Considerado o maior bairro indígena em consolidação do Brasil, o chamado “Parque das Tribos”, em Manaus (AM), sofre com o abandono do Poder Público e retrata a busca por direitos básicos dos povos originários
ISSN 27648206 782764 9 820605 046
2024 • ANO 05 • N.º 46 • R$ 24,99
ABRIL DE
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Um agravo à dignidade
A escolha de quem é “merecedor” de receber por aquilo que é de direito é um agravo à dignidade humana e o especial desta edição da REVISTA CENARIUM mostra como o Poder Público trata os povos originários urbanizados de Manaus, no Amazonas, naquele que é considerado o maior bairro indígena em consolidação do Brasil. O “Parque das Tribos”, um nome que traz consigo o estigma da colonização, é o retrato de uma pintura trágica de abandono a quase 1 mil famílias indígenas pertencentes a 35 etnias.
O princípio da dignidade humana reconhece o valor intrínseco de cada indivíduo e estabelece que todas as pessoas devem ser tratadas com respeito e igualdade, independentemente das diferenças sociais e territoriais. Esse princípio orienta a proteção dos direitos humanos e busca uma sociedade justa e inclusiva, segundo a Constituição Federal.
Em Manaus, quem mora no Parque das Tribos não recebe a mesma assistência em serviços básicos de infraestrutura de quem, por exemplo, vive no bairro Ponta Negra, considerado área nobre da capital amazonense. Um levantamento feito pela reportagem da CENARIUM junto à Secretaria Municipal de Infraestrutura de Manaus (Seminf) apontou que, nos últimos quatro anos, a Ponta Negra recebeu dez vezes mais obras do que o Parque das Tribos.
Gestores municipais de Manaus se omitem ao entendimento da legislação sobre os povos indígenas e somente os procuram quando há um interesse da parte deles, como, por exemplo, para a criação de conteúdos midiáticos, tal como ocorreu no mesmo Parque das Tribos quando, em fevereiro de 2024, ano eleitoral, o prefeito de Manaus e assessores foram ao local para fazer selfies com indígenas e lhes prometeram serviços de infraestrutura nas semanas seguintes, o que nunca aconteceu.
O indígena urbanizado, seja do Parque das Tribos ou de outros bairros brasileiros, não é menos indígena do que aquele que está nas aldeias. Ele é tão consciente dos seus direitos como qualquer outro cidadão, que sabe que paga impostos sobre tudo o que consome e tem a compreensão de que o Poder Público é obrigado a devolver esses gastos em serviços.
A professora e escritora indígena Eliane Potiguara, 73, autora de “Metade Cara, Metade Máscara” (2018) faz um paralelo sobre como atuavam os colonizadores de 1.500 e como atuam os colonizadores do século XXI inseridos na política. É Eliane também uma das intelectuais indígenas que mais trata, de forma simples e com esperança, o conceito de dignidade. “É a coisa mais bonita que temos dentro de nós mesmos, mesmo se ela está maltratada”.
Paula Litaiff Diretora-Geral
Direito de ser
Chegamos a 2024, a mais um abril dos indígenas, ainda muito em dívida com nossos povos originários. Há recentes avanços, como os espaços sendo ocupados, aos poucos, nos palcos de poder, no Executivo, Legislativo e Judiciário, nos bancos das universidades, no cenário artístico e intelectual. Avanços conquistados à base de muita luta. Mas, ao mesmo tempo, há ainda barreiras que já poderiam ter ficado no passado, como as adversidades enfrentadas pelos indígenas em contexto urbano.
Em Manaus, cidade do Brasil onde há maior concentração de indígenas em números absolutos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a comunidade Parque das Tribos, localizada no bairro Tarumã, é um microcosmo que representa a conjuntura geral enfrentada por esses brasileiros de diversos povos. Muitos indígenas que lá vivem tiveram necessidade de deixar suas terras de origem no interior do Estado, onde há pouco ou quase nada de oportunidades em educação, saúde e trabalhos, para buscá-las na capital.
Mas, na cidade grande, não encontraram outro espaço de moradia que não fosse a ocupação da comunidade, onde, ainda hoje, lutam por acesso a serviços básicos como fornecimento de água, saneamento, transporte, energia elétrica, ruas asfaltadas, entre outros. O acesso a tais serviços é direito básico de qualquer cidadão e um dos fatores que pode conferir um pouco mais de dignidade à vida. Esse é o tema da nossa reportagem de capa desta edição.
Na cidade grande, os indígenas em contexto urbano também precisam lidar com racismo, discriminação e questionamentos sobre suas origens, que insinuam que deixaram de ser quem são por estarem fora da aldeia ou Terra Indígena, sem cocar, ou com celular nas mãos. Antropólogos e sociólogos ouvidos pela reportagem analisam o contexto e afirmam: “ninguém inventa que é indígena”, nem deixa de sê-lo porque mudou de lugar. Nem tão pouco os costumes tradicionais e o vínculo sagrado com a natureza eximem o poder público de oferecer a esta população os serviços essenciais que têm obrigação de ofertar a todos.
Seja por necessidade ou vontade de mudanças, vale ressaltar que os indígenas que ocupam as cidades são cidadãos livres, como todos nós. E, como tais, têm direito de estar e ser quem são em quaisquer espaços onde queiram estar, sendo respeitados e podendo usufruir de tudo o que o poder público tem por obrigação oferecer.
Quem sabe um dia o Brasil, de fato, entenda e respeite os povos originários como livres. Talvez, assim, comece a pagar a dívida histórica.
Márcia Guimarães Gestora de Conteúdo
Editorial
�� Ligação direta com a notícia
A voz da Amazônia tem ecoado cada vez mais por meio da REVISTA CENARIUM, que traz informações precisas e bem apuradas sobre a região. Um canal de comunicação completo, que reúne diferentes mídias, seja em vídeo, texto ou áudio para deixar o receptor a par de tudo o que acontece no Brasil e no mundo, mas, principalmente, sobre a Região Norte, sob uma ótica humana e objetiva de quem sabe o que está falando. Com isso, o leitor se sente mais próximo da notícia e vivencia de perto, mesmo que pela tela do celular ou computador, parte da realidade amazônica. Jornalismo sério, que envolve o leitor do começo ao fim.
Jackson Félix
Boa Vista – RR
&Leitora
�� Lixo em Belém
Como leitor da REVISTA CENARIUM, devo dizer que a reportagem sobre a crise do lixo em Belém foi bastante esclarecedora. Mostrou como a falta de infraestrutura adequada e políticas eficazes de gestão de resíduos têm impactado negativamente a cidade, tanto em termos ambientais quanto sociais. Espero que as autoridades locais possam utilizar essa exposição para tomar medidas concretas e urgentes para resolver esse problema crucial.
�� Lixo e mudanças climáticas
��
Gestão adequada de resíduos
PA
Pedro Felipe Belém –
A gestão do lixo emerge como um desafio crítico nas eleições de 2024, especialmente aqui em Belém, onde a crise tem sido evidente. Os candidatos precisam apresentar propostas sólidas e viáveis para lidar com esse problema, mostrando um compromisso genuíno com a sustentabilidade e o bem-estar da comunidade. Estratégias como a implementação de programas de reciclagem, investimentos em infraestrutura para a coleta seletiva e educação ambiental são aspectos-chave que os eleitores estão buscando nos candidatos. É fundamental que os futuros líderes municipais priorizem a gestão adequada de resíduos como uma questão central de sua plataforma política, buscando soluções eficazes e sustentáveis para garantir um ambiente mais limpo e saudável para todos.
Socorro Sena Belém – PA
É essencial que Belém, assim como todas as cidades brasileiras, intensifique seus esforços para lidar com a crise do lixo, especialmente à luz das discussões globais sobre mudanças climáticas na COP30. A gestão adequada de resíduos não só contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa, mas também promove uma melhor qualidade de vida para os cidadãos e preserva os recursos naturais. Espero que essa urgência seja reconhecida e que sejam implementadas soluções inovadoras e sustentáveis para enfrentar esse desafio. Eleições chegando, meu povo, vamos lembrar disso.
Mário Silva Belém – PA
�� Compromisso e diversidade
Quero parabenizá-los pelo compromisso com a qualidade jornalística e a diversidade de temas abordados.
Marta Lenice Manaus – AM
�� Inspiração
Vocês fazem a diferença! Continuem inspirando seus leitores. Sheila Lopes Manaus – AM
�� MANDE SUA MENSAGEM �� E-mail: cartadoleitor@revistacenarium.com.br | WhatsApp: (92) 98564-1573 Leitor
Crédito: Acervo Pessoal
Sumário
Abril
2024 • Ano 05 • N.º 46 24 18 64 ► MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE Mato Grosso lidera desmatamento 06 Fogo na Amazônia e no Cerrado ................................... 08 ► CENARIUM+CIÊNCIA Águas pantaneiras............................................................ 10 Parcerias tecnológicas 12 ► PODER & INSTITUIÇÕES Temporada de pré-candidaturas 14 ‘Pé-de-meia’ beneficia mais de 100 mil no AM 16 Pazuello investigado por mortes em Manaus 18 Acolhimento às mulheres 20 ► ECONOMIA & SOCIEDADE ABRIL INDÍGENA Parque das Tribos: Favelização e luta por direitos básicos 24 Para ser bairro 38 ‘Parque das Tribos é Manaus’ 42 Cuiabá: combate à fome 46 Belém imersa em favelas 50 Destaque internacional ................................................... 52 ► POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS Crise ambiental em Roraima 54 ‘Anatomia’ de um crime 58 ► ENTRETENIMENTO & CULTURA ‘Ovinha’ e bem torradinha ............................................. 60 ► VIAGEM & TURISMO Etnoturismo em foco no MT 62 ► DIVERSIDADE Protagonismo da mulher no esporte 64 ► ARTIGO – LELAND BARROSO DE SOUZA Justiça Eleitoral e eleições no Amazonas: algumas peculiaridades 68
de
Crédito: Suamy Beydoun Revista Cenarium
Crédito: Reprodução YouTube
Crédito: Agência Senado
Área de floresta ilegalmente desmatada nas proximidades da Terra Indígena Menkragnoti, entre Mato Grosso e Pará
Mato Grosso lidera desmatamento
Estado é o que mais desmatou na Amazônia Legal no primeiro bimestre de 2024, aponta Imazon
Davi Vittorazzi – Da Revista Cenarium
CUIABÁ (MT) – O Mato Grosso foi o Estado da Amazônia Legal que mais desmatou no primeiro bimestre de 2024, segundo dados levantados pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). A área desmatada é de 63 quilômetros quadrados (km²) e representa 32% do território amazônico mato-grossense.
Os outros Estados que lideram o ranking, em seguida, são Roraima (30%) e Amazonas (16%). Somados com Mato Grosso, eles tiveram 152 km² de florestas derrubadas no bimestre, o equivalente a 77% de toda a destruição detectada na Amazônia.
Segundo a análise do Imazon, no território mato-grossense o avanço do
06 www.revistacenarium.com.br MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
Crédito: Reprodução Marcio Isensee e Sá | Getty Images
Queda no desmatamento
Conforme o levantamento do Imazon, que teve como base o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), em toda a Amazônia, fevereiro foi o 11º mês consecutivo de redução do desmatamento. A devastação em janeiro e fevereiro deste ano impactou 196 km², o que corresponde a 63% menos do que nos mesmos meses de 2023, quando foi detectada a destruição de 523 km².
Numa comparação entre capitais brasileiras, a área de floresta perdida em janeiro e fevereiro na Amazônia supera os territórios de três delas: Vitória (97 km²), Natal (167 km²) e Aracaju (182 km²). Se equiparado a campos de futebol, a devastação no primeiro bimestre chegou a quase 327 deles, por dia.
desmatamento ocorre, principalmente, devido à expansão agropecuária, com destaque para municípios como Feliz Natal, Nova Maringá, Juína, Juara, Marcelândia e Canarana. Esses seis municípios estão presentes nas listas dos dez que mais destruíram a floresta em janeiro ou fevereiro. Os dois últimos, Marcelândia e Canarana, apareceram na lista por dois meses seguidos.
A Amazônia Legal corresponde a 59% do território brasileiro, sendo composta por nove Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. Apesar de ser o Estado que mais desmatou desse grupo, Mato Grosso apresentou redução de desmatamento em relação a igual período do ano passado, quando desmatou 242 km².
A REVISTA CENARIUM entrou em contato com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT) para comentar sobre as ações de combate ao desmatamento em vigor, mas não obteve retorno, até o fechamento desta publicação.
DESMATAMENTO POR ESTADO
OUTROS ESTADOS
No Estado de Roraima, a derrubada da floresta tem avançado também em terras indígenas. Em janeiro, metade dos territórios dos povos originários entre os dez com maior desmatamento ficavam no Estado. Em fevereiro, quatro estavam em solo roraimense. Foram oito territórios diferentes nos rankings, sendo três deles com presença em ambos os meses: Yanomami, Manoá-Pium e Raposa Serra do Sol.
Quanto ao Amazonas, onde os municípios da região sul têm registrado os maiores índices de desmatamento, também foi observada uma expansão nos assentamentos. Em janeiro, apenas o Projeto de Assentamento Dirigido Rio Juma (PA Rio Juma) estava entre os dez com maior área desmatada, ocupando o quinto lugar. Em fevereiro, esse assentamento assumiu a liderança do ranking e outros três do Amazonas entraram na lista: PA Acari, Projeto de Assentamento Agroextrativista Acará (PAE Acará) e PAE Antimary, ocupando, respectivamente, o segundo, terceiro e sexto lugares.
ESTADOS ACUMULADO 1º BIMESTRE 2023 ACUMULADO 2º BIMESTRE 2024 VARIAÇÃO Maranhão 7 8 14% Roraima 60 58 -3% Amazonas 76 31 -59% Pará 86 26 -70% Mato Grosso 242 63 -74% Rondônia 39 9 -77% Acre 10 1 -90% Tocantins 2 0 -100% Amapá 1 0 -100% TOTAL 523 196 -62%
Fonte: Imazon
07 REVISTA CENARIUM
Mato Grosso é o líder de desmatamento
Fogo na Amazônia e no Cerrado
Área queimada nos dois biomas em fevereiro soma 750 mil hectares, aponta Monitor do Fogo
Jacildo Bezerra – Da Revista Cenarium*
BOA VISTA (RR) – Em fevereiro de 2024, 950 mil hectares foram afetados pelo fogo no Brasil — um aumento de 410% em relação ao mesmo período do ano passado. Desse total, 79% alcançou áreas de vegetação nativa, em especial nos biomas da Amazônia e do Cerrado, somando uma área de 750 mil hectares.
Os dados foram gerados pelo Monitor do Fogo, iniciativa da rede MapBiomas Fogo coordenada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
“O
e Amazonas completam a lista com 475 mil e 136 mil hectares queimados, respectivamente. Juntos, os três Estados amazônicos correspondem a 85% de toda a área queimada neste ano.
“O aumento das queimadas no Estado de Roraima está diretamente relacionado ao período de seca que ocorre entre os meses de dezembro e abril, que foi agravado pelo fenômeno El Niño. A maior parte da vegetação afetada pelas queimadas em Roraima ocorre no lavrado, região
aumento das queimadas no Estado de Roraima está diretamente relacionado ao período de seca, que ocorre entre os meses de dezembro e abril, que foi agravado pelo fenômeno El Niño”
Felipe Martenexen, pesquisador do Ipam.
A área queimada, em 2024, em todo o Brasil, já chega a 1,98 milhão de hectares, 319% a mais do que nos dois primeiros meses de 2023.
O aumento do fogo se deve, em parte, ao avanço das chamas em Roraima. Em 2024, o Estado já registrou 1 milhão de hectares queimados e responde por 54% de toda a área queimada no Brasil. Pará
caracterizada pela presença de vegetação campestre”, explica Felipe Martenexen, pesquisador do Ipam.
“Esse ecossistema é especialmente vulnerável ao fogo durante o período final da janela de queima, quando as condições climáticas e a própria natureza da vegetação favorecem a propagação das chamas”, adiciona o pesquisador.
Crédito: Ricardo Oliveira
08 www.revistacenarium.com.br MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE
BIOMAS
A Amazônia brasileira concentrou 93% da área queimada no País nos dois primeiros meses de 2024, fato impulsionado pelos incêndios nos 11 municípios roraimenses com maior área queimada no período. Ao todo, 1,8 milhão de hectares foram queimados — um aumento de 433% em relação ao primeiro bimestre de 2023.
Em fevereiro, a área queimada chegou a 898 mil hectares, a maior área queimada no mês desde que o Monitor do Fogo começou a monitorar os incêndios no bioma em 2019.
A maior parte do que queimou na Amazônia foi de vegetação nativa, com destaque para as formações campestres, que corresponderam a 47% de toda a
área queimada em 2024. As pastagens foram a classe de uso da terra que mais foi impactada pelo fogo, com 17% da área total queimada na Amazônia em fevereiro de 2024, correspondendo a 158 mil hectares.
O avanço do fogo também foi acentuado no Cerrado, com um aumento de 152% no início do ano, atingindo uma área de 61 mil hectares. Em fevereiro, foram mais de 29,6 mil hectares — um aumento de 147% em relação ao mesmo mês de 2023. Embora queimas prescritas e controladas sejam realizadas no Cerrado no início do ano, durante o final da estação chuvosa, a maior parte das áreas queimadas se encontra em áreas de uso antrópico, como pastagens e agricultura.
(*) Com informações do Ipam.
Área de queimada nos arredores de Manaus, durante a temporada de seca de 2023
09 REVISTA CENARIUM
Águas pantaneiras
Pesquisadores querem medir volume de água no Pantanal mato-grossense
Davi Vittorazzi – Da Revista Cenarium
CUIABÁ (MT) – Um grupo de pesquisadores da Fundação Ecotrópica iniciou uma pesquisa para medir o volume de água no Pantanal mato-grossense. O lançamento foi realizado no dia 22 de março, data em que é celebrado o Dia Mundial da Água.
O principal objetivo da pesquisa, conforme afirmou o presidente da Fundação Ecotrópica e líder do estudo, Ilvanio Martins, é disponibilizar dados para os governos criarem políticas públicas voltadas à preservação do Pantanal.
A pesquisa faz parte do Projeto Chalana de Pesquisas, que consiste em uma embarcação utilizada
CENARIUM+CIÊNCIA
10 www.revistacenarium.com.br
como hospedagem para os pesquisadores enquanto eles identificam e analisam os dados coletados.
Toda a extensão do Pantanal, caracterizada por vastas planícies alagadas, integra a bacia hidrográfica do Alto Paraguai. Os principais rios, são: Cuiabá, São Lourenço, Piquiri, Taquari, Aquidauana, Miranda, Apa, além do Rio Paraguai, considerado o de maior porte na região.
A região de Porto Jofre, próxima ao Parque Estadual Encontro das Águas, localizado entre os municípios de Poconé e Barão de Melgaço (respectivamente, a 104 e 121 quilômetros de distância de Cuiabá), será um dos pontos de maior concentração de atividades dos pesquisadores. O local também foi um dos mais atingidos pelas queimadas em 2020.
Mesmo após um dos maiores picos de queimadas em 2020, a proteção do bioma ainda é um desafio recorrente. Só no ano
passado, o Pantanal em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul foi atingido em mais de 1 milhão de hectares por incêndios florestais, segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
NÍVEIS BAIXOS EM RIOS
Os rios que compõem a bacia do Rio Paraguai estão com os níveis abaixo do esperado para esta época do ano. A informação é do último boletim divulgado no dia 14 deste mês pelo Serviço Geológico do Brasil.
O informe aponta que a onda de calor que atingiu o País e as chuvas abaixo da média são as principais causas para a baixa nos níveis. A região do Alto Rio Paraguai é uma das mais afetadas, com os níveis mais baixos registrados na história para o começo do ano.
1 milhão de hectares
Em 2023, o Pantanal em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul foi atingido em mais de 1 milhão de hectares por incêndios florestais, segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Vista aérea do Pantanal mato-grossense
11 REVISTA CENARIUM
Crédito: Luciano Candisani | SOS Pantanal - HD
Parcerias tecnológicas
Estudantes do Ensino Médio aprendem programação em projeto da UEA
Carol Veras — Da Revista Cenarium*
MANAUS (AM) – O projeto Pilar Atração mobiliza alunos do Ensino Médio a praticarem programação de equipamentos em um laboratório móvel. As oficinas são fruto de uma parceria entre a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a Samsung. Nas aulas, acadêmicos dos cursos de Engenharia da UEA, bolsistas do programa, tornam-se mentores dos futuros universitários. As turmas utilizam a estrutura do laboratório para aplicarem os conteúdos relacionados a tecnologias digitais e noções de eletrônica vistos na teoria.
Na escola, a comissão organizadora do projeto trabalha com o objetivo de atrair os estudantes para a área de engenharia,
Alunos do projeto Pilar Atração
12 www.revistacenarium.com.br CENARIUM+CIÊNCIA
Crédito: Reprodução Eduardo Cavalcante Secretaria de Estado de Educação e Desporto Escolar
abordando temas relacionados à tecnologia e à indústria 4.0, como programação de equipamentos.
“O objetivo fundamental é despertar o interesse por tecnologia e engenharia por meio de capacitações em tecnologias digitais. Então, a importância fundamental é apresentar esse mundo das novas tecnologias aos estudantes de Ensino Médio”, afirma o coordenador do projeto, professor Adan Medeiros.
INTERESSE PELA TECNOLOGIA
O laboratório móvel é uma iniciativa da Academia STEM, projeto da UEA voltado para a capacitação profissional. A sigla STEM é derivada das palavras “Ciência”, “Tecnologia”, “Engenharia” e “Matemática”, e reflete os objetivos do programa. A iniciativa busca aumentar o interesse por esses cursos de graduação, reduzir a evasão e a reprovação nas universidades, além de fomentar a mentalidade empreendedora na região.
Os Laboratórios Móveis do Projeto Academia STEM são estruturas semelhantes a carretas, transformados em espaços Maker e equipados com Smart TVs, notebooks,
“O objetivo fundamental é despertar o interesse por tecnologia e engenharia através de capacitações em tecnologias digitais”
Adan Medeiros, professor e coordenador do projeto.
smartphones, impressora 3D, impressora de corte a laser, entre outros componentes eletrônicos e ferramentas. O espaço tem uma capacidade máxima de 40 alunos simultaneamente.
“Tem sido bem interessante e a gente consegue ter um aprendizado muito legal na área da tecnologia. Como a escola é em tempo integral, as aulas chamam a atenção dos alunos. Agora, a gente está fazendo semáforos e ligando vários leds em uma única rede”, comenta o aluno Anthony Oliveira, da Escola Estadual Marcantônio Vilaça 1, localizada na Zona Norte de Manaus.
MOSTRA DE PROJETOS
Os alunos tiveram a oportunidade de mostrar os produtos científicos na conven-
ção Amazon STEM Adventures (Asad), nos dias 4 e 5 de abril. O primeiro dia contou com oficinas voltadas para modelagem 3D e programação de circuitos eletrônicos. Já no segundo, os alunos tiveram a oportunidade de expor os projetos produzidos durante os dias de evento. Quinze equipes de diferentes escolas das redes públicas e privadas de ensino de Manaus participaram da convenção.
O laboratório móvel de engenharia está instalado na Escola Estadual Marcantônio Vilaça 1, na Cidade Nova, Zona Norte de Manaus, e na Escola Estadual Ruy Araújo, na Cachoeirinha, Zona Sul. A ideia é que as estruturas permaneçam instaladas até que todas as turmas de ensino médio concluam as atividades. Em seguida, outras escolas públicas devem ser atendidas.
Crédito: Reprodução Arquivo Pessoal 13 REVISTA CENARIUM
Evento Amazon STEM Adventures
Temporada de pré-candidaturas
Artifício serve para candidatos testarem densidade eleitoral, apontam analistas
Ricardo Chaves — Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) — A seis meses das eleições municipais de 2024, os partidos políticos começam a definir nomes e articular as candidaturas à Prefeitura de Manaus. Pela legislação, a definição de candidatos deve ocorrer entre 20 de julho e 5 de agosto. Enquanto a data limite não chega, as siglas aproveitam para testar nomes e ganhar projeção com a proximidade do pleito.
Segundo o cientista político Helso Ribeiro, as pré-candidaturas são especulações e uma forma das legendas partidárias ficarem em evidência. O que definirá, de
fato, é o que irá ocorrer no período das convenções partidárias.
“São as convenções que vão dizer quem serão os candidatos, a prefeito e a vereador. A pessoa fala: eu sou pré-candidato a vereador, eu sou pré-candidato a prefeito. É uma forma do nome ganhar holofotes cotidianos da política. Muitas vezes, partidos políticos lançam nomes de pré-candidatos até para medir como eles estão”, avalia o professor.
O cientista aponta também que o lançamento de pré-candidaturas seria uma forma dos partidos políticos avaliarem a
Pré-candidatos de Manaus: da esquerda para a direita,
Amom Mandel, Maria do Carmo Seffair, Roberto Cidade, David Almeida, Wilker Barreto e Alberto Neto
14 www.revistacenarium.com.br PODER & INSTITUIÇÕES
Crédito: Composição Luís Paulo Dutra
indicação dos nomes por meio de pesquisas internas e, assim, buscar respostas ou ajustes antes da confirmação do candidato.
O QUE É PERMITIDO
Pré-candidatos podem fazer menção à candidatura, conceder entrevistas, participar de programas em rádio, televisão e internet. A legislação eleitoral permite também que eles possam expor plataformas e projetos políticos, desde que não haja pedido de votos.
A Lei n.º 13.165, de 29 de setembro de 2015, reduziu o tempo de campanha de 90 para 45 dias e o período de propaganda no rádio e na TV de 45 para 35 dias. Para compensar o curto período dado para as legendas políticas e candidatos fazerem a campanha oficial, a lei também permitiu atos de pré-campanha, para que figuras menos conhecidas do eleitor pudessem se apresentar.
O analista político Carlos Santiago avalia que as movimentações e interações com a sociedade feitas pelos pré-candidatos corroboram para massificar seus nomes e conquistar adeptos a sua causa.
“Partidários da direita no Amazonas estão aproveitando [o período] para lançar nomes, participar de debates, discutir propostas e montando, inclusive, chapas fortes para disputar as eleições para o cargo de vereador e vereadora”, avalia.
Por outro lado, Santiago aponta que, de igual maneira, partidos de esquerda não estão conseguindo o mesmo alcance com a formação de novos grupos sociais.
“Os partidos denominados de esquerda ou progressistas não estão conseguindo ampliar o seu diálogo com os novos atores sociais, como evangélicos e trabalhadores de aplicativo. Estão tendo uma participação tímida nos parlamentos e não conseguem chegar a um consenso para montar uma chapa de vereador ou um nome majoritário para ser trabalhado nesse período de pré-campanha”, afirma.
Para ele, é preciso estar atento à nova dinâmica política que dá liberdade de trabalhar uma pré-candidatura devido ao período curto.
“Quem não tem essa leitura política tem dificuldade de consenso e perde todo
“A pessoa fala: eu sou pré-candidato a vereador, eu sou pré-candidato a prefeito. É uma forma do nome ganhar
holofotes cotidianos
da política”
Helso Ribeiro, cientista político.
o período da pré-campanha, que poderia ser mais produtivo e ainda corre o risco de sequer ter nomes competitivos para disputar o pleito majoritário e chapa proporcional”, avalia.
PRÉ-CANDIDATURAS
Siglas manauaras já lançaram possíveis nomes para a disputa. O atual prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), concorrerá à reeleição. O político deve enfrentar adversários à direita e à esquerda do espectro político, como, por exemplo, o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam), deputado estadual Roberto Cidade (União Brasil), apoiado pelo governador Wilson Lima; o deputado federal Alberto Neto (PL), ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro; Maria do Carmo Seffair (Novo), reitora do Centro Universitário Fametro; o deputado estadual Wilker Barreto (Mobiliza) e o
também deputado federal Amom Mandel (Cidadania).
A esquerda apresentou nomes como Israel Tuyuka, do PDT, e o PSOL divulgou o nome da advogada e ativista social Natália Demes. A federação partidária Brasil da Esperança, composta pelo PT, PCdoB e PV, é um caso à parte e fez o que é chamado por analistas políticos de “balão de ensaio”.
O PT apresentou o ex-deputado federal José Ricardo, o deputado estadual Sinésio Campos, o vereador Sassá da Construção Civil, a ativista social Anne Moura, o dirigente partidário Luiz Borges e o dirigente sindical Valdemir Santana como pré-candidatos e, por fim, o advogado e ex-deputado federal Marcelo Ramos (PT). Já o PCdoB indicou o ex-deputado federal e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Eron Bezerra.
15 REVISTA CENARIUM
Crédito: Acervo Pessoal
‘Pé-de-meia’ beneficia mais de 100 mil no AM
Programa tem o objetivo de evitar a evasão escolar, beneficiando, com ajuda financeira, estudantes de baixa renda do Ensino Médio Marcela Leiros — Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Pelo menos 105 mil alunos de baixa renda, estudantes do Ensino Médio no Amazonas, estão aptos a receberem os incentivos do Programa Pé-de-Meia, do governo federal, lançado no Estado, no dia 27 de março, e uma parte deles começou a receber o incentivo. O objetivo é reduzir a evasão escolar e garantir a permanência dos alunos nas escolas. Ao concluir o nível escolar, o aluno poderá ter recebido R$ 9.200.
A cerimônia de lançamento do programa aconteceu no Centro de Convenções do Amazonas — Vasco Vasques, na Zona Centro-Sul de Manaus, e contou com a
presença do ministro da Educação, Camilo Santana, e do governador Wilson Lima (União Brasil). Santana confirmou o pagamento aos alunos iniciado no dia 26 de março. O valor é recebido na conta-poupança de cada estudante da Caixa Econômica Federal (CEF).
“Já estão abertas 73 mil contas aqui de alunos. Nós já começamos a pagar, ontem, os alunos que nasceram em janeiro e fevereiro. Hoje, já está na conta os alunos que nasceram em março e abril. Nós vamos concluir, nos próximos dias, o pagamento da primeira parcela. E, assim, a cada mês, nós vamos pagando essa parcela a cada
Camilo Santana (à esquerda) e Wilson
Lima lançam o Programa Pé-de-Meia
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Crédito: Alex Pazuello | Secom
Wilson Lima, governador do Amazonas. aluno”, explicou Camilo Santana, na ocasião.
O Pé-de-Meia prevê o pagamento de incentivo mensal de R$ 200, que podem ser sacados a qualquer momento, mais depósitos de R$ 1 mil ao final de cada ano concluído, que o estudante só pode retirar da poupança após se formar no Ensino Médio. Considerando as parcelas de incentivo, os depósitos anuais e, ainda, o adicional de R$ 200 pela participação no Enem, os valores chegam a R$ 9.200, por aluno.
EVASÃO ESCOLAR
No Amazonas, a evasão escolar é em torno de 5%, conforme o governador Wilson Lima. O objetivo é zerar essa porcentagem, com o incentivo do programa.
“O Pé-de-Meia, sem dúvida nenhuma, é um auxílio muito importante, porque muitos adolescentes precisam escolher como administrar o seu tempo. Se vão estudar ou se vão trabalhar para poder
“O Pé-de-Meia, sem dúvida nenhuma, é um auxílio muito importante, porque muitos adolescentes precisam escolher como administrar o seu tempo”
complementar a renda da família. Não tenha dúvida de que um recurso desse, que entra para o aluno e na conta dele, que ele passa a ter uma conta, ele passa a ter direito, por exemplo, a fazer as operações bancárias ali, como saque, como pagamento, como transferências, isso dá uma outra dinâmica e uma outra perspectiva na vida desses alunos”, declarou.
Estudante do 3º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Alice Salerno, na Zona Centro-Sul de Manaus, Gabriela Vale compartilhou que a evasão escolar é uma realidade para muitos alunos, que,
muitas vezes, precisam abandonar seus estudos para conseguir um emprego e auxiliar na renda da casa. Ela espera que, com o Pé-de-Meia, ela e seus colegas não precisem mais escolher entre os estudos e o trabalho.
“Com certeza, esse valor vai me ajudar a focar mais nos meus estudos. Não vou precisar estar trabalhando fora, por exemplo. Acredito que o valor vai ajudar não só na minha vida, mas também na vida de outros alunos a focar mais nos estudos e construir uma base educacional boa para o nosso País”, comemorou.
Estudantes se reuniram no Centro de Convenções Vasco Vasques, na Zona Centro-Sul de Manaus, para o lançamento do programa
Crédito: Diego Peres |Secom 17 REVISTA CENARIUM
Pazuello investigado por mortes em Manaus
Segundo a coluna Radar, da Revista Veja, a investigação sobre a crise do oxigênio foi entregue ao ministro Gilmar Mendes
Karina Pinheiro — Da Revista Cenarium*
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MANAUS (AM) — O deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ) será investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelas mortes causadas na crise de oxigênio em Manaus, ocorridas em janeiro de 2021. De acordo com informações da coluna Radar, da Revista Veja, a investigação foi entregue ao ministro Gilmar Mendes, que já é relator do inquérito que apura a negligência de Pazuello, Bolsonaro e outros bolsonaristas durante a pandemia de Covid-19.
oxigênio aos hospitais de Manaus (AM). Segundo ele, as informações que chegaram ao ministério diziam respeito a “dificuldades técnicas” na distribuição do produto, área que não seria de competência da União.
Passados dez dias após o pico do colapso, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, determinou a abertura de inquérito policial para investigar eventual conduta criminosa do então ministro da Saúde.
31 mortes
O Ministério Público, em uma apuração, identificou que 31 pessoas morreram por falta de oxigênio em Manaus durante os dias 14 e 15 de janeiro de 2021, período em que o sistema de saúde colapsou. Um documento da Advocacia-Geral da União (AGU) admitiu que Pazuello sabia do “iminente colapso do sistema de saúde”, dez dias antes da tragédia.
O Ministério Público, em uma apuração, identificou que 31 pessoas morreram por falta de oxigênio em Manaus, durante os dias 14 e 15 de janeiro de 2021.
No dia 11 de fevereiro de 2021, o ministro da Saúde à época, Eduardo Pazuello, disse ao Senado que não foi avisado sobre um eventual colapso no fornecimento de
Em meados de janeiro, o País já contabilizava 226 mil mortos e era o segundo do mundo, depois dos Estados Unidos, com o maior número de vítimas fatais pela Covid-19 em termos absolutos. O número subiu repentinamente impulsionado pela segunda onda da pandemia, que esgotou as reservas de oxigênio fornecido aos pacientes internados, principalmente no Amazonas. À época, a demanda diária no estado girava em torno de 76 mil m³ de oxigênio, sendo que as empresas fornecedoras não conseguiam produzir mais do que 28,2 mil m³.
Crédito:
Deputado federal Eduardo Pazuello, em depoimento à CPI da Covid-19
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Agência Senado
Acolhimento às mulheres
Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) é o primeiro no País a lançar Ouvidoria da Mulher, um marco na promoção da igualdade de gênero
Da Revista Cenarium*
MANAUS (AM) – No cenário jurídico brasileiro, o Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) desponta como pioneiro ao estabelecer sua Ouvidoria da Mulher, tornando-se a primeira e única Corte de Contas do País a criar esse importante canal de escuta e acolhimento. A iniciativa, liderada pela conselheira-presidente Yara Amazônia Lins, representa um marco significativo
na promoção da igualdade de gênero e no combate à violência contra a mulher e foi anunciada tão logo a conselheira assumiu como presidente.
“Meu compromisso assumido quando fui empossada presidente deste Tribunal está sendo cumprido. Quero incentivar todas as mulheres a terem a coragem de usar sua voz e denunciar. Falar é um exercício de liberdade e resistência. Que a
Crédito: Felipe Jazz | TCE-AM
Cerimônia de inauguração da Ouvidoria da Mulher do TCE-AM
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Ouvidoria da Mulher do TCE-AM seja um símbolo de coragem, força, mudança e transformação social”, destacou a presidente do Tribunal, conselheira Yara Amazônia Lins, ao falar sobre a instalação da Ouvidoria da Mulher.
A importância da Ouvidoria da Mulher dentro do TCE-AM é indiscutível. Além de ser um reflexo do compromisso da instituição com a igualdade de gênero, esse novo órgão desempenhará um papel crucial na garantia de um ambiente de trabalho seguro, inclusivo e livre de discriminação para todas as mulheres que integram a instituição.
Mais do que uma medida simbólica, é possível dizer que a criação da Ouvidoria da Mulher representa um passo concreto na direção das mudanças, fornecendo um espaço dedicado para receber e encaminhar denúncias relacionadas à igualdade de gênero e à violência contra a mulher,
e preenche esta lacuna crucial no sistema de proteção e promoção dos direitos das mulheres. Além disso, a Ouvidoria da Mulher também servirá como um ponto focal para a sensibilização e conscientização sobre questões de gênero dentro do próprio TCE-AM e na sociedade em geral.
“A evolução legislativa trata sobre o combate a todas as formas de desigualdade de gênero e violência contra a mulher. Por isso, faz-se necessária a criação, por Lei, desta Ouvidoria. O objetivo é fomentar políticas públicas efetivas e com o propósito de defender os direitos fundamentais das mulheres”, afirmou a presidente do TCE-AM, conselheira Yara Amazônia Lins.
A Ouvidoria da Mulher do TCE-AM foi instalada em fevereiro deste ano, aprovada por unanimidade pelos parlamentares do Legislativo estadual e virou lei, depois da sanção do governador Wilson Lima, no
“O objetivo é fomentar políticas públicas efetivas e com o propósito de defender os direitos fundamentais das mulheres”
Yara Amazônia Lins, conselheira presidente do TCE-AM.
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Crédito: Felipe Jazz | TCE-AM
A ativista pelos direitos das mulheres Luiza Brunet recebe homenagem entregue pela presidente do TCE-AM, Yara Lins
“A violência de gênero é um pilar destrutivo, não somente no ambiente de trabalho, mas também na política e em lugares de poder”
Luiza Brunet, ativista.
último dia 20 de março, e teve sua cerimônia de inauguração no dia 4 de abril.
CERIMÔNIA DE INAUGURAÇÃO
Em um evento repleto de significado, a conselheira-presidente Yara Amazônia Lins conduziu a cerimônia que marca o TCE-AM como o primeiro e único Tribunal de Contas no País a estabelecer esse importante canal de escuta e acolhimento.
A cerimônia de inauguração da Ouvidoria da Mulher foi marcada por um clima de celebração e compromisso com a causa. Personalidades femininas influentes, como a empresária e ativista Luiza Brunet, expressaram seu apoio e reconhecimento à iniciativa do Tribunal. Luiza Brunet destacou a importância de um ambiente de trabalho seguro e acolhedor para as mulheres e elogiou a Ouvidoria da Mulher como um passo crucial nessa direção.
“A violência de gênero é um pilar destrutivo, não somente no ambiente de trabalho, mas também na política e em lugares de poder. Não é uma briga entre homens e mulheres, é um lugar de respeito. Poucas mulheres denunciam porque elas têm vergonha ao não serem acolhidas, e uma Ouvidoria da Mulher é muito importante para fazê-la sentir o acolhimento, a privacidade para falar dentro do trabalho”, destacou a ativista Luiza Brunet.
Além disso, representantes do poder legislativo e do governo estadual estiveram presentes para expressar seu apoio à iniciativa. A deputada estadual Alessandra Campelo ressaltou a importância da parceria entre o TCE-AM e o Legislativo na promoção dos direitos das mulheres.
“É um marco importantíssimo o Tribunal de Contas estar instalando essa Ouvidoria. É aí que vemos a importância de ter mulheres em espaços de poder. Se
Crédito: Felipe Jazz
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TCE-AM
a presidente não fosse a conselheira Yara, dificilmente, isso estaria acontecendo. É uma conjunção de esforços, uma grande rede de apoio que se junta ao movimento feminista que temos, para atender mulheres todos os dias”, afirmou a deputada Alessandra Campelo.
A diretora da Ouvidoria da Mulher, Ana Paula de Andrade Aguiar, explicou detalhadamente o funcionamento do novo órgão, enfatizando sua missão de ser um
local de amparo e acolhimento para todas as mulheres.
“A Ouvidoria da Mulher, acima de tudo, vai ser um local de amparo, um lugar onde vamos poder receber denúncias, seja por e-mail, WhatsApp, e, o fundamental, contato pessoal. Através dessas demandas, daremos o encaminhamento que se faz necessário, seja criminal ou administrativo, dependendo de cada grau e esfera”, explicou Ana Paula Aguiar.
Em um momento em que a luta pela igualdade de gênero continua sendo uma prioridade global, a criação da Ouvidoria da Mulher pelo TCE-AM é, acima de tudo, um lembrete de que ainda há muito trabalho a ser feito. No entanto, é também um testemunho do compromisso do Tribunal em enfrentar esses desafios de frente e uma reafirmação do seu papel como agente de mudança positiva na sociedade.
(*) Com informações do TCE-AM.
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Crédito: Felipe Jazz | TCE-AM
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Parque das Tribos: Favelização e luta por direitos básicos
Comunidade indígena urbana de Manaus luta contra descaso público na busca por serviços essenciais
Ricardo Chaves — Da Revista Cenarium
Crédito: Suamy Beydoun Revista Cenarium
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MCrédito: Suamy Beydoun Revista Cenarium
ANAUS (AM) — Casas de tijolo aparente, ruas com pouco asfalto e problemas estruturais. O "Parque das Tribos", apontado como maior bairro indígena do Brasil em consolidação, poderia ser uma comunidade comum de Manaus, mas os rostos indígenas da maioria dos moradores carregam em seus traços uma história de luta por um pedaço de chão e pelo direito ao acesso a serviços básicos que dão à vida mais dignidade. As promessas não cumpridas de melhorias por parte do poder público são muitas, se acumulam, ao longo dos anos, e evidenciam o descaso, segundo os moradores. Elas contrastam com a realidade desses brasileiros empurrados de suas terras de origem pela pobreza e falta de oportunidades, e que convivem com fornecimento precário de energia elétrica, água e transporte público, falta de saneamento básico e o medo de ver a casa construída com esforço ir ao chão, no primeiro sinal de chuva intensa. É um cenário de favelização, como o que toma conta de grande parte de Manaus, cidade com maior presença de indígenas do País, em números absolutos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O Parque das Tribos está localizado no bairro Tarumã, na Zona Oeste de Manaus. Foi a partir da união de João Diniz, da etnia Baré, e Raimunda da Cruz Ribeiro, da etnia Kokama, que a comunidade começou a ser formada, gradativamente, a partir de 1980. O casal veio do Médio Rio Solimões, nas proximidades do município de Tefé, em busca de cuidados médicos, trabalho e educação. Logo depois, vieram outros indígenas.
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Crédito: Suamy Beydoun | Revista Cenarium
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No entanto, foi apenas no dia 14 de abril de 2014, sob a liderança do então cacique-geral Messias Kokama e com o apoio da cacica Lutana Kokama, filha do casal, que a comunidade Parque das Tribos foi fundada. Segundo os geógrafos, Luiz de Freitas e Ivani de Faria no artigo “Parque das Tribos: territorialização, conflitos e a construção de um território indígena urbano na área do Tarumã na cidade de Manaus - AM”, a ocupação do espaço ocorreu gradativamente e o mês de abril de 2014, marca o desenvolvimento de ações como a construção de moradias e a apropriação do solo urbano.
Eles explicam ainda que a ocupação começou a partir da comunidade Cristo Rei e, como não foi possível abrigar outras famílias no espaço, as lideranças indígenas solicitaram informações sobre o terreno onde hoje é o Parque das Tribos. Os dados enviados pela Secretaria de Estado de Política Fundiária (SPF), Instituto de Terras do Amazonas (Iteam) e outros órgãos revelou que a terra era devoluta, ou seja, terras públicas sem destinação pelo Poder Público e que, em nenhum momento, integraram o patrimônio de um particular. Sendo assim, fundaram a comunidade no dia 14 de abril de 2014.
Em seus dez anos de existência, a comunidade Parque das Tribos enfrentou pedidos de reintegração de posse que, no final, tiveram desfecho favorável aos indígenas. Com o falecimento de Messias devido a complicações da Covid-19, coube a Lutana guiar os indígenas em sua reivindicação territorial. Atualmente, a comunidade abriga mais de 1 mil famílias, de 35 etnias sob a liderança da cacica Lutana Kokama. Eles estão entre os 324.834 indígenas que moram em zonas urbanas brasileiras, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. O Censo realizado em 2022 ainda não publicou o recorte urbano e rural. O IBGE também informou que, por enquanto, tem informações para populações indígenas apenas até o nível de município. Há também moradores não indígenas no Parque das Tribos. E há planos para que
a comunidade passe a se chamar Parque das Nações Indígenas.
Em publicação de dezembro de 2022 da revista institucional da Prefeitura de Manaus, “Mosaico Manaus”, o Parque das Tribos é chamado de “maior bairro indígena do País”.
MANAUS FAVELIZADA
Em 2022, o MapBiomas mostrou que a capital ganhou 14 mil hectares de favelas entre 1985 e 2022, ou seja, pelo menos metade do crescimento da área urbana na capital, nesse período, foi desse tipo de moradia. Para se ter uma ideia, é como se tivessem sido construídas 1.666 Arenas da Amazônia, estádio de futebol construído em 2014, com o custo de R$ 623.857.919,03 milhões para os cofres públicos, para receber jogos da Copa do Mundo Fifa.
Se de um lado os agentes públicos compreenderam a necessidade de investir para garantir a realização do maior espetáculo da terra, por outro, faltou o mesmo entendimento para resolver problemas críticos e estruturais em bairros periféricos de Manaus e em comunidades, como é o caso do Parque das Tribos, que é um reflexo do histórico crescimento desorganizado e favelizado de Manaus impulsionado pelo êxodo do interior para a capital.
Organizados, os indígenas buscaram estabelecer diálogo e protocolar requerimentos solicitando serviços básicos ao poder público, ao longo dos anos. Foi apenas recentemente que conquistaram água encanada, luz elétrica, ruas asfaltadas, iluminação pública em parte da comunidade, uma escola e uma unidade de saúde. No entanto, a qualidade do trabalho executado após anos de articulação com a administração pública municipal é questionada.
“O prefeito mandou as empresas virem após nossas reivindicações. Mas é um trabalho que não está de qualidade. Está faltando muita coisa, principalmente a drenagem do esgoto. Estão jogando o asfalto sem a drenagem. Eu peço que as pessoas que estão lá dentro [da prefeitura] atendam nossa reivindicação, que possa
O Parque das Tribos é, ao mesmo tempo, símbolo de luta e união dos povos indígenas, mas também de busca por serviços básicos, como transporte público e coleta de lixo adequada
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Crédito: Suamy Beydoun Revista Cenarium
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Cacica Lutana Kokama, liderança do Parque das Tribos, em 2023, em uma área de erosão, uma das preocupações dos moradores da comunidade
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Crédito: Ricardo Oliveira Revista Cenarium
Manaus
71,7 mil
Manaus é a cidade mais indígena do País em números absolutos, segundo o IBGE, com 71,7 mil habitantes indígenas.
Brasil
35 povos
1 mil famílias, de 35 etnias vivem no Parque das Tribos.
324.834
indígenas
No Brasil, há 324.834 indígenas que moram em zonas urbanas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. O Censo de 2022 ainda não publicou o recorte urbano e rural.
ser uma estrutura de qualidade para a nossa comunidade”, disse a cacica Lutana.
Em seu primeiro ano de criação, a REVISTA CENARIUM visitou, em dezembro de 2021, o Parque das Tribos e revelou que a comunidade sofria com riscos de desabamentos de terra. Na época, a reportagem conversou com Samia Gonzaga da Silva, da etnia Kanamari, moradora do Parque das Tribos desde a fundação e secretária da associação de moradores. Na época, ela relatou problemas de infraestrutura e o medo dos deslizamentos de terra.
Dois anos e quatro meses depois, encontramos Samia e outros moradores que relataram ainda conviver com a situação, apesar do município ter realizado intervenções. Agora, eles acusam o poder público municipal de “maquiar” e não resolver a situação com obras de qualidade para pôr fim aos deslizamentos. “As ruas continuam a mesma coisa e até pior. O prefeito veio na comunidade e disse para os indígenas que iria asfaltar as ruas da primeira etapa antes do Carnaval, mas a pavimentação ficou incompleta e o serviço não foi bem feito. Infelizmente, fizeram uma maquiagem”, relatou Samia.
A moradora refere-se à visita do prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), em janeiro deste ano, à comunidade. Na visita, Almeida anunciou o início de um projeto de reestruturação da comunidade e que,
após o carnaval, assinaria ordem de serviço para pavimentar a segunda etapa do parque.
“Estamos iniciando o asfaltamento dessa primeira etapa, que serão nove ruas. Posteriormente, após o Carnaval, daremos a ordem de serviço para asfaltar o Parque das Tribos 2”, declarou.
“É uma situação triste. Estamos abandonados e esquecidos aqui. Precisamos de cuidados. Também somos seres humanos”
Antônio Bezerra, morador da Rua Puranga, no Parque das Tribos.
Passados alguns meses, o que poderia ser o desfecho de um sonho aguardado há uma década pelos moradores, cedeu lugar à apreensão, incerteza e tristeza. As obras não prosseguiram e o poder público municipal não informou o motivo aos moradores para a não conclusão dos serviços. No dia 4 de janeiro, acompanhado do secretário municipal de Infraestrutura (Seminf), Renato Júnior, o prefeito anunciou a conclusão de uma obra de contenção de uma erosão na Rua Siusi, no Parque das Tribos. No entanto, a situação está longe de ter sido resolvida, de acordo com relato dos moradores.
No Parque das Tribos, as ruas são pouco asfaltadas, a iluminação pública é praticamente inexistente e o asfalto colocado nas ruas é fino e em quantidade insuficiente. A urbanização chegou parcialmente em algumas ruas do bairro, mas apenas o asfalto foi aplicado, sem utilização de outras técnicas de pavimentação, como o concreto e paralelepípedo.
O asfalto colocado em algumas ruas foi feito pela metade, o que causa transtorno e incômodo. Sem calçadas, os moradores disputam passagem com veículos, isso quando a rua oferece alguma condição de tráfego. Diferente de outras que não foram concluídas, onde o mato cresce e vira ponto de lixeiras viciadas.
“Sempre tivemos diálogo com a prefeitura, mas só recebemos promessas. E quando chegam as ações até a comunidade o serviço fica pela metade”, diz a cacica.
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MEDO DAS CHUVAS
O auxiliar de almoxarifado Raimundo Nonato, da etnia Kulina, lembra do dia que presenciou a chegada do asfalto. Nas primeiras semanas, ele relata que a empresa contratada pela prefeitura realizou ações para preparar as ruas. Um tempo depois, de forma inexplicável, os trabalhadores pararam e não finalizaram o serviço.
“Estava chegando do trabalho e vi as caçambas de asfalto chegando, mas ninguém sabe que ruas eles asfaltaram. Colocaram barro, piche e um asfalto fino. Não fizeram nada para escoar a água quando cair a chuva, que é muito forte por aqui. Como demoraram para finalizar. Alguns trechos da rua já desabaram”, diz o morador.
Darlene Ferreira mantém um comércio na Rua Siusi e diz que as máquinas foram ao local, mas o que era para ajudar, acabou prejudicando mais pelas obras não terem sido concluídas.
“Quando chove, temos muitas dificuldades. Alguns trechos da rua estão desabando e nosso medo é de a nossa casa ser engolida. Alguns já perderam fossa e muro, na primeira chuva forte. A gente tenta fazer o que pode. Nos organizamos e compramos entulho para colocar na rua e melhorar um pouco a situação e tentar evitar o pior”, relata a moradora.
Próximo ao local, Antônio Bezerra, morador da Rua Puranga, diz que o período de chuvas sempre assusta os indígenas pela força das águas, que acaba movendo o barro das ruas do local. A rua onde mora ainda aguarda asfalto.
“Na minha casa é a maior luta para chegarmos, porque a chuva levou o barro da rua. O serviço que veio, infelizmente, foi malfeito. Colocaram o asfalto, mas não tem sarjeta. Algumas ruas começaram e não terminaram, e o barro colocado já ameaça desabar, já que o asfaltamento não foi concluído. É uma situação triste. Estamos abandonados e esquecidos aqui. Precisamos de cuidados. Também somos seres humanos”, lamenta.
ÁGUA
Para ter acesso à água potável, muitos moradores do Parque das Tribos cavam poços artesianos. A aposentada Áurea dos Santos é uma das moradoras que participou da organização da comunidade, em 2014, e conta que, apesar do avanço dos últimos anos e de muitas casas contarem
Suamy Beydoun | Revista Cenarium 30 www.revistacenarium.com.br
Claudemir Costa e a família dele enfrentam problemas com falta de energia regularizada e de transporte público, o que compromete a educação e os atendimentos de saúde
Crédito:
Crédito: Seminf | Divulgação Crédito: Suamy Beydoun | Revista Cenarium
Morador mostra asfalto recém-colocado e que já está se deteriorando
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Prefeito David Almeida no Parque das Tribos, em janeiro deste ano, quando anunciou obras de reestruturação
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ECONOMIA & SOCIEDADE
com o serviço, ele ainda é insuficiente em muitas áreas da comunidade.
“A falta de água aqui já foi muita. Hoje, melhorou bastante. Na minha casa, tive que utilizar o dinheiro da aposentadoria para furar um poço artesiano. Nem todo mundo tem condições de construir e a falta de água ainda afeta muitas famílias. Conquistar a nossa casa foi muita luta. A gente torce para essa situação melhorar logo”, diz.
TRANSPORTE
“A
principal situação é que eles [ônibus] demoram. Gostaríamos de mais opções e outras linhas. A situação aqui de transporte é de calamidade”
Samia Gonzaga da Silva, moradora do Parque das Tribos.
O Parque das Tribos está localizado a 22,7 quilômetros de distância do Centro de Manaus. As linhas de ônibus 011 e 005 são o principal meio de transporte dos moradores da comunidade para ir ao trabalho ou à escola. Como em outras regiões da capital, o ônibus demora, não tem boas condições de preservação e lota em horários de pico. Pela dificuldade de acesso de veículos, motoristas de aplicativo demoram para aceitar corridas.
Pai de uma estudante do Ensino Médio, Raimundo Nonato lamenta que a filha Giovanna precise pegar ônibus para chegar à Escola Estadual Vicente Telles de Souza, que fica localizada na Avenida Constantino Nery. Como o ônibus não passa na Rua Siusi, ela precisa percorrer um trajeto até uma rua principal, para acessar o transporte.
“Minha filha sai quatro horas da tarde para chegar na escola. Só volta às 21h, em um ônibus lotado e com a mochila pesada nas costas. Quando tem mais sorte, chega às 20h, dependendo do trânsito ou se nada acontece com o ônibus no caminho”, afirma.
De acordo com Samia, muitos indígenas perderam oportunidades de trabalho devido à demora dos ônibus. Ela diz que a situação ainda é crítica, pois motoristas de aplicativo cancelam corridas para a comunidade. “A gente passa horas na parada de ônibus e, quando passa, é lotado. A principal situação é que eles demoram. Gostaríamos de mais opções e outras linhas. A situação aqui de transporte é de calamidade. Motoristas de aplicativo evitam aceitar corridas. Passamos mais de duas horas pedindo até conseguir alguém”, relata a líder comunitária.
Samia explica que nem todo morador tem condições de utilizar o transporte por aplicativo e a situação ainda se soma à falta de ruas na comunidade, que não existem ou estão em péssimo estado.
A CENARIUM buscou resposta do Instituto Municipal de Mobilidade Urbana (IMMU) sobre a demora relatada pelos moradores e a manutenção dos ônibus. O órgão informou que, recentemente, foi realizado aumento de frota nas linhas 011 e 005.
Ambas operam conforme demanda de passageiros. Para a reportagem, a pasta informou ainda que irá programar uma fiscalização nas linhas para verificar se está sendo cumprido o quadro de horários. Segundo o instituto, a frota que está operando passa por higienização e manutenção diariamente.
ENERGIA PRECÁRIA
Os moradores da Rua Messias Kokama, que leva o nome de um dos fundadores do Parque das Tribos, convivem com a falta de energia elétrica e de asfaltamento nas ruas. O autônomo Claudemir Costa, da etnia Sateré Mawé, mudou-se para a comunidade, após alguns anos morando na ocupação Cidade das Luzes.
Menino brinca de bola ao lado de uma vala a céu aberto
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Crédito: Suamy Beydoun | Revista Cenarium
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Moradores têm dificuldade ao caminhar por ruas não asfaltadas
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“Na minha casa, tive que utilizar o dinheiro da aposentadoria para furar um poço artesiano. Nem todo mundo tem condições de construir e a falta de água ainda afeta muitas famílias”
Áurea dos Santos, aposentada.
Ele e a mulher, Nilza Costa, têm deficiência física e têm duas filhas, uma com deficiência mental e outra com problemas cardiopáticos. Devido à insegurança da Cidade das Luzes, ameaças de morte e medo de retaliações se mudaram da ocupação. Apesar da nova moradia também não ter tanta segurança, o casal sente-se mais acolhido, por estar entre iguais. No entanto, a falta de energia e de serviços básicos prejudica o dia a dia da família.
“Nós já tentamos ligar a energia, só que a concessionária diz que não tem poste. A gente não queria, mas recorre a ‘gatos’ [ligação irregular de energia]. Mesmo assim, é muito ruim, e já perdemos a máquina de lavar e a geladeira. A gente quer pagar direito, tenta ir atrás, mas não tem retorno”, diz Claudemir.
A CENARIUM entrou em contato com a concessionária sobre a situação relatada pelos moradores e confirmou que a instalação de postes é de sua competência. A Amazonas Energia informou que a via necessita receber melhorias da Prefeitura de Manaus como arruamento, asfalto e urbanização na totalidade para viabilizar a entrada dos caminhões. Apenas dessa forma será possível finalizar as obras da rede e, assim, realizar a ligação de energia para os consumidores da área.
Enquanto os serviços de melhoria não são feitos nas vias da comunidade, Claudemir e Nilza não conseguem acesso a consultas médicas, pela dificuldade de locomoção e pelas ruas da etapa ainda estarem sem asfalto ou pouco conservadas. “Ambulância não sobe aqui. Precisamos de ajuda de vizinhos para chegar até um local para pedir um motorista de aplicativo. Mesmo assim, demoram a aceitar. Torcemos para a situação melhorar”, diz Nilza.
Ao todo, o Parque das Tribos 2 é composto por 13 ruas. Todas sem asfalto e com problemas de iluminação. Pessoas
com deficiência, o casal depende das filhas para comprar alimentação e trazer outros mantimentos para a casa.
“Assim como a nossa família, outras também têm parentes com deficiência. Nossas filhas, às vezes, voltam feridas pelo mato das ruas estar muito alto e cair nos buracos. Mas, precisamos que elas saiam para trazer comida para casa”, relata Claudemir, que diz ainda que as filhas o auxiliam na locomoção pela casa.
As duas, que estão em idade escolar, estão fora da sala de aula há quatro anos. Claudemir era mototaxista e, após sofrer um acidente em 2020, passou a utilizar cadeira de rodas. Era ele quem levava as duas filhas à escola. Sem meios de transportar as crianças, ele diz que elas tiveram que abandonar o colégio para ajudar em casa. “Elas pararam de estudar desde que sofri meu acidente e as ruas daqui são pouco iluminadas e têm muito mato. Elas acabam se machucando nos buracos. Tenho medo delas irem para muito longe e acontecer algo”, relata Claudemir.
A reportagem solicitou posicionamentos da Prefeitura de Manaus e da Secretaria Municipal de Infraestrutura (Sminf) sobre os problemas apontados pelos moradores do Parque das Tribos. Não houve resposta até o fechamento desta edição.
ASSISTA À REPORTAGEM EM VÍDEO:
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Favelização
Dados da Fundação João Pinheiro apontam que Amazonas e Maranhão estão entre os Estados que mais possuem déficit habitacional relativo no Brasil, com percentuais superiores a 15%, em todos os anos analisados. Em agosto do ano passado, o secretário municipal de Habitação, Jesus Alves, apresentou um quadro da situação em Manaus. Segundo ele, só na capital, o déficit é de 119 mil habitações.
Para o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e sociólogo Luiz Antônio, é importante observar Manaus e sua construção social. Para ele, as ocupações urbanas, como o Parque das Tribos, são reflexo da falta de uma política habitacional com planejamento de ruas e demais serviços.
“Na medida que você não tem um planejamento urbano, as próprias pessoas acabam implementando suas políticas e as ocupações são resultados disso. As pessoas precisam morar e na ausência de uma política habitacional você encontra o resultado objetivo disso, como a falta de infraestrutura, ruas, água potável e energia nesses locais”, explica o cientista.
Segundo o sociólogo, a literatura define o conceito de favelização como um lugar que não tem serviços básicos.
“Quando você tem uma população sem uma infraestrutura de entretenimento e lazer, quando as casas não têm iluminação, quando as casas não têm água potável na torneira de forma contínua e sistemática, tudo isso são características clássicas do que é um adensamento urbano favelizado”, explica.
Luiz Antônio explica também que a favelização é decorrente de um processo social e econômico que acaba produzindo uma desigualdade que não deixa outra opção para alguns grupos a não ser morar em locais sem estrutura.
“O processo de empobrecimento de uma sociedade causa a favelização. Ela não é uma escolha, é uma consequência ocasionada pela concentração de riqueza de forma absurda na mão de
poucas pessoas, no caso de Manaus a concentração é assustadora”, aponta o sociólogo.
No Amazonas, 55,1% da população vive em situação de pobreza e 10,5% na extrema pobreza, conforme dados da Síntese de Indicadores Sociais 2023 do IBGE. Somando os dois indicadores, a quantidade de amazonenses na pobreza e extrema pobreza passa de 2,638 milhões. A pesquisa analisou o padrão de vida e a distribuição de rendimentos; a estrutura econômica e o mercado de trabalho; as condições de moradia e educação no País e em cada Unidade da Federação.
Historicamente, uma parcela da população indígena sofre com a invisibilidade e preconceito. Existe também uma distorção quando se trata de abordar a forma de moradia. Apesar do Censo 2010 do IBGE apontar que 896,9 mil indígenas, ou seja, 36,2% estão em área urbana e que somente 12% dos domicílios eram do tipo “oca ou maloca” e o restante predominava tipo “casa”, ainda ocorre falta de informação com relação à forma de moradia dos povos indígenas no País.
“É óbvio que eles precisam de espaços físicos em que consigam manter os vínculos com a natureza, mas aquela condição de moradia [no Parque das Tribos] só é bastante vulnerável porque aquelas famílias não têm condições de ter uma melhor”, pondera Luiz Antônio.
A desigualdade acentuada em Manaus, avalia o pesquisador, impossibilita que muitos tenham acesso ao padrão médio de moradia das cidades, como acesso à água e à energia. Ele explica que não se deve confundir a existência de espaços tradicionais em áreas urbanas com uma forma de anular a luta por urbanização das comunidades indígenas.
“Isso não invalida a necessidade de o Estado pensar nos equipamentos públicos, na oferta de serviços, no desenvolvimento de moradia e condições habitacionais que sejam decentes para essa população”, afirma.
Crédito: Suamy Beydoun | Revista Cenarium
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REVISTA CENARIUM 37
Cano de água exposto em rua não asfaltada. Moradores temem que tubulação se rompa no período das chuvas
ECONOMIA & SOCIEDADE
Para ser bairro
De acordo com Implurb, procedimentos ou critérios para a criação de um bairro envolvem diversos fatores, como história de implantação, infraestrutura completa e diversidade de usos, por exemplo. A formalização pode ser feita por decreto-lei.
Ricardo Chaves — Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) — A comunidade Parque das Tribos está localizada no bairro Tarumã-Açu, que fica na Zona Oeste de Manaus. Segundo a Prefeitura de Manaus, o assentamento indígena, no momento, recebe serviços de regularização fundiária. Oficialmente, a comunidade não é um bairro, mas está perto de se tornar um, após muita luta e resistência das 35 etnias que ocupam o espaço.
Muitos moradores do Parque das Tribos vieram do interior do Amazonas ou são oriundos de outros bairros de Manaus, ou ocupações. É o caso de Áurea dos Santos, de Itacoatiara, pertencente à etnia Mura, e Raimundo Santos, de Eirunepé, da etnia Kulina. Eles se conheceram na capital, constituíram família e tiveram dois filhos. Antes de se mudarem para a comunidade, eles moravam no bairro Redenção e passaram por outras ocupações da capital até se estabelecerem na comunidade, a convite do cacique Messias Kokama e da cacica Lutana Kokama. O casal, que nasceu
no interior do Amazonas, mudou-se para Manaus em busca de trabalho e melhoria na qualidade de vida. Neste ano, os dois completam 27 anos de união.
“O Cacique Messias sempre buscou organizar tudo, para não perdermos a nossa casa. Quando a documentação estava toda certa, nós nos organizamos com nossos irmãos indígenas para arrumar a terra e começar a construir nossas coisas”, conta a aposentada.
Áurea conta que, apesar das dificuldades iniciais, todo o processo de resistência, no final, valeu a pena, por viverem com outros indígenas.
“Quando realizamos algum evento da comunidade é uma alegria. Tem muito indígena dançando e cantando na sua língua. Tirando os problemas que temos, vivemos em um ambiente muito acolhedor. Conheço quase todo mundo que mora aqui e todos ajudaram o cacique Messias. O sentimento é de gratidão a ele por ter conduzido todo o processo de conquista
Crédito: Suamy Beydoun | Revista Cenarium
Parque das Tribos ainda não dispõe de infraestrutura completa
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ABRIL INDÍGENA
ECONOMIA & SOCIEDADE
da nossa terra. É muito maravilhoso estar com nossa gente”, disse.
Antes de se estabelecer em Manaus, Raimundo foi tripulante de um barco recreio durante muitos anos e, com o dinheiro, sustentava a família. Ele já foi rebocador de madeira e até seringueiro, antes de fincar raízes na capital e conhecer Áurea, em Manaus, no ano de 1997. Raimundo diz que decidiu morar na capital para buscar emprego, estudo e qualidade de vida.
“Minha vida foi muito difícil e já sofri muito. Viajei pelo rio, desde pequeno, para ajudar em casa e deixar a minha mãe morando em uma casa boa, pois ela morava em um flutuante no rio. Fiz a casa dela na cidade, com os trabalhos que tive em Manaus. Sou muito feliz pela minha família, e me sinto privilegiado de estar nessa comunidade”, disse.
O auxiliar de almoxarifado disse que, no começo, foi bem difícil a vida na comunidade. Muitos indígenas desistiram, no início, pelo medo de retaliações e de
alguma decisão judicial fazer com que suas coisas fossem destruídas.
Quando começaram a ocupar, eles improvisaram uma construção com lona e dormiam no chão. As coisas só ficaram mais estáveis recentemente. “Começamos fazendo uma casinha de lona e, depois, colocamos palha. Tínhamos muito medo, no começo, de alguma reintegração de posse acabar destruindo as nossas coisas. Felizmente, nunca chegamos a ter a casa alvo de alguma ação”, conta o auxiliar de almoxarifado, que diz que nunca deixou de atender ao chamado do cacique Messias e da cacica Lutana, quando era necessário se unir aos outros indígenas para defender a ocupação.
“Somos eternamente gratos ao cacique Messias e à cacica Lutana, pois, graças a eles, conquistamos o nosso lar. Nós lutamos muito por nossa terra e, sempre que era necessário, nos somamos a outros indígenas para defender o Parque das Tribos”, afirmou.
SE TORNAR BAIRRO
O Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb) explicou à reportagem que, conforme a legislação vigente e estudos técnicos, os procedimentos ou critérios para a transformação de um bairro, passam desde a questão da história de implantação do local, até possuir uma infraestrutura completa, como vias, calçadas, energia elétrica, abastecimento de água, drenagem, entre outros.
Também é necessário que esses espaços tenham uma diversidade de usos, como habitacional, comercial, de serviços, indústria e institucional. Também são avaliados itens como as vias de entrada e saída, se possui algum grande equipamento como porto ou aeroporto, quais tipos de áreas ocupadas por igrejas e outras religiões.
Conforme explicou o instituto, é feita uma identificação, uma leitura urbana dessa área, para que seja transformada em bairro, entre ruas comerciais, de serviços, infraestrutura urbana e outros itens.
Áurea dos Santos vive na comunidade, há décadas
Crédito: Suamy Beydoun Revista Cenarium
A Prefeitura de Manaus informou que tem investido no Parque das Tribos com uma série de serviços para que a comunidade tenha, no futuro, a concepção de um bairro, recebendo asfaltamento, abastecimento de água e unidades de saúde, como a Unidade de Saúde da Família (USF) Prefeito Amazonino Mendes. Atualmente, existem 63 bairros oficiais em Manaus. Dentro do conceito do que é um bairro, a tendência, segundo o município, é que o Parque das Tribos, se transforme, seguindo um decreto-lei.
NOVO ESTUDO
Procurado pela CENARIUM, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) explicou que ainda não é possível afirmar que o local se trata de um bairro, mas sim um aglomerado ou comunidade. No entanto, em setembro, um novo estudo será divulgado pelo órgão, que poderá permitir a mensuração e chegar à conclusão. Por enquanto, o Parque das Tribos ainda não faz parte da lista oficial de bairros de Manaus.
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“Nós lutamos muito por nossa
terra e, sempre que era necessário, nos somamos a outros indígenas para defender o Parque das Tribos”
Raimundo Santos, do povo Mura, auxiliar de almoxarifado.
Crédito: Suamy Beydoun | Revista Cenarium
Crédito: Suamy Beydoun Revista Cenarium
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Vista de uma das ruas do Parque das Tribos
‘Parque das Tribos é Manaus’
Antropólogo analisa processo histórico de reivindicações de indígenas urbanos da cidade em busca de acesso a serviços básicos
Ricardo Chaves — Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – A população indígena de Manaus pode ser encontrada em todas as regiões da cidade. Só na capital, de acordo com dados do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 71,7 mil, tornando-se a cidade mais indígena do País em números absolutos. Entre os motivos da migração, estão: o desmatamento, a escassez de alimentos e a oportunidade de mais acesso à saúde e à educação. Apesar da busca por melhores condições de vida, são as periferias, locais muitas vezes sem saneamento básico ou outros serviços prioritários, que servem de refúgio para esses grupos, a única opção para a maioria.
Para o antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Raimundo Nonato, o processo histórico de reivindicação dos indígenas do Parque das Tribos é uma forma de ampliar a pauta de ação do poder público. Além de serem pleitos legítimos e um exercício pleno de sua cidadania, o pesquisador acredita que a organização dos indígenas serve como referência a outros grupos, como negros
e pessoas que moram em periferias, para que possam se organizar e cobrar que o Estado exerça o papel de promover o acesso a serviços básicos.
“Não são só os indígenas que vivem nas periferias em condições desfavoráveis. Indicadores sociais recentes, que tratam de saneamento, educação e moradia, mostram essa precariedade”, afirma Raimundo Nonato.
Apesar do avanço nos últimos anos, na comunidade, é possível constatar a precariedade da oferta de serviços básicos essenciais, como o abastecimento de água e de esgoto. Dados divulgados em 2023 pelo Instituto Trata Brasil mostram que Manaus está entre as 20 piores cidades em tratamento de esgoto do País, segundo o Ranking Saneamento feito pela organização. No quesito Indicador Total de Esgoto, a cidade tem apenas 25,25%. Quanto a tratamento o percentual é de 21,58%.
Para Raimundo Nonato, vencedor do Prêmio Direitos Humanos 2014 da Presidência da República, é preciso uma política de Estado para cobrar ações permanen-
Manaus é a cidade mais indígena do País em números absolutos. Na imagem, crianças do Parque das Tribos brincam em área de igarapé
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Crédito: Ricardo Oliveira | Revista Cenarium
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Crédito: Suamy Beydoun / Revista Cenarium
INDÍGENA
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Rua sem asfalto no Parque das Tribos
ABRIL
ECONOMIA & SOCIEDADE
“Enquanto
não houver pauta e orçamento específicos para atender essa população, nós vamos ter sempre esse legado político e essa captura do indígena para tirar uma foto e para dizer que está fazendo”
Raimundo Nonato, antropólogo e professor da Ufam.
tes, independentemente de governo. O professor recorda que pleitos como uma educação ou saúde diferenciadas para os indígenas são atribuições que devem ser promovidas pelo Estado, como prevê a Constituição.
“O que temos assistido em Manaus, nos últimos anos, é uma ação que privilegia grupos e uma política de governo do ‘agrada um aqui e outro ali’, mas não faz efetivamente uma política de Estado. Enquanto não houver pauta e orçamento específicos para atender a essa população, nós vamos ter sempre esse legado político e essa captura do indígena para tirar uma foto e para dizer que está fazendo”, avalia o antropólogo.
O SER INDÍGENA
O pesquisador Raimundo Nonato explica que é preconceituosa a ideia de que um indígena o deixa de ser quando deixa a aldeia ou terra indígena, e que reforça estereótipos. Negar a existência de indígenas no contexto urbano é uma forma de retirar direitos fundamentais. Em Manaus, o cientista recorda que sítios arqueológicos mostram que no território
da capital eles foram os primeiros habitantes do local.
“Ninguém inventa que é indígena. A cidade que temos hoje está sobre outra que existiu e sítios e atitudes dos indígenas confirmam isso. O que existe, atualmente, é que Manaus está assumindo sua cara e o ser indígena que não sucumbiu a todo o processo histórico de industrialização. O ser indígena de hoje está lutando. As novas gerações que virão terão uma concepção mais assertiva, propositiva, clara e firme. Temos jovens tendo orgulho de ser de uma etnia do Amazonas”, ressalta o antropólogo.
O professor da Ufam acredita que os números do IBGE que revelam um expressivo aumento de pessoas se reconhecendo como indígenas mostram que a tentativa de questionar o ser e “controlar o outro” se mostrou ineficaz.
Ele explica que, quando uma pessoa se identifica como indígena, ela está exercendo o direito de ser, e quando um grupo a reconhece como tal representa um sentimento de orgulho. “É uma forma de romper uma história que sempre foi exposta.
Ele vai sentir orgulho de ser indígena pela resistência. A cultura é resistente. Se uma geração foi fragilizada, a outra se prepara para fortalecer”, avalia.
PARQUE DAS TRIBOS É MANAUS
Raimundo Nonato explica que a comunidade formada no Parque das Tribos é uma junção pluriétnica que reflete o Amazonas e, sendo a capital uma cidade-estado que concentra a maioria dos indígenas, essa presença se torna mais clara. Ele relembra as lutas de associações, desde a década de 1980, pelo direito de existir e acessar serviços básicos, desde as situadas no Alto Rio Negro a bairros da capital.
“Tem Parque das Tribos no Alvorada, no Mauazinho, na Redenção, Cidade Nova e associações indígenas, como a das mulheres do Alto Rio Negro, das mulheres Sateré-Mawé, na Compensa. Então, quer dizer, o Parque das Tribos é Manaus. A comunidade reflete os centros urbanos que existem no Amazonas”, afirma o pesquisador, referindo-se a outras comunidades indígenas da cidade.
Raimundo Nonato, professor da Ufam
Crédito: Luiz
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André Revista Cenarium
Cuiabá: combate à fome
Cidade está entre as prioritárias para a implementação da “Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades – Alimenta Cidades”
Davi Vittorazzi – Da Revista Cenarium
CUIABÁ (MT) – A capital mato-grossense, Cuiabá, está na lista dos municípios prioritários para a implementação de política pública para combate à fome. A relação, que contabiliza 59 cidades, foi definida pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e publicada no Diário Oficial da União do dia 27 de março.
Os municípios definidos são prioritários para a implementação da “Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades – Alimenta Cidades”, como é denominado o programa. A política estabelece que as prefeituras poderão manifestar interesse para o recebimento de apoio institucional e técnico para a estruturação, implementação, monitoramento e avaliação de ações.
A portaria mostra que Cuiabá (MT) tem 1.296 pessoas em situação de rua.
Pessoa em situação de rua revira lixo
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Crédito: José Cruz Ag. Brasil
População em situação de rua em Cuiabá (MT)
1.296
Portaria do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome mostra que Cuiabá tem 1.296 pessoas em situação de rua.
A cidade com a maior população nessa situação é São Paulo (66.544), seguido por Rio de Janeiro (19.664) e Belo Horizonte (13.028).
As cidades mencionadas tiveram a oportunidade de solicitar sua integração ao programa até o dia 15 de abril. As atividades propostas devem ser executadas até o final de 2026.
No fim do ano passado, o governo federal estabeleceu a “Estratégia Nacional de Alimentação Saudável nas Cidades”, para expandir a disponibilidade de refeições saudáveis, diminuir o desperdício de alimentos e promover a utilização de
resíduos como matéria-prima em novos ciclos de produção alimentar.
Em colaboração com os Estados e municípios, o plano visa fortalecer as cozinhas solidárias, reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados entre crianças e adolescentes, e implementar iniciativas de educação alimentar nas escolas.
O órgão responsável pela população em situação de rua é a Secretaria de Assistência Social. A prefeitura foi procurada para entender as ações e se vai aderir ao programa, mas não houve retorno até o fechamento da reportagem.
47 REVISTA CENARIUM
Crédito: João Reis | Secom-MT
Belém imersa em favelas
Cidade é considerada uma das capitais mais favelizadas do Brasil, aponta estudo
Raisa Araújo – Da Revista Cenarium
BELÉM (PA) – O Mapa da Desigualdade, divulgado pelo Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) revelou que Belém, no Pará, sede da COP30 é considerada uma das capitais mais favelizadas do Brasil e, de 26 posições, se encontra na 24ª posição no desempenho geral das capitais, ficando à frente apenas de Recife (PE) e Porto Velho (RO).
O estudo mediu um conjunto de 40 indicadores sociais, entre eles saúde, educação, infraestrutura urbana e vários outros que dizem respeito ao cotidiano das pessoas e apontou que as capitais das regiões Norte e Nordeste, especialmente Belém, estão entre os piores índices do País.
Para o geógrafo e especialista em Meio Ambiente, pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Alexandre Bezerra, para entender a situação na qual as capitais do Norte se encontram nesse mapa, é preciso
compreender que as cidades da Amazônia sofreram um processo de ocupação bem diferente das demais capitais brasileiras.
Segundo o especialista, o conceito que o mapa traz sobre a questão da favelização ou das favelas para a região amazônica, em especial em Belém, é a denominação periferia, que são áreas que estão nas proximidades do centro da capital, mas
55,5%
Belém tem 55,5% de domicílios em áreas de favela, aponta o Mapa da Desigualdade, do Instituto Cidades Sustentáveis.
se construíram ao redor dos rios, o que influencia diretamente no comportamento habitacional da cidade.
“A gente tem ali padrões de ocupação de palafitas, que ficam próximas às áreas de inundação, a igarapés e antigos cór-
regos e também nas proximidades dos rios […] Então, a gente tem ali o uso e a ocupação do solo, principalmente por populações e comunidades menos favorecidas e mais sensíveis financeiramente, economicamente, que a gente diz que o solo de Belém foi ocupado nas baixadas”, explica Alexandre.
Segundo o estudo, Belém tem 55,5% de domicílios em áreas de favela. Outros fatores analisados separadamente, como esgotamento sanitário, PIB per capita e investimento público em infraestrutura, também contribuem para a posição do município constar abaixo da média.
Os indicadores do estudo são baseados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), também conhecido como Agenda 2030, que contém metas como a erradicação da pobreza e da fome, a redução das desigualdades e a busca por paz, justiça e instituições eficazes.
Conforme aponta o Instituto Trata Brasil, Belém está entre as dez capitais brasileiras com os piores índices de saneamento. Essa situação contribui para a
Vista aérea de área de moradias em Belém (PA)
50 www.revistacenarium.com.br ECONOMIA & SOCIEDADE
Crédito: Márcio Nagano | Revista Cenarium
alta incidência de doenças relacionadas à água não potável, destacando a interligação entre saúde humana e ambiental. A escassez de saneamento também amplifica as disparidades sociais e econômicas, afetando negativamente as oportunidades para populações vulneráveis.
Para o pesquisador, todos esses aspectos só reforçam o racismo ambiental da região, limitando, ainda mais, as perspectivas para grupos minoritários, maioria nas áreas periféricas. “As periferias concentram falta de saneamento, falta de habitação, falta de infraestrutura e, também, a questão das desigualdades relacionadas às oportunidades”, explicou Alexandre.
Ele completou dizendo que a realidade dos problemas estruturais e sociais de Belém se configura um grande desafio para a COP-30, principalmente para uma cidade que desempenha papel crucial no equilíbrio climático global.
Descarte irregular de lixo em área urbana de Belém (PA)
PIORES INDICADORES DE BELÉM
Investimento público em infraestrutura por habitante (R$ per capita)
Esgoto tratado antes de chegar ao mar, rios e córregos (%)
Centros culturais, casas e espaços de cultura (100 mil habitantes)
População atendida com esgotamento sanitário (%)
PIB per capita (R$ per capita)
Domicílios em Favelas
21º 22º 23º 24º 25º 26º
Fonte: Mapa da Desigualdade, divulgado pelo Instituto Cidades Sustentáveis (ICS).
Márcio
Revista
51 REVISTA CENARIUM
Crédito:
Nagano
Cenarium
Os veículos de imprensa ‘The Ecologist’ e ‘The Canary’ repercutiram reportagem da CENARIUM sobre os desafios da COP30 em Belém, capital do Pará
Destaque internacional
Reportagem da CENARIUM sobre desafios da COP30 repercute em canais de notícias internacionais
De Carol Veras – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – A reportagem
“Lixo: condutor de mazela e fonte de sobrevivência na sede da COP30”, capa da edição de março deste ano da REVISTA CENARIUM, e que também virou documentário, ganhou destaque em canais internacionais. A produção trata dos desafios sobre o descarte de resíduos sólidos em Belém, capital do Pará e sede da COP30 em 2025.
Com o título “Os Desafios Ambientais de Belém: Uma Análise da Cidade Anfitriã da COP30”, o veículo de imprensa independente “The Canary”, na Inglaterra, usou a produção como referência para
abordar problemas como deficiência no saneamento, alta incidência de criminalidade, serviço inadequado da coleta de lixo e presença significativa de pessoas em situação de rua na capital paraense.
“Diversos artigos publicados pela REVISTA CENARIUM destacam questões que impactam Belém e seus bairros. Incluem serviços inadequados de coleta de lixo e os desafios que cercam os aterros de Marituba e Aurá, que servem como locais de destinação de resíduos gerados na região metropolitana”, diz trecho do artigo.
Em abril, o “The Ecologist”, na Inglaterra, citou a reportagem da CENARIUM na publicação “Belém: Destaque na Cidade-Sede da COP30”, com foco em uma série de questões urgentes enfrentadas pela capital paraense, à medida que a cidade se prepara para sediar a COP30, além de levantar questionamentos sobre a
capacidade de Belém liderar a conferência e abordar a problemática da mineração no Estado.
“No dia 5 de fevereiro, a REVISTA CENARIUM divulgou matéria expondo detalhes inquietantes das operações ilícitas de mineração ocorridas no Estado do Pará. Com base em dados fornecidos por órgãos governamentais, organizações ambientais e em um processo civil conduzido pelo Ministério Público Federal, foi revelado que mais de 2 mil garimpeiros atuaram em 100 locais de extração de ouro”, diz o veículo de imprensa.
AUTORA
A autora das publicações é Monica Piccinini, jornalista, escritora sobre questões ambientais, de saúde e direitos humanos. Ela contribuiu com artigos para um jornal britânico independente, o “Byline Times”, abordando a pandemia, o uso de pesticidas e a Amazônia no Brasil.
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Cenarium.jpg 52 www.revistacenarium.com.br ECONOMIA & SOCIEDADE
Crédito: Composição de Paulo Dutra
Revista
A reportagem “Belém: Destaque na Cidade-Sede da COP30” foi publicada no “The Ecologist”
Artigo “Os Desafios Ambientais de Belém: Uma Análise da Cidade Anfitriã da COP30”
Crédito: Reprodução The Ecologist
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Crédito: Reprodução | The Canary
Crise ambiental em Roraima
Incêndios florestais e poluição impactam saúde
Combate aos incêndios florestais em Roraima
Bianca Diniz – Da Revista Cenarium
54 www.revistacenarium.com.br POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS
Crédito: Divulgação | Ibama
Focos de calor
Gráfico mostra o número de focos de calor na Venezuela
Fonte: Inpe | Ilustração: Bianca Diniz
BOA VISTA (RR) – Roraima enfrenta uma crise ambiental de grandes proporções, impulsionada pelos incêndios florestais e pela intensa poluição do ar, que impactam a saúde dos moradores do Estado. Números recentes, divulgados pelo Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), revelam que o Estado registrou mais de 4 mil focos de queimadas, apenas neste ano, até o mês de abril.
Em janeiro, foram registrados 604 casos, seguidos por 2057 em fevereiro, e 1429 em março. A tendência preocupante continua em abril, com mais 54 focos detectados apenas na primeira semana. Esses números comprometem não apenas a qualidade do ar na capital, mas também em vários municípios vizinhos, colocando em perigo a saúde e o bem-estar de diversas comunidades, especialmente as indígenas e ribeirinhas.
À REVISTA CENARIUM, o pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e do Laboratório de Dinâmica de Savanas e Florestas de Roraima (SavFloRR), Reinaldo Imbrozio, abordou os principais impactos à saúde decorrentes da má qualidade do ar, em
virtude dos focos de calor causados por queimadas e incêndios florestais.
“Gases tóxicos e material particulado emitidos pelos incêndios florestais, assim como os incêndios em áreas de savanas, conhecidos em Roraima como ‘lavrado’, liberam grandes quantidades de gases e material particulado, prejudicando significativamente a saúde pública, especialmente em áreas urbanas, onde há uma maior concentração populacional. No entanto, as áreas rurais também são afetadas”, explicou.
FALTA DE CHUVAS
Apesar do menor número de registros de focos de calor no mês de abril, em comparação com os meses anteriores, a poluição do ar persiste, agravada pela ausência de chuvas até o dia 27 de março na capital. O ar poluído ainda é uma realidade, afetando não apenas Boa Vista, mas também 14 municípios de Roraima, que continuam em situação de emergência. Imbrozio explica que é difícil prever exatamente quando ocorrerá a dispersão da imensa massa de poluição atmosférica, mas afirma que a chegada de pancadas de chuvas isoladas ajudou a amenizar um
pouco a situação; porém, é necessária uma precipitação maior.
“Precisamos que massas imensas de chuva realmente ocorram sobre os ecossistemas florestais e de savanas locais, para que essa situação seja resolvida por completo. No entanto, não há uma previsão exata de quando isso acontecerá, mas, provavelmente, nos próximos 15 a 20 dias”, analisa.
GUIANA
Sobre as fontes de poluição do ar, além dos incêndios, o pesquisador confirmou a existência de outras contribuições, tanto locais quanto externas. Ele destacou que tais fontes transportam os gases e material particulado de fora do Estado para dentro. No entanto, ressaltou que a maior parte da poluição tem origem nos próprios ecossistemas locais, especialmente nos incêndios provocados no lavrado.
Segundo o especialista, uma parte dos incêndios também é proveniente da Guiana, país vizinho, onde a cidade fronteiriça Lethem está localizada, a uma distância de cerca de 130 quilômetros. “Observamos incêndios em regiões montanhosas próximas à fronteira, que aden-
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Crédito: Ilustração Bianca Diniz
Focos de queimada na Guiana de janeiro a abril de 2024
Inpe
Focos de queimada em Roraima de janeiro a abril de 2024
Inpe
tram nesses sistemas florestais. Devido à direção predominante do vento, que é de nordeste para sudoeste, toda a região norte de Roraima é afetada, trazendo consigo poluição proveniente de fora do Estado”, explicou o pesquisador.
Com base nas estatísticas do Inpe, a Guiana registrou mais de 1,9 mil focos de calor este ano, distribuídos da seguinte maneira: 239 em janeiro, 616 em fevereiro, 833 em março e 305 na primeira semana de abril. Essa quantidade, acumulada nos primeiros quatro meses de 2024, representa, aproximadamente, 76% do total registrado em todo o ano de 2023, que foi o ano com o maior número de incêndios no País.
O cônsul-geral da Guiana, Rodger King, afirmou à CENARIUM que os incêndios não ocorrem apenas no país, e que há casos em toda a região fronteiriça do continente. “Na Venezuela, estão ocorrendo incêndios, assim como em algumas áreas do Brasil e aqui em Roraima também. Portanto, é um problema que afeta essas áreas, não sendo algo isolado em uma única região”, disse.
AMÉRICA DO SUL
No contexto da América do Sul, a Venezuela lidera o ranking de números de focos detectados por satélites de referência. Em segundo lugar está o Brasil, com Roraima sendo o Estado com mais focos. A Colômbia ocupa o terceiro lugar, enquanto a Guiana está em sexto lugar.
Janeiro 239 616 833 305 1,000 800 600 400 200 0
Fevereiro Março Abril
Fonte:
Fonte:
Janeiro 604 2057 1429 54 2,500 2,000 1,500 1,000 500 0
Fevereiro Março Abril
56 www.revistacenarium.com.br 56 POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS
Vista da Praça das Águas, em Boa Vista, ficou encoberta por fumaça
Calamidade
Desde o dia 23 de fevereiro, a população roraimense enfrenta os impactos da poluição do ar. A situação atingiu um ponto crítico, nos últimos dias de março, com a cidade sendo classificada como uma das mais poluídas do planeta, superando tanto São Paulo quanto a capital do Vietnã, Hanói, no ranking de poluição do ar.
“Esse ranking calamitoso que ocupamos no último mês só será encerrado quando a grande massa de chuva que está chegando — e já alcançou a região sul do Estado — finalmente, atingir o norte de Roraima. Somente assim conseguiremos extinguir de vez todos os incêndios florestais e os focos de fogo que persistem nas áreas de savana e nas regiões de fronteira com a Guiana”, conclui.
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Crédito: Bianca Diniz | Revista Cenarium
‘Anatomia’ de um crime
Saiba quem são Domingos e Chiquinho Brazão, irmãos suspeitos de mandar assassinar Marielle Franco
Da Revista Cenarium*
RIO DE JANEIRO (RJ) – Presos no dia 24 de março, pela Polícia Federal (PF) por suspeita de mandar assassinar a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e o motorista Anderson Gomes em março de 2018, Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio, e o deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil - RJ) fazem parte de uma família com forte influência política no Estado do Rio de Janeiro.
Ao menos até meados de março, a família Brazão tinha indicados na Prefeitura do Rio de Janeiro e no governo estadua, e representantes na Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa fluminense,
Câmara Municipal da capital e de São João de Meriti.
Na operação da PF, além de Domingos e Chiquinho, a polícia também prendeu o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil no Rio.
O deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil - RJ) chegou a assumir a Secretaria Municipal de Ação Comunitária na gestão de Eduardo Paes (PSD), em outubro passado.
Ele foi exonerado em fevereiro deste ano, uma semana após a divulgação de que o líder do grupo havia sido citado nas negociações para delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa, acusado de ser
o executor do crime contra a vereadora e o motorista.
Segundo levantamento do gabinete do vereador Pedro Duarte (Novo), a secretaria mantinha 15 pessoas nomeadas durante a gestão de Chiquinho.
“O loteamento da prefeitura a grupos políticos só tem aumentado, e não é diferente com a família Brazão, mesmo após tudo o que repercutiu na imprensa”, disse o vereador.
Em março, Domingos Brazão afirmou à Folha que a manutenção da influência de seu grupo político mostrava confiança dos aliados no Rio de Janeiro. “Quem convive na política fluminense não dá crédito a
Domingos Brazão e Chiquinho Brazão
58 www.revistacenarium.com.br POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS
Crédito: Composição Weslley Santos | Revista Cenarium
essas suspeitas. Isso até nos conforta. Nada tem mais força do que a verdade”.
Ele disse, na ocasião, que seu cargo no TCE o afastou das negociações por cargos na administração pública, mas reconhecia que ainda participava de discussões do grupo político. “Conselheiro pode dar conselho. Não vou mais à rua. Mas a política está no nosso dia a dia”.
Desde 2018, havia suspeitas sobre Domingos Brazão no caso. Pessoas ligadas ao conselheiro foram acusadas de tentar atrapalhar as investigações com uma falsa testemunha.
O próprio ex-deputado chegou a ser nomeado como mandante do crime contra a parlamentar pela ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge numa denúncia que o envolvia na tentativa de obstruir a apuração. Contudo, a Justiça arquivou a acusação contra o ex-deputado.
O conselheiro sempre negou as acusações. Afirmou que já havia sido investigado por quase seis anos no caso e que nunca havia sido encontrado nada contra ele.
Procurados por meio de suas assessorias de imprensa em março, Paes e o governador Cláudio Castro (PL) não comentaram a influência do grupo em suas administrações. Chiquinho Brazão também não retornou.
Chiquinho foi nomeado em outubro no primeiro escalão da prefeitura como parte de um acordo com o Republicanos para o apoio à reeleição de Paes. Quatro meses depois, foi substituído pelo ex-deputado Ricardo Abraão (União Brasil).
Apesar da filiação ao União Brasil, os dois vinham influenciando o Republicanos na capital para se transferir na janela partidária.
A nomeação gerou bate-boca na Câmara Municipal em dezembro, quando a Casa analisava as contas do ex-prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). A base de Paes atuou pela aprovação, para evitar rusgas com a sigla aliada.
A vereadora Mônica Benício (PSOL), viúva de Marielle, afirmou que a nomeação do secretário lhe causava “náuseas”. “Queria dizer que estou surpresa, mas estaria mentindo. Para se manter no poder, o atual prefeito já deixou nítido que vale tudo, até se aliar com quem ele mesmo responsabilizou pela destruição do Rio de Janeiro”.
“A execução dela irá transformar a política e o submundo do Rio de Janeiro quando a revelação dos nomes dos mandantes e todos os envolvidos chegarem ao conhecimento público”
Mônica Benício, vereadora do RJ (PSOL), viúva de Marielle.
O vereador Waldir Brazão (ex-chefe de gabinete do deputado estadual Manoel Brazão, irmão de Domingos) afirmou que a morte de Marielle era a “única pauta” da vereadora e saiu em defesa do grupo político na ocasião.
“O [ex-deputado Marcelo] Freixo prendeu um monte de gente na CPI das Milícias e a gente passou batido, como vem passando batido em tudo. A menos quando querem se aproveitar do nome que a gente tem. Do que a gente construiu. Toda vez que ela fizer isso, eu vou responder. Cada vez num grau maior”, disse ele.
Mônica respondeu: “Sinto muito que o senhor tenha sido pressionado a vir ao microfone fazer esse tipo de fala. […] Quem disse da possibilidade do envolvimento da família Brazão foi a Polícia Federal. Não fui eu. O final do processo está chegando. E aí os nervosos podem ficar mais nervosos ainda, porque é uma questão de tempo. […] A execução dela irá transformar a política e o submundo
do Rio de Janeiro quando a revelação dos nomes dos mandantes e todos os envolvidos chegarem ao conhecimento público”.
No governo estadual, o grupo mantém como área de influência a Companhia Estadual de Habitação. O diretor-financeiro da estatal é Flávio Brazão, sobrinho de Domingos e filho de Pedro. O vice-presidente da estatal, Guilherme Bencardino, também se apresenta como um dos representantes da família em suas redes sociais.
Bencardino afirmou, em nota, que atua em cargos da administração pública há 13 anos e que tem formação acadêmica na área. “Qualquer relação política que mantenha fora da instituição não interfere no trabalho desempenhado e nem determinou sua nomeação para o posto”. Flávio não comentou. Domingos defendeu, neste mês, a nomeação dos dois. “Você precisa ver o currículo deles. Os dois estudaram e se aperfeiçoaram. Meu sobrinho deve ter umas dez pós-graduações”.
(*) Com informações da Folhapress.
Vereadora Marielle Franco e motorista Anderson Gomes foram mortos em 14 de março de 2018
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Crédito: Divulgação
‘Ovinha’ e bem torradinha
Farinha do Uarini é reconhecida como
Patrimônio Cultural do Amazonas
Da Revista Cenarium*
MANAUS (AM) – A farinha favorita da população amazonense, produzida por comunidades ribeirinhas da região do médio Solimões, no Amazonas, denominada farinha do Uarini, foi reconhecida como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Amazonas.
A Lei n.º 6.794/2024, sancionada pelo Governo do Amazonas, de autoria do deputado Cristiano D’Angelo (MDB), ressalta a importância deste produto, fruto de
integridade do solo e não usam adubos químicos. Nosso produto é uma opção mais saudável e natural, comparado às farinhas extremamente processadas que encontramos nos mercados”, destaca o parlamentar.
A lei chama a atenção para o grande consumo de farinha entre os visitantes da Região Norte, tornando o mercado rentável para os microempreendedores, sobretudo para as comunidades ribeirinhas, a partir
“Nosso produto é uma opção mais saudável e natural, comparado às farinhas extremamente processadas que encontramos nos mercados”
Cristiano D’Angelo (MDB), deputado.
mão de obra familiar e a valorização do processo de fabricação sustentável e ecológico.
A cidade de Uarini (distante 564 quilômetros de Manaus), localizada na região conhecida como Triângulo Jutaí/Solimões/ Juruá, é produtora da farinha. A farinha do Uarini é uma das favoritas, conhecida como “ovinha”, e é produzida com mandioca fermentada.
“É importante destacar o quanto os produtores de farinha regional respeitam o ecossistema da região, preservam a
dos conhecimentos de produção da população indígena.
A farinha do Uarini é escoada tanto para os mercados da capital, quanto para os demais municípios do Estado. “Além de fornecer a alimentação para os caboclos e ribeirinhos, os principais produtores se sobressaem pelas práticas tradicionais, como a preservação florestal e a preservação da história destes agricultores, o que deve ser valorizado”, enaltece o deputado.
(*) Com informações da Assessoria.
60 www.revistacenarium.com.br ENTRETENIMENTO & CULTURA
Mulher Waiwai fazendo farinha na aldeia Xaary
61 REVISTA CENARIUM
Crédito: Tiago Moreira | ISA 2013
Etnoturismo em foco no MT
Mato Grosso tem 19 povos indígenas que recebem turistas
Davi Vittorazzi — Da Revista Cenarium
CUIABÁ (MT) — Um levantamento da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sedec-MT) mostra que o Estado do Mato Grosso tem 19 etnias de povos indígenas que recebem turistas. Estas etnias são polos nas regiões do Araguaia, Cerrado, Amazônia e Pantanal.
As etnias do levantamento são dos povos Apiaka, Aweti, Bakairi, Cinta-larga, Enawene Nawe, Haliti-Pareci, Ikpeng, Kalapalo, Kamayurá, Karajá, Kawaiwete, Kuikuro, Mebengokre, Nafukua, Paresi, Wuajá (Wauará), Kayabi, Xavante e Yawalapiti.
O Mapeamento do Etnoturismo em Mato Grosso foi apresentado na reunião da Câmara Setorial Temática das Causas Indígenas da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT).
Dentre as principais atividades turísticas nas aldeias, estão: a pesca esportiva, o ecoturismo (em trilhas, cachoeiras, lagos e rios), o turismo cultural (imersão nas aldeias, participação em rituais, artesanato e gastronomia), o etnoturismo (vivência no território indígena) e o ‘birdwatching’ (avistamento de aves), segundo a Sedec. Para fortalecer o turismo nas aldeias, o secretário adjunto de Turismo, Felipe Wellaton, destaca que é preciso do Plano de Visitação junto à Fundação Nacional do Índio (Funai), mas que são, geralmente, encontradas dificuldades em obter aprovação do órgão.
O Estado tem sete aldeias, localizadas nos municípios de Alta Floresta, Gaúcha do Norte, Querência, Matupá e Peixoto de Azevedo, com o plano de visitação regularizado; oito aldeias possuem o plano de visitação para turistas, porém não houve a renovação; e outras seis aldeias já solicitaram o plano de visitação e aguardam aprovação dos projetos por parte da Funai.
Atividades de turismo vão desde a pesca esportiva, ecoturismo até a participação em rituais, artesanato e gastronomia
62 www.revistacenarium.com.br VIAGEM & TURISMO
“É
uma indústria
limpa, verde, que traz sustentabilidade, especialmente o turismo nas aldeias, agregando mais possibilidades para os nossos indígenas, dando mais autonomia e recursos”
César Miranda, secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico.
O secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, César Miranda, destaca que o turismo é uma força econômica importante para o Estado. “É uma indústria limpa, verde, que traz sustentabilidade, especialmente o turismo nas aldeias, agregando mais possibilidades para os nossos indígenas, dando mais autonomia e recursos”, disse.
O presidente da Comissão de Sustentabilidade e Territórios das Causas Indígenas, o deputado estadual Carlos Avallone (PSDB), informou que tem a intenção de convidar a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, para uma visita ao Estado, com o objetivo de promover uma discussão abrangente sobre as questões relevantes relacionadas ao desenvolvimento do turismo nas aldeias indígenas.
63 REVISTA CENARIUM
Crédito: Reprodução
Protagonismo da mulher no esporte
Descendo o pódio: ex-atleta do handebol feminino amazonense relembra época de ouro
Jessika Caldas – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Aos 16 anos, ainda estudante do Ensino Médio na década de 1970, a amazonense Regina Kanawati conheceu e começou a praticar a modalidade esportiva handebol. Em meio aos estudos e treinos na quadra da Escola Técnica Federal do Amazonas, ela passou a cultivar o sonho de disputar competições nacionais.
Em 1977 e 1978, Kanawati participou dos Jogos Estudantis do Amazonas (Jeas). O desempenho nas competições a fez
despontar como atleta de alto rendimento e, nesse período, foi convocada para integrar a Seleção Amazonense Estudantil de Handebol Feminino. Com a equipe, ela representou o Estado em uma série de jogos nacionais, participando dos Jogos Escolares Brasileiro (JEBs).
Atualmente com 62 anos, Kanawati relembra os “tempos de ouro” que viveu no esporte. À REVISTA CENARIUM, ela conta os momentos que passou para subir ao lugar mais alto do pódio no
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Crédito: Composição de Paulo Dutra | Revista Cenarium
tão sonhado campeonato brasileiro de handebol. Na época, as conquistas foram históricas para o Estado do Amazonas, que se mostrou uma potência na modalidade.
“Em 1978, eu compus a equipe do Bancrévea Clube. Depois, fui para o time do Atlético Rio Negro Clube, chamada pelo técnico Walmir Alencar. Nesse período, tive a oportunidade de ser convocada para fazer parte da seleção de handebol adulta, na qual estavam as melhores jogadoras de handebol do Amazonas. Disputamos o Campeonato Adulto de Handebol e conquistamos o primeiro lugar da competição na cidade de Belo Horizonte”, recorda.
“Este
estudo também abordará o conhecimento sobre a força e a garra da mulher ao se insurgir diante de um sistema patriarcal que a impediu, por séculos, de contar sua própria história”
Regina Kanawati, ex-atleta, profissional de Educação Física e pesquisadora.
No ano seguinte, em 1979, o time de Kanawati conquistou o segundo lugar nos JEBs, no Distrito Federal. Em 1980, no Estado de Sergipe, o terceiro lugar veio na Taça Brasil de Clubes Campeões, pelo Atlético Rio Negro Clube. No ano de 1984, também subiu ao pódio no terceiro lugar pelos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs), em Goiás.
“Foram anos dedicados à paixão pelo esporte, que renderam inúmeras conquistas e aprendizados e, após essa fase, a vida esportiva parecia não ter outra saída. Os esforços e as ambições em busca de estar sempre em alto rendimento eram constan-
Regina Kanawati despontou como atleta de alto rendimento no handebol amazonense na década de 1970
Reprodução YouTube 65 REVISTA CENARIUM
Crédito:
tes. Tudo foi intenso. As marcas históricas na minha vida são enormes, pois tive a oportunidade de alcançar o pódio como atleta mais de uma vez. Tudo isso realizado com muita dedicação e esforço”, ressalta.
MULHERES NO ESPORTE
A conquista do Campeonato Brasileiro de Handebol foi um momento célebre, que contou com a participação da eterna camisa 9 da seleção do Amazonas, Magaly Barroso. À CENARIUM, ela afirma que esperou iniciar o Ensino Médio, anteriormente chamado de Ginásio, para iniciar os treinos na modalidade esportiva.
“Em 1972, o handebol no Amazonas era fraco, em relação a outros Estados. Então, comecei a treinar e alguns times começaram a me chamar. Com a ajuda do técnico Walmir Alencar, conseguimos trazer títulos para o Amazonas. Em 1976, fomos campeões brasileiros e, nesse ano,
“A nossa geração fez
algo inédito. Na época, a mulher não tinha essa visibilidade, essa representatividade toda que tem hoje em dia.
A partir do momento em que o Amazonas foi bicampeão, atingimos, ali, o pioneirismo”
Dorivânia do Carmo, arremessadora de seis metros da Liga Amazonense de Handebol, em 1978.
fui escolhida como melhor atleta da competição. Em 1979, fomos bicampeões, trazendo esse feito para a nossa sociedade”, relembra Barros.
A arremessadora de seis metros da Liga Amazonense de Handebol em 1978, Dorivânia do Carmo, afirmou à reportagem que a paixão pelo handebol nasceu de maneira inusitada, em uma época em que o esporte
de embate era proibido para mulheres no Brasil, segundo a legislação brasileira.
“A nossa geração fez algo inédito. Na época, a mulher não tinha essa visibilidade, essa representatividade toda que tem hoje em dia. A partir do momento em que o Amazonas foi bicampeão, atingimos, ali, o pioneirismo, abrimos espaço para as novas gerações. Essa é a maior
Da esquerda para a direita: Regina Kanawati, Dorivânia do Carmo e Magaly Barroso
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Crédito: Evandro Seixas Revista Cenarium
representatividade que uma mulher do Norte conseguiu no esporte naquele período”, contou Dorivânia.
‘DESCENDO O PÓDIO’
Formada em Educação Física, atualmente Regina Kanawati trabalha no Departamento de Políticas e Programas Educacionais do Estado e utiliza o esporte como instrumento de mobilização social. A ex-atleta de alto rendimento também é aluna do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Na academia, ela desenvolve o projeto “Descendo o Pódio: Protagonismo de Mulheres Ex-atletas de Handebol em Manaus”. O estudo tem como mote anali-
sar a figura da mulher amazonense, atleta e ex-atleta de handebol master, a fim de verificar a influência do esporte na qualidade de vida e também como instrumento de integração sociocultural em Manaus.
“Pretendo destacar a presença e a contribuição dessas mulheres enquanto esportistas e seres humanos, sabendo que muitos atletas inspiram uma parcela da população, principalmente os mais jovens, reforçando a representatividade social dessas mulheres (…) Este estudo também abordará o conhecimento sobre a força e a garra da mulher ao se insurgir diante de um sistema patriarcal que a impediu, por séculos, de contar sua própria história”, destacou Kanawati.
A ex-atleta ressalta, ainda, que o esporte possui áreas de investigação que vão além
do aspecto físico, estético e saudável, porém não dissociáveis, e uma dessas áreas corresponde às relações socioculturais que se manifestam por meio da cultura corporal.
ASSISTA À REPORTAGEM EM VÍDEO:
A ex-atleta profissional de handebol feminino Regina Kanawati exibe medalha de ouro, conquistada em 1978
67 REVISTA CENARIUM
Crédito: Evandro Seixas | Revista Cenarium
Justiça Eleitoral e eleições no Amazonas: algumas peculiaridades
OAmazonas, com área territorial de 1.577.820,2 km² (quilômetros quadrados), e seus 62 municípios, é o maior Estado da Federação, maior que toda a Região Nordeste, com seus nove Estados, e, maior, ainda, que França, Espanha, Suécia e Grécia somadas.
Seria o décimo-oitavo maior País do mundo em área territorial.
Possui, o Estado do Amazonas, a maior bacia hidrográfica do mundo, e ainda a maior floresta tropical do planeta.
Some-se a isto, os picos de cheias e vazantes de seus rios que ocorrem a cada ano.
“Possui, o Estado do Amazonas, a maior bacia hidrográfica do mundo, e ainda a maior floresta tropical do planeta.
Some-se a isto, os picos de cheias e vazantes de seus rios que ocorrem a cada ano.
Pois bem, é neste contexto que cabe à Justiça Eleitoral realizar, a cada dois anos, eleições.
Tais características põem ante à Justiça Eleitoral um hercúleo desafio de desempenhar seu crucial papel de administrar as eleições e exercer jurisdição, em termos qualitativos, no processo democrático.
1. SISTEMA DE CONTROLE DAS ELEIÇÕES
Sistema de controle das eleições diz respeito ao modo como cada País desenvolve o processo eleitoral, isto é, a quem cabe o controle e a realização das eleições, incluindo aí o registro dos candidatos, sua diplomação e posse.
Dentre as modalidades de sistema de controle das eleições, três se destacam: o Sistema de Verificação de Poderes, o Sistema Eclético e o Sistema Jurisdicional ou Judicial.
O Sistema de Verificação de Poderes tem como característica o fato de que as eleições ficam a cargo da Casa Legislativa para a qual ocorrem.
Em nossos dias, é o sistema adotado pelos Estados Unidos, cuja Constituição prevê em seu artigo I. Seção 5: “Each House shall be the Judge of the Eletions, Returns and Qualifications of its own Members…” (Cada Casa será o Juiz das Eleições, Reeleições e Qualificações de seus próprios Membros…).
Adota-o, também, a nação argentina, assim positivado em sua Constituição: “Cada Cámara es juez de las elecciones, drechos y títulos de sus membros em cuanto a su validez…” (Cada Câmara é
juiz das eleições, direitos e títulos de seus membros e quanto a sua validade…).
Já o Sistema Eclético, é aquele no qual a eleição é organizada por uma comissão mista, composta por membros do Poder Executivo e Legislativo. É o caso da França, tendo sua regulamentação sido deixada para a lei ordinária.
O Sistema Jurisdicional ou Judicial, por sua vez, é aquele no qual a eleição fica a cargo de um órgão especializado do Poder Judiciário.
O Estado brasileiro, em nosso modesto sentir, acertadamente, consagrou o sistema judicial, ao estabelecer em sua Constituição Federal, art. 92, V, como órgão do Poder Judiciário os Tribunais e juízes eleitorais.
Diz Adriano Soares da Costa (2013, p. 271), “A Justiça Eleitoral é órgão jurisdicional, concebido com a finalidade de cuidar da organização, execução e controle dos processos de escolha dos candidatos a mandatos eletivos (eleições), […]. Não está a Justiça Eleitoral inserida como apêndice do Poder Executivo, tampouco submetida à esfera de atuação do Poder Legislativo. Trata-se de um órgão de natureza jurisdicional, engastado na estrutura do Poder Judiciário”.
Com acuidade, destaca o mestre alagoano: a solução se revela a mais consentânea com a nossa realidade sociopolítica, mercê de várias razões: em primeiro lugar, restou confiada a um poder desinteressado à licitação de acesso aos mandatos eletivos, tornando mais equilibrada a disputa. Outrossim, aproveitando-se da
ARTIGO – LELAND BARROSO DE SOUZA
Leland Barroso de Souza
Crédito: Acervo Pessoal
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“À Justiça Eleitoral brasileira, portanto, foi confiada não apenas a resolução dos conflitos de interesses exsurgidos no prélio eleitoral, mas também a competência para organizar e administrar o processo eleitoral, além da função de editar regulamentos normativos para as eleições.
estrutura local do Poder Judiciário. Em parte, solucionou-se o dilema da criação de uma estrutura cara e inchada, com a finalidade de atuar mais efetivamente apenas de biênio em biênio. Last but not list, justapôs vantajosamente, em um único órgão, as atribuições administrativas e jurisdicionais, possibilitando uma importante harmonia na efetivação das normas eleitorais. À Justiça Eleitoral brasileira, portanto, foi confiada não apenas a resolução dos conflitos de interesses exsurgidos no prélio eleitoral, mas também a competência para organizar e administrar o processo eleitoral, além da função de editar regulamentos normativos para as eleições. Assim, a Justiça Eleitoral exerce uma atividade administrativa fiscalizadora das eleições, compositiva de conflitos e legislativa (2013, p. 272).
2. DOS SISTEMAS ELEITORAIS
Banda outra, sistemas eleitorais é o modo pelo qual os eleitores expressam em votos sua preferência partidário ou pessoal, a qual é traduzida em mandatos.
Da análise da Constituição de 1988 e do conjunto de técnicas e procedimentos empregados na realização das eleições brasileiras, observa-se que adotamos dois sistemas de representação eleitoral: o sis-
tema de representação majoritário e o sistema de representação proporcional.
O sistema majoritário, adotado para as eleições de presidente da República,
É o sistema empregado entre nós para as eleições destinadas ao preenchimento de cargos do Poder Legislativo (deputado federal, deputado distrital e vereador).
Como se vê, neste sistema, diversamente do que ocorre com o sistema majoritário, para se saber se determinado candidato foi ou não eleito, há de se fazer um cálculo aritmético. Aqui, há de se descobrir previamente os números referentes ao quociente eleitoral, ao quociente partidário e à distribuição das sobras.
Devo esclarecer ser o quociente eleitoral encontrado pela divisão entre os votos válidos (todos os votos dados aos partidos e aos candidatos, excluídos os brancos e nulos), e o número de lugares a preencher no parlamento, desprezando-se a fração igual ou inferior a meio e elevando-se para
“O sistema majoritário, adotado para as eleições de presidente da República, governador do Estado e Distrito Federal, prefeito e senador da República, nenhuma dificuldade há, elege-se aquele candidato que obtiver a maioria dos votos apurados,
governador do Estado e Distrito Federal, prefeito e senador da República, nenhuma dificuldade há, elege-se aquele candidato que obtiver a maioria dos votos apurados, independentemente da legenda partidária à qual estiver filiado.
Na lição de Marcel Prelót, citado por Roberto Moreira de Almeida (2012, p. 432), “a representação proporcional tem por objeto assegurar as diversas opiniões, entre as quais se repartem os eleitores, um número de lugares proporcionais às suas respectivas forças”.
“Já o quociente partidário é obtido através da divisão entre o número de votos conquistados pelos partidos ou coligação, pelo quociente eleitoral, desprezando-se a fração.
uma fração superior a meio.
Consiste este no número mínimo necessário para que um partido ou coligação eleja um parlamentar.
Já o quociente partidário é obtido através da divisão entre o número de votos conquistados pelos partidos ou coligação, pelo quociente eleitoral, desprezando-se a fração.
Corresponde, o quociente partidário, ao número de vagas obtidas pelo partido ou coligação em determinado pleito eleitoral. Várias são as críticas assacadas contra o sistema proporcional. Duas merecem relevo: Primeira, a injustiça derivada do fato de que candidatos muito bem votados, por vezes, não se elegem, porque seu partido ou coligação não atingiu o quociente eleitoral, enquanto aquele com um mínimo de voto é eleito em razão da legenda; segunda, corolário da primeira, é a ilegitimidade da representação, uma vez que integra o parlamento candidato que
69 REVISTA CENARIUM
“Enquanto a Justiça é por natureza inerte, só se movimentando quando provocada, a Justiça Eleitoral não é inerte, a não ser na função jurisdicional pura. Em todos os atos da administração, a Justiça eleitoral pode e deve agir de ofício, independentemente de provocação.
não recebeu votos suficientes para se dizer que representa determinado segmento da sociedade.
3. A JUSTIÇA ELEITORAL
A Justiça Eleitoral é órgão do Poder Judiciário, sendo composta pelo Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais (CF/88, Art. 118, I a IV).
Caracteriza-se esta Justiça Especializada por não ter uma magistratura própria, sendo seus órgãos submetidos ao princípio da periodicidade da investidura das funções eleitorais, segundo o qual não há magistrados permanentes investidos nas atribuições de juiz eleitoral, sendo elas exercidas temporariamente.
No magistério de Olivar Coneglian (2003, p. 64), essa renovação provocada pelos mandatos temporários dos juízes eleitorais dá oportunidade a todos os magistrados estaduais de participarem, efetivamente, da vida política da nação e vivenciarem a democracia.
É, ainda, característica da Justiça Eleitoral, ser esta uma Justiça executiva, isto porque, enquanto todas as atividades fins de todos os órgãos da Justiça é julgar, ou exercer jurisdição; a atividade fim da Justiça Eleitoral é realizar as eleições.
Leciona Torquato Jardim (1998, p. 40): embora montado em modelo tipicamente judiciário – estrutura, forma, pessoal, vestes talares e jargão judiciários, sua tarefa é essencialmente administrativa, e só eventualmente jurisdicional. O processo eleitoral é um processo administrativo.
Enquanto a Justiça é por natureza inerte, só se movimentando quando provocada, a Justiça Eleitoral não é inerte, a não ser na função jurisdicional pura. Em todos os atos da administração, a Justiça eleitoral pode e deve agir de ofício, independentemente de provocação.
4. O ESTADO DO AMAZONAS E SUAS PECULIARIDADES
O Estado do Amazonas, já registrei nos prolegômenos a este artigo, é o maior Estado da Federação. Isto, por si só, não significaria nenhuma dificuldade para a realização das eleições, não fossem algumas peculiaridades locais.
Dividido em 62 municípios, não há entre estes e destes com a capital Manaus, um sistema de ligação que possa ser utilizado sem interrupção por todo o ano.
Diz-se comumente, e sem erro, que suas estradas são os rios. O problema está em que essas estradas não são navegáveis durante todo o ano.
De fato, os últimos 100 anos de mensuração desses dados demonstram um histórico de cheias e vazantes da região, que se alternam ao longo dos anos com grandes enchentes e grandes vazantes.
Lembro, neste momento, que as eleições, por previsão legal — Lei N.° 9.504/97, art. 1° — ocorrem sempre no mês de outubro, período de grande seca dos rios da região, a dificultar absurdamente o transporte das urnas eletrônicas para os diversos municípios, e destes para as suas comunidades.
A logística para a entrega destas urnas em cada seção eleitoral, para assegurar o direito de votar a todo cidadão brasileiro, é tarefa de tal monta, que demanda uma combinação de estratégia de guerra.
Demais disso, na rica cultura do Estado, há uma infinidade de comunidades compostas por diferentes etnias indígenas
falando línguas completamente diferentes umas das outras.
É em face destas peculiaridades regionais tão adversas que a Justiça Eleitoral do Estado do Amazonas atua, na qualidade de guardiã da democracia, não permitindo que qualquer cidadão, da mais longínqua comunidade, falando a mais diferente língua indígena, fique sem votar.
Registrou com precisão Eron Bezerra (2010, p. 328) comentando o resultado de eleição passada: “Dezenas de comunidades em plena selva amazônica, habitadas por índios e ribeirinhos, sem luz elétrica ou telefone, aonde só se tem acesso por helicóptero ou por pequenas aeronaves que utilizam pistas de chão batido, estavam com seus resultados eleitorais devidamente
“É
em face destas peculiaridades regionais tão adversas que a Justiça Eleitoral do Estado do Amazonas atua, na qualidade de guardiã da democracia, não permitindo que qualquer cidadão, da mais longínqua comunidade, falando a mais diferente língua indígena, fique sem votar.
totalizados perante o TRE, em Manaus, menos de 30 minutos após o horário oficial de encerramento da votação no Amazonas. Como foi possível esse ‘milagre’?”.
É esse o trabalho da Justiça Eleitoral no Amazonas, realizar esse milagre.
(*) Leland Barroso de Souza é mestre em Ciência Jurídica, pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), professor de Direito Eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
ARTIGO – LELAND BARROSO DE SOUZA
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