentração em frente ao Quartel do Exército, em Brasília. Na ocasião, ele disse que estava em Brasília há quase 60 dias. Yuri também publicou um vídeo, à época, durante a invasão aos prédios dos Três Poderes. “Perdeu, mané! Não amola!!! Barroso”, disse ele, se dirigindo ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso.

TOCANTINS No Tocantins, pelo menos 12 servidores públicos são suspeitos de participarem dos atos antidemocráticos e ataques a


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Brasília. A investigação foi acompanhada pela Corregedoria-Geral do Estado do Tocantins, que informou que, ao menos, três estavam na lista de presos. À época, o corregedor-geral Luciano Alves Ribeiro Filho informou que a maioria dos servidores do Tocantins envolvidos foram identificados após denúncias. Das 12 denún-

cias, sete foram feitas por meio do portal fala.BR, plataforma integrada de ouvidoria e acesso à informação, onde é possível comunicar atos ilícitos praticados contra a administração pública. Os demais se deram pela via institucional, dois deles via ofício e três foram identificados a partir da análise da lista de pessoas presas em Brasília.

Capas da Revista Cenarium em edições que repercutiram os acontecimentos ligados aos ataques à Democracia

‘Responsabilidade política de Bolsonaro’ Da Revista Cenarium* BRASÍLIA (DF) – O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou em entrevista à agência de notícias AFP que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tem responsabilidade política pelos atos golpistas do dia 8 de janeiro, que completaram um ano. “A responsabilidade política (de Bolsonaro) é inequívoca. Eu acredito que até mesmo os militares não retiraram esses invasores, esses manifestantes, por conta de algum estímulo que havia por parte

da Presidência da República”, declarou Gilmar Mendes à agência. Cabe à Procuradoria-Geral da República (PGR) decidir se há elementos para denunciar Bolsonaro. Ele é investigado no inquérito sobre os iniciadores dos atos golpistas em Brasília. A PGR avalia se ele instigou seus apoiadores contra as instituições e a não aceitarem o resultado da eleição. Uma das provas é o vídeo publicado pelo ex-presidente no Facebook, dois dias após as cenas de vandalismo em Brasília, com teorias infundadas sobre

a segurança das urnas. A postagem foi apagada, minutos depois. Em depoimento à Polícia Federal, ele afirmou que estava medicado e que queria assistir o vídeo e não publicá-lo em seu perfil. Se for denunciado, mesmo não sendo mais presidente, deve ser julgado pelo STF, porque o tribunal mantém sob sua jurisdição todas as investigações e ações relacionadas aos protestos na Praça dos Três Poderes. (*) Com informações do UOL.

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Crédito: Alex Pazuello | Secom

PODER & INSTITUIÇÕES

O governador do Amazonas, Wilson Lima, determinou ações de fomento nos 62 municípios do Estado

Estímulo ao desenvolvimento Em 2023, Amazonas investiu R$ 306 milhões em crédito e ações de fomento, beneficiando mais de 130 mil pessoas em todos os 62 municípios do Estado Da Revista Cenarium*

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ANAUS (AM) – Ao longo de 2023, o Governo do Amazonas, por determinação do governador Wilson Lima, liberou mais de R$ 306,5 milhões em operações de crédito e em ações de fomento que beneficiaram 132 mil pessoas direta e indiretamente. O investimento foi viabilizado por meio de ações da Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam), Fundo de Promoção Social e Erradicação da Pobreza (FPS) e Secretaria de Estado de Assistência Social

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(Seas), e foi realizado em todos os 62 municípios do Amazonas. A Afeam realizou 16 mil operações de crédito que geraram mais de R$ 262 milhões em investimentos, ultrapassando as metas estabelecidas pelo governo do Estado para o Exercício de 2023, e alcançando 48 mil pessoas. Em Manaus, os investimentos são da ordem de R$ 90,3 milhões e, no interior, os recursos chegam a R$ 171,7 milhões.

instituições sociais, sendo 57 da capital e outras 40 do interior. Entre os repasses estão equipamentos e materiais permanentes, veículos utilitários, obras de reforma e ampliação, além de pagamento de pessoal, disponibilizado, pela primeira vez, no Edital n.º 001/2022, como valorização do trabalho que, na maioria das vezes, era realizado de forma voluntária.

SOCIAL

No combate à fome, por meio do programa “Mesa Brasil” do Sesc Amazonas, o FPS entregou mais de 3,5 toneladas de alimentos para 100 famílias em situação de vulnerabilidade social. Já com a parceria do Cetam Amazonas, foram distribuídas outras 3 toneladas para os grupos Aconchego e Super Mães. A iniciativa contemplou 80 famílias com crianças com deficiência e mulheres gestantes.

O FPS alcançou mais de 83 mil famílias, com investimentos que somam R$ 34,5 milhões. Ao todo, foram contempladas 97

O FPS realizou, ainda, o repasse de mais de R$ 3,3 milhões para ações prioritárias do governo do Estado, entre elas,

O setor do comércio foi mais demandado pelos empreendedores de todo o Amazonas, representando 60,4%, seguido dos setores do serviço 21%, rural 15% e indústria 3,6%.


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R$ 262 milhões

R$ 34,5 milhões

A Afeam realizou 16 mil operações de crédito que geraram mais de R$ 262 milhões em investimentos.

O FPS alcançou mais de 83 mil famílias, com investimentos que somam R$ 34,5 milhões.

CRÉDITO ROSA Com foco na autonomia financeira das mulheres, o programa Crédito Rosa contemplou, em 2023, mais de 1,7 mil mulheres. No total, R$ 10 milhões foram liberados, impactando positivamente a vida de mulheres em 34 municípios do Amazonas. O Crédito Rosa é oferecido pela Seas, em parceria com a Afeam, por meio do Termo de Cooperação Técnica.

Com foco na autonomia financeira das mulheres, o programa Crédito Rosa contemplou, em 2023, mais de 1,7 mil mulheres. No total, R$ 10 milhões foram liberados.

Desde sua implementação, em março de 2022, o programa Crédito Rosa já atendeu mais de 6 mil mulheres no Amazonas. Mais de 400, em todo o Estado, receberam concessão de crédito.

CONSUMIDOR Em 2023, o Instituto de Defesa do Consumidor do Amazonas (Procon-AM) realizou 195 mil atendimentos presenciais, 36.600 online e 5 mil audiências de conciliação. A instituição visa desenvolver um trabalho de orientação e fiscalização do mercado de consumo, combatendo práticas abusivas, resguardando os direitos da população e, sobretudo, promovendo o equilíbrio nas relações estabelecidas entre consumidores e fornecedores.

R$ 78 milhões para a agricultura familiar Em 2023, o Governo do Amazonas, por meio do Sistema Sepror (Idam, Adaf e ADS), investiu, aproximadamente, R$ 78 milhões na aquisição de alimentos da agricultura familiar, elaborou mais de 2 mil projetos de crédito; entregou mais de 1 milhão de alevinos; recolheu mais de 350 toneladas de alimentos nas feiras da capital; além de capacitar mais de 11,3 mil produtores rurais em 29 municípios. O Governo do Amazonas vem incentivando o setor rural amazonense com foco na piscicultura e agricultura familiar, além de garantir a segurança alimentar às famílias beneficiadas pelos programas Estadual de Combate e Prevenção ao Desperdício e à Perda de Alimentos (Pcodepa), de Aquisição de Alimentos (PAA), de Regionalização da Merenda Escolar (Preme) e Crédito Rural.

Operações de crédito da Afeam ajudaram a estimular negócios no Estado

Crédito: Alex Pazuello | Secom

a reforma de seis Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Caics) e a aquisição de pescado a serem doados a famílias em situação de vulnerabilidade, por meio do Programa de Assistência Familiar (PAF) da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (ADS).

R$ 10 milhões

As ações são executadas por meio da Secretaria de Estado de Produção Rural (Sepror) e suas unidades vinculadas: Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas (Idam), Agência de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (ADS) e Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Amazonas (Adaf), que juntas realizaram diversas ações voltadas ao desenvolvimento rural sustentável amazonense. 35


Crédito: Filipe Jazz | Comunicação TCE-AM

PODER & INSTITUIÇÕES

Agora, os cidadãos podem contar com um canal de comunicação com o TCE, via WhatsApp

Mais próximo M do cidadão

ANAUS (AM) – O Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) inicia o ano de 2024 com uma novidade que vai fortalecer os laços entre a instituição e a sociedade amazonense. Após período de recesso parcial, a Corte de Contas retorna às atividades com uma novidade que promete aproximar, ainda mais, a instituição dos cidadãos, com o lançamento de um canal oficial no WhatsApp.

Tribunal de Contas inicia 2024 com ações que visam aproximação com o cidadão e lança nova plataforma de WhatsApp Lucas Silva e Giovana Félix – Especial para a Revista Cenarium

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A iniciativa, anunciada no início deste ano, visa facilitar o acesso a informações relevantes à população. Para acessar o Canal, basta acessar o link: https://whatsapp.com/channel/0029VaEcGttEFeXdoEWLK43B ou adicionar o contato (92) 99220-5044 e enviar uma mensagem. O


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canal oferece aos cidadãos a oportunidade de receber atualizações sobre decisões plenárias, ações da Corte de Contas e cursos gratuitos promovidos pela Escola de Contas Públicas diretamente nos dispositivos móveis.

rência, a prestação de contas e a participação ativa dos cidadãos nas decisões da instituição. A medida integra uma das estratégias de comunicação da nova gestão, liderada pela presidente da Corte de Contas, conselheira Yara Amazônia Lins.

A adesão ao canal é simples e gratuita, bastando adicionar o contato (92) 992205044 à agenda do celular e enviar uma mensagem. A partir desse momento, os cidadãos estarão conectados com as últimas notícias, orientações, avisos sobre cursos e informações importantes do Tribunal de Contas.

A plataforma do WhatsApp terá um enfoque especial na divulgação das ações da Corte de Contas, consolidando-se como um meio ágil e eficaz para manter a sociedade informada sobre os acontecimentos mais relevantes.

Crédito: Filipe Jazz | Comunicação TCE-AM

O objetivo da nova ferramenta é estreitar os laços entre o tribunal e a sociedade civil, promovendo o diálogo, a transpa-

Para aqueles que desejam fazer denúncias, apresentar reclamações, enviar sugestões ou fazer solicitações, a Ouvidoria do TCE-AM permanece disponível através do site ouvidoria.tce.am.gov.br.

Retorno do recesso e nova gestão Após o período de recesso parcial, o TCE-AM retornou às atividades no último dia 12 de janeiro. Os atendimentos foram normalizados e acontecem de segunda a sexta-feira, das 7h às 15h. Durante o período de recesso, conforme a Portaria n.º 877/2023, algumas atividades do TCE-AM foram parcialmente suspensas, incluindo a interrupção de prazos processuais e recursais. Conforme a mesma portaria, a presidente Yara Lins continuou analisando as medidas acautelatórias, que não foram afetadas pela suspensão dos prazos processuais. Com o retorno, os prazos processuais voltaram a correr normalmente. O protocolo de documentos pode ser realizado presencialmente no tribunal, mas deve ser feito, preferencialmente, via Domicílio Eletrônico de Contas, em dec.tce.am.gov.br.

Fachada da sede do TCE-AM 37


Ailton Krenak na ABL representa reconhecimento da mobilização e articulação indígena

Ademir Ramos – Especial para a Revista Cenarium

A

tivista político, pensador e escritor Ailton Alves Lacerda, conhecido como Ailton Krenak, identidade agregada de seu povo pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê, é o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). Depois de mais de 500 anos da era do descobrimento, Ailton Krenak é notícia em todo o Brasil por ser o primeiro indígena eleito para a ABL. Ele é membro da Academia Mineira de Letras, professor Honoris Causa da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e da Universidade Nacional de Brasília (UnB), e vencedor do Prêmio Juca Pato em 2020. Ailton vive na Reserva Indígena Krenak, em Resplendor, nas Minas Gerais. Suas últimas obras são “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019), “A vida não é útil” (2020), “O amanhã não está à venda” (2020) e o “Futuro Ancestral” (2022), essa última uma das mais vendidas na lista do PublishNews. Ailton Krenak, aos 70 anos, foi eleito para a ABL, com 23 votos, no dia 5 de outubro, para a cadeira número 5, vaga com a morte do historiador José Murilo de Carvalho. O autor disputou com 11 candidatos, entre eles outro pensador, escritor e ativista indígena Daniel Munduruku. A posse do acadêmico ainda não foi agendada. Na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, o ativista dos direitos indígenas e ambientais marcou posição contrária

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às mineradoras, latifundiários e grileiros, presentes, hoje, no Congresso Nacional nas bancadas da Bala, da Bíblia e do Boi. Ailton Krenak notabilizou-se com uma das cenas mais emblemáticas no plenário da Constituinte, pintando o rosto com tinta preta de jenipapo, enquanto discursava da Tribuna em favor do direito da demarcação das terras indígenas, contra o genocídio de sua gente e as queimadas da Amazônia. A luta do Movimento Indígena, no contexto da democratização do País, cravou, na Constituição Federal de 1988, no Capítulo VIII, dois Artigos (231/232) determinantes para o presente e futuro dos povos originários do Brasil. Quanto ao Art. 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que, tradicionalmente, ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Entre os sete parágrafos desse artigo, o primeiro ganhou maior visibilidade, por conceituar legalmente a matéria que ainda hoje é disputada no Congresso Nacional pelo agronegócio sob a legenda de “Marco Temporal”, contudo, saibam eles e a quem interessar possa que: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodu-

Crédito: Acervo Pessoal

ARTIGO – ADEMIR RAMOS – ESPECIAL PARA A REVISTA CENARIUM

ção física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. A eleição de Ailton Krenak para a ABL não se reduz somente ao mérito desse pensador, é muito mais. Trata-se do reconhecimento do processo de mobilização e articulação iniciado na década de 1970 pelo Conselho Indigenista Missionário, Comissão Pró-Índio, Centro de Documento Indígena/ISA, Operação Anchieta, universidades, Ordem dos Advogados do Brasil, União Nacional dos Estudantes, Movimento em Defesa da Amazônia e demais instituições nacionais e locais, que participaram ativamente desse processo de Democratização do País. Na fervura das lutas sociais e étnicas, várias lideranças indígenas foram assassinadas, assim como também seus parceiros de combate. Mas, os sonhos e projetos estão vivos a se multiplicar nos Movimentos Indígenas e na inserção dos (as) jovens nas universidades e demais frentes dos campos do saber, fazer e ser dessas culturas. Na história da literatura indígena, temos um fato marcante a partir da década de 1960, representando, dessa feita, um divisor de águas. A antropóloga Berta Ribeiro é testemunha ocular desse fato, ao documentar a escrita e a edição original da mitologia heroica dos “Índios Desâna – Antes o Mundo não Existia”, com copyright datado de 1980, editado pela Livraria Cultura Editora, de São Paulo. Para a antropóloga, “esta é a primeira vez que protagonistas indígenas escrevem


REVISTA CENARIUM

Berta Ribeira, autora da introdução da obra coletiva da mitologia Desâna, afirma que: “O maior valor do livro que tenho o privilégio de prefaciar é seguramente de ter sido escrito por dois índios (…). Isto confere autenticidade incontestável ao conteúdo (…). Documenta o resultado da simbiose entre o conservantismo cultural e o uso de instrumento adquirido de nossa civilização para exprimi-lo; a linguagem escrita”. Dos autores da obra “Antes o mundo não Existia”, Luiz Gomes Lana está vivo e mora na Aldeia São João, no Rio Tiquié, distrito de Pari-Cachoeira, no município de São Gabriel da Cachoeira, a noroeste do Estado do Amazonas. Como bem reconhece Daniel Munduruku, a literatura indígena tem, sim, origem: “Como processo de registro escrito, ela se inicia com o icônico livro Antes o mundo não existia. Claro que, anteriormente, já haviam existido outros ensaios de Eliane Potiguara, peças teatrais de Ademario Payayá e mesmo apontamentos de Álvaro Tukano que registravam os primeiros passos do movimento indígena (…). Mas, é muito importante que esta obra seja assim apresentada para evitar que alguém se diga o pai da ideia”.

Não bastasse toda a grandeza da obra dos Lana, como precursora da literatura indígena no Brasil, Daniel chama-nos atenção e faz questão de destacar que é fundamental frisar o caráter coletivo da obra: “É sua principal contribuição para não nos permitir esquecer da característica fundante da nossa literatura — ela é a voz da memória coletiva de nossa gente; garantia do pertencimento de quem escreve; força inequívoca da identidade ancestral que é produzida, ou melhor, atualizada pelos novos agentes da literatura”. Além de Daniel Munduruku, buscamos também ouvir o pensador e ativista Álvaro Tukano, que exaltou o compromisso de Ailton Krenak com a luta dos povos originários e o seu valor intelectual. Na oportunidade, Álvaro, que é Tukano do Distrito de Pari-Cachoeira, lembrou outros pensadores indígenas, como: Gabriel Gentil, Manoel Moura (Tukano), Feliciano Lana (Desâna), Daniel Cabixi, Marcos Terena, David Yanomami e demais sábios anônimos tanto da Amazônia quanto de todo Brasil: “Para nós, falar de literatura indígena é falar de nós, dos nossos antepassados, é decifrar os códigos antigos para ensinar os jovens líderes a manter viva as tradições milenares, com alegria e saber”, explica. Em síntese, a literatura indígena carregada de significados ancestrais quando tipificada por interlocutores do campo filosófico pode ser também comparada com os escritos de Homero ou dos Pré-socráticos como sendo uma “maneira de

pensar”, explica Raven e Kirk. Os filósofos Pré-Socráticos, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p. 1. Mais ainda na perspectiva da pós-modernidade, pode representar também uma “ruptura cultural” nos termos de Kaplan, E. Ann (Org). O mal-estar no pós-modernismo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1993, p.11. No entanto, livrando-se dos rótulos e das visões de fim de mundo à revelia da história, prefiro compreender as cosmovisões indígenas ao calor dos “Tristes Trópicos”, de Levi-Strauss, convencido de que o indivíduo não está só no grupo e cada sociedade não está só entre as outras, o homem não está só no universo. “Assim que o arco-íris das culturas humanas tiver acabado de afundar-se no vazio cavado pelo nosso furor; enquanto estivermos presentes e existir um mundo – este arco tênue que nos une ao inacessível permanecerá” (1981, p. 409). Tal condição posta resultará das decisões políticas, econômicas e sociais que as ações estruturantes das corporações transnacionais, dos agentes governamentais e multilaterais tomarem em atenção aos biomas e ecossistemas do planeta, que teima em viver de forma sustentável. (*) É professor, antropólogo, coordenador do Projeto Jaraqui e do Núcleo de Cultura Política da Amazônia, vinculado ao Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). E-mail: ademiramos@ hotmail.com (*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

Crédito: Divulgação | Acervo Pessoal

e assinam sua mitologia. Tolamãn Kenhíre (Luiz Gomes Lana), índio Desâna do clã do mesmo nome, e seu pai, Umúsin Panlõn Kumu (Firminiano Arantes Lana), de 33 e 53 anos, respectivamente, decidiram fazê-lo para deixar a seus descendentes o legado mítico de sua tribo (…)”.

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Crédito: Ricardo Oliveira | Revista Cenarium

ECONOMIA & SOCIEDADE

Tormento Yanomami Continuidade de mortes um ano após crise se tornar pública força Governo Lula a reagir ao garimpo Adriã Galvão e Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

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Indígena Yanomami em Boa Vista, Roraima, em 31 de janeiro de 2023


REVISTA CENARIUM

B

OA VISTA (RR) – A crise humanitária e de saúde na Terra Indígena Yanomami, que abrange os Estados do Amazonas e de Roraima, voltou a pressionar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mais especificamente o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), após dados apontarem que ao menos 308 indígenas do território morreram, em 2023, vítimas de doenças tratáveis, assim como o aumento de malária, gripe e avanço do garimpo.

Diante do panorama, as críticas ao governo se intensificaram. No início de janeiro deste ano, o escritor e ativista Daniel Munduruku criticou a atuação do Ministério dos Povos Indígenas no enfrentamento à crise na saúde dos Yanomami e se referiu à pasta como “ministério cirandeiro”, sem citar diretamente a ministra dos Povos Originários, Sonia Guajajara. “Os dados sobre a saúde dos Yanomami não deixam dúvidas: criar um ministério cirandeiro apenas para apagar incêndio é replicar a velha política do pão e circo. Muita festa, muita viagem internacional, muito discurso, muito do mesmo e nada do necessário. Uma lástima!”, publicou na rede social X, antigo Twitter.

A desassistência no maior território indígena do País, com quase 10 milhões de hectares, já vinha em uma escalada desde o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Quando assumiu a presidência, Lula decretou emergência de saúde pública na região para enfrentá-la. Mas, um ano após o anúncio do decreto e da criação do Comitê de Coordenação Nacional para discutir e adotar medidas de atendimento a essa população, o que se vê é a dificuldade de reverter o cenário.

Sob pressão, uma comitiva do governo federal, com Guajajara, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, visitou a Terra Yanomami para avaliar a situação um ano após o decreto de emergência sanitária.

OCORRÊNCIA DE 308 ÓBITOS EM 2023 80 ANOS OU MAIS

17 30

60 A 79 ANOS

Faixa etária (anos)

20

15 A 19 ANOS

TOTAL 308 Crédito: Reprodução | Ministério da Saúde

31

20 A 39 ANOS 10 A 14 ANOS

10

5 A 9 ANOS

13 58

1 A 4 ANOS

104

MENOR DE 1 ANO 0

20

40

60

80

100

*4 óbitos em investigação e sem confirmação de idade

Polos Bases de origem

52,5 % até 4 anos

“Assim como foram décadas de invasão para chegar a este ponto, pode levar décadas para restabelecer tudo”, declarou a ministra durante transmissão ao vivo, no Instagram, junto com o secretário nacional de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba. “Para quem não conhece o território, é importante entender a complexidade [da situação]. E não só pensar: ‘ah! Passado um ano, não se deu conta’. Ou: ‘Ah! Em um ano vai resolver [os problemas]’. Não resolvemos e, possivelmente, não se resolverá em toda a sua dimensão em 2024”, acrescentou a ministra, que ressaltou que pode levar anos para que o território se regenere da destruição causada pelo garimpo ilegal. “Para os Yanomami terem seu modo de vida de volta é preciso retirar os invasores [da área]. É preciso que [os indígenas] tenham como plantar; que os rios sejam despoluídos para que [as comunidades] tenham água para beber […], ou seja, para sarar as pessoas, é preciso primeiro sarar a terra. Para isso, é preciso desocupar o território”, argumentou.

MORTES EVITÁVEIS

25

40 A 59 ANOS

No dia 16 de janeiro deste ano, Sonia Guajajara admitiu que a crise humanitária não será resolvida tão cedo, apesar dos esforços do governo federal.

Polo Base

N

Auaris Xitei Maturaca Surucucu M. Catrimani Outros

55 27 25 23 15 163

Total

308

A mineração ilegal na Terra Yanomami, ocupada anteriormente por cerca de 20 mil garimpeiros, é apontada ainda como principal causa de doenças e mortes entre os indígenas. As 308 mortes de indígenas do território, no ano passado, representaram uma queda de apenas 10%, se comparadas aos 343 óbitos registrados em 2022. Entre as mortes registradas entre janeiro e novembro do ano passado, 175 são de crianças entre zero e nove anos, desse número 104 são de bebês com menos de um ano. A maioria dos óbitos foi causada por doenças respiratórias, como a gripe e a pneumonia, doenças infecciosas e parasitárias, endócrinas, nutricionais e metabólicas. Além das causas externas de morbidade e mortalidade. Dados coletados entre janeiro e novembro do ano passado pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami 41


Crédito: Arquivo Pessoal

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Presidente da Urihi Associação Yanomami, Júnior Hekurari

(DSEI-Y) mostram o salto gigantesco de 3.303 para 20.524 casos de síndromes gripais entre a população originária. Já as notificações de síndrome respiratória aguda grave subiram de 2.478, em 2022, para 5.598 em 2023. A malária entre os Yanomami também apresentou um aumento significativo de 84,2%. Foram 25.204 casos registrados no ano passado, enquanto em 2022 foram 15.561, correspondente a 77%. Atualmente, o território Yanomami tem a presença de 31.007 indígenas, distribuídos em 376 comunidades. Ao todo, 60,7% dos indígenas estão na faixa etária abaixo de 20 anos.

GOVERNO FALHOU Além das mortes e doenças, o garimpo também causa danos ambientais, como a degradação das florestas e o maior contato com vetores de doenças estocados na selva, que propiciam o aumento de endemias, como a malária, e surtos de doenças provenientes de animais. 42

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Em entrevista à REVISTA CENARIUM, o presidente da Urihi Associação Yanomami, Júnior Hekurari, avaliou como “morosa” e “falha” a retirada de garimpeiros ilegais do território pelo governo federal. Para a liderança Yanomami, a população ainda sofre os resquícios da desassistência deixada pelo Governo Bolsonaro, mas “isso não reduz o fato de que o governo falhou no ano de 2023 em buscar maneiras de manter a população protegida”. “No decorrer do ano, houve a aceleração na retirada dos invasores da Terra Indígena Yanomami, mas, depois, o ritmo foi diminuindo. A morosidade da extrusão de garimpeiros nas regiões mais isoladas do território, tem sujeitado suas comunidades à violência de criminosos”, destacou Hekurari.

AÇÕES PERMANENTES No dia 10 de janeiro, o presidente da Urihi Associação Yanomami esteve na região de Auaris, na TI Yanomami, com a comitiva do governo federal composta

pelas ministras Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas, Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o ministro Silvio Almeida dos Direitos Humanos, a presidente da Fundação dos Povos Indígenas, Joenia Wapichana e o secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba. A comitiva saiu de Brasília para anunciar a permanência das medidas de proteção das comunidades Yanomami e dar o pontapé para a criação da Casa de Governo, que coordenará, a partir de Boa Vista (RR), as políticas públicas voltadas para a população da etnia. Na oportunidade, também foi anunciado pelos ministros o investimento de R$ 1,2 bilhão em 2024 para ações de saúde e assistência social, entre outras, direcionadas aos indígenas Yanomami. Hekurari espera que “as ações que foram colocadas em papéis, sejam de fato postas em prática”. “Que mais postos de saúde sejam construídos, e que seja reavaliado como serão


até 4 anos

M. Catrimani Outros

15 163

Total

308

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GT Malária

Distribuição de casos positivos notificados pelo Polo Base 1000

2000

3000

4000

5000

6000

AUARIS

8000

9000

10000

6917

PALIMIÚ

2699

MALOCA PAAPIU

1410

MARAUIÁ

1399

ARATHA-U

1286

SURUCUCU

1267

NOVO-DEMINI

1111

MISSÃO CATRIMANI

1071

BALAWAU

7000

984

OUTROS

9505

Crédito: Reprodução | Ministério da Saúde

0

Informe mensal de dezembro de 2023, do Ministério da Saúde

Mercúrio mata O biólogo Lucas Ferrante destaca ainda que a contaminação da água pelo mercúrio usado no garimpo ilegal impacta diretamente os Yanomami, que têm sua subsistência baseada no plantio e na pesca.

a mineração ilegal. Além da chegada de drogas nocivas aos indígenas, alcoolismo nas comunidades, aumento da violência contra mulheres indígenas e assassinatos por conflitos.

“O mercúrio utilizado no processo de refinamento do ouro é descartado diretamente nos rios e, devido à sua propriedade de bioacumulação, ele contamina tanto a água quanto os peixes. Os Yanomami consomem essa água e os peixes do rio, o que resulta em uma série de problemas de saúde, incluindo afetações no sistema nervoso central, semelhantes aos observados no caso de Minamata”.

“Observamos ações intensivas no início do governo Lula para a retirada dos invasores da Terra Indígena Yanomami. No entanto, a falta de permanência da fiscalização em coibir as invasões de garimpeiros na região permitiu um novo retorno dos invasores. É fundamental que o governo mantenha bases permanentes para salvaguardar a vida e o bem-estar dessa etnia”, completou Lucas Ferrante.

A doença neurológica é causada pela intoxicação severa por mercúrio. De uma forma congênita, afeta fetos no útero, gerando microcefalia, dano cerebral extensivo e sintomas similares à paralisia cerebral. O que explica a alta mortalidade de crianças e bebês Yanomami.

Em 2022, uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Evandro Chagas e a Universidade Federal de Roraima (UFRR) mostrou que a concentração de mercúrio nos peixes dos rios de Roraima está acima do limite estabelecido pela Organização das Nações Unidas para o consumo humano.

O biólogo ainda lembra a insegurança que permeia o território devido à forte presença do crime organizado que financia o garimpo na região, o tráfico de drogas e a cooptação de indígenas para

Segundo o estudo, a cada dez peixes coletados no Rio Uraricoera, o mais próximo à Terra Indígena Yanomami, seis

apresentaram altos níveis de mercúrio. No Rio Branco, às margens da capital de Roraima, Boa Vista, a cada dez peixes coletados, dois não eram seguros para o consumo. O que revela o longo alcance do mercúrio usado pelo garimpo na Terra Yanomami. A análise revelou que no peixe filhote, um dos mais consumidos no Norte, a contaminação é tão alta que já não existe mais nível seguro para o consumo, independente da quantidade ingerida. Os maiores índices de contaminação estão em trechos do Rio Uraricoera (57%), Rio Mucajaí (53%), Baixo Rio Branco (45%) e Rio Branco, na cidade de Boa Vista (25,5%). Já um laudo da Polícia Federal, divulgado em fevereiro de 2023, também mostrou a presença elevada de mercúrio em indígenas da Casa de Saúde Indígena (Casai) Yanomami, na zona rural de Boa Vista, capital de Roraima. Dos fios de cabelo coletados de 43 indígenas, 76,7% apresentaram alta exposição ao metal. O estudo apontou ainda que todos os examinados viviam próximos aos garimpos ilegais na Terra Indígena Yanomami. 43


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realizadas as ações de saúde nos pontos mais cruciais. Quanto ao garimpo, que as bases sejam erguidas, e o monitoramento seja contínuo, principalmente nos locais que são pontos de entrada para os invasores. Temos esperança, e continuaremos lutando pela proteção da nossa floresta”, completou.

ALERTA DE PANDEMIA

Retroescavadeiras em operação na Terra Indígena Yanomami, em dezembro de 2022 Crédito: Ricardo Hay | Greenpeace

Crédito: Hutukara Associação Yanomami

O biólogo Lucas Ferrante aponta que o aumento de casos de malária, gripe e outras epidemias na Terra Indígena Yanomami deve-se, principalmente, à maior testagem e acompanhamento por parte dos profissionais da área da saúde na região. O pesquisador também revela que o aumento desses surtos epidêmicos está diretamente ligado ao desmatamento, degradação ambiental e às mudanças climáticas.

Mapa da área degradada pelo garimpo 44

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Crédito: Reproducao | Redes Sociais

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Garimpeiros na TI Yanomami

“A Amazônia é o maior reservatório zoonótico do mundo, ou seja, é o maior estoque de patógenos como bactérias, vírus, fungos e príons, que podem ser transmitidos aos humanos. A degradação florestal, o desmatamento e as mudanças climáticas facilitam esses saltos para

os humanos, podendo iniciar uma nova pandemia”, destacou. Durante a pandemia da Covid-19, o ecólogo também realizou um monitoramento epidemiológico das variantes da SARS-CoV-2 na Amazônia. O pesquisador colheu amostragens que apontam o poten-

cial da região para gerar uma pandemia global, devido aos saltos zoonóticos causados por atividades exploratórias, como o garimpo, desmatamento e grandes empreendimentos. Os primeiros atingidos serão os povos indígenas e as comunidades tradicionais da Amazônia.

Saúde e infraestrutura O balanço do Ministério da Saúde sobre a crise humanitária e sanitária Yanomami publicado em dezembro de 2023 nos encaminha para a preocupação dos indígenas presentes em Boa Vista. Na Casai Yanomami, os principais registros são de casos de pneumonia (42), malária (34) e desnutrição (29). Em Boa Vista, os atendimentos à saúde dos Yanomami registraram alta. Só em 2023 foram 10.561 indígenas atendidos no Hospital da Criança.

Na Casai Yanomami, as ocorrências chegaram a 5.177, de janeiro a novembro. O relatório também aponta quase 2 mil evacuações aeromédicas pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e 204 pelo Ministério da Defesa. Segundo o informe mensal, atualmente, 53 crianças menores de 5 anos com desnutrição grave e moderada estão em tratamento nutricional. Já a cobertura vacinal entre os Yanomami está em 56,4%, equivalendo a 60.045 indígenas vacinados.

Os principais imunizantes aplicados foram influenza (23.172), Covid-19 (14.241) e pneumonia (5.944). O Ministério da Saúde também apontou no relatório as ações de infraestrutura mais expressivas para proteção dos Yanomami, entre elas ações em campo voltadas ao monitoramento da qualidade da água (281), monitoramento ambiental (132), melhorias em instalações elétricas (60) e ações voltadas a melhorias no tratamento de esgoto (49). 45


Crédito: Ricardo Oliveira | Revista Cenarium

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O italiano Filippo Stampanoni Bassi participou da fundação do Museu da Amazônia, ao lado de Ennio Candotti

‘Estamos num local que há muito para ensinar’ Novo diretor do Museu da Amazônia destaca promoção da missão social do Musa e ampliação de pesquisas científicas Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

M

ANAUS (AM) – Promover ainda mais a função social do Museu da Amazônia (Musa), tornando-o mais acessível à população, e expandi-lo como referência na articulação de pesquisas científicas na região. Esses são os planos do doutor em Arqueologia Filippo Stampanoni Bassi, 43 anos, nascido na Itália, que assumiu a missão de dirigir a instituição após a morte do fundador, o físico italiano Ennio Candotti. Em entrevista exclusiva à REVISTA CENARIUM, ele fala sobre os próximos passos do museu e o legado deixado pelo ex-diretor, que morreu dia 6 de dezembro de 2023. Assim como seu antecessor, Stampanoni, sócio-fundador do Musa, é um apai-

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xonado pela Amazônia. E tudo começou a partir da série italiana de livros infantis Mister No, que contava as aventuras de um ex-soldado que serviu no Exército dos Estados Unidos e mudou-se para Manaus. O arqueólogo seguiu os passos do seu ídolo e veio morar na capital amazonense, onde conheceu Candotti e participou da fundação do espaço, referência na divulgação científica e na educação cultural da Amazônia. Nesta entrevista, o doutor em Arqueologia pelo Programa de Pós-Graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP), com área de pesquisa em Arqueologia Amazônica, citou os projetos de divulga-


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ção científica dos quais o Musa faz parte — como o “Amazônia Revelada”, em parceria com a National Geographic, e a série “Amazônia, do Macro ao Micro”, produzida junto à Univesp TV e à TV Cultura — e falou da importância de financiamentos científicos e da presença da população para a sobrevivência financeira da instituição.

CONFIRA A ENTREVISTA: REVISTA CENARIUM: Ennio Candotti foi um defensor apaixonado pelo estudo e pela preservação da biodiversidade amazônica. De que forma o senhor pretende honrar e ampliar esse compromisso?

Crédito: Ricardo Oliveira | Revista Cenarium

Filippo Stampanoni Bassi: Em termos gerais, a gente segue a mesma linha de raciocínio e a mesma luta. No fundo, a gente compartilha, todos nós do Musa, os mesmos ideais. Agora, obviamente, todo dia os desafios que a gente enfrenta são diferentes e a gente precisa repensar, cotidianamente, o museu. Hoje em dia,

eu diria que a diretriz principal é aquela de tornar o museu sempre mais acessível à população do entorno e à população geral. A gente entende que um museu privado como o Musa, que não tem financiamento público, precisa encontrar uma medida que permita a sobrevivência, e, ao mesmo tempo, abrir ao máximo o número de pessoas para que as pessoas vivam esse espaço, não apenas como um momento de lazer, mas como a sensação sempre maior de pertencimento a esse local, seja esse local como o Musa ou em uma lógica fractal como a Amazônia. O Musa representa algo de muito maior e de muito complexo. RC: Como o Musa se mantém hoje? O repasse de verba é feito por quem? Há alguma participação do governo estadual ou municipal? FSB: O Musa já teve financiamento do Fundo Amazônia, boa parte das instalações foram criadas a partir desse financiamento.

Também tem apoiadores que nos ajudaram, por exemplo, através da Lei Rouanet, a captar recursos para fazer as exposições mais importantes, que foram criadas ao longo do tempo. E, nesse caso, a gente agradece, por exemplo, à Bemol, à Fogás, que foram nossos principais apoiadores das exposições. Mas, também, a gente, ao longo de tempo, criou parcerias e convênios com universidades locais, como a UEA [Universidade do Estado do Amazonas], com a qual a gente teve um convênio de vários anos, e a gente teve repasses financeiros também que nos ajudaram a melhorar a nossa condição, e dos quais a gente terminou o último repasse, há pouco tempo. Então, a gente procurará estender, no futuro, essas relações, mas a gente não tem um financiamento fixo de dinheiro público. A nossa entrada, que garante a nossa sobrevivência, é a visitação, é o nosso público. A nossa folha é paga, principalmente, pelos visitantes. E todas as atividades que a gente consegue fazer para além disso são projetos que a

Hoje em dia, eu diria que a diretriz principal é aquela de tornar o museu sempre mais acessível à população do entorno e à população geral”

Filippo Stampanoni Bassi assumiu a direção do Musa, no último dia 22 de dezembro 47




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gente procura a partir, por exemplo, de agências de financiamento e pesquisa, como Fapeam [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas], CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, ou também participando de outros editais e procurando outros tipos de financiamentos, como, por exemplo, esse da National Geogaphic*, que é um financiamento privado, dos Estados Unidos, que a gente captou junto com outros parceiros. RC: Sobre a questão da importância social e científica, de que forma o senhor pretende trabalhar isso agora? FSB: A gente está, aos poucos, melhorando também as estruturas, né? Ali estava a exposição da mandioca, agora vai ter uma reconfiguração. A gente está numa área - a Reserva Duque, que é, provavelmente, a parcela de floresta mais estudada, graças ao Inpa [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia], que se tem na Amazônia. Esse é um enorme patrimônio de conhecimento e um inesgotável local de pesquisa. E a gente tem a clareza de que não é só o Musa que vai fazer a diferença pesquisando essa área, mas a gente precisa disponibilizar, facilitar as pesquisas aqui nessa área. Esse é o nosso desafio em relação à pesquisa aqui na Reserva Duque. RC: E você acredita que a sociedade local tem consciência da importância e hoje dá valor à relevância que o Musa tem? FSB: Eu acredito que uma parte da sociedade entende claramente a importância da Amazônia. No entanto, eu acho que essa importância é um conhecimento que vai aumentando ao longo dos dias. Ou seja, ninguém de nós sabe exatamente quão importante é a Amazônia. A gente, todo dia, aprende um pouco mais quanto que ela é importante. Eu acho que esse é um processo contínuo. A Amazônia, todo dia, nos ensina uma coisa nova, que faz com que ela seja mais importante ainda. Muitas vezes, a população acaba meio que conhecendo um ou outro aspecto e achando que são os únicos. Na realidade, a gente sabe e a gente corre atrás da floresta para 50

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a gente tentar entender o quão profunda é a importância dela. É uma coisa que nunca ninguém diz, ‘ok, agora eu entendi’. A gente tem que avançar toda vez. E tem uma questão que eu acho muito importante. Hoje em dia, a população amazônica é sempre mais urbana. Se a gente for ver a composição da população dos Estados da Amazônia Legal, a gente percebe que a maior parte mora em cidades. E o que está acontecendo é que, nas cidades, você tem uma vida que te distancia um pouco mais da realidade, da vivência da floresta. E, querendo ou não, a maior parte da população que mora na cidade tem um peso forte em

A nossa entrada é que garante a nossa sobrevivência, é a visitação, é o nosso público. A nossa folha é paga, principalmente, pelos visitantes”

relação às políticas para a Amazônia. É ela que é o grande tomador de decisões sobre o futuro da Amazônia. Então, a meu ver, é muito importante que, nas cidades, tenham lugares como o Musa, porque a gente precisa deixar atualizada e engajada a população urbana também. Porque, no fundo, ela tem um peso muito forte na hora de tomar as decisões políticas sobre o futuro da Amazônia. RC: Como está a segurança no Musa? Recentemente, foi registrado um assalto em que um homem entrou armado. Existe apoio da Prefeitura de Manaus? FSB: A gente aumentou nosso nível de organização relacionada à segurança interna do museu e, desde então, não tivemos mais acontecimentos. É óbvio que isso depende da capacidade de articular vários aspectos. E aí, a gente teve apoio das diferentes polícias, tivemos apoio do Inpa, tivemos apoio da Prefeitura, ou seja, a segurança na Reserva Duque, ela não

pode ser pensada exclusivamente como, vamos dizer assim, uma tarefa do Inpa ou por essa parte do Musa. Ela tem que estar presente em vários níveis, em todos os atores que estão envolvidos, porque ela depende diretamente do crescimento urbano, das políticas públicas, da qualidade de vida que tem a população ao redor da Reserva Duque. Então, assim, não é apenas um problema de segurança, segurança pública, ou de segurança de uma área com a importância de uma reserva tão fundamental, mas é um problema que investe toda a sociedade de Manaus. E aí, soluções duradoras se encontrarão, quando realmente todos os órgãos, todos os cidadãos de Manaus tenham bem claro em mente que isso é uma tarefa comum, e que a gente precisa ajudar o Musa, precisa ajudar o Inpa, precisa ajudar a Prefeitura, e precisa fazer com que se pense nessa região, não como uma área esquecida de Manaus, mas como uma área que sempre tem acesso à qualidade de vida, à cidadania, porque isso influencia diretamente aspectos de segurança, de violência e garante mais segurança à reserva. RC: Que mensagem você gostaria de transmitir à comunidade e aos visitantes sobre a importância da preservação da Amazônia e do compromisso com a ciência e a educação? FSB: Eu acho que, assim, a preservação da Amazônia é um tema muito importante para hoje, para o futuro. Não somente para uma questão ambiental, mas porque a Amazônia em si, ela é o berço e ela é o multiplicador de experiências de vida e de diversidade de ideias, de modos de vida, que são a melhor estratégia para enfrentar um futuro que a gente não conhece. Qualquer empresa, sabe, que para ter mais futuro precisa diversificar. A Amazônia é um berço de uma enorme biodiversidade e de uma enorme diversidade cultural. A gente tem que entender que esse patrimônio que existe, ele tem que servir para a gente criar novas ideias, para a gente repensar os modos de vida que a gente tem. A gente tem que considerar a floresta como uma enorme oportunidade e uma coisa que nós temos aqui. Então, assim, a história das populações indígenas, ela é


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fruto de um acúmulo de conhecimento. E a gente não pode levar isso como se fosse de pouco valor. A gente tem uma exposição sobre a mandioca, né? Se a gente parar para pensar, a mandioca e toda a tecnologia envolvida para transformar essa planta venenosa em alimento, assim, é uma conquista impressionante para a humanidade. Por quê? Porque é uma tecnologia complexa, é uma tecnologia que, hoje em dia, alimenta mais de 800 milhões de pessoas no planeta, dividida em diferentes continentes entre Américas, África e Ásia. Óbvio, se come também na Europa, mas nesses continentes ela é um staple food, uma base alimentar. E essa é uma tecnologia indígena. Então, como essa, existem muitas outras ideias que os povos indígenas deixaram

para o mundo. E a gente não pode ser tão cego de estar comendo o nosso futuro, destruindo o nosso futuro, e sem olhar em todas as oportunidades. E aí eu acho que

A Amazônia, todo dia, nos ensina uma coisa nova que faz com que ela seja mais importante ainda”

também a gente tem que pensar no bem viver, no modo de viver bem essa região. E isso envolve questões sociais, envolve

também uma mudança do nosso modo de imaginar nossa relação com os outros seres. O Musa tem um mote, uma frase, que é viver juntos. Eu acho que isso continua. Isso envolve ciência, envolve ciência no sentido de um tipo de conhecimento, mas envolve também a ciência indígena. Outro conhecimento envolve a ciência das plantas, que também desenvolveram, ao longo dos milhões de anos, enormes capacidades, e dos animais. Ou seja, estamos aqui, como dizia o professor Ennio, num local que há muito para ensinar e para ensinar a gente a viver melhor. Então essa é a principal importância da Amazônia. (*) Projeto “Amazônia Revelada”, financiado pela National Geographic, para mapear e identificar sítios arqueológicos em diferentes partes da Amazônia.

Crédito: Ricardo Oliveira | Revista Cenarium

Stampanoni é doutor em Arqueologia pelo Programa de Pós-Graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP), com área de pesquisa em Arqueologia Amazônica 51


Crédito: Ricardo Oliveira | Revista Cenarium

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Infância vulnerável Menino ribeirinho no Amazonas

Municípios da Amazônia têm mais dificuldade em garantir direitos das crianças, aponta Unicef Yana Lima – Da Revista Cenarium

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ANAUS (AM) – Tudo é grandioso na Amazônia. Ela corresponde a 60% do território nacional e, além de grandes centros urbanos, abriga cerca de 27,7 milhões de habitantes – sendo 9,1 milhões de crianças e adolescentes. Entre eles, povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Toda essa imponência carrega consigo um grande desafio: garantir os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Segundo Ida Pietricovsky de Oliveira, especialista do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef – Brasil), os municípios da Amazônia – assim como os do Semiárido – enfrentam desafios maiores na garantia dos direitos das crianças. Por isso, o fundo concentrou seus esforços

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nessas áreas, estabelecendo escritórios e ações nestas regiões.

maneira diferente para elas”, destaca Ida Pietricovsky de Oliveira.

As gestões municipais enfrentam dificuldades como a alta rotatividade de equipes, falta de estruturas salariais adequadas e complexidades na gestão contábil. Além disso, o teto de gastos impõe restrições à implementação de políticas importantes, como creches e escolas.

Neste cenário, a defesa dos direitos das crianças requer uma decisão política. Um exemplo é a cidade de Abaetetuba, no Pará, que enfrenta o desafio de administrar 72 ilhas, com diversas comunidades. Segundo Ida, a prefeitura tomou a decisão de implementar políticas abrangentes, como saúde fluvial, assistência social e educação, para atender às necessidades dessas ilhas.

Assim, muitos municípios dependem de repasses federais e estaduais, o que limita a capacidade de adaptar políticas às necessidades locais. Isso leva os gestores a decisões difíceis, ao precisarem priorizar políticas em um ambiente de recursos escassos. “O foco principal deve ser no direito das crianças a uma educação de qualidade, independentemente das diversas perspectivas, a fim de formar cidadãos informados e capazes de exercer seus direitos e responsabilidades. A infância é uma fase crucial e as políticas devem ser adaptadas para atender às necessidades das crianças, reconhecendo que o tempo passa de

No entanto, essa prioridade impacta outras áreas, e impõe desafios aos líderes municipais. “Isso afetou outras áreas importantes, como saneamento e asfaltamento. Essas decisões são desafiadoras para os prefeitos e exigem considerações políticas, culturais e sociais locais”, destaca.

PARTICIPAÇÃO SOCIAL Além disso, o engajamento da comunidade desempenha um papel fundamental no avanço dos direitos das crianças e adolescentes. A participação ativa nas discussões, incluindo nos Conselhos Municipais


REVISTA CENARIUM

de Direitos da Criança e Conselhos Escolares, é de extrema importância. Um exemplo prático foi a escuta de 4 mil adolescentes em Belém, capital do Pará, sobre a dignidade menstrual. Os relatos coletados no evento destacaram questões mais amplas, como o machismo estrutural e o racismo, que influenciam o atendimento nas unidades de saúde.

Jovens da Amazônia A Amazônia Legal Brasileira tem uma população jovem significativa, com 32,9% de seus habitantes com até 17 anos, em comparação com a média nacional, de 26,2%. Os indicadores sociais na região mostram que as crianças na Amazônia têm maiores riscos de mortalidade infantil e de não completar o ensino fundamental. Além disso, a taxa de gravidez na adolescência é alta e as crianças enfrentam diversas formas de violência, incluindo abuso, exploração sexual, trabalho infantil e ainda são vítimas de homicídio. Grupos minoritários, como indígenas e quilombolas, enfrentam desafios ainda mais graves, segundo a Unicef.

Crédito: Ricardo Oliveira | Revista Cenarium

Segundo Ida, é crucial ouvir não apenas por meio da comunicação verbal, mas também por meio de manifestações artísticas, como desenhos, músicas e danças, especialmente quando se trata de crianças. “Essas formas de expressão ajudam a compreender as perspectivas das crianças”, conclui.

Crianças ribeirinhas brincam em igarapé, em Manaus

Crianças vivem em meio ao lixo no bairro Educandos, Zona Sul de Manaus Crédito: Ricardo Oliveira | Revista Cenarium

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ECONOMIA & SOCIEDADE

Conheça cada um dos princípios que fundamentam os direitos das crianças: TODAS AS CRIANÇAS, INDEPENDENTEMENTE DE COR, SEXO, LÍNGUA, RELIGIÃO OU OPINIÃO, DEVEM TER OS DIREITOS GARANTIDOS. Este primeiro princípio é o que garante que toda criança será assistida dos direitos propostos com base na Declaração dos Direitos da Pequena Criança. Neste conjunto de direitos, a criança poderá desfrutar de todos os direitos desta declaração, sem distinção de raça, religião, nacionalidade, idioma, opiniões políticas ou razão de qualquer outra natureza que seja inerente à própria criança ou à sua família.

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A CRIANÇA SERÁ PROTEGIDA E TERÁ DIREITO AO DESENVOLVIMENTO FÍSICO, MENTAL, MORAL, ESPIRITUAL E SOCIAL ADEQUADOS. Este garante o direito à proteção especial da criança para o seu desenvolvimento físico, mental e social. Ou seja, ela terá proteção e a oportunidade de dispor de serviços estabelecidos por lei que possam ajudá-la no seu processo de desenvolvimento, seja físico, mental, moral, espiritual e social. Estes serviços devem ser estabelecidos em lei e oferecidos de forma saudável e normal, além de terem condições de liberdade e dignidade para as crianças.

CRIANÇAS TÊM DIREITO A NOME E NACIONALIDADE. Este princípio garante que toda criança tem direito, desde o seu nascimento, a ter um nome e uma nacionalidade. O registro do nome fica sob a responsabilidade dos pais ou responsáveis legais da criança, bem como a alegação de sua nacionalidade.

TODA CRIANÇA TERÁ DIREITO A ALIMENTAÇÃO, RECREAÇÃO E ASSISTÊNCIA MÉDICA.

TODA CRIANÇA COM NECESSIDADES ESPECIAIS TERÁ DIREITO A TRATAMENTO, EDUCAÇÃO E CUIDADOS ESPECIAIS.

Neste princípio, é assegurado a toda criança o direito a ter alimentação, moradia e assistência médica adequadas, tanto para a criança, quanto para a mãe. A criança e a mãe então poderão ter a garantia de uma boa saúde, onde são disponibilizados cuidados especiais que vão desde o pré-natal até o pós-natal, além de um local para morar e os serviços médicos adequados.

Este princípio é voltado para a garantia de que a saúde, a educação e o tratamento de crianças com necessidades especiais seja ofertada. Estas crianças não podem sofrer algum tipo de impedimento social e devem receber o tratamento adequado para a sua inserção na sociedade, tendo também em vista as particularidades do seu caso.

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TODA CRIANÇA PRECISA DE AMOR E COMPREENSÃO. Neste princípio é garantido que toda criança deve ter direito ao amor e compreensão tanto por parte dos pais, quanto da sociedade. Por estar em fase de desenvolvimento, a criança necessita de amor e compreensão, para que cresça de maneira plena e harmoniosa, tendo o amparo necessário dos pais e responsáveis.

TODA CRIANÇA TERÁ DIREITO A RECEBER EDUCAÇÃO, QUE SERÁ GRATUITA PELO MENOS NO GRAU PRIMÁRIO. Este princípio aborda a garantia do direito à educação gratuita das crianças e o direito ao lazer infantil. O interesse da criança em aprender deve ser superior e direcionador daqueles que têm a responsabilidade de educá-los. Portanto, a criança deve ter seus ensinamentos e aprendizados por meio de dinâmicas lúdicas, como jogos e brincadeiras, além de ter o direito de receber a educação escolar de forma gratuita e obrigatória, pelo menos nas etapas elementares. Ela necessita de uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral, vindo a ser um membro útil à sociedade.

TODA CRIANÇA TERÁ PROTEÇÃO CONTRA ATOS DE DISCRIMINAÇÃO.

A CRIANÇA SERÁ PROTEGIDA CONTRA QUALQUER CRUELDADE E EXPLORAÇÃO.

TODA CRIANÇA ESTARÁ, EM QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA, ENTRE OS PRIMEIROS A RECEBER PROTEÇÃO E SOCORRO. Este princípio fala sobre o direito da criança de ser socorrida em primeiro lugar, em casos de acidentes ou catástrofes. Ela deve figurar entre os primeiros a receber proteção e auxílio.

Neste princípio, é garantido o direito à criança de ser protegida contra o abandono e a exploração no trabalho. A criança não deve ser objeto de nenhum tipo de tráfico e nem ser utilizada como mão de obra para qualquer tipo de trabalho sem ter uma idade mínima adequada. Ela também não pode se ocupar em nenhum tipo de emprego ou trabalho que possa prejudicar sua saúde ou sua educação, ou impedir seu desenvolvimento físico, mental ou moral.

O último princípio trata do direito à criança de crescer em uma sociedade solidária, compreensiva, fraterna e justa. Ela deve ser protegida contra toda e qualquer prática que fomente a discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra espécie, devendo ser educada dentro de um espírito de compreensão, tolerância, amizade entre os povos, paz e fraternidade universais e com plena consciência de que deve consagrar suas energias e aptidões ao serviço de seus semelhantes.

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Crédito: Jefferson Ramos | Revista Cenarium

ECONOMIA & SOCIEDADE

Tabela de preços de posto de combustíveis da Zona Sul de Manaus

Combustível de lucro ‘aditivado’ Apesar da queda da gasolina, Amazonas ainda é o Estado em que distribuidoras mais lucram Jefferson Ramos – Da Revista Cenarium

M

ANAUS (AM) – Nas últimas semanas de dezembro de 2023, o preço da gasolina comum teve variações entre R$ 5,69 e R$ 5,99 em diversos postos de Manaus. Anteriormente, o preço era de R$ 6,29. Com isso, o preço do combustível ao consumidor teve uma queda de R$ 0,60.

Esse foi o menor patamar do insumo registrado no ano passado. Mesmo adotando a política de Preço de Paridade Internacional (PPI), que repassa todas as oscilações do barril do petróleo ao consumidor, a Refinaria da Amazônia (Ream), administrada pelo grupo Atem, vem reduzindo o preço da gasolina refinada. 56

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No mês de dezembro, o valor do refino da gasolina ficou, em média, a R$ 3,09 ante R$ 3,22 do mês de novembro. O painel de preços da Petrobras aponta que as distribuidoras no Amazonas adicionam R$ 1,99 na formação do preço do derivado do petróleo. É a maior parcela de lucro registrada pelo painel entre 16 Estados pesquisados. Os dados consideram o período de 17 a 23 de dezembro de 2023. Nesse período, o preço do refino feito pela Ream oscilou para cima, de R$ 3,01 a R$ 3,06. O valor do refino representa 47% da composição da gasolina. A parcela da revenda e distribuição representa outros 33%.

no mercado internacional, barateamento do dólar, além da queda do preço dos combustíveis aplicado pela Petrobras. “Isso contribui para a queda do preço do combustível aqui no Estado. Agora, não sabemos se vai se manter. Pode ser que já em fevereiro o preço do barril aumente, trazendo como consequência um novo reajuste. A Petrobras vem reduzindo o preço, desde o ano passado, e acredita-se que a Ream venha seguindo essa mesma linha”, analisou.

MARGEM

Marcus Ribeiro critica a demora das distribuidoras em repassar as reduções feitas pela Ream. Para ele, esse atraso se dá devido a uma estratégia de mercado na qual as distribuidoras seguram as reduções para “saber se os preços vão se manter”.

O presidente do Sindicato dos Petroleiros do Amazonas (Sindipetro-AM), Marcus Ribeiro, afirmou que as oscilações da gasolina para baixo ocorreram por conta da queda do preço do barril do petróleo

“As distribuidoras e donos dos postos sempre vão trabalhar para manter uma margem de lucro fixa. Acredito que mesmo a gasolina aumentando ou reduzindo, a margem de lucro, tanto da distribuidora


REVISTA CENARIUM

quanto do posto, não é afetada, porque todo o custo que eles têm é embutido no preço”, explicou o petroleiro.

LIDERANÇA NACIONAL No dia 15 de setembro do ano passado, a REVISTA CENARIUM mostrou que as distribuidoras já ocupavam a liderança de revenda e distribuição nacionalmente. Naquela época, a parcela era de R$ 1,92. Hoje, atuam no processo de revenda e distribuição Ipiranga, Equador e Raízen, na bandeira da Shell, e o próprio grupo Atem, que também possui postos de combustíveis. A gasolina refinada é entregue às distribuidoras por R$ 3,09. Ao chegar na distribuição, a gasolina passa a custar R$ 5,08, por conta da adição da margem de lucro. Nesse cálculo ainda são adicionados R$ 3,99 de impostos federais (R$ 0,69)

e (R$ 1,22) do ICMS estadual; e R$ 0,68 da adição do etanol. Em novembro de 2023, após a CENARIUM mostrar que a privatização da refinaria em Manaus elevou a gasolina em 66% na Região Norte, a Ream ressaltou que a sua política de preços não define o preço final dos combustíveis para distribuidoras e postos. Privatizada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022, a Refinaria Isaac Sabá (Reman) – que comercializava o processo inicial de combustível no Estado – foi transferida para a Atem Distribuidora, do grupo empresarial homônimo, e passou a ser chamada de Refinaria da Amazônia (Ream). O grupo Atem pagou US$ 257,2 milhões (equivalente a R$ 1,3 bilhão na conversão atual) pela refinaria no Amazonas, que alimenta toda a Região Norte, além de uma parte do Tocantins.

Questionamentos Procurado pela reportagem, o Sindicato das Distribuidoras de Combustíveis do Amazonas não respondeu aos questionamentos da reportagem, até a data da publicação no site da CENARIUM, no dia 3 de janeiro deste ano. Uma mensagem eletrônica, encaminhada por um aplicativo de mensagens, informou que a entidade estava de recesso. Leia abaixo as perguntas feitas ao sindicato. 1. Qual o fator que torna a revenda e a distribuição mais caras no Amazonas do que nos outros 16 Estados pesquisados pela Petrobras? 2. As recentes quedas no valor da gasolina refletem uma redução na parcela da distribuição e revenda? 3. Atualmente, quanto é a parcela da distribuição e revenda? Está abaixo do referenciado pela Petrobras?

Crédito: Jefferson Ramos | Revista Cenarium

Lucro de distribuidoras por Estado Última semana de 2023 AM

R$ 1,99

CE

R$ 1,98 R$ 1,28

PR

R$ 1,25

PA SC

R$ 1,20

ES

R$ 1,17 R$ 1,09

AL

R$ 1,05

RJ RS

R$ 1,05

PB

R$ 1,05 R$ 0,88

MG

R$ 0,85

PE

R$ 0,83

DF

R$ 0,83

GO

R$0,82

MA

R$ 0,81

R$ 0,50

R$ 1,00

R$ 1,50

Crédito: Paulo Dutra | Cenarium

R$ 0,96

SP MT

Fonte: Petrobras

Gasolina comum vendida a R$ 5,75 em posto de combustíveis da cidade de Manaus 57


POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

Floresta Amazônica: desmatamento despenca Amazônia registra menor desmatamento em seis anos, com queda de 62% até novembro de 2023 Yuri Siqueira – Da Revista Cenarium

B

ELÉM (PA) – O ano de 2023 trouxe um avanço significativo à luta pela preservação da Amazônia, com dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) indicando uma redução de 62% no desmatamento acumulado de janeiro a novembro em comparação com o mesmo período de 2022, configurando o menor índice de destruição desde 2017. Os números revelam que, durante esse período, foram derrubados 3.922 quilômetros quadrados (km²) de floresta, uma queda notável em relação aos 10.286 km² registrados no ano anterior. A taxa ainda representa a devastação de, aproximadamente, 1,2 mil campos de futebol de floresta por dia, enfatizando a necessidade contínua de esforços para atingir a meta de desmatamento zero, até 2030, estabelecida pelo governo federal. Embora o desmatamento tenha apresentado redução, a degradação florestal, causada por queimadas e extração madeireira, teve um segundo aumento consecutivo. Em novembro de 2023, atingiu 1.566 quilômetros quadrados, representando um aumento de 112% em relação ao mesmo período de 2022. O Estado do Pará liderou com 70% desse dano, seguido por Maranhão (12%), Amazonas (8%), Mato Grosso (6%) e Rondônia (4%). Apesar de Pará, Amazonas e Mato Grosso liderarem em desmatamento, todos registraram quedas significativas. Por outro lado, Amapá (240%), Tocantins (33%) e Roraima (27%) apresentaram aumentos alarmantes no desmatamento. Rondônia,

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Acre e Maranhão também demonstraram redução na destruição. A pesquisa realizada pelo Imazon ressalta que, embora a degradação ambiental tenha apresentado redução de 45%, de janeiro a novembro do ano passado, houve um grande impacto das queimadas em Estados como Amazonas e Pará, cuja fumaça afetou cidades como Manaus e Santarém. Segundo o economista e pesquisador de Ciências Econômicas e do Núcleo de

O Ministério do Meio Ambiente adotou uma abordagem de governança mais rigorosa no combate aos crimes ambientais”

André Cutrim, economista e pesquisador de Ciências Econômicas e do Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará (UFPA). Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará (UFPA) André Cutrim, as políticas ambientais desempenham um papel vital na preservação da Amazônia. Ele destaca a essência dessas políticas em equilibrar desenvolvimento econômico e conservação ambiental, forçando agentes econômicos a adotarem práticas menos prejudiciais. A administração ambiental, que engloba ações públicas e privadas, surge como peça-chave nesse contexto, e Cutrim destaca a guinada positiva na política brasileira com o resultado das eleições em 2022. Ele ressalta a reconstituição do orçamento e efetivo do Instituto Brasileiro

do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o aumento das operações contra extração ilegal e grilagem e a postura mais rigorosa na imposição de multas por desmatamento. “O Ministério do Meio Ambiente adotou uma abordagem de governança mais rigorosa no combate aos crimes ambientais. Isso resultou na imposição de multas severas para casos recentes de desmatamento, demonstrando, claramente, que a impunidade não será tolerada em relação a tais infrações”, afirmou. Quando questionado sobre os desafios para manter essa tendência em 2024, André Cutrim identifica diversos obstáculos. Ele destaca a necessidade de recursos orçamentários suficientes para os órgãos de fiscalização, o controle do desmatamento ilegal em áreas sensíveis e a oferta de alternativas sustentáveis para as comunidades dependentes da exploração predatória de recursos. Além disso, André ressalta o grande desafio político, sendo necessária uma bancada antirruralista forte no Congresso, destacando a importância da articulação entre o Executivo, sociedade civil e setores empresariais sustentáveis para enfrentar esses desafios e preservar a Amazônia. “Não há dúvida que a questão política será um grande desafio no processo de preservação da Amazônia, em 2024, assim como a questão de disponibilidade de recursos financeiros para as políticas ambientais na região”, registrou. Os dados indicam uma redução significativa no desmatamento ao longo de 2023, mas a batalha pela preservação da Amazônia continua exigindo esforços contínuos e políticas ambientais eficazes para alcançar a ambiciosa meta de desmatamento zero até 2030.


Crédito: Reprodução | Imazon

REVISTA CENARIUM

3.922 km² De janeiro a novembro de 2023, foram derrubados 3.922 quilômetros quadrados (km²) de floresta.

10.286 km² De janeiro a novembro de 2022, foram derrubados 10.286 km² de floresta.

Desmatamento no meio da floresta amazônica 59


POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

Crédito: Reprodução

Denúncia de fogo criminoso Incêndio em área de Cerrado, no Maranhão

Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium

M

ANAUS (AM) – As comunidades tradicionais São João e Porteirinha, ambas localizadas no município de Magalhães de Almeida, a 370 quilômetros de São Luís, no leste do Maranhão, foram atingidas por um incêndio, no dia 29 de dezembro de 2023. Moradores denunciam que o fogo é criminoso, ocasionado por uma pessoa, de identidade não informada, que tenta tomar as terras dos comunitários. Mais de 50 famílias foram prejudicadas com a destruição da produção extrativista dos frutos pequi e bacuri. Além disso, também há relatos de mortes de animais que viviam em uma área de Cerrado afetada pelas chamas. À REVISTA CENARIUM, o advogado e ativista dos direitos pela terra Diogo Tapuio afirmou que uma série de ameaças foram feitas à população local. “Esses moradores já estavam sendo ameaçados de expulsão e, até mesmo, de morte por uma pessoa que tenta tomar as terras dessa comunidade (…) Não bastasse as ameaças, houve um incêndio criminoso que destruiu parte significativa do 60

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território e devastou centenas de hectares do Cerrado, o que impactou nas formas de alimentação do grupo, que depende do extrativismo vegetal para sobreviver”, disse Tapuio. O advogado ressalta, ainda, que o Governo do Maranhão, comandado por Carlos Orleans Brandão Júnior (PSB), é responsável pela “barbárie social e ambiental, representada em alarmantes índices de pobreza, desigualdade, violência no campo e desmatamento” que afeta as comunidades tradicionais do Estado.

de um dos vídeos, ao falar sobre o suspeito de ser o responsável pelas queimadas. Em outra filmagem, um homem aparece operando uma máquina do tipo retroescavadeira nas proximidades da cerca de uma das comunidades. A pessoa que filma a ação diz que o operador a ameaçou com o trator.

“Os moradores acionaram a Polícia Civil do Maranhão, mas, até o fechamento desta edição, nenhuma providência efetiva foi tomada diante desse quadro”, disse Diogo Tapuio à reportagem no dia 30 de dezembro de 2023. A reportagem entrou em contato com a gestão estadual, para saber as ações tomadas após o incêndio, e aguarda resposta.

Crédito: Reprodução | Redes Sociais

Incêndio em território tradicional no Maranhão afeta mais de 50 famílias

REGISTROS DA TRAGÉDIA A REVISTA CENARIUM teve acesso a vídeos que mostram a situação no local, tomado pela fumaça. Nas imagens, é possível ver que o incêndio atingiu uma área de campo desmatado, próximo à cerca que divide as comunidades. “Ele já cortou ela [a cerca] de facão todinho. Ele cortou a cerca e, agora, está botando fogo ao redor. Ele desmatou com o trator mais de 200 [hectares]”, diz o autor

Esses moradores já estavam sendo ameaçados de expulsão e, até mesmo, de morte por uma pessoa que tenta tomar as terras dessa comunidade” Diogo Tapuio, advogado e ativista dos direitos pela terra.


ARTIGO – WALMIR DE ALBUQUERQUE BARBOSA

Crédito: Acervo Pessoal

Crônicas do Cotidiano: A presença do outro, a ação comunicativa e a “infocracia” Walmir de Albuquerque Barbosa

N

esta breve reflexão sobre o nosso tempo, retomo o pensamento crítico de três importantes filósofos, com o objetivo de pedir luzes para o entendimento das fragilidades e dos riscos da democracia como modelo de Estado, de Governança e de garantia das liberdades consagradas aos sujeitos portadores de direitos. São eles: Hannah Arendt, Jürgen Habermas e Byung-Chul Han. Cada um deles reflete o momento histórico a seu modo, mas com a clara inflexão na questão da democracia como fonte de poder e garantia de liberdade. Neste sentido, são convergentes, até certo ponto, complementares. Quando Arendt chama atenção para a “presença do outro” como ponto fundamental para pensar-se a democracia, ela está qualificando a democracia como uma construção que não se contenta somente com a condução da coisa pública (gestão), mas, fundamentalmente, com a plenitude da vida em liberdade. Esse chamamento ao outro como necessário e fundante da democracia se destina, não mais ao sujeito sozinho, mas ao sujeito coletivo, apesar dos preconceitos que subsistem na vida social. A crítica que ela agrega aos tempos modernos, àquele espaço social e histórico construído para tornar democracia um modelo universal de governança e de crença política liberal, refere-se ao imponderável nessa mesma sociedade capitalista, e diz respeito às necessidades, aos desejos e às práticas de convivência que vão se construindo e que têm consequências quase inevitáveis: “a época moderna, com sua crescente alienação do mundo, conduziu a uma situação em que o homem, onde quer que

vá encontra apenas a si mesmo” (Entre o passado e o futuro. S.Paulo: Perspectiva, 1972, p.125). Isso fica mais claro no pós-guerra, ao se consolidar o modo de vida reservado (esfera privada, individualista) e do outro lado a sociedade de massas e os seus novos meios de comunicação (espaço de formação de uma nova esfera pública). Essa dualidade, se assim podemos deduzir, leva a um enfraquecimento da discussão pública, da coisa pública e, portanto, dos interesses coletivos, de forma direta (a discursividade, o embate de ideias). Ante essas novas condicionantes, logo adiante (p.126), ela vai dizer que os homens ainda se relacionam, mas “perderam o mundo outrora comum a todos eles”. Seria, a grosso modo, uma perda da aura, definida em Walter Benjamin. O sentimento de empobrecimento da cultura e das relações sociais foi denunciado pelo “pensamento crítico”, sobretudo pela chamada Escola de Frankfurt, de quem Habermas é um dos últimos expoentes. É ele, já vivendo em pleno numa “sociedade de massa”, que vai desenvolver a “Teoria da Ação Comunicativa”, buscando compreender o mundo criado pela “teletela fantástica”, o mundo do entretenimento, do marketing comercial e político e da substituição das ideologias pelas formas discursivas mediadas pela “opinião pública”, no que resulta numa nova ágora eletrônica, que tudo fragmenta sob a lógica dos formadores de opinião, do “espetáculo”, dos “olimpianos”, como os denominou Umberto Eco. Mesmo assim, havia um centro, uma direção, um rumo definido pelo sistema capitalista liberal.

“Na era das mídias digitais, a esfera pública discursiva não é ameaçada por formatos de entretenimento das mídias de massa (a Indústria Cultural), não pelo infoentretenimento, mas, sobretudo, pela propagação e proliferação viral de informação, a saber, pela infodemia. No interior das mídias digitais residem, além disso, forças centrífugas que fragmentam a esfera pública. A estrutura de anfiteatro das mídias de massas cede lugar à estrutura rizomática das mídias digitais que não tem centro. Desse modo, nossa atenção não é mais dirigida a temas relevantes para a sociedade como um todo” (Byung-Chul Han. Infocracia. Petrópolis: Vozes, p.34, 2022). Segundo o autor, a nova configuração da mídia eletrônica, com os smartphones, os algoritmos, a inteligência artificial e a autonomia discursiva e de novas formas de produção de conteúdos por essa mídia, tornam obrigatória uma revisão da ideia de Esfera Pública definida por Habermas, onde o “outro” cedia espaço a uma “opinião pública coletiva”, mas, agora, dá lugar ao discurso sem empatia, sem o outro e sem a tomada de conhecimento e discussão dos fatos de interesse coletivo. Segue-se um comportamento de manada, de “gado”. Gado que ruma para o matadouro da desinformação, da mentira institucionalizada, das teorias da conspiração e que pode nos levar à morte da democracia! (*) Walmir de Albuquerque Barbosa é jornalista profissional, graduado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), doutor em Ciências da Comunicação, pela Universidade de São Paulo, e professor emérito da Ufam. 61


ENTRETENIMENTO & CULTURA

Tacacá é hype na internet Comida típica do Norte do Brasil foi a mais pesquisada no Google em 2023 Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

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ANAUS (AM) – O ano de 2023 encerrou com uma iguaria da Amazônia entre as comidas mais pesquisadas na plataforma Google, segundo o Year In Search 2023: o tacacá. O prato típico da culinária da região amazônica, feito tradicionalmente com tucupi, goma, jambu e camarão, ganhou ainda mais notoriedade nacional após o cantor mexicano Christian Chávez, da banda RBD, mencionar a comida durante um show no Brasil. Depois do tacacá, integram o “top 10”: bolo alagado; salpicão de frango; temaki frito; roast beef; zaatar; arroz de cuxá; ovo de páscoa de pistache; pimenta de bode; e bolo de coco fofinho. Segundo o ranking do Google, a busca pelo assunto alcançou o ápice em novembro do ano passado. Dois períodos foram marcantes: a semana de 12 a 18 de novembro, logo após o show no Rio de Janeiro, e a semana de 26 de novembro a 2 de dezembro, quando atingiu o ápice. Quanto ao interesse por sub-região, a localidade que mais pesquisou por tacacá foi o Pará, onde o prato teve origem. Seguido a ele, estão: Amazonas, Acre, Amapá e Rondônia, todos Estados da Região Norte. Em um dos oito shows realizados no Brasil, o cantor do RBD Christian Chávez cantou o refrão da música “Voando Pro Pará”, do primeiro disco solo da cantora paraense Joelma. A canção, que homenageia o Estado do Pará, celebrando a culinária e pontos turísticos, também virou meme nas redes sociais.

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Veja a letra da música: Eu vou tomar um tacacá Dançar, curtir, ficar de boa Pois quando chego no Pará Me sinto bem, o tempo voa Chegou o mês de férias, vou voando pro Pará Vou direto ao Ver-o-Peso, apurar meu paladar Ficar bem à vontade e fazer o que quiser E matar minha saudade da pupunha com café Eu vou, na Estação das Docas, vou Ver o Re-Pa no estádio Vou sair à noite com os amigos, eu vou me jogar Eu vou, lá no Mangal das Garças, vou No Forte do Presépio E depois do Point do Açaí, eu quero me divertir Eu vou tomar um tacacá Dançar, curtir, ficar de boa Pois quando chego no Pará Me sinto bem, o tempo voa


Crédito: Antonio Pereira | Semcom

REVISTA CENARIUM

Tacacá na 1ª Feira de Pesca Esportiva na Amazônia

Ranking do Google das comidas mais pesquisadas em 2023 O que é o tacacá? De origem indígena, o tacacá é uma receita típica de alguns Estados da região amazônica — Pará, Acre, Amazonas, Rondônia e Amapá —, sendo muito apreciado em todo o Norte do Brasil. A comida, parecida com uma sopa, é servida quente, em cuias com uma cestinha de palha como suporte. Os ingredientes principais, são: o tucupi — um líquido amarelo fermentado extraído da mandioca-brava —, a goma da mandioca, o camarão e o jambu, uma erva que causa dormência na boca. Geralmente, o prato leva temperos como sal, chicória, alho e pimenta-de-cheiro (ou pimenta-cumari).

1.

Tacacá

2.

Bolo alagado

3.

Salpicão de frango

4.

Temaki frito

5.

Roast beef

6.

Zaatar

7.

Arroz de cuchá

8.

Ovo de Páscoa pistache

9.

Pimenta de bode

10. Bolo de coco fofinho Fonte: Google

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Viagem insegura Brasil é o segundo país mais perigoso para mulheres que viajam sozinhas

Crédito: Reprodução Internet

ENTRETENIMENTO & CULTURA

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium*

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ANAUS (AM) – O Brasil é o segundo país mais perigoso para mulheres que viajam sozinhas, segundo apontou o índice Women’s Danger Index. O País só perde para a África do Sul, que ficou em primeiro lugar. No extremo oposto, o lugar mais seguro para as mulheres é a Espanha. Em um ano, cerca de 32 milhões de mulheres americanas viajam sozinhas, segundo o Travel Industry Association — que representa os interesses dos prestadores e fornecedores de viagens. O índice de perigo para mulheres classificou 50 países com mais turistas internacionais, que incluem segurança nas ruas para mulheres, homicídio intencional de mulheres, violência sexual, discriminação e desigualdade de gênero. Na lista de países mais inseguros, além da África do Sul e do Brasil, figuram: Rússia, México, Irã, República Dominicana, Egito, Marrocos, Índia e Tailândia. Em relação aos mais seguros, complementam o ranking: Singapura, Irlanda, Áustria, Suíça, Noruega, Portugal, Croácia, Canadá e Polônia. O estudo, divulgado em 2023, apontou que, no Brasil, apenas 28% das mulheres relataram sentirem-se seguras ao caminharem sozinhas à noite e o País tem a terceira maior taxa de homicídios dolosos contra mulheres. Outro dado apontado em relação ao País é que o Brasil ficou

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em sexto lugar no percentual de mulheres que sofreram violência física ou sexual por parte de seus parceiros íntimos, com 36,9%. No caso mais recente de violência contra uma mulher que viajava sozinha pelo Brasil, a artista cicloviajante Julieta Hernández, migrante venezuelana, conhecida como Miss Jujuba, foi encontrada morta em Presidente Figueiredo (a 117 quilômetros de Manaus). Ela foi assassinada. Duas pessoas confessaram o crime e foram presas. O caso gerou comoção, levando à realização de diversas homenagens em cidades da América Latina e Europa e trazendo à tona o debate sobre a segurança de mulheres que viajam sozinhas. Quanto à segurança, a Espanha foi considerada pelo índice Women’s Danger Index o país mais seguro para mulheres que viajam sozinhas. O país europeu se destaca, ainda, por ser o segundo destino mais visitado de todo o mundo, atrás apenas da França, segundo o ranking da empresa de intercâmbios World Study de 2020. Nos itens analisados pela pesquisa, a Espanha teve desempenho ótimo com a segurança nas ruas, baixa discriminação legal e baixa violência contra as mulheres. (*) Com informações da Women’s Danger Index.

Na frente do Brasil está apenas a África do Sul entre os locais mais inseguros para mulheres viajarem sozinhas


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DIVERSIDADE

Pessoas de variadas etnias transitam em rua do Centro de Manaus

Democracia racial distante Crédito: Ricardo Oliveira

Mesmo com população parda superando a branca, especialistas veem pouco progresso na equidade entre raças Beatriz Araújo – Da Revista Cenarium

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ANAUS (AM) – Apesar do Censo 2022 ter apontado que a população parda supera a branca pela primeira vez, desde 1991, cientistas sociais consultados pela REVISTA CENARIUM apontam que a democracia racial comemorada em vários discursos políticos continua longe de ser uma realidade no Brasil. Em paralelo, segundo os especialistas, o crescente número de autodeclarações de pessoas pardas aponta para um possível fenômeno de aceitação social e cultural

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da população que pode estar em ascensão no País. O fenômeno é reflexo dos dados levantados pelo “Censo Demográfico 2022: Identificação étnico-racial da população, por sexo e idade: resultados do universo”, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde cerca de 92,1 milhões de brasileiros se declararam pardos, o equivalente a 45,3% da população do País, no ano de 2022. Para o sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam)

Marcelo Seráfico, o aumento na autodeclaração de brasileiros como pardos, negros e indígenas pode ser resultado de uma maior conscientização étnica da população brasileira a respeito dos processos históricos que culminaram na dominação da cultura europeia sobre a africana e indígena. Esse domínio é entendido na sociologia como hegemonia e explica o sentido de minoria, na prática. “Nesse cenário, há duas hipóteses, o primeiro é o aumento da consciência acerca de nossas origens étnicas, ou


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Política

O Grupo de Trabalho (GT) também apontou que nos Três Poderes da República, homens brancos predominam em cargos de comando. Além disso, na composição étnico-racial dos deputados federais eleitos para a 56ª legislatura, 125

seja, reafirmando o Brasil, que nasce, em grande medida, de uma miscigenação, que envolve muita violência de dominação e gera uma nova realidade étnica com novos valores e práticas, com povos diferentes, e em segundo lugar, há uma estratégia, onde os grupos, entendendo o papel do reconhecimento do quadro das políticas públicas, passam a definir cenários a essa parcela da população”, declarou. O sociólogo também apontou que o conceito de democracia racial é interpretado “ao pé da letra” por conservadores que entendem que, apenas pelo fato de pessoas negras, pardas e brancas conviverem em um Estado Democrático, já se pode dizer que elas integram estruturas de poder como, por exemplo, cargos eletivos. “A ideia de democracia racial é uma grande ilusão formada desde a década de 1930. Esse conceito foi marcado por uma série de polêmicas, devido às teorias do branqueamento, que foi contestada pela teoria da miscigenação e de seus efeitos, mas essa tese era extremamente conservadora. Outros estudos mostram que a miscigenação não resolve a desigualdade social; reconhecer a participação de negros, indígenas e brancos, na cultura nacional, não é o mesmo que reconhecer essa construção múltipla, que resulta em uma democracia; na verdade, havia a manutenção de exploração de indígenas, negros e pardos dentro de um regime cruel que possui efeitos até hoje”, completou Seráfico.

autodeclaram-se negros (104 pardos e 21 pretos), o que corresponde a 24,3% do total. Os brancos chegam a 75%. Em 2020, o TSE aprovou que a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar para a disputa eleitoral. Já nas candidaturas das eleições de 2022, o número de candidatos negros, 14.712, superou o de brancos, representando 50,27% do total de inscrições (29.262).

O cientista social e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Marcelo Seráfico

Na avaliação do historiador e mestre Juarez Clementino, o aumento no índice de autodeclarações de pessoas pardas está diretamente ligado ao acesso a pautas raciais, que cresceram na sociedade brasileira nos últimos anos. “O atual crescimento da categoria parda em quase 12%, na última década, tem muito a ver com a conscientização negra, ou seja, de que ‘claro’ não significa ‘branco’, que em termos biológicos e sociais não há ‘coluna do meio’ e, por fim, pela possibilidade de ser incluído(a) em ações afirmativas educacionais e de ocupação”, analisou.

Crédito: Acervo Pessoal

Mesmo com a conscientização racial crescendo entre os brasileiros, os cargos eletivos e a representação política continuam sendo dominados por homens que se declaram brancos. O levantamento foi feito pelo Grupo de Trabalho de Afinidade de Raça e do Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado Federal.

A ideia de democracia racial é uma grande ilusão formada desde a década de 1930. Esse conceito foi marcado por uma série de polêmicas, devido às teorias do branqueamento”

Marcelo Seráfico, sociólogo.

IBGE Segundo o Censo 2022 do IBGE, desde 1991, o contingente de pessoas pardas não superava a população branca, que chegou a 88,2 milhões (ou 43,5% da população do País). Outras 20,6 milhões se declaram pretas (10,2%), enquanto 1,7 milhão se declaram indígenas (0,8%) e 850,1 mil se declaram amarelas (0,4%). A autodeclaração de pessoas negras também teve um aumento, comparado ao Censo realizado em 2010. Desde então, a população preta aumentou 42,3% e sua proporção no total da população subiu de 7,6% para 10,2%. Já a população parda cresceu 11,9% e sua proporção na população do País subiu de 43,1%

para 45,3%. Houve, ainda, aumento de 89% da população indígena, com sua participação subindo de 0,5% para 0,8%. A autodeclaração étnico-racial é um processo em que um indivíduo se identifica como pertencente à determinada raça ou etnia. Além de ser uma forma de reflexão e afirmação da própria identidade racial e, muitas vezes, usada para promover políticas de ação afirmativa, políticas públicas, pesquisas demográficas, entre outros, no Brasil, a autodeclaração racial também é utilizada em diversos contextos, como em universidades que adotam políticas de cotas raciais, dentre outros.

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DIVERSIDADE

Saberes do M esotérico Congresso de Esoterismo na Amazônia evidencia diversidade da prática na região Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

ANAUS (AM) – Visando mostrar como a região amazônica é rica em possibilidades de se praticar o esoterismo, Manaus, capital do Amazonas, recebeu, no dia 19 de janeiro, a primeira parte do 2° Congresso Brasileiro de Esoterismo na Amazônia. O evento foi realizado na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam) e apresentou aos convidados saberes diversos da prática esotérica, como a ayahuasca, os rituais e as ervas da região. O esoterismo é conceituado como um conjunto de conhecimentos ligados à religião e à filosofia e mantidos por Crédito: Ricardo Oliveira

Músico participa do 2° Congresso Brasileiro de Esoterismo na Amazônia

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Lucius Gonçalves é o coordenador do 2° Congresso Brasileiro de Esoterismo na Amazônia

pessoas que os transmitem de geração em geração. O coordenador do congresso e presidente da Legião da Magia Amazonas, Lucius Gonçalves, explica que o objetivo do evento é prospectar, divulgar e difundir o turismo esotérico na Amazônia, região com diversidade de religiões e culturas. “Nós estamos no grande centro de energia que é a Amazônia, e aqui nós conseguimos reunir diversas manifestações religiosas e de fé, e trazemos também palestrantes do Brasil inteiro para oferecer essas palestras, gratuitamente, às pessoas que desejam esse conhecimento”, detalha. “Nós estamos em meio à mitologia indígena, às crenças de matriz africana e, principalmente, todas as vertentes religiosas que chegam aqui na Amazônia e, com isso, há uma mescla total”, ressalta Lucius Gonçalves.

SABERES A primeira etapa do congresso contou com a participação de cinco palestrantes, dos quais três foram presenciais e dois por videoconferência. A terapeuta holística e oraculista Rosa Rocha falou sobre “Os Mestres Ascensionados e suas manifestações na Amazônia”.

Crédito: Ricardo Oliveira

Nós estamos em meio à mitologia indígena, às crenças de matriz africana e, principalmente, todas as vertentes religiosas que chegam aqui na Amazônia e, com isso, há uma mescla total”

“A Grande Fraternidade Branca Universal foi o que me impulsionou para as terapias, para ser terapeuta holística. Conheci primeiro os Mestres Ascensionados, o que influenciou muito no nosso trabalho. Lá no nosso espaço, a gente também trabalha a Umbandã, que é o conjunto das leis divinas que vem por meio dos mestres ascensionados. Eles são um governo que faz parte do Projeto Terra, isso vem lá do alto, é divino”, explicou a palestrante. A terapeuta holística Nailah Ethene compartilhou os saberes sobre rituais e ervas da Amazônia. Ela, que é adepta da religião Wicca, destacou as relações entre as duas práticas esotéricas. “Assim como na minha prática religiosa, e fazendo o sincretismo para essa parte amazônica, há a sazonalidade, o culto aos deuses amazônicos e às ervas que a gente usa no dia a dia dentro dos rituais. Quais são as ervas mais usadas, para que servem, qual o seu propósito mágico, e mostrar um pouco de como se coloca também nos rituais que são indígenas, da nossa região, dentro do nosso dia a dia como um todo”, acrescentou a terapeuta holística.

Lucius Gonçalves, coordenador do congresso e presidente da Legião da Magia Amazonas.

Por fim, a dirigente da Fraternidade Centro de Estudos Universais de São Francisco, Carolina Basso, apresentou “A Ayauasca e a Sabedoria da Floresta”, destacando que há um cuidado em se tratar sobre a bebida sagrada, originada a partir de conhecimentos de povos originários. “Dentro do nosso contexto, nós nos referimos a essa bebida como vegetal, daime e yagé. Vários nomes são designados para ela. E temos muito cuidado de saber que, dentro desse lugar, nós temos quem veio antes, que são os povos originários. Nós servimos ao vegetal, então, eu me coloco como uma pessoa disponível, que traz essa sabedoria da floresta; lembrando que o termo ‘sabedoria’ vem de excelência mental naquilo que é feito”, explicou Carolina Basso.

CONTINUAÇÃO A segunda parte do evento está prevista para ocorrer no dia 23 de março, no Palácio Rio Negro, Avenida Sete de Setembro, bairro Centro, Zona Sul de Manaus. Mais informações sobre como participar do evento podem ser adquiridas no telefone (92) 98414-3136 ou nas páginas do Instagram @legiaodamagiaamazonas e @congressoesoterico. 69


TV C

Uma agência reguladora do Ensino Superior não garante ensino público gratuito e de qualidade

AR N E C V T Crédito: Acervo Pessoal

ARTIGO – ALLAN RODRIGUES

Allan Rodrigues

Hoje, a supervisão do ensino superior é feita pelo MEC, por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), que analisa as instituições, os cursos e o desempenho dos estudantes. O processo de avaliação leva em consideração aspectos como ensino, pesquisa, extensão, responsabilidade social, gestão da instituição e corpo docente. O Sinaes reúne informações do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e das avaliações institucionais e dos cursos. Os resultados são utilizados para sinalizar às instituições de ensino o que deve ser melhorado para garantir qualidade no processo de formação. Segundo Camilo Santana, apesar dos esforços do MEC, o número crescente de cursos não permite ao ministério realizar as avaliações com a velocidade e eficiência necessárias. Em razão disso, ele propõe a criação de uma agência reguladora, que teria como missão principal a fiscalização, a regulamentação e o controle do 70

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ensino superior público e privado no País. Atuando de forma semelhante a outras agências, como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a primeira criada no Brasil e cuja função é fiscalizar e regular questões relacionadas às telecomunicações. No caso das instituições privadas, em razão do número de cursos e da forma de financiamento, a medida tem potencial de eficácia. Segundo o Censo da Educação Superior 2022, a rede privada passa por um processo de expansão que teve início nos anos 1990 e hoje alcança 7,3 milhões de alunos, o que representa 78% do sistema de educação superior do Brasil. Os recursos para criação e manutenção dos cursos são privados, cabendo ao MEC a supervisão e a regulação, ou seja, fiscalizar e cobrar das instituições medidas como a contratação de professores qualificados e a oferta de infraestrutura adequada. Uma agência que torne esse processo mais ágil e eficiente pode contribuir para a melhoria dos cursos. Em se tratando da rede pública de ensino superior, a lógica não é a mesma. Os recursos necessários para a contratação de pessoal e instalações necessárias ao funcionamento qualitativo dos cursos são públicos. Em 2014, o orçamento para investimento e custeio das universidades federais foi de R$ 13,94 bilhões, é mais que o dobro previsto para 2023. Logo, a rede pública sofre há, pelo menos, oito anos, com sucessivos cortes orçamentários que afetam diretamente a qualidade dos seus cursos. Uma agência reguladora mais eficaz só iria apontar, mais rapidamente, os problemas causados pela falta de inves-

timentos do próprio agente regulador, o governo federal.

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A rede pública de ensino superior conta com 68 universidades, 41 institutos federais, nove faculdades e responde por 22% das matrículas em cursos de graduação. Apesar dos números de matrículas serem inferiores ao setor privado, o Enade 2022 revelou que os cursos das instituições de ensino públicas obtiveram as melhores notas nas 26 áreas avaliadas. Na pós-graduação, segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), 80% dos programas de pós-graduação estão em instituições públicas. Esses números fazem das universidades e institutos federais os principais responsáveis pela produção científica nacional.

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anúncio da criação de uma agência reguladora para o ensino superior brasileiro atende a uma necessidade decorrente do setor privado, mas está longe de ser uma boa notícia para a rede pública. O ministro da Educação, Camilo Santana, acredita que a agência tornará mais eficientes e ágeis os processos avaliativos dos cursos de graduação, especialmente os oferecidos por instituições particulares, que respondem por 78% das matrículas no País. No entanto, para as universidades e institutos federais, carentes de infraestrutura e recursos humanos, o reforço dos orçamentos será mais eficiente do que aprimorar processos avaliativos.

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Mesmo sufocadas financeiramente, as instituições públicas resistem e esperam mais do que o aprimoramento de mecanismos de avaliação. Esperam políticas públicas que permitam a manutenção e a ampliação do ensino público, gratuito e de qualidade, o que passa pela dotação de recursos suficientes para o ensino, a pesquisa, a extensão e a inovação. O ensino privado cresceu e tem grande contribuição na formação superior brasileira, mas as universidades e institutos federais ainda são as únicas opções de acesso à educação superior de milhares de brasileiros, que lutam para superar a imensa desigualdade social brasileira. (*) Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues é jornalista, escritor, professor do curso de Jornalismo da Ufam, mestre e doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e líder do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Cultura e Amazônia (Trokano).


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