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FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO AUP 5859 Estúdio de Infraestrutura Verde

2º semestre de 2015

Prof. Dr. Paulo Pellegrino

aluno: Marcelo Kussunoki

Parque Linear do Córrego Água Podre: a infraestrutura verde aliada ao espaço livre público dentro da malha urbana. AUP 5859 Estudio de Infraestrutura Verde | Marcelo Kussunoki

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1. Resumo

A sub-bacia do Córrego Água Podre, afluente do Córrego Jaguaré, no município de São Paulo, foi analisada e a partir desse estudo, surgiu uma proposta de Parque Linear, associando diversos mecanismos de infraestrutura verde. O Parque Linear, dividido em três seções, teve um de seus trechos com projeto paisagístico detalhado, e será aqui apresentado. 2. Introdução 2.1. A pressão urbana sobre as áreas livres na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)

O crescimento de muitas das cidades brasileiras vem gerando uma série de problemas ambientais, típicos de grandes aglomerações urbanas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Frequentemente, esse crescimento é acompanhado de uma série de deficiências, tais como aqueles relacionados aos serviços de saneamento ambiental, poluição industrial, do ar, visual e sonora, ocupação de encostas e fundos de vale, pouca disponibilidade e manutenção inadequada de áreas verdes (BURSZTYN & BURSZTYN, 2012). Os impactos e alterações na paisagem1 são intrínsecos ao processo de urbanização, pois modificam a cobertura vegetal, o funcionamento hídrico do solo e os ciclos biogeoquímicos.

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Segundo Milton Santos (1994), a paisagem é um conjunto de elementos naturais e artificiais que podem ser observados pelo homem. Não possui vida própria ela mesmo, embora ela seja importante, é o resultado dos modos de produção e os momentos desses modos de produção. Ela

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De 1890 até cerca de 1940, o espaço urbano e a vida social em São Paulo foram caracterizados por concentração e heterogeneidade. Na última década do século XIX, a população de São Paulo cresceu quase 14% ao ano, mas a área urbanizada não se expandiu proporcionalmente (CALDEIRA, 2011, p 213). O Plano de Avenidas, elaborado pelo Prefeito Francisco Prestes Maia, propunha mudar o sistema de circulação da cidade abrindo uma série de avenidas partindo do centro até os subúrbios. Ele exigiu uma considerável demolição e remodelação da região central, que teve como consequência a instalação da população mais pobre nas periferias (CALDEIRA, 2011, p. 216), expandindo os limites da cidade. No final do século XX, a proliferação de condomínios fechados provocou uma mudança na maneira de morar da classe média e alta. A necessidade de grandes terrenos que permitissem a implantação de edifícios residenciais com áreas verdes e de lazer de uso coletivo, fez com que esses empreendimentos fossem realizados fora dos bairros centrais tradicionais (CALDEIRA, 2011, p. 243). Por conta da especulação imobiliária, a gentrificação2 dos bairros periféricos provoca a expansão dos limites da mancha urbana para áreas que deveriam prestar serviços ambientais3 à Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), como a Serra da Cantareira (figura 1) e a região dos mananciais ao sul do município.

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Segundo arquiteta e urbanista Raquel Rolnik (1997), professora e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, ‘Gentrificação’ é o nome que se dá à expulsão de moradores pobres de determinada região por meio de um conjunto de medidas socioeconômicas e urbanísticas marcado pela hipervalorização de imóveis e encarecimento de custos. Esses processos de ‘enobrecimento urbano’ identificam casos de recuperação do valor imobiliário de regiões. 3 Serviços ambientais “Relacionam-se às “ações antrópicas associadas à restauração e manutenção dos serviços ecossistêmicos”. (VEIGA NETO e MAY, 2010). Serviços ecossistêmicos são ““... serviços prestados pelos ecossistemas naturais e as espécies que os compõem, [que atuam] na sua sustentação e preenchimento das condições para permanência da vida humana na Terra.” (DAILEY, 1997, apud VEIGA NETO E MAY, 2010, p. 310)

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Figura 1 – Bairro do Tremembé no extremo norte do município de São Paulo (2014). O avanço sobre as áreas de proteção ambiental são bem visíveis. (Fonte: Foto do autor.).

O modelo de utilização de recursos naturais sem respeitar os ciclos biogeoquímicos, associado à expansão sem planejamento que ocorreu em São Paulo, vem mostrando suas consequências no começo deste século, com a crise hídrica que afeta a região (VASCONCELOS, 2015; WWF, 2015), como tem sido divulgado por diversos meios de comunicação. Ao mesmo tempo em que há falta água potável, ocorrem alagamentos e os maiores rios que cortam a área urbana (Figura 2) e poderiam fazer parte da rede de abastecimento da região, estão poluídos. Portanto, a crise hídrica não é causada apenas pela indisponibilidade de água na RMSP nem pelas mudanças climáticas. É também uma questão de falta de políticas que promovam a despoluição dos cursos d´água e o melhor gerenciamento dos recursos disponíveis (DEUTSCHE WELLE, 2015).

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Figura 2 - Foto do rio Pinheiros próximo ao Jockey Clube (junho de 2015). Apesar da disponibilidade de água, ela está poluída, impedindo seu uso como fonte de abastecimento da região. (Fonte: Foto do autor)

2.2. A infraestrutura verde

Em urbanismo e no planejamento, é usual o termo “sistema” para designar o conjunto das partes ou etapas que se encadeiam, de modo coordenado, para atingir um determinado fim. Mesmo que o funcionamento desses sistemas não atenda adequadamente aos habitantes das cidades brasileiras, eles obedecem a certo grau de racionalidade para atingir um objetivo planejado (BARTALINI, 2004, p. 83). No caso das áreas verdes ou, de um modo mais geral, dos espaços livres públicos, isso não pode ser aplicado. Nas cidades brasileiras, “... eles nunca chegaram a formar um conjunto dotado de intencionalidade. Pode ter havido intenções nas partes, não no todo. Assim, cada praça, cada parque, cada área verde valem por si sós. Se há algum efeito de conjunto, ele é casual, não foi preconcebido” (BARTALINI, 2004, p. 83).

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A infraestrutura verde prescinde de espaços livres para sua implantação. Segundo SANCHES (2014), “A terminologia “infraestrutura” se explica por sua contribuição nas funções de base estrutural da cidade, como o sistema viário, de energia ou de abastecimento de água (PELLEGRINO, 2006), que contribuem para o bom funcionamento da cidade e atendem aos padrões mínimos de habitabilidade, qualidade de vida e saneamento básico” (SANCHES, 2014, p. 130).

A infraestrutura verde compreende certas tipologias de projeto paisagístico, que incorporam as funções infraestruturais aos espaços abertos no tecido urbano por adotarem tecnologias de alto desempenho que “que emulam e adaptam, aos projetos, os processos e ciclos ocorridos na natureza” (CORMIER; PELLEGRINO, 2008, p.126). 2.3 A sub-bacia do Córrego Jaguaré e o Córrego da Água Podre

A sub-bacia do Córrego Jaguaré se situa na zona oeste do município de São Paulo, dentro do Distrito do Rio Pequeno (Subprefeitura do Butantã) e faz parte da bacia do Rio Pinheiros, um dos três grandes rios que nortearam o desenvolvimento urbano de São Paulo. Dentro da Sub-bacia do Córrego Jaguaré, há um afluente, o Córrego Água Podre, cuja nascente se situa próximo à encosta do espigão por onde atualmente passa a rodovia Raposo Tavares.

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Figura 4 – Fotomontagem sobre foto aérea da área da sub-bacia do Córrego Água Podre. (Fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer)

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A área de nascente, apesar de não ser ocupada, foi modificada e não possui a vegetação original e encontra-se cercada por muros. Figura 5 (esquerda) – montagem sobre foto aérea

da

área

da

nascente.

(fonte:

fotomontagem de Carme Machi Castañer) Figura 6

(direita) – foto da gleba onde se

localiza a nascente.(fonte: foto do autor)

Não se pode afirmar que existam remanescentes florestais no local, pois após vistoria do local, observou-se uma vegetação com presença maciça de espécies exóticas4 invasoras. Na visita de campo observou que a água na área de nascentes apresenta muita transparência, ausência de odor e presença de anfíbios (girinos), que indicam boa qualidade.

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Espécies exóticas são “... oriundas de outros países ou continentes que não pertencem à flora do país, não sendo, portanto, nativas ou indígenas.” (LORENZI, 2003 p.11)

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Figura 7 – Foto da calçada entre a área de nascente e o CEU Butantã, onde a água aflora sem turbidez, se observa vegetação típica de solos permanentemente úmidos e bioindicador de boa qualidade da água: anfíbios (girinos indicados por setas). (Fonte: foto do autor)

Após a gleba da nascente, o córrego é canalizado e passa sob o Centro Educacional Unificado (CEU) Butantã. Há um lago artificial dentro do terreno do CEU, que é resultante do represamento de outra nascente que ocorre no local. Figura 8 (esquerda) – montagem sobre foto aérea do CEU Butantã (fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer) Figura 9 (direita) – foto do lago artificial dentro do terreno do CEU Butantã (fonte: foto do autor)

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Após o CEU, o Córrego Água Podre volta a correr a céu aberto, entre duas pistas da avenida Abílio Pereira de Almeida. Nesse trecho a água apresenta turbidez, bastante quantidade de resíduos e odor característico de esgoto.

Figura 10 – Fotomontagem sobre foto aérea (Fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer)

Toda a Área de Proteção Permanente5 (APP) deste trecho a jusante do CEU encontra-se degradada e quase toda impermeabilizada. Os poucos exemplares arbóreos nas margens do córrego, são na maioria espécies exóticas.

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As Áreas de Preservação Permanente foram instituídas pelo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012) e consistem em espaços territoriais legalmente protegidos, ambientalmente frágeis e vulneráveis, podendo ser públicas ou privadas, urbanas ou rurais, cobertas ou não por vegetação nativa.(Fonte: http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/areas-verdes-urbanas/%C3%A1reas-de-prote%C3%A7%C3%A3o-permanente; acesso em 3 de dez de 2015)

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A drenagem de águas pluviais dessas vias que margeiam o córrego na avenida Abilio Pereira de Almeida escoa diretamente para o córrego, contribuindo para o aumento da concentração de poluição difusa no curso d´água. Na vistoria foi possível também observar algumas tubulações que lançam efluentes de esgoto doméstico diretamente no córrego. Após esse trecho o córrego Água Podre passa por baixo da linha de transmissão de energia que ocupa uma larga faixa de terreno que não pode ser ocupada por lei e se mantém livre por toda extensão.

Figura 11 – Fotomontagem sobre foto aérea (Fonte: fotomontagem de

Figura 12 – Foto do local (Fonte: foto do autor)

Carme Machi Castañer)

O trecho seguinte, é o de maior potencial para projeto paisagístico e de implantação de infraestrutura verde, pela maior largura da APP existente. Nesse trecho será desenvolvido projeto mais detalhado a ser apresentado neste caderno. Neste trecho, assim como nos demais, existem árvores e gramíneas, na maior parte espécies exóticas, conforme observado em vistoria da área. AUP 5859 Estudio de Infraestrutura Verde | Marcelo Kussunoki

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Figura 13 – Fotomontagem sobre foto aérea (Fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer)

O último trecho a jusante apresenta características semelhantes ao da avenida Abilio Pereira de Almeida, com arruamento nas margens, sem respeitar os limites da APP que estão previstos em lei. A foz é canalizada, passando por baixo da avenida Rio Pequeno e desemboca no Córrego Jaguaré, que corre a canal a céu aberto entre as pistas da avenida Escola Politécnica.

3. Análise territorial e potencial como infraestrutura verde Além de resíduos sólidos acumulados as margens apresentam sinais de assoreamento. A rede de drenagem coleta a água do escoamento pluvial, através de bocas de lobo descarta as águas diretamente no córrego, sendo esta, uma importante fonte de poluição difusa.

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Durante visita de campo, a água apresenta-se turva em quase todo percurso do córrego, e observou-se certa quantidade de resíduos no leito e margens, assim como folhas e galhos, o odor é característico de esgoto e mais acentuado no trecho final. Poucos exemplares da flora nativa são observados nas margens do córrego, sendo a maioria das espécies existentes exóticas. Figura 14 – Foto do trecho 2 do Parque Linear, na situação atual. A turbidez da água é perceptível e os não tratamentos das margens as deixam sujeitas à erosão. (Fonte: foto do autor)

Por meio da análise das informações espaciais (Áreas de inundação, declividade, vegetação atual e áreas de solo exposto, linhas de drenagem e topografia), foi estabelecida a vocação intrínseca de cada trecho da área de estudo, como por exemplo, a

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criação de wetlands construídos em locais em que a topografia, declividade, linhas de drenagem e tipo de uso favoreçam esse tipo de infraestrutura verde. Utilizando os conceitos do planejamento ambiental6, da ecologia da paisagem7 e dos parâmetros e condições necessárias para cada tipo de infraestrutura verde, foi analisada qual a melhor indicação de uso como infraestrutura verde de cada trecho da gleba estudada O projeto aqui apresentado foca na questão da carga de poluição difusa e visa o desenvolvimento de uma metodologia para aplicação de medidas e ações de Infraestrutura Verde que contribuam à minimização do nível de contaminação das águas por esta fonte. A poluição difusa é o problema mais grave nessa sub-bacia e o first flush pode ser um fatores de maior contribuição para isso, já que “…the first hour of urban stormwater runoff has a pollution index much higher than that of raw sewage.”8 (Campbell, Craig S; Michael H. Ogden. 1999 apud COMMUNITY DESIGN CENTER., 2010.)

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. os princípios do planejamento ambiental, definido por FRANCO (2008, p.36) como: “... o planejamento das ações humanas (da antropização) no território, levando em conta a capacidade de sustentação dos ecossistemas a nível local e regional, sem perder de vista as questões de equilíbrio das escalas maiores, tais como a continental e a planetária, visando à melhora da qualidade de vida humana, dentro de uma ética ecológica. O Planejamento Ambiental é, portanto, também um Planejamento Territorial Estratégico, Econômico-ecológico, Sociocultural, Agrícola e Paisagístico.” 7

Um dos pesquisadores pioneiros na área de planejamento ambiental foi o arquiteto paisagista Ian McHarg, que lançou em 1969, Design with Nature, a obra seminal que veio marcar uma postura frente à avaliação e incorporação dos valores ecológicos nos planos e projetos. O método exposto por McHarg há quase quarenta anos continua válido, sendo porém, infelizmente, ainda muitas vezes desconsiderado pelos planejadores, urbanistas e arquitetos que acabam por utilizar apenas critérios socioeconômicos, desconsiderando a base natural e as relações ecológicas que as novas estruturas projetadas passam a definir com ela. 8 A primeira hora de fluxo pluvial urbano tem um índice de poluição muito maior que esgoto bruto (tradução do autor)

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As estratégias e ações a serem adotadas para a melhoria da qualidade da água, dentro da sub-bacia do Córrego Água Podre são: 

Naturalização do sistema de drenagem conectando as infraestruturas convencionais, arborização viária e outras ações para amenização do trânsito.

Arborização, manutenção da cobertura vegetal e mecanismos de contenção das encostas, compatibilizando com usos urbanos para lazer, cultura ou esporte, geralmente desenvolvidos em áreas verdes e parques públicos.

Troca do asfalto por pavimento permeável, plantio de espécies fitorremediadoras e uso destas áreas para retenção e/ou tratamento das águas conectadas aos sistemas de drenagem naturalizados

4. O Partido Arquitetônico do Projeto Paisagístico

O trecho 2 do Parque Linear do Córrego Água Podre faz parte da Área de Proteção Permanente e não deveriam ser ocupadas nem modificadas por atividade antrópica. Mas como esse trecho está inserido na mancha urbana e constitui um espaço livre urbano9 com potencialidades para áreas verdes de usos recreativos, não há como apenas designar um reflorestamento para recomposição de mata ciliar sem a possibilidade do acesso e usufruto dessa área pela população do entorno.

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Queiroga, em sua tese de livre docência (2012, p. 75), define: “compreende-se como sistema de espaços livres urbanos os elementos e as relações que organizam e estruturam o conjunto de todos os espaços livres de um determinado recorte urbano – da escala intraurbana à metropolitana”.

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Levando isso em consideração, procurou-se conciliar as diversas atividades que podem ser desenvolvidas nesse trecho do Parque Linear proposto. Além de toda a infraestrutura verde relacionada ao controle de cheias e limpeza das águas pluviais, associou-se uma rede de caminhos e deques multiuso além de uma área onde se pode praticar esportes.

Figuras 15 e 16: Simulação dos tipos de uso e da vegetação da rede de caminhos de piso permeável do parque proposto (Fonte: fotomontagem do autor)

A rede de caminhos é constituída por um caminho com pavimento permeável que circunda toda a gleba além de caminhos internos de piso de saibro e/ou pedrisco que permitem a contemplação da natureza e observação dos processos envolvidos na limpeza da água, regulação do fluxo das águas pluviais e controle de cheias.

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Figura 17: Planta de pisos e zoneamento do trecho 2 do Parque Linear do Córrego Água Podre.

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Assim, na época chuvosa, o nível d´água do córrego estará mais alto e as mudanças de estação poderão ser mais bem compreendidas pelos frequentadores. Uma floração que dependa da chuva, por exemplo, pode ser observada ou o tipo de fauna que visita o local em cada época do ano. A recomposição da mata ciliar, baseada em estudos da flora nativa original permitirá um “jardim” de baixa manutenção, já que as espécies vegetais escolhidas serão adaptadas ao regime de chuvas e clima local. A fauna poderá voltar espontaneamente ou ser reintroduzida, no caso de fauna aquática. Aumentando a biodiversidade do local, maior será a resiliência da Área de Proteção Permanente aí constituída. E quanto maior a resiliência, menor a necessidade de manutenção pelos órgãos gestores do local. Os deques são associados à rede de caminhos já descrita e foram escolhidos para vencer os desníveis naturais de uma área de fundo de vale sem necessitar movimentação do terreno, preservando o máximo possível o perfil natural. Não há uma especificidade de uso nos diversos deques que podem abrigar desde atividades para terceira idade, infantis, de educação ambiental e eventos comunitários - como feira de venda de produtos orgânicos, exposição de arte itinerante, apresentação de música, entre outros. Uma área permeável coberta com gramíneas poderá ser utilizada como campo de futebol ou outra atividade física que aí se enquadre. Não contará com dimensões oficiais de uma quadra poliesportiva, mas a preservação das árvores existentes se torna mais importante que uma área impermeável de grandes dimensões e uso específico – estamos tratando de uma APP e não um parque construído.

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Figura 18: Corte esquemático do trecho 2 do Parque Linear do Córrego Água Podre. (fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer e Marcelo Kussunoki)

A infraestrutura verde relacionada à limpeza da água constituída pela passagem flutuante e suas ilhas fitorremediadoras associadas constitui outro percurso conectado aos caminhos propostos. Essa passagem permitirá um novo ângulo de contemplação do espaço, sobre a água, muito próximo da flora e fauna presente nesse meio aquático. Esse contato do usuário com a natureza e o corpo d´água é fundamental para a educação ambiental e apropriação do espaço pela população local.

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Figura 19: Simulação da passarela flutuante com ilhas fitorremediadoras associadas. A variedade de situações ecológicas (abrigo, fonte de água e alimento, etc...) proporcionadas pela vegetação contribuem para o aumento da biodiversidade do local

Passagens sobre o córrego, que são continuidade dos caminhos dos pedestres pelas ruas perpendiculares também são propostos, para estimular a circulação das pessoas pela área e não apenas ao redor dela. AUP 5859 Estudio de Infraestrutura Verde | Marcelo Kussunoki

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No trecho em que a área se aproxima da linha de transmissão de energia, se propôs apenas atividades de permanência temporária, como passagem de pedestres e ciclovia. Apenas num pequeno trecho existe a possibilidade de instalação de uma horta comunitária para o bairro. Deve-se levar em consideração que sua existência depende da iniciativa dos moradores, pois “a organização do grupo interessado em trabalhar com a horta é de extrema importância para o sucesso na produção, sendo necessário levar em consideração o número de pessoas e a disponibilidade de tempo de cada um” (CHAVES, C. et al,2015, p.7). As demais áreas próximas à linha de alta tensão serão jardins de chuva, recomposição de mata ciliar e um pequeno wetland construído inline. A circulação de pedestres não será a única a ser contemplada no local, pois uma ciclovia que percorrerá toda a extensão do parque linear está prevista. O detalhamento do percurso no trecho 2 aqui analisado é visível, na rua de cota mais alta, onde uma ciclovia de via dupla está prevista, passando também ao lado da horta comunitária a montante. A vegetação seguirá um plantio inicial de pequenos maciços de herbáceas e arbustos permeando o extrato arbóreo. Inicialmente poderão aparecer como massas de vegetação uniforme, mas a própria sucessão ecológica se encarregará de selecionar e setorizar cada espécie de acordo com as condições ambientais de cada local. Assim, a paisagem será mutante, conforme aumentam as interações ecológicas entre as espécies vegetais e animais.

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Figura 20: Planta de vegetação e infraestrutura verde do trecho 2 do Parque Linear do Córrego Água Podre

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Conforme foi verificado em vistoria pelo local, aproximadamente 90% das espécies vegetais são exóticas, muitas espontâneas e outras provavelmente plantadas por moradores da região – não há uma ordenação típica de plantio por órgãos públicos, com alinhamento de indivíduos ou uniformidade de espécies presentes. O plantio de recuperação de mata ciliar busca enriquecer a flora existente com espécies nativas. Não faz sentido utilizar espécies exóticas de árvores no Brasil que “...possui a flora arbórea mais diversificada do mundo.” (LORENZI, 1992 p.1.)

5. Infraestrutura verde e de contenção de encostas integradas ao Projeto Paisagístico

PELLEGRINO et al. (2006) cita que a infraestrutura verde, ao agregar corredores verdes urbanos, alagados construídos, reflorestamentos de encostas e ruas verdes, entre outras intervenções de baixo impacto e incorporar melhores práticas de manejo das águas, poderá fornecer importantes contribuições para um desenho ecologicamente mais eficiente da cidade, reforçando o papel crucial dos espaços livres vegetados para uma maior sustentabilidade urbana. Neste trecho do córrego a APP possui trechos ainda preservados de ocupações e a vegetação é secundária em estágio inicial de regeneração. As margens possuem tratamento com muro gabião e um dos lados tem topografia bastante acidentada. Devido à topografia da bacia hidrográfica, este trecho recebe grande volume do escoamento superficial das áreas à montante, sendo uma importante fonte de poluição difusa. Há necessidade de se adotar medidas para a amenização desses impactos no curso do córrego. Dentre elas podemos listar: AUP 5859 Estudio de Infraestrutura Verde | Marcelo Kussunoki

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Modificação do traçado e largura da calha do córrego diminuindo a velocidade da água.

recomposição da cobertura florestal nativa de Mata Ciliar e técnicas de Engenharia Ambiental para recuperação APP.

Instalação de ilhas fitorremediadoras fixadas à estrutura de uma passarela de pedestres que será instalada sobre o córrego.

Instalação de jardim de chuva e biovaletas ao longo das ruas perimetrais do córrego para o tratamento da velocidade, quantidade e qualidade do escoamento superficial das áreas à montante.

Aplicação de pavimento permeável onde desembocam as ruas com escoamento mais acentuado, e sempre ao longo das ruas perimetrais onde houver estacionamento.

Construção de alagados (wetlands) na margem de dois trechos estratégicos do córrego com função de detenção e tratamento do escoamento superficial das áreas à montante, conduzido pelas biovaletas e jardins de chuva.

Os seguintes dispositivos serão utilizados para viabilizar as medidas acima descritas: Jardim de chuva Também conhecidos como sistemas de biorretenção ou bacias de infiltração, são caracterizados por depressões topográficas que tem função de receber a água do escoamento pluvial proveniente de áreas impermeabilizadas e tratar a poluição difusa. (fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer)

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Ilha Fitorremediadora Ilhas fitorremediadores (floating wetlands), são estruturas flutuantes com plantas macrófitas, utilizadas no tratamento de efluentes e das águas superficiais. As raízes das plantas crescem livres na coluna d’água e a flora bacteriana associada às raízes metaboliza os poluentes que são filtrados e eliminados pelos mecanismos de fitorremediação. (fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer)

Alagado construído (wetland) São ecossistemas artificiais projetados para reproduzirem as funções das zonas úmidas naturais, através da utilização de plantas macrófitas flutuantes e emergente. Desempenham as funções de detenção e retenção do escoamento pluvial além de promover fitorremediação por meio da vegetação. (fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer).

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Biovaleta Faixas lineares rebaixadas compostas por vegetação, solo e outros elementos filtrantes. Conduzem o escoamento retardando sua velocidade, para pontos de detenção como jardins de chuva e detenção como alagados construídos e o próprio córrego. (fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer)

Estaqueamento de encostas (Técnica de engenharia ambiental para estabilização de solo) Estacas de madeira enfileiradas no longo eixo do córrego, acompanhando as curvas de nível do terreno, evitando que o material sólido seja transportado pela água superficial até o córrego. A vegetação plantada se integra as estacas e com o tempo assume esse papel. (fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer)

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Implantação de cilindros de faxinas encostas (Técnica de engenharia ambiental para estabilização de solo) A técnica utiliza faxinas (feixes amarrados) de vime preenchidas com material orgânico e plantas que são fixadas à base do talude por estacas de madeira. Protege o solo das margens do córrego até as raízes da vegetação assumam essa função. (fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer e Marcelo Kussunoki)

Muro de gabião (Técnica de engenharia para estabilização de solo) No trecho do córrego onde a topografia apresenta alta declividade, pouca presença ou ausência de vegetação, optou-se pela utilização de muro gabião (já existente), como elemento de contenção de encosta. O gabião é uma estrutura que não cria obstáculos para a passagem da água ou mesmo subida de seu nível, e por ser um material inerte se integra à paisagem com o passar do tempo pois a vegetação e pequenas comunidades conseguem se fixar entre as pedras e se estabelecer ali. (fonte: fotomontagem de Carme Machi Castañer e Marcelo Kussunoki)

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6. Conclusão

O projeto aqui apresentado faz parte de um sistema maior que abrange toda a sub-bacia do Córrego Água Podre. Não faz sentido estudar medidas de saneamento ambiental pensando apenas localmente, no corpo d´água em questão. Outras ações além da área imediata da APP devem ser tomadas para que os mecanismos previstos no parque linear sejam totalmente eficazes. Outras questões que envolvem a questões habitacional, social, econômica e de gestão não foram esmiuçadas por se tratar de um exercício de caráter acadêmico, servindo de estudo para ações futuras que integrem todas as esferas envolvidas. Há um entrave burocrático de jurisdições de órgãos públicos que impediria muitas das ações propostas, o que salienta a necessidade de se criar mecanismos legais que deem autonomia para um agente gestor próprio da APP. Um exemplo disso é a utilização de ruas compartilhadas que utilizem pavimento drenante. Uma vez que a rua não é jurisdição do DEPAVE, existe um conflito de jurisdição desse espaço no caso de se converter em rua compartilhada. Não se saberia o limite da área pública verde e a área de circulação, cada uma gerida por órgãos diferentes dentro do município de São Paulo. O projeto tem que ser encarado como um estudo de uma “potencialidade ótima” do espaço da APP envolvida, como infraestrutura verde. Ao mesmo tempo tem que aliar o uso do espaço livre público da APP, envolvendo a população local. O sucesso da gestão do espaço só será possível com a colaboração entre os usuários e órgãos públicos envolvidos.

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7. Referências bibliográficas

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