Arquitectura Narrativa e Comunicante - Uma Arquitectura para a Sociedade da Informação

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UNIVERSIDADE LUSÍADA – VILA NOVA DE FAMALICÃO faa – faculdade de arquitectura e artes

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura

“ARQUITECTURA NARRATIVA E COMUNICANTE” Uma Arquitectura para a Sociedade da Informação

Pedro Manuel Araújo

Orientador de Dissertação: Prof. Doutor Francisco Peixoto Alves

Vila Nova de Famalicão 2010


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Agradecimentos

Um sentido agradecimento a todos aqueles que contribuiram para a realização deste trabalho de investigação e que me estimularam a emoção e o intelecto. Muito Obrigado. III


Índice Índice p.IV Índice de figuras p.VI Resumo p.X Abstract / Palavras Chave p.XI Capítulo I - Arquitectura, Sociedade e Território da Informação 1 Arquitectura e Sociedade - Uma relação essencial da Arquitectura p.16 2 Sociedade da Informação p.21 3 Arquitectura e Sociedade da Informação p.28

3.1 Sociedade e Território p.31

3.1.1 Lugares sem Expressão e Territórios Anónimos p.34

3.1.2 A condição atípica de Beirute p.42

3.2 Processo metodológico - Posicionamento p.46

3.3 O pós-Arquitectura como Arquitectura p.49

4 Autenticidade e Identidade Aberta p.52

4.1 Os Media e as Indústrias Culturais na construção de novas

paisagens construídas p.56

5 Conclusões p.62 Capítulo II - A multidimensão comunicacional da Arquitectura 1 O fenómeno da Comunicação p.64

1.1 Sistema Comunicacional - Meio e Intervenientes p.66

2 Os sentidos como meio de Comunicação Arquitectónica p.75

2.1 O corpo arquitectónico e o ambiente humano p.75

IV

2.1.1 Contextualização histórica da relação p.77

2.2 O corpo da Arquitectura - interpretação e posicionamento p.77

2.3 A humanização do ambiente - objectivo p.79

2.4 Mentalidade e percepção íntima p.80

2.5 A dimensão sensorial da Experiência p.82

2.5.1 Visão p.83

2.5.2 Tacto p.85

2.5.3 Olfacto p.87

2.5.4 Audição p.90


2.6 O sentido da memória p.94

3 A capacidade Narrativa da Arquitectura p.95

3.1 O texto arquitectónico - Ritual e Sítio p.102

3.2 Fenomenologia Perceptiva - tempo, sequência e corpo p.109

4 Arquitectura da Esperança e da Sedução p.114 5 Conclusões p.120 Capítulo III - Coimbra, a Cidade que constrói a expressão vivencial contemporânea 1 A expressão dos lugares p.124

1.1 O contributo da História na dimensão expressiva de Coimbra p.128

1.2 A expressão académica do território p.133

2 Lugares sem expressão p.135

2.1 A mutabilidade expressiva das suas gentes - Lazer vs Conhecimento p.137

3 Coimbra, a cidade que constrói a expressão vivencial contemporânea p.138

3.1 Jardim da Sereia - Atopia, Oportunidade e Intensidade p.141

3.2 A expressão do conteúdo programático p.146

4 Projecto como comunicação p.149

4.1 Atitude comunicacional - Limite p.154

4.2 Atitude comunicacional - Propagação p.160

4.3 Atitude comunicacional - Truncagem p.166

4.4 Índole comunicacional dos elementos p.172

Conclusão p. CLXXVI Bibliografia p. CLXXVIII

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Índice de figuras Capítulo I - Arquitectura, Sociedade e Território da Informação Figura 1- “ O arquitecto como cidadão comum”; Fonte: Produção própria apartir de fontes múltiplas, p.17 Figura 2- “ O Homem e as cabeças de pen-drive”; Fonte: Produção própria apartir de www.flickr.com, acedido a: Fevereiro 2010; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/eskimojo/530440023/sizes>, p.27

Figura 3- “ O lugar é o mundo acessível ao pequeno toque”; Fonte: Produção própria apartir de fontes múltiplas, p.33 Figura 4- “A condição atópica do território”; Fonte: Produção própria apartir de fotografia de Carey Young (Body technics II), acedido a: Fevereiro 2010; disponível em www url: < http://www.careyyoung.com/past/bodytechniques>, p.39

Figura 5- “A Informação do território de Beirute”; Fonte: www.flickr.com, acedido a: Novembro 2009; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/funnybear/298040795>, p.45

Figura 6-

“ A Natureza e a Matéria - Construção de um ambiente reactivo”; Fonte: Produção própria apartir de

www.flickr.com, acedido a: Novembro 2009; disponível em www url: <http://farm4static.flickr.com/3296/2940776904_4a 64105966>, p.47

Figura 7-

“Montain Dwellings, Bjarke Ingels”; Fonte: www.dezeen.com, acedido a: Fevereiro 2010; disponível em

www url: <http://static.dezeen.com/uploads/2008/02/big-mtn-3sq>, p.53

Figura 8- “Elemental, Alejandro Aravena”; Fonte: files.wordpress.com, acedido a: Fevereiro 2010; disponível em www url: <http://cfurrianca.files.wordpress.com/2006/10/bg_035>, p.53

Figura 9- “Identidade multiplamente aberta”; Fonte: Produção própria apartir de fontes múltiplas, p.57 Capítulo II - A multidimensão comunicacional da Arquitectura Figura 10- “ Território e meios de comunicação ”; Fonte: Produção Própria apartir de fontes múltiplas, p.67 Figura 11- “ Exemplo de um Meio quente e frio”, Fonte: Produção Própria apartir de fontes múltiplas, p.73 Figura 12- “ A apropriação do mel ”; Fonte: Produção Própria apartir de fontes múltiplas, p.81 Figura 13- “ James Turrel, Instalação KunstMuseum, Wolfsburg ”; Fonte: www.designboom.com, acedido a: Novembro 2009; disponível em www url:< http://www.designboom.com/weblog/cat/10/view/8017/james-turrell-the-wolfsburgproject-at-the-kunstmuseum-germany>, p.87

Figura 14- “ Projecto Template, Ai Wei Wei ”, Fonte: www.flickr.com, acedido a: Dezembro 2009; disponível em www url: < http://www.flickr.com/photos/10069497@N06/2295008842/>, p.89

Figura 15- “Instituto do Som e da Imagem, Neutlings&Riedjik”, Fonte: Neutlings&Riedjik.com, acedido a: Dezembro 2009; disponível em www url: < http://www.neutelings-riedijk.com/index.php?id=13,37,0,0,1,0>, p.89

Figura 16- “ Casa de Chá Tetsu, de Terunobu Fujimori ”; Fonte: Masuda Akihisa, acedido a: Dezembro 2009; disponível em www url: < http://materiadesigns.files.wordpress.com/2010/11/terunobu-fujimori-design5>, p.91

Figura 17- “ Cascatas de Nova Iorque por Olafur Eliasson”; Fonte: www.flickr.com, acedido a: Agosto 2010; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/dreher21/2988081628>, p.93 VI


Figura 18-

“ Archigram 1961-74, poster.”; Fonte: Ralph Schraivogel, acedido a: Julho 2010; disponível em www url:

<http://pentagram.com/en/new/2008/06/abbotmiller>, p.97

Figura 19- “ YES IS MORE, Anacronia da obra de Bjarke Ingels ”; Fonte: bustler.net, acedido a: Junho 2010; disponível em www url: <http://www.bustler.net/images/uploads/skitched-20090202-154146>, p.99

Figura 20- “A narrativa de Piero de la Francesca ”; Fonte: www.ibiblio.org, acedido a: Abril 2010; disponível em www url:< http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/piero/san-francesco/proof>, p.103

Figura 21-

“ A narrativa de BSA architecture ”; Fonte: organicmobb.com, acedido a: Abril 2010; disponível em www

url: <http://www.organicmobb.files.wordpress.com/ 2009/11/bsa-1>, p.103

Figura 22- “ O ritual São João induz um novo factor comportamental ao sitio”; Fonte: Caio Meirelles, acedido a: Junho 2010; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/caiomeirelles/3627073286/>, p.107

Figura 23- “Axialidade da percepção”; Fonte : “ Landscape 1, por Luc Courchesne ”, acedido a: Junho 2010; disponível em www url: <http://90.146.8.18/bilderclient/FE_2004_VideoPanorama_773_p>, p.111

Figura 24- “ Dois símbolos de Esperança - Política e Arquitectura”; Fonte: Produção própria apartir de fontes múltiplas, p.117 Figura 25- “ Projecto Playa Luna, Ecosistema Urbano ”; Fonte: Ecossistema Urbano, acedido a: Abril 2010; disponível em www url: <http://www.plataformaarquitectura./2007/12/807003637>, p.119

Figura 26-

“ Knut Hamsun Center - Steven Holl”; Fonte: Steven Holl, acedido a: Abril 2010; disponível em www url:

<http://www.stevenholl.com/project-detail.php?type=&id=39>, p.119

Figura 27-

“Do natural para o artificial”; Fonte: Produção própria apartir de “ Capri - Batterie” por Joseph Beuys,

1985, acedido a: Junho 2010; disponível em www url: <http://www.artintern.net/update/english/200810/3221bac76e703 f2ee2083761e37a74d2>, p.121

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Capítulo III - Coimbra, a Cidade que constrói a expressão vivencial contemporânea Figura 28- “As matérias como expressão do território construído”, Fonte: Produção própria, p.127 Figura 29-

“A expressão académica do território - Território e Gentes”; Fonte : Produção própria, p.135

Figura 30-

“A expressão de conhecimento e a expressão de lazer no ser social actual ”; Fonte: www.flickr.com ace-

dido a: Março 2010; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/cubatasconmatarratas/4429818631>, p.139

Figura 31-

“Desenhos de observação - Jardim da Sereia ”; Fonte: Produção própria, p.143

Figura 32-

“Interpretação e Objectivo Estratégico - Jardim da Sereia ”; Fonte: Produção própria, p.145

Figura 33-

“Organigrama programático”; Fonte: Produção própria, p.147

Figura 34-

“Primeira escala de legibilidade narrativa ”, Implantação; Fonte: Produção própria, p.151

Figura 35-

“Maquetas de trabalho”, Papel dourado sobre cartão e acrílico, várias escalas;

Fonte: Produção própria, p.153

Figura 36- “Limite - Expressão desenhada ”; Fonte: Produção própria, p.155 Figura 37-

“ Anel translúcido como limite comunicacional ” ; Fonte: www.flickr.com acedido a: Março 2010; di-

sponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/34857952@N03/3237040897>, p.157

Figura 38-

“ Sequência comportamental - Limite ” ; Fonte: Produção Própria, p.159

Figura 39- “Propagação - Expressão desenhada ”; Fonte: Produção própria, p.161 Figura 40-

“Vaso comunicante” ; Fonte: Produção Própria apartir de “Psoriasis 1, Tamsin van Essen” acedido a: Mar-

ço 2010; disponível em www url: <http://www.designboom.com/weblog/cat/10/view/10432/skin-exhibition.html>, p.163

Figura 41-

“ Sequência comportamental - Propagação ” ; Fonte: Produção Própria, p.165

Figura 42- “Truncagem - Expressão desenhada ”; Fonte: Produção própria, p.167 Figura 43-

“A Truncagem como espelho da atopia do território” ; Fonte: Produção Própria apartir de “Chalk Mirror

Displacement, Robert Smithson, 1969”,acedido a: Junho 2010; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/ knitchick/4339298451/lightbox>, p.169

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Figura 44-

“ Sequência comportamental - Truncagem ” ; Fonte: Produção Própria, p.171

Figura 45-

“ Diagrama funcional - meios, ambientes e atitudes comunicacionais ” ; Fonte: Produção Própria, p.173

Figura 46-

“ Ambiente síncrono e assíncrono ” , Cortes; Fonte: Produção Própria, p.175


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Resumo A Sociedade da Informação e da Comunicação é um dado adquirido na caracterização dos pressupostos, dos valores e das características da Sociedade actual. As novas plataformas de comunicação e de informação levaram a uma redefinição da relação do ser humano entre si e com o próprio território. Os reflexos da sociedade póscapitalista levaram a uma clara desqualificação do território construído o que de alguma forma também contribui para um maior e mais rápido crescimento da importância das novas redes de comunicação como processo de referenciação dos acontecimentos, necessidade emergente desta nova sociedade para renovar e estimular o seu ser. Este estímulo não existe na condição actual do território construído repleto de lugares atópicos, sem expressão, que com o tempo, e algumas intervenções erradas por parte da disciplina da Arquitectura, perderam a sua capacidade referencial imanente de toda a dimensão pública que a Arquitectura comporta. A relação entre a Arquitectura e esta nova sociedade exige uma nova atitude perante a problemática dos conteúdos programáticos como geração de novas vivências e da própria metamorfose funcional e imagética do espaço construído existente como elemento comunicante e parte integrante de um acontecimento renovador e estimulante face ao conceito tradicional de habitar. Torna-se, de facto, importante atentar sobre a resposta prática e os valores que a Arquitectura deve estabelecer para se relacionar de forma mais íntima e intrínseca com o estado actual da Sociedade. Para tal foi elaborada uma ponte disciplinar entre o fenómeno da Comunicação e a Arquitectura, relacionando a necessidade de renovação permanente do significado das intervenções arquitectónicas com a necessidade de renovação interior do ser humano de estímulos que potenciem a sua existência. São estes estímulos que garantem ao ser social actual uma memória preenchida de momentos que qualificam a sua experiência de vida, alcançando a necessária intemporalidade das intervenções, passando estas a pertencer ao imaginário contínuo e adquirido do ser social. Da teoria comunicativa de Marshall Mcluhan, em conjunto com a fenomenologia perceptiva de Bruno Chuk e de Merleau-Ponty, nasce uma arquitectura que adquire uma índole comportamental enquanto fenómeno de reacção do próprio espaço, compondo uma narrativa própria que aproxima os códigos disciplinares do ser social e tornando-se numa Arquitectura símbolo de esperança através de um reforço da legibilidade do papel infra-estrutural das intervenções e da sua afirmação enquanto Arte, pela componente crítica com que intervém num território atópico e impessoal.

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Abstract The Society of Information and Communication is a granted characterization of the assumptions, values and characteristics of current society. The new platforms of communication and information led us to a redefinition of the relationships between the human being by them selves and with their own territory. The reflections of post-capitalism led to a clear desqualification of the built territory, which by somehow also contributes to a larger and quicker growth of the importance of the new communication networks as a process of referencing the happenings, an emergent necessity of this new society to renew and galvanize their self being. This impulse doesn’t exist in the actual condition of the built territory fulfilled of atopic places, without any expression, that, with time and some wrong interventions od architecture’s discipline, lost their referencial capacity inherent on the public dimension that architecture supports. The relationship between architecture and this new society requires a new attitude towards the issue of the programatic content as seed of new experiences and the functional and imagetic metamorphose of the existent built space as a communicative element and part of an incentive and renewing happening due to the traditional concept of inhabit. It becomes carefully important the pratical response and the values that architecture should establish to relate in a intimately way with the actual society. So like that a disciplinar bridge was drawn between the Communication phenomenon and Architecture, relating the permanent necessity of the renovation of the meaning of architecture’s interventions with the necessity of interior renovation of the impulses that enhances their existence. This impulses are the granted way to fulfill peop’es memory of quality everyday moments, reaching the necessary timelessness and becoming part of the continuous and acquired social being’s imaginary. From Marshall McLuhan’s communicative theory, together with the perceptive phenomenology of Bruno Chuk and Merleau-Ponty, raises an architecture that acquires a behavioral nature while a space’s phenomenom of reaction, composing an own narrative that encloses the disciplinary codes to the social being and becomes an architecture symbol of hope through an reinforcement of infra-structural components legibility and it’s affirmation as Art by it´s critical component in an atopic and impersonal territory. Palavras Chave Arquitectura; Comunicação; Sociedade da Informação; Expressão; Território XI


Introdução A arquitectura, desde os primórdios da sua existência, apresenta uma forte relação de interligação com a Sociedade, com os valores e a identidade de uma cultura, de uma população e de um lugar. Como elemento e Arte primordial de conceber e materializar a presença física da Humanidade sobre o território e sobre a Natureza, a Arquitectura sempre teve a capacidade de se tornar símbolo de um tempo através das características das suas produções. O arquitecto sempre foi um ser social que compreendia o alcance da mensagem, que, em cada intervenção, o seu edifício representava um momento e um estado social, uma necessidade e, muitas vezes, muito mais que isso. Com o desenvolvimento industrial verificou-se uma forte tendência para o culto pelo lucro, pelo capital, o que levou à mercantilização do território maioritariamente explorado sem critério e sem qualidade de intervenção arquitectónica resolvendo apenas as necessidades básicas de um mercado iminentemente especulativo. Com a globalização e o desenvolvimento das Tecnologias de Informação verifica-se, na actualidade, um aumento da importância das realidades virtuais e das novas plataformas de comunicação, que dão origem a novos processo de sociabilização, à redefinição do próprio ser humano e a uma profunda alteração da sua relação com o território físico e construído. Sendo assim, a Arquitectura encontra, no presente momento, um desafio duplo. Por um lado, voltar a se relacionar com esta nova Sociedade, sedenta de acontecimentos, de comunicação e de interacção com as coisas em si. Por outro lado, este processo de sociabilização virtual acentua ainda mais a discrepância e a separação entre o estado actual do território e o ser social enquanto indivíduo. O objectivo do presente trabalho de investigação é portanto evidenciar o papel da Arquitectura, enquanto atitude e prática projectual, na aproximação a estas novas características da Sociedade da Informação e a expressão das suas consequências no território. Assim, surge como um questionar da tipologia de resposta por parte da disciplina da Arquitectura efectuando uma ponte disciplinar com o fenómeno da Comunicação como plataforma de interacção emergente na sociedade actual. O estado da arte na actualidade entre a relação da arquitectura e a Sociedade de Informação relaciona-se com a inserção das novas tecnologias de comunicação no processo metodológico e na exploração formal da arquitectura, bem como da inserção de circuitos de informação próprios nos processos burocráticos de licenciamento com as entidades responsáveis, numa nobre tentativa de agilização. O presente traXII

balho pretende-se destacar deste ponto e abordar especificamente a resposta prática


destes valores através da sua expressão na metodologia e na concepção de uma arquitectura encarada como um elemento de interacção e comunicação, simultaneamente com o ser humano e com o território. Metodologicamente foram interpretadas diferentes disciplinas do conhecimento, desde as Ciências da Comunicação por Marshall McLuhan, até às produções artísticas recentes que relacionam de forma transparente a narrativa dos acontecimentos com o discurso significante do espaço e a forma de estabelecer esse necessário contacto próximo com o ser humano. Sobre a Sociedade da Informação em si, o trabalho de William Mitchel revela-se fundamental na ponte disciplinar efectuada para a Arquitectura. Daqui se absorvem os fenómenos de interactividade enquanto plataformas de comunicação entre a realidade física das coisas em si e a percepção transcendental e fenomenológica do ser humano. A actividade artística contemporânea, por artistas plásticos como Luc Courchesne, serviu de contexto conceptual para a relação entre a expressão do contexto físico envolvente e a sua comunicação lida pelo ser humano. Na Arquitectura, a obra de Rem Koolhaas apareceu sempre referenciada enquanto valores transversais da Sociedade da Informação, interpretados conceptualmente pela obra do arquitecto holandês. Como consequência, é primeiro abordada a relação antropológica da arquitectura com a sociedade para de seguida especificar na caracterização dos pressupostos da Sociedade da Informação e a sua influência nos processos de sociabilização e formação dos próprios seres sociais. A relação entre a Arquitectura e a sociedade actual é abordada através das influências da Sociedade da Informação sobre o território, em que é especificada a premente plataforma de intervenção da Arquitectura nesta nova Era Informacional, expressa em lugares anónimos, que negam os valores do tempo e da cultura, tendo por base a obra de Marc Augé. A ausência de expressão dos territórios torna-os como locais de desiquilíbrio funcional e social, o que eleva a questão da recuperação e requalificação dos tecidos para um sentido mais infra-estrutural e comprometido com estes novos valores da Sociedade e não apenas para uma mera mimetização do passado. A reflexão sobre o compromisso metodológico encara o processo de pós arquitectura de forma integrante na comunicação e na necessária aproximação da disciplina com a Sociedade, abordando a relação da comunicação dos acontecimentos com o crescer de importância dos Media e das Indústrias Culturais na construção de novas paisagens sociais e construídas. Abre-se o mote para um estudo mais centrado no fenómeno da Comunicação em si, cujos meios, enquanto veiculos transmissores de mensagens, e intervenientes, enquanto elementos que materializam esse mesmo fenómeno de interacção, são o contexto teórico apresentado por McLuhan que dá origem a

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diferentes atitudes arquitectónicas como parte integrante e fundamental da estratégia conceptual da intervenção proposta. Os meios são apresentados como os sentidos enquanto veículo e capacidade de gerar na memória sensações fortes que garantem identidade ao espaço. Como intervenientes de índole exterior, o sítio e o ritual relacionam-se com o existente e com a memória do adquirido por parte do ser humano. São intervenientes fundamentais para efectuar a comunicação da narrativa proposta com a narrativa existente, por isso, já pertencente ao imaginário colectivo. Como intervenientes de índole interna surgem o tempo, a sequência e o corpo como elementos fundamentais na construção de um estímulo variável necessário às diferentes atitudes comunicionais e comportamentais deste discurso arquitectónico. Da composição narrativa entre estes diferentes meios e intervenientes, procura-se uma Arquitectura que pertence ao imaginário colectivo da Sociedade, cujo processo de comunicação, quer na vertente intra-disciplinar, quer na dimensão externa do fenómeno da comunicação, aproxima a Arquitectura do ser social por evidenciar os códigos necessários que lhe permite interpretar e participar activamente no discurso do espaço contínuo, infinito, variável e interactivo. Isto torna-se uma exigência comportamental proveniente dos valores da actual Sociedade da Informação e da Comunicação. Como caso de estudo é apresentada uma proposta para a Nova Casa da Cultura, em Coimbra, inserida no Jardim da Sereia, local emblemático no processo vivencial quotidiano da cidade. A atopia do território envolvente surge como plataforma de aproximação à mensagem que uma componente narrativa mais forte na Arquitectura pretende evidenciar. A Arquitectura enquanto Arte termina a viagem da sua história contada com uma componente crítica forte sobre o estado actual da envolvente. A história contada pela Arquitectura, como veremos, exige uma forte ligação e conhecimento dos elementos simbólicos existentes. As histórias anteriores, pertencentes ao imaginário comum, originam um novo romantismo ou uma nova forma de sedução a partir da Arquitectura e da sua capacidade expressiva. Para tal foram consultados o Arquivo Municipal e o arquivo pessoal do saudoso Professor Doutor Arquitecto Santiago Faria, no intuito de aproximar a carga simbólica do passado a uma nova narrativa pertencente a este tempo de velocidade frenética e de uma identidade pouco reconhecível e identificável.

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Capítulo I Arquitectura, Sociedade e Território da Informação 15


1 Arquitectura e Sociedade - Uma relação natural e essencial da Arquitectura A arquitectura enquanto disciplina tem, antes de todas as razões da sua existência, uma forte relação de complementaridade com a Sociedade, enquanto expressão de uma comunidade de seres sociais, seus valores e bens. Essa relação com o ser humano e a expressão desse pensamento tem valido à arquitectura diferentes posicionamentos quanto à verdade da existência efectiva desta relação. Como a vibração constante da música e do som sobre o espaço, esta relação tem conhecido diferentes papéis e formas de resposta na integração do conceito de Arquitectura enquanto serviço para a população e para o território. Esta multiplicidade de atitudes e de papéis que a arquitectura tem desempenhado ao longo da História surge através do cruzamento dessas ondas que espelham sempre o estado da Sociedade, quer em manifestações cuja intenção é o equilíbrio e a inserção, quer em situações em que a Arquitectura acabou por se tornar num verdadeiro elemento de desequilíbrio e desestabilização social, precisamente quando a arquitectura e os arquitectos não souberam, ou simplesmente não quiseram, interpretar os valores e as reais necessidades e expectativas da sociedade vigente. Isto leva-nos para um campo fundamental na conceptualização prática e teórica da arquitectura, a fruição e o sistema cognitivo e vivencial do ser humano, dos seus códigos e dos seus processos de descodificação da mensagem do espaço, como algo verdadeiramente comunicante, como um ser capaz de gerar e provocar reacções, sensações e estímulos de afinidade e ligação. Este processo de entendimento da Sociedade, como já foi referido, encontra dois pólos opostos patentes, por um lado, pelos críticos e os conhecedores de História e da Cultura e, por outro, por parte dos “leigos”, habitantes do território, que como seres sociais, vivos e interactivos entre si e com as coisas, “limitam-se” a aceitar as inovações e a moldar, elas próprias, o mundo à sua imagem. É neste ponto que a arquitectura não tem respondido à sua natureza social, de onde emergiu, enquanto arte primitiva produtora de abrigos, servindo as necessidades mais básicas do ser humano. A sua génese diz também que estas necessidades vão sofrendo um processo de metamorfose contínua e que a evolução da própria disciplina parece ter na evolução dessas necessidades e expectativas da Sociedade a base conceptual do seu próprio processo de evolução, apesar de existirem momentos em que esse processo comutativo de serviço e influência tivessem sido mais audazmente interpretados, esclarecidos e materializados por outras Artes e Ciências, talvez devido ao excessivo clima de cepticismo que a comunidade arquitectónica sempre viveu, e ainda vive, fazendo com que “ a própria 16

Figura 1 “ O arquitecto como cidadão comum”; Fonte: Produção própria apartir de fontes múltiplas


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natureza da arquitectura, a sua identidade social e histórica, parece ter-se tornado problemática”1. A Arquitectura nunca esconde a sua natureza construtiva, funcional e de beleza, sobre a qual sempre assentaram os valores identitários de uma disciplina que, a partir da Arte, tornava-se simplesmente útil, utilizável, reprodutível e materializável. Estas dimensões “pertencem decerto à definição de arquitectura, mas nem por isso representam, contudo, antropologicamente, a sua natureza essencial.”2 A situação paradoxal da contemporaneidade não se deve exclusivamente a esta definição intra-disciplinar da arquitectura, bem como o actual sentimento de insuficiência que se parece ter pela actual condição do território, parecem estar no simples facto da arquitectura já não ser símbolo de unidade, sociabilidade e integridade. Como refere Freitag, “o problema da arquitectura diz respeito à maneira como a sociedade produz o mundo como mundo humano e se reconhece nele como no seu mundo próprio, um mundo que é posto em harmonia com as suas finalidades próprias e se mostra acolhedor perante a ordem que é a sua, apenas na medida em que a sociedade soube criá-lo ou construí-lo ela própria, em harmonia e em síntese com a sua natureza, no respeito da ordem a que esta última pertence”.3 Este sentimento que parece separar a arquitectura da Sociedade vive na actualidade um forte momento, onde as intervenções por parte da arquitectura, sem ser a dita produção “ comum”, ou algumas mais recentes por parte de arquitectos da “nova geração”, parecem se disseminar na paisagem, “num espaço social que já não parecem ter a capacidade de moldar ou de estruturar significativamente, e ao qual de resto não parecem já se não marginalmente pertencer, apresentam-se como esculturas destinadas a ser visitadas, olhadas e fotografadas, mais que habitadas”. 4 O desligar entre a actividade prática da arquitectura e as exigências e expectativas da Sociedade actual, revela-se nessa postura inerte entre o espaço e a Sociedade porque acabam por ser concebidos através de pressupostos desactualizados ao nível das linguagens cujos signos já não se revelam adaptados à realidade actual. Muita da prática arquitectónica parece fechar-se sobre si própria, em conceitos que só a classe revela se interessar em descodificar, menosprezando a comunicação com o exterior e os públicos sociais para os quais a arquitectura serve. Assim, a arquitectura parece estar a perder não só o processo de comunicação e de interactividade com o território, mas também com o ser humano e o público social para o qual é projectada. 1. FREITAG, (2004): 11 2. idem : 15 3. idem : 16 18

4. idem : 11


Ao mesmo tempo, ela acontece completamente desfasada do quotidiano do ser humano e não parece interligar as “vivências comuns” e as expectativas no seu processo metodológico de conceptualização e formalização do espaço. Estas vivências comuns, e a negação pela arquitectura das mesmas, dando origem a um processo de desacreditação e desqualificação do território, ao qual se tem subjugado e mal interpretado a função pública do próprio espaço público da cidade. A actualidade diz-nos que a arquitectura encontra no arquitecto, enquanto ser criador, o principal responsável pela criação das novas construções que, dado o actual estado da própria cultura política e mediática, no mau sentido que o mediatismo das figuras das pessoas provoca, evidenciando-o mais do que as próprias consequências, meios utilizados, pertinência e impacto real do seu trabalho. Este excessivo mediatismo responde a um sistema ao qual a arquitectura nem sempre responde com eficácia na pluralidade e na transversalidade social do seu verdadeiro compromisso. Esta imagem é um reflexo da actualidade e também uma forma de contemplar que a influência da arquitectura vai para além dela própria enquanto disciplina, e que tal, aparentemente acontece, num reaproximar da figura do arquitecto como um elemento mais reconhecido, do que reconhecível, pela sociedade. A chave deste processo é a aproximação dessas mesmas figuras do arquitecto e do ser social, dito “comum”, que vive e que experimenta o quotidiano, como a própria natureza social do arquitecto, antes de mais, enquanto pessoa pertencente a uma comunidade. Este processo de experimentar e viver o quotidiano apresenta necessariamente processos de vivências pouco eruditas, o que portanto desmobiliza o arquitecto, na sua pretensiosa vontade de se tornar num ser revolucionário de comportamentos. Contudo, são estes comportamentos que identificam o estado da sociedade e sobre os quais recai a verdade da atitude arquitectónica. Estes comportamentos e valores que identificam a sociedade estão patentes na “ maneira que uns e outros têm de ver, de viver, de habitar, de trabalhar, de se divertir, de se deslocar, de sonhar, tudo o que existe por meio deles ou apesar deles” 5. É esta a verdade mais genuína do ser humano que a realidade tem a capacidade de comunicar. A atitude de compromisso com a contemporaneidade da sociedade está na atitude evolutiva com que se devem encarar estes processos. Ao invés da permanente revolução, é necessária uma evolução, em que a complexidade dos contextos em que os territórios se inserem, e a complexidade dos agentes interessados no desenvolvimento dos projectos de arquitectura, tanto públicos como privados, são encarados de forma positiva em que a Arquitectura funciona como peça fundamental de persu-

5. Idem, ibidem

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asão entre as necessidades e expectativas da sociedade e dos seus agentes. Esta capacidade de persuasão é tanto maior quanto maior for a abertura do arquitecto em perceber e entender essas mesmas expectativas da sociedade para a qual projecta, funcionando, assim, a arquitectura, desde a sua raiz, como um verdadeiro processo de comunicação, numa tentativa de reaproximação para com e entre o ser humano. Como refere Michel Freitag “ é necessário, nos momentos de crise de sociabilidade e de sociedade, que nos interroguemos sobre a natureza da linguagem, do trabalho, da técnica, da ciência, da arte ou da política, e até mesmo do amor, enquanto dimensões ou momentos fundamentais de ser/estar- aí, de um ser/estar no mundo humano, com outrem e de si próprio consigo, na comunidade e na identidade.”6 Portanto, faz parte da identidade natural, epistemológica e da dimensão antropológica da arquitectura, a questão do ser no tempo. Este conceito implica precisamente a responsabilidade da arquitectura, enquanto serviço à comunidade social, afirmando-a como um verdadeiro processo de comunicação, representação formal e linguístico dos valores da sociedade como afirmação da sua própria identidade e com tentativa de potenciar a existência humana sobre um território cada vez mais desajustado e desqualificado, patente na relação entre as características formais e programáticas da sua estrutura física, com o ser humano. Esta razão natural entre a arquitectura e a sociedade tem portanto o objectivo máximo de geração de habitats, enquanto expressão máxima de experiência vivenciada do espaço por parte do ser humano. O arquitecto, mais do que um ser autista e fechado dentro da sua disciplina, deve se assumir como um cidadão. Sentir, pensar e agir como tal. O benefício da arquitectura em gerar novos habitats, de acordo com as novas vivências, é perceber o tempo onde se insere, perceber as necessidades, os pontos fortes, as fragilidades e as ameaças que caracterizam esse mesmo tempo sobre o ser humano e sobre o território, enquanto plataformas que a arquitectura tem o dever e o poder de unir, de criar laços sociais entre os seres em si, mas também com o próprio território e com as representações formais dos valores da sociedade. Habitat significa a expressão da vida de um lugar, comunicar com o exterior e o interior do mesmo, construindo uma imagem e uma experiência sobre uma determinada realidade. É um prolongamento do ser humano que grita através dos seus pensamentos e acções, como verdadeira expansão física e sensorial. A ligação da arquitectura com a sociedade está neste dever inerente à própria disciplina, ao estar atento às necessidades reais da sociedade do seu tempo, tal como a arquitectura soube fazer no passado num pressuposto de ligação permanente entre

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6. Idem : 12


o ser humano e a sua imagem no território, unindo “ directamente também com o mundo concreto da criação de espaço social, e muito em particular do próprio coração desse espaço, o qual por seu turno servia de modelo, de norma, de princípio, de modulação à apreensão simbólica da Natureza e à representação de transcendência, de tal maneira que, através da mediação desse espaço “arquitecturado”, em que a arquitectura permanecia de certo modo desapercebida enquanto tal, se consuma de maneira visível e sensível a unidade significante, cognitiva, normativa e expressiva, irradiando por toda a parte, do indivíduo e da comunidade, da sociedade e da Natureza, do mundo terrestre e do mundo celeste”.7 A relação entre a Arquitectura e a Sociedade revela-se, então, como a relação original que potencia o alcance da sua mensagem e a pertinência das suas intervenções. Sobre a sociedade e o território, a Arquitectura tem o dever de reflectir a pertinência e os verdadeiros objectivos do seu papel e do seu contributo. A matéria e o simbolismo da experiência arquitectónica, tornam-se ajustados quando existe esse processo de reflexão sobre a sociedade, dando um lugar humano para esta implementar os seus próprios processos de apropriação e vivências de forma livre, espontânea, de forma infinitamente justa, enquanto construção do seu próprio mundo, da memória da sua existência e do simples acto de viver a vida. 2 Sociedade da Informação Os pressupostos da Sociedade de Informação nasceram muito antes da existência das metodologias de comunicação dos conteúdos, ou seja, muito antes do conceito de informação em si. Contudo, desde o séc. XVIII que a Sociedade parece ter começado a sentir necessidade de sistematizar a forma de comunicação de conteúdos e registo dos mesmos por forma a tomar decisões. O termo de Sociedade de Informação apenas começou a ser referido e encarado de forma contundente muito recentemente, de acordo com as evoluções e mutações sociais, económicas e políticas verificadas através de um crescente processo de consciencialização da globalização e do papel activo, e profundamente renovador, que as tecnologias da informação e de comunicação tiveram no quotidiano social do ser humano, bem como nas relações interpessoais, sociais, económicas e políticas. A partir do momento em que essa consciencialização se verificou deu-se origem a um processo rápido de proliferação dos efeitos dessa sociedade através da rápida evolução do conhecimento e dessas mesmas tecnologias que se tornaram mais aces-

7. Idem : 13

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síveis a todos e que deram origem a um processo revolucionário de sociabilização, de acesso e troca de informação, através do recurso a novas plataformas de comunicação. A ruptura do paradigma da Sociedade Moderna e Industrial parece dar origem a uma Nova Era da Sociedade que potenciará, através das alterações verificadas, a existência humana, modificando comportamentos e relações entre o ser humano e as instituições. De acordo com Toffler, estamos perante uma terceira vaga referente à revolução informática e aos sistemas de informação e de estímulo da existência, vivências e sociabilização do ser humano. Pode-se entender este conceito de “vagas” como eras em que, através do surgimento de acontecimentos, a História se modifique ou se tenha modificado por completo, influenciando de forma radicalmente positiva o comportamento e a evolução do ser humano, bem como os seus sistemas de produção, quer práticas, científicas ou artísticas. Sendo assim, a Primeira Vaga torna-se num conceito referente à era da Agricultura, respectivo processo de sedentarização do ser humano no território e início da construção da imagem da sua presença física no território e no mundo. A Segunda Vaga é claramente referente ao processo da Industrialização, o que levou a um aumento da velocidade da produção de bens de consumo e ao surgir de uma Sociedade capitalista, ou seja, dos pressupostos da Sociedade Moderna no seu expoente máximo, levando a um claro aumento da qualidade de vida dos seres sociais, ainda que apoiado em valores materiais e com imensos desníveis e injustiças, numa Sociedade de estrutura vertical que o capitalismo e o consumo provocaram nas formas de sociabilização, na formação de novos conceitos de classes e na própria relação do ser humano com o território, mercantilista e especulativa. Nesta era moderna, os seres sociais tinham como ambição o culto pela riqueza material em que esses bens serviam apenas para ter uma posição hierárquica superior na conjuntura, paisagem e imagem social, bem como no respectivo acesso aos serviços políticos, económicos e inclusive culturais. Hoje esse processo já não funciona exactamente dessa maneira, onde o bem essencial parece ser precisamente a informação e o conhecimento. Para Giddens, “ estamos a iniciar uma época em que as consequências do modernismo se tornam mais radicalizadas e universais do que antes”8 dado que “a modernidade é iminentemente globalizante” 9. O processo de desgaste desta Era Industrial, da qual nasceram os pressupostos da modernidade, surgiu com a crescente consciencialização da globalização e com a aceitação pública e generalizada das tecnolo-

8 GIDDENS, (2002): 44 22

9. Idem, ibidem


gias de informação e comunicação. Este processo deu origem ao facto de “ estarmos a nos deslocar de um sistema baseado na produção de bens materiais para outro mais centrado na informação”10. É precisamente neste ponto que se dá o processo de viragem para esta Terceira Vaga em que a sociedade acaba por se tornar mais horizontal no que toca à acessibilidade de oportunidades, dada a democratização do acesso à informação, através das novas plataformas que originaram verdadeiros novos processos de socialização em rede. A experiência e o conhecimento de cada um parece estar acessível a todos num processo de verdadeira troca de experiências e de estímulos que essa mesma condição parece originar e, simultaneamente, exigir. A sociedade democratiza-se devido à horizontalidade do acesso à informação. Portanto, parecem emergir dois conceitos opostos nesta Sociedade de Informação, através da consciencialização que os seres sociais parecem ter do seu culto pela individualidade, dada pela especificidade de escolha e selecção individual da informação e do estímulo comportamental e de conteúdo, bem como, ao mesmo tempo, da globalidade, dado a encarar a rede e a facilidade com que acedem e renovam esses mesmos estímulos, como processo de conhecimento de uma realidade exterior, infinita de possibilidades. A interacção surge como processo de busca, de conhecimento, de enraizamento, e de comunicação entre o ser humano e a realidade tanto física como virtual das coisas em si. Este facto deve ser encarado com verdadeiro positivismo por parte de todos os agentes sociais, e de alguma forma, produtores de cultura. Esta nova vaga em que a tecnologia, a informação e o acontecimento surgem como factores principais de sociabilização pela indefinição da amplitude inerente ao alcance e às possibilidades de evolução que existem e parecem permitir. Contudo, sempre ao longo da História existiram momentos em que a Humanidade teve de enfrentar verdadeiros desafios relativos ao seu modo de vida e ao seu processo de relação com o território, dados por acontecimentos umas vezes de ordem política, outras, económica, social, demográfica ou tecnológica. O processo de construção desta Sociedade da Informação assenta sobre duas bases distintas do fenómeno da comunicação do ser humano com a realidade das coisas em si. A distinção entre digital, enquanto fenómeno de virtualidade, e analógico enquanto manifestação da realidade, parece justificar a pertinência de encarar os tempos actuais como um novo desafio para a própria humanidade. Da relação entre ambos, nasce um novo sistema de relações humanas, onde a comunicação e a visualidade ganham expressão da comunidade para o ser e do ser para a comunidade, re-

10 PATROCÍNIO, (2004): 107

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aproximando o ser humano à consciencialização de todas as diferenças provocadas pela aparente ambiguidade desta realidade em oposição à virtualidade. Desse processo emerge a necessidade de interacção permanente entre esses dois mundos. Esta crescente tecnologia da informação não necessita de, claramente, demolir a experiência analógica, real, das coisas, até porque nasceu da sua essência comunicacional e simbólica. O virtual nasce sempre do concreto, embora os pressupostos da Sociedade da Informação apontem para um processo de experiência da realidade sobre as coisas constantemente mutáveis, o que faz com que essa mesma realidade tenha necessidade de se tornar pontualmente virtual, porque o acontecimento é sempre sinónimo de ilusão e de simulação, não se limitando à sua presença efectiva e concreta. Esta necessidade de informação tende a gerar o desejo de mais informação, o conhecimento mais conhecimento, mais estímulos e uma maior necessidade de comunicação e interacção real com as coisas a partir da genética e natureza comportamental do ser humano. Este dado é uma característica patente na sociedade actual e que, através da evolução e inserção tecnológica na vida do ser humano, torna democrática a aceitação desta nova vaga da Sociedade da Informação. “ Na verdade tratou-se de uma verdadeira revolução, comparável à revolução industrial pela sua dimensão e impacto económico e sociológico, mas que aconteceu num período muito mais curto. Pela sua própria natureza, esta revolução digital, centrada nas tecnologias de informação e comunicação, contribui ela própria, para a sua mais rápida disseminação.”11 Portanto, parece exigir atenção, dada a velocidade com que a evolução é materializada no seio comportamental da sociedade, por parte dos agentes de produção e materialização culturais, enquanto serviço à sociedade, onde se insere a arquitectura. Esta fase de transição deve ser tida em conta por parte da Arquitectura visto esta, enquanto disciplina, se tem revelado, ao longo da História, bastante céptica e bastante inerte às alterações verificadas nos processos de transformação da Sociedade e de transição entre as referidas vagas. A História diz-nos que este cepticismo por parte da Arquitectura já lhe custou bem caro no seu processo de adaptação e consequente afirmação social. Falamos, por exemplo, na era da Revolução Industrial em que os novos valores dessa Sociedade emergente nunca foram respeitados e assimilados no processo metodológico da Arquitectura levando consequentemente a um reforço do papel da Engenharia, e de outras Ciências, na concepção de elementos e espaços construídos com os quais a sociedade industrializada se identificava, através dos seus novos materiais, tecnologias e técnicas de construção.

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11. MATOS, (2004): 131


Contudo, “ a crescente incorporação tecnológica conduz a muito ganhos, mas também a muitas perdas, a uma grande ampliação de possibilidades, mas também a algumas limitações de opções. Sendo totalmente desejável o crescimento exponencial da utilização de meios tecnológicos, porque progressista, esta questão acarreta enorme preocupação pela marginalização e exclusão que comporta em relação a muitas pessoas, faltando políticas de info e ciber inclusão mais efectivas”12. A inserção dos pressupostos da Sociedade da Informação na Arquitectura faz com que esta possa ser encarada como um agente de inclusão social e verdadeira formação de cultura, aproximando o estímulo e a informação para e entre todos os seres sociais, com expressão dessa força vivencial que a arquitectura sempre teve a capacidade de provocar e de se tornar símbolo público de coesão e comunicação social. O acesso à informação democratizada e a globalização dos meios sociais originam um processo em que parece ainda haver alguma indefinição entre os conceitos de local, regional, nacional e global, deixando neste movimento, sempre em direcção ao exterior, momentos de total ausência de estímulo e de informação nas pessoas e nas nossas cidades. Como refere Castells “ por um lado, a libertação paralela de forças produtivas consideráveis de revolução de informação e, por outro, a consolidação de buracos de miséria humana na economia global”13, parece apontar a existência de vazios existenciais do ser humano. A arquitectura tem no território um outro factor de inclusão, visto este estar cada vez mais inundado de ausência de comunicação e de expressão, no seio da sua identidade. Como processo de geração de novas condições sociais, económicas, políticas e culturais, a actualidade origina um processo distinto de percepção da realidade circundante e do interior do próprio ser humano, no seu entendimento metafísico da sua presença no mundo. Nesta relação com o exterior, Gilbert Simmodon apresenta-nos o conceito de transdução, que especificamente, relaciona a percepção do ser humano como um processo intuitivo e mental da relação com as coisas em si, onde o processo de formação da realidade se assemelha a um processo evolutivo, em que as experiências se sucedem. A precedente serve de estrutura de suporte emocional, cognitivo e mental da experiência seguinte. O ser humano, o meio e o espaço são, portanto, um meio onde esses mesmos acontecimentos se propagam, se sucedem, se esvanecem e se renovam. São fundamentais no processo de elaboração de novos conteúdos que originam novos acontecimentos. Esse processo de troca, assimilação e interpretação da informação, por

12. PATROCÍNIO, (2004): 110 13. CASTELLS, (2002): 2

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transdução, apresenta-se como uma “operação física, biológica, mental, social, pela qual uma actividade propaga-se progressivamente dentro de um domínio, fundando esta propagação sobre uma estruturação do domínio operado localmente. No domínio do saber, ele define a verdadeira atitude de invenção, que não é dedutiva nem indutiva, mas transdutiva, isto é, que corresponde a uma descoberta de dimensões segundo as quais uma problemática pode ser definida, ela é a operação analógica, no que nela há de mais vigorosa.”14 Esta variação do meio e do indivíduo funciona como um processo de comunicação em que o emissor é o cerne da informação em si, o acontecimento, e o receptor é todo o contexto que o faz propagar, crescer e se renovar constantemente, funcionando como um sistema de fluxos, de conexões invisíveis em que o ser humano acaba por ser simultaneamente emissor e receptor dessa informação, emanando entre si vapores de conexões e de relações, gerando uma rede de contactos entre si e com as coisas, tendo no território, a sua plataforma de comunicação, como ilustra a imagem criada. (Figura 2) Assim, esta fase inicial de transição para esta Era em que nos encontramos, da tecnologia e da Informação, como expressão do verdadeiro bem social e cultural, bem como a velocidade com que, através das tecnologias e da sua democratização, esses valores se implementam e disseminam na sociedade tornam pertinente esta discussão e este trabalho de reflexão. A produção intelectual e cultural está sempre acompanhada do conceito de ser no tempo, como ambição intrínseca na perspectiva de encarar a Arquitectura e as outras Artes, Ciências e ofícios como expressão de verdadeiro serviço à actualidade. “ As alterações e mudanças constantes a que estamos sujeitos, a relatividade de valores com que nos confrontamos, a precariedade do saber, o encurtamento do espaço e a urgência do tempo (imposta pela temporalidade febril dos meios de comunicação digitais, que caracterizam a revolução tecnológica e digital) são aspectos que exigem que aprendamos a lidar com a contemporaneidade cuidadosa e criteriosamente. Tal exige uma permanente reflexão sobre os modos de apropriação, de domínio e de integração/inclusão das tecnologias no quotidiano, numa perspectiva de ganho de consciência nos limites éticos das finalidades das suas utilizações.”15 O ser no tempo implica ter consciência do contributo que cada característica pode ter em diferentes manifestações da existência humana de acordo com as ambições, possibilidades e desafios que esse mesmo estado social provoca entre si, no geral, e na própria disciplina arquitectónica, em particular. 14. SIMMONDON, (1966): 18-19 26

Figura 2 “ O Homem e as cabeças de pen-drive”; Fonte: Produção própria apartir de www.flickr.com, acedido a: Fevereiro 2010; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/eskimojo/530440023/sizes>


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3 Arquitectura e Sociedade da Informação Para além da caracterização dos pressupostos e da influência da Sociedade da Informação nos modos de vida e desafios da actualidade, interessa perceber os diferentes pontos de vista que o estado da Arte explicita na relação entre a disciplina da Arquitectura e a Sociedade da Informação em si. A consciencialização da existência das características que deram origem à Sociedade de Informação ao nível das Ciências Sociais, Económicas e Políticas tornam pertinente, no objectivo de relacionar a Arquitectura, enquanto serviço à Sociedade e às suas condições, o estudo de uma reflexão sobre o contributo que a Arquitectura, enquanto Arte da concepção da presença física construída da Humanidade sobre o território, poderá ter para potenciar, reciprocamente, a disciplina e a existência, vivência e identificação do ser humano com o espaço físico, que hoje apresenta grandes desafios de renovação, quer pela implementação de novas estruturas mais dinâmicas, quer pela renovação de tecidos desqualificados. Esta necessidade torna-se muito importante sendo dada pelas características da Sociedade Global e da Informação, pelo seu estado social, económico, cultural e político. Grande parte da crítica de hoje classifica a Sociedade actual como a Sociedade da Incerteza, precisamente pelas consequências que a globalização e a multiculturalidade dos territórios parecem ter nos meios de comunicação e legibilidade do espaço, bem como o facto da excessiva troca de informação parece dar origem a uma primazia da imagem e da rapidez com que o significado das coisas se perde e se modifica numa memória constantemente invadida de acontecimentos. A arquitectura e o espaço parecem tornar-se cada vez mais impessoais e distantes do ser humano por se revelarem inertes e donos de uma evolução inconsequente face a outras disciplinas. O problema centra-se em como a arquitectura se poderá tornar capaz de, simultaneamente, corresponder ao reforço da identidade global da sociedade e do território, num sentido mais amplo, e, ao mesmo tempo, reforçar a individualidade do ser humano, que surge como apelo e consequência da Sociedade de Informação em que o ser humano tem a necessidade de estímulos, de acontecimentos como complemento da identidade do seu ser, o que eleva para novos patamares a experiência humana sobre o território, sobre o espaço, quer privado, quer público. Portanto, mais do que aceitar a postura negativa com que os reflexos da Sociedade Global e da Informação têm na Comunidade e no ser humano enquanto ser social,

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15. PATROCÍNIO, (2004): 112


interessa sobretudo encarar de forma positiva e determinantemente conceptual para, assim, de um modo mais correcto e coerente elaborar a resposta arquitectónica, não esquecendo a sua forte componente de contributo social e, inclusive, educadora e potenciadora da sua existência e experiência vivencial sobre as coisas e sobre o território, enquanto bem construído essencial. Os objectivos deste paralelismo estabelecido entre a Arquitectura e a Sociedade de Informação tencionam sobretudo entender e explorar, ao longo do presente trabalho, as consequências que as características desta nova sociedade pós-industrial, global, da informação e da comunicação têm na atitude arquitectónica contemporânea. Pretende-se sobretudo enquadrar essas características no percurso metodológico da arquitectura e na sua relação com o exterior desde os vários momentos de concepção, comunicação e construção dessa nova realidade no território para a Sociedade. Contudo, algumas das reflexões teóricas e críticas sobre os efeitos da Sociedade de Informação têm-se centrado apenas nas consequências ao nível das tecnologias de informação e comunicação no processo de concepção tridimensional e nos processos burocráticos de comunicação e licenciamento, ao nível das entidades responsáveis, na tentativa de agilizar metodologias de troca de informação, tornando esses processos mais céleres, através da utilização de linguagens automaticamente “descodificáveis” pelos programas de informação, de elaboração dos próprios conteúdos e de desenhos de arquitectura. O presente trabalho, embora reconheça a importância e a pertinência deste facto, pretende-se distanciar desta discussão e focalizar sobretudo na resposta e na metodologia arquitectónica no processo de análise e concepção dos respectivos valores e atitudes da arquitectura e da sua capacidade de comunicação com o território e com o ser humano. Às questões, inclusive, da simulação tridimensional, do estudo e da exploração formal dos objectos de arquitectura, utilizando e inserindo as novas tecnologias no seu processo de concepção, interessa sobretudo atentar no contributo que estes novos pressupostos da Sociedade trazem à arquitectura enquanto prática e disciplina numa vertente mais comunicacional, bem como à reflexão intelectual sobre o papel da arquitectura para a sociedade e a sua imagem de comunidade, para o ser humano individual, e para a construção de um novo território. Como refere Gonçalo Furtado, “ a visibilidade das repercussões quotidianas da Sociedade de Informação leva a supor como certo que as ressonâncias na arquitectura não tardem e torna pertinente analisar eventuais oscilações disciplinares ao nível da prática e da teoria. Pense-se, a título de exemplo, nos efeitos que comporta o tele-trabalho ao nível da habitação e os da tele-actividade ao nível do ciclo produção-co-

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mércio-destribuição.”16 Esta questão da atitude arquitectónica no anseio de uma arquitectura comunicante, e participante destes novos valores verificados na sociedade global da informação, exige várias vertentes de análise e concepção, ou seja, vários momentos em que essa comunicação é estabelecida e, ao mesmo tempo, caracterizam-se por vários elementos sobre os quais a resposta arquitectónica é influenciada claramente e disciplinarmente ao longo de toda a História e valor da Arquitectura, enquanto Arte e técnica de projectar e edificar o ambiente habitado pelo ser humano, espelhando a verdade dos valores da sociedade, no tempo e no espaço que os caracterizam, fazendo com que a disciplina tenha a necessidade de se manter constantemente actualizada para poder reforçar o seu papel preponderante na vida e nas vivências que o ser humano sente, antes de mais, sobre a sua própria existência e sobre o seu papel no mundo. Os referidos momentos são o Território, a Sociedade e a Cidade, encarados em comum, enquanto plataforma existencial e vivencial de um estado actual das coisas que devem ser encaradas com seriedade e com a audácia necessária para tornar pertinente toda a lógica interventiva da Arquitectura. Um momento seguinte é o da arquitectura enquanto prática disciplinar que obedece a uma metodologia onde os valores do passado e do presente batalham com os do futuro tentando defender-se, muitas vezes através do cepticismo, dos efeitos que o futuro, e o menos concretamente definido, podem provocar na qualidade e no valor da própria disciplina. Aqui, a reflexão intelectual continua com a sua tentativa de união e de potenciamento de todos esses valores em conjunto, para construir e conceber propostas capazes de se tornarem transversais às necessidades da sociedade. Por fim, surge com pertinência, o estudo das consequências que a construção desse novo elemento terá no território, nas dinâmicas vivenciais e perceptivas do ser humano. A Sociedade de Informação torna ainda mais pertinente a implementação desse estudo, indo para além do Espectáculo, momentâneo e redutor, do objecto de arquitectura construído de forma irresponsável ou irreflectida pelo arquitecto. A Sociedade da Informação e a sua sede de acontecimentos e de estímulos justificam o estudo destas consequências no tempo, enquanto renovação do próprio edifício, e no lugar, enquanto renovação dos seus acontecimentos e do seu conteúdo programático.

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16. FURTADO, (2002): 9


3.1 Sociedade e Território O território hoje é global, visto a sociedade actual se organizar e conectar em fluxos invisíveis, aproximando, com uma velocidade infinita, territórios em várias partes do mundo. A sociedade encontra hoje, neste processo de comunicação uma forma de mobilidade, de conexão e de ligação dando origem a um novo contexto cultural que já não é mais apenas construído pela unidade mínima referente a um local específico, aldeia, cidade ou país. Os limites hoje deixaram de existir, a sede de informação e de conhecimento constroem em conjunto uma nova paisagem cultural que já não é definida pelos limites e condições geográficas de um determinado território. Como refere Gonçalo Furtado, “ marcada por novas formas e dinâmicas urbano-territoriais, a cidade tende a definir-se como cidade difusa – modelo de organização territorial baseado numa troca de redes de fluxos que dissolve a distinção natural - urbano, local – global, privado – público, físico – virtual.”17 Este aparente movimento em direcção externa à cidade ou ao seu foco, onde se encontra determinado lugar, dá origem a um processo de perda de identidade em partes desse território, que quer por erro de intervenção humana ou da arquitectura, quer pela perda do papel na estrutura morfológica de funcionamento desse território, ou simplesmente por abandono, dado o lugar já não se envolver das mesmas circunstâncias que o criaram, levam a um processo que gera no seio do território físico e construído o aparecimento de lugares vazios de vivências, de actividades e de acontecimentos, como expressão de verdadeiros lugares de abandono. A cidade hoje já não é fonte de lugares que a identifiquem, mas sim do reconhecimento que as pessoas têm, a Sociedade em geral, do que nelas acontece, hoje e no futuro. Os lugares já não podem resumir o seu poder de influência e comunicação apenas ao contexto próximo, mas sim entender o seu papel infra-estrutural face à sociedade e face ao mundo, necessitando, ele próprio, de se tornar um acontecimento que se vai renovando para manter a afirmação do seu papel no território global. O lugar hoje é o mundo. A redefinição do ser humano origina um processo em que o ser social individualiza a construção da sua imagem e do seu próprio mundo, à facilidade de um toque. Parecemos estar perante uma questão em que a afirmação do particular, do específico, está inteiramente relacionada com a sua relação externa e global. O ser social parece dominar a informação que recolhe e que escolhe, sendo esse o seu conforto e necessidade emocional face à proliferação multidisciplinar e multitemática dos conteúdos. Um território global torna-se sempre mais pequeno, mais acessível.

17. Idem, ibidem

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A barreira do tijolo inerte foi quebrada e hoje tudo parece estar acessível, o lugar e o ser humano comunicam para o mundo. (Figura 3) Como explicita Mário João Chaves, “ A História sempre soube construir lugares de felicidade em representações construídas de um Mundo desejado, adjectivados à utopia, quase sempre ausentes da nossa desordem casuística e infelicidade que persiste e domina no nosso estranho Mundo Velho.”18 Hoje, tanto os lugares como as próprias instituições surgem como símbolos de uma cultura e de uma sociedade e precisam de se tornar em estruturas flexíveis, cujo processo de auto renovação nasce na renovação dos seres construídos e na abertura da sua identidade a novos processos que surgem constantemente e a grande velocidade na Sociedade da Informação. Torna-se pertinente, que o território construído físico e os seus elementos constituintes e simbólicos, recebam constantemente adições de conteúdo e de subsistência, renovando o seu processo de comunicação com o exterior e com o ser humano, tornando-se partes activas e integradoras da sociedade e do seu próprio processo de evolução. Este conjunto de fluxos dá origem à criação de uma rede de vivências que origina um território híbrido feito de interconexões que, deste modo, afirma simultaneamente o lugar onde se encontra e se torna apoiada pela informação, constante e renovante. O lugar é encarado ele mesmo como um emissor de mensagens nesse processo de comunicação. Torna-se num ser vivo, reagente, por ser um elemento comunicante e estimulante à percepção e afinidade, do indivíduo da comunidade e de si mesmo Estes novos lugares atendem e dão origem a novas formas de sociabilidade e comunicação entre o ser humano e o território surgindo uma “vida comunitária de bairro sustentada à escala superior por locais electrónicos de encontro e de sistemas descentralizados de produção e consumo.”19 O bem, enquanto expressão de uma necessidade, torna-se a afirmação da multidisciplinaridade dos elementos culturais que surgem como processos que aproximam o ser humano da sua identidade e do seu próprio processo de evolução, originando um processo natural de renovação dos próprios acontecimentos. Assim, a condição actual do território é reflexo da negação do facto da cultura ser um elemento que, ao se tornar conhecido, origina uma nova certeza no processo de construção do seu território, pela pertinência das intervenções e conclusões a que se chega. A arquitectura, e muitos dos seus actores, não souberam entender, ao longo do último capítulo do século passado, o seu verdadeiro contributo e o verdadeiro alcance 18. CHAVES, (2004): 29 19. FURTADO, (2002): 9 32

Figura 3 “ O lugar é o mundo acessível ao pequeno toque”; Fonte: Produção própria apartir de fontes múltiplas


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da sua função. É necessário inverter o processo consumista do território que desestruturou a paisagem e que levantou enormes problemas de mobilidade, qualidade e sustentabilidade do território construído. O ser social durante muito tempo tornou-se “ inconsciente do poder de descoberta da comunicação e do consumo, encarando a arquitectura como um processo capaz de realização instantânea, na sua industrializada operatividade e rapidez de execução, em que o acto de projectar e construir se lhe tornou indiferente.”20 É necessário a arquitectura combater este estado de apatia vivencial, visto na relação da experiência vivenciada do ser humano com o território. A negação do mesmo por parte dos seres sociais parece revelar-se prejudicial para o processo de sociabilização físico e presente na afirmação cultural da humanidade e evolução da própria mentalidade humana. A arquitectura, revela-se um elemento fundamental para a comunicação mais efectiva e afectiva dessa relação entre o território, o ser humano, individual e global, e a cidade encarada como verdadeira plataforma vivencial, em que a informação é encarada, também, como processo de formação cultural e comportamental dos novos seres. 3.1.1 Lugares sem Expressão e Territórios Anónimos Especificamente, o presente trabalho pretende atentar na consequência mais visível do desfasamento explicitado entre a evolução cultural e comportamental do ser humano e a repercussão física no território construído das cidades. É certo que este aparente desfasamento deve-se, também, a um conjunto de outros factores de ordem cultural e económica, mas é inegável que as consequências da evolução social, proporcionada por esta nova era da Informação, verificada sobretudo nas últimas duas décadas, veio tornar esse facto ainda mais perturbante na experimentação vivencial do espaço urbano das nossas cidades. Falamos especificamente dos lugares que compõem uma imagem desqualificada do nosso território e que evidenciam um forte pendor atemporal e atópico. O crescimento desregrado e desqualificado, resultante da sociedade industrializada e capitalista tem neste momento como consequência territorial a existência de lugares com os quais os seres humanos não se identificam, lugares de acontecimentos inexistentes e que perdem o seu papel referencial no tecido construído, revelando a sua condição atópica, dado a apenas pertencerem a uma paisagem superficial, nem sempre bela, através da ausência de conteúdo por entre todo aquele conjunto de

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20. CHAVES, (2004): 31


elementos físicos. É certo que os seres sociais ocupam esses espaços resultantes, mas é certo que nada acontece no seu interior, nem tão pouco estes se voltam para o exterior, dada a total apatia existencial e vivencial que se verifica nestes lugares, sem qualquer expressão de vitalidade. O alcance vivencial e referencial para a própria existência humana foi desde sempre o sentimento de um enorme sentido de pertença entre o ser humano e os lugares em si como plataformas de comunicação e interacção de vivências. Hoje essa unidade de alcance é o acontecimento em si, e esta característica deve ser encarada pela Arquitectura de forma mais objectiva, contundente e positiva. Parece portanto pacífico que, como consequência, a cidade apodera-se da envolvente e torna-se num território descontínuo que engloba e envolve estes lugares sem expressão. As tecnologias de informação têm esta consequência no território anónimo e desqualificado ao torná-lo ainda menos ligado à expectativa humana do conhecimento, fazendo deles uma parte interrompida do circuito da informação. Esta desconexão nasce através da formação de um novo ser social supermoderno, cujo referencial de estímulos e de acontecimentos mudou por completo. A modernidade persistente no território revela-se em inúmeras variações do termo que contribuem para a caracterização destes mesmos pedaços de território. Este sujeito supermoderno substitui os ícones passados da religião e da política por uma enormidade de outros, com os quais multidisciplinarmente manipula a sua própria personalidade, o seu papel e imagem do Mundo, originando esta situação paradigmática pós-industrial, e por isso pós construção em série e repetível, de lucro imediato, preconizando e prefigurando o conceito de Sociedade da Informação. Assim, esta condição do lugar é pontualmente reconhecida como sobremoderna, na medida em que ainda manifesta a novidade através de intervenções cujos valores são um espelho de outro tempo, higienista e purista, que a Sociedade mediática envolveu e reformulou. A sobremodernidade, como refere Augé, surge como um conceito em que existe um aparente desfasamento com o tempo através de diferentes formas de excesso desse mesmo tempo característico. “ As três figuras do excesso através das quais tentaremos caracterizar a situação da sobremodernidade (a superabundância de acontecimentos, a superabundância espacial e a individuação das referências)”21, caracterizam um estado social que não corresponde ao estado das condições que o território tem a capacidade de oferecer. O estado supermoderno do ser social, enquanto individuo, na sua constante redefinição pessoal origina uma condição sobremoderna na sua caracterização social global e comunitária, expressa nas

21. AUGÉ, (2005): 38

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relações entre si e com as coisas. A relação destes dois conceitos com a relação efectiva entre o ser humano e o território, permite-nos que “ aprendamos sem ignorarmos as suas complexidades e contradições, mas sem fazer também delas o horizonte insuperável de uma modernidade perdida da qual no restaria apenas assinalar os traços, repertoriar as formações ou inventariar os arquivos.”22 É, portanto, necessário devolver ao território essa condição supermoderna, à semelhança da caracterização do ser social por si, como superação da persistência de um tempo passado, especificamente, em novas intervenções. Contudo, um traço fundamental desta ausência de expressão do território está precisamente na negação de qualquer tempo. O evoluir da actuação sobre a paisagem, quer natural, quer construída, parece espelhar a total ausência de valores de qualquer tempo, expressos na ausência de caracterização e identidade dessas mesmas intervenções. Talvez por isso não se deva referir a existência de uma arquitectura verdadeiramente popular por esta não manifestar os valores de qualquer tempo, mas sim um conjunto de procedimentos que por abstinência cultural se vão repercutindo e evoluindo no tempo. Portanto, convém referir e estabelecer a ponte entre aquilo que foi o crescimento expansionista do território e a afirmação do seu tempo e características arquitectónicas, políticas e sociais. Esta exploração mercantilista tem um tempo que se pode balizar e que necessariamente se identifica, cronologicamente referindo, com o tempo moderno, quer arquitectónico quer de comportamento e condição política e social. A complexidade do estado expressivo destes lugares acontece precisamente nesta caracterização a que podemos chamar de estado amoderno, como sendo a negação total dos valores deste tempo, como se a cidade tivesse uma leitura constantemente interrompida e vazia de significado, precisamente por não ser possível descodificar o tempo da sua implementação urbanística e respectiva ordem de expansão física, o que, aliás, quando cumprido, sempre revestiu as cidades do encantamento referencial para a magnificência, plenitude vivencial e apropriação humana sobre o território Ou seja, é inegável o poder de influência comunicante de lugares característicos de um tempo determinado, ainda que meramente interpretados como museus, tornam-se verdadeiros símbolos de cultura e de tempo, elevando o valor histórico na definição da expressão de uma determinada especificidade local. A especificidade local não encontra neste lugares sem expressão qualquer dimensão como e enquanto acontecimento. Estes lugares são anónimos por se tornarem iguais a tantos outros sem que existam elementos que os identifiquem e, portanto, os

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22. Idem, ibidem


definam enquanto plataformas de suporte de vidas sociais necessariamente características e específicas. Esta é uma nova característica destes lugares repletos de amodernidade. Eles não nascem necessariamente da condição sobremoderna actual expressa enquanto excesso de um tempo persistente, mas sim da negação de qualquer conteúdo, de qualquer tempo, de qualquer especificidade. Metaforicamente, a condição destes lugares sem expressão surge como uma miscelânea de valores que no seu conjunto confundem o valor do tempo no espaço. Este estado torna-se grave no processo vivencial humano do território e tão mais grave quando interpretando a sua unidade de alcance e comparando-a com as necessidades desta sociedade e dos territórios da informação. Desde sempre, os lugares tinham como unidade de alcance a capacidade de se tornarem verdadeiros símbolos de resistência e de sobrevivência, mas é inegável que, hoje, essa unidade de alcance é o acontecimento. Este momento de reflexão torna-se fundamental na relação com a ausência de identidade e de especificidade local dos valores da cultura e da sociedade nestes lugares desconexos, através da relação entre os acontecimentos e a História. Se esta nova peça de ancoragem e de apoio para o ser social desta nova era da informação é a em si mesmo expressa nos acontecimentos, percebe-se a total ausência de valor histórico por parte destes lugares, por não terem passado, futuro e viverem numa negação constante do próprio presente. Como refere Augé, “ a História quer dizer uma série de acontecimentos reconhecidos como acontecimentos por muitos”23, o que leva necessariamente a um estado inerte, isto sem abordar a beleza convulsiva das coisas em si, da comunicação destes territórios e que os tornam nos momentos mais sedentos de intervenção pertinente por parte da Arquitectura na sua missão de reconciliar os afectos e o papel antropológico dos lugares para com o ser humano. Torna-se necessário atentar sobre a essência e sobre o carácter destes lugares para assim perceber o verdadeiro alcance do seu processo de renovação por interveniência da disciplina arquitectónica, percebendo quais os pontos de ligação sobre os quais a arquitectura insurgirá uma nova identidade. Sendo assim, a ausência de poder referencial destes pedaços significativos de território surge através da negação do carácter comum dos lugares enquanto manifestações em si. Os valores identitários, relacionais e históricos não se verificam e a definição aristotélica de lugar não se aplica, enquanto superfície primeira e imóvel de um corpo que rodeia um outro enquanto espaço no qual um corpo está situado. Interessa sobretudo analisar estes lugares enquanto fenómeno para além do físico, manifestação do tempo e do conhecimento

23. Idem : 27

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para assim evidenciar, inclusive, o referencial das consequências da Sociedade de Informação no território. Interessa abordar estes lugares através da fenomenologia dos seus processos vivenciais enquanto manifestação antropologicamente humana e voltada para o ser social enquanto elemento fundamental e verdadeiramente motor das características desta nova sociedade. A questão histórica é neste caso fundamental, pois parte da razão da perda de expressão destes lugares está na perda do seu referencial histórico, cuja origem e evolução está para além do factual. O que acontece fica muito aquém, inclusive, do espectáculo tornando-se em acontecimentos que não vão para além do quotidiano previsível, em momentos e movimentos repetidos e repetitivos, num quotidiano anónimo, acultural e atemporal, tornando-se em lugares cujos ocupantes, mais do que habitantes, simplesmente procuraram um abrigo e cuja pele e estrutura exterior se encontra fechada, como um limite vazio. O acontecimento, esse elemento motor desta nova sociedade, acontece dentro dessas mesmas ruínas aparentes através das redes sociais e das novas plataformas de comunicação dadas pelos Media e pelas Indústrias Culturais. Inclusive, parece existir um total descrédito, uma total ausência de ligação entre este novo ser social e o território construído expresso na negação dessa mesma paisagem e da própria imagem do contexto que ocupam. As janelas fechadas sucedem-se, o abandono invade essa superfície exterior que os envolve em sinal de um total repúdio de expressão quase brutalista e aceitando, ignorando, o processo realista do envelhecimento das coisas. São portanto lugares sem capacidade de representação, de manifestação de conhecimento e de acontecimento não completando o fenómeno artístico da construção desse mesmo território. E como é importante e fundamental afirmar a Arte em tudo o que fazemos tal como ela nos afirma como somos. (Figura 4) Esta relação entre a Arte, a essência do espaço e fenomenologia dos lugares está bem expressa quando Gorjão Jorge refere que “ a Arte afirma a essência dos fenómenos através de um discurso de objectos que devem ser interpretados não como coisas que impõem a sua presença através da simples fisicalidade da matéria que as constitui, mas como suporte de formas, e portanto, também elas como representações.”24 A fisicalidade destes territórios é também uma forte característica contributiva para a ausência de expressão destes lugares. A estrutura de implementação, morfológica e tipológica, não encontra os lugares históricos, as unidades mínimas de referenciação onde os processos de sociabilidade aconteciam. O adro e a Igreja, mesmo quando existentes perderam o seu poder de influência por terem sucumbido ao controlo e ao crescer 24. JORGE, (2007): 31 38

Figura 4 “A condição atópica do território”; Fonte: Produção própria apartir de fotografia de Carey Young (Body technics II), acedido a: Fevereiro 2010; disponível em www url: < http://www.careyyoung.com/past/ bodytechniques>


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da importância das novas tecnologias. Pontualmente invadidos de memória, a sua capacidade de expressão é débil e apenas remete os valores da comunicação através da nostalgia, ou da repetição de um ritual passado e obsoleto por se encontrar descontextualizado. Uma outra razão desta aparente apatia expressiva do território está no facto dos seus símbolos de acontecimentos referenciais encontrarem-se antropológica e socialmente devolutos, isto é, a Igreja e a Política já não incentivam o progresso nem são a razão instrumental para a existência e permanência humana nos lugares. Tornam-se lugares em que “ apreendemos essencialmente a nossa diferença, a imagem do que já não somos. O habitante do lugar antropológico vive na História, não faz História.”25 Ou seja, o valor histórico acaba por se tornar numa necessidade de comunicação temporária, específica ou pontual na perspectiva de ligação a momentos e necessidades específicas e sensoriais dos seres sociais. São também estas necessidades sensoriais que estes lugares sem expressão não conseguem colmatar. À apatia da sua condição metropolitana e infra-estrutural da sua relação com a cidade e o território global, estes lugares sem expressão, evidenciam ainda mais essa ausência de interacção e conexão com o ser humano na sua condição individual. É certo que, como refere Augé, “nas sociedades ocidentais, pelo menos, o indivíduo quer-se um mundo. Entende interpretar por e para si próprio as informações que lhe são fornecidas.”26 Estes lugares encontram-se completamente ausentes de sentido de pertença. A sua presença física não vai para além de elementos atípicos repetidos infinitamente. Esta relação metafísica entre o corpo e o estímulo revela-se fundamental em eventuais formas de intervenção na requalificação destes lugares e na comunicação dos valores que já tiveram, ou simplesmente sempre deveriam ter tido, numa renovação constante e metamórfica de si mesmo. “Mas o carácter da produção de sentido, veiculado por todo um aparelho publicitário – que fala do corpo, dos sentidos, da frescura de viver e toda uma linguagem política, que toma por eixo o tema das liberdades individuais, (…) quer dizer os sistemas de representação nos quais recebem forma as categorias da identidade e da alteridade.”27 A analogia de Marc Augé entre as faculdades deste território e o corpo humano é interpretada como um símbolo de que este território não obedece a essas mesmas razões do corpo. Surge e nasce desajustado de uma nova realidade desse mesmo tempo e desses mesmos valores. Estes lugares sem expressão são sobretudo lugares do território que não favorecem a sua continuidade exigida pelo sistema da Sociedade da Informação, rejeitando a influência global de forma especificamente local, não espe25. AUGÉ, (2005): 48 26. Idem : 35 40

27. Idem, Ibidem


lhando essa mesma condição que se revela verdadeiramente instrumental e operativa para a Arquitectura. A negação dos valores do lugar caracteriza estes lugares sem expressão quanto ao desenho e ao tempo identificável pela caracterização da superfície exterior desses territórios, como a negação daquilo que são as personagens e os seus actores sociais, que, sedentos de acontecimentos, deambulam de lugar para lugar como novos nómadas na procura de estímulos diferentes, o que de certa forma contribui também para a perda de identidade da generalidade anónima do território, modificando totalmente o sentido de pertença, anulando a aspiração própria e a expectativa sobre o futuro e o verdadeiro potencial desses territórios. Em suma, lugares sem expressão são lugares que não promovem qualquer interactividade com este novo ser humano socialmente comunicante, revelam-se atópicos enquanto manifestação meramente superficial, ausente de conteúdo vivencial. Esta condição leva-nos para o conceito de atopia enquanto manifestação da hipersensibilidade deste novo ser social às condições que o envolvem, particularizando na condição expressiva do seu tempo por parte de um território desqualificado, descontínuo e apático. A arquitectura tem muito a aprender com as outras artes nesta atenção sensível à condição actual das coisas e na sua relação íntima com a condição perceptiva humana, evidenciada num modo de sentir pleno a que a condição atópica do território não permite dar continuidade. O Homem e o acto urbano não se interligam por não existir comunicação entre ambos, pela própria cidade, repleta destes lugares sem expressão, surgem da repetição exaustiva de um convite às rotinas quotidianas com as quais o ser humano já não consegue conviver. Parece pacífica a intenção de focalizar a necessidade de intervenção deste novo paradigma que é a Era da Informação, nestes lugares descaracterizados, cujo poder de comunicação e de estabelecimento de um elo de ligação com o ser humano se revelam nulos. Os lugares hoje parecem exigir um novo conteúdo para a afirmação da sua própria centralidade, um conteúdo cujas novas formas de sociabilização e comunicação estejam presentes na afirmação destes paradigmas globais da Sociedade da Informação. Estes lugares sem expressão são, de facto, a plataforma preferencial das intervenções por parte da Arquitectura, por serem o espelho inverso daquilo que o ser humano necessariamente procura no território, e por serem territórios vastos cuja aplicabilidade dos pressupostos de uma Arquitectura para a Sociedade da Informação adquirem uma dimensão verdadeiramente instrumental e operativa na requalificação do território.

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3.1.2 A Condição atípica de Beirute Interpretar a fenomenologia destes lugares sem expressão, como condição da matiz mais contrastante em relação ao Território da Informação, torna-se verdadeiramente fundamental na especificação do papel da Arquitectura na formação de elementos construídos para os fenómenos apresentados da Sociedade da Informação. É certo que o território global, ligado e interconectado, aproxima culturas, renova identidades, tornando estes novos seres sociais mais ricos na medida em que escolhem de livre vontade o seu próprio processo de aculturação, o acesso à informação e às diversas formas de divulgação. A pertinência da escolha de um território com as características de Beirute, exemplificando no território global as características e a ausência de papel infra-estrutural destes lugares sem expressão, centra-se precisamente na forma como o seu território construído nega os novos processos de comunicação e interacção social. Uma outra razão centra-se no simbolismo do seu próprio posicionamento geográfico estratégico. Evidenciando uma outra característica da Sociedade de Informação, a nova relação com os sistemas de comunicação aproxima culturas e leva a uma multidisciplinaridade étnica, à coexistência de diversos tipos de identidades sociais, resultante da absorção individual de fenómenos de alguma forma dispersos por toda a parte. À parte de acontecimentos trágicos, cuja ausência de expressão potencia o seu estado apático, estes territórios espelham essa imagem destruída e desprovida de conteúdo, uma imagem anónima e impessoal, sem tão pouco espelhar essa multiculturalidade ou sequer a cultura tradicional e originária daquela especificidade local. Neste sentido, Beirute, como capital do Líbano, é exemplo da condição de tantas outras cidades no mundo quer no tecido antigo Europeu, na América Latina e povoações Africanas em vias de desenvolvimento. Adquire, de forma instrumental, influências da cultura da Europa, Ásia e África, surgindo, na sua interpretação exógena, como um verdadeiro actor motor e simbólico das consequências que o acesso horizontal à informação teve nos processos vivenciais do ser humano e as consequências políticas e económicas no território que daí advêm. Esta nova sociedade, nestes velhos e inertes territórios, parecem tornar pertinente a reflexão e incentivar à mudança de mentalidades no sentido de implementar intervenções no território de forma mais responsável que corresponda a um processo de interligação mais próxima das reais necessidades deste novo ser social. A condição expressiva desta relação entre o fenómeno da comunicação e dos processos de sociabilização em rede, no culto dos acontecimentos, encontra em Bei42

rute uma condição particular. A generalidade dos acontecimentos no domínio do seu


território são trágicos, evidentes pela destruição do seu tecido, mas o que é digno de registo é o momento seguinte, o da reocupação desses mesmos lugares, onde o objectivo fundamental é tornar aquele espaço “informacionalmente acessível”, ou seja, a necessidades destes seres se tornarem acessíveis vai muito para além da qualidade efectiva das suas construções. São a forma mais simples da população garantir repercussão vivencial a partir desses valores. Adaptam superficialmente as instalações, adulteram as funções dos espaços, ignoram o seu valor e passado histórico. Este território espelha a referida membrana superficial inerte, cuja única forma de beleza está na sua interpretação convulsiva, do processo de reacção natural das coisas. Beirute espelha também o facto de este novo ser social se afirmar pela sua cultura, pelo seu conhecimento e não pelas suas posses, bens materiais ou estatutos sociais. O conhecimento é neste pedaço de território global, o bem essencial. Facilmente é perceptível que estes seres dominam o acesso à informação, e com sede de cultura e de eficiência, tornam-se seres capazes de corresponder às necessidades imediatas de qualquer ponto no mundo. Com esse desejo de eficácia, instrumento fundamental da evolução, podemos comprovar através das inúmeras sedes de empresas, que na procura de uma economia mais frágil e mais comportável, e servindo-se desta ampla infra-estrutura digital, garantem uma resposta global. Este bem, que hoje toma o nome de conhecimento, é expresso nas qualidades intelectuais das próprias pessoas que vão para além do espectáculo da aparência. Este novo intelecto de uma população, até à pouco tempo info-excluída, provando com eficácia o aceleramento da evolução pessoal e social provocada pela Sociedade da Informação, está expresso nestas novas redes de trabalho e de cultura, é consumido através destas plataformas de comunicação e da informação, resistindo à total e aparente destruição. Torna-se interessante perceber que o próprio poder económico e político se sucumbe, inclusive, nestes novos meios de comunicação e nestas novas formas de informação e de interligação com o ser social. No suceder da condição urbana do espaço, é expressivo o facto de apenas os símbolos pontuais de presença destas infra-estruturas digitais de comunicação e de informação, negarem o seu eterno destino de se destruírem, mantendo vivo um território que se consome a si próprio, inerte de vida, de conteúdo e de sentimento. Estes símbolos das novas tecnologias vencem permanentemente a destruição da guerra, tornando-se num novo sentido de esperança para a evolução cultural e social da própria população. Contudo, o território foi evoluindo através de novas filosofias urbanísticas que contribuíram ainda mais para essa separação entre a Cidade e o Homem. Não respeitando os valores urbanísticos do passado, as novas construções surgem inseridas numa ló-

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gica expansionista, mais do que descrita e verificada, e sobre um desenho passado que nem respeita o valor histórico nem a condição e expectativa actual desta Sociedade. A “modernização” negada proporciona como novo espaço público ordenador, a via, o que mata por completo a filosofia das “zawarib”, uma espécie de ruas infinitas e sem saída pertencentes a uma só família, cujo espaço central era necessário nas reuniões comerciais familiares, próprias da estrutura social em casta, ainda patente na estrutura familiar libanesa. Mesmo estes novos territórios construídos vão contra esta filosofia tipológica, negando o espaço, não só as raízes culturais históricas, bem como esta necessidade permanente de estímulo e de comunicação. Esta aproximação ao ser humano torna-se, portanto, uma questão de desenho, de superfície e de encarar os elementos do território, da sua composição e da sua imagem, como algo híbrido, ilimitado, símbolo de um ser social pleno e de identidade constantemente renovada. A “pele” de Beirute é iminentemente encarada como uma separação, do interior para o exterior, do privado para o público, do subjectivo para o objectivo, do político para o doméstico. Este delimite manifesta-se com valores do passado, gerando verdadeiros monumentos passados, envolvendo a cidade num cenário morto, num museu em ruína contínua, mas anonimamente ocupado, visto estes novos seres, símbolos de uma positiva miscelânea de culturas, ignorarem esse mesmo território, verdadeiramente retribuindo o favor. (Figura 5) O espaço torna-se obsoleto, negando a sua própria renovação, torna-se falso e vazio, negando a necessidade de comunicação inerente à própria arquitectura e aos próprios sistemas de sociabilização do ser humano habitante. Territórios contrastantes onde o anónimo se sucede ao impositivo, anulando-se mutuamente pela ausência de conteúdo e de acontecimento entre eles. Da cidade intra-muros, que nasce da sua cultura, processos de sociabilização tornam-se eminentemente virtuais, digitalmente interligados, tornando-se invisíveis no seio do tecido construído. A Sociedade da Informação espalhou-se por todo o globo, o que justifica, com justiça, encarar a informação como o bem fundamental desta nova era da Sociedade.

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Figura 5 “A Informação do território de Beirute”; Fonte: www.flickr.com, acedido a: Novembro 2009; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/funnybear/298040795>


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3.2 Processo Metodológico - Posicionamento Abordando o processo metodológico e disciplinar da Arquitectura, denota-se que esta é apoiada por uma metodologia e processos que acompanham a prática ao longo da História. A questão metodológica da arquitectura e a sua relação com a Sociedade de Informação pode ser vista por dois pontos distintos, mas complementares. Por um lado, o percurso metodológico aborda a transversalidade do acto de projectar, enquanto antecipação de uma determinada realidade. Desde a infra-estrutura à textura, os pressupostos da condição social do território de hoje parecem exigir à arquitectura uma forte atenção na ligação das intervenções com o tecido envolvente, mas também na sua capacidade de se tornar referência noutros locais que não exactamente aquele onde fisicamente existe. Esta dualidade entre o espaço físico e virtual permite à arquitectura encarar a sua capacidade infra-estrutural numa escala global e interdisciplinar, onde os acontecimentos e os conteúdos são interpretados verdadeiramente em rede. A referida transversalidade metodológica tem na dimensão textural um último momento conceptual no processo metodológico da arquitectura. Os pressupostos da Sociedade da Informação, como já foi referido, parecem exigir uma maior aproximação entre os seres sociais, tanto do ponto de vista colectivo como do ponto de vista individual. A experiência vivenciada da arquitectura ganha uma nova importância com as características da sociedade actual. O processo contínuo de reacção e evolução da Natureza é interpretado com positivismo e relacionando com a natureza comunicativa e reactiva das próprias matérias. Esta qualidade sensível do espaço e, a sua relação com as matérias, tem a sua génese nos tempos gregos. Como refere Emerson Freire, “a matéria é o elemento primordial para os físicos da Escola Jónica: ela é a fonte do movimento, não é inerte. A Natureza é conhecida pelo contacto de todos os sentidos com a matéria, portanto através de um processo vital.”28 Faz sentido entender o processo de comunicação da arquitectura com o exterior, enquanto território e sociedade, e com o interior, através de um experiência intimista com o ser humano individual. É aqui que a arquitectura parece ter de repensar o papel da dimensão tectónica e da materialidade, onde essa dimensão textural aproxima e envolve o espaço arquitectónico com o ser humano. Essa reacção das matérias é sinónima da sua expressão natural. (Figura 6) Sendo assim, a influência da globalização tecnológica e dos processos de comunicação e informação na arquitectura vai muito para além da inserção desses mes28. FREIRE, (2008): 13 46

Figura 6 “ A Natureza e a Matéria - Construção de um ambiente reactivo”; Fonte: Produção própria apartir de www. flickr.com, acedido a Novembro 2009, disponível em www url: <http://farm4.static.flickr. com/3296/2940776904_4a64105966>


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mos meios no processo de concepção e exploração formal e linguística, embora sejam inegáveis as vantagens que esses mesmos avanços patentes nos programas de desenho trazem no processo metodológico. Embora o presente estudo se pretenda destacar desta análise, é importante abranger a inserção destas novas tecnologias de comunicação, sobretudo quando se “tende a confirmar um novo ambiente de projecto que possui múltiplas potencialidades se entendermos os CAD como uma apartação metodológica e não só instrumental. Neste sentido, o projecto assistido por computador disponibiliza práticas de modelação e procedimentos generativos (representações dinâmicas integrais), aconselhamentos inteligente (grande associado a sistemas de raciocínio baseados na casuística) e práticas colaborativas de rede, e oferece a possibilidade de experimentação (quando articulados a sistemas de realidade virtual) e o colapso da fronteira entre concepção – manufacturação – experiência.”29 Serve ainda como nota de referência a existência de plataformas de comunicação onde se verifica a construção efectiva de um mundo totalmente virtual e multisensorial, onde o ser humano explora e constrói um mundo verdadeiramente à sua imagem. Este ambiente multimédia interactivo exige reflexão por parte da disciplina arquitectónica, no seu contributo para o mundo real e físico e, inclusive, nesse mundo exclusivamente virtual, onde através da interacção disciplinar, o ser humano “usufrua de um contributo crítico especializado que a Arquitectura, pela sua tradição disciplinar, pode oferecer.”30 Em suma, a arquitectura deve inserir, no seu conteúdo metodológico, os valores da Sociedade de Informação e as consequências que parece estar a provocar no território, no ser social e, necessariamente, no espaço arquitectónico. “Mas a visão simplesmente tecnológica é redutora, sendo necessário contemplar as reformas espaciais decorrentes e as profundas alterações programáticas, construtivas, morfológicas, linguísticas, organizacionais, dimensionais e funcionais, dando uma abordagem arquitectónica dos espaços requisitados pela Sociedade da Informação.”31 É especificamente sobre este ponto que o presente trabalho se pretende centrar, na resposta metodológica e prática das consequências das características que a sociedade actual podem ter na configuração, na imagem, no conteúdo e na comunicação do espaço arquitectónico, encarando a arquitectura como um processo de sociabilização e interacção constante com o exterior, comunicando a verdade dos significados na arquitectura, desde as funções dos espaços, o seu desenho e a expressão natural das suas

29. FURTADO, (2002): 11 30. Idem, Ibidem 48

31. Idem, Ibidem


matérias, numa atitude transversal de abordar o processo de comunicação na arquitectura. 3.3 O Pós Arquitectura como Arquitectura Um forte contributo para a disciplina arquitectónica está na velocidade com que os acontecimentos se renovam, dando origem a processos de mutação dos estímulos, da informação e dos processos de comunicação dos conteúdos. A mensagem, hoje, é renovada constantemente no seu conteúdo e no seu invólucro, precisamente devido à inovação e renovação tecnológica que potencia a criatividade, levando a um processo de renovação constante da comunicação dos bens em si. Este processos estão bem patentes, por exemplo, nas artes da comunicação visual e dos Media, que potenciaram o seu papel na sociedade através, precisamente, da renovação dos seus conteúdos e da forma como estes eram expressos através da imagem e da mensagem, que em conjunto, moldam uma série de valores com que a sociedade se identifica, nesta era pós-industrial e pós consumista da sociedade. A Arquitectura, enquanto Arte de conceber os espaços, traz consigo uma forte conotação física e construída das coisas, o que dificulta, à primeira vista, um processo de renovação da sua imagem e dos seus elementos construtivos e compositivos. Como refere Mário João Chaves, “ o arquitecto, enquanto ideólogo construtivo, vê-se perante e diante da experiência radical da liberdade, porque enfrenta um paradoxo: por um lado, a imobilidade intrínseca do espaço e da forma, reforçada pela armadura reconhecível da geometria; do outro, a necessidade da fruição expressiva do sujeito supra-moderno, enquanto tradução da ideia do sempre-novo, que não é outra coisa senão a consciência da encarnação do sistema na linguagem de escrever a arquitectura”32. “A arquitectura renova sempre o termo da frágil base da temporalidade, como lembra Strindberg, na sua possibilidade de tecer novas formas e utilidades sobre a frágil base da realidade.”33 Assim, a arquitectura vê o seu momento de pós-construção como uma forma e um processo que permite potenciar a sua vida e o seu papel comunicante. A inserção destas problemáticas no seio do processo metodológico, em que estas reflexões entram em processo de conta no próprio acto de projectação, tem como objectivo a concepção de elementos arquitectónicos que façam perdurar na memória a sua mensagem, como elemento fundamental do processo de comunicação, por

32. CHAVES, Mário, (2004): 45 33. Idem, Ibidem

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um lado, enquanto experiência vivenciada e enquanto serviço, em que a Arquitectura é encarada como plataforma de vivências e de conteúdos vivenciais para o ser humano. Sendo assim, a temporalidade parece dar a conhecer à arquitectura de hoje novos pressupostos, onde os conceitos das metamorfoses, de significado e de imagem, da virtualidade do espaço, da inserção das novas tecnologias na definição e difusão das metodologias de concepção e construção do espaço, surgem como processos de renovação do conteúdo, dos valores e dos estímulos que determinada intervenção tem a capacidade de comunicar no anseio de uma universalidade plenária e no intuito de fazer perdurar a mensagem, o uso e a função do espaço arquitectónico. Esta Sociedade da Informação parece trazer para a arquitectura uma nova forma de encarar o tempo, conceptualmente. Por um lado, o tempo enquanto processo evolução do próprio edifício, ao encarar com “positivismo conceptual”, o envelhecimento das matérias, resultantes da forma e da reacção natural, manipuladas tecnologicamente ou, simplesmente, através do processo da previsão da fruição do espaço por parte do ser humano. O tempo sobre o próprio edifício dá origem à previsão de um processo de renovação da imagem e do significado das suas partes, renovando o estímulo da comunicação dos seus elementos enquanto todo, e enquanto parte, na medida em que este factor é garantido através do pormenor da materialidade, correspondendo a pequenos momentos na percepção do ser humano, numa outra escala de legibilidade, mas que se revelam fundamentais no processo cognitivo da memória humana do espaço construído e concebido pela arquitectura. Assim, parece surgir uma certa tendência para a imobilização do conceito tradicional de tempo na arquitectura. A implementação dos valores que emergem da sociedade actual, na arquitectura e na sua metodologia conceptual, dão origem a um edifício – lugar, a uma arquitectura híbrida, enquanto espaço e forma visual, que vai para além dela própria, enquanto existência, que aparenta viver em processos de interligação e renovação constantes com o território onde se insere e com o ser humano para o qual existe e acontece. “Mas a obra - acontecimento, a obra – processo, a obra interactiva, a obra metamorfoseada, ligada e indelevelmente construída pela cibercultura, dificilmente pode gravar-se enquanto ela própria, mesmo que se fotografe um momento do seu processo ou se capte um traço parcial da sua expressão”34, ou seja, a identidade desta arquitectura vai para além do conceito do definitivo. Na procura da autenticidade da arquitectura para com a sociedade, para com esta necessidade constante de estímulo e de renovação que, tal como os seres sociais,

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34. Idem : 48


torna-se numa arquitectura que não está “ imobilizada no tempo, sem uma clausura semântica ou estrutural. Incha, move-se, transforma-se permanentemente, é um fluxo. As suas inumeráveis fontes, as suas turbulências, o seu irresistível aumento oferece uma imagem surpreendente da inundação da informação contemporânea, na qual o delírio da informação, não terá a seguir uma descida de nível.”35 Numa acção entrópica de liberdade, a arquitectura poderá conseguir um novo e renovado papel neste mundo cada vez mais virtual. Através de um processo cognitivo de relação entre a sociedade, o ser social, colectivo e individual, e o território, a arquitectura parece abordar a infinitude do tempo que o processo de pós-construção evidencia no espaço. A inserção do pós arquitectura como processo metodológico de pensamento sobre a verdadeira influência de determinada intenção no seu contexto, eleva a arquitectura e torna a sua identidade num processo de renovação e comunicação constante, exigido pela sociedade actual e pela condição do território físico e construído, quer por intermédio das suas intervenções em si, quer através de uma aproximação multidisciplinar dessa mesma comunicação, revelando um processo autêntico de comunicação com o ser humano através das plataformas com que este se identifica. O termo “pós arquitectura”, é portanto influenciado por um processo de aproximação da atitude arquitectónica de todo o contexto de comunicação exterior, tornando-se, ela própria, num circuito inserido nas plataformas de comunicação e informação. Um exemplo paradigmático, de que esta aproximação ao exterior da disciplina nada tem a ver com questões de linguagem está na arquitectura de Bjarke Ingels e de Alejandro Aravena. A sua relação com o exterior, integrante e comunicante, advém da necessidade de interiorizar, no processo de concepção, uma relação próxima com a sociedade e com o público, numa visão inclusiva da promoção do próprio trabalho, da arquitectura, e dos benefícios do seu contributo. Esta aproximação é feita com recurso aos media e a um sentido comportamental de inserção do arquitecto com as estruturas sociais para as quais projecta. Por um lado, Ingels demonstra-nos um bem estar positivista face às condições actuais da globalização e da sociedade pós-capitalista. O seu discurso procura um certo entusiasmo, envolvendo as partes e cultivando uma arquitectura de serviço que beneficia o optimismo e o bem estar comum, vendendo um estilo de vida cosmopolita e integrante das novas condições sociais, dos novos públicos, das novas vivências e com recurso dos novos símbolos tecnológicos do estar, do viver, e da apropriação do espaço. Bjarke Ingels faz da sua obra, e do próprio processo de concepção, um aconteci-

35. Idem : 49

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mento, comunicando de forma simples e com recurso desde a relações literais de significado a marcas existentes com que o público alvo se identifica. (Figura 7) Já Aravena, pela tradição e condição da cultura arquitectónica sul americana, encara a globalização e os seus efeitos, através de uma abordagem disciplinar da arquitectura social. A questão social e política é o grande meio de comunicação da sua arquitectura. Uma arquitectura para a sociedade de hoje é certamente uma arquitectura que pretende corrigir os efeitos negativos da sociedade capitalista. Com recurso à flexibilidade e rigidez da sua comunicação, o seu trabalho aponta como uma previsão da ocupação pós projecto ou pós objecto. O fundamental é a condição flexível dos efeitos algo imprevisíveis da ocupação e da fruição do espaço pelos seus utilizadores, da mutação do desenho de acordo com as necessidades sociais e físicas de cada um. (Figura 8) Este processo de pós arquitectura, encarado de forma integrante no percurso metodológico e comunicacional da disciplina, tem nestes dois exemplos emergentes, uma forma antagónica e iminentemente complementar desta nova necessidade e condição da arquitectura. Ambos perspectivam modos de vida contemporâneos. Um, na vertente chilena, em escalas de cinza, o outro, o dinamarquês do mundo, em toda a paleta de cores. Ambos pretendem fundamentalmente repor o papel social da arquitectura, através de um processo de aproximação, desde o próprio momento de concepção, trabalhando a comunicação de forma integrante com os media e com o percurso disciplinar da Arquitectura. 4 Autenticidade e Identidade Aberta - Do ser social para a Arquitectura Um período caracterizado por tal velocidade com que os acontecimentos se sucedem, se renovam e se esbatem no esquecimento, pode muitas vezes levar a um certo sentimento céptico na aceitação destes novos valores emergentes, como sendo novas características identitárias do comportamento social da sociedade actual. Este período origina a quebra de determinados limites e fronteiras, que acompanham a existência e convivência humanas, bem como as manifestações físicas e construídas da sua presença no território. Aparentemente, a condição social actual, os efeitos e as consequências da Sociedade de Informação, global e digital, parece levar-nos para um período de incerteza, uma presença atípica entre a existência da memória colectiva e a sobrevalorização do ser individual como portador de conhecimento, de experiências e, ao mesmo tempo, sedento da renovação desse mesmo conhecimento e desses mesmos acontecimentos que vão marcando a sua existência. 52

Figura 7 “Montain Dwellings, Bjarke Ingels”; Fonte: www.dezeen.com, acedido a: Fevereiro 2010; disponível em www url: <http://static.dezeen.com/uploads/2008/02/big-mtn-3sq> Figura 8 “Elemental, Alejandro Aravena”; Fonte: files.wordpress.com, acedido a: Fevereiro 2010; disponível em www url: <http://cfurrianca.files.wordpress.com/2006/10/bg_035>


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Cada vez mais, o ser humano encontra nos Media uma plataforma de conhecimento mútuo, de exposição de si próprio e do conhecimento de outros seres sociais capazes de lhes fornecer novas experiências. Este facto acontece silenciosamente nas novas redes sociais como plataformas públicas resultantes da crescente importância dos Media no quotidiano dos seres sociais e resultando da crescente globalização dos interesses onde a velocidade e a necessidade de circulação de conteúdos e bens acelerou até ao ponto de, fisicamente, o território não suportar espaços capazes de oferecer a estas populações emergentes, locais onde a sua identidade global, e ao mesmo tempo individual, esteja exposta e acessível. Este conceito de incerteza tende a ser encarado de forma negativa por parte de estratos da sociedade mais cépticos, onde a identidade global tende a ser combatida através de ordens de orientação que nunca escondem a sua evidente conotação política. Na ponta mais esquerda emergem as vozes de protesto contra a globalização que encaram como um processo de desigualdade social onde os países mais pobres, e consequentemente caracterizadores da infoexclusão, são explorados por uma cultura ocidental de velocidade e de progresso. Ao mesmo tempo, na margem oposta, emergem atitudes que rejeitam claramente a inclusão multicultural e multi-étnica de populações provenientes de outras culturas, de outros países e de outras regiões do globo. Estes extractos da população, que parecem se posicionar nos extremos da orientação social que caracteriza o estado social actual, são elementos que fazem este facto se tornar incerto pela constante dúvida que causam sobre o mesmo. A Humanidade sempre soube, em situações de incerteza, traçar um rumo para a sua continuidade e evolução. A multiculturalidade é um facto consequente da crescente globalização do território onde o bem da riqueza já não é o produto, mecânico, mas sim a informação que está em todo o lado e é constantemente referenciada e renovada pelo papel dos Media, flexível e infinito. A arquitectura deve estar atenta a esta capacidade de renovação da identidade dos territórios. Esta “incerteza” quando encarada de forma positiva surge como uma identidade aberta, infinita nas possibilidades que provoca. Esta forma de identidade revela-se autêntica, na medida em que é o resultado da flexibilidade provocada pela nova cultura de informação, que aproxima e potencia a multiculturalidade dos territórios actuais na construção do bem comum. A flexibilidade surge como palavra de ordem na Sociedade actual. Flexibilidade nas capacidades individuais de cada um, flexibilidade no relacionamento com a sociedade, flexibilidade intelectual, de movimentos e de velocidade onde a vida corre 54

num processo dinâmico que engloba várias velocidades e várias formas de estar.


Como refere René Boomkens, “ a flexibilidade tornou-se na palavra mágica do novo capitalismo e da globalização como nova ordem global. A sua magia não é descritível, mas efectivamente normativa. É o novo imperativo categórico da vida no dia-adia em todo o mundo.”36 A flexibilidade surge como conceito que explora a capacidade de adaptação à mudança, que cada acção ou acontecimento se insurge de determinada reacção por parte do ser humano. A arquitectura, dos dias de hoje, deve ser capaz de interpretar esta noção de flexibilidade na medida em que se torna num ser comunicante capaz de gerar reacção no ser humano e reagir por si própria, estabelecendo com este um contacto próximo e gerando uma identidade aberta, na medida em que esta se torna flexível, reactiva e comunicante com o exterior. Contudo, para além da afirmação da multiculturalidade emergente, da rede de conexões sociais globais potenciadas pelas novas plataformas dos Media, o ser social actual revela também uma forte tendência para a construção de uma personalidade aberta e flexível na medida em que parece fazer dele mesmo, um ser que desempenha diversos papéis e diversos modos de vida. Hoje, a sua projecção é imediata, o que faz com que sinta necessidade de renovação de forma muito mais acutilante e presente. A construção da sua personalidade e da maneira como reage ao exterior depende também do estímulo que lhe é induzido e que transmite a necessidade de interpretar as vivências do espaço, as reacções, as metamorfoses, e o estímulo dos sentidos como importante forma e veículo de ligação e comunicação arquitectónica. Como explicita Boomkens, “enquanto a personalidade clássica moderna era construída sobre a base de uma projecção a longo prazo do futuro, a personalidade contemporânea deriva a sua identidade através da capacidade para agarrar o momento, na adaptação de si mesmo à radical novidade de todos os momentos seguintes.”37 Isto torna-se potencialmente interessante na busca de uma resposta arquitectónica para a Sociedade de Informação. Ao mesmo tempo que o ser social necessita de encontrar no território esta necessidade de interacção, indo para além da actual configuração inerte e inexpressiva, a arquitectura deve relacionar a sua resposta, reforçando o papel e o sentido da comunidade, de troca de informação, referências e experiências que, ao mesmo tempo, se relacionam de forma íntima e próxima com o ser humano, enquanto ser social. Das necessidades dadas pelas características deste ser social, enquanto indivíduo e ser colectivo, nasce a necessidade de encarar a disciplina da arquitectura de forma

36. BOOMKENS, (2009): 13 37. Idem, ibidem

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a se evidenciar como a expressão física e construída desta nova paisagem global, desta performance de acontecimentos e potenciada pelas novas formas de sociabilização e de aquisição de conhecimento, transmitidos pelos Media e pelas tecnologias, enquanto veículo de comunicação, e pelas características próprias deste novo ser social emergente, quer na sua relação com a comunidade, quer com as necessidades comportamentais próprias. A consciência, o conhecimento e a apropriação das coisas por parte deste novo ser humano, é construída por camadas de informação e por diversos momentos, provocando diversas escalas de legibilidade da realidade exterior. Do geral até ao particular, este conhecimento e apropriação da realidade em movimento constrói uma identidade complexa em que o particular ganha a mesma ênfase e importância que o geral ou principal. Surgem ambos como meio de conhecimento e comunicação de uma identidade autêntica do próprio ser humano e da própria sociedade. (Figura 9) É certo que a globalização acentua as discrepâncias e os desequilíbrios no espaço da cidade e que isso deve-se ao desequilíbrio provocado pelas novas tecnologias e pelos Media no território, originando lugares que cada vez menos espelham a sociedade para a qual existem. 4.1 Os Media e as Indústrias Culturais na construção de novas paisagens A actual condição social e a dependência, cada vez mais acentuada, das novas plataformas sociais como forma de conexão social, característica recente desta Sociedade da Informação, global e sedenta de comunicação, levam a interpretar o actual papel social da arquitectura como algo redundante na medida em que o território não espelha essa necessidade de troca de informação nem afirma o ser social enquanto indivíduo e enquanto membro pertencente de uma comunidade. Se hoje é generalizada a internet e outros meios de comunicação como plataformas virtuais de contacto entre os seres sociais, estas redes sociais provam que se consegue socializar em qualquer sítio e em qualquer momento, deixando os actuais espaços vazios públicos num papel redutor face ao seu passado e valor histórico, na sua capacidade representativa física da expressão da convivência social sobre o território. Esta interpretação tem o seu fundamento e apoio na sociedade global, onde hoje verificamos que o ser social se sente confortável nesta sua relação de interdependência com os Media e da forma como este impulso dos estímulos é encarado positivamente nas vivências do quotidiano dos elementos vivos desta nova sociedade. Como 56

Figura 9 “Identidade multiplamente aberta”; Fonte: Produção própria apartir de fontes múltiplas


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refere Edwin Gardner, “ o espaço social abandona o actual ambiente construído em favor de um imaginado e virtual.”38A Arquitectura, enquanto Arte de conceber e materializar os espaços públicos, parece perder terreno face a este conjunto de espaços virtuais, pois são estes que se afirmam cada vez mais como a referência dos acontecimentos. Deles, a arquitectura deve absorver esta capacidade de interacção e de comunicação, onde, pelo seu programa e pela sua configuração arquitectónica, deve potenciar e gerar estímulos e acontecimentos que se interliguem com o ser humano de forma íntima, da mesma maneira que estas novas plataformas permitem ao ser humano e ser social, se tornar capaz de renovar e complementar constantemente a sua identidade, daí a utilização do termo “identidade aberta”, referida anteriormente, precisamente porque esta identidade deve ser constantemente renovadora, quer por parte da arquitectura, e a sua capacidade de comunicação, quer pelo próprio ser humano. Esta atitude arquitectónica de permanente renovação e comunicação com o ser humano nasce dessa relação de intimidade própria com o exterior que os Media potenciaram nesta sociedade global. Temas como a metamorfose das imagens, das matérias, do significado das formas, a ambiência sensorial do espaço, e a experiência sentimentalista e intimista que a arquitectura tem a capacidade de provocar através de estímulos pontuais, numa verdadeira lógica de comunicação, apontam para uma necessidade que se verifica nestes novos seres sociais. É um facto que todo este enredo de informação leva à extrema necessidade do ser humano se expor e se mostrar exposto na construção da sua própria personalidade e identidade. Da mesma forma que os cabeçalhos destes novos espaços sociais se encontram “invadidos de alma”, numa espécie de invasão da consciência própria, onde tudo parece ser encarado como vivo, reactivo, capaz de se mudar e de se adaptar a diferentes realidades. Esta é uma característica que pode permitir à arquitectura estabelecer um elo de ligação muito próximo com o ser humano e reeditar o seu papel clássico, e transversal no tempo, voltando a ser referência e voltando através da expressão dessa capacidade de comunicação, a estabelecer um elo emotivo com o ser humano. Cada vez mais a arquitectura não se assume como uma disciplina estanque, verificando-se uma cada vez maior necessidade de interpretar a realidade de forma mais livre e criativa, procurando referências noutras actividades artísticas e do pensamento intelectual. Esta multidisciplinaridade emerge de termos como o “espaço de fluxos”, de Manuel Castells, e o espaço líquido de Zyganet Bauman. Esta fluidez do espaço, que

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38. GARDNER, (2009): 123


aponta Bauman, relaciona-se com a liquidez da construção da personalidade por parte dos novos seres sociais. Dos constantes cabeçalhos e rótulos auto-intitulados, surge a construção de um ser auto-consciente. Como o ditado grego aponta, “ conhece-te a ti próprio.” O ser humano vê na infinitude do espaço, uma questão híbrida entre a ausência de limites e o expoente máximo de liberdade.Esta necessidade de auto-conhecimento, auto-reflexão, e a auto-exposição para consigo mesmo e para com a comunidade, está patente na pergunta principal que o próprio logótipo do Twitter nos faz de forma permanente: “ O que estás a fazer?”. Os limites quebrados pelos Media parecem fazer do Homem uma extensão de si próprio potenciando a sua existência e a sua experiência sobre o mundo e sobre o espaço, exigindo um outro comportamento por parte da arquitectura enquanto divulgação humana e ciência da comunicação. Como refere Edwin Gardner, “ quer estejamos a lidar com a ansiedade avatar ou uma renascença digital da auto-reflexão e autognose, a comunicação social está a mudar a forma como nos relacionamos com nós próprios e com o espaço.”39 Podemos interpretar estas novas plataformas que os Media oferecem no campo das relações interpessoais e da comunidade como novas indústrias culturais. De facto, o ser social actual, sedento de acontecimentos e de estímulos, parece ter na cultura um aliado forte à sua própria existência. Cada ser social parece interpretar cada um destes acontecimentos como formas e processos de uma aculturação global, reflexo da multiculturalidade provocada pela globalização. O “happening” faz com que o espaço deixe de ser referência fundamental, o que nos aproxima de uma sociedade cada vez mais de conteúdos e não apenas de imagens, como negativamente tem sido interpretado o papel dos Media na Sociedade. Estas indústrias culturais potenciam a existência humana, surgem da sua necessidade de auto-evolução intelectual sobre o significado da existência das coisas. A infinitude do espaço virtual, onde tudo isto acontece, leva-nos à cultura de fluxos que, como refere Rogério Santos, “parte da ideia de que a cultura se mercantilizou, através do desenvolvimento tecnológico e da capacidade de reprodução.”40 É um facto, que cada ser social é hoje consumidor de cultura, através da postura crítica com que intervém, dada a enormidade de informação e de estímulos que lhe chegam por estes novos meios de comunicação, que, como já foi referido, são cada vez mais a referência dos acontecimentos ao invés dos espaços onde fisicamente eles acontecem. Esta constante produção de cultura, leva a um maior desgaste do papel que cada acontecimento tem na percepção vivencial do ser humano, daí a infinitude

39. Idem, ibidem 40. SANTOS, (2007): 22

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dos bens culturais e das estratégias de revelação dos mesmos, que os Media parecem oferecer como pura estratégia de marketing. O tempo é alargado, através de um processo em que o conhecimento vai sendo dado a explorar aos poucos através da simultaneidade com que se altera do estímulo para processos de truncagem de informação, como sendo processos fundamentais na exploração e exposição de um determinado conteúdo, pela sua própria oposição. Isto verifica-se em várias indústrias culturais, desde a cinematográfica até à publicidade. A infinitude e “hibridicidade” do espaço arquitectónico encontram, assim, uma forma de composição de variação de estímulos e da ausência dos mesmos. Da mesma forma que estes novos seres sociais necessitam constantemente de renovação das experiências que lhe são induzidas exteriormente, independentemente da forma ou do veículo, revelando, através de um processo de exposição e conhecimento total e global da sua realidade circundante, ao mesmo tempo, são exigidos momentos onde a autognose e auto-reflexão, parecem permitir ao ser humano um contacto mais próximo consigo próprio, com a Natureza e o território construído. Tudo isto, remete-nos para programas de concentração de diversos conteúdos, que tornam acessíveis todas as necessidades do ser humano. Como refere Rogério Santos, “ há três tipos fundamentais de concentração. A primeira, concentração horizontal ou mono media, significa o crescimento da propriedade num único sector de actividade mediática (caso da radiodifusão ou edição). A concentração vertical é o cruzamento de actividades do mesmo sector, mas alargada a duas ou mais etapas na cadeia de valor (como o cruzamento da propriedade de produção de programas com as actividades de difusão dos canais de televisão). Quanto à concentração diagonal ou em conglomerados, refere-se á propriedade combinada de actividades em diferentes áreas (exemplo da rádio difusão, mais televisão, mais edição de revistas).”41 Isto torna-se particularmente interessante quando nos remete para dois campos distintos da prática arquitectónica. Em primeiro lugar, remete-nos para a multiplicidade com que os conteúdos programáticos podem influenciar a configuração arquitectónica do espaço e com os diferentes tipos de público, simultaneamente, aproximando-os uns dos outros, através da visibilidade e legibilidade do espaço, e encarando os aglomerados humanos como paisagem vivencial, ou, aproximando-os do seu íntimo, em programas mais específicos e fechados sobre si mesmo. Em segundo lugar, parece aproximar da própria concepção do projecto de arquitectura, métodos de divulgação dos seus conteúdos. Para esta Sociedade da Informação, a Arquitectura encontra nas metodologias de divulga-

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41. Idem : 27


ção dos conteúdos dos Media uma forma de aproximação e um elo de ligação com o ser humano e o ser social, tornando-se verdadeiramente num agente activo de comunicação e de conexão entre os seres sociais, mais do que propriamente a redutora finalidade de conceber um edifício, como mais um elemento construído de uma paisagem com a qual a sociedade já não parece se identificar, na totalidade. A questão do híbrido não leva necessariamente à tendência para a dispersidade e para a ausência de conteúdo vivencial por parte da arquitectura, mas sim, a construção de um local que se vai mutando, tornando-se multifacetado e correspondente a uma maior fruição e expressão vivencial dos espaços proporcionados pela Arquitectura. Em primeiro lugar, enquanto objecto em si, capaz de se tornar referência e acontecimento. Em segundo lugar, nos conteúdos vivenciais, culturais e sociais que é capaz de provocar e potenciar a existência humana destes seres sociais. Como refere Henry Jenkins, “ um texto trans-media não se resume simplesmente à informação dispersa: ela fornece um conjunto de papéis e objectivos onde os leitores assumem que podem promulgar aspectos do conteúdo no seu dia-a-dia.”42 Esta variação de conteúdos e de estímulos não parece anestesiar ou afastar o ser social da vivência dos espaços proporcionados pela arquitectura. Muito pelo contrário, no seu subconsciente, a memória adquire as novas experiências e as novas vivências como parte integrante do seu dia-a-dia, identificando-se com as vivências e sensações proporcionadas por aquele espaço. A arquitectura consegue assim funcionar como serviço à comunidade, aproximando os seres sociais, e como serviço ao indivíduo, preenchendo a sua memória de vários estímulos que lhe proporcionam uma experiência e uma ligação mais íntima com o espaço arquitectónico. Portanto, este conceito de paisagem, em que os Media servem de apoio metodológico na sua concepção arquitectónica, tem como principal objectivo, que a arquitectura volte a ter o papel de fonte de imaginação e exacerbação cultural, que representou em períodos áureos da História da Arquitectura e que parece ter perdido no seu passado recente. Muito para além do espectáculo e das imagens, a arquitectura consegue assim potenciar a existência e a vivência sobre o espaço por parte dos seres sociais. Como refere René Boomkens, “ A imaginação é uma coisa diferente da fantasia, faz parte da cultura do dia-a-dia e está directamente relacionada com as práticas quotidianas do trabalhar, vida familiar e de comunidade”43. “ Através da imaginação, a população coloca estas práticas numa moldura colectiva de significado e relacionadas com um significante passado e futuro.”44 42. JENKINS, (2009): 57 43. BOOMKENS, (2009): 13 44. Idem, ibidem 61


5 Conclusões Esta nova sociedade dá origem à formação de novos seres sociais, a novos sistemas de relação entre os seres humanos, e a uma nova relação com o território que evidencia a necessidade de uma nova arquitectura apoiada nos valores e nas características da comunicação destas novas plataformas, assumindo-se como um elemento comunicante com o ser humano, interactivo e reactivo. A relação da Arquitectura com a Sociedade da Informação é portanto algo muito mais além do culto pelo espectáculo e da primazia da imagem. Os reflexos e valores desta sociedade na disciplina não se resumem apenas ao momento final da concepção, à questão da superfície e da imagem, ausentes de significado. A comunicação em arquitectura começa desde logo pela capacidade de afirmação no território, pela verdade e bondade dos pressupostos da intervenção, num processo de inserção e posteriormente de assimilação da mensagem através de uma aproximação dos códigos com que esta sociedade se identifica. O crescimento expansionista do acto de urbanizar envolveu o território em lugares vazios de conteúdo, numa lógica atemporal de desenho, na negação dos valores em evolução e mutação da Sociedade. A ausência de recursos do território vai para além da questão ambiental através da expressão dos recursos naturais do solo e da água. Este território sente sobretudo falta de acontecimentos como forma e necessidade vivencial fundamental deste novo ser social. Este processo origina lugares anónimos, sem expressão, cujo quotidiano se revela apático e atópico. Estes processos vivenciais e a necessidade de expressão do ser social individual, levam a pontuais lugares da infraestrutura da cidade cujos públicos mutantes espelham diversos utilizadores desde o ser social permanentemente comprometido com o uso e a função, até ao ser social nómada, deambulante como uma parte do circuito de movimentos mais rápidos, apelando à mobilidade e conectividade de uma infra-estrutura digital. As novas plataformas de interacção social surgem como ponto de ancoragem para uma nova forma de comunicação arquitectónica, através dos valores das suas intervenções por si e de uma maior aproximação disciplinar e conceptual do envolvimento das populações na construção e legibilidade da construção de novos imaginários e de novas convivências. A multidisciplinaridade e multiculturalidade dos solos e das pessoas levam à necessidade de diferentes meios e atitudes de comunicação que abranjam, através dos valores da própria disciplina arquitectónica, os diferentes momentos e necessidades de expressão, tanto destes novos seres sociais, como da condição atópica do território actual. 62


CapĂ­tulo II A multidimensĂŁo comunicacional da Arquitectura 63


1 O Fenómeno da Comunicação A Sociedade da Informação e a sua identificação com as novas plataformas de comunicação em rede, os Media e as Indústrias Culturais, originaram um processo de enraizamento cultural destes novos pressupostos, mas sobretudo um fenómeno emergente de necessidade de interacção e de estímulo por parte do ser social. Isto transmite à dimensão pública da Arquitectura novos pressupostos disciplinares que alteram a sua relação e interpretação dos próprios meios de comunicação. Da tendência individualizada do ser social surge, ao mesmo tempo, um fenómeno simultâneo de maior interacção e conhecimento da sua própria realidade pública. Ou seja, toda a dimensão pública da Arquitectura parece exigir ser portadora da comunicação de um determinado contexto, como limite geofísico, mas ao mesmo tempo a capacidade de ser encarada como plataforma de comunicação que permite uma relação aberta e multidireccional entre as pessoas, agregando as diferentes vontades, através da fruição activa e regulada dos diferentes tipos de público. Este conceito de público é um conceito fundamental no fenómeno da comunicação em si. Ele limita e especifica o teor e o significado da mensagem de acordo com as características desse determinado público. Sendo assim, parece tornar-se fundamental que a Arquitectura não só se aproxime da Sociedade como de alguma forma se torne símbolo de comunicação para a Sociedade através dos diferentes públicos. Este facto parece exigir da disciplina um outro tipo de contorno comunicacional, na medida em que esta Sociedade da Informação é constituída por diferentes necessidades e expectativas consoante o próprio contexto temporal, social e económico em que se insere contrariando a ideia generalizada que a Sociedade da Informação é o mote para a perda de valores específicos de um contexto previamente existente e o símbolo da globalização aparentemente destruidora da identidade local. Das referências globais do ser social existe a necessidade cada vez maior de afirmar o seu local no mundo, ou seja, as identidades locais são simultaneamente influenciadas pelo exterior potenciando a sua vida interior através da comunicação ao mundo dos seus próprios acontecimentos variados. O acontecimento em si, como motor existencial da sociedade, modifica-se consoante a “disposição” dos seus intervenientes. As formas de comunicação parecem, portanto, estar intimamente ligadas não só com os públicos, mas também bastante enraizada no processo vivencial quotidiano deste novo ser social global. Isto parece ir de encontro ao que William Mitchell define como uma nova Economia de Presença. Este novo ser social e a sua relação com o acontecimento e o estí64

mulo ganha diversas dimensões e sentidos, na medida em que podemos estar presen-


tes num sítio ou num lugar, definido através de um contexto físico ilimitado, ou simplesmente estarmos presentes em relação a um dado conjunto informacional que recebemos viajando para esse outro contexto virtual. Podemos pertencer ainda a um estado de presença de nós próprios enquanto pessoa, na medida em que este novo ser social nutre uma enorme necessidade de estar presente no acontecimento, presenciando-se a si próprio. “Ao realizar as nossas transacções diárias descobrimo-nos pensando constantemente nos benefícios dos diferentes graus de presença do que temos agora à nossa disposição e ponderando-os ao seu próprio custo.”45 Assim, podemos estabelecer uma relação paradigmática entre aquilo que é a nova condição da comunicação na Arquitectura com alguns restícios na definição do ser social actual por parte da recentemente extinta sociedade economicista. Hoje vemo-nos muitas vezes confrontados com a pergunta “O que é que eu ganho em estar aqui?”. Isto é um facto que subscreve veementemente o termo intitulado por Mitchell, na medida em que este novo ser social necessita de uma comunicação interactiva, renovadora e constante no seio experiencial do seu próprio processo vivencial, enquanto fenómeno lucrativo em si. Ao mesmo tempo corrobora a ideia de que é um facto que a condição actual do território não expressa essa mesma necessidade de interacção resultante da total ausência de comunicação e estímulo por parte do mesmo. O bem passou do capital para o conhecimento e para o acontecimento, o que de alguma forma nos remete para condições nostálgicas do ser humano. “Os elementos desta Economia de Presença estavam presentes e estruturavam a vida quotidiana das cidades do passado.”46 Como ponto de encontro de excelência, a antiga praça funcionava como um espaço amplo, aberto e interactivo onde múltiplos acontecimentos surgiam como múltiplas formas e meios de comunicação na sua essência, expressos em programas distintos. Variando consoante a altura do dia, do ano ou da época, no mesmo espaço coexistiam trocas comerciais, aconteciam espectáculos culturais, proclamavam-se e difundiam-se as notícias ou onde simplesmente se passeava, mostrando novas indumentárias e se consciencializavam as novas atitudes comportamentais sociais. “Mas a infra-estrutura das telecomunicações digitais e os espaços inteligentes completam agora o sistema e, como consequência, estão a introduzir novas possibilidades e reestruturando radicalmente os benefícios e os custos comparativos.”47

45. MITCHELL, (2001): 137 46. Idem, ibidem 47. Idem, ibidem

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Entender a Arquitectura enquanto espaço de comunicação torna-se interessante, na medida em que, desmobilizando a ordem clássica através da exacerbação das hierarquias espaciais, encara-se todo o sistema conceptual como um sistema de fluxos entre diferentes meios de comunicação arquitectónicos, diferentes públicos e acontecimentos diferenciados encarados como estímulos, enquanto verdadeiros benefícios para a experiência vivenciada do espaço. (Figura 10) Esta relação entre o fenómeno da Comunicação e uma exaltação da experiência vivenciada do espaço arquitectónico surge, pertinentemente, através das inéditas formas de vida pública e individual. Os processos vivenciais deste novo ser social apoiam-se fortemente na argumentação e na narração dos acontecimentos, num estilo de vida definido, no tom enquanto comunicação sonora da sua presença, originando marcas individuais e colectivas numa espécie de utilização de recursos dramatúrgicos de comunicação como o uso do corpo, da voz, da gesticulação e da velocidade como forma de noticiar, permanentemente, o reforço da sua existência. Para a arquitectura, estes fenómenos comunicacionais surgem como ponto de reflexão disciplinar que parece exigir a referida atitude interactiva muito forte, originando mensagens constantes, definidas através do espaço e das suas matérias compositivas. Este facto origina situações diversas enquanto acontecimentos que interpretam todo o sistema comunicacional em múltiplas formas de comunicar, através desta fenomenologia e semiologia integradora dos diversos públicos sociais. 1.1 Sistema Comunicacional - Meio e Intervenientes A iminente relação entre a Arquitectura e a Comunicação, enquanto fenómeno de manifestação de acontecimentos, exige uma reflexão um pouco mais aprofundada sobre os seus métodos de divulgação e de expressão. O entendimento do seu sistema metodológico de concepção tenta, necessariamente, estabelecer pontos de contacto com a própria disciplina da Arquitectura. Entender a Arquitectura como extensão construída dos valores da sociedade e do ser humano individual torna pertinente a reflexão disciplinar entre o fenómeno da Comunicação e a própria Arquitectura, pois o modo de vida contemporâneo exige uma mudança de comportamento da disciplina. Como refere Marshall McLuhan, “de facto, nós vivemos de forma mítica e integral, mas continuamos a pensar segundo os velhos e fraccionados padrões de espaço e de tempo próprios do período anterior à electricidade.”48 A Arquitectura, enquanto manifestação proeminentemente artística, 48. MCLUHAN, (2008): 12 66

Figura 10 “ Território e meios de comunicação ”; Fonte: Produção Própria apartir de fontes múltiplas


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deve acompanhar atentamente o estado social, interpretando de forma conceptual os fenómenos sociais enquanto plataforma de diálogo e comunicação de uma mensagem e de um discurso pertinentemente direccionado para um determinado público. Essa é a principal natureza comunicacional da Arquitectura. Contudo, a natureza vivencial deste novo ser social, manifesta no culto pela experiência imediata, apoiada sensorialmente nos novos meios de comunicação, traz consigo novos desafios disciplinares à Arquitectura. Torna-se fundamental entender o sistema, enquanto meio e intervenientes, e o alcance das múltiplas mensagens que a Arquitectura tem a necessidade de induzir na formação da sua identidade através da percepção e das características dessa mesma experiência. Parece, portanto, natural que à medida que a Sociedade evolui, particularmente de forma rápida e renovadora na Era da Informação, que a disciplina arquitectónica se possa tornar num elemento evolutivo de mudança “introdutora de novos hábitos perceptivos”49. A arquitectura tem na sua necessidade de intervenção, enquanto expressão ou manifestação dos seus valores, a capacidade de gerar, manipular e criar distintos discursos através de diferentes meios e, por sua vez, gerar distintos meios através de diferentes tipos de intervenientes. O meio, enquanto forma ou elemento compositivo, toma como intervenientes o contexto humano e territorial onde a Arquitectura simplesmente se constrói através de elementos básicos como a forma, as matérias, a técnica, a morfologia, as tipologias e a própria natureza das coisas como elementos disciplinares essenciais que, enquanto manifestação, comunicam uma determinada realidade, fazendo-a acontecer e ser presenciada. A forma essencial e primária de comunicação na Arquitectura está na geração de ambientes compondo, manipulando e utilizando diferentes meios e intervenientes para tal, como nos ensina a própria História. Mas, como refere McLuhan “os ambientes não são invólucros passivos, mas sim processos activos”50, o que a qualifica o espaço arquitectónico de múltiplos conteúdos e múltiplas formas de comunicação, promovendo a renovação natural e controlada da própria mensagem que através de uma determinada intervenção tem a capacidade de ser captada pelos sentidos humanos. Esta metamorfose constante, de conteúdo e de significado, dos ambientes arquitectónicos exige, torna-se num factor evolutivo conseguido através do uso de diferentes técnicas de comunicação de forma conceptualmente interligada com a metodologia projectual, estabelecendo um meio cuja mensagem é divulgada de forma gradual e interligada com os diversos intervenientes como forma de interacção de

49. Idem : 16 68

50. Idem, ibidem


uma nova realidade com o contexto existente. Interessa, portanto, inserir estes novos processo da Era da Informação de forma gradual na disciplina da Arquitectura e no território, sobretudo através da sua função e capacidade de composição de determinados contextos, relacionando o existente ao proporcionado pela nova intervenção e permitindo uma comunicação mais eficaz de uma mensagem mais enraizada no processo quotidiano deste novo ser social. “Quando a produção mecanizada teve inicio, ela foi criando gradualmente um ambiente cujo conteúdo era o velho ambiente da vida agrária e das artes e ofícios”51, ou seja, é um facto que, antes de mais, a transformação proporcionada pela Arquitectura implica momentos de transição, momentos de afirmação e, inclusive, momentos de total ausência de comunicação, enquanto manifestação do novo gesto ou do novo acontecimento. A questão do relacionamento interactivo entre o meio e os intervenientes, interligada com este método de transição entre diferentes mensagens e diferentes conteúdos vivenciais e arquitectónicos, vai de encontro aos processos comunicacionais defendidos por William Mitchell. As comunicações assíncronas e síncronas são fenómenos distintos de comunicação entre o ser humano nesta Era da Informação. Utilizando diferentes meios e tendo como actores motores diversos intervenientes e contextos, basicamente, podemos resumir que a comunicação síncrona corresponde a um tipo de comunicação definida, limitada e específica no tempo. O emissor e o receptor conhecem o significado do acto comunicante em si, sabem o seu uso e a mensagem é efectivada no próprio momento e no exacto lugar da experiência e do acto comunicacional em presença efectiva. Já na comunicação assíncrona o tempo, o espaço e o próprio conteúdo e razão comunicante da mensagem estão completamente separados, ou seja, o emissor e receptor respectivamente enviam e captam a mensagem em momentos diferentes, correspondendo a um “largo processo de desmaterialização da informação.” 52 A arquitectura sempre se expressou sobre processos síncronos, ou seja, estabelecia um elo de ligação concreto e definido no tempo e num local e contexto objectivo. Contudo, não deixa de ser interessante e conceptualmente pertinente introduzir disciplinarmente os processos assíncronos, na medida em que estes, correspondem a uma forma comunicacional que permite estabelecer não só os referidos e necessários momentos de transição da mensagem, do discurso e do alcance das intervenções por parte da Arquitectura como, ao mesmo tempo, funciona como uma espécie de motor de propagação da influência da intervenção no tempo, através do estímulo que per-

51. Idem : 17 52. MITCHELL, (2001): 139

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dura na memória do ser humano, e no espaço, interpretando o território como suporte dos conteúdos das múltiplas mensagens que os edifícios têm a capacidade, pela sua infra-estrutura e imagem, de proporcionar. Tudo isto origina um meio total e global através dos fenómenos do tempo, conhecimento e do contexto adquirido. A relação entre estes processos comunicacionais e a arquitectura, quer síncronos quer assíncronos, encontra na História, estranhamente, um forte aliado. “Os edifícios religiosos ou monumentais estavam carregados de imagens e de texto, situavam-se no centro das comunidades e eram concebidos para serem o foco de vida espiritual, social e cultural.”53 Esta comunicação torna-se síncrona por ser imediata e ao mesmo tempo assíncrona porque existe a realidade do receptor se deslocar ao emissor para a receber. Funciona como uma nota deixada sobre a mesa enquanto fenómeno de comunicação assíncrona local. Segundo Mitchell, a comunicação síncrona oferece uma “interacção mais intensa, de mais qualidade e potencialmente mais satisfatória”54, enquanto a comunicação assíncrona permite “a possibilidade de se comunicar, apesar das diferenças de tempo o que permite finalizar a intenção quando for necessário”55. Contudo a desmaterialização enquanto forma de conteúdo comunicacional, apesar de se ter proporcionado através do uso de meios mais leves, como o papel, acelerou-se vertiginosamente “a partir do momento em que a velocidade eléctrica leva ainda mais longe a sequencialidade mecânica.”56 A ilusão e a experiência concreta, a razão e a emoção tocam-se conceptualmente através deste fenómeno despoletado pela mobilização da informação em si. A manipulação deste estímulo e desta mensagem através de meios mais leves tem, por exemplo, no cubismo uma manifestação artística que “momentanizou” a evolução dessa mesma velocidade. “O cubismo instaura uma interacção de planos e contradições, ou um dramático conflito de padrões, luzes e texturas que transmitem a mensagem por meio de um envolvimento”57, proporcionando uma “troca de ilusão da perspectiva por uma imediata percepção sensorial do todo”58. A implementação de novos meios leves e mais velozes de comunicação proporcionou a grande evolução dos Media que parece ter como auge o estado aparentemente caótico da informação em si. A institucionalização da comunicação, através da Arquitectura, poderá ser o mote

53. Idem : 140 54. Idem : 145 55. Idem, ibidem 56. MCLUHAN, (2008): 26 57. Idem, ibidem 70

58. Idem, ibidem


para uma informação, acontecimento e experiência mais verdadeira e para um estímulo vivencial e comportamental inserido no quotidiano do ser humano. Este quotidiano é composto por diferentes meios e contextos. É precisamente o estudo das qualidades e capacidades destes meios, enquanto veículos de comunicação compostos por diversos elementos e intervenientes, que permitem à Arquitectura ter uma perspectiva integradora dos Media, indo para além da mimetização dos mesmos expressa nas fachadas televisivas que começam a invadir o cenário urbano de forma incontrolada, ou seja, sem a interpretação do sistema do meio enquanto conjunto e lugar. Contudo, como refere McLuhan, “o nosso tempo assiste ao derradeiro conflito entre a visão e o som, entre as formas escritas e as formas orais de percepção e organização da existência. Uma vez que a compreensão paralisa a acção, como observou Nietzsche, nós podemos atenuar a ferocidade deste conflito compreendendo os meios que nos prolongam e despertam, dentro e fora de nós, tais conflitos.”59 McLuhan divide os meios em duas categorias sensorialmente distintas, os meios quentes e os frios, que basicamente se distinguem pela sua capacidade de concentrar informação, estímulo e comunicação. Assim, “um meio quente é aquele que estuda ou prolonga um único sentido em “alta definição”. A alta definição é o modo de ser plenamente saturado de informação.”60 Por oposição os meios frios correspondem a meios de baixa definição e, à concentração dos meios quentes, dão origem ao processo oposto de dispersão, “exigindo por parte do utilizador um processo de preenchimento”61. Isto torna-se interessante, remetendo a interpretação da relação da Arquitectura com os meios, na medida em que origina diferentes modos e graus de fruição do ser humano consoante a capacidade expressiva do próprio espaço. O lugar, o ser humano, as matérias, as formas, surgindo como contextos físicos reais, dão origem à necessidade da interpretação dos meios através de uma forte ligação aos sentidos e à memória perceptiva humana através do significado e do simbolismo da sua própria fruição. Directamente para a disciplina arquitectónica interessa transpor da teoria de McLuhan qual é, de facto, a relação entre os meios e os intervenientes quer frios, quer quentes. Este processo serve sobretudo para entender qual o papel comunicante de cada meio através dos seus intervenientes e, ao mesmo tempo, perceber a pertinência com que podem ser conjugados na composição de uma estratégia de projecto. A percepção fenomenológica da realidade circundante por parte do ser humano

59. Idem : 29 60. Idem : 35 61. Idem, ibidem

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modificou-se totalmente com as características da Sociedade da Informação. “ A preocupação com o efeito representa uma transformação fundamental da nossa era eléctrica, pois o efeito envolve a totalidade da situação e não apenas um determinado plano do movimento da informação.”62 A arquitectura através da relação dos seus diversos meios e intervenientes tem uma forte tendência a implicar meios de comunicação frios, visto serem capazes de seduzir diversos sentidos. Temos a tendência para absorver toda a informação, levando a um processo natural de junção e preenchimento da mesma numa só entidade na nossa memória e originando uma percepção de baixa definição, mas extremamente rica na variação dos seus conteúdos. Um exemplo paradigmático é por exemplo a composição vertical de um jardim. A vegetação é um meio frio, pois simultaneamente nos estimula os sentidos da visão, através das múltiplas cores, do olfacto, através dos inúmeros cheiros, do tacto, através das diversas texturas e da audição através do som provocado pelo processo natural de reacção ao vento. Contudo, a nossa percepção engloba todos estes momentos num só, ou seja, entendemos o conjunto, o que baixa a importância de cada acontecimento enquanto fenómeno individual, ou seja, baixa a definição com que a percepção desse acontecimento invade a nossa memória. (Figura 11) Como o exemplo da vegetação existem inúmeros elementos que surgem simultaneamente como meios e intervenientes frios, pois a experiência arquitectónica e vivenciada do espaço dá-se, sobretudo, através de uma experiência próxima e envolvente com o espaço em si. Contudo, a Arquitectura também tem a capacidade e a necessidade de empregar meios quentes. Aumentando a distância física da percepção de cada interveniente, enquanto elemento compositivo do conjunto arquitectónico, existe a tendência para se tornar mais quente. Ou seja, a necessidade de afirmação da centralidade e de várias formas de comunicação do acontecimento, provenientes do fenómeno da Sociedade da Informação e da Comunicação, exigem a implementação destes meios quentes como forma mais distante de sedução dentro do processo quotidiano do ser social. O estímulo transmite uma mensagem mais definida e concreta, mas não necessariamente de mais conteúdo. Este estímulo é pontual e pode modificar-se com o tempo, pois essa necessidade referencial pode deixar de ser necessária. (Figura 11) Um exemplo deste meio quente é por exemplo o emprego de uma matéria como o cobre num elemento simbólico da estratégia de composição formal. O seu posicionamento referencial produz um único estímulo em alta definição e surge como primeira referência 62. Idem : 39 72

Figura 11 “ Exemplo de um Meio quente e frio ”, Fonte: Produção Própria apartir de fontes múltiplas


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de apropriação, e portanto, como primeiro momento comunicante do espaço para o ser humano. Em suma, os meios quentes e os meios frios, como sistema comunicacional da arquitectura, têm duas dimensões complementares. Por um lado, momentos mais inseridos no quotidiano da vida urbana têm tendência a se tornarem frios, dispersos, com múltiplos acontecimentos e estímulos, e por outro, momentos mais particulares ou de utilização mais específica têm tendência a se tornarem mais quentes. Todo este fenómeno relaciona-se com a própria distância da percepção. Os meios mais frios tornamse mais próximos e portanto inseridos no quotidiano imediato, tendo uma experiência mais concreta e a-referencial, por se tornar muito próxima dos intervenientes. Os meios mais quentes tornam-se mais distantes na sua posição em relação ao quotidiano vivencial, originando uma experiência mais difusa, mas mais elementar, tomando uma posição referencial na memória humana do espaço. Esta capacidade comunicante da Arquitectura nasce da referida necessidade de a tornar mais interactiva e com uma mensagem mais ligada à fenomenologia perceptiva do ser humano, proveniente das características deste novo ser social. Tornar o espaço da Arquitectura mais humano e parte referencial da sua vida, indo para além do espaço inerte, sem reacção, que se esgota em si mesmo quando definido é um objectivo primordial desta investigação.Como refere McLuhan, “na esfera privada e pessoal, somos amiúde recordados de como certas mudanças de tom e de atitude são exigidas consoante o momento e as circunstâncias, a fim de mantermos sob controlo as situações”63, ou seja, existe a necessidade de inserir um processo mais humano de comunicação no seio disciplinar da Arquitectura, introduzindo uma nova dimensão, o comportamento. Desta relação podemos então definir que o meio, na Arquitectura, é todo o veículo indutor de comportamentos múltiplos do próprio espaço em si e intervenientes são todas as realidades físicas e vivências concretas que formalizam o cenário e o contexto desses mesmos acontecimentos múltiplos que as novas estratégias de intervenção parecem exigir à Arquitectura como extensão do processo vivencial e perceptivo do ser humano. “O facto dos sentidos, de que todos os meios são extensões, serem também custos fixos sobre as nossas forças pessoais, e o facto de os mesmos configurarem igualmente a consciência e a experiência de cada um de nós”64, é algo que se interliga com o fenómeno da comunicação da Arquitectura, pois não existe comunicação sem percep-

63. Idem: 41 74

64. Idem : 34


ção, tal como não existe experiência sem a relação desta com os sentidos e a memória, o que nos alerta para o facto de “todos os meios serem metáforas actuantes na sua capacidade de traduzir a experiência em novas formas.”65 2 Os Sentidos como Meio de Comunicação Arquitectónica A razão comunicacional da Arquitectura surge enquanto fenomenologia da apropriação do ser humano na procura de uma interactividade mais concreta entre o espaço e o ser social. A referência comportamental da Arquitectura ganha forma na necessidade de concepção de uma nova razão fenomenológica do espaço. O comportamento surge como o resultado de diversos momentos de comunicação que o espaço estabelece com o ser social e apoia-se na holística dos sentidos como meio de divulgação da mensagem arquitectónica. A discussão arquitectónica contemporânea sobre o tema é ténue e encontra poucos exemplares que assumem o trabalhar do estimular de todos os sentidos como parte integrante da sua prática e método de criação e concepção arquitectónica. De arquitecturas mais conhecidas e mediaticamente mais publicadas apenas nomes como Glen Murcutt, Steven Holl e Peter Zumthor abordam essa multi-plenitude da experiência sensorial do espaço. O objectivo é, claramente, o de evidenciar o papel intrínseco da utilização do estímulo dos sentidos como processo de comunicação fenomenológica e sensorial da arquitectura para com o ser humano. O presente trabalho especifica o estudo da comunicação arquitectónica enquanto análise da capacidade de composição de diferentes meios enquanto veículos transmissores de mensagens, conteúdos, significados e situações diversas à experiência do espaço arquitectónico na plenitude da sua dimensão íntima. 2.1 O Corpo Arquitectónico e o Ambiente Humano A fisicalidade do espaço arquitectónico, a sua presença e afirmação, é suficientemente capaz de, independentemente da sua caracterização ou linguagem, estabelecer uma relação interna e invisível com o ambiente percepcionado e sentido pelo ser humano. O entender esta relação dos sentidos com a arquitectura deve portanto, numa primeira fase, tentar perceber os processos intra-psiques da relação do ser humano com

65. Idem : 71

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a arquitectura, sendo neste ponto dada especial atenção ao fenómeno da arquitectura, as relações entre a sua forma e o ambiente, enquanto meio. Importa portanto identificar as diversas dimensões da arquitectura que determinam a experiência psicológica do objecto arquitectónico, bem como o estabelecer de uma relação com a História da Arquitectura para entender, em síntese, a essência deste campo analítico e o próprio estado da arte para consciencializar um posicionamento face à actualidade e ao futuro. 2.1.1 Contextualização Histórica da Relação Começando pela regra clássica de Vitrúvio, a técnica, a função e a beleza, ainda hoje um dos principais alcances interpretativos da arquitectura contemporânea, parecem dar origem a uma interpretação apenas voltada para si própria, ou seja, trata-se de uma interpretação abstracta, formal e inerte, que não qualifica a experiência humana, essa coerente, concreta e pessoalmente mensurável, como parte integrante do processo de concepção e um elemento essencial no processo de criação e formalização da arquitectura. Sendo assim, a contemporaneidade, tal como a teoria clássica da boa Arquitectura Vitruviana, tendem a conceptualizar e interpretar uma arquitectura sem pessoas e seres sociais, uma arquitectura inerte precisamente porque lhe falta essa dimensão sensorial presente exclusivamente interpretada sobre o ponto de vista do ser humano. O edifício, hoje, tende a ser analisado no vazio sem as consequências da experiência humana sobre o espaço físico, sobre esse mesmo corpo arquitectónico. Torna-se num veículo sem mensagem pela ausência de público. Contudo, segundo Henrique Muga, “ a teoria mais recente da arquitectura deu passos importantes em direcção à psicologia, e portanto, à análise do edifício sobre o ponto de vista do habitante, individual e socialmente considerado.”66 Ao longo da História podem-se encontrar diferentes motivos para esta nova e essencial relação entre o corpo arquitectónico e o ambiente humano. A primeira, nos anos 60, corresponde a um conjunto de factores que pretendiam ligar a antropologia cultural, como a razão do conhecimento humano e a etologia, como o estudo das reacções dos instintos inatos e espontâneos, originando a proxémica como o estudo dos princípios básicos do comportamento espacial humano. A importância destas ciências tem o seu ponto máximo nas teorias de Rudolph Arnheim, relacionadas sobretudo com a experiência e o julgamento do espaço construído.

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66. MUGA, (2005): 19


De seguida, a crise funcionalista motivou o interesse em conhecer o utente ao invés de um ajuste comportamental do ser humano à imagem, presença física e transcendental do edifício. O funcionalismo é caracterizado por uma enorme devoção sobre o programa, sobre o uso e as funções, do objectivo da criação daquele elemento arquitectónico. A resposta dos funcionalistas e da arquitectura foi induzir um certo sentido científico ao desenho, precisamente porque ele reagia de uma observação científica ao comportamento dos utilizadores. Contudo, mesmo assim, o funcionalismo e posteriormente o organicismo de Frank Lloyd Wright, revelavam-se, em conjunto, incapazes de se relacionar intimamente com o Homem em todas as suas dimensões. Segundo Távora “ a arquitectura funcional considerou apenas a dimensão animal e geométrica do Homem, esquecendo-se de todas as outras”67, as dimensões sensoriais, plásticas, visuais e semiológicas. Sendo assim, podemos concluir que enquanto o funcionalismo esqueceu-se da totalidade de si próprio, o organicismo esqueceu-se do ser social e global por se concentrar apenas no indivíduo e na sua especificidade. Mais recentemente o campo de abordagem sobre o ponto de vista do ser humano passa por uma relação forte com os significados e o poder simbólico da arquitectura. Pela produção teórica e critica de Conseglieri podemos interligar práticas recentes como tendo bases no Estruturalismo Semiológico, “ que assenta na lógica do pensar, o conceito do gostar, uma análise das causas externas da elaboração do objecto e da sua apreciação”68. Por isso, a relação com o ser humano na arquitectura está do lado da interpretação dos conceitos, da forma como o ser humano entende, interpreta e se relaciona interiormente com esse conjunto de signos e símbolos pertencentes a uma determinada linguagem e fisicalidade arquitectónica. 2.2 O Corpo da Arquitectura - interpretação e posicionamento O estudo do corpo arquitectónico insere-se na intenção de entender a essência formal do espaço, para assim, compreender a base dos seus elementos mais simples e a pertinência do emprego dos sentidos enquanto meio de divulgação da mensagem e da intenção do espaço, como essencial forma física comunicante. O objectivo de estabelecer uma arquitectura verdadeiramente comunicante com o ser humano apela precisamente à simplicidade e objectividade dessa mesma comunicação, simultaneamente da perspectiva conceptual e construtiva da arquitectu-

67. TÁVORA, (1999): 41 68. MUGA, (2005): 21

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ra, através do seu corpo, seja através dos elementos sensoriais mais básicos do ser humano abordados posteriormente. Sendo assim, e tendo por base, à semelhança de Muga, as teorias interpretativas do papel do corpo arquitectónico no seu processo de comunicação com o ser humano e com o ambiente externo, a tónica específica neste caso será exposta ao nível da capacidade que cada um desses elementos tem de estabelecer comunicação com cada um dos sentidos inatos do ser humano, objectivo fundamental do presente momento de reflexão. Norberg-Schulz integra a arquitectura como base e expressão cultural de um ambiente existente, claramente definido. A sua verdadeira função é a capacidade que tem de melhorar a relação e a experiência do ser humano com esse mesmo ambiente existente, quer seja construído, quer seja natural, ou simplesmente, o ambiente sensível, da experiência real, daquele lugar ou espaço. Para tal, Norberg-Schulz interpreta a totalidade dessa “fisicalidade” do espaço em três dimensões, distintas mas complementares: A forma, a técnica e o uso. A forma é subentendida em três divisões: a massa, o espaço e a superfície. Massa, enquanto corpo tridimensional relacionando-se sobretudo com a visão, como noção de peso imagético. O espaço é interpretado como um limite superficial identificador da massa em si. Ao espaço podemos inserir a capacidade de ser o suporte do ambiente, o suporte do meio. O olfacto, a visão e a audição inserem-se neste limite e neste ambiente controlado. As superfícies são a membrana desse mesmo limite, são o elemento da forma que caracteriza a imagem e a textura desse mesmo espaço. Sendo assim, os sentidos estimulados são necessariamente a visão, o tacto e a audição. O tacto trata-se de um elemento epidérmico que permite o simples acto de tocar, e o sentir da presença física e real da arquitectura, sem qualquer ilusão. A técnica é uma componente do corpo da arquitectura que está relacionada com a sua complexidade física e funcional e, portanto, perceptiva. A arquitectura para a sociedade da comunicação e a sua necessidade de constante informação, encontra aqui uma dimensão sensorial diferente e uma oportunidade distinta para o acto de comunicar. Embora Norberg-Schulz encara esta possibilidade como indo para além dos materiais e da sua lógica compositiva, a percepção e a interpretação humanas podem-se relacionar directamente com esta componente mais corpórea que afirma a presença do espaço e do objecto arquitectónico. A percepção desta complexidade técnica pode dar origem a reacções físicas e sensoriais por parte do ser humano, pois é a partir dela que simultaneamente são geradas as características imagéticas do espaço. A forma de trabalhar os acabamentos, por exemplo, influenciam a leitura do 78

espaço, consequentemente a sua apropriação, e a forma como o estímulo desses


mesmos sentidos são passados e trabalhados pelo arquitecto, de acordo com as necessidades e expectativas desses mesmos seres sociais. O uso corresponde a um factor social da própria arquitectura e é extremamente importante na relação com os sentidos a estimular. É necessário que consoante o uso do espaço seja feito um estudo sobre as necessidades sensoriais dos utilizadores-tipo daquele espaço no sentido de reforçar o papel comunicante da arquitectura. Por exemplo, um espaço fúnebre ou um cemitério exige necessariamente atenção ao tom da cor e portanto ao estímulo visual criado. Uma cor tranquila apelando à paz e à transcendência é exigida por essa necessidade interna do ser humano. A envolvência deste espaço pode ser reforçada pela dimensão táctil do seu conforto. Uma superfície mais mole, mais quente pode induzir um certo bem estar e uma sensação de aconchego exigida pelo estado de espírito do utilizador naquele preciso momento. Ao mesmo tempo, um edifício como uma biblioteca deve reforçar a sua comunicação com o ser humano através da expressão táctil das texturas homogéneas, contrastantes com o ritmo e a variedade dada pelos livros, apelando a uma certa tranquilidade exigida pela necessidade de concentração e reflexão. Na dimensão visual, por exemplo, os tons claros das superfícies podem dar origem a um melhor transporte da luz e a um reforço do significado do livro enquanto elemento simbólico de cultura, conhecimento e evolução. A matéria como a madeira reforça o estímulo olfactivo do papel e ajuda a criar esse sentido de pertença do uso na memória sensorial do ser humano. O uso transporta-se assim para uma dimensão menos científica e mais artística do ponto de vista expressivo das qualidades e experiências de fruição do espaço. 2.3 A Humanização do Ambiente - objectivo Esta capacidade de comunicar da arquitectura ganha assim uma dimensão sensorial mais directa e ao mesmo tempo mais abrangente no campo da humanização do ambiente. Este ambiente torna-se humano quando nele existem propriedades que estimulam os seus sentidos inatos complementares à capacidade de comunicar da arquitectura através da semiologia, enquanto estudo dos signos, e da semiótica, enquanto estudo do sistema que relaciona esses signos com as representações mentais sobre o ser humano, o significado de cada elemento. Tudo isto torna-se pertinente precisamente pelo facto da definição de ambiente conter uma dimensão física e uma dimensão social. Os sentidos têm uma relação híbrida entre estas dimensões. Por um lado, a dimensão física relaciona como propriedades ambientais, a luz a cor, o som, a temperatura, a textura, o cheiro característico com essa capacidade de estabelecer no consciente humano a memória física e sensorial

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daquele preciso momento. A dimensão social está expressa na estrutura social do espaço, nas suas actividades, as relações sociais provocadas e os padrões de cultura que identificam simultaneamente as expectativas e as necessidades da população. Os sentidos como meio de comunicação arquitectónica estabelecem esta passagem, daí o emprego da palavra “meio”, pois é lhe atribuída a função de veicular esse acto de comunicação. A verdadeira dimensão desta comunicação atenta nas características deste ambiente social, característico e específico de cada lugar, pelas suas vontades, pelo conjunto de signos sociais que identificam a cultura, os gostos, as necessidades de informação, a estética são todas elas características intervenientes que devem ser interpretadas em específico em cada meio ambiente, em cada lugar social a intervir, para saber as especificidades dos elementos de comunicação a implementar e consequentemente os sentidos físicos e sensoriais a estimular. Pensa-se que a verdadeira essência da Arquitectura reside nesta dimensão que vai para além de “definir as coisas como puros objectos e sem qualquer atributo humano.”69 2.4 Mentalidade e Percepção Íntima A capacidade comunicante da arquitectura estabelece uma ordem primordial entre o corpo arquitectónico e o ambiente provocado ao ser humano através de estímulos sensoriais que vão para além da representação imagética, do espectáculo, e ganham uma dimensão mais intrínseca ao comportamento do ser humano pois, como já foi referido, corresponde às necessidades reais, físicas e psicológicas do ser humano, num determinado espaço e num determinado momento. Assim, torna-se fundamental perceber os processos básicos sobre os quais o Homem interage como ambiente estabelecendo a ponte com a exploração futura dos sentidos do ser humano e da sua relação intrínseca com a experiência arquitectónica. Como refere Muga “ o Homem interage com o ambiente através da percepção, da memória ,da afectividade e do pensamento”70. Este ambiente sensível ganha uma dimensão interessante com a analogia de Mearlau-Ponty à descrição de Sartre do “meloso” enquanto capacidade desse fluído lento e consistente, que se entranha, se agarra e que escorre lentamente. (Figura 12) Este processo exige que a arquitectura reavive esse estímulo da memória cognitiva do ser humano, constantemente. O processo de comunicação constante, e esta necessidade real da experiência intimista do espaço contextualiza a capacidade metamórfica

69. MERLEAU-PONTY, (2003): 37 70. MUGA, (2005): 27 80

Figura 12 “ A apropriação do mel ”; Fonte: Produção Própria apartir de fontes múltiplas


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da arquitectura como instrumento de acentuar e renovar constantemente esse processo de comunicação. “Na alma relaxada que medita e que sonha uma imensidão parece esperar as imagens da imensidão”71 . A imensidão dos sentidos que são provocados pela arquitectura e pelo ser humano como sendo a verdadeira essência da arquitectura comunicante. “ O mel metafórico não se deixa encerrar. Aqui no espaço íntimo da árvore, o mel é algo mais que uma medula. É o mel da árvore que vai perfurar a flor. Ele é o sol interior da árvore.”72Esta energia interior das coisas está inerente à componente metafórica e simbólica das intervenções. Este mel nasce como sendo a essência da comunicação arquitectónica e dos sentidos como meio de comunicação e forma de estabelecer elos de ligação fortes com o ser humano. Estas duas analogias entre a capacidade sensorial da percepção íntima do espaço com o mel enquanto matéria física, pela sua forma de reagir com o exterior apontadas por Merleau-Ponty e Bachelard torna-se interessante pela consciência e pela consistência de uma evidência inteligível e perceptível. “Ao mergulharmos no mundo percebido, longe de termos estreitado o nosso horizonte, de nos termos restringido à pedra ou à água, reencontraremos o meio de contemplar na sua autonomia e na sua riqueza original as obras de arte, da palavra e da cultura.”73 Por um lado, esses estímulos entranham-se na memória como o mel das superfícies. Perduram no tempo e no nosso subconsciente como o mel escorre das massas e desaparece se não se renovar e o seruutilizador não continuar a ser estimulado. Humanizar o ambiente significa tornálo num elemento perceptível pertencente a um processo de aculturação constante e simplesmente inteligível. 2.5 A Dimensão Sensorial da Experiência Neste momento da reflexão, estudadas as relações entre o corpo arquitectónico e o ambiente e a capacidade perceptiva da intimidade do espaço por parte do ser humano, torna-se importante e pertinente abordar os sentidos humanos por si só, a sua relação com a arquitectura e a sua capacidade comunicante. Deste modo, a visão, a audição, o tacto e o olfacto ganham uma dimensão comunicativa forte com o ser humano, merecendo assim o seu estudo em particular e reforçando estes sentidos como o meio de estabelecer essa comunicação numa dimensão mais íntima e mais

71. BACHELARD, (2003): 196 72. idem : 206 82

73. MERLEAU-PONTY, M., (2003): 61


intrínseca às necessidades e expectativas mais genuínas do ser humano. “ A tarefa mental e essencial da arquitectura é o alojamento,(conforto cómodo) e a integração”74. Integração no sentido da envolvência do espaço relacionada com a intimidade do ser humano, permitindo à arquitectura “comprometer-se completamente nas dimensões mentais do sonho, da imaginação e do desejo.”75 2.5.1 Visão Desde ao longo de toda a História que a visão foi considerada como o sentido mais nobre e mais importante no processo de concepção e assimilação da informação e do conhecimento. Já desde a Civilização Grega por intermédio de Heraclito, Platão e Aristóteles, a visão era reconhecida como a grande dádiva humana “ porque aproxima o intelecto da virtude imaterial do conhecimento”76. No Renascimento, o trabalhar de todos os sentidos, exacerbadamente explorado no Barroco, tinha na visão o elemento compositivo mais forte que o ligava ao ser humano, e “ à imagem do corpo cósmico”77. A representação perspéctica de Alberti coloca a visão como o enfoque do mundo perceptivo adaptando a realidade à estrutura da percepção visual do ser humano. Os reflexos deste acontecimento na Geometria, como disciplina influenciam inclusive os dias de hoje. Para além do papel superficial da imagem, interessa perceber, sobretudo, as limitações da mesma para entender o facto de que a arquitectura se confronta com dicotomias como a existência humana no espaço e no tempo, através da sua experiência. “ O ser próprio e individual e a sociedade, o interior e o exterior, o tempo e a duração, a vida e a morte”78 são problemáticas da arquitectura que exigem outras respostas e sobretudo outros estímulos para o ser humano. Esta primazia actual pela visão tem sobretudo a ver com a necessidade de controlo e de poder por parte da sociedade actual, de fixar e de hipnotizar, congelando reacções, e sobretudo controlando-as. Como refere Pallasmaa “ o domínio do olhar e da visão em suprimento dos outros sentidos levam-nos a um distanciamento, isolamento e à exterioridade”79. Não podemos negar a capacidade que a visão tem de provocar reacção, mas certamente podemos afirmar que o seu uso em detrimento dos outros sentidos dá ori-

74. PALLASMAA, (2005): 11 75. Idem, ibidem 76. Idem, ibidem 77. Idem, ibidem 78. Idem : 13 79. Idem : 15

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gem a uma experiência arquitectónica incompleta, não facilitando o enraizamento quer do ser humano, quer do edifício sobre a sociedade e a realidade existente do local onde se insere. Isto está explicito nas tentativas falhadas do modernismo de se enraizar na cultura social vigente. A sua forte componente abstracta e inerte, que dava primazia à visão e ao campo dos significados próprios do desenho da sua técnica deu origem à negação do “ gosto popular e dos seus valores”80, das necessidades da sociedade da comunicação para a qual a arquitectura se estabelece como um serviço. “A arquitectura modernista deu primazia ao intelecto da visão, mas esqueceu-se do corpo e dos sentidos, bem como das nossas memórias, imaginação e sonhos, deixando-os sem abrigo”81. De facto, esta primazia da visão origina um processo narcisista de comunicar a arquitectura e fundamentalmente de a perceber. O consumo das imagens faz com que o papel da visão se esgote em si mesmo e esgote também a própria imagem e capacidade de comunicação da arquitectura. A expressão própria e o jogo conceptual artístico distantes das reais necessidades da sociedade dão origem a um isolamento do edifício como peça, que com o passar do tempo torna-se insignificante, precisamente porque não renova os seus processo de comunicação, já de si incompletos. É necessário ir para além da atitude especulativa e consumista das imagens da televisão, dos jornais, da publicidade e dos outros meios de comunicação que medem a importância das coisas através da sua capacidade de serem mostrados ou de se mostrarem a elas próprias. Contudo, e apesar do aviso em relação ao exaustivo, descontextualizado, e repetitivo uso das imagens, a componente visual da arquitectura torna-se mais interessante quando tentamos entender a relação com o ambiente e com a sua capacidade de definir o espaço. É um facto que cerca de 80% das fibras nervosas que chegam ao nosso cérebro são provenientes da visão, daí a sua preponderância da visão na arquitectura e no processo de conhecimento do Homem, e da contiguidade com a sua realidade exterior. A luz é o veículo dessa transmissão de informação. Sem a luz não se distinguem as cores e as propriedades de cada objecto na sua dimensão interactiva mais primária. Essa luz pode ser trabalhada ao nível dos estímulos que provoca, as leituras do espaço que permite, níveis de adaptação sensorial, níveis de acuidade visual como sendo a capacidade que distingue os pormenores numa última escala de legibilidade. Isto reveste-se de especial importância quando o objectivo passa por criar uma ar-

80. Idem, ibidem 84

81. idem : 19


quitectura comunicante que vá de encontro às necessidades da Sociedade da Informação. Sendo assim, a intimidade da luz é um factor fundamental neste processo de comunicação. Este processo é influenciado pela função e o uso do próprio espaço variando tanto na sua intensidade, na sua direcção e na sua capacidade cénica. A distância do elemento comunicante também é fundamental para a sua leitura e necessariamente para a afirmação da sua presença. Podemos antecipar o papel comunicativo de um determinado elemento colocando visível e perceptível a uma longa distância, o que obriga o ser humano a percorrer todo o espaço até ser perceptível a sua mensagem, reforçando-a. Outra questão é o tempo de fixação. Quanto mais tempo um determinado elemento se torna visível melhor comunicará a sua mensagem, mas também, ao invés, mais rapidamente essa mensagem se desgasta, tornando-se ons elementos mais susceptíveis de exigir a sua própria renovação. Por outro lado, é interessante perceber o facto do ser humano nunca ter a relação ideal da concepção e contemplação do objecto arquitectónico, os 27 graus como ângulo óptimo de visionamento. Daí por vezes se referir que a representação bidimensional dos alçados ser uma mentira, pois é um momento perceptivo que nunca irá existir. Da interpretação global deste jogo visível entre o ser humano e a arquitectura interessa perceber agora as suas consequências sobre o tempo e, posteriormente, sobre os objectos. O tempo pode ser interpretado na sua dimensão fenomenológica das estações do ano e necessariamente as suas variações lumínicas, bem como o tempo que demora a percepcionar a mensagem de cada elemento. Neste ponto é pertinente relacionar a visão e a luz com a cor como sendo o reflexo da matéria. A dimensão expressiva da cor é dada pelo comprimento da onda luminosa, variando o claro e o escuro pela intensidade de luz e pelo brilho da própria superfície. O papel da superfície é importantíssimo na percepção da luz e necessariamente do papel da visão na arquitectura. “ Em condições normais de iluminação, uma superfície lisa é muito mais reflectora do que a superfície rugosa, que absorve mais luz; por consequência, a mesma cor parece geralmente mais clara sobre uma superfície lisa do que sobre uma superfície estruturada”82. Ao mesmo tempo, entre elas as cores reagem mutuamente sobre critérios de luminosidade, “ onde uma cor é mais clara sobre um fundo mais escuro que ela do que sobre um fundo mais claro”83. A temperatura, a complementaridade, a simultaneidade e assimilação são processos estudados que fazem parte da assimilação e percepção do espaço. É fácil de

82. Idem, ibidem 83. Idem, ibidem

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perceber que uma cor vermelha, por ser associada ao fogo e ao quente, dá origem a espaços com maior entusiasmo enquanto que o verde, por ser associado à natureza adquire uma maior sensação de tranquilidade. Estes sentimentos vão para alem do imediato e do óbvio que varia com a percepção particular de cada ser. Essa relação pode dar origem a espaços que modificam a sua cor consoante o estado de espírito comum num determinado momento à semelhança da intervenção do britânico James Turrel no projecto do KunstMuseum em Wolfsburgo, na Alemanha. Neste projecto é abordada de forma directa a influência da cor sobre a percepção espacial. A resposta interactiva e metamórfica torna-se referência no trabalhar da comunicação do espaço introduzindo mensagens e emoções que perduram no tempo. Turrel homenageia o utilizador através da cor cujo espaço reage à mudança das condições do ser humano utilizador daquele espaço. (Figura 13) 2.5.2 Tacto Como já foi referido, apenas trabalhar a comunicação da arquitectura com o ser humano através dos estímulos visuais não corresponde aos paradigmas daquilo que se acredita ser uma arquitectura para a Sociedade da Comunicação e da Informação, comunicante, interactiva e narrativa. Como refere Pallasmaa “ uma tensão entre a consciência das intenções e a condução inconsciente é necessária para um trabalho com o objectivo de abrir a participação emocional do utilizador”84, originando um narrador participante. O tacto é preponderantemente o sentido menos explorado na arquitectura do último século e também de uma grande maioria da prática arquitectónica contemporânea. A sua relação com a visão é forte e complementar. Facilmente podemos entender que a visão de uma determinada textura interioriza na memória do observador a experiência do seu toque. No capítulo de Pallasmaa entitulado “ a forma do toque”, o arquitecto finlandês liga a experiência táctil da arquitectura à escultura. “ A pele lê a textura, o peso e a massa, a densidade, a temperatura das matérias.”85 A experiência táctil relacionase fisicamente com os objectos, com o toque, é uma importante forma de comunicar a experiência arquitectónica através da “fisicalidade” do espaço. O tacto não deve ser trabalhado apenas através das mãos. A experiência táctil é algo que reveste todo o nosso corpo, desde a cabeça até aos pés. Talvez por isso grande parte da memória relaciona instantaneamente as experiências visuais com as tácteis. 84. MUGA, (2005): 43 85. PALLASMAA, (2005): 29 86Figura 13 “ James Turrel, Instalação KunstMuseum, Wolfsburg ”; Fonte: www.designboom.com, acedido a: Novembro 2009; disponível em www url: < http://www.designboom.com/weblog/cat/10/view/8017/james-turrell-the-wolfsburgproject-at-the-kunstmuseum-germany>


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Como refere Muga, “ o tacto é o sentido mais primitivo da realidade”86 e está completamente interligado à memória sobretudo pela sua ligação com a forma e com a temperatura. A temperatura influencia o comportamento do ser humano e neste caso a influência é externa à vontade própria do utilizador. A provocação, o estímulo é imediato. O estado emocional do ser humano varia consoante a quantidade de pessoas que estão num determinado espaço físico. Espaços vazios tendem a ser mais frios do que espaços imensamente ocupados. A atitude arquitectónica pode variar neste contexto. Introduzir um aumento de temperatura através da cor ou das propriedades físicas dos materiais em espaços pouco ocupados pode tornar o espaço mais envolvente, mais confortável e necessariamente mais comunicante com a essência perceptível do utilizador. Esta necessidade deve ser trabalhada de acordo com a especificidade da intervenção tendo em conta o público alvo, o programa, a função, e a essência histórica e cultural do próprio lugar. O caso de Ai Wei Wei remete-nos para um campo simbólico dessa mesma experiência táctil. A alegoria do toque é enfatizada no seu projecto “Template”, uma estrutura efémera que enraíza a imagem textural de uma identidade arquitectónica com a sua raiz cultural, propondo-a como contemplação da imagem de um abrigo. O conforto é totalmente voltado para a matéria e a sua reacção ao exterior. A mensagem só é lida através da percepção física do material e está intimamente ligada ao simbolismo. A alegoria cultural expressa nessa textura relaciona-se com o significado de todo aquele conjunto de madeira pertencer a uma dinastia passada e extinta da sociedade japonesa. (Figura 14) Num registo diferente encontra-se a obra dos arquitectos holandeses Neutlings Riedjik, o Instituto Holandês do Som e da Visão. Aqui, a expressão da dimensão táctil está sobretudo ligada com a experiência do toque e da temperatura. Neste aspecto, a luz solar e os efeitos do tempo natural são fundamentais. As cores acentuam-se em momentos específicos de acordo com a utilização do espaço. Através da luz simulamse temperaturas nos vidros contrastando com o aspecto frio e rugoso da matéria absorvente dos pavimentos. Como se denota nas imagens existe um claro contraste quando o espaço está ocupado e quando está vazio. Quando ocupado, essa transmissão está mais ligada à temperatura, quando vazio essa dimensão táctil da experiência liga-nos mais à expressão textural das matérias utilizadas. (Figura 15)

86. MUGA, (2005): 43

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Figura 14 “ Projecto Template, Ai Wei Wei ”, Fonte: www.flickr.com, acedido a: Dezembro 2009; disponível em www url: < http://www.flickr.com/photos/10069497@N06/2295008842/> Figura 15 “Instituto do Som e da Imagem, Neutlings&Riedjik”, Fonte: Neutlings&Riedjik.com, acedido a: Dezembro 2009; disponível em www url: < http://www.neutelings-riedijk.com/index.php?id=13,37,0,0,1,0>


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2.5.3 Olfacto O olfacto é um sentido que comunica com o ser humano de forma directa e gera, quando os odores são fortes e identificativos, uma presença na memória do ser humano mais ligada ao gesto da experiência. Desde o cheiro com que identificamos os eucaliptais do Minho, o cheiro da neve, o cheiro das casas de Verão, da madeira e dos livros, são formas que no nosso interior sensível dão origem a representações concretas e segundo às quais nos relacionamos sobretudo com a natureza desse mundo percebido de Merleau-Ponty. Pela ausência de referenciais concretos e pela forma como se entranha na memória, os odores são difíceis de descrever precisamente pela forte experiência que provocam. Os odores, também pela sua infinitude de variações e possibilidades, e pela comparação que nos exige repentinamente na memória dão origem a no nosso subconsciente estabelecermos ordens de comparação entre odores experimentados anteriormente, num processo semiológico interno de gerar automaticamente metáforas sobre uma determinada experiência comportamental. A capacidade e a vastidão da imaginação que os cheiros provocam e a sua profunda relação com a Natureza, têm na arquitectura japonesa um exemplo e obra peculiar. Trata-se da Casa de Chá Tetsu de Ternubu Fujimori. Aqui, o arquitecto mimetiza essa capacidade de sonho dada pela memória do lugar existente e finaliza esse objecto arquitectónico, materializado apartir de uma imagem de uma experiência olfactiva do gesto ritual inerente ao seu principal uso e finalidade. (Figura 16) 2.5.4 Audição A audição é por ventura o menos expressivo destes sentidos na prática arquitectónica, sobretudo devido ao seu estudo estar somente ligado à mera solução técnica da acústica. Não menosprezando a sua importância nesta dimensão, a intenção é saber explorar este sentido de maneira a dar forma à comunicação entre a arquitectura e o ser humano. Sensivelmente, “ a visão focaliza e isola, enquanto que o som incorpora. A visão é direccional, enquanto que o som é omnidireccional.”87 Isto remete-nos para a especificidade da interpretação axial do contexto por parte do ser humano, abordada mais à frente, enquanto fenómeno interveniente da comunicação arquitectónica. Como já foi referido, a audição na arquitectura vai para além da mera solução técnica da acústica. Ela pode efectivamente gerar respostas por parte do edifício a um som 87. PALLASMAA, (2005): 29 90

Figura 16 “ Casa de Chá Tetsu, de Terunobu Fujimori ”; Fonte: Masuda Akihisa, acedido a: Dezembro 2009; disponível em www url: < http://materiadesigns.files.wordpress.com/2010/11/terunobu-fujimori-design5>


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emanado pelo utilizador. Esta capacidade comunicante da arquitectura tem muito a ver com a capacidade de reacção do próprio edifício às acções do utilizador, bem como às circunstâncias específicas da própria envolvente. É um facto que o som tem a capacidade de complementar as impressões visuais que temos e acentuar a continuidade de um determinado movimento ou acontecimento. Numa arruada é forte a presença do som dos passos das inúmeras pessoas. Esse som aloja-se na nossa memória. “Quando o som de fundo é retirado de um filme, a cena perde a sua plasticidade e a sensação de continuidade e de vida”88. O som é também uma forma de evocar atitudes do próprio espaço. “ Cada espaço físico tem a sua característica sonora de intimidade, monumentalidade, convite e rejeição, hospitalidade e hostilidade”89. Cada espaço, através do som, enaltece a consciência do ser humano sobre si próprio e sobre os outros seres sociais. Em espaços silenciosos aumenta a capacidade de reflexão e em espaços ruidosos o utilizador ganha consciência do meio social onde se insere. Embora seja um facto que os grandes espaços de hoje e a sua escala ampla e totalmente aberta não reflectem o som com tanta acutilância quanto as ruas da cidade antiga, é importante perceber que o som tem essa capacidade de reavivar a memória de um lugar, a memória da presença de outras pessoas, do reforçar o simbolismo de um determinado elemento característico de um espaço. Sobretudo como meio quente, mas também frio se conjugado com outros sentidos, importa ter a capacidade de interpretar o som como um elemento aditivo de memória. Relacionando com a metamorfose comportamental do edifício e o carácter que se pretende induzir num determinado espaço, procurando e relacionando diferentes públicos em diferentes alturas do dia, as matérias, consoante os perfis de utilização humana podem adquirir diferentes capacidades de reverberação, como se ora o edifício renegasse a presença humana, ora a acentuasse a sua expressão reforçando o seu papel de interveniente e de participante. É neste contexto que emerge o projecto do arquitecto dinamarquês Olafur Eliasson para a cidade de Nova Yorke. O projecto surge na intenção de reavivar a memória do som do rio Hudson, entretanto perdida com o desenvolver e o crescer da cidade. De uma estrutura efémera passou a permanente pela reacção da população à frescura daquelas quedas de água colocadas em sítios estratégicos da cidade. Aqui o som surge como a matéria fulcral do projecto que comunica, simplesmente, através do estímulo de um sentido auditivo, tornando-se num meio quente de comunicação e numa forma de comunicação muito mais acutilante e referencial. (Figura 17)

88. MUGA, (2005): 57 89. PALLASMAA, (2005): 49 92

Figura 17 “ Cascatas de Nova Iorque por Olafur Eliasson”; Fonte: www.flickr.com, acedido a: Agosto 2010; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/dreher21/2988081628>


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2.6 O Sentido da Memória O processo de comunicação arquitectónica, utilizando como meios base para veicular essa necessidade de comunicação e de recepção de informação por parte do ser humano, o estímulo dos sentidos humanos, tem como objectivo interiorizar na memória humana informações sensoriais e perceptivas sobre o espaço, para assim fazer perdurar a mensagem e o valor da própria arquitectura através da experiência provocada, apartir da particularidade do seu mundo percebido. A memória surge como uma síntese destes estímulos, surge como uma espécie de “intermediária entre nós e o ambiente”90. A memória é portanto um processo abstracto do conhecimento pois acaba por se tornar como uma ponte entre as quais o ser humano compara experiências vividas ou faladas. São factos, acontecimentos que ficam registados e que por si só reaparecem na mente humana através da reacção a estímulos. A capacidade comunicante da arquitectura não deve ser apenas momentânea, mas sim fazer perdurar o seu papel intemporal sobre o tempo. Para isso, tem um forte aliado na metamorfose da sua mensagem e na memória que o ser humano guarda da experiência real e sensorial que obteve ao utilizar a própria arquitectura. Este conceito da metamorfose refere-se sobretudo à exigida mutação do estímulo que a atitude comportamental da Arquitectura tem a capacidade de provocar. A memória parece tornar-se como a rede intra-psique que controla e relaciona no tempo os próprios sentidos como meio de comunicação. É a memória que estabiliza o significado da experiência arquitectónica sobre o espaço tornando-se um elemento importantíssimo para a arquitectura comunicante pela sua capacidade de a tornar sempre presente no subconsciente do ser humano e ir para além da arquitectura inerte que a arquitectura recorrente apresenta. A memória é o último capítulo desse processo de comunicação, o afirmar intemporal dessas experiências sensoriais provocadas pela arquitectura. É necessário perceber que os sentidos são esse meio veiculativo da comunicação entre a arquitectura e o Homem, pois na sua essência, “ A arquitectura permite-nos percepcionar e entender a dialéctica da permanência e da mudança, para nos inserirmos no mundo e para colocarmo-nos na continuidade da Cultura e do Tempo”91. A arquitectura para a Sociedade da Comunicação e da Informação, pela velocidade com que as coisas acontecem exige este forte campo sensorial da experiência do espaço.

90. Idem, ibidem 94

91. Idem : 71


Torna-se pertinente o estudo dos elementos de produção arquitectónica que permitam de forma concreta relacionar estes estímulos sensoriais com a prática arquitectónica sempre relacionada com a cultura, essência da sociedade pertencente a um determinado lugar, enquanto verdadeiros intervenientes do fenómeno comunicacional do espaço. Para a Sociedade da Comunicação e da Informação é importante perceber a informação e os estímulos que necessitam de ser trabalhados pela arquitectura defendendo a posição disciplinar face à actual disparidade intelectual sobre o tema. Isto permite-nos ir para além do espectáculo e estabelecer uma comunicação entre a arquitectura e o ser humano da forma mais íntima possível através de experiências que se alojam na memória e que se vão renovando ao longo do tempo. 3 A Capacidade Narrativa da Arquitectura Da exploração comunicacional dos sentidos enquanto foco e meio de comunicação arquitectónica interessa, no presente momento, explicitar a capacidade narrativa e comunicacional dos seus intervenientes fundamentais para a construção e concepção de uma arquitectura interactiva e diversamente estimulante para este novo ser social proveniente da Sociedade da Informação e da Comunicação. Esta necessidade nasce de uma crença que interpreta a Arquitectura, enquanto desenho e projecto, e também como construção, num produto e num veículo de desejos, ansiedades, devaneios e idealizações do mesmo tipo que as narrativas ficcionais. A capacidade da disciplina da Arquitectura conjugada com a necessidade actual do território e da paisagem atópica faz emergir a necessidade da geração de ambientes e situações definidas através de contextos delimitados, mas com a capacidade de proliferar a sua mensagem e a sua influência por todo o território, tendo como processo de propagação da narrativa dessa mesma experiência proporcionada. Como situações definidas, criam as diversas acções da trama narrativa em processo de oposição constante entre conceitos aparentemente antagónicos do facto e da ficção, do capricho e da realidade, do estímulo e da truncagem, indo claramente para além, e bem ao fundo, de um culto por uma aparência que não mente e que sem a qual nada existe e nada é verdade. É certo que por dentro dessas aparências existe uma camada invisível e fora do alcance humano. Essa camada varia estimula e surge como ideia de ordem e de reacção natural das coisas enfatizando o significado do acontecimento em si, importantíssimo na sua permanência na memória do ser social actual. Esta ideia de ambiente definido pela Arquitectura e da Narração enquanto processo de construção desse ambiente surge verdadeiramente como o aconteci-

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mento comunicado. Da atitude comunicacional inerte da generalidade das intervenções contemporâneas, apoiadas na mimetização dos conceitos e das linguagens do modernismo higienista do pós-guerra, esta atitude comunicante interactiva, e conceptualmente comprometida com a pertinência do gesto arquitectónico, parece ter como forte aliado histórico toda transversalidade da herança Situacionista, apenas pontualmente referenciada na condição contemporânea da disciplina. (Figura 18) Aparentemente, a contextualização social, económica e política pode fazer parecer superficial a abordagem a uma questão interna à disciplina da Arquitectura. A crise económica actual faz emergir conceitos como o baixo custo e a sustentabilidade das intervenções como sendo prementes para a reflexão do papel disciplinar na Sociedade. Este contexto baixa a capacidade imaginativa das intervenções criando uma ideia falsa e vazia de contenção, aliada aos conceitos de responsabilidade social. Sobre este ponto, a investigação parece tomar uma posição clara. Como refere Jeffrey Inaba, “ a crise existe quando o espaço que nos envolve não consegue ser explicado”92, deixando-nos um verdadeiro vazio referencial e existencial, de onde emergem os referidos lugares atópicos, sem expressão, que surgem como pertinentes plataformas de intervenção para a Arquitectura actual. Falamos, portanto, da necessidade de uma nova orientação social e consequentemente da aproximação disciplinar para com a Sociedade. A profundidade das intervenções, definindo e balizando a referida especificidade dos contextos, surge precisamente através da concepção das intervenções com uma forte carga simbólica emergente da narrativa compositiva que interliga o lugar existente ao ser humano, criando um novo laço comunicante. “ A narrativa explica o espaço e as Histórias são importantes para os arquitectos porque dão forma e fundamento às suas propostas arquitectónicas.”93 A ambivalência da questão e capacidade narrativa da Arquitectura torna-se fundamental. Por um lado, ao ser conceptualmente interpretada surge como a forma de estruturar um raciocínio de uma intervenção ou dos valores e da identidade de uma proposta e, ao mesmo tempo, da forma como se estabelece essa necessária comunicação e ligação com o ser social no seu processo quotidiano. A aproximação destes dois conceitos entre a perspectiva intra-disciplinar da Narrativa à posterior comunicação dos valores da Arquitectura ao exterior surge como uma outra perspectiva da responsabilidade social do arquitecto. O argumento da história torna-se o elemento de ligação e de comunicação com o ser social, enquanto

92. INABA, (2009): 2 93. Idem, ibidem 96

Figura 18 “ Archigram 1961-74, poster.”; Fonte: Ralph Schraivogel, acedido a: Julho 2010; disponível em www url: <http://pentagram.com/en/new/2008/06/abbotmiller>


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espaço físico construído e enquanto fenómeno comunicacional do discurso da arquitectura em si. Tudo isto permite-nos uma maior ligação entre o significado da Arquitectura e a capacidade de interpretação do ser humano da mesma, originando um maior alcance da Verdade das intervenções, da essência e do simbolismo das experiências individuais e colectivas do ser humano. A verdade da essência das coisas e da experiência humana é certamente superior à aparente certeza criada pelo sistema económico, manipulável e sobretudo falível e ausente de qualquer fantasia. A verdade tem o seu valor, assim como a fantasia. Esta aproximação narrativa entre a verdade conceptual do objecto arquitectónico e a comunicação da mesma sobre os mais diversos suportes, em conjunto, moldam uma forte resistência e contrariação à apatia e resignação dessa actual separação entre o ser social e a arquitectura contemporânea. Bjarke Ingels parece interpretar esta ambivalência comunicacional da capacidade narrativa da arquitectura de forma exemplar. (Figura 19) As suas intervenções interpretam conceptualmente os contextos e criam tramas próprias que persuadem os diversos intervenientes evidenciando atributos do espaço, através dos seus conteúdos programáticos, matérias e expressões volumétricas, exponenciando a capacidade interpretativa e imaginativa desses mesmos intervenientes e exponenciando a capacidade simbólica das realidades criadas, dos contextos definidos a partir da estrutura mental do ser social enquanto indivíduo e enquanto ser colectivo pertencente a uma comunidade. Como refere Jeffrey Inaba, “uma simples, destilada história que clarifique um estado de crise e que origine uma reformulação das políticas de intervenção para melhor entender e inspirar o ambiente físico circundante, definitivamente vale a pena contar.”94 Esta aproximação disciplinar ao exterior, a partir da sua capacidade narrativa, é tão fundamental como a exploração da condição intra-disciplinar que as exigências contemporâneas trazem para a concepção dessas mesmas estratégias de intervenção. Torna-se fundamental o estudo dos intervenientes dessa capacidade narrativa da arquitectura apoiada por uma forte componente simbólica e metafórica, pelas disciplinas da semiótica, da hermenêutica e da semiologia como processo de descodificação da mensagem, complementar ao processo provocado pela experiência em si e capaz de evidenciar, através do significado de cada momento, as alterações comportamentais do edifício ou das estratégias interpretadas como manifestações comunicacionais da Arquitectura. A capacidade de variação de estímulo, a mudança constante, determinada em 94. Idem, ibidem 98

Figura 19 “ YES IS MORE, Anacronia da obra de Bjarke Ingels ”; Fonte: bustler.net, acedido a: Junho 2010; disponível em www url: <http://www.bustler.net/images/uploads/skitched-20090202-154146>


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momentos específicos, toma como base referencial as características da Sociedade da Informação, mas também o facto da existência de uma metáfora linguística que interliga a Palavra do arquitecto, o seu discurso, à sua Arquitectura. Estes diferentes estímulos surgem como diferentes momentos narrativos e necessariamente distintas formas de comunicação. A semiótica, enquanto estudo dos signos, relaciona a linguagem das coisas enquanto manifestação de elementos significantes, os intervenientes, e o significado das coisas, enquanto capacidade que esses distintos elementos têm de, em conjunto, se imbuírem de valor próprio descodificável pelo ser humano. A importância da Semiótica parece portanto estar na forma como relaciona os meios de comunicação com os intervenientes, o que eleva a narrativa como fenómeno de conjugação de múltiplas atitudes comunicacionais. A Hermenêutica surge como o processo que leva à compreensão e à interpretação do significado das coisas em si. Da junção destas duas disciplinas, a narrativa constrói uma espécie de relação essencial entre a mensagem e o público, entre a linguagem ou código e a necessária capacidade e cultura interpretativa por parte do ser humano. Aproxima a disciplina ao disciplinado. Não se tenta com isto procurar a “popularidade” das intervenções, mas sim evidenciar a capacidade inteligível da particularidade de cada ser individual, cujo conjunto simbólico é formado por todas essas memórias e experiências individuais de cada um. Como refere Emilio Garroni, “quem se bate a favor da popularidade supõe em geral mover-se no plano da própria evidência, ao passo que a realidade utiliza uma relação de múltiplos sentidos, extremamente oscilantes”95. Estas questões da realidade que evidencia a capacidade narrativa da Arquitectura viajam entre a entidade corpórea das suas realidades construídas até ao Tempo, enquanto manifestação de uma quarta dimensão igualmente importante no fenómeno da percepção e, portanto, descodificação de uma mensagem, indo muito para além do imediato. “Por outro lado, seria também insuficiente e injusto fazer remontar esse mito do imediatismo ao facto de se aceitarem certos óbvios critérios do gosto, transmitidos pela tradução do passado e acolhidos tais quais como absolutos”96. Esta capacidade narrativa da Arquitectura torna-se pertinente na condição contemporânea da disciplina e apatia actual da sociedade. Não se pretende, contudo, explicitar a formação de uma nova e renovadora linguagem. Como refere Garroni, “sem ser linguagem, seria no entanto, um modo de fazer falar a realidade, que em si mesma está longe de ser loquaz”97, ou seja, as diferentes

95. GARRONI, (1980): 30 96. idem : 45 100

97. idem : 62


atitudes comunicacionais, que se apontam através do estímulo de diversos sentidos e através dos diferentes elementos e intervenientes comunicacionais da narrativa do espaço arquitectónico, surgem como modo referencial da construção de um território repleto de informação. Essa informação é interpretada de forma diferente por cada ser social, construindo cada um a sua própria narrativa de uma determinada realidade. A semiótica narrativa não está na realidade imediata. A essência narrativa do espaço arquitectónico é elaborada por cada um de nós, “ao experimentá-la ou ao prosseguir um discurso que a realidade, já implicada numa rede de experiências estruturadas, nos oferece.”98 Rejeita-se, portanto, a forma autoritária com que muitas intervenções da Arquitectura contemporânea impõem a sua limitada atitude e forma de fazer inerte e fixa. Tal como a fala e os valores da Palavra, um horizonte que se move, cujo “devir global é exclusivamente a massa das contribuições individuais que, dia após dia, elaboram a realidade falada”99. Deste horizonte que se move, através de um contexto repleto de significados, é construído um campo de compreensão aberto que faz variar a própria mensagem e a capacidade de interpretação da mesma por parte do ser humano. A essência e a fenomenologia da narração arquitectónica estão precisamente na verdade qualificável da história contada pelo arquitecto à história vivida pelo ser social, cuja “configuração dos códigos é condicionada pelas matérias de expressões para ilustrar a narrativa da mensagem”100. A narrativa da arquitectura nasce, portanto, da exploração conceptual de elementos intervenientes da comunicação arquitectónica, originando os meios enquanto veículos transmissores de mensagens que relacionam a percepção humana com o código da realidade definida em si. Esta narrativa parece nos encorajar a viajar entre o consciente e o inconsciente, o quotidiano e o sonho fantasista, o desejo e o desapontamento da matéria e da sua expressão comunicante e vivencial. Os intervenientes desta atitude narrativa são uma espécie de código aberto que interessa abordar na construção da essência desse fenómeno de comunicação entre Arquitectura e ser humano. Tornam-se numa “constituição de grupos que se diferenciam qualitativamente uns dos outros ao imporem contradições e leis internas inerentes a cada um deles”101, formando a essência, um todo interactivo e vivo exigido pela condição social da Sociedade da Informação. Ao mesmo tempo torna-se num “objecto

98. Idem, ibidem 99. GUSDORF, (1995): 56 100. CONSEGLIERI, (2007): 137 101. Idem, Ibidem

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que se expressa pelos factos da vida, pelo lugar e pelo conhecimento”.102 Este conhecimento individual garante toda a construção mental de uma colectividade. A consciência e a mentalidade de cada um constroem a sua própria interpretação da realidade, tornando-a viva e interactiva. Esta propriedade “ cria um reflexo da matéria que significa reconhecer que entre as formas qualitativas da imagem existe uma comunicação sujeita a leis da consciência e do pensamento que transformam essas realidades.”103 3.1 O Texto Arquitectónico - Ritual e Sítio A concepção de narrativas visando imbuir a Arquitectura de um discurso capaz de interagir com o ser humano tem como plataforma de ligação com a realidade narrativas existentes que afirmam a imagem comunicante de um tempo definido, historicamente e etnograficamente datados e passíveis de serem interpretados. Assim, este estado de conexão com o existente acontece tanto ao nível físico, através da comunicação e interacção com os tecidos existentes, como ao nível mental e perceptivo, estabelecendo a ligação com o ser humano e o seu processo vivencial quotidiano. Ou seja, a Narrativa impõe necessariamente a criação de diferentes realidades, como que respondendo às necessidades de diferentes quotidianos. Esta capacidade narrativa surge, portanto, como a espécie de um texto, não exclusivamente escrito pelo arquitecto, mas escrito pela experiência vivenciada de todos e lido pela visão particular e individual de cada ser social. O comportamento do objecto arquitectónico reage ao comportamento do seu utilizador, gerando um ritual metafórico, numa espécie de “dinâmico movimento que se articula com o local e com a ilusão”.104 A comunicação desta capacidade narrativa do espaço encontra uma razão histórica que vai para além da própria disciplina. Já com Piero de la Francesca, no quattrocento italiano, a narrativa das suas pinturas funcionavam como tramas compositivas de vida, factos, sítios e rituais nos quais a arquitectura servia de suporte, não apenas pictórico, construindo um ideal comportamental social. (Figura 20) Actualmente, esta vertente comunicacional da narrativa interpreta o ritual e o sítio como contexto fundamental. (Figura 21) Ou seja, inverte-se o papel comunicacional destes intervenientes, mas não a sua importância fundamental na comunicação e construção dos ideais 102. Idem, ibidem 103. Idem : 138 104. Idem : 136 102

Figura 20 “A narrativa de Piero de la Francesca ”; Fonte: www.ibiblio.org, acedido a: Abril 2010; disponível em www url:< http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/piero/san-francesco/proof> Figura 21 “ A narrativa de BSA architecture ”; Fonte: organicmobb.com, acedido a: Abril 2010; disponível em www url: <http://www.organicmobb.files.wordpress.com/ 2009/11/bsa-1>


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propostos pela arquitectura. Contudo, como refere Victor Conseglieri, “O ideal não é psicológico individual, é um pensamento histórico social resultante do produto artístico e da concepção das formas de sensibilidade”105. Portanto, a aproximação da disciplina da Arquitectura à sociedade passa, neste ponto, pela inserção conceptual do sítio e do ritual como intervenientes fundamentais nesse processo de comunicação, permitindo ao texto arquitectónico estar imbuído de códigos decifráveis pelo ser humano, inserido no seu quotidiano vivencial. Toda a situação definida pela intervenção arquitectónica, o seu texto, é portanto encarada como um conjunto de signos que colocam em jogo a factualidade do discurso arquitectónico, não apenas direccionado à sua função ou programa, mas à condição existencial humana do ser e do estar no lugar, tornando-o exocêntrico e aberto ao mundo, apartir da legibilidade de cada momento narrativo. Tomando conhecimento da realidade narrativa do objecto, passa a existir um conhecimento mútuo fundamental em qualquer tipo de relação. “O objecto é dado pelo conhecimento e o observador absorve a sensação do objecto”106. Como puro fenómeno de interacção, a narrativa permite que esse ritual interligue o quotidiano existente com uma nova realidade provocada pela intervenção. “É nesta interacção que se constrói o símbolo da imagem, imitado a um significado pessoal e sem uma realidade social”107. Daí, a Narrativa ser essencial na procura do valor simbólico sobre o qual “existem dois imaginários: o imaginário social e o imaginário individual”108. A narrativa dos lugares aproxima o ser social de si mesmo e da sua relação com a comunidade, ambivalência comportamental verificada pelas características sociais desta Era da Informação e da Comunicação. Assim, nasce uma Arquitectura apoiada na Narrativa que interpreta a passagem do tempo como algo conceptualmente comprometido com a renovação da mensagem e, portanto, do próprio texto arquitectónico, garantindo a afirmação do papel infra-estrutural de cada intervenção arquitectónica. Este texto arquitectónico é composto por diversos significados resultantes de distintos momentos e conexões, à qual não estão alheios os sentidos enquanto meio, mas sobretudo, a factualidade e a sucessão enquanto resultado significante da relação entre o sítio e o ritual. Estes surgem como intervenientes do fenómeno comunicacional que, de forma mais pertinente, evidenciam a necessidade de intervenção da condição do território actual da Socieda105. Idem, ibidem 106. Idem : 146 107. Idem, ibidem 104

108. Idem : 163


de da Informação. O sítio surge enquanto momento ou situação definida, um caso particular de um todo ou de um lugar. O ritual, enquanto rotina quotidiana repetida e repetível, surge como a capacidade de compor, através da estratégia arquitectónica, uma narrativa contínua que induza o acontecimento continuado como resposta á apatia verificada e apresentada nos lugares atópicos, como consequência da negação dos valores da Sociedade da Informação e Comunicação por parte do território construído. O contributo da relação entre o sítio e o ritual como intervenientes no fenómeno de comunicação dos lugares, é simplesmente o de formar território com identidade e significado para o ser social, aumentando o seu sentido de pertença, precisamente pelo facto da sua linguagem se tornar descodificável ao nível do significado e da experiência e não apenas na superficialidade da imagem mais recente. Como refere Bruno Chuk, em relação ao valor do sítio, “o seu significado, (enquanto condição espaço compreensiva) é territorial”109, ao passo que o ritual “dá forma ao habitar através da tensão própria da sua estrutura teleológica e o seu significado é historial”110. Território e História são valores fundamentais da construção interna da memória perceptiva e vivencial do ser humano. Assim, o sítio define-se enquanto corpo físico construído e o ritual como a capacidade de gerar o próprio ambiente vivencial. Como definição topológica, o sítio é portanto “um sistema de espaços topológicos que têm em comum um mesmo conjunto derivado, de pontos e do seu limite territorial”111, e o ritual, topologicamente, corresponde à essência identitária das superfícies portadoras da membrana definidora do contexto que opera sobre as “histórias fragmentárias da vida quotidiana”112. A concepção de uma Arquitectura interactiva com o Ser humano e com o lugar toma como fundamentais estes dois intervenientes, na medida em que nos permitem interligar novas narrativas propostas com as existentes e portanto já pertencentes ao imaginário comum. Assim, a atitude comunicante do espaço está intimamente ligada com a construção da própria narrativa projectual, conceptualizando a relação entre o conteúdo programático, com o ser humano e com o fenómeno do lugar existente. O sítio e o ritual apresentam uma certa noção de certeza transcendente. Como nos lugares antigos das memórias históricas dos antepassados, os sítios modificavam-se com a inserção comportamental de rituais. Ou seja, a situação do sítio modificava-se

109. CHUK, (2005): 105 110. Idem, Ibidem 111. Idem : 108 112. Idem : 105

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com o ritual, com o acontecimento efémero. (Figura 22) A arquitectura narrativa e comunicante da actualidade parece portanto necessitar de introduzir diferentes conteúdos em conjunto, cujo processo quotidiano seja constantemente invadido de rituais, o que leva, necessariamente, à definição de diversas situações dentro do mesmo todo que é a Arquitectura, indo para além da efeméride enquanto momento específico de índole comportamental. São estas situações distintas, momentâneas, e com uma relação espaço-tempo de simultaneidade que induzem a vertente comportamental do próprio edifício. Ou seja, a relação entre o sítio, o ritual e o ser humano com a Narrativa da Arquitectura é que, em conjunto, definem diferentes atitudes comunicacionais através de diferentes modos de narração da história do próprio projecto. Como apresenta Bruno Chuk, a narrativa espacial é dada por acontecimentos como factos e experiências concretas. Ligando a factualidade à simultaneidade necessária no processo fenomenológico de comunicação, o sítio e o ritual permitem, na sua relação com o sujeito, garantir diferentes meios de interpretação e efemérides com condições espaço/tempo distintas. O sítio afirma-se como fenómeno corpóreo de comunicação e o ritual como ambiente humano e construído existente. A Narrativa ganha uma componente enunciativa quando o sujeito funciona como emissor e o corpo, ou seja, o sítio, como receptor da comunicação, “de tal modo que estas condições de recepção o tornam parte integrante da mesma construção discursiva do espaço que habita”113. Na ordem inversa quando o corpo emissor origina um processo de narração por parte do sujeito, então a narração passa a ter uma atitude descritiva, pois o ambiente assume o papel de emissor através da sua própria corporeidade. Esta ambivalência comunicacional e narrativa entre o corpo arquitectónico e o corpo do sujeito são os verdadeiros indutores da capacidade do sítio e do ritual como intervenientes comunicacionais, originando um verdadeiro processo de interacção social, tendo a arquitectura e o ser social como elementos fundamentais da criação desse mesmo elo de ligação entre o ser humano e o território. “No processo de reenvio, o informador ou significante promove ao interpretante reacções às condutas intercorporais, e por isso, verdadeiramente de interacção social.”114 Como refere Bruno Chuk, trata-se de um fenómeno cuja “corporeidade é definida existencialmente pela prática de habitar o seu sítio e participar no seu ritual”115. Sendo assim, é provocado o necessário efeito de conexão entre o sujeito e a arquitectura re-

113. Idem : 19 114. Idem : 158 115. Idem, ibidem 106

Figura 22 “ O ritual São João induz um novo factor comportamental ao sitio”; Fonte: Caio Meirelles, acedido a: Junho 2010; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/caiomeirelles/3627073286/>


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sultante da capacidade expressiva da junção destas duas identidades corpóreas. Numa arquitectura humana e comportamental, indutora de comportamentos humanos, mas também de comportamentos da sua própria espacialidade, aproxima estes dois elementos participantes da comunicação em Arquitectura, através da ligação entre o sítio definido do acontecimento e o ritual narrativo do sujeito no espaço, “que reconhece o seu corpo no próprio contexto” e “ não como pólo bipolar de comunicação”.116 O sítio e o ritual, enquanto intervenientes do fenómeno de comunicação, permitem alcançar uma arquitectura participada cujos protagonistas, consoante a variação do momento, alternam entre o ser humano e o próprio edifício. A interacção, exigida pela mutação social induzida pelas características da Sociedade da Informação e da Comunicação, consegue ser assim alcançada pela narrativa do espaço arquitectónico onde o lugar se liga, comportamentalmente, ao ser humano, criando relações de referência e de dependência, gerando atracções e aproximações mútuas, como um texto escrito por diversos autores que complementam o significado das suas palavras e dos seus actos em continuidade. Isto origina uma relação infinita, pois o significado desse texto vai se modificando constantemente, tanto no seu conteúdo como na sua expressão. Assim, o sítio surge como expressão de rituais que surgem como conteúdos vivenciais indutores de diferentes atitudes comunicacionais e comportamentais quer do espaço, quer do ser humano. Como refere Conseglieri, em relação à evolução das concepções em matéria de comunicação, “o conteúdo constitui o conjunto dos elementos espaciais e formais num sentido concreto, não ambíguo, e num valor de uso”117ao passo que a expressão “ não é uma atitude subjectiva, numa versão totalmente imaginativa, no sentido individual”118. Ou seja, a capacidade narrativa da arquitectura relaciona directamente o conteúdo com a expressão da realidade circundante. A narração da história surge com a aproximação entre o ser humano e a Arquitectura, enquanto conteúdo e expressão duma relação próxima e íntima, qualificando o território.

116. Idem, ibidem 117. CONSEGLIERI, (2007): 169 108

118. Idem, ibidem


3.2 Fenomenologia Perceptiva - O tempo, a sequência e o corpo Um dos objectivos fundamentais desta reflexão sobre a situação e o papel actual da Arquitectura perante a Sociedade da Informação e da Comunicação está na concepção de uma mensagem, e portanto de um texto arquitectónico, que tenha a capacidade de, através da mutação do seu comportamento e da sua atitude comunicante, perdurar a sua mensagem na memória humana e o seu papel infra-estrutural no tempo, dado o facto desta sociedade consumir, de forma cada vez mais rápida os conteúdos e as expressões de tudo o que a envolve. A necessária renovação do espaço encontra como aliados a capacidade e o sistema perceptivo do ser humano como fenómeno de interacção e comunicação entre a Arquitectura e o ser social, individual e colectivo. Portanto, esta fenomenologia perceptiva relaciona num ciclo a memória com o tempo vivido e experienciado. Contudo, não deixa de ser um fenómeno interno ao próprio sistema nervoso do ser humano que reage aos impulsos provocados pela Narrativa da Arquitectura e pela já referenciada capacidade comunicante da definição de sítios e de rituais como intervenientes deste fenómeno de comunicação. “O sistema nervoso é responsável e actua como mecanismo de alerta em todas as frentes do corpo, preparando uma proposta de resposta sobre os impulsos”119. Esta afirmação de Conseglieri abre o mote para as relações proprioceptivas explicitadas na obra de Bruno Chuk. A percepção fenomenológica da realidade, cujos sentidos servem como meio de comunicação, surge como um fenómeno perceptivo “táctil-cinestésico-gravitacional do próprio corpo, que funda a actividade proprioceptiva num esquema corporal”120. Este esquema corporal interpõe a comunicação entre o sujeito e o corpo sobre um ponto de vista do ser humano e a sua relação com o exterior. Pretende-se, com isto, evidenciar a mesma atitude através da narrativa comportamental da arquitectura, numa relação próxima e evidente entre o ser e o estar como experiência e acção. “A experiência revela sob o espaço objectivo, no qual finalmente o corpo toma lugar, uma espacialidade primordial da qual a primeira é apenas invólucro e que se confunde com o próprio ser do corpo”121. Ser no sítio e estar no ritual são portanto processos ambivalentes de comunicação que tornam todo o espaço, a sua narrativa e a sua comunicação, humano e verdadeira expressão dos acontecimentos contínuos exigidos pelo actual estado social.

119. Idem : 314 120. CHUK, (2005): 162 121. MERLEAU-PONTY, (1994): 205

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“O corpo próprio está no mundo assim como o coração no organismo; ele mantém o espectáculo visível continuamente em vida, anima-o e alimenta-o interiormente, forma com ele um sistema.”122 Este sistema, que relaciona o ser com o mundo e o mundo com o ser, tem na relação proprioceptiva três dimensões integrantes, como apresenta Bruno Chuk: a dimensão axial, a dimensão envolvente e a dimensão gestáltica. A dimensão axial da percepção relaciona directamente a forma narrativa arquitectónica e a percepção humana. Surge “entre a orientação do corpo do sujeito e a orientação do significante espacial”123. A componente geométrica e do desenho da estrutura do próprio espaço arquitectónico está relacionada com este método de percepção. E faz sentido aproximar a narrativa do significado da Arquitectura com a capacidade interpretativa do ser humano, é certo que a factualidade deste fenómeno perceptivo nos exige uma atitude formal conceptualmente comprometida, através do seu desenho. A leitura do ser humano da realidade toma orientações distintas em movimentos próprios; frente trás, esquerda direita, acima abaixo. Ou seja, tomamos uma consciência mais efectiva da realidade sobre estas direcções. A Narrativa torna-se mais perceptível sobre estas mesmas orientações, como linhas em que o código se torna mais facilmente decifrável. Surge “um sujeito orientado”124, cuja história inventa o sujeito e ao mesmo tempo a sua trama é inventada por si próprio. Neste sentido, a produção artística mais recente apoia-se nesta relação fenomenológica entre o espaço, enquanto contexto, e a sua percepção por parte do ser humano. A obra de Luc Courchesne vai de encontro a esta mesma forma de representar a realidade de acordo com este facto perceptivo. O ser humano é o centro de um discurso que se desenvolve em todas as direcções da axialidade do seu corpo. O contexto torna-se assim representável e verdadeiramente capaz de se tornar objectivamente decifrado devido à relação intensa que se cria com cada eixo perceptivo. O estímulo surge objectivamente ligado à narrativa particular de cada momento compositivo da realidade factual da envolvente. (Figura 23) Uma outra dimensão perceptiva explicitada por Bruno Chuk é a dimensão envolvente. A expressão da envolvente refere-se a um “conjunto de regras de contiguidade que operam entre o volume e o seu contexto para o corpo do observador e para o signo espacial”125. Esta dimensão envolvente da percepção humana procura um estado contínuo que permita uma leitura unívoca, dado as realidades topológicas da narrati122. Idem : 273 123. CHUK, (2005): 163 124. Idem : 164 125. Idem, ibidem 110

Figura 23 “Axialidade da percepção”; Fonte : “ Landscape 1, por Luc Courchesne ”, acedido a: Junho 2010; disponível em www url: <http://90.146.8.18/bilderclient/FE_2004_VideoPanorama_773_p>


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va arquitectónica relacionarem, como já foi apresentado, o sítio e o ritual, enquanto corpo e o ambiente, em relações de proximidade imediata. A proximidade imediata surge como um elemento fundamental na manutenção de uma identidade contínua como parte integrante de uma narrativa arquitectónica pertencente a uma mesma intervenção. A individualidade do ser também adquire um complemento em direcção à extensão da narrativa do próprio contexto criado pela Arquitectura. Relacionando o programa e o uso de cada elemento do próprio contexto, esta relação de proximidade com a envolvente ganha diferentes modos perceptivos com a variação de ser interpretante para ser interpretante. Assim, a capacidade de interpretação através desta dimensão envolvente faz com que este contexto varie também consoante o próprio uso e a sua sequência tipológica. A capacidade de gerar sequencialidade no espaço torna o sujeito activo nesse mesmo processo de percepção da realidade. Através de um “movimento intencional, distante do simples movimento no espaço, que é aquele das coisas e do nosso corpo passivo”126, a percepção da realidade torna-se muito mais objectiva e toda a sua envolvência perde a clareza dos seus contornos e, claro está, expressão à medida que nos movimentamos. “O movimento do nosso corpo só pode desempenhar um papel na percepção do mundo se ele próprio é uma intencionalidade original”127, ou seja, a narrativa arquitectónica inserida no quotidiano torna a leitura do espaço e a descodificação dos seus signos algo mais objectivo e uma experiência mais real. Uma outra forma fenomenológica de percepção, mais conhecida e explorada pela teoria da Arquitectura, é a sua dimensão gestáltica, onde o “sujeito procura reconstruir através da sua percepção a totalidade do objecto arquitectónico (sempre fragmentária) em função da totalidade que percebe do seu próprio corpo.”128 Este processo fenomenológico aparece como sendo mais ligado à relação dos corpos da forma física do objecto arquitectónico. Aqui, a relação de contiguidade que a narrativa arquitectónica pretende entre contexto existente e intervenção surge ao nível visual das próprias formas e ao significado narrativo das mesmas. A forma, como interveniente directo deste fenómeno da comunicação da disciplina da arquitectura, surge como a corporeidade física à qual se pretende um compromisso com o comportamento comunicante da arquitectura, através de diferentes atitudes de comunicação, estabelecendo vínculos com a realidade circundante que interligam os hábitos e os rituais do sítio compondo uma nova situação arquitectónica

126. MERLEAU-PONTY, (1994): 517 127. Idem : 518 112

128. CHUK, (2005): 166


delimitada. “A relação entre conduta e espaço, sintetizada no termo hábito, é a unidade espaço-existencial que se percebe como corporeidade através dos laços de contiguidade”129. Portanto, podemos concluir que a capacidade narrativa da arquitectura encontra na percepção humana o contexto fenomenológico ideal para garantir a sequencialidade necessária da história narrada. Contudo, esta história e, sobretudo, a sua necessidade de existir e acontecer em sequência, exige uma forte relação com o tempo enquanto unidade perceptível do ser humano. Enquanto movimento sequencial sobre um lugar, o tempo surge como uma espécie de caminho dentro de um ritual que a Arquitectura induz, através da relação do seu próprio comportamento com o comportamento do ser social. O estímulo varia com o tempo numa sequência prevista. O tempo deixa de ser um interveniente externo à relação da prática arquitectónica. Sendo assim, o tempo fenomenológico é encarado como o tempo interior do ser humano e a sequência com que este interpreta a narrativa presente. “O sujeito possui uma memória ocorrencial que lhe permite descobrir homeomorfias simultâneas no espaço que habita”130, ou sejam a ocorrência e o acontecimento, surgem como unidade temporal activa que deve ser relacionada com o passar do tempo sobre a capacidade narrativa da própria intervenção. Isto permite-nos gerar ritmos de leituras distintas ao passo que são implementados ritmos distintos à capacidade comunicante da própria arquitectura. O conceito de homeomorfia, apresentado por Bruno Chuk, sugere a continuidade topológica e a consequente variação como unidades de transformação desse mesmo ritmo da expressão de uma qualquer intervenção. “O sujeito conta com uma memória rítmica que o faz perceber sequencialmente o espaço”131, o que lhe possibilita “perceber uma cadeia de transformações encarregues de historiar as práticas”132. A concepção de tramas narrativas inseridas no processo metodológico da Arquitectura, tem como objectivo tornar as intervenções mais interactivas e comprometidas com os novos hábitos perceptivos deste novo ser social proveniente dos valores da Sociedade da Informação, onde qualquer mensagem se esgota com facilidade. Contudo, o tempo inerente à história contada pela Arquitectura garante um processo natural de renovação do estímulo inerente ao conteúdo da sua mensagem. Como refere Merleau-Ponty, “o que se chama de intemporal no pensamento é aquilo que, por ter retomado assim o passado e envolvido o futuro, é presuntivamente de todos os tempos 129. Idem, ibidem 130. Idem : 170 131. Idem, ibidem 132. Idem, ibidem

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e portanto não é de forma alguma transcendente ao tempo. O intemporal é o adquirido”133. 4 Arquitectura da Esperança e da Sedução A inserção de novos processos de comunicação no seio interior da Arquitectura origina a necessária aproximação disciplinar às novas necessidades vivenciais provenientes da Sociedade da Informação. A comunicação funciona, portanto, como um sistema de relações que promovem a interactividade entre o lugar e o ser humano colmatando as necessidades quer do ser social enquanto indivíduo, quer dos referidos territórios atópicos, enquanto negação da manifestação construída desses mesmos valores. Este conceito de Arquitectura como campo de relações entre território e ser humano numa primeira fase, e entre vários seres sociais, numa segunda, interpreta o fenómeno da comunicação como algo resultante da fusão entre um público multidisciplinar e multicultural. Este facto exige não só uma componente estratégica muito mais forte e com uma mensagem muito mais penetrante na referida condição atópica do território, como exige uma capacidade metabólica e metamórfica nessa aproximação ao ser humano, envolvendo-o e integrando-o como parte deste fenómeno conceptual da própria disciplina. A Arquitectura da Esperança e da Sedução surge da fusão destes dois factores, sobretudo na medida em que a Arquitectura encontra-se com este desafio duplo de resolver tensões sociais através de soluções reconhecíveis e descodificáveis pelo ser humano, ao mesmo tempo que se torna símbolo da necessária reconstrução e reordenação da condição actual do próprio território. Estes dois conceitos interligados parecem surgir de uma abordagem mais socialmente enraizada da disciplina da Arquitectura que relaciona conceitos opostos como a Identidade e a Diferença como formas de interligação com a emergente necessidade de colmatar exigências colectivas e individuais. Os termos Esperança e Sedução parecem ter uma razão extra e intra-disciplinar muito forte. Da mesma medida que surge como fenómeno da comunicação e expressão dos novos valores sociais, parecem surgir como fonemas que representam um sentido simbólico de manifesto contra o cepticismo que invade a crítica e a prática da condição geral da contemporaneidade arquitectónica. Da identidade corporativa como fenómeno de comunicação de uma determinada coisa enquanto bem indivi-

114

133. MERLEAU-PONTY, (1994): 525


dual, interessa sobretudo interpretar o fenómeno colectivo dessa mesma identidade e, ao mesmo tempo, introduzir uma maior interactividade exigida pelo novo ser social, “influenciando os públicos na percepção de si mesmo e controlando o seu modo de vida comunitário”134. Esta Arquitectura da Esperança e da Sedução surge como uma nova abordagem em relação à interactividade que a Arquitectura tem a capacidade de expressar como comunicação de um conjunto de valores multidisciplinares que procuram “dar voz a diferentes indivíduos e grupos de cidadãos de forma mais democrática. Também pode originar reacções em tempo real de necessidades específicas de um qualquer público ou conjunto de pessoas”135, funcionando como um contributo positivo face à explicitada condição da Sociedade da Informação, da Comunicação e do Conhecimento, como paradigmas comportamentais da actualidade. A Esperança para a sociedade de hoje, global, contínua e infinita nas suas relações pessoais, reside na abordagem de cada fenómeno como um fenómeno de conhecimento. A cultura hoje funciona e evolui num processo de interacção constante, necessidade que o ser humano aparenta ter desenvolvido dada a apatia social sentida face ao total descrédito numa economia de mercado, desequilibrada e injusta. O território físico não corresponde ao apelo desta nova sociedade emergente. Edifícios anónimos redireccionam a sua imagem inerte para o interior dos seus espaços, impessoais e desconfortantes parecendo dar continuidade à apatia vivencial proporcionada pela condição dos próprios espaços públicos. Os edifícios públicos distanciam-se do povo. A razão dessa expressão já não parece ser a “repescada” da ordem clássica através dos valores da ordem e da excepção. Hoje, esse distanciamento vai para além da conotação física e simbólica do espaço. O descrédito nas instituições políticas e públicas, sociais e económicas parece fazer com que o público, enquanto destinatário de mensagens de comunicação, deixe de encarar esses edifícios como símbolo do progresso de uma sociedade comum. Estes tornam-se símbolos de uma burocracia interminável que provoca um distanciamento infinito entre o ser social e os seus direitos, entre o ser humano e a arquitectura. A “Arquitectura da Esperança” não esconde uma conotação crítica inspirada na condição política do mundo actual e o efeito da eleição de Barack Obama sobre o Mundo. Sem enviesar o pensamento, interessa apenas criar essa analogia, pois o descrédito numa determinada condição social de uma potência como os Estados Unidos que, com uma simples mudança de atitude comunicacional e de referências compor-

134. LESSING, Emanuelle Bonini, (2009): 132 135. Idem, ibidem

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tamentais numa área específica do funcionamento da sociedade, e igualmente conhecida pelo seu cepticismo, deu origem a uma nova mensagem como uma nova forma de mobilização e crédito do papel activo da política na Sociedade. Como refere Oosterman, “ A angústia repressiva e a frustração foram eficazmente usadas para obter a aceitação de uma outra agenda política e a revolta foi batida criando uma energia positiva, uma energia criativa.”136 Não interessa aqui evidenciar quem será, ou não, o “Barack Obama da Arquitectura” (Figura 24) até porque seria redutor para com a própria disciplina resumir a mudança a apenas uma figura que proporcionasse uma imagem de controlo e de poder sobre as coisas e os acontecimentos. Deixemos essas figurações para a política e a sua maneira específica como lida com o simbolismo e o significado de cada acontecimento. O contributo da Arquitectura está no espaço que é capaz de conceber. A mudança de atitude pressupõe, antes de mais, eliminar alguns restícios de algumas, falsas e desajustadas no tempo, erudições desmedidas face à condição actual do território e da sociedade. Falamos, portanto, do higienismo modernista persistente no tempo de hoje, que já não envolve, mobiliza e potencia o papel da arquitectura na sua relação mais íntima e sentimental com o ser humano. Não se trata propriamente de uma atitude revolucionária, mas antes evolutiva. Do “Yes, we can” da campanha de Obama para as presidenciais dos Estados Unidos, arquitectos como Bjarke Ingels adoptam o “Yes is more” como o lema que afirma o seu tempo e a sua atitude arquitectónica. Ingels, discípulo de Koolhaas e da OMA, refere que a questão da comunicação arquitectónica e a respectiva descodificação da linguagem é um processo que se torna possível quando a arquitectura for encarada como um processo contínuo de persuasão entre as várias partes envolvidas na construção do projecto como uma determinação colectiva da essência e do carácter de todo o projecto. Esta relação intimista e sentimental entre a arquitectura e o ser humano reforça o papel comunicante da disciplina e encontra nas características da sociedade actual um novo ímpeto na criação de novos símbolos de um novo tempo e de uma nova forma de viver, de habitar e de relacionamento com o espaço físico construído e das próprias plataformas de intervenção, como revela a frescura disciplinar da intervenção proporcionada pelo grupo de arquitectos Ecosistema Urbano, em Madrid. No seio da capital construída, os arquitectos propõem uma mensagem de Esperança através da construção de uma praia urbana, gerando entusiasmo e expectativa em toda a população. Utilizando fortemente os meios de comunicação, a mensagem tornou-se for136. OOSTERMAN, (2009): 3 116

Figura 24 “ Dois símbolos de Esperança - Política e Arquitectura”; Fonte: Produção própria apartir de fontes múltiplas


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te e persuasiva através da participação da própria população no desenvolvimento do projecto. A Esperança está, então, na capacidade de entusiasmo e mobilização social da mensagem e do objectivo da intervenção. (Figura 25) É aqui que entra o jogo de sedução referido, não na perspectiva negativista de Neil Leach, mas sobretudo na medida em que a sedução é encarada como um espírito de troca de informação, de troca de reacções e de expectativas entre o espaço construído e o ser humano, defendida por Braudillard. Steven Holl garante-nos essa capacidade em toda a sua obra recente. No Knut Hamsun Center, cada momento é garantido através de experiências distintas e diferentes formas de comunicar, ora através das matérias e da sua expressão textural, ora através da utilização da luz, quer natural, quer artificial. O edifício ganha diversas expressões formais seduzindo através do comportamento dessas mesmas variações. (Figura 26) De facto, a Sociedade e os dias de hoje já não parecem exigir a ausência de comunicação e a atitude inerte dos espaços da revolução industrial que passaram a identificar a génese da atitude higienista da modernidade. Hoje, a autenticidade do espaço parece estar nesta capacidade de gerar uma relação intimista entre a arquitectura e o ser humano. Como refere Neil Leach, “existiu uma idade de ouro, em que a sedução, valor e honra faziam parte de um mundo cortesão. Com o advento da revolução industrial, a sedução deu lugar à produção, com fins concretos e objectiváveis. Sedução, observa Braudillard, deriva da palavra seducere, desviar do próprio caminho ao passo que produção tem origem na palavra producere, que pode significar tornar visível, ou fazer aparecer”137. Este reforço do simbolismo está associado à pureza e à pertinência do gesto arquitectónico. A arquitectura como produção cultural por excelência deve afirmar uma atitude positivista e ao mesmo tempo crítica perante a condição social e cultural actual, interpretando os factores positivos e transformando aqueles que de alguma forma parecem ameaçar a própria existência e evolução do ser humano através das relações entre si e com o território. É um facto, que a sociedade global introduziu na indumentária comportamental das pessoas uma série de valores que parecem estar a consumir a própria existência e a forma como os actores sociais se relacionam entre si e interpretam o significado dessas mesmas relações. O excessivo culto pela imagem exterior de cada um, a constante conotação através de rótulos comportamentais e a velocidade do processo quotidiano da vida leva a um rápido uso, e a um consequente rápido desgaste do significado das coisas. 137. LEACH, Neil, (2009): 129 118

Figura 25 “ Projecto Playa Luna, Ecosistema Urbano ”; Fonte: Ecossistema Urbano, acedido a: Abril 2010; disponível em www url: <http://www.plataformaarquitectura./2007/12/807003637> Figura 26 “ Knut Hamsun Center - Steven Holl”; Fonte: Steven Holl, acedido a: Abril 2010; disponível em www url: <http://www.stevenholl.com/project-detail.php?type=&id=39>


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Não se trata de um “fetiche superficial” em que a imagem é exacerbada como conteúdo superficial e sexual, por ser um retrato descontextualizado da experiência real. A sedução é afirmada como processo lento e simbólico da renovação da experiência entre o ser humano e a arquitectura em metamorfoses constantes de simbolismo e de significado, como numa dança em que existe sempre a ideia de acção e de reacção. Esta sedução é elaborada em momentos distintos do processo de concepção metodológico da arquitectura. Exige pertinência na intervenção, como sendo o palco certo para uma nova dança. Exige pertinência na interpretação do elemento a conceber, como sendo a escolha da pessoa certa. Exige pertinência no gesto, como alcance reconhecível e certamente aceitável de uma mensagem ou de uma verdade. Exige a renovação constante dos estímulos como alcance de uma relação inesgotável entre a arquitectura e o ser humano, tal como a relação entre duas pessoas. Como refere Kevin Rhowbotham, “a superfície, ao adoptar voluntariamente a relatividade da produção de bens, e ao concentrar-se nos elementos formais de persuasão e de sedução, re-empenha-se numa verdadeira política de comunicação.”138 A própria superfície parece dotar-se de mais um elemento de rico conteúdo. Como refere o situacionista Guy Debord, “ é a vida concreta de todos que se degradou num universo especulativo”139, ou seja, este espírito de sedução na arquitectura parece ser conseguido através da criação de realidades, experiências e situações concretas que compõe a experiência vivenciada por parte do ser humano a partir do espaço arquitectónico, criando uma situação e um Universo bem definido. 5 Conclusões O fenómeno da comunicação, interpretado conceptualmente pela disciplina, surge como um processo que potencia a capacidade interactiva da Arquitectura através de composição da sua narrativa, abordada multidisciplinarmente e apoiada nos processos vivênciais do quotidiano. Assim mantém-se uma relação de contiguidade com o existente e com o adquirido enquanto conjunto de factos fundamentais e intemporais presentes na memória do ser humano. As narrativas interligam topologicamente o existente com o proposto, do natural para o artificial, alcançando o necessário sentido de pertença entre o ser humano e o território atópico actual. (Figura 27) A Arquitectura surge, portanto, com uma índole comportamental própria que reage à identidade corpórea do ser humano. A atitude bipolar de comunicação, entre ser 138. RHOWBOTHAM, (1995): 43 139. DEBORD, Guy, (1972): 19 120Figura 27 “Do natural para o artificial”; Fonte: Produção própria apartir de “ Capri - Batterie” por Joseph Beuys, 1985, acedido a: Junho 2010; disponível em www url: <http://www.artintern.net/update/english/200810/3221bac76e703f2 ee2083761e37a74d2>


uma hist贸ria contada

do natural

existente

para o artificial proposto

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humano e objecto arquitectónico, potencia a relação da obra com a intemporalidade da sua mensagem. O existente, enquanto sítio e ritual, e a percepção do ser humano, enquanto a expressão da relação do tempo com o significado das coisas, surgem como intervenientes fundamentais na composição da narrativa ao passo que os sentidos, enquanto meio de veiculação dessa mesma mensagem, são interpretados como fenómeno reactivos, mas necessários no processo de comunicação entre a mensagem do espaço e a memória interna perceptível do ser humano. A capacidade infra-estrutural da Arquitectura surge complementada por este mesmo processo de comunicação potenciando a sua mensagem sobre os mais diversos públicos e sobre os mais diversos suportes, facto inerente à Sociedade da Informação. O reconhecimento popular da Arquitectura existe com o reforço deste papel comunicante da disciplina, por estar mais enraizado com as características e os valores da sociedade vigente, como sempre o foi na sua essência disciplinar, tornando-se um símbolo de esperança e de um mundo humano, para além do espectáculo proporcionado pela máquina. Contudo, a capacidade de materializar este fenómeno de comunicação da Arquitectrua nasce desde logo pela atitude conceptual de toda a estratégia, ou seja, a narrativa apresentada e comunicada ao exterior começa precisamente na explicitação dos códigos que decifram essa mesma história contada pelo espaço e pela sua fruição. Tal como a própria comunicação em si, a metamorfose dos conteúdos introduz a novidade num ciclo rítmico de fruição tendo um efeito complementar de valor e de significado com a própria envolvente. Materializar esta reacção e interacção com o exterior surge como processo fundamental de contar uma história sobre bases e plataformas intelegíveis pelo ser social da Sociedade da Informação e da Comunicação. Falar de Comunicação em Arquitectura é falar de histórias que se renovam e complementam, constantemente comprometidas com o tempo, os sítios, os rituais, numa sequência prevista pelo próprio projecto, desde logo pela sua atitude comunicante que necessariamente se tornará expressa na sua atitude formal, enquanto desenho, ordem , escala, proporção e materialidade. A alma do desenho reveste-se da importância de todos os momentos proporcionados pelo espaço e a sua influência para com o exterior torna-se verdadeiramente intemporal. Ao uso do símbolo como meta conceptual, a conjugação dos valores do sítio e do ritual e da sua interacção com o tempofaz emergir a criação de novos elementos que passam a pertencer à expressão do intelecto e da comunicação de toda uma vida em comunidade entre o território físico e a paisagem humana.

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Capítulo III Coimbra, a cidade que constrói a expressão vivencial contemporânea

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1 A expressão dos lugares O critério de análise a Coimbra assenta num tema que se considera fundamental na dimensão da interacção entre o espaço construído e as vivências e sensações provocadas ao ser humano. Este ponto de contacto íntimo estabelece com a memória, a imagem de uma cidade. As referências que temos das cidades, aquilo que identifica o território no nosso interior, são as experiências que vivemos em determinados lugares, que no seu conjunto, constroem relações importantíssimas de referenciação do espaço, da sua fruição e do significado dos mesmos. A expressão de um território, de uma cidade é, portanto, a expressão dos seus lugares como sendo pequenos pedaços que o identificam, pequenas superfícies que invadem o seu imaginário e que a tornam um ser único que perante locais diferentes, perante condicionantes distintas, necessariamente reage de forma particular em cada um desses mesmos momentos. Podemos qualificar estes lugares interpretados, vividos e sentidos, precisamente como momentos de um processo de troca de experiências, de troca de informação entre o ser humano e a dimensão física, construída, da própria arquitectura e do próprio território. Este processo de comunicação é um processo de aquisição de conhecimento que nos permite de forma consciente e experiente atribuir um determinado estatuto às coisas e, portanto, a cada pedaço de território como uma verdade inegável, uma verdade que dessa dimensão experiencial do ser humano com a arquitectura, se assume, cada vez mais, como uma verdade própria e específica à luz das suas inquietações, vontades, visões, atitudes e sensações. Podemos definir esta noção de verdade como uma espécie de cenário que é montado, faz com que a verdade das coisas, no fundo, surja do campo da interpretação da realidade própria de cada um, apelando a um intimismo de uma maneira muito própria e específica de ver e de conhecer. Tal como refere Gorjão Jorge “ a decifração desses dados que o mundo exterior nos fornece depende, em igual medida, da nossa relação com o real, tal como o reconhecemos e representamos para nós mesmos”140. Esta dimensão expressiva dos lugares aborda a sua capacidade de comunicar, de estabelecer esse contacto com a memória experiencial do ser humano. Por expressão entende-se a manifestação de um determinado acontecimento, ora mais geral, quando abordado no sentido global, na sua imagem e enquadramento geral, ora mais específico, quando essa mesma manifestação acontece em pormenores si-

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140. JORGE, (2007): 10


lenciosos, quando é estabelecida através da ausência ou truncagem da informação, ora berrante, quando essa dimensão comunicativa se expressa de forma directa, chamativa e global, ora homogénea, quando a informação e a experiência perceptiva é constante, sem variações, ou ainda heterogénea quando a informação se renova constantemente e quando a composição é rica em matérias distintas e que necessariamente transmitem sensações diversificadas e contribuem para a própria variação expressiva de cada um desses momentos. São portanto estas as possíveis manifestações comunicativas do real. Contudo, como refere Gorjão Jorge, “só atribuímos o estatuto de realidade às coisas que se manifestam nos termos em que essa manifestação é reconhecida culturalmente como modo de acesso ao real e que portanto pode constituir uma manifestação do concebível dentro do reportório no qual especificamente pertence”141. Assim, esta focalização especifica-se na questão da expressão, visa-a colocar como uma espécie de veículo conceptual que é utilizado para interpretar a realidade dos espaços e os acontecimentos que nele ocorrem. Segundo Gorjão Jorge tudo isto “ não é um produto espontâneo da nossa mente. Ela resulta de um processo complexo de atribuição de sentido que nos habilita a decifrar as formas nos quais acabamos por converter todo o espectáculo do mundo”142. De facto, esse espectáculo varia de ser para ser consoante a sua cultura. A cultura como crença, como valores de uma unidade mínima fundamental da identidade do ser humano e naturalmente na forma como vê, sente e interpreta os lugares e os fenómenos circundantes. Este ponto de vista particular justifica-se precisamente por essa dimensão interpretativa da cidade a uma escala mais próxima e mais íntima entre a relação do ser humano com o lugar. A “experiência vivenciada” que Steen Eiller Rasmusssen refere tem sobretudo a ver com essa dimensão interpretativa da relação estabelecida entre esses dois elementos da vida. A experiência sensorial parece sobretudo ter dois momentos distintos. Um primeiro momento corresponde à abordagem da estrutura cénica do lugar que absorve toda a dimensão perceptiva do Homem. Assume-se como imagem onde o poder simbólico de cada elemento surge como um actor diferente no teatro do nosso imaginário. Um segundo momento dá-se com o viver do espaço, com o seu percorrer, com o seu tocar. A atenção desdobra-se em pormenores, em texturas, em pequenos pedaços de identidade que se vão revelando em pequenas experiências, em pequenos contactos que se vão estabelecendo. São pequenos,

141. Idem : 11 142. Idem : 13

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mas ricos diálogos que vão invadindo a memória. São as palavras do dizer arquitectónico, do falar, do expressar dentro de toda uma peça teatral que é a arquitectura. O nosso percorrer do espaço é o tempo a passar entre cada cena, é o que faz cada palavra, como cada experiência, se suceder e dar origem à expressão de toda a estrutura do lugar. Como refere Rasmussen, “ o arquitecto é uma espécie de produtor teatral, o homem que planeja os cenários para as nossas vidas”143. A alma de um lugar é a alma das suas gentes comuns. A tónica desta análise foca a dimensão expressiva dos lugares da forma mais directa dessa mesma troca de experiências. O evidenciar dessas duas escalas de abordagem exige uma locomoção constante sobre o espaço, e uma atenção das sensações que joga entre as experiências do ser humano em todos os momentos de cada lugar. À sua materialidade, à sua representação, dá-mos importância agora ao simples acto de viver. O viver completa a dimensão expressiva dos lugares e essa vida vai para além da simulação. É concreta e é feita de experiências que são reais e que complementam a memória e a identidade de cada lugar. Falamos sobretudo das dimensões comunicantes do lugar que vão para lá da sua presença física ou corpórea, as suas situações e os seus rituais. São todos aqueles elementos que são provocados pelo utilizar do espaço por parte do ser humano. O quotidiano é feito de sons, de cheiros, de acontecimentos que marcam a expressão desses mesmos lugares. O sentir destes elementos dá-nos informações ricas sobre os anseios e as inquietações das suas gentes. A arquitectura comunicante liga-se de forma íntima com as gentes e os lugares aproximando-se deles e percebendo as suas reais necessidades, percebendo os elementos a estimular, numa troca mútua de reacções, tendo o ser humano e o território como elementos fundamentais de interacção. O quotidiano dessas gentes cria elementos referentes a esse processo de comunicação e expressão dos lugares. É um actor complementar dessa peça teatral que é a dimensão expressiva do território da cidade. Cada um desses acontecimentos é um momento que se sucede, e que é sucedido de outras experiências ligadas à dimensão física e textural da arquitectura. O desgaste como reacção da matéria sobre o tempo aproxima o ser território ao ser humano e expressa-se tal como as pessoas através do desgaste das suas superfícies. (Figura 28) Em conjunto eles têm o poder da vida do lugar, o poder de definir a sua verdadeira expressão e comunicação, de “estabelecer um conjunto muito vasto e sistemático de restrições e impedimentos, de permissões, de ordens e desordens, de regras, de reconhecimentos, de exibições e de ocultações, de afinal, programas de utilização e de entendimento, de precisão de abusos que serão punidos se forem descobertos, de 143. RASMUSSEN, (2002): 9 126Figura 28 “As matérias como expressão do território construído”, Fonte: Produção própria


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condenação de condutas, ou de eventuais tolerâncias de vários tipos, de afinal, instruções rigorosas do uso”144. É, portanto, uma forma de interpretar o território repleta de positivismo. Esta interpretação dos lugares vai para além da postura crítica, embora não escondendo-a, ou de uma postura global e geral que ignora este contacto próximo com as coisas em si, com a sua dimensão expressiva como forma genuína de comunicar e de estabelecer o contacto entre a arquitectura e o ser humano. Tratam-se de cenários próprios e individuais, que por si só, estabelecem contactos diferentes com o ser humano, de cenários próprios que dramatizam, do seu modo particular, a experiência do espaço urbano. Falamos de um olhar em várias camadas, de um sentir em vários momentos que vão para além do imediato, da capacidade de pensar a expressão que nos remete para a intemporalidade e para o espírito de uma cultura constantemente emergente e renovadora dessa envolvência experiencial do território. Envolvente e renovadora, como processo de metamorfose constante da própria identidade histórica da cidade. Um desejo de um palco em constante alteração, de um processo e sentimento de remascaração, de inquietações e de uma refundação experiencial que envolve cada elemento num ser só, apenas constituído por pequenas e específicas partes de sensações que são transmitidas, que se renovam e modificam através do tempo e da matéria como ligação à própria disciplina arquitectónica. Pretende-se atentar sobre a cultura visual e experiencial de Coimbra, dos seus lugares, daquilo que as suas gentes sentem escutando relatos e sentindo na primeira pessoa o desenrolar do tempo dessas estruturas cénicas que invadem a nossa memória e o nosso imaginário, de um objecto plural, rico, variado e até contraditório, a que chamamos de Coimbra. 1.1 O contributo da História na dimensão expressiva de Coimbra Como vimos a expressão de um lugar e de uma cidade abrange dimensões distintas da interpretação da sua experiência vivencial. A matéria e o tempo são fundamentais no estabelecer desse contacto próximo e íntimo entre a arquitectura e o ser humano. Estes dois conceitos interligam-se com o carácter de uma cidade, que de alguma forma, justifica a sua própria razão de ser na História como disciplina. Entender a essência histórica da particularidade de um lugar ou da alma comum de toda uma cidade torna-se um processo cognitivo fundamental para entender, clarificar e interpretar a construção das narrativas como processo de descodifica-

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144. Idem : 82


ção dos signos e símbolos da mensagem arquitectónica, enquanto matéria de comunicação. Em nenhum outro território nacional, estabelecer um paralelismo entre a dimensão expressiva da cidade com as suas bases fundiárias históricas, se torna tão pertinente quanto em Coimbra. Ainda hoje podemos definir Coimbra como uma cidade de contrastes afirmativos e corajosos de elemento sobre elemento, de edifício sobre edifício, de programa sobre programa, da expressão de um tempo sobre um outro distinto e passado que já nada parece significar, ou se torna necessariamente inconveniente. A afirmação de um tempo surge sobre um outro expressando-se mutuamente.

Desde as suas bases fundiárias de origem Romana que Coimbra conhece o seu

centro. Assente sobre uma estrutura amuralhada que envolvia toda a zona actual da Cidade Universitária e da Alta, Coimbra afirma a sua posição sobre os limites de propagação impostos pelas características geográficas do próprio território. Desta estrutura amuralhada surgem hoje apenas linhas em alguns pontos, definidas por muros de vedação e de suporte, por pedaços de torres de vigia como fundações de construções do séc. XX e a porta de Almedina, a única de cinco no total que faziam a transição do arrabalde para o intra-muros. Sendo assim, surge desde os primórdios da civilização da cidade essa sobreposição aparente de intenções e de programas, bem como a ocupação estratégica dos altos e das encostas das colinas como forma de defesa natural não só aos ataques externos, mas também pela sempre difícil relação que Coimbra teve, até finais do séc. XIX, com o Mondego, e o seu temperamento incontrolável, e as inúmeras linhas de água existentes que dificultavam a construção em zonas de declive mais estável. Uma dessas linhas de água existia na actual Avenida Sá da Bandeira e criava em torno daquela colina resultante desde o séc. VII da cidade, uma ocupação densa envolvendo edifícios emblemáticos. Uma das fortes expressões do território da cidade está no constante apelo à monumentalidade de cada lugar, por mais pequeno e simples que seja, através de cada elemento construído. Isto deve-se não só à ausência de temor em vencer as condicionantes geográficas, não só às necessidades próprias de escala que a cidade exige, mas sobretudo a uma razão de ser cultural e histórica, transversal no tempo. Com o desenvolvimento do Cristianismo, iniciado ainda em época romana, existiu a tendência de afirmar Coimbra como centro cultural e religioso, primeiramente pelas condições de defesa naturais de que dispunha e, na própria reconquista, pela centralidade de uma nova Pátria que se afirmava. Esta monumentalidade vem das Igrejas construídas, dos Palácios Episcopais, dos conventos e das Ordens religiosas que se foram espalhando pelo território e afirmando centralidades que marcaram, e marcam ainda hoje, a 129


paisagem construída da cidade. Esta noção infra-estrutural do crescimento urbano de Coimbra através da introdução de novos elementos construídos religiosos justifica-se ao longo do tempo e é transversal ao processo de crescimento e expansão da cidade. Primeiramente a construção de elementos religiosos na zona do arrabalde, exterior à estrutura amuralhada, descentralizou a cidade, até lá apenas voltada para a Alta. Nesta zona, a partir do séc. IX, com a Igreja de S. Bartolomeu e S. Tiago, originou uma estrutura vivencial que ainda hoje perdura na memória actual daquele lugar. Por um lado é inegável o forte pendor comercial de todo aquela zona da actual praça do Comércio, rua Visconde da Luz, Praça 8 de Maio e das ruas da própria Baixinha. Embora não existissem exactamente com a configuração de hoje, desde o final do séc. IX que, aproveitando o eixo norte-sul que ali existia, muita da população se foi fixando aproveitando esse território para local de intensas trocas comerciais. Por outro lado, a própria estrutura urbana parece perdurar pela escala das ruas, pelo contacto próximo entre os edifícios, pelas vivências que delas emergem, até pela sua própria toponímia como sendo a razão de ser dos lugares através das suas nomenclaturas. Perdura até hoje a estrutura urbana da antiga zona do arrabalde. A rua dos Esteireiros, a rua da Azeiteiras, a rua das Padeiras, a dos Caldeireiros, actual rua Direita, a dos Tintureiros, actual rua da Louça, são todas ruas que mantêm a sua estrutura urbana intacta, inclusive na escala e tipologia funcional e ocupacional dos seus edifícios. Esta é uma dimensão importante na expressão de Coimbra. Existe um forte compromisso com a estrutura actual das coisas e com o seu papel morfológico na cidade. A sua estrutura física, como suporte das suas vivências, de alguma forma parece ser transversal no tempo. Essa estrutura física existente apenas parece pontualmente sofrer uma adaptação e reajuste defendendo a teoria de que Coimbra é efectivamente uma cidade construída por camadas que se vão justapondo num processo de crescimento aparentemente orgânico e espontâneo. Esta estrutura física foi se mantendo até ao séc. XVIII. A cidade foi crescendo dentro deste binómio intramuros e arrabalde. As suas construções foram-se modificando, se renovando, os seus usos foram se alterando consoante o evoluir dos tempos e das necessidades e expectativas da sociedade. Assim é de salientar esta importante dimensão expressiva da cidade de Coimbra, como uma cidade que sempre foi renovando os seus lugares emblemáticos e sempre foi reajustando o seu papel para que a sua importância fosse permanecendo. De alguma forma a expressão de hoje é a expressão resultante de um tempo que perdura e que passa, que se vai renovando e afirmando. Coimbra ganha novos actores, na dimensão expressiva do território, com a sua 130

afirmação como cidade Universitária. O cada vez maior controlo da sociedade por


parte do clero encontra em Coimbra a cidade ideal para a afirmação deste feito. A monumentalidade da cidade ganha uma maior expressão e dimensão com o facto das ordens mendicantes e os seus colégios se instalarem por todo o território, não só pela Alta, mas também com a criação da Rua de Sofia e todos os seus Colégios de edifícios majestosos, imponentes e afirmativos de uma nova cultura, para a cidade, um novo papel que, evoluindo, perdurou no tempo até aos dias de hoje. A materialização desta nova cultura e deste novo papel para a cidade surge com o Colégio do Espírito Santo, em 1541, o Colégio do Carmo em 1543, o Colégio da Graça em 1543, O colégio da Boa Ventura e de São Tomás em 1546. Esta concentração da ocupação do território que falamos deu origem a uma Coimbra que se renova por dentro mantendo o seu papel e a expressão das suas estruturas vivenciais renovadas. O comércio, a cultura e a educação são o mote de uma cidade que só conheceu novos horizontes na sua evolução física após o final do séc. XVIII, com o domínio sobre o temperamental Mondego e das características físicas e geográficas do seu território base. Estas características físicas e geográficas do território de Coimbra são uma forte razão para a caracterização actual da cidade e a expressão do seu edificado. As pendentes dos planaltos, das sucessivas escarpas afirmam mais o papel do edificado comum e de excepção sobre a imagem da cidade. De facto, por Coimbra em momento algum conseguimos compreender um único plano edificado, mas sim uma sucessão rica dos mesmos, com vários tipos de edificações que parecem se sobrepor umas às outras, sem qualquer regra geométrica, sem qualquer jogo de proporções. Coimbra consegue uma expressão natural em que essa natureza é o seu próprio edificado pois parece nascer de forma espontânea e irregular, mas que no seu conjunto caracteriza um elemento homogéneo, um plano construído pela imensidão da justaposição de muitos outros. Nenhuma época construtiva da cidade interpretou de forma textual esta dimensão expressiva do território como a sua evolução física ao longo do séc. XIX e inícios do séc.XX. Esta foi uma importante fase de expansão física da cidade. O crescimento da população, dado pela Revolução Industrial e a crescente concentração de estudantes, afirmou o território como um importantíssimo foco cultural e sócio económico do país. Esta expansão física é dada pela abertura de avenidas que acabaram por se tornar fundamentais na estrutura urbanada cidade. A avenida Fernão de Magalhães e a avenida Emídio Navarro surgiram como elementos fundamentais para estabilizar o domínio sobre o Mondego permitindo a introdução de uma faixa industrial cuja linha férrea aproximou de todos os outros centros do país. Ao mesmo tempo, estas duas avenidas possibilitaram mais tarde a criação de zonas verdes cuja vivência pública expressa um importante momento de ligação entre o Mondego e o conjunto edifi-

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cado da cidade, afirmando-o como um cenário múltiplo sobre a memória visual do rio. Falamos do Parque Dr. Manuel Braga, de inícios do séc. XX, e mais recentemente do actual Parque Verde. Ao mesmo tempo, em 1878 surge o projecto do bairro de Santa Cruz que previa também a criação da Avenida Sá da Bandeira e toda a ocupação da antiga Mata dos Januícios como a configuração de uma margem edificada da Avenida da República. Foi um momento importante na afirmação do território de Coimbra permitindo mais tarde, já em pleno séc. XX, a evolução física do território sobre o Monte dos Claros, que surgiu sobretudo com o objectivo de unir a antiga zona da Conchada à Cruz de Celas, aproveitando a estrutura de um velho caminho, a hoje Rua Antero de Quental e a Rua Augusta de 1927. A expansão a ocidente surgiu posteriormente com o desenvolver das acções sobre o território por parte do Estado Novo. O Bairro Norton de Matos evidencia uma nova mentalidade na política habitacional da cidade, numa expressão mais modesta, mas infra-estruturalmente forte e apoiada. Nesta zona mais plana do território de Coimbra com o descuidar das políticas habitacionais do estado surgiu uma nova dimensão da expressão do seu território. O descontrolo político deu origem a uma Coimbra de contrastes entre edifícios históricos que ombreiam lado a lado com edifícios anónimos, de arquitectura inexistente, mas que correspondem a um tempo específico da expressão da sociedade. A expressão da cidade continua a intensificarse na renovação pontual de elementos já consolidados, através da substituição de alguns lotes de edificados que vão desconfigurando a imagem homogénea do passado. Neste centro urbano deparámo-nos com esses mesmos elementos de forma óbvia e directa, sem fazer grande esforço. Na Baixinha, sobre a rua Visconde da Luz, algumas intervenções descaracterizam uma imagem e uma leitura homogénea do edificado. Este novo tempo contemporâneo salienta uma nova expressão de Coimbra, mas que sem ela o território não se sentiria tão envolvido de alma e de significado. Da mesma forma que é notória a presença de edificação sobre as antigas torres de vigia da antiga muralha medieval, de edifícios de habitação e comércio junto a Igrejas, como o caso da Igreja de S.Tiago na Praça do Comércio, assim como os campos de futebol da reitoria da Universidade inseridos numa área verde importante, mas completamente descuidada, como o caso da actual condição do Jardim da Sereia, é com naturalidade que estas construções de imagem clandestina vão se sobrepondo e desenvolvendo no território. Esta é uma dimensão da expressão estética de Coimbra sobre a qual recai o foco desta interpretação do território da cidade. Uma dimensão estética que a História ajudou a criar e a construir não apenas na sua dimensão do tempo passando pelas 132


coisas e a magnífica expressão desse tempo em cada elemento. O facto é que a História serve de mote a uma Coimbra construída por um tecido heterogéneo em que o património se envolve com o anónimo e o anónimo tenta-se mostrar sobre bases fundiárias mais antigas e uma topografia, como condição geográfica, que justifica esta sensação e este tipo de apropriação e evolução do tecido construído da cidade. Aqui a beleza de Coimbra ganha um novo actor, mas cujos factores negativos a cidade soube aproveitar para si, quanto mais não seja nesse processo mútuo de envolvência entre construções de diferente carácter. O carácter identifica a narrativa e possibilita a inserção dos rituais perceptivos nas novas intervenções que não devem nunca perder a sua conotação crítica perante a condição actual do território quer na sua expressão física, quer na sua expressão vivencial. 1.2 A expressão académica do território Coimbra é um território marcado pela influência histórica da Academia nos seus acontecimentos, na expressão cultural das suas gentes. Muitas vezes intitulada como a Coimbra dos Estudantes, é um facto que a presença se sente pela juventude da população, por marcas específicas de apropriação que revestem de alma os lugares por onde estes passam. Sendo assim, serão abordadas duas dimensões distintas desta expressão académica sobre o território. Num primeiro momento irão ser abordados os lugares académicos como sendo aqueles que ao longo do tempo têm sido ocupados permanentemente por estudantes e que espalharam a sua alma, as suas necessidades, expectativas e sobretudo, as suas vontades de expressão. A pertinência de focar a interpretação neste segmento específico da população resume-se ao carácter genuíno com que a academia se foi, se vai, e sempre irá se apropriando dos lugares de Coimbra. Ao mesmo tempo são um público-alvo espelho da Sociedade da Informação e da Comunicação como caracterização importante e pertinente da Sociedade civil actual. Este público espelha também essa interactividade necessária entre a arquitectura e o ser humano, precisamente pela sua necessidade de se expressar, de comunicar a verdade da sua alma como a verdade das suas expectativas sobre a vida e sobre o mundo. Sendo assim, centramos estes lugares académicos no centro urbano da cidade e nas imediações do pólo I, como base dessa expressão académica dos lugares de Coimbra. Nos novos pólos não se sente esse espírito forte, por falta de enraizamento na tradição académica. A ausência dos trajes, a ausência do som das Tunas a invadir a memória das ruas, como sentimos na Alta, justifica essa perda de identidade académica. Nem a introdução de edifícios de qualidade, de equipamentos despor133


tivos e habitacionais, e uma analogia formal que Gonçalo Byrne cria entre as suas escadas do Pólo II e as Monumentais, servem para imbuir esses lugares de alma académica. À noite esses lugares tornam-se desertos e a população académica dirige-se em força para o centro e para as actividades que lá acontecem, muitas vezes, clandestinamente, como já foi referido, sem um tecto, sem um edifício que espelhe essa vontade de expressão. O Jardim da Sereia é um local importantíssimo na identificação do território de Coimbra. Inúmeros concertos são dados naquele local, de pequenas bandas, de pequenas tunas, pequenas exposições e performances são feitas pelos inúmeros percursos que vão acontecendo. A vida deste espaço está apenas nestes momentos pontuais. O silêncio que invade aquele espaço e o seu desuso revela-se no descuido da vegetação, dos pavimentos, das esculturas. Esta perda de expressão deve-se também à introdução do Campo de Santa Cruz descaracterizando as suas vivências, abrindo um vazio dentro do papel e do significado que aquele espaço tem para a Cidade. A atitude referida do “rasganço”, que não esconde influências na curta-metragem de Raquel Freire, revela-se fundamental perante o território e as suas gentes académicas. (Figura 29) A identidade destes lugares académicos encontra-se ameaçada por um poder decisor mais interessado em potenciar novas zonas da cidade que levarão a um maior lucro das suas gentes. Assim, a capacidade expressiva de Coimbra está intimamente ligada á expressão da sua academia. Pelos lugares que abrange, pelos limites que cria, e pelo poder sobre o território que anuncia. Esta expressão aparece nos dias de hoje fragilizada pelo descuido do território com o qual mais se identifica este grupo e pelo emergir de novas necessidades e de novas vontades que não encontram resposta adequada na cidade e nos seus lugares.

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Figura 29 “A expressão académica do território - Território e Gentes”; Fonte : Produção própria


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2 Lugares sem expressão Lugares sem expressão são lugares do território inertes, sem capacidade de comunicação, que não cumprem o seu papel, porque não podem ou simplesmente porque não o deixam. São lugares cujo abandono existe ou é iminente, pela experiência vivenciada não surgir, pela renovação do seu significado e simbolismo nunca ter acontecido. Lugares sem expressão são lugares em negação de si mesmo. São sítios sem a sua situação definida, que foram perdendo o seu papel referencial ou simplesmente nunca o tiveram. São lugares mutilados por erros de intervenção humana, são seres com a boca bem tapada, são lugares que não podem falar. São lugares que não falam por sentirmos um enorme vazio experiencial quando os habitámos, ou simplesmente não habitámos, por eles serem lugares de abandono na medida em que foram deixados ao acaso, foram deixadas as suas gentes, deixadas as suas funções. Abandonar significa esquecer e muitas vezes renunciar, rejeitar ou simplesmente ignorar a sua presença ou existência. Estes lugares sem expressão são lugares em que este sentimento está presente, em que a vida não se faz e não acontece, onde a música já não toca. São inertes porque nada acontece, porque não existe reacção dos seus elementos constituintes mais simples, das suas gentes. Estes lugares sem expressão são lugares em que existe uma clara desestabilização, uma clara agonia das suas funções, uma a-funcionalidade, pela inexistência clara de uma, ou pela mistura sem contiguidade das mesmas. O Jardim da Sereia apresenta-se como um caso claro em que a introdução de um novo uso descaracterizou todo o lugar, todo o seu significado histórico e simbólico para academia e para a cidade. A introdução do Parque Desportivo de Santa Cruz retira importância à mancha verde face ao seu contexto urbano. Os limites afirmativos dos muros que o envolvem impedem a envolvência do espaço, abrem uma ferida irrecuperável, levam à desocupação do Jardim, ao maltratar dos pavimentos, ao crescimento de vegetação rasteira que consome o espaço e que aprisiona as árvores. A água já não corre e as pedras já perderam a cor do calcário. Uma verdade foi retirada a este lugar, fazendo com que este perca a sua expressão, por perder a afirmação do seu papel infra-estrutural na cidade de Coimbra. No fundo, Coimbra é uma cidade como tantas outras em que o seu território não valoriza o seu próprio potencial e consequentemente, através de erros de intervenção, interpretando interesses de forma enviesada em direcção aos seus próprios benefícios e não de forma transversal em direcção ao bem-estar comum. 136


Estes lugares interessam convergir com as necessidades da população, potenciando-os para a sua verdadeira função e o seu verdadeiro papel. São lugares em que a comunicação com o ser humano é inexistente ou incompleta, pedaços de território frágeis, tapados pela sua inutilidade ou simplesmente pela sua invisibilidade, completamente ignorados pela vida urbana da cidade que interessa potenciar na relação da arquitectura com o ser humano. São lugares que descaracterizam Coimbra, como descaracterizam muitas outras cidades, mas ganham especial relevância neste território cultural, porque Coimbra esquecendo-se de si própria deixou sempre viver a cultura emergente das suas gentes. Acontecem como vazio existencial, vazio de uso e de significado. Estes pedaços de território são importantes para reequilibrar o tecido, por serem infra-estruturas já criadas que esperam, paciente e solitariamente, por uma nova vida, pela introdução de novos elementos que os tornem capazes de serem si próprios, readquirindo o poder de comunicação que está inerente à própria Arquitectura e à humanidade. 2.1 A mutabilidade expressiva das suas gentes - Lazer vs Conhecimento Para além dos territórios sem expressão interessa perceber as repercussões sociais do aprisionamento vivido na actualidade sobre um público-alvo específico e característico da cidade de Coimbra e, como já foi referido, um público-alvo espelho da Sociedade de Informação, como uma sociedade sedenta da necessidade de expressão, da necessidade de gerar e receber informação. Este paralelismo constante, como forma e método de análise, entre a expressão do território e a expressão das suas gentes tem como objectivo interligar os conceitos de forma a tornar mais pertinente o critério da intervenção, inclusive com o desenho do conteúdo programático que obedece a uma reflexão efectuada sobre os valores comportamentais e expectativas vivenciais deste novo ser social proveniente dos valores da Sociedade da Informação e da Comunicação. O novo ser social apresenta uma necessidade de estímulo vivencial constante, quer através de fenómenos sociais que o interligam com os outros, quer através do modo como ele próprio gera a informação de que dispõe. Este estímulo vivencial parece surgir constantemente e sobre diversas ordens de grandeza e de importância no seio do quotidiano do ser humano. Ganha a forma de puro conhecimento, de pura expressão humana. O fenómeno da Comunicação interage precisamente com esta relação entre a expressão do acontecimento e o fenómeno do seu registo e descodificação pelo 137


ser humano. O acontecimento expressa-se, portanto, sobre duas ordens de grandeza, o Lazer e o Conhecimento. De facto este novo ser social parece ter a tendência para se tornar estímulo de si próprio através de um fenómeno de mudança comportamental. Este contraste parece também ser exigido ao espaço enquanto conteúdo vivencial. (Figura 30) Portanto, a multidimensão da Comunicação em Arquitectura nasce através de um jogo de contrastes e de oposições, formais, expressivas e referentes ao próprio conteúdo programático como elemento gerador e identificador dos rituais vivenciais que identificam a ocupação do lugar. A variação expressiva e comunicacional do próprio edifício emerge da inserção de diversas atitudes comunicacionais como parte integrante e estruturante da conceptualização da intervenção, gerando um novo paradigma no seio da disciplina da Arquitectura, o comportamento. 3 Coimbra, a cidade que constrói a expressão vivencial contemporânea A afirmação cultural de Coimbra surge através de uma necessidade de, para além do motivo exógeno de descentralizar os acontecimentos culturais na estrutura global do país, reclamando para outras cidades a capacidade de organizar e receber eventos que “invadam” o quotidiano apático da maioria dos sectores populacionais, tem uma série de motivos endógenos muito fortes que se misturam na identidade antropológica e histórica da cidade. Coimbra sempre foi conotada por uma forte actividade intelectual misturada com a própria identidade nacional. Desde a música até às artes da representação, passando pela escrita e pela própria investigação histórica e artística, Coimbra surge verdadeiramente como um símbolo de um espectáculo contínuo, entre o conhecimento e o lazer, necessariamente potenciado pela forte presença académica no território. Esta relação da academia com o território, como já foi referido, nem sempre foi pacífica, sobretudo porque essa relação nem sempre encontrou no território lugares em que, de forma livre, existisse um fenómeno de interacção entre os valores da academia e o quotidiano da cidade. A relação entre a necessidade de expressão dos estudantes e as infra-estruturas existentes na cidade encontra, nos dias de hoje, um momento particular de apatia, sobretudo quando circunscrevendo a análise ao centro histórico. A cidade actual tem verificado um fenómeno de proliferação das infra-estruturas académicas em sentido externo ao seu centro, levando a uma maior desertificação e perda do seu valor simbólico para com a cidade e a própria comu138

Figura 30 “A expressão de conhecimento e a expressão de lazer no ser social actual ”; Fonte: www.flickr.com acedido a: Março 2010; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/cubatasconmatarratas/4429818631>


express達o de conhecimento express達o de lazer

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nidade académica. O centro perde a sua capacidade de expressão genética e essencial perante a vida urbana quotidiana. É pertinente voltar a afirmar esta centralidade do núcleo histórico, motivando a criação de uma nova referência num tecido simbólico e simultaneamente ligado à cultura e à expressão artística e cultural da comunidade académica, interligando estes conceitos na função de uma estratégia que simultaneamente vai de encontro às necessidades do território e da sua população. Falamos, portanto, de factores de motivação endógenos, mas de clara potencialidade exógena, não fosse a mobilidade uma das características deste novo ser social. Torna-se, portanto, estruturalmente conceptual esta ligação e exploração do fenómeno vivencial que as actividades culturais têm, nos dias de hoje, como capacidade de criar na experiência vivencial do ser humano, tentando inserir esta riqueza de acontecimentos e de estímulos, dados, desde logo, pelo próprio conteúdo programático da intervenção, no quotidiano dos processos vivenciais urbanos por parte do ser habitante de Coimbra. O bem do conhecimento parece assim estar multidisciplinarmente conectado com outras realidades, afirmando o seu carácter excepcional, não apenas pela forma como se posiciona no tecido da cidade, mas sobretudo pela capacidade de, no processo quotidiano natural, gerar estímulo e interacção com o simples fenómeno de viver o espaço urbano, o que deve ser encarado cada vez mais como manifestação de lazer e de prazer. A dicotomia conhecimento e lazer parece também ser a oposição correcta a introduzir no processo de transformação dos referidos lugares atópicos. O ser humano vê assim no território um elemento rico em informação e estímulos. A cidade apresenta essa necessidade de afirmar o seu contributo no panorama cultural nacional. Essa necessidade, relacionada com a análise da expressão do tecido urbano, ganha uma importância fundamental na reafirmação do papel infraestrutural do centro histórico e do papel que a academia tem de proporcionar com a geração de conteúdos enquanto acontecimentos. Sendo assim, a criação de um novo Centro Cultural, Social e Educacional tem o duplo objectivo de criar uma nova centralidade num tecido desqualificado, servindo, através da geração de um conteúdo programático multidisciplinar, simultaneamente o lugar, o território e o ser social, encarando o seu processo de viver no quotidiano como algo informacionalmente lucrativo e procurando estabelecer uma nova forma de afirmação do espaço público urbano, através do dispêndio de tempo de lazer de qualidade, uma nova interacção referencial entre o comportamento do território e o comportamento do ser social. A requalificação dos tecidos urbanos, dos centros históricos parece portanto não pas140


sar apenas pela recuperação dos seus edifícios, mas também pela introdução de novos conteúdos que gerem novos processos vivenciais e novas formas de fixar e referenciar nos lugares sectores mais nómadas da população. Neste sentido, o Jardim da Sereia surge como a plataforma de intervenção ideal de acordo com os pressupostos da visão estratégica e a sua relação com a temática em análise. Por um lado, é um espelho fidedigno das características de um lugar atópico, por si mesmo, na medida em que se revela abandonado e inexpressivo, e pela sua envolvente, cujo tecido não garante no ser humano o estímulo necessário para a sua permanência e que, simultaneamente, seja uma manifestação construída do seu tempo e dos valores da sua Sociedade. Portanto, a multidisciplinaridade comunicacional surge aliada à multidisciplinaridade do conteúdo programático. Entre diferentes públicos, opostos e complementares, pretende-se sobretudo que o espaço seja um acelerador da pulsação urbana, através da expressão do ser humano e, simultaneamente, uma força de regeneração do processo vivencial quotidiano, proporcionando uma nova expressão ao território de intervenção e respectiva envolvente. 3.1 Jardim da Sereia - Atopia, Oportunidade e Intensidade das Intenções O lugar do Jardim da Sereia expressa uma antagónica capacidade comunicante com o território envolvente e com o próprio ser social. A atopia, patente na persistência de um tempo passado, desqualificado e esquecido, verifica a condição de abandono e de degradação actual. A vegetação descuidada reage à ausência de luz contorcendo-se num movimento de dor que proclama ajuda e intervenção, parecendo fugir da vegetação rasteira, descontrolada e que em vez de envolver afasta o ser humano da fruição de espaço de lazer de qualidade. Lugar de opostos e de oposições, o Jardim pontualmente invade-se de ocupação através de públicos em que a manifestação surge como modo de expressão de um sentimento ou de uma qualquer necessidade de ser e de estar, expressão fundamental do processo fenomenológico perceptivo do ser social actual. Aqui o Jardim ganha uma nova vida e cresce o contraste com a sua condição física, enquanto capacidade de dispor serviços ao ser humano. Esta é a verdadeira essência dos lugares. Através de uma metamorfose infra-estrutural, que varia desde o lugar de excepção ao lugar do quotidiano, a natureza antropológica do lugar afirma-o enquanto serviço ao ser social. Da visão estratégica em relação ao tecido da cidade, através da afirmação 141


cultural, quer na sua repercussão exógena, quer dos seus motivos endógenos, nasce uma visão específica em relação ao próprio lugar de intervenção que se prende numa perspectiva mais sensível e aparentemente utópica, face à burocracia tentacular que ainda persiste na organização social. Esta burocracia e apatia por parte do poder decisor, ganha forma no lugar em elementos simbólicos dessa mesma negação dos valores do tempo e da Arquitectura. Esquecido no tempo e mutilado por intervenções erráticas, quanto à forma e inclusivamente quanto ao conteúdo, surge a intenção de garantir uma nova expressão para o Jardim, necessariamente readaptando e reinterpretando, o seu papel, essência, simbolismo e valor histórico em relação às necessidades prementes da Cidade e da Sociedade. Daí, surge a vontade de garantir uma nova expressão natural a todo o território de intervenção, não escondendo a sua conotação profundamente metafórica, pois, no fundo, verdadeiramente natural é tudo o que o ser humano sente necessidade de implementar para comunicar e fazer-se acontecer. O lugar surge como um valor iminentemente conceptual em todo o discurso da Arquitectura. Como plataforma vivencial existente, surge a necessidade de interligar os fenómenos rituais existentes com aqueles que são propostos através de processos sensoriais que têm como objectivo fundamental melhorar e potenciar a experiência espacial do ser humano, reaproximando-o do território construído como verdadeira expressão física dos seus valores enquanto ser individual e enquanto ser pertencente a uma comunidade. Especificamente, decidiu-se dividir esta síntese dos objectivos relacionados com o lugar em três momentos distintos fundamentais, elaborados apartir da especificidade do lugar de intervenção. Sendo assim, a Natureza surge como génese e contributo do valor expressivo do local pretendendo-se potenciar a existência deste elemento através de uma relação multi-sensorial e de uma leitura heterogénea da sua expressão e da sua relação com a temperatura, dos meios e dos ambientes, com os jogos de sombra e de luz, fundamentais na comunicação estimulante deste elemento. Torna-se um objectivo evidenciar o papel interveniente do tempo neste factor compositivo, interpretando a vegetação como um elemento de interacção e de estímulo, afirmando o papel da Natureza como processo de comunicação de razão simbólica de valor antropológico e histórico, trabalhando e manipulando este elemento identitário pré-existente como uma memória do passado readaptada, conceptualmente, à nova condição e à nova estrutura morfológica do lugar. Um outro factor fundamental na implementação de uma estratégia de intervenção arquitectónica é a sua relação com a envolvente construída como suporte 142

Figura 31 “Desenhos de observação - Jardim da Sereia ”; Fonte: Produção própria


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físico cujos conteúdos, formas e imagens necessariamente condicionam os objectivos da intervenção. Neste sentido, e com a necessidade da afirmação desta nova centralidade cultural do próprio lugar surge o objectivo de reaproximar a distância física da envolvente em relação ao espaço físico do Jardim, tornando-o simultaneamente mais convidativo, mais acessível e mais visível, fundamentando a necessidade de toda a infra-estrutura se tornar mais permeável e facilmente mais percorrível. Esta intervenção tem também como objectivo potenciar o desenvolvimento e a requalificação do tecido envolvente, um processo que surge natural através do estado actual dessas mesmas parcelas atópicas do território. Para tal são interpretadas as dinâmicas perceptivas existentes a nível topológico, ou seja, reinterpretadas conceptualmente com a expressão das matérias existentes no lugar como factor comunicante que interliga o ritual existente do sítio com a capacidade de simultaneamente gerar identidades e situações distintas nos elementos de propagação da própria proposta. O processo de afirmação de uma nova centralidade tem por base a sua evolução em dois vectores de sentido externo e interno. Uma forma de evidenciar esse sentido do lugar em relação ao seu exterior é através do próprio desenho da proposta e a relação com esses mesmos elementos marcantes da envolvente externa ao território de intervenção. A afirmação dos valores do lugar, como comunicação da sua essência antropológica, passam também pela afirmação do seu conjunto cénico envolvente, cujos processos de comunicação passam por criar elementos de ligação que afirmam as suas características e elementos positivos e transformar, conceptualmente, o impacto dos seus elementos mais desqualificados e negativos. Este facto alerta para um outro objectivo que passa por reinterpretar o papel das infra-estruturas existentes no coração do próprio local de intervenção. Estas infraestruturas existem em modelos completamente obsoletos, quer formais, quer na relação entre os diversos componentes, que afirmam completamente a separação entre os objectivos e as necessidades da academia e do poder político decisor e do lugar com o fenómeno quotidiano de fruição de todo o espaço. São alvo de reflexão a pertinência da continuidade do actual campo de jogos de Santa Cruz e da actual Casa da Cultura posicionada no limite ocidental do Jardim da Sereia. Para além da substituição destes elementos existentes, surge a necessidade de evidenciar os elementos pré existentes detentores de valor situacional, cuja razão histórica romântica parece assumir um valor fundamental do seu papel antropológico, simbólico e sensorial servindo como veículo de ligação e comunicação de um sentimento nostálgico sobre a própria experiência espacial, através de um ritual existente e de uma situação definida e datada na História. A intervenção procura uma recriação poética 144Figura 32 “Interpretação e Objectivo Estratégico - Jardim da Sereia ”; Fonte: Produção própria


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da narrativa dos intervenientes existentes. Como interpretação da relação dos objectivos de intervenção com o lugar é expressa a sua relação com o ser humano enquanto utilizador, no seu processo de vida quotidiana. Neste sentido, o objectivo de inserir os valores culturais no dia-a-dia movimentado da cidade, ajuda à afirmação desta nova centralidade pretendida. Potenciando a ocupação do espaço e a sua afirmação como acontecimento contínuo, torna-se fundamental servir diferentes públicos em diferentes alturas do dia, estabelecendo diferentes formas de comunicação entre a ocupação e fruição excepcional do espaço do acontecimento contínuo ao excepcional, que a proposta consegue assim implementar em toda a estrutura física existente. Este processo gera diferentes momentos de contemplação do próprio espaço do Jardim, evidenciando as necessidades dos processos vivenciais do ser humano como o principal meio de comunicação e de veiculação da ligação entre os sentidos e o próprio conteúdo programático, uma relação materializável através da definição de diferentes atitudes comunicacionais como conceitos interventivos da índole comportamental de todo o projecto. 3.2 A Expressão do conteúdo programático O conteúdo programático surge como um elemento fundamental no processo de comunicação da fruição e das vivências do espaço. O programa é encarado como um sistema de conteúdos cujas relações entre si potenciam, em conexão com as necessidades da realidade exterior, a pertinência da implementação de uma nova estratégia e de uma nova intervenção. O programa tem, portanto, uma importância estratégica fulcral na definição dos próprios objectivos da intervenção e na atribuição dos valores comunicantes do próprio espaço, a partir da relação em que a interpretação conceptual dos mesmos se revela fulcral quando interligada com opções e acções de projecto referentes ao seu desenho, à sua forma, à sua imagem e à sua própria relação com o lugar existente e respectiva envolvente. Sendo assim, tem-se como objectivo fundamental interligar o conteúdo programático num todo interactivo com o lugar, potenciando a criação de um espaço multifuncional do espectáculo,do lazer e do conhecimento. Estes múltiplos conteúdos têm como objectivo fundamental afirmar toda a infra-estrutura como um todo interactivo servindo as necessidades da população no seu próprio quotidiano, bem como servir a população académica através da criação de múltiplos conteúdos culturais, garantindo espaços de oportunidade de expressão livre para as inúmeras asso146

Figura 33 “Organigrama programático”; Fonte: Produção própria


cultura

cultura acontecimento conhecimento

conhecimento

lazer

biblioteca

lazer

evento

museu 147


ciações culturais e artísticas, afirmando a sua presença no quotidiano urbano da cidade e estabelecendo uma ponte simbólica com os estímulos sensoriais que o lugar terá a capacidade de oferecer. Surge como objectivo fundamental relacionar o conteúdo do programa proposto com a introdução da infra-estrutura prevista do metro de superfície, evidenciando o valor da mobilidade na afirmação da própria centralidade do espaço e na sua motivação exógena face ao panorama vivencial do país. Para além da necessidade de interligar o lugar com os novos conceitos de mobilidade urbana surge o objectivo de estabelecer conteúdos programáticos de diferentes graus de fixação de população em diferentes alturas do próprio dia. Este conteúdo híbrido, multidisciplinar e proeminentemente cultural será expresso através da criação de uma zona de Biblioteca, Museu e Salas de Exposições como garante de ocupação e vivência diurna do espaço, complementada através da criação de Espaços de Performance e uma zona de Café Lounge. Como factor atemporal de ligação surgem conteúdos programáticos que estabelecem uma interacção mais próxima com a necessidade de expressão académica do próprio território. É exemplo de resposta a esta necessidade o objectivo de criar zonas livres referentes a salas de estudo, salas atelier e salas de ensaios intimamente ligados à expressão comunicacional e institucional do edifício. Estes objectivos têm como consequência a afirmação de um edifício e de uma intervenção enquanto acontecimento contínuo, interpretando-a como um lugar multi-temático cuja atemporalidade da mensagem evidencia, sobretudo, a necessidade da variação dos estímulos através de diferentes atitudes comunicacionais que interligam os conceitos e objectivos dados pela interpretação do programa e do lugar, com o significado de experimentar, habitar e interagir com o espaço. O programa tem como objectivo fomentar a interacção como principal alcance de uma Arquitectura Narrativa e Comunicante. Acção, reacção e riqueza de conteúdos deverão ser direccionados para todos os tipos de públicos e de todas as gerações, fomentando a vida urbana e enriquecendo a sua experiência do quotidiano. À sensação humana da Atopia como reacção à condição superficial do território, a intervenção corresponde a um conteúdo vivencial interactivo. Exterior e Interior surgem como limites a quebrar unindo a Natureza do lugar à própria expressão do conteúdo programático de cada sítio proposto pela intervenção gerando rituais contínuos que invadem a memória perceptiva do ser humano. O projecto pretende evidenciar o sentido crítico que a Arquitectura, enquanto 148

Arte, deve ter inerente à responsabilidade de cada intervenção. Assim, a imagem de


um território desqualificado deverá ser o ponto final de uma viagem e de uma narrativa proposta rica em estímulos e acontecimentos, fomentando e evidenciando o sentimento de atopia face ao território e reforçando o papel da Arquitectura e das suas intervenções como novas formas comunicacionais entre o lugar e o ser humano. 4 Projecto como comunicação Introduzir os fenómenos comunicacionais como parte integrante da materialização de um objecto arquitectónico surge como o objectivo fundamental de toda esta pesquisa. A comunicação, enquanto significado de interacção, como já foi referido, relaciona o sítio e o ritual com fenómenos de persistência da mensagem como o tempo e a capacidade expressiva da intervenção e respectivas sequências, enquanto situações definidas. As relações de contiguidade, necessárias no processo de descodificação da mensagem por parte do ser humano e do próprio território começam, desde logo, nas relações formais entre a proposta e o existente. Este processo de comunicação, tendo a arquitectura e a construção de uma nova realidade como contexto disciplinar, é interpretado com objectivos distintos consoante a escala de leitura e consequente escala de legibilidade da mensagem pretendida pelo espaço proposto, ou seja, a construção da sua narrativa é constituída por diversos momentos e escalas perceptivas. A primeira escala de legibilidade narrativa corresponde ao objectivo principal sentido com o simples percorrer do lugar. Devolvendo a expressão natural do Jardim pretende-se que a proposta tenha a capacidade de devolver a força expressiva da vegetação de grande porte existente. A contiguidade surge pelas relações provocadas entre a vegetação perene e caduca, a sua capacidade e mutabilidade expressiva sobre o tempo e a respectiva geração de sequências comportamentais em toda a intervenção. O compromisso formal com este objectivo é forte permitindo uma leitura homogénea dessa verdade infra-estrutural. Pretende-se aproximar a narrativa da arquitectura proposta com a essência comunicacional do Jardim da Sereia com o respectivo território envolvente, reafirmando a sua centralidade, voltando a funcionar como verdadeira infra-estrutura de lazer e de espaço verde como a sua razão histórica nos expressa. ( Figura 34) O projecto especificamente procura defender a posição disciplinar da Arquitectura perante a crescente virtualidade do conceito de espaço vivencial contemporâneo. Daí o estímulo, a intervenção e a renovação da mensagem serem tão im-149


portantes de obter fundamentalmente enquanto forma, enquanto realidade e instituição física. As relações de contiguidade pretendidas como processos de descodificação da nova narrativa proposta nascem precisamente da capacidade que a sua conotação física tem de se relacionar com as questões perceptivas que pertencem ao imaginário comum do ser humano, utilizador do espaço. Neste sentido a proposta interliga conceptualmente as atitudes comunicacionais com os próprios elementos formais que materializam a estratégia de intervenção. Esta relação e a força comunicativa de cada um será abordada especificamente mais à frente, contudo interessa relacionar o compromisso entre o seu significado, enquanto contributo para a substância da própria narrativa, a sua legibilidade por parte do ser humano e a capacidade de gerar sequências comportamentais que expressam a reacção do próprio objecto, como um ser vivo. Portanto, numa escala de leitura mais próxima do edifício nascem um conjunto de situações que repercutem à contemporaneidade situações existentes. A forma de cada um desses elementos molda-se a esses mesmos elementos contribuindo para uma relação mais intrínseca entre o todo, enquanto lugar, e as partes, enquanto situações do projecto. Percursos pedonais de maior importância histórica rasgam a intervenção procurando uma situação referencial mais importante. A própria desmaterialização do programa em diversos elementos complementares induz essa intenção de reforçar o papel infra-estrutural de toda a intervenção. Esses diversos momentos criados têm a capacidade de gerar diversos sítios, ora com uma conotação horizontal e por isso simbolicamento acessível e referencial, ora com uma conotação vertical, isolada para com o exterior. Este sentido de isolamento, dado por volumetrias opacas de topologias metaforicamente comprometidas com fenómenos reactivos do lugar, tem a capacidade gerar uma história dentro de uma outra, à qual é exigida um ponto final narrativo como reforço da mensagem pretendida. A narrativa na Arquitectura experimenta também o binómio aberto e fechado, respectivamente permitindo a manipulação do acontecimento e do modo comunicativo, horizontalmente, ou enclausurando a narrativa através da especificação do modo comunicativo, num sentido vertical e por isso inacessível, imposto e fora do controle emocional humano. Contudo, o facto da legibilidade de uma intervenção requerer várias escalas, origina um processo de concepção de diversas situações complementares, de diferentes modos de estar comportamentais e narrativos do próprio edifício, indo muito para além da forma ou da imagem, enquanto resultado visual da comunicação.

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Figura 35 “Maquetas de trabalho”, Papel dourado sobre cartão e acrílico, várias escalas; Fonte: Produção própria


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4.1 Atitude comunicacional - Limite Da aproximação entre o ser humano e o território como reforço do fenómeno comunicante do espaço, surge a necessidade de interligar e relacionar cada atitude comunicacional com uma índole comportamental distinta expressa a partir de uma característica, elemento ritual, situação ou expressão existente no local. Falar de Limite enquanto atitude comunicacional é estabelecer um fenómeno de interacção controlado pelo próprio ser humano, cuja acção do tempo, enquanto interveniente, que faz perdurar uma determinada mensagem, tornando-se imprevisível por ter a índole comportamental e o movimento de fruição do ser humano como factor fundamental da expressão. Ao mesmo tempo limitar implica uma afirmação através da simplicidade do próprio acto comunicacional, de um contorno e de uma situação bem definida e identificável. Tornando-o num meio quente de comunicação, esta atitude comunicacional pressupõe um papel referencial mais forte e um estímulo constantemente presente na memória proveniente dos sentidos do ser humano. Sendo assim, a proposta encara esta situação comunicante de forma a tornar toda a proposta mais envolvida entre processos do quotidiano e entre o binómio comportamental do ser humano, expresso entre o lazer e o conhecimento. O limite parece portanto tornar o quotidiano legível e identificável a partir do imaginário comum. Para evidenciar a verdade dessa comunicação, tornando-a necessariamente limitada, é concebido um contorno que envolve todos os volumes do conteúdo programático complementar. Este contorno compromete-se com a geometria existente da leitura topográfica e topológica do lugar e afirma, através da capacidade de comunicação da sua transparência, o carácter institucional de toda a intervenção. O programa a implementar neste volume contínuo expressa esse compromisso de carácter algo politico. A arte e a cultura divulgada para todos, estimulando a sua presença e o seu conhecimento, surge como uma forma de divulgação natural a partir da própria Arquitectura, remetendo o seu carácter comunicacional para uma questão mais profunda do que a simples variação ou cativação. Como forma de acessibilidade mais física surge um ponto final no limite através da mimetização de um elemento ritual de mobilidade entre as diversas cotas do Jardim. Este limite, enquanto atitude comunicacional arquitectónico referencia o espaço, cria um anel que vai apresentando diversas cores, diversos momentos que tornam mais intrínseca a relação entre a Arquitectura e o Homem. (Figura 36) 154Figura 37 “ Anel translúcido como limite comunicacional ” ; Fonte: www.flickr.com acedido a: Março 2010; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/34857952@N03/3237040897>


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Como atitude comunicacional o limite surge como um processo que garante uma maior objectividade perceptiva e referencial ao ser humano. Como espaço surge como o primeiro momento identificável, como um contorno volumétrico cujo conteúdo programático é realçado simbolicamente e existe com uma conotação mais existencial da própria comunicação. Este elemento surge como um ponto numa folha branca e envolve-se na sua relação com o exterior. A atitude comunicacional arquitectónica efectua-se através de relações de contiguidade entre as expressões naturais do sítio e a interpretação conceptual transposta para a nova intervenção. Neste caso particular , o ponto referencial do lugar é o lago existente, cuja centralidade é afirmada desde logo pela sua condição topográfica e pela sua escala. A água surge como um elemento referencial na analogia provocada entre as matérias propostas, tornando-se elas próprias num ritual pertencente ao imaginário comum do lugar. A proposta, neste volume resultante da interpretação conceptual do limite comunicacional, relaciona directamente a expressão da água e o seu efeito de transparência sobre os planos seguintes com a capacidade comunicante desse mesmo volume. Através de matérias como o policarbonato, durante o dia, o que se pretende é que esta matéria enuncie as vivências interiores com a mesma capacidade expressiva. Construtivamente, e com a intenção de reforçar a realidade física que a Arquitectura tem a capacidade de evidenciar como construção desses mesmos fenómenos, assume-se o desenho da estrutura metálica como parte participante dessa dimensão tectónica do espaço. O seu desenho reforça o carácter infra-estrutural, conotação proveniente das grandes infra-estruturas inter-modais, símbolo deste novo tempo de mobilidade, e relaciona-se directamente pelo seu desenho à realidade construtiva dos elementos verticais provenientes da Propagação como forma comunicacional arquitectónica. Durante a noite, através da inserção de sistemas lumínicos pretende-se que este elemento ganhe leitura de um elemento isolado. A variação da sua cor funciona como um símbolo comportamental da variação dos conteúdos e acontecimentos a decorrerem no momento, funcionado como um verdadeiro símbolo comunicante e uma forma do próprio reforço da mensagem institucional do edifício sobre uma forma e um tempo contínuo. O reflexo da cultura em movimento é dado pelo posicionamento da estante contínua cujo ritmo colorido dos livros com o movimento de fruição moldam o carácter enunciativo, enquanto capacidade de actualização constante e permanente do conteúdo da própria comunicação. 158Figura 38 “ Sequência comportamental - Limite ” ; Fonte: Produção Própria


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4.2 Atitudes comunicacionais - Propagação Relacionar uma proposta com o existente surge como um compromisso transversal à própria História da Arquitectura. A relação da disciplina com os pressupostos da Sociedade da Informação não escapam a este verdadeiro compromisso disciplinar. A adaptação da Arquitectura à variação dos estímulos remete-nos para um fenómeno de comunicação que tem como intervenientes o sítio, enquanto situação delimitável, e o ritual, enquanto conjunto de comportamentos adquiridos de um lugar. Da necessidade de fazer perdurar a mensagem da Arquitectura, algo perfeitamente identificável como uma necessidade face ao desgaste que os conteúdos parecem ter na velocidade que a Sociedade da Informação apresenta, surge a propagação como atitude comunicacional.

A propagação tem o dever de proliferar o estímulo, de ser um elemento com-

posto por diversas situações definidas, por diversos intervenientes formais. As matérias, num momento imediato da percepção, e a forma no momento perceptivo geral apresentam um papel fundamental nesta atitude comunicacional que tem os sentidos enquanto meio de gerar a particularidade dessas mesmas situações expressivas. Da necessidade de garantir uma nova expressão ao Jardim da Sereia, redesenhando a verdade das suas topologias verdes, através do uso de diversas espécies, surge a intenção de interpretar conceptualmente estes volumes de propagação como uma espécie de vasos que albergam a expressão da sua Natureza no topo, convidando ao seu uso e remetendo ao objecto um carácter vivo e naturalmente interactivo. O vaso surge como objecto narrativo reconhecível a partir do imaginário comum e surge verdadeiramente como símbolo do controlo humano sobre a força expressiva da Natureza.

Destes volumes surgem programas complementares aos que têm intenção de

institucionalizar a intervenção como compromisso social da Arquitectura. Zonas de lazer e zonas de conhecimento de livre acesso e uso pretendem propagar a necessidade de expressão do ser humano e tomá-la como expressão do próprio edifício. Ora como volumes fechados, a partir da sua percepção exterior, ora abertos na sua leitura comportamental interior, estes “vasos”, cujo conteúdo programático alimenta a Natureza no seu topo, procuram relações de contiguidade com as topologias do lugar existente, tornando a volumetria com expressões distintas consoante a humidade, o tempo e a orientação solar, a partir da variação da dimensão textural das suas matérias. O betão em analogia com o calcário existente, o cobre e a sua capacidade 160Figura 40 “Vaso comunicante” ; Fonte: Produção Própria apartir de “Psoriasis 1, Tamsin van Essen” acedido a: Março 2010; disponível em www url: <http://www.designboom.com/weblog/cat/10/view/10432/skin-exhibition.html>


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expressiva e narrativa com o tempo procurando a referência aos mosaicos barrocos, e a vegetação em relação a todo o lugar do Jardim, surgem como capacidade metamórfica deste mesmo processo de propagação da mensagem. Assim, falar de propagação, é neste caso particular, numa eternização dos valores fundamentais do lugar tomando-os para si e gerando uma mensagem múltipla, que não se desgastando, se renova infinitamente através do tempo e das suas sequências comportamentais. A expressão dos elementos de propagação surgem como pequenos muros que delimitam situações definidas em conteúdos programáticos que promovem uma relação de transição entre o programa permanente e o programa mutável, como forma de potenciar a renovação de estímulo, desde logo pelos acontecimentos que se vão sucedendo no espaço. Com a expressão destas volumetrias procura-se uma analogia com as construções da envolvente e a sua adaptação morfológica ao relevo e à topografia. Estas diferenças de nível entre as plataformas criadas promovem um discurso de interacção com um contacto com o exterior ambivalente entre exposição máxima e mínima. Como razão construtiva que identifica a cidade de Coimbra, o calcário enquanto matéria inerte surge como base sólida onde essas mesmas construções da envolvente acentam. A contiguidade verifica-se na intersecção das volumetrias com os percursos existentes. A pedra de hoje, o betão armado, adquire a expressão mimética da cor e da textura do calcário através da sua manipulação constituinte. A vontade é que este elemento de propagação se torne inerte pela extensão do seu uso remetendo a interacção para processos que acontecem no interior dessas mesmas volumetrias através do uso de diversas atitudes topológicas naturais, artificiais e tecnológicas, bem como de diferentes formas de comunicação. Na restante expressão exterior a vegetação de folha caduca e o cobre garantem uma metamorfose continuada no tempo com as épocas do ano, como forma de introduzir variantes comportamentais ao próprio edifício, garantindo-lhe uma expressão humana de desgaste e de conhecimento à medida que se torna cada vez mais integrado visualmente na realidade natural exterior apartir da oxidação e variação das próprias matérias. A metáfora está sempre presente na capacidade narrativa da Arquitectura e a índole comportamental do objecto arquitectónico ganha a sua verdadeira dimensão variável com a propagação como atitude comunicacional, tornando-se numa referência silênciosa, num estímulo cujo controle emocional está para além do controle do ser humano enquanto utilizador.

164Figura 41 “ Sequência comportamental - Propagação ” ; Fonte: Produção Própria


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4.3 Atitudes comunicacionais - Truncagem A mesma velocidade frenética com que os processos vivenciais da contemporaneidade se sucedem traz para a Arquitectura um novo compromisso social, mas contudo, os pressupostos da Sociedade da Informação e grande parte da sua tradução arquitectónica, expressa nas fachadas televisivas e na comunicação visual do espectáculo, trazem para a presente reflexão e o presente estudo um sério compromisso disciplinar. O processo de truncagem surge como um fenómeno de comunicação que nos remete para a ausência total de estímulo, não na sua manifestação sensorial, ou isso nos remeteria simplesmente para o vazio, o silêncio, ou a total escuridão, mas a total ausência de estímulo encarado enquanto total ausência de acontecimento colectivo. Neste sentido, aliar o estímulo ao acontecimento, remete este processo de comunicação de truncagem para um sentido de comunicação mais individual e profundamente ligado ao lazer enquanto expressão comportamental deste novo ser social. Concretamente, estes momentos de truncagem voltam a inserir-se num ritual comportamental do lugar e em características geométricas comprometidas com o fenómeno perceptivo do sítio. No lugar existem uma essência compositiva expressa nos seus Jardins, no seu desenho e na sua expressão formal. Assim, a proposta pretende interpretar esta realidade tornando-a parte integrante da sua manifestação, da sua expressão comportamental. Tanto na cobertura dos elementos formais da propagação, como através da recuperação de todas as áreas do Jardim, estes momentos têm a capacidade de provocar zonas introspectivas onde existe uma relação íntima entre a expressão das matérias e dos elementos naturais presentes tal como os jardins românticos sempre apresentaram. Geometricamente, esta realidade surge do cruzar entre as matérias opacas provenientes da realidades estrutural da proposta e o negativo provocado pelo corte dos seus percursos, quer de geometrias existentes, quer de propostas, dando origem a um explorar contínuo destes espaços ora de índole pública, ora de índole privada, consoante a necessidade do conteúdo programático do edifício. Atitude transversal a este fenómeno da truncagem surge a intenção de reforçar o sentido crítico que a Arquitectura enquanto Arte deve ter em conta como dever disciplinar. A referida condição atópica do território actual surge como espelho de matérias inertes que invadem a alma visual do utilizador, mas que nada significam neste momento final da viagem e da narrativa proposta pela intervenção. (Figura 40) 166Figura 43 “A Truncagem como espelho da atopia do território” ; Fonte: Produção Própria apartir de “Chalk Mirror Displacement, Robert Smithson, 1969”,acedido a: Junho 2010; disponível em www url: <http://www.flickr.com/photos/ knitchick/4339298451/lightbox>


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A truncagem revela a inércia necessária como elemento de comunicação que funciona precisamente pela sua sua negação, permitindo reforçar o papel do limite e da propagação, envolvendo ambos através de uma relação de contiguidade entre as diferentes atitudes formais. A truncagem funciona como elemento fundamental para acentuar a mensagem tanto do acontecimento que lhe precede como o que lhe sucede. Este fenómeno comunicacional existe no lugar através da expressão da sua vegetação menos densa em condição de completo abandono e descuido. Assim, a intenção é a de criar superfícies que topologicamente se interligam com os caminhos existentes, enquanto zona de lazer quotidiana, e como parte dos elementos formais promovidos pela atitude comunicacional da propagação criando verdadeiras relações de contiguidade entre o ritual e o sítio e garantindo uma narrativa perceptível e descodificável pelo ser humano, sobretudo, porque sempre se verificou no lugar e sempre se revelou como um dado adquirido na sua memória. A novidade é introduzida através da variação das espécies a desenhar e da limpeza dos elementos que não promovem as necessárias relações de permeabilidade visual em todo o local de intervenção. Esta variação das espécies funciona como um meio de variação dos estímulos e dos sentidos compondo imagens, cheiros, e sons distintos, servindo de contexto permanente à intervenção e possibilitando a fruição livre do espaço verde, algo que não se verifica na actual condição do Jardim. Ou seja, a Truncagem surge como uma atitude comunicacional que pretende num primeiro momento narrativo interligar as demais atitudes comunicacionais partindo da condição de abandono do local de intervenção. A variação entre o silêncio e o estímulo sensorial cria momentos de dependência, ora pelo sentido excessivo de informação com que invade a presença humana ora pela sua total negação induzindo necessidade de movimento e um reforço da mensagem global da intervenção. Neste sentido, a especificidade do contexto construído envolvente remetenos para uma interpretação da Truncagem enquanto atitude comunicacional de forma a reforçar o sentimento atópico face à envolvente construída. Como terminar de uma narrativa, a proposta incentiva à reflexão sobre esse estado do território. Aproveitando para tal as condições topográficas e topológicas da envolvente, é gerado um momento distinto, completamente separado da realidade interior e do estímulo contínuo que o edifício tem a capacidade de comunicar.

170Figura 44 “ Sequência comportamental - Truncagem ” ; Fonte: Produção Própria


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4.4 Índole comunicacional dos elementos Desde o desenho do programa até à interpretação da sua relação com o conceito de intervenção surge a necessidade de sintetizar a relação de cada elemento com a envolvente e a sua real capacidade de tornar efectiva a relação entre o espaço e o lugar, enquanto definição de uma situação de comunicação. Da expressão vivencial do ser social proveniente da Sociedade da Informação, garantida através da interpretação conceptual da expressão oposta entre lazer e conhecimento, surge o acontecimento cultural como forma de ligar o acontecimento e o estímulo ligado a uma educação e formação contínua sobre o ser que qualquer intervenção no território tem o compromisso de proporcionar. Da fusão entre esta força de contrastes, e ligando às atitudes comunicacionais, enquanto forma de interacção entre a arquitectura e o ser humano, surge a intenção de gerar três ambientes controláveis distintos com conotações programáticas que influenciam o seu próprio modo de interagir com o ser humano. Sendo assim, a zona ligada à Biblioteca e ao Arquivo Municipal surge completamente distinta da zona de Eventos e de Espectáculos Efémeros e, por sua vez, do volume do Museu. No primeiro momento, o programa proposto exige um ambiente em que se estabeleça uma comunicação síncrona, cuja a mensagem seja elaborada no próprio momento e no mesmo instante que o acontecimento estabelece o elo de ligação com o utilizador. Daí, pretende-se que a leitura do átrio, elemento fundamental da imagem e da leitura pública do edifício, se torne síncrona, ou seja, ausente da leitura do acontecimento em si, exigindo o acto de deslocar para receber o estímulo proporcionado pelos conteúdos expostos. A pertinência desta forma de comunicação surge pela índole da mensagem de um espaço de biblioteca, onde as zonas de leitura e arquivo exigem um certo sentido de silêncio, introspecção e um reforço do impacto da mensagem que o seu conteúdo cultural tem a capacidade de proporcionar. Com tudo isto, os meios de comunicação tornam-se quentes acentuados pela especificidade do estímulo sensorial provocado e pelo sentido referencial com que cada interveniente assume o seu papel de elemento comunicante. Num segundo elemento surge o espaço de eventos efémeros. É certo que a mensagem hoje se desgasta no tempo de forma fugaz, o que exige uma renovação mais imediata e continuada do estímulo a provocar. Neste sentido, pretende-se um ambiente assíncrono, ou seja, um ambiente cuja leitura do acontecimento e do seu conteúdo seja imediata, mas deslocada no tempo e no espaço. O utilizador percebe 172Figura 45 “ Diagrama funcional - meios, ambientes e atitudes comunicacionais ” ; Fonte: Produção Própria


percurso quotidiano 1 Projecções Media 2 Informação Pública

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1 Linhas Estruturais 2 Percurso Ritual/Jardim/Truncagem 3 Vegetação de Folha Caduca

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1 Zona de Leitura/Divulgação 2 Comunicação Vertical/Elevador 3 Percurso Pedonal Final/Truncagem

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planta cota 21.6m

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planta cota 14.4m

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1 Comunicação Vertical/Elevador 2 Zona de Leitura/Divulgação 3 Arquivo Municipal Tradicional 4 Percurso Pedonal Síncrono 5 Suporte Técnico 6 Auditório/Palco Visual 7 Cinema/Projecções Video/Palestras 8 Percurso Pedonal Assíncrono 9 Sala de Exposições Tradicional 10 Sala de Exposições Contemporânea

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apoio técnico divulgação pública índole privada

planta cota 3.6m 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Restaurante/Cafetaria Palco/Performances Cozinha/Armazém e Pré-preparação Instalações Santárias Arquivo Documentação Biblioteca/Museu Áreas Técnicas Cais de Distribuição Vertical Recepção de Documentos Arrumos/Oficina

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1 Átrio da Cidade 2 Loja de Conteúdos Culturais 3 Balcão de Atendimento 4 Pós-Escritório 5 Entrada Pública 6 Átrio Exterior/Percurso Pedonal Existente 7 Vestiário Público 8 Estacionamento Privado/Cais de Descarga 9 Salas de Trabalho/Reuniões/Director 10 Consulta de Conteúdos Específicos

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Zona de Leitura/Divulgação Arquivo Municpal Tradicional Zona de Consulta/Estante/Volume Limite Zona de Estar Conferência/Exibição/Performance/Passerelle Meeting Point/Zona de Estar Comunicação Vertical Sala de Exposições Tradicional

173


o sucedido, adquire essa informação de forma intuitiva e opta pela viagem no tempo e no espaço para poder presenciar o acontecimento em si. Esta índole comportamental e comunicacional do edifício justifica-se pela própria efeméride do acontecimento e pela multidisciplinaridade que os espaços modulares e flexíveis têm a capacidade de proporcionar. Neste sentido rejeita-se o desenho de um auditório sobre os moldes espaciais tradicionais. Este é desmaterializado em espaços mais pequenos e focados, especificamente, no tipo de acontecimento que é capaz de proporcionar e, claro está, de comunicar. Todo o meio comunicacional torna-se frio, próximo da realidade televisiva, dado estimular diversos sentidos em cada momento específico e, ao mesmo tempo, ter uma capacidade de difusão da mensagem de forma imediata e a partir da importância institucional do átrio. A mensagem perde importância no imediato, mas com o movimento do espaço e posterior presença no acontecimento esta renova-se. Surgem volumes, que garantem esse meio comunicacional assíncrono, como projecções media, cinemas e palcos para pequenos eventos efémeros e de passerelle. Por fim, no volume correspondente ao Museu, pretende-se estudar o programa de acordo com uma reflexão entre a galeria clássica do Museu tipo e novas tendências para as formas expositivas e a respectiva relação com os seus conteúdos. Assim, pretende-se a introdução de um espaço expositivo, capaz de funcionar de forma totalmente independente, de desenho totalmente livre, capaz de receber mensalmente um artista convidado que molde o espaço a seu favor e proveito. Aqui, pretendese que a Arte expresse a individualidade do seu criador e a capacidade do próprio edifício se moldar às vontades de cada um e à particularidade do contexto cultural e emocional de cada indivíduo proveniente da Sociedade da Informação. Este momento é complementado por espaços de exposições temporárias e permanentes garantindo percursos temáticos contínuos invadidos de luz zenital e com capacidade de múltiplas configurações. Torna-se pertinente a composição de um ambiente de legibilidade síncrona provocando um reforço da individualidade de cada elemento artístico e cultural exposto. Em suma, estas formas de comunicação têm a capacidade de gerar diferentes legibilidades do espaço provocado, reforçando a institucionalização da Cultura e da própria intervenção, garantindo uma índole comportamental mutável, variável, interactiva e estimulante ao utilizador. A geração destes meios enquanto ambientes e situações definidas abrem o leque para a especificação do estímulo memorial e um reforçar da mensagem comportamental do edifício como domínio do acontecimento sobre o tempo. 174Figura 46 “ Ambiente síncrono e assíncrono ” , Cortes; Fonte: Produção Própria


ambiente sĂ­ncrono

ambiente assĂ­ncrono

175


Conclusão O presente trabalho de investigação teve como objectivo fundamental a procura de uma clarificação sobre o papel disciplinar da Arquitectura perante a crescente virtualização do sentido público do espaço, enquanto matéria de divulgação e partilha entre o território e o ser humano. A partir da base social de reflexão, as condições e características da actual Sociedade da Informação, clarificou-se a importância do fenómeno comunicacional enquanto símbolo de interacção, de estímulo e da sua própria renovação enquanto conteúdo e respectiva importância visual e simbólica desse mesmo fenómeno, transversal à condição dos dias de hoje. A inserção de fenómenos provenientes da disciplina da Comunicação no seio da prática disciplinar da Arquitectura, através das suas estratégias de intervenção sobre o território atópico e sobretudo do seu desenho, revelam-se fundamentais para um alcance maior, ao mesmo tempo mais comprometido com as necessidades prementes deste novo ser social em formação, da mensagem que a Arquitectura, enquanto fenómeno criativo e artístico, tem a capacidade de transportar para o imaginário comum do ser humano. A intenção de perpetuar a mensagem da Arquitectura parece portanto ser necessária, pois, simultaneamente, surge como um novo tributo ao território e como um novo serviço ao ser humano. Esta capacidade de servir o povo no seu estado mais puro é algo que esta atitude arquitectónica, narrativa e comunicante, pretende evidenciar muito para alem do purismo inerte que sobrecarrega a maioria das intervenções contemporâneas. A arquitectura parece, assim, tornar-se símbolo de uma obra em constante mutação e interacção, surgindo como um discurso contínuo, uma narração que suporta como principais personagens e intervenientes o território, enquanto expressão dos sítios e dos rituais, e o ser humano através da percepção e da leitura que este tem dos acontecimentos em si, respectivas sequencias comunicacionais como factor de interligação com o tempo enquanto fenómeno que garante a pretendida expressão contínua dos acontecimentos e respectiva renovação. O verdadeiro alcance do presente trabalho de investigação está na forma como este acaba por se insurgir contra a crescente virtualização do espaço e dos próprios fenómenos de interacção social a partir de factores bem enraizados historicamente na disciplina da Arquitectura e na sua resposta física através dos valores do desenho. A resposta desta Arquitectura Narrativa e Comunicante é certamente multidisciplinar procurando referencias à Arte e à Comunicação, contudo foi feito o esforço de balizar os mios de resposta e de ligação com a Arquitectura nas suas diversas fases do percurso metodológico.

CLXXVI


Uma Arquitectura Narrativa e Comunicante não se resume apenas à concepção de imagens ou de formas fluidas, como a maioria das investigações e interpretações sobre a resposta arquitectónica aos valores da Sociedade da Informação apontam. A presente investigação destaca-se dessas conclusões procurando o seu caminho metodologicamente comprometido com o processo criativo da Arquitectura. Desde a análise do território, tendo a atopia como o seu estado de legibilidade actual como referencia, à pertinência do gesto interventivo e respectivas escalas de legibilidade por parte da população, passando pelo desenho do programa até à estratégia formal e compositiva de uma narrativa composta por diversas situações e acabando no detalhe narrativo do desenho da estereotomia de um revestimento metabólico e metafórico, falar de comunicação e interacção em Arquitectura é precisamente o compromisso de permitir a descodificação da linguagem e dos valores da intervenção por parte do ser utilizador. Para tal, o imaginário comum serve como referência conceptual para a criação dessa capacidade narrativa da disciplina. O lugar, enquanto complexo composto por diversos sítios e diversos rituais surge como o código existente já pertencente a esse imaginário colectivo. Esta condição sofre um processo de manipulação e de recriação que a transforma numa nova intervenção cujos novos valores têm a capacidade de reeducar comportamentos humanos a partir do próprio comportamento reactivo e interactivo do edifício para com o exterior. Ou seja, é alcançado o objectivo de garantir um certo sentido de continuidade dos valores disciplinares da Arquitectura face à aparente incerteza com que os fenómenos sociais e de vida colectiva parecem acontecer. Numa Arquitectura apoiada na Comunicação e que evidencia a sua capacidade narrativa, surge como um símbolo bipolar, dentro e fora da disciplina, de esperança para um ser social mais comprometido entre si e com o próprio território, como o seu verdadeiro suporte físico e Histórico. A aplicabilidade de toda a componente teórica elaborada é imensa e é tão mais extensa quanto mais diversificadas forem as condições existentes dos locais de intervenção. Novos locais de intervenção significam necessariamente novos sítios e novos rituais, bem como novos seres sociais cujo imaginário certamente é detentor de novos símbolos narrativos posteriormente transformados em espaço físico, real, capaz de estimular os sentidos e renovar os votos de felicidade e de bem estar colectivo da Humanidade. Sendo assim, consegue-se um sistema infinito de relações entre o ser humano e o território, bem como uma identidade aberta para a resposta arquitectónica face aos desafios levantados pela Sociedade da Informação e da Comunicação. CLXXVII


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CLXXIX


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CLXXX


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