Educação Visual e Tecnológica (desintegração Curricular)

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Educação Visual e Tecnológica: (des)integração curricular. Paulo Miguel de Oliveira Fernandes Escola Básica de Vilar de Andorinho; Escola Superior de Educação; Investigador ID_CAI Paulopof@gmail.com

RESUMO: O presente artigo propõe pensar a educação artística e em particular a área das artes visuais e plásticas, no currículo escolar do 2º ciclo do ensino básico em Portugal. Desde 1991 que a disciplina de educação visual e tecnológica tem ocupado esse espaço, apontando uma abordagem integrada dos aspectos visuais e tecnológicos dentro de uma área pluridisciplinar de educação artística e tecnológica, situando-se numa perspectiva transdisciplinar conducente ao nível etário a que se destina. Vinte anos depois, procura-se perceber o caminho traçado por esta disciplina, suas implicações no desenvolvimento das aprendizagens dos alunos, a formação de professores nesta área específica, bem como a integração dos novos modelos e concepções da educação artística. Pretende-se, deste modo, apresentar e estender uma discussão pertinente e actual, face à anunciada revisão à estrutura curricular do sistema de ensino pelo governo de Portugal. PALAVRAS-CHAVE: Educação Artística; Educação Visual e Tecnológica; Currículo; Integração. A educação artística está presente no currículo nacional do ensino básico, obrigatório, em Portugal. Ao longo de três ciclos, apresenta-se dividida e partilhada em disciplinas, que se distribuem por nove anos de escolaridade, cada uma com um programa próprio de acordo com o nível de ensino e com directivas e orientações comuns a todas as escolas do país, traçadas centralmente pelo Ministério da Educação. No 2º ciclo (5º e 6º ano), ao domínio da educação artística junta-se a educação tecnológica, dividindo-se em duas disciplinas: a educação musical e a educação visual e tecnológica (EVT). O espaço das artes visuais e plásticas é assim preenchido pela disciplina de EVT, trabalhando com crianças situadas entre uma faixa etária que pode ir dos 9 aos 12 anos de idade (num percurso sem retenções). A sua leccionação está a cargo de dois professores, ou seja, em regime de par pedagógico, e a carga horária de 270 minutos semanais, atribuída ao domínio da educação artística, é dividida de forma autónoma em cada escola pelas disciplinas de EVT e educação musical, podendo esta ser distribuída de forma igual ou, como acontece na maior parte dos casos, 180 minutos para EVT e 90 minutos para educação musical. A explicação para esta divisão da carga horária de forma diferenciada e do número de professores está nas características práticas e experienciais da disciplina e também no seu enquadramento histórico. A disciplina de EVT surge com a reforma educativa do final da década 1980 e generaliza-se a todas as escolas do país depois da aprovação definitiva do seu programa em 1991. Antes da criação da disciplina de EVT, e desde 1974, fizeram parte da estrutura básica do currículo do ciclo preparatório as disciplinas de educação visual, que proponha essencialmente uma análise dos elementos visuais no nosso envolvimento, destacando-os como meios de comunicação, e dos trabalhos manuais fundamentados num ensino dos ofícios, acentuando o estudo das técnicas com propostas de trabalho


que consistiam na repetição de modelos ou a execução concertada e repetida de procedimentos. Esta reforma educativa acrescenta, deste modo, um conceito de área interdisciplinar, concretizado na junção destas duas áreas e criando uma disciplina nova. Por exigir conhecimentos em dois campos de saber diferentes e porque não existiam professores para esta nova área disciplinar (problema das reformas impostas por decreto), designouse que seria leccionada por dois professores, um da área da educação visual e outro dos trabalhos manuais. A própria natureza da disciplina, que assentava no trabalho prático, oficinal e de projecto, implicaria um maior apoio aos alunos. A disciplina inicialmente tinha uma carga horária fixa de cinco blocos lectivos semanais (cada bloco com a duração de 50 minutos). Esta nova disciplina surge assim como uma espécie de último elo da evolução das artes e ofícios em Portugal e um ponto de encontro com as tendências da educação/arte de Dewey, Lowenfeld, Read, Stern, Green, Baynes, Eisner, Munari, Barret e outros. Deste modo, o programa da EVT apresenta pressupostos construtivistas da educação, através da metodologia de resolução de problemas, fomentando actividades centradas no contexto vivencial do aluno e nos seus interesses, procurando maior motivação e aprendizagens significativas. As actividades organizadas através de Unidades de Trabalho, ou seja, projectos, procuram promover a leccionação de conteúdos de forma integrada. Nota-se ainda uma ausência de referências nas “belas-artes”, o que indica que não se pretende a apreciação ou produção de obras de arte, mas indivíduos reflexivos, críticos e intervenientes na sociedade. Em 2001, o ministério da educação reorganizou o currículo do ensino básico, onde se percebe uma viragem no paradigma educacional, alterando o conceito de “objectivo a atingir pelos alunos” pela noção de “competência”, definida pelo seu documento orientador (DEB, 2001), numa noção ampla que integra conhecimentos, capacidades e atitudes e que pode ser entendida como “saber em acção” ou “em uso”. Na génese desta mudança está igualmente a percepção da necessidade de ultrapassar uma visão de currículo como um conjunto de normas a cumprir de modo supostamente uniforme em todas as salas de aula e de ser apoiado o desenvolvimento de novas práticas de gestão curricular mais flexível. Esta reorganização trouxe, porém, desfasamentos e incongruências à EVT, ao designar as competências para a educação visual e para a educação tecnológica separadamente no 2º ciclo, atropelando a disciplina. Exigia-se também a reformulação/ actualização do programa. O que não aconteceu, ficando os professores com dois documentos orientadores, com diferenças significativas na sua base conceptual e metodológica, com implicações ao nível da organização e planificação do ensino-aprendizagem da disciplina. Outra consequência foi a redução, à partida, de um bloco lectivo para a EVT, agravado com a alteração da duração de cada bloco lectivo de 50 para 45 minutos. Podendo essa diminuição acentuar-se de acordo com as opções da escola na distribuição dos blocos pelo domínio da educação artística, como descrevemos anteriormente. Neste momento e após duas décadas a fazer parte da estrutura curricular do 2º Ciclo do Ensino Básico, a disciplina de EVT continua a caracterizar-se pela sua visão integrada dos aspectos visuais e tecnológicos (DGEBS a.,1991). Contudo e sem que nada o fizesse prever, o Ministério Educação e Ciência (MEC), propõe (Dezembro de 2011) a sua eliminação do elenco curricular, substituindo-a pelas disciplinas de educação visual, educação tecnológica e tecnologias da informação e


comunicação. As duas últimas a dividirem a mesma carga horária. Uma proposta, ainda que para discussão pública, não apresenta qualquer argumento pedagógico que a justifique. O MEC desbarata assim a ideia integradora da EVT, colocando-se em contra-corrente com os discursos pedagógicos e contradizendo-se quando diz que “a revisão agora apresentada reduz a dispersão curricular” (DGIDC, 2011). O que se passou nestas últimas duas décadas justifique esta mudança curricular? Que mudanças se verificaram na sociedade, na escola, na educação artística, no saber profissional dos docentes? O problema que se coloca efectivamente nesta dispersão curricular, por entre alguns ecos corporativos, é o de questionar o modelo de educação que queremos seguir. Numa recente conferência de Fernando Hernandez no Porto, foi curiosa a alusão para as diferenças entre o logótipo do “The National Curriculum” (Inglaterra) de 1999 e de 2008. No primeiro as diferentes disciplinas, representadas por diferentes cores, eram pequenos quadrados separados uns dos outros. Na segunda as diferentes cores eram linhas onduladas, que se cruzavam e entrelaçavam, provenientes de um lugar comum e dirigindo-se para um outro ponto de encontro. Esta mudança significa o rumo que o currículo da escola em Inglaterra vem tomando e que demonstra uma visão integradora entre as diferentes áreas. Read (1944) dizia “que o que está errado no nosso sistema educativo é precisamente o nosso hábito de estabelecer zonas separadas e fronteiras invioláveis; e o sistema que proponho (…) tem por único objectivo a integração de todas as faculdades biologicamente úteis numa única actividade orgânica” (cit in Barret, 1979). Também os discursos pedagógicos em Portugal têm evidenciado esta preocupação, pelo que se questiona este desencontro entre os responsáveis pelas políticas educativas e as ciências da educação. Uma divergência que atinge sobretudo os professores, que são formados segundo modelos difundidos nas Ciências da Educação para depois desempenharem funções segundo directivas completamente opostas. Considerando o currículo escolar, talvez como a principal âncora do sistema de ensino, exige-se um modelo pensado e discutido por todos. E é neste sentido que caminha este texto, expondo e configurando o problema, por vezes sem o distanciamento preciso, reconheço, constituindo um ponto de partida para a sua discussão. Qual o sentido da integração de saberes corporizada da disciplina de EVT? Que novos estudos, modelos e concepções em educação artística podem ser trazidos para o currículo? Fará sentido com a introdução dos novos estudos, modelos e concepções, continuar a nomear uma disciplina de artes visuais e plásticas de educação visual? Que carga horária e metodologia de trabalho nesta área disciplinar, em turmas de 30 alunos? Formação de professores: Hoje existem professores de EVT e mestrados de formação de professores de EVT em curso em muitas instituições de ensino superior. Um investimento feito durante 20 anos em recursos humanos. Que rumo aos milhares de professores formados e preparados, durante as duas últimas décadas, para leccionar EVT?


BIBLIOGRAFIA BARRET, Maurice (1979). Educação em Arte. Uma estratégia para a estruturação de um curso. Trad. Isabel Cottilelle Telmo e Irene Belzer Sam Payo. Lisboa: Editorial Presença. DGEBS a. (1991). Educação Visual e Tecnológica: Organização Curricular e Programas do 2º ciclo do Ensino Básico. Volume I. Lisboa: Ministério da Educação. DGEBS b. (1991). Educação Visual e Tecnológica: Plano de Organização do Ensino Aprendizagem. Volume II. Lisboa: Ministério da Educação. DEB (2001). Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais. Lisboa Ministério da Educação. DGIDC (2011). Proposta-base da Revisão da Estrutura Curricular. Ministério da Educação. [on-line] acedido a 15 de Março de 2012 em http://www.dgidc.min-edu.pt/ HERNÁNDEZ, Fernando (2003). Educación y Cultura Visual. Barcelona: Octaedro. RODRIGUES (coord.); Gomes; Torres, Fernandes e Lagoa (2012). Parecer da Associação Nacional de Professores de Educação Visual e Tecnológica, sobre a proposta de revisão da estrutura curricular apresentada pelo Ministério da Educação e Ciência para discussão pública. [on-line] acedido a 15 de Março de 2012 em http://pt.scribd.com/jarodrigues/d/79972270-Parecer-APEVT-Rev-Curricular-FINALRed


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