4
CIDADES
CORREIO DO MINHO 20 Outubro 2019
Menos carros, mais saúde e melhor vida em Braga ppp PEDRO MORGADO
Psiquiatra e Professor da Universidade do Minho
Desde há algum tempo que é impossível ignorar o aumento significativo do tráfego automóvel em Braga. Em contra-ciclo com o que sucede noutras cidades do mundo a que chamamos civilizado, o uso (e abuso) do automóvel tem sido sistematicamente facilitado na cidade de Braga. É hoje impossível caminhar a pé por qualquer zona da cidade sem ser importunado pelos carros que estacionam nos passeios, nas passadeiras, nas paragens de autocarro, em toda a parte. A mudança de políticas públicas de mobilidade e, consequentemente, dos hábitos dos cidadãos é urgente e necessária mas tem sido sistematicamente adiada pelos sucessivos executivos municipais. Se é um facto que a cidade foi pensada nos anos 80/90 para o uso quase exclusivo do carro como meio de transporte, também é verdade que passou demasiado tempo sem que nada verdadeiramente estruturante tenha sido feito para reformar o sistema de mobilidade. Pelo contrário, todos constatamos que o carro é cada vez mais dono e senhor da cidade com a co-
nivência das autoridades que têm o dever de actuar. As consequências do uso excessivo e abusivo do carro não são apenas ambientais e de saúde pública mas também se sentem ao nível da qualidade de vida e da integridade dos cidadãos. Continuamos a perder vidas em acidentes e atropelamentos. Devido ao excesso de tráfego, o carro também deixou de ser uma opção prática e eficiente. Não é preciso inventar a roda para fazer o que é necessário: a cidade de Braga precisa de mais espaço dedicado à circulação pedonal, mais ciclovias e mais vias reservadas para transportes públicos; ao mesmo tempo é necessário reduzir as vias para a circulação automóvel individual e acabar com o estacionamento abusivo e ilegal. É também urgente introduzir medidas efectivas e generalizadas de controlo da velocidade nas áreas onde os acidentes e atropelamentos se repetem. Por fim, é urgente planear o futuro: como é possível Braga e Guimarães continuarem sem ligação
ferroviária e não haver nenhum líder político que a defenda verdadeiramente? Como é possível continuarmos a ter um sistema de transportes públicos sub-dimensionado e sem capacidade para responder às necessidades efectivas da população? Como é possível continuarmos a ser discriminados nos transportes públicos pelo governo central comparativamente com Lisboa e Porto? A mudança terá que acontecer. O receio de impopularidade das medidas de controlo do tráfego e aparcamento automóvel é, seguramente, uma das razões para o seu adiamento sucessivo. Mas a experiência de outras cidades (algumas aqui bem perto) demonstra que depois de um período de estranheza inicial, a satisfação das pessoas aumenta significativamente e as medidas tornam-se altamente populares. Quem não gostaria de viver numa cidade com mais saúde, mais eficiência, melhor qualidade de vida e menos poluição?
O estacionamento é ou não um impedimento ao desenvolvimento de uma cidade sustentável? ppp PAULO RIBEIRO
Professor de Engenharia Civil da Universidade do Minho
Desde há algumas décadas que o automóvel domina o panorama da mobilidade urbana da maioria das cidades, sendo o meio de transporte mais utilizado nas principais deslocações das pessoas. Amado por muitos, odiado por alguns, a verdade é que esta forma de viajar deverá continuar a dominar a forma como nos deslocamos, quer porque adquire o pseudologo de mais sustentável na sua vertente elétrica, quer porque os futuros sistemas integrados de mobilidade urbana o querem tornar público e partilhado. Quer numa lógica de mobilidade mais tradicional ou noutra mais tecnológica, estacionar o veículo num qualquer local junto a uma origem ou um destino será sempre uma necessidade. Os municípios procuram então, sempre que possível, planear e gerir o sistema de estacionamento de forma a que a oferta responda à procura. No entanto, a distribuição das atividades pelas cidades não é de todo homogénea e padronizada, com os centros urbanos a gerarem níveis de procura que rapidamente ultrapassam os limiares da oferta, sobretudo a da via pública. Nestes casos, aplica-se a mesma “velha” receita de taxar o estacionamento na via pública e parques públicos e privados para promover a famosa rotatividade dos lugares de estacionamento. Será que aplicar tarifas e promover
aumentos da oferta resolve os problemas de mobilidade nas cidades? Certamente que não. Então, resolve-se tudo com um plano de mobilidade, que na maioria dos casos se quer sustentável e, por isso, bem restritivo para o automóvel, onde se propõe outro tipo de medidas bem menos populares para os decisores políticos, como a redução da oferta e o aumento das tarifas e, ultimamente, coadjuvadas por um sistema de mobilidade alimentado por bolsas de estacionamento localizadas na envolvente destes centros - os famosos parques dissuasores. Medidas que vêm nos livros, que os decisores gostam de ver no papel, mas cuja implementação se prorroga no tempo e se possível se deixa para que outros as apliquem. Embora de uma forma lenta algumas lá se vão implementando com níveis de dissuasão e eficiência muito baixos, até porque tudo isto é muito dispendioso, polémico e controverso para as populações e alguns grupos económicos, mas necessário para tornar o sistema de mobilidade mais sustentável. O estacionamento não pode ser visto de forma isolada, mas sempre como um elemento ativo de um sistema de mobilidade e transportes complexo e dinâmico. Nunca poderão ter bons resultados medidas que estejam suportadas apenas numa boa ca-
racterização da oferta de lugares, especialmente dos pagos, e num conhecimento empírico e especulativo sobre o comportamento da procura, sendo necessário avaliar de uma forma rigorosa os reais desajustes entre a oferta e a procura. O sistema de estacionamento pode e deve ser um bom indicador de acessibilidade das áreas urbanas, devendo ser usado como uma ferramenta que permita, simultaneamente, coordenar e integrar politicas de mobilidade e gestão territorial que tornem mais sustentáveis as cidades. É possível e desejável eliminar estacionamento em alguns locais das cidades, sobretudo na via pública, e libertar o espaço público do espectro automobilístico devolvendo-o às pessoas, para que estas desenvolvam atividades sociais e de interação que potenciem o desenvolvimento de sociedades mais saudáveis, inteligentes e cooperantes. Porém, é igualmente importante assegurar a vitalidade e viabilidade económica dessas áreas, sendo necessário que assegurar que essas ações não reduzam drasticamente os níveis de acessibilidade a esses locais, através da aplicação de uma política de mobilidade integrada com o reforço do serviço de transportes públicos, do uso da bicicleta e das deslocações a pé como verdadeiras alternativas ao uso do automóvel.