9ª EDIÇÃO
VOLUME Nº9
REVISTA
INFORME LETRAS SENTIDOS TRANSVERSOS
ISSN 2447-1895
Designers: Matheus R. dos Santos., Guilherme Paro Editor(a)-Geral: Carolina Fernandes Redatores: Adriano Trindade, Bruno Rosa, Carla Vaz, Carolina Fernandes, Gilmar Bolsan, Larissa Martins, Nathallia Santos, Renata Caon, Stéfany Solari Revisora-Geral: Carolina Fernandes. Revisor: Matheus R. dos Santos Contato: pet.letrasbage@gmail.com
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REVISTA INFORME LETRAS - 9ª EDIÇÃO - 2447-1895
SOBRE O GRUPO PET-LETRAS O PET-Letras faz parte do programa do governo federal chamado Programa de Educação Tutorial. Na Unipampa, está vinculado às Pró-reitorias de Graduação, de Pesquisa e de Extensão. Na intersecção desses três eixos: o ensino, a pesquisa e a extensão, o programa objetiva atuar sobre a graduação, a partir do desenvolvimento de ações coletivas e de caráter interdisciplinar, para formação ampla do profissional em Letras. assim como auxiliar na redução da retenção e evasão. O Programa ainda busca promover a formação ampla de qualidade acadêmica dos alunos de graduação envolvidos direta ou indiretamente com o programa, estimulando ações internas e externas que reforcem a cidadania e a responsabilidade social de todos os participantes e a melhoria dos cursos de graduação.O Grupo PET do Curso de Letras – Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa do campus Bagé existe desde 2010, tendo como eixos a leitura, a oralidade e a escrita nas diversas mídias. Para levar os acadêmicos a desenvolver tais habilidades, promove oficinas, minicursos e produções acadêmicas coletivas. O trabalho é desenvolvido de maneira integrada através de atividades variadas, entre elas, a confecção de nossa revista digital, a revista Informe Letras.
Últimas edições da Revista Infome Letras:
1 EDITORIAL
Caro leitor, Seja bem-vindo à 9ª edição da Revista Informe Letras. Você está diante de uma coletânea de artigos que foram pensados e estudados pela equipe do PET-Letras da Universidade Federal do Pampa, Campus Bagé/RS. Acreditamos que espaços como este são de extrema relevância para a divulgação dos estudos científicos produzidos na área das letras. Cada página foi pensada com muito carinho para que você seja o nosso leitor. A Revista Informe Letras traz como diferencial uma linguagem mais acessível, não muito científica, para então conseguirmos, que você, entenda e usufrua de todas as discussões aqui presentes. Esperamos que você tenha um ótimo momento de estudos e reflexões. Aproveite!
Gilmar Ferraz Bolsan
Neste número:
ADRIANO TRINDADE
BRUNO ROSA
CARLA VAZ
GILMAR BOLSAN
LARISSA MARTINS
NATHALLIA LACERDA
RENATA CAON
STÉFANY SOLARI
2 SUMÁRIO :
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UM ESTUDO DOS DISCURSOS POLÍTICOS SOB A PERSPECTIVA DE BENVENISTE Por: Bruno Rosa e Gilmar Bolsan
A INTERTEXTUALIDADE MATERIALIZADA NAS ADAPTAÇÕES CINEMATOGRÁFICAS: A TEMPESTADE DE SHAKESPEARE Por: Larissa Martins
ENTREVISTA COM A PROFª DRª, CAROLINA FERNANDES Por: Equipe PET - Letras
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23-27
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DE JOÃO DA CUNHA VARGAS A RAMIL: A MILONGA URBANA Por: Stéfany Solari
PALAVRAS NA INFÂNCIA: UM DICIONÁRIO DE SENTIDOS POR MEIO DO LÚDICO Por: Adriano Trindade e Renata Caon
A IMPORTÂNCIA DA PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO MÉDIO Por: Carla Vaz e Nathallia Santos
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UM ESTUDO DOS DISCURSOS POLÍTICOS SOB A PERSPECTIVA DE BENVENISTE Bruno Roda da Rosa, Gilmar Bolsan Ferraz
CONSIDERAÇÕES INICIAIS Este trabalho tem como objetivo geral a análise da fala de um candidato a governador em sua propaganda eleitoral obrigatória, veiculada pelas emissoras de TV aberta do Rio Grande do Sul, no pleito de 2018 e, como objetivos específicos, os que se seguem: analisar os índices específicos – dêiticos, indicativos da pessoa, do lugar e do tempo; analisar os procedimentos acessórios e as grandes funções sintáticas mobilizadas na propaganda e verificar se a teoria a qual recorremos dá conta de explicar o funcionamento desses discursos políticos. ara tanto, nos utilizamos do conceito de enunciação proposto por Émile Ben-
(Eduardo Leite)
veniste, de forma a observar que a enunciação é o processo de produção de sentido que põe locutor e interlocutores em relação. Sua natureza é sociocomunicativa. Assim, não é propósito nosso a análise da palavra enquanto uma unidade linguística, mas a análise do enunciado em seu uso, repleto de significações e conteúdo. Entendemos que esta pesquisa, apoiada na teoria de Benveniste, pode nos ajudar a compreender eventos históricos e sociais relacionados à política, de forma que estudar e pensar sobre as ações do ser humano num tempo e espaço específicos corrobora com um melhor entendimento desses acontecimentos, tornando-nos mais críticos e atuantes na sociedade em que estamos inseridos. Além disso, estudos como este que propomos levantam uma discussão acerca de um esvaziamento do político nos discursos, uma vez que a propaganda procura apagar as dife-
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renças entre concepções políticas diversas, de forma que o candidato é apresentado como quem tem a resposta para todas as questões. Desse modo, ao longo de nossas reflexões, questionamos: 1) essa é uma postura populista? 2) essa é uma postura que propõe o empreendedorismo liberal como saída para todas as questões? Posto isso, entendemos que o político deve se pautar no debate democrático, onde o locutor/candidato estabelece um diálogo com o interlocutor/eleitor. Entendemos, também, que respostas categóricas e unilaterais apresentadas apenas pelo candidato, além de dispensar a voz do outro, constituem-se em soluções simplistas para as mazelas sociais. Tendo em vista, então, que a teoria de Benveniste acerca da enunciação nos possibilita uma reflexão pontual sobre os discursos políticos a que estamos sujeitos na mídia televisiva, esta pesquisa procura não apresentar respostas definitivas e categóricas sobre o material estudado, mas refletir sobre o funcionamento da língua nos discursos e eventos políticos, históricos e sociais. Dessa maneira, portanto, consideramos que nossas análises contribuem, dentre outras coisas, com a formação de professores pesquisadores, capazes de analisar eventos históricos apoiando-se em teorias de intelectuais da área e relacionando-as com a atualidade. Assim, esse estudo se mostra relevante à medida que o professor relaciona a teoria acadêmica com a prática de aná-
(Emile Benveniste)
análise, algo que tem se tornado prioridade nas universidades brasileiras. Além disso, para nós também é importante esse material concreto e ao mesmo tempo abstrato que é o discurso. Por essa razão, procuramos analisar as vozes políticas que significam nas propagandas eleitorais obrigatórias na rede aberta de televisão, provocando nosso leitor e incitandoo ao pensamento cidadão, crítico e reflexivo.
METODOLOGIA Antes de entrarmos na análise, explicamos alguns conceitos teóricos básicos, como enunciação e dêiticos, por exemplo, que fundamentam o nosso exercício de análise e interpretação. Dessa forma, nossa análise acontece a partir de elementos teóricos formulados por Benveniste, pois compreendemos que estes nos possibilitam observar o funcionamento da língua e os sentidos que são efetuados.
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Conceito de dêixis e seu funcionamento na enunciação Segundo o dicionário Aurélio Buarque (1999, p. 617, dêixis é: [Do gr. Dêixis, “modo de provar”, “demonstração”]. (...) Propriedade que tem alguns elementos linguísticos, tais como pronomes pessoais e demonstrativos, de fazer referência ao contexto situacional ao próprio discurso (5), em vez de serem interpretados semanticamente por si sós; referência [A melhor forma para esse voc. é díxis, mas a f. dêixis é a usual. V. anáfora (2), catáfora (2), endófora e exófora (1999, p. 617). Pode-se perceber, assim, que o dicionário classifica como dêiticos apenas os pronomes pessoais e os demonstrativos. Contudo, com os estudos enunciativos, em especial o proposto por Benveniste, à categoria dos dêiticos se integram também verbos, advérbios, etc. Ainda, para Benveniste (1956), os pronomes significam de acordo com o contexto em que estão inseridos e a ocasião em que aparecem. Isto é, para o autor, os pronomes pessoais, bem como os dêiticos, se mostram como estruturas nada simples, mas que funcionam de maneira polissêmica, isto é, têm duplo sentido. Os dêiticos, por sua vez, só podem ser entendidos. dentro das situações de comunicação.
Conceito de enunciação para Benveniste Émile Benveniste, em seus estudos sobre a Teoria da Enunciação, fala sobre a subjetividade. Para ele, subjetividade é a capacidade que o locutor possui de, no exercício da língua, se propor como sujeito do seu próprio discurso. Isso quer dizer, então, que, ao instituir-se um “eu”, institui-se, também, um “tu”. Essas são as pessoas da enunciação, de modo que “eu” é subjetivo e “tu” é não subjetivo. A enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização. [...] Na enunciação, considera-se o próprio ato, as situações em que ele se realiza, os instrumentos de sua realização. O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar o locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação (BENVENISTE, 1989: 82, 83). Para Benveniste, portanto, deve-se considerar também as situações em que os enunciados são produzidos, de forma que estes não podem ser analisados separados das suas condições de produção. Assim, para analisarmos o discurso de Eduardo Leite, consideramos que se trata de uma fala proferida para a televisão em um meio social específico para um público específico: eleitores que assistem TV aberta.
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Sobre a análise Para a análise da fala no vídeo, recorremos à teoria de Émile Benveniste sobre enunciação. Assim, transcrevemos a fala de Eduardo Leite, candidato a governador para o estado do Rio Grande do Sul, de forma a tornar seu enunciado uma materialidade discursiva, isto é, um texto. Desse modo, lançamos olhar para a escolha dos verbos e pronomes empregados, além de analisar o posicionamento do candidato no que toca às formações discursivas “sou de esquerda” e “sou de direita”. Por isso, além da análise textual, fazemos, também, uma análise discursiva, atentando para as condições de produção da fala e procurando refletir sobre o propósito primeiro do seu discurso.
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APRESENTAÇÃO DO CORPUS
Transcrição da fala do candidato Eduardo Leite para sua candidatura ao governo do estado do Rio Grande do Sul, em vídeo retirado do seu perfil público na rede social Facebook: - Se ser de direita é querer um governo menor, apoiar a privatização e parcerias com a iniciativa privada, enfrentar com firmeza a violência, muito prazer, eu sou de direita. - Se ser de esquerda é querer combater desigualdades, apoiar políticas de proteção social e investir em cultura, muito prazer, eu sou de esquerda. - Agora, se você acha que esse papo de esquerda e de direita não é o que vai melhorar a sua vida, muito prazer, eu sou Eduardo Leite.
ANÁLISES E RESULTADOS Em “Problemas de Linguística Geral II”, no capítulo 5, intitulado “O aparelho formal da enunciação”, Benveniste diz: Enquanto realização individual, a enunciação pode se definir, em relação à língua, como um processo de apropriação. O locutor se apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor por meio de índices específicos, de um lado, e por meio de procedimentos acessórios, de outro. (BENVENISTE, 1989, p. 84)
(Eduardo Leite)
Neste trecho, Benveniste apresenta uma breve noção do que seria a enunciação, ainda que esta não abarque a questão em sua completu-
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trata-se da enunciação enquanto realização individual. O locutor, Eduardo Leite, em um ato individual de utilização, se apropria do aparelho formal da língua e expõe sua posição, direcionando-se aos seus interlocutores – telespectadores/eleitores por meio do pronome de tratamento “você”. Adiante, fazemos uma análise acerca dessa escolha e examinamos quais os efeitos de sentido que são produzidos. Para Benveniste (1989), as condições de emprego das formas, ou seja, das estruturas linguísticas, não são idênticas ao emprego da língua em si, no ato de enunciação. Aqui, a fala do sujeito é a produção do enunciado, e a transcrição desta fala é o texto desse enunciado, nosso objeto de estudo. Ao produzir um enunciado, o locutor assume a língua e pressupõe um interlocutor. No caso da propaganda analisada, o locutor não foca em apenas um público e mantém também uma negação em sua fala, pois não assume “ser de direita” ou “ser de esquerda”, mas se diz estar ao lado do eleitor, seja qual for sua posição política, inclusive se este não tiver uma. A diversidade das situações em que a enunciação é produzida se configura como um fator importante. Na propaganda, Eduardo Leite é um político e precisa convencer o público a votar nele. Logo, ele faz uso desse jogo de não se colocar em nenhum lado, pois, se enunciasse estar ao lado da direita ou da esquerda, perderia eleitorado.
A propaganda política ou qualquer outro gênero que circule em TV’s e rádios pode ser considerada, às vezes, um monólogo, um diálogo interiorizado, pois o locutor é o único a falar e o interlocutor não está ali presente para respondê-lo. No entanto, há um interlocutor representado na enunciação em que a publicidade se constitui e o pronome da pessoa “você” bem o representa. A adoção de “você”, então, é significativa: o candidato não se dirige a um eleitor especificamente, por exemplo, aposentados, mulheres, trabalhadores, estudantes etc., pois “você” é genérico, de modo que qualquer eleitor pode ser assim designado. Além disso, “você” estabelece proximidade e a publicidade, por sua vez, se mostra eficaz por todas essas razões. Destacamos, ainda, a importância do conectivo/conjunção “se” nesta análise, porque é esse conectivo que elimina qualquer possibilidade de o candidato ficar fora de qualquer expectativa que o eleitor possa ter, pois o candidato se enquadra em qualquer uma delas: se de esquerda, se de direita ou se indiferente a essas distinções. Do mesmo modo, são também importantes os vocábulos “muito prazer”, pois, juntos, se enquadram como fórmula/ritual de apresentação que aponta para a satisfação do candidato em fazer parte do processo em que o pleito se constitui.
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Além de todas essas considerações feitas até o momento, é possível que reflitamos, também, acerca de uma noção de negação do político. O pleito, que seria o espaço do embate entre visões políticas diversas, se torna, na propaganda de Eduardo Leite, um lugar de negação. O candidato, tal como se apresenta, representa a possibilidade de respostas a todos os problemas sociais, excluindo, assim, os debates plurais necessários à democracia e ao pleito eleitoral. A fala do candidato conta com verbos que estão no infinitivo – ser, querer, apoiar, enfrentar, combater, investir, melhorar. Essas formas linguísticas é que suscitam, no interlocutor, expectativas de que o candidato, se eleito, melhore as questões que o público deseja. Os tempos verbais são o centro de toda enunciação, o presente é o momento da enunciação demarcando sua temporalidade, como os verbos é e sou, utilizados na fala do candidato. A ostensão presente nesse enunciado acontece a partir das formas utilizadas, através de pronomes pessoais e demonstrativos, chamados indivíduos linguísticos. O pronome “eu” serve para designar o candidato.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Consideramos, então, a partir das reflexões que iniciamos neste artigo, que a teoria de Benveniste sobre a Enunciação é capaz de elucidar o
REFERÊNCIAS
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eleitor a respeito de eventos históricos e acontecimentos no mundo da política. Conseguimos verificar, através de nossas leituras, que a fala de Eduardo Leite apresentava intenções muito bem delimitadas, capazes de convencer e persuadir os eleitores, pois, ao não se posicionar nem como um sujeito com viés político de esquerda, nem como de direita, nem como de centro, Eduardo Leite se coloca em uma posição capaz de cativar os eleitores dos mais diversos espectros políticos. Analisando seu discurso, por exemplo, percebemos também a negação do político em um movimento em que a voz e as propostas do outro não são mais necessárias, posto que um único candidato se apresenta como o sujeito capaz de resolver todas as mazelas sociais. Em pleitos eleitorais, considerando-se o Estado Democrático, ouvir diferentes posições e estratégias sobre como sair de um problema é o ponto principal da política. Assim, que noção de política se pretende no discurso analisado neste trabalho? Seria um discurso de exclusão, onde a voz do adversário não se apresenta como necessária para a construção de respostas e elaboração de saídas para os problemas sociais? Seria um discurso que conversa com o autoritarismo, onde o eleitor deve seguir cegamente, forçado à apatia e à despolitização? Seria um discurso político corporativista, comandado pelo carisma de um sujeito que se apresenta como a única saída? Num Brasil ideologicamente separado por discursos de esquerda e de direita, a estratégia de Eduardo Leite foi pertinente e atendeu ao seu propósito primeiro, que era conquistar pessoas de diferentes formações discursivas.
BENVENISTE, Émile. A natureza dos pronomes. In: BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral I. 4a ed. Campinas, SP: Pontes, 1956/1995. BENVENISTE, Émile. O Aparelho Formal da Enunciação. In: BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral II. Campinas, SP: Pontes, 1989. FACEBOOK. Programa 005(2) / Eleições 2018. Disponível em: <https://www.facebook.com/efcleite/videos/1069058569928869/>. Acesso em 18 de novembro de 2018. FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. O Dialogismo. São Paulo: Contexto, 2016.
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A INTERTEXTUALIDADE MATERIALIZADA NAS ADAPTAÇÕES CINEMATOGRÁFICAS: A TEMPESTADE DE SHAKESPEARE Larissa do P. Martins, Vera L. Medeiros
CONSIDERAÇÕES INCIAIS Esta pesquisa concentra suas atenções na comparação entre a última peça de Willian Shakespeare, A tempestade (1611) e o filme A tempestade (2011), dirigido por Julie Taymor, dedicando-se à observação dos seguintes aspectos: a intertextualidade expressa na adaptação fílmica e as consequências geradas a partir da mudança gênero do personagem Próspero para Próspera. A intertextualidade está presente na fala dos personagens da adaptação cinematográfica conforme a peça, assim como os acontecimentos na cena. O que nos leva a pensar nas especificidades mais estéticas, bem como as representações dos intérpretes e o modo que é apresentado suas características fazendo do filme uma releitura, pois consegue-se constatar uma nova versão com alguns acréscimos. E são essas diferenças que tornaram a adaptação o objeto de estudo desse artigo, visto que, ao fazer essas alterações muda-se todo o aspecto trazido por Shakespeare, assim, expondo o ponto de vista do diretor.
Uma das modificações da adaptação fílmica consiste na substituição do personagem masculino Próspero por Próspera, fazendo com que fosse desconstruída a visão de pai e filha concebida pelo autor. Além disso, percebe-se uma proximidade maior entre as personagens, mais como um vínculo de feminilidade do que como união entre mãe e filha. Este estudo adota metodologia comparativa para identificar as diferenças entre o que foi escrito pelo
(William Shakespeare)
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autor e a direção do filme. Além disso, também serão levados em conta o contexto histórico do autor e as concepções patriarcais trazidas na obra.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Para que se pudesse estudar A tempestade do dramaturgo inglês William Shakespeare, foi considerado o caráter atual da obra, além de sua consagrada relevância como peça teatral. Assim, através dela pode-se chegar à adaptação cinematográfica e a intertextualidade que se estabelece entre ambos. Com isso foi estudado o conceito de intertextualidade que consiste em ser um diálogo entre dois textos, que não precisam necessariamente ser do mesmo gênero, podendo ser um fenômeno que se estabelece de diversas maneiras. Além das produções textuais, também conseguindo eclodir em inúmeras linguagens, tais como, a visual, auditiva e escrita, ou expressa nas artes, a partir da literatura, pintura, música, dança e até mesmo o cinema, criando-se, “assim, em torno do significado poético, um espaço textual múltiplo, cujos elementos são suscetíveis de aplicação no texto poético concreto” (KRISTEVA, p. 185, 1969). Partindo desta premissa, foi analisado de que modo a intertextualidade é expressa no filme. Dessa forma, “o texto é o objeto que permitirá quebrar a mecânica conceitual que põe em foco uma linearidade histórica” (ibidem, p. 15, 1969), que se relaciona
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com a adaptação fílmica. Assim, a intertextualidade é identificada nas falas da peça, que foram reproduzidas no filme para que se pudesse ter um parâmetro das alterações resultantes das interpretações do autor. A tempestade é marcada por ser uma peça menos trágica, com desfecho conciliatório. Além disso, também foi influenciada pela tragicomédia, diferenciando-se das
VOCÊ SABIA? William Shakespeare nasceu e morreu em Stratford-upon-Avon, cidade ao sul de Birmingham. Ao que tudo indica, veio ao mundo no dia 23 de abril de 1564 e o deixou também no dia 23 de abril, mas do ano 1616. (via: Super Interessante)
traspeças de Shakespeare por seu estilo neoclássico mais rígido e organizado.Apesar da preocupação de alguns críticos quanto a sua natureza, uma vez que apeça trazia a arte de Próspero e suas ilusões, muitos acreditavam que Prósperoera uma representação do autor, pois o personagem renuncia da magia como umaespécie de adeus do dramaturgo. A peça foi a última escrita por Shakespeare e conseguiu atrair uma quantidade significativa de pessoas antes do fechamento dos teatros, o que aconteceu no ano de 1642, e só conquis
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tou a popularidade após a revolução inglesa. Ainda assim, sofreu muitas alterações e só foi encenada a partir do texto original em meados do século XX. Em suma, pode-se dizer que A tempestade é uma história de amor, vingança e conspirações oportunistas que nos leva a refletir sobre as copiosas ações do homem impulsionadas por seus instintos.
DESCRIÇÃO METOLÓGICA Ao tratar assuntos relacionados à literatura e cinema, podemos considerar, além do seu aspecto histórico, documentos oficiais que permeiam o ensino da Língua Portuguesa e apresentam concepções que retratam as principais tendências linguísticas de cada período e que orientam, de certo modo, o trabalho com a linguagem em todos os meios sociais. Nesse sentido, para o desenvolvimento da pesquisa, foi escolhido como base as concepções dos teóricos Roland Barthes com a obra O rumor da língua e Julia Kristeva com a Introdução a semanalise, levando em consideração suas teorias relacionadas à literatura e linguagem. A problemática das adaptações a partir de obras literárias tem sido bem recorrente desde o início da atuação do cinema, assim como o teatro e questões sobre adaptações cinematográficas de obras literárias.Com isso, naturalmente essas releituras se apropriaram de histórias já contadas, consagradas por serem artes mais antigas, fazendo algumas alterações, o que gera muitas críticas aos seus admiradores.
Em razão disso, a pesquisa direcionou-se à intertextualidade e às modificações expressas na adaptação cinematográfica, e essas modificações, ocasionaram em uma nova perspectiva feita através da direção do filme. Tratando-se de uma pesquisa qualitativa, a análise teve como propósito compreender o que gerou essa nova perspectiva na adaptação fílmica, através da coleta de dados da narrativa, onde foram estudadas as particularidades dos personagens mais relevantes. Além disso, também foram recolhidos alguns discursos para que se pudesse fazer algumas comparações entre a peça e as gravações, onde foram analisadas as relações de significado que se produzem em cada ocasião. Com base nisso, foi usado como objeto de estudo a última peça de Willian Shakespeare, A tempestade, e por meio da adaptação cinematográfica e, através de pesquisas bibliográficas, pode-se observar o quanto as alterações feitas podem gerar impactos como novas críticas ou uma depreciação da obra, trazidas por essas diversas interpretações.
(Encenação da peça "A Tempestade", de Sheakespare)
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Contrapontos essenciais evidenciados na peça Logo no início da trama, temos um primeiro contato com a realeza em um navio. No navio encontra-se Gonzalo, o conselheiro que se mostra um homem bondoso por atitudes relevantes em seu passado, Alonso, o rei de Nápoles, seu filho Ferdinando e Sebastião. Na ilha, estavam presentes Próspero e sua filha Miranda, que vivem com algumas figuras mágicas e atípicas. Próspero executa seu plano de vingança com a ajuda de Ariel e, através da combinação de seus poderes, é provocada uma tempestade, que terá como resultado o naufrágio da realeza e a aproximação de Ferdinando com Miranda, tudo isso para que ele pudesse retomar o título usurpado pelo seu irmão Antônio. Próspero é visto como um mágico racional, que não pratica magia negra, sendo comparado constantemente com a personagem Bruxa Secorax, cuja magia é descrita com frequência como destrutiva e terrível, enquanto a de Próspero é divina e bela. Na ilha, também vive Caliban, que foi manipulado por Próspero e escravizado após ter eliminado sua mãe, a Bruxa Secorax, e ter tomado o seu lugar como rei da ilha. O protótipo único para o modelo de personagem de Caliban seria o índio americano, mas isso não foi provado, porque existiram muitos relatos que descrevem os índios, mas nenhum se compara à descrição do personagem. Ainda assim, uma das características essenciais na interpretação de Caliban é que ele apresentava aspectos da aparência humana, porém mais grostes
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ca. Shakespeare não quis representar algum segmento em específico, mas conseguiu enfatizar com a representação do personagem algumas características da escravidão. No entanto, seria a representação de uma vítima do colonialismo, tornando-se uma figura empática por sua posição inferior.
Modificações geradas através da adaptação cinematográfica A adaptação cinematográfica da peça faz uma modificação na caracterização dos personagens, ao transformar o protagonista em mulher – o Próspero do texto de Shakespeare torna-se Próspera. Em uma brincadeira em suas peças anteriores, o dramaturgo tinha homens interpretando o papel de mulheres. Nesse caso, considerando este, um procedimento comum na época em que Shakespeare escreveu e encenou seus textos, a diretora Julie Taymor resolveu fazer o oposto para que o filme trouxesse uma nova perspectiva aos leitores e telespectadores. As alterações fizeram da personagem uma antagonista dentro da peça, evidenciando algumas oposições às ideias representadas por Shakespeare. Vendo a transição de Próspero para Próspera, a partir da flexão de gênero materializada no filme, pode-se dizer que, apesar das falas idênticas, o personagem foi totalmente reconstruído, o que gerou muitas críticas ao público. A interpretação do autor é pouco acessível pelo texto, mesmo deixando algumas marcas que ele gostaria que fossem percebidas pelo leitor como pe
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pegadas no caminho. Essaquestão nos mostra o quanto a leitura é subjetiva, cada leitor faz a suainterpretação e, é a partir disso que será gerada as novas versões. A partirdisso, foram analisadas algumas frases ditas pelos personagens, pois, como aponta (BARTHES, 2012): a frase não tem apenas um sentido literal ou denotado; é repleta de significações suplementares, por ser de uma só referência cultural, modelo retórico, ambiguidade voluntária de enunciação e simples unidade de denotação, a palavra “literária” é profunda como um espaço, e esse espaço é o próprio campo de análise estrutural, cujo projeto é bem mais vasto do que a antiga estilística, totalmente fundada na ideia errônea da expressividade (p. 7). E são essas expressões, consideradas impróprias por Barthes, que causaram essas diversas interpretações. Conforme foi dito anteriormente, isso gerou uma alteração nas relações interpessoais e, a partir da alternância do personagem Próspero como Próspera, houve uma transição na relação da personagem com a filha Miranda. Shaskepeare, em suas peças anteriores, como Hamlet, com relação Gertrude e Hamlet, foi definida por seus tons patriarcais, o que representava a época que o autor vivia, assim como a relação de pai e filha entre Polônio e Ophélia, e Próspero e Miranda, que foi definida por um viés de propriedade, onde a filha é a propriedade de seus pais. O que nos leva a pensar que a mudança de gênero do personagem principal evidenciou uma quebra dessas noções, tornando a filha de Próspera uma personagem mais independente em suas ações, porque, na época, as mulheres não tinham muitas opções quanto a suas escolhas, assim,
sendo propriedade de seus pais até que se casassem, passando essa responsabilidade ao marido. As mulheres, nesses termos, eram meras companheiras,sendo inferiorizadas por seu sexo. Essa afirmação é perceptível na obra, onde há um diálogo entre Próspero e Miranda, assim, o Duque evidencia o distanciamento em sua relação com a filha através de sua fala. Em seguida, temse a mesma fala representada na adaptação fílmica. Com a mudança de Próspero para Próspera, a relação entre mãe e filha se torna mais significativa, conforme é mostrado abaixo:
DIÁLOGO ENTRE PRÓSPERO E MIRANDA NO LIVRO Próspero: Faz doze anos, Miranda, faz doze anos e teu pai era Duque de Milão, um príncipe com muito poder nas mãos. Miranda: Não é o senhor o meu pai? Próspero: Tua mãe foi um poço de virtudes, e disse-me ela que tu eras minha filha. Teu pai era o Duque de Milão, e sua única herdeira uma Princesa, nada menos que uma princesa. Miranda: Ah, meu Deus do céu, Por que traição fomos atingidos que tivemos de vir embora? Ou foi melhor assim e tivemos foi sorte? (SHAKESPEARE, p. 14, 2002).
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DIÁLOGO NA ADAPTAÇÃO FILMICA Próspera: há doze anos, minha Miranda. Sim, há doze anos... era tua mãe duquesa de Milão e uma poderosa princesa.
cenas onde havia o uso de magia e mais especificamente ao personagem Ariel e suas aparições. Apesar disso, o longa fez uma grande estreia, no encerramento oficial do 67ª Festival Internacional de Cinema de Veneza,em setembro de 2010, assim, ganhando seu lugar de destaque.
Miranda: Então não sois minha mãe? Próspera: Eu sou sim! Que há muito tempo foi esposa daquele que governava Milão de forma liberal, muito permissivo para comigo, deixou-me passar longas horas buscando verdades escondidas, poderes contidos em elementos que podiam ferir ou curar. Nada me interrompia além de seu choro. Uma criança, uma princesa que acabara de nascer. Miranda: Oh, céus... Por que traição perdemos tudo isso e viemos para cá?
No momento em que a mãe se dirige à filha como “minha Miranda”, quebra a frieza na relação de pai e filha estipulada por Shakespeare em sua obra. Próspera e Miranda estabelecem um vínculo afetivo maior em cada discurso feito, assim, criando uma nova identidade ao personagem. Além disso, na frase “foi esposa daquele que governava Milão de forma liberal, muito permissivo para comigo, deixou-me passar longas horas buscando verdades escondidas”, nos traz a ideia de que para praticar magia ou qualquer atividade, a duquesa tinha que pedir a permissão do seu marido para efetuar seu aprendizado, o que também é muito característico da época do autor. Outros aspectos da adaptação foram motivos de críticas à direção do filme, como os efeitos especiais investidos nas
(Capa do livro)
CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise comparativa entre a obra A tempestade, de Shakespeare, e o filme A tempestade (2011), dirigido por Julie Taymor, que foi baseado naquela. Tendo as modificações na versão fílmica da peça como objeto de estudo, foram identificadas algumas alterações no filme, o que possibilitou à diretora trazer uma nova perspectiva sobre a leitura da obra. As críticas estudadas para a construção deste artigo trouxeram algumas reflexões sobre o período no qual o autor estava inserido com base em alguns fatos históricos e evidenciando também de que modo a mudança do gênero masculino para o feminino afetou na interpretação do personagem Próspero na adaptação cinematográfica.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS É perceptível que a releitura da peça permitiu refletir acerca do modo como a mulher era vista na época de Shakespeare, a partir da relação de Próspero com Miranda. Através da pesquisa, pode-se atentarse às modificações previstas pela direção do filme, e entender o quanto se faz importante tratar desses assuntos que na época não eram levados em conta.
(Parte final da adaptação fílmica)
REFERÊNCIAS BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo. Brasiliense, 1988. ESPALHA FACTOS. A Tempestade: A Magia de Mirren. Disponível em: <https://espalhafactos.com/2011/03/ 03/a-tempestade-%E2%80%93-amagia-dehelenmirren/>. Acesso em: 25 de Julho de 2018, 17:33. FIGURA DE LINGUAGEM. Intertextualidade. Disponível em: <https://www.figuradelinguagem.co m/gramatica/intertextualidade/>. Acesso em: 25 de Julho de 2018, 14:11.
NFOESCOLA. Colonialismo. Disponível em: <https://www.infoescohla.com/histor ia/colonialismo/>.Acesso em: 24 de Julho de 2018, 13:30.KRISTEVA, Julia. Introduçãoa semianalise. São Paulo. Perspectiva; 2012. MACIEL,LUCAS. A (in)distinção entre dialogismo e intertextualidade. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ld/v17n1/1 518-7632-ld-17-01-00137.pdf >. Acesso em: 24 de Julho de 2018, 17:05. SHAKAESPEARE, Willian. A tempestade. Porto Alegre.L&PM Pocket; 2002. PLANO CRÍTICO. Crítica/A tempestade. Disponível em: <http://www.planocritico.com/critica -a-tempestade/>. Acesso em: 25 de Julho de 2018, 20:05. WEB ARTIGOS. Análise dos personagens de A tempestade, Shakespeare. Disponível em: <https://www.webartigos.com/artigo s/analise-dos-personagens-de-atempestadeshakespeare/53162#ixzz5 NdRLKrog>. Acesso em: 25 de Julho de 2018, 23:30.
(exemplo da obra fílmica)
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ENTREVISTA: PROFª DRª, CAROLINA FERNANDES SOBREO CURSO DE LETRAS - PORTUGUÊS E LITERATURA 1- Como profissional do Curso de Letras, como você definiria a importância dos profissionais dessa área na sociedade? O profissional de letras é um estudioso da linguagem, seja ela em sua forma estrutural, seja ela em sua forma artística ou política. Um estudioso da linguagem está exposto à relação da língua com a cultura, com as formas sociais de uso e as forças ideológicas em confronto que nela se materializam. Estudar a linguagem, portanto, é estudar a relação entre o homem e o mundo, considerando a linguagem mediadora dessa relação e construtora da realidade. Toda forma de linguagem resulta dessa relação, e saber lidar com a linguagem enquanto prática social, e ensiná-la no caso da licenciatura, é a especificidade desse profissional. 2- Para você, qual seria a principal contribuição que cursar Letras traz à vida de um indivíduo? Ao ingressar no curso, o sujeito se transporta para o universo desafiador das letras em suas mais variadas formas, percebendo padrões, estilos ou modos de uso e regularidades que despertam seu olhar e o deixam mais atento à linguagem no seu cotidiano.
"Você poderá perder finais de semana em família para estudar ou horas de sono para escrever um artigo, poderá ter que negociar no seu emprego para cumprir a carga horária de estágio, mas tudo vai valer a pena."
3- Na sua opinião, como se dá a transformação do aluno do primeiro semestre até os componentes finais? Qual a contribuição da sua área específica no processo? Não se pode dizer que alguém cursou Letras sem passar por uma transformação pessoal. Primeiro, o curso desfaz imaginários sobre o estudo de língua cristalizados na sociedade. Já no primeiro semestre, percebese que o que menos será estudado durante o curso são as tradicionais regras gramaticais. Um outro conceito sobre a língua se forma, ou melhor, outros conceitos, e habilidades de leitura e de escrita são exigidas para se manter no curso. Leitura é aprendizado, e aprender nos modifica enquanto sujeitos sociais e profissionais em formação. Com relação às teorias do discurso, área em que me doutorei, a principal transformação é na visão crítica que o aluno de letras desenvolve. Após estudar o discurso enquanto efeitos de sentidos, não é mais possível assistir ao noticiário, a um filme, ou mesmo ler um anúncio publicitário, sem analisar os diferentes sentidos que podem ser produzidos ali. Isso é fundamental para a formação da cidadania crítica, reflexiva e democrática. 4- Para você, qual a característica mais marcante dessa transformação que os alunos adquirem ao cursar Letras em uma Universidade? Por quê? O conhecimento é transformador, e como já disse, ao aprender a analisar os efeitos da linguagem, exercitamos nosso olhar, tornando nos mais atentos e críticos à naturalização dos sentidos e à padronização da língua que visam à domesticação de seus usos e do sujeito em sua prática social.
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5- Existe alguma coisa que você mudaria para que os objetivos do Curso de Letras sejam cada vez mais atingidos em cada aluno? Por quê? Eu gostaria que todos os alunos pudessem aproveitar mais as leituras que propomos, ou ainda, que estudassem mais, ampliando seu conhecimento em atividades de pesquisaensino-extensão além das aulas. Cursar o ensino superior exige tempo e dedicação que muitos dos nossos alunos não têm à disposição. Entendo a dificuldade que é trabalhar, estudar, sobretudo para as mulheres que ainda se ocupam com os cuidados dos filhos e/ou dos pais idosos, não tendo tempo nem para cuidar de si próprias. O ideal seria que houvesse bolsas de permanência suficientes e outras políticas de assistência, como creche infantil, para que essas pessoas pudessem se dedicar de modo mais efetivo à sua formação.
"O conhecimento é transformador, e como já disse, ao aprender a analisar os efeitos da linguagem, exercitamos nosso olhar, tornando nos mais atentos e críticos à naturalização dos sentidos e à padronização da língua[...]" 6- Se você pudesse dizer algo aos alunos de hoje e aos que ainda escolherão o Curso de Letras, baseado em toda a sua experiência com as turmas já egressas, o que seria? Você poderá perder finais de semana em família para estudar ou horas de sono para escrever um artigo, poderá ter que negociar no seu emprego para cumprir a carga horária de estágio, mas tudo vai valer a pena. Porque satisfazer a vontade de aprender é um ato transformador. Como ouvi, neste ano, de uma formanda na cerimônia de entrega de seu diploma: “Professora, obrigada por me fazer uma pessoa melhor”. E é disto que precisamos na sociedade: pessoas “melhores”, ou com atitudes melhores, para transformarmos nossa realidade. Carolina Fernandes Bagé, 21 de agosto de 2017.
(Professora Carolina Fernandes)
Professora Adjunta do curso de Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa e do curso de Mestrado Profissional em Ensino de Línguas da Universidade Federal do Pampa, campus Bagé, RS. Doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, área de concentração Estudos da Linguagem, com especialidade em Análises Textuais e Discursivas e mestre pela mesma instituição e área de concentração. É licenciada em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria com habilitação em Língua Portuguesa e Língua Francesa e respectivas literaturas. Atualmente lidera o Grupo de Pesquisa Estudos Pecheutianos (UNIPAMPA e outras instituições) e, como pesquisadora, participa dos grupos de pesquisa Oficinas de Análise do Discurso (UFRGS) e Linguagem e Currículo (UNIPAMPA).
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DE JOÃO DA CUNHA VARGAS A RAMIL: A MILONGA URBANA Stéfany Solari Maciel
INTRODUÇÃO Este texto trata do diálogo entre o músico Vitor Ramil e o poeta Jorge da Cunha Vargas, abordando suas semelhanças e diferenças com a cultura urbana e rural da região sul do país. Diferenciadamente buscam maneiras de retomar a cultura gauchesca através da música e da poesia em épocas distintas. O objetivo principal é refletir como a poesia rural influencia nas características da milonga urbana, estilo que traz as mudanças de um novo gaúcho, se mostrando assim uma nova radiografia do pampa, pois tanto a milonga quanto a poesia rural captam a imagem através da paisagem, sendo assim, essa poesia, um nexo essencial e natural para a produção da milonga.Ambas buscam resgatar essa identidade através de seu tempo: a poesia rural tem como objetivo retratar a tradição, a lida, a cultura através do campo. Já a milonga urbana como propõe Ramil, “percorre o imaginário regional gaúcho unindo o linguajar gauchesco do homem do
campo à fala coloquial dos centros urbanos” (Moraes, 2013, p. 22), mostrando assim as distinções e as diferenças de seu tempo nos dias atuais. A nossa reflexão é feita a partir do poema de João da Cunha Vargas “Deixando o pago”, e das obras “A estética do Frio” e o romance “Satolep”, de Vitor Ramil, e a forma com que dialoga com a figura que se tem sobre o gaúcho através de uma linguagem já conhecida da poesia rural, porém, agora, renovada. A proposta é analisar e relacionar as identidades e as figurações que se tem sobre o gaúcho, seguindo a perspectiva de uma nova imagem do gaúcho.
(Vitor Ramil em sua casa)
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METODOLOGIA (materiais e métodos) Primeiramente, esta pesquisa visa realizar uma análise comparada entre a obra de Ramil e João da Cunha Vargas, usando como material de apoio a dissertação de mestrado “Uma ilusão ao pampa: uma leitura de Délibáb”, de Marcos F. de Moraes, mais as obras de Vitor Ramil “A estética do Frio” e “Satolep”. A averiguação tem como objetivo averiguar o novo formato que se tem sobre a figura do gaúcho através da milonga urbana, no século XXI, analisando essa nova identidade do gaúcho que surge através das leituras das obras a “A Estética do Frio” (2004), que reatualiza a figura tradicional do gaúcho. A palavra gaúcho é, hoje em dia, um gentílico que designa os habitantes do Rio Grande do Sul, e o estereótipo do gaúcho é um dos mais difundidos nacionalmente, se não o mais difundido: misto de homem do campo e herói, que o escritor brasileiro Euclides da Cunha, em seu clássico Os Sertões, definiu como essa existência quase romanesca. Popularmente, é visto como valente, machista, bravateiro; um tipo que está sempre vestido a caráter e às voltas com o cavalo, o churrasco e o chimarrão. Já através do poema de João da Cunha Vargas que mostra a realidade do gaúcho payador (trovador) e sua realidade no século XX (com as distinções e as mudanças do tempo), través dos versos "Deixando o pago", que estampa as particularidades do seu tempo, mostrando características
que como Ramil descreve estão relacionadas ao homem rural, aquele que trabalha no campo. A linguagem em que Vargas se expressa mostra a realidade do homem do campo e redige aos seus destinatários através da trovação, mostrando uma realidade do campo. A poesia rural caracteriza situações muito particulares da lida com o campo, e usa expressões comuns do Rio Grande do Sul, como "bolinho" que
DEIXANDO O PAGO "O pingo tranqueava largo Na direção de um bolicho, Onde se ouvia o cochicho De uma cordeona acordada; Era linda a madrugada, A estrela d'alva saía No rastro das três marias, Na volta grande da estrada. Era um baile um casamento Quem sabe algum batizado, Eu não era convidado, Mas tava ali de cruzada, Bolicho em beira de estrada Sempre tem um índio vago, Cachaça pra tomar um trago, Carpeta pra uma carteada. Falam muito no destino, Até nem sei se acredito, Eu fui criado solito, Mas sempre bem prevenido, índio do queixo torcido, Que se amansou na experiência. Eu vou voltar pra querência, Lugar onde fui parido"
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significa estabelecimento comercial, e “cordeona”, que é um termo usado para expressar o instrumento acordeon, sanfona, gaita.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Segundo IBGE (BRASIL, 2012), o pampa sul-riograndense (parte que pertence ao Brasil, e ao estado do Rio Grande do sul), possui uma área de 176.492 km² e que corresponde ao território nacional 2,07% de todo o território brasileiro, estende-se ao sul do Brasil, todo o Uruguai e o centro sul da Argentina. Continuando no âmbito geográfico adquire a posição de bioma, junto a Amazônia, Pantanal, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica. É conhecido como um dos maiores biomas campestres do mundo. O bioma pampa corresponde a um dos maiores sistemas pastoris naturais mais representativos para o mundo. É nele que encontramos cerca de aproximadamente duas mil espécies de plantas, conhecidas como herbáceas. Esse tipo de plantação faz com que o solo nesta região, sejam naturalmente férteis, o que historicamente favoreceu o desenvolvimento pecuário da região. A região de terras planas, também popularmente conhecida de região platina. O pampa é caracterizado por uma vegetação composta por arbustos, árvores, coxilhas, gramíneas, morros, plantas rasteiras e serras. Outra característica dessa região são os banhados, como o Banhado de São Donato, localizado entre o município
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de Itaqui e Maçambará na divisa com a Argentina, o Banhado do Taim, entre os municípios de Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, ambos pertencentes a reservas ecológicas. A região pampeana gaúcha é reconhecida por sua biodiversidade com diversas espécies de aves, gramíneas, espécies de leguminosas, mamíferos. Em 2004, o Pampa foi reconhecido como um bioma brasileiro. O termo Pampa de origem indígena representa mais que as terras divididas entre países. Esse espaço de terras compartilha culturas, costumes, hábitos de vida que constituem e mistificam a nossa história. Para Golin: pampa é também palavra simbólica, reproduzida até nossos dias pelos artistas e escritores. Utilizado na linguagem estética, a qual necessariamente não precisa restringir‐se às regras científicas da geografia, o vocábulo pampa, em uma distorção do seu sentido original, geográfico e sociocultural, disseminou‐se como a designação do “meio rural”, mais propriamente como o espaço real e imaginário da pecuária (2004, p. 14). A pecuária permitiu com que na parte sul do Brasil, mas também em boa parte do Uruguai que acabou tornando-se um berço de famílias que durante a história, ocuparam uma posição quase hegemônica de poder. Durante muito tempo, nessa região, ocorreram muitas disputas partidárias, sangue, demarcações de terras, fronteiras arbitrárias. Que fizeram criar uma linha imaginária que fizesse a divisão destes três
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três países: Argentina, Brasil e Uruguai. A presença de uma diversidade interna bastante característica, existe uma associação a respeito dos povos pampeanos somente como um tipo social: O representante clássico e caricato da cultura gaúcha - O GAÚCHO. Ao longo da história essa característica foi sendo ressignificada através de pela literatura, contadores de causo, historiadores, e também os folcloristas que foram adicionando elementos de um passado glorioso. Inicialmente pária social, esses habitantes da região do Pampa eram chamados de Changadores, Guascas e depois Gaudérios, tendo todos estes um caráter pejorativo (Marrero, 2006; apud Oliven, 1993; Reverbel, 2002). Na literatura, o Gaúcho pampeano é um personagem bastante representativo no imaginário brasileiro e na literatura de cunho regionalista produzida no Rio Grande do Sul. De acordo com Luvizotto (2009): O homem livre dos campos, foi aplicada inicialmente para definir um tipo humano arredio, o nômade do pampa, muitas vezes um desertor desobediente da lei e da ordem, que cavalgava sem rumo em uma área vastíssima sempre atrás de gado amansado ou chucro e de cavalos. Gente de laço e de doma, sua cultura derivou de um amálgama entre os hábitos indígenas e europeus, resultando em um caldeamento étnico muito próprio. (2009, p.11)
A cultura constitui através de diversos aspectos sociais que permeiam intrinsecamente, e que considerando que os processos de identidade da figura do gaúcho são identificações sociais que são totalmente inerentes, e ela se dá a partir de lutas e tensões diárias. uma tentativa de reação às transformações da sociedade e à influência de outras culturas que penetravam na sociedade sul-riograndense. É uma manifestação em defesa de uma cultura original e fundamenta-se na história de lutas desse povo em defesa de seu território (LUVIZOTTO, 2010, p. 37).
(Representação do gaúcho)
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O alicerce de representações sociais é representado nos dias atuais pelo MTG 4, permitindo a mescla de elementos históricos, identitários e sociológicos que permitem significar o que é ser gaúcho. Sobre isso, Luvizotto disserta: A cultura gaúcha e suas expressões estão alicerçadas em tradições, em conhecimentos obtidos pela convivência em grupo, somados a diversos elementos, entre eles, os históricos, os sociológicos. Seus legados e sua tradição são transportados para as gerações seguintes, sujeitos a mudanças próprias de cada época e circunstância (2010, p. 19). A reprodução e a construção dessa identidade do que é ser gaúcho dependem da conservação de costumes das tradições gaúchas, muito reforçado na produção literário sul-riograndense. Existe empenho quase diário para a conservação e da “autenticidade” das tradições gaúchas. A construção simbólica do gaúcho se constitui a partir símbolos e significados marcantes na sua composição, contribuiu para que o imaginário brasileiro do povo pampeano se construísse apenas uma figura imigrante do gaúcho, excluído por exemplo a figura do indígena e do negro na história do Rio Grande do Sul. Ao longo da construção histórica da formação do gaúcho construiu-se uma mitologia do gaúcho, como a construção imaginária do gaúcho.gaúcho. O mito pertence a uma das manifestações presentes no imaginário mais recorrente da nossa história do Rio Grande do Sul, pois
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bebe da fonte exacerbada das memórias tradicionais históricas, através de uma necessidade continuamente de afirmação de um passado de glórias.
CONCLUSÃO Analisando a nova figura do gaúcho no século XXI a partir da poesia de João da Cunha Vargas e da milonga de Ramil, percebeuse uma nova identidade do gaúcho: O gaúcho urbano que é absorvido pela cultura tradicionalista, onde Ramil busca caracterizar através da milonga urbana uma nova roupagem para esse estilo musical, assim, evidenciando as novas imagens e possibilidades para a construção da figura do gaúcho no século XXI.
REFERÊNCIAS LUVIZOTTO, Caroline Kraus. Cultura gaúcha e separatismo no Rio Grande do Sul. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. fFERREIRA, M., Pampa: uma leitura de Délibàb, de Vitor Ramil, dissertação de mestrado Passo Fundo, 2013. MARCOLIN, Paula. O Mito que não é mito: A construção da figura do gaúcho em Simões Lopes Neto e Auguste de Sain-Hailaire. Disponível em: <htttp://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/XIISemana DeLetras/arquivos/paulamarcolin.pdf>. Acesso em: 13/04/2019. RAMIL, V. A estética do frio. < www.vitorramil.com.br/textos/Vitor_Ramil__A_Estetica_do_Frio.pdf> Acessado em 09/09/2018 . Ramil,Vitor. Satolep. São Paulo: Cosaic Naif, 2008. VARGAS, E. Deixando o pago. <http://www.paginadogaucho.com.br/poes/jcvdp.htm> Acessado em 26/09/2015
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PALAVRAS NA INFÂNCIA: UM DICIONÁRIO DE SENTIDOS POR MEIO DO LÚDICO Adriano E.Trindade, Renata M. Caon
INTRODUÇÃO Ao iniciar o presente artigo, é de grande relevância mencionarmos qual foi a motivação para o desenvolvimento do nosso projeto intitulado“ Palavras na infância: ressignificando sentidos”. Durante a feira do livro da cidade de Bagé, ao dialogarmos sobre literatura infantojuvenil com a professora Mônica Cassana, nossa então tutora do PET (Programa de Educação Tutorial), ela nos apresentou o livro “Casa das Estrelas - o Universo contado pelas crianças” (NARANJO, 2013), de autoria do professor colombiano Javier Naranjo, pois vimos o trabalho como um material bastante rico em deslizamentos de sentido. A obra de Naranjo é um livro com inúmeras palavras compiladas, em que os sentidos foram cunhados por seus próprios alunos. O que mais nos motivou foi o fato de Naranjo (ibidem) ter feito a compilação ao longo de uma década e de o livro conter significados
muito peculiares que, além de possibilitar que tomássemos conhecimento da forma como as crianças leem o mundo, a partir de seus discursos, foi também momento de dar-lhes voz e pararmos para refletir a respeito dos efeitos de sentidos que as palavras provocam nos sujeitos alunos. Ao pensarmos em um dicionário, geralmente pensamos em um instrumento de pesquisa bastante normativo e técnico. De acordo com o próprio Pequeno Dicionário Houaiss da língua portuguesa, a palavra “dicionário” recebe a seguinte definição: “s.m 1 relação, ger. em ordem alfabética, das palavras e expressões de uma língua ou um assunto com seus respectivos significados ou sua equivalência em outro idioma” idioma” (p.335). Nesse viés, fica evidente que o dicionário, além de ser um gênero que esclarece as pessoas a respeito do significado das palavras de uma língua, é
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também um gênero discursivo em que os lexicógrafos têm autonomia de ditar conceitos de “certo” e “errado”. Dessa forma, nós, estudantes de graduação da área de Letras, nos propusemos a desenvolver o projeto “Palavras na infância” a fim de que os estudantes envolvidos, alunos do terceiro ano de uma escola de ensino fundamental, da cidade de Bagé, pudessem construir um dicionário com palavras da língua portuguesa, cujos significados fossem a partir leitura que fazem do mundo, de acordo com o contexto em que eles estão inseridos, como sujeitos crianças. Ao fazermos a compilação dos verbetes produzidos pelos alunos da referida turma, atividade que resultou no dicionário de sentidos, estabelecidos pelos discentes, realizamos uma investigação sobre o processo de escrita feito por eles. A partir do artigo Um outro olhar sobre o dicionário: a produção de sentidos, de autoria da professora Verli Petri que define o dicionário como “um importante instrumento no processo de ensinoaprendizagem e de constituição da identidade do sujeito na e pela língua” (PETRI, 2010), tivemos a intenção de produzir um dicionário cujos sentidos fugissem à padronização cunhada pelos lexicógrafos e que fosse de autoria de alunos que estão no início da caminhada escolar. A idealização deste projeto se fundamentou em entender de que maneira os sentidos estabelecidos a partir dos discursos dos pequenos deslizavam dos
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(Petianos e alunos no encontro final do projeto)
sentidos do dicionário tradicional, instrumento eu tem como alicerce a normativa e a técnica, como já mencionamos anteriormente. Em uma perspectiva que também visa o dicionário como um elemento que transcende o sentido normativo, tendo em vista que a língua é um elemento vivo e passível de mudanças, enxergamos o dicionário como um gênero discursivo. Neste viés, (ORLANDI, 2012) diz que acredita ser importante se tomar o dicionário como discurso. Pois, segundo ela: Podemos ver como se projeta nele uma representação concreta da língua, em que encontramos indícios do modo como sujeitos – como seres histórico-sociais, afetados pelo simbólico e pelo político sob o modo do funcionamento da ideologia – produzem linguagem (ORLANDI, 2002, p. 105). De forma mais específica, nossos objetivos, em sala de aula, com a criação do dicionário de sentidos, foi desenvolver a escrita e a oralidade dos alunos, além do incentivo à leitura, tendo em vista que este era o ponto principal para a seleção de palavras pertinentes a terem seus
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terem seus significados estabelecidos a partir do entendimento dos alunos da referida turma.
METODOLOGIA Em um primeiro momento, foi feita a apresentação de um dicionário formal para que os discentes pudessem se familiarizar com as suas possibilidades de funcionamento e fazer do dicionário um instrumento fundamental para o processo de aprendizagem, dentro da língua portuguesa, além de ser um instrumento que seria produzido por eles mesmos. Posteriormente, foram apresentadas as leituras que seriam trabalhadas durante o processo de análise e ressignificação das palavras, como: “Lili inventa o mundo” (QUINTANA,1983); e “Fábulas de Jean de La Fontaine” (FONTAINE, 2016). Foi por meio da leitura, em sala de aula, que os estudantes passaram a refletir sobre os efeitos de sentido da língua e também selecionamos as palavras para que eles pudessem atribuir distintos significados, através de seus pontos de vista.
vista. Também, no correr do projeto, foram utilizados outros livros da literatura infanto-juvenil como um incentivo à leitura e também como uma forma de selecionar as palavras para que os discentes pudessem dar a significação. Priorizamos, nessa etapa, selecionar substantivos abstratos por conta de gerarem uma maior reflexão e por se tratarem de palavras bastante individuais ao entendimento de cada um. A leitura foi um excelente facilitador do andamento do projeto, pois era um momento de compreender o que cada palavra retirada dos livros provocava neles, os alunos. Além das palavras selecionadas por meio da leitura, também selecionamos palavras que estavam bastante em evidência no contexto da sala de aula, como por exemplo, datas comemorativas, em que há sempre uma ambientação importante e histórica. Após o momento de leitura, foi feita a compilação dos vocábulos presentes no texto em análise e passamos para a fase final, que foi a montagem de um dicionário lúdico de sentidos, construídos pelos alunos
(Petianos durante a execução do projeto)
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através das leituras e da interpretação de cada um, por meio das palavras selecionadas durante o desenvolvimento do projeto. Ao colocarmos em evidência uma palavra específica do dicionário, podemos fazer uma relação dos deslizamentos de sentidos em relação ao dicionário padrão de língua portuguesa. À vista disso, a partir dos significados palavra “amizade” que diferentes alunos atribuíram significados, notamos que, segundo o pequeno dicionário Ouaiss, ela possui o seguinte significado: “sentimento de simpatia; concordância de sentimentos ou posição a respeito de algo. Amigo, companheiro, camarada”. Entretanto, de acordo com os sujeitos alunos, envolvidos no projeto, ocorre os seguintes deslizamentos de acordo com a mesma palavra: Aluno 1: É um sentimento muito bom que a pessoa sente pela outra. Aluno 2: É uma coisa que quando a gente está triste nos reanima. Aluno 3: É uma pessoa que faz amizade com todo mundo. Aluno 4: É gostar dos outros, ter amigos. Aluno 5: Alguém que faz amizade com muitas pessoas.
CONCLUSÃO Como resultado, fica evidente que a produção de um dicionário de sentidos cunhados por alunos da primeira etapa do ensino fundamental foge à regularidade dos dicionários formais, por conta de
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que pela análise dos efeitos de sentidos, ocorre um deslizamento entre as palavras em relação ao saber dicionarizado. Além disso, a forma que as crianças se expressam é mais ampla, pois além da ortografia, durante o processo da concepção de sentidos, alguns alunos utilizaram da representação gráfica como forma de expressão. Por exemplo, ao ter a palavra, “furioso”, selecionada para o estabelecimento de sentido, uma aluna fez um desenho de um menino e disse que era um de seus colegas. Houve também um momento da aula em que dois meninos tinham de expressar o que, para cada um, significava a palavra “aventura”. Um dos meninos fez o desenho de uma igreja e disse que gostava de ir à missa, enquanto outro menino, conhecido na aula por ser apaixonado por planetas, fez o desenho do sistema solar, que ele, em algum momento já havia estudado na escola. Assim, é bastante relevante trazermos um pouco do que Leda Tfouni (1995) fala a respeito do letramento: ela diz que o letramento é cultural cultural e por essa razão muitas crianças já vão para a escola com conhecimento eventualmente em seu cotidiano. Ou seja, a teoria de Tfouni nos convida a repensar sobre o sujeito letrado. Não, necessariamente, o aluno precisa ser alfabetizado para ser letrado, pois antes da alfabetização, ele já consegue fazer sua leitura de mundo e, aos poucos, desenvolve sua posição como
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futuro cidadão; então, é importante que haja uma valorização do conhecimento cultural que o aluno traz de casa, antes mesmo de ele desenvolver as habilidades de ler e escrever. Outro dado que encontramos foi de que há a produção de um movimento criativo de escrita, em que a atribuição de sentidos às palavras é dada a partir das realidades dos sujeitos. Ao nos depararmos com esse resultado, pegamos como base teórica a Análise de Discurso de linha francesa, fundada pelo teórico Michel Pêcheux, defensor de que a linguagem está materializada na ideologia e suas formas de manifestação.Ao estudarmos a teoria de Pêcheux, nos conscientizamos de que, ao analisar os discursos instaurados pelos alunos com relação às palavras selecionadas, devemos levar em conta o contexto históricosocial que eles estão inseridos. Na mesma linha teórica, temos também o conceito de “sujeito assujeitado” à língua para dar significado. Pêcheux (1995) nos diz que “o sujeito é desde sempre um indivíduo interpelado em sujeito”. Portanto, a materialidade do discurso do sujeito vai depender das interpelações acarretadas pelo contato do indivíduo nos meios em que ele circula, a comunidade em que ele participa. Dessa, ao fazermos uma reflexão sobre os efeitos de sentidos na perspectiva dos discentes, observamos também que a tentativa de definir através da utilização do verbo “ser” na terceira pessoa do singular ,com o intuito de dar um
predicado à palavra a ser (re) significada, com exceção da definição produzida pelo aluno 5, que dá uma definição com um sentido pré- definido, enquanto as demais palavras são bastante amplas e não dão uma definição tão específica do que é amizade para o sujeito. Portanto, embora ocorram os deslizamentos de sentido a partir da realidade dos alunos da turma, com diferentes definições, entendemos que todas essas são possíveis e podem ser facilmente entendidas. E por fim, concluímos o que nos diz Petri (2010) sobre as definições dadas por seus alunos e entrevistados: “ os sentidos não são únicos, se complementam”. Assim, reiteramos a necessidade de se questionar acerca das incompletudes, das faltas e das saturações dos sentidos contidas nas palavras.
REFERÊNCIAS NARANJO, Javier. Casa das Estrelas: o Universo Contado Pelas Crianças. 1. ed. São Paulo: Foz, 2013. ORLANDI, Eni P. Leitura: uma questão linguística, pedagógica ou social. In: Discurso e Leitura. 4. ed. São Paulo, Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1999. OUAISS, A.; VILLAR, M. S. Pequeno dicionário Houaiss de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Moderna, 2015. PÊCHEUX, Michel. Discurso e ideologia in: Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. (trad.) Eni P.Orlandi. 2. ed. Campinas, UNICAMP, 1995. PETRI, V. Um outro olhar sobre o dicionário: a produção de sentidos. Santa Maria: UFSM, PPGL Editores, 2010. QUINTANA, Mario. Lili inventa o mundo. 1. ed. Porto Alegre: Global Editora, 1983. TFOUNI, Leda. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995.
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A IMPORTÂNCIA DA PRODUÇÃO TEXTUAL NO ENSINO MÉDIO Carla Vaz, Nathallia Santos
INTRODUÇÃO É indiscutível que saber escrever um bom texto é fundamental para a compreensão dos leitores, foi pensando nisso que resolvemos desenvolver um projeto de escrita de uma redação como prévia para o ENEM que fosse focado no gênero dissertativo-argumentativo. A ideia geral era desenvolver um projeto que unisse todas as turmas de terceiros anos da cidade das escolas da rede estadual em um concurso de redações com o tema Fake news, fazendo assim, uma integração entre as várias escolas atendidas pela Secretaria de Educação do estado do Rio Grande do Sul. Assim, o projeto teve o apoio da 13° CRE. Trata-se de um trabalho desenvolvido pelas bolsistas e a tutora responsável do Programa de Educação Tutorial PET- Letras, Bagé/RS. Cabe refletirmos que a escola, como ambiente de aprendizagem, deveria ser um
um espaço onde todos tivessem o contato com os mais variados tipos e gêneros textuais, e nós, enquanto discentes do curso de Letras, estamos sendo preparadas para criarmos estratégias que permitam ampliar o contato do aluno com os gêneros textuais. Os desafios encontrados pelos docentes de língua portuguesa são eminentes, porém, é fundamental que o professor perceba a real necessidade de cada turma, uma vez que estamos nos relacionando com pessoas e não com objetos inanimados. A opção pelo tema Fake News vai de encontro à necessidade de discutir em sala de aula assuntos diários e principalmente polêmicos. Atualmente vivemos numa era virtual onde, muitas das notícias que se espalham são falsas e acabam confundindo a credibilidade das informações. Se navegarmos pelas redes sociais,
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claramente percebemos a dificuldade em conseguir identificar notícias falsas ou manipuladas. Para isso, é fundamental que possamos discutir sobre o assunto e construir estratégias que permitam essa identificação. Precisamos alertar os alunos e despertá-los sobre o perigo de compartilhar uma notícia falsa deve ser assunto de sala de aula e nada melhor do que uma redação para levantar essa discussão. Enquanto professores em formação, precisamos levar os alunos à reflexão sobre o formato virtual em que as questões de cidadania, sociedade e ambiente são repassadas. Uma manchete fantasiosa, erros ortográficos, site duvidoso, falta de credibilidade na autoria, são detalhes a serem observados na notícia e que, muitas vezes, são formas de checar a informação.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A leitura e a escrita são, além de instrumentos de apropriação de conhecimento, bases no processo de cidadania, e hoje no mundo tecnológico em que vivemos, é preciso que o leitor seja ainda mais competente, ele precisa não apenas decodificar símbolos, mas acima de tudo, interpretar e construir um paralelo crítico entre tudo aquilo que lê. Nas escolas, parte do descontentamento entre os professores é a ideia de que os alunos “não sabem ler”, que “não gostam e não aprendem a ler”, associando inclusive, a relação entre a leitura e o fracasso escolar. Nessa
perspectiva, é preciso ter clareza que a postura do professor, sua prática pedagógica e a necessidade de novos posicionamentos em relação às práticas de leitura, são formas de enfrentamento das dificuldades com a leitura. Assim, buscar levar para a sala de aula um projeto que incentive a leitura e promova a escrita é uma forma de participar de um processo necessário para a conquista da cidadania e da participação social, lembrando que a leitura é muito mais do que uma simples decifração de símbolos, ler é participar, é refletir, é construir posicionamentos, é o p imeiro passo para uma escrita de qualidade. Para LAJOLO (2003): O leitor que, diante de um texto escrito, tenha a autonomia suficiente para atuar desde a decodificação da mensagem no seu aspecto literal até o estabelecimento de um conjunto mínimo de relações estruturais, contextuais que ampliem a significação do texto a tal ponto que se possa considerar ter havido, efetivamente, apropriação da mensagem, do significado na multiplicidade de relações estabelecidas entre texto e leitor, entre textos, com o mundo. (LAJOLO, 2003, p, 105). A leitura, a escrita, a interpretação e o posicionamento crítico vão muito além da sala de aula, eles são portas de entrada para a criação de um indivíduo crítico e para a cultura de uma sociedade. Escrever é um processo, e para que o aluno acredite que é um bom escritor, o professor deverá incentivá-lo a expressar ideias e sensações de forma coerente
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e coesa. Para isso, trabalhar diferentes tipos de texto, possibilitar momentos de leitura e diálogos, proporcionar atividades de escrita frequentemente, são ações de construção desse processo tão importante. Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa) dizem que: (A interação)
O domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade linguística, são condições de possibilidade de plena participação social. Pela linguagem os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem cultura. (BRASIL, 1998, p.20). A escola enquanto instituição de ensino deve garantir que o aluno tenha possibilidades de exercer sua cidadania, e posicionar-se por meio da escrita, com certeza, é uma das melhores formas de praticar sua posição cidadã. Para Geraldi (1997) a linguagem escrita é o principal instrumento de aprendizagem que os alunos precisam se apropriar para que possam aprender o mundo e todo o conhecimento que nele se produz. Não é no primeiro contato com a escrita que surgirão os bons escritores, isso demanda tempo e treino, bons hábitos de leitura, reescritas, mas principalmente a principalmente a perseverança dos professores que devem acreditar na
competência da produção textual. Toda a prática de escrita é mais trabalhosa para o professor, pois exige tempo e paciência, mas devemos confiar que, com persistência, os resultados serão compensadores e valerão todo o esforço.
A contribuição dos gêneros textuais na formação do leitor Trabalhar com diversos gêneros textuais em sala de aula contribui para a construção do conhecimento do aluno, principalmente se os textos tiverem ligação com seu cotidiano. Cabe à escola oferecer ao aluno variados textos, interligando disciplinas, desenvolvendo a produção, a interpretação e a autonomia para ler a partir de diferentes óticas e conteúdos. Perceber que as imagens são formas de textos, que a poesia, a música e até mesmo uma propaganda traz a sua mensagem, é fundamental para a ampliação do olhar do leitor. Na definição dos PCN´s de Língua Portuguesa (BRASIL,1997, p. 29), “um texto não se define por sua extensão. O nome que assina um desenho, a lista do que deve ser comprado, um
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conto ou um romance, todos são textos”. A partir do momento em que o professor trabalha textos, conta histórias e apresenta obras literárias para seus alunos em sala de aula, proporciona a eles algumas capacidades fundamentais para o desenvolvimento do ser humano: a capacidade de criar, recriar, imaginar, fabular, ultrapassando o real e explorando a sensibilidade do leitor. Todo professor deve ser um leitor, pois somente assim poderá mediar e auxiliar a formação de novos leitores. No texto de Vygotsky (2006, p.40), "el proceso de crecimiento del niño se desarrolla también su imaginación, que alcanza su madurez solo em la edad adulta". Marcuschi (2002) ressalta que temos que saber abordar as aulas de língua portuguesa, ou seja, abordar os seus aspectos estruturais e aspectos funcionais e socioculturais, tendo em vista que as aulas não são só um amontoado de matérias passadas no quadro branco, como diz o autor na citação abaixo. Os aspectos textuais e discursivos, como as questões pragmáticas sociais e cognitivas são muito relevantes e daí não se pode evitar considerar o funcionamento da língua em textos realizados em gêneros (MARCUSCHI, 2002). Trabalhar textos em sala de aula é uma forma de desenvolver a capacidade crítica sobre temas sociais, amadurecendo a troca de opiniões e incentivando a reflexão enquanto ser social.
O trabalho com o texto na aula de língua portuguesa
Essa é uma pergunta que frequentemente é debatida durante o curso de licenciatura entre os futuros professores. Sabemos que trabalhar com o gênero na sala de aula não é fácil, e às vezes a forma com que trabalhamos acaba sendo prejudicial na aprendizagem, afastando o aluno do gosto pela leitura. Para Rouxel (2013, p.192): Em sua forma escolar, é, com efeito, lugar de múltiplas aprendizagens que acabam por fazer do texto apenas um pretexto. Frequentemente, “o gosto de ler desaparece sob o ato de aprender”. (...) O exercício escolar apresenta-se, pois como um malentendido, como o fracasso programado de um encontro cujas vítimas são o texto e o leitor. (ROUXEL, 2013, p.192). Para despertar o gosto pela leitura nos alunos não precisamos apenas estimular a leitura por prazer, pois o texto literário, quando bem explorado, se amplia e apresenta ao aluno um novo mundo de múltiplas possibilidades. Assim como é preciso estimular o gosto pela leitura é preciso fazer o mesmo com a escrita. Todo texto necessita ter um motivo para escrever seja ele qual for, um novelista, por exemplo, precisa pensar em um tema primeiramente, um enredo e um desenrolar para sua história, sendo assim, quando escrevemos um texto sendo ele um texto dissertativoargumentativo ou não, precisamos ter em mente um tema a se abordar e desenvolver para que só assim se consiga produzir um texto coeso, e que este texto de alguma forma seja
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seja uma esfera de comunicação humana integrando quem produziu o texto e quem irá ler este texto, ou seja, tem que haver um propósito para esta escrita. Nas palavras de Buzen (2006): Se assumirmos tal posicionamento, apostaremos em um ensino muito mais procedimental e reflexivo (e menos transitivo), que leva em consideração o próprio processo de produção de textos e que vê a sala de aula, assim como as esferas da comunicação humana como um lugar de interação verbal. O mediador entendendo este processo de produção poderá assim passar para o discente e fazer com que ele entenda tal utilização e necessidade de se aplicar na escrita.
As redações no ENEM O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) foi criado em 1998 e tem como objetivo avaliar o desempenho de estudantes ao fim da educação básica, além de servir como forma de ingresso em grande parte das universidades do país. De acordo com informações do Jornal O Globo, o ENEM 2017 teve um aumento significativo no número de redações com nota "zero" e uma redução nas redações nota “mil”, sendo que pesquisas mostram que o principal motivo para esses números foi à fuga ao tema proposto. É possível que as propostas acabem por abrir possibilidades para essa fuga ao tema proposto, mas também nos leva a pensar que muitos de nossos estudantes trazem consigo lacunas na produção textual ou até mesmo, desconhecem as
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exigências da prova do ENEM. Para que um texto dissertativoargumentativo, como a redação do ENEM, seja bem escrito, é fundamental que a estrutura, como introdução, desenvolvimento e conclusão, seja obedecida. Para isso, exercitar a escrita e a leitura são imprescindíveis: escrever, ler, reler, reelaborar, argumentar e conseguir se posicionar dentro do texto, seguindo as normas da língua portuguesa são passos para alcançar uma boa nota na redação do ENEM.
Descrição da metodologia Foi pensando em questões como as anteriormente descritas, que resolvemos, com as indispensáveis parcerias da 13ª CRE, das escolas e dos professores de língua portuguesa, desenvolver atividades com a importante ferramenta que é a cartilha do ENEM e apresentar um modelo de prova idêntico ao desenvolvido pelo MEC. Realizar as produções textuais em forma de concurso foi a maneira encontrada para incentivar a escrita. Ao longo do desenvolvimento do projeto, buscamos compreender a visão e o posicionamento de estudantes do terceiro ano do ensino médio das escolas da cidade de Bagé frente à escrita de um texto dissertativo-argumentativo. Os textos produzidos foram corrigidos pelos petianos da Licenciatura em Letras Português da UNIPAMPA Bagé, seguindo os parâmetros de correção do Exame Nacional do Ensino Médio. Os textos depois de corrigidos serão devolvidos aos
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alunos para que sirvam de critério de acertos e erros para a escrita da redação na prova do ENEM.
CONCLUSÃO O projeto estendeu-se de junho a outubro, sendo que a princípio todas as dez escolas convidadas aceitaram participar. No momento de recolher os textos, o número começou a reduzir e, ao final, apenas três escolas participaram ativamente do projeto. Os motivos foram os mais variados, e isso nos levou a refletir sobre a prática da leitura e da escrita em nossas escolas. Justificativas como falta de professores, falta de tempo e até mesmo utilização do material em escolas de outra cidade ou como avaliação, foram as principais razões para a não participação. O que mais importa, afinal, é que as três escolas participantes envolveram-se a ponto de desenvolverem oficinas e atividades extraclasse para a escrita das redações, revelando que professores e supervisores incentivaram os alunos no processo de produção. Os textos entregues foram, em sua maioria, de ótima qualidade. A correção foi feita pelo grupo de bolsistas do PET, seguindo normas de avaliação pré-definidas. Cada um dos textos passou por três avaliadores. O método de avaliação foi outro ponto que nos levou a refletir sobre o processo, pois, em muitos casos, houve uma diferença significante entre as atribuições de notas por parte dos avaliadores. Sob que influência cada um fez sua avaliação? Quão distante é a percepção de um para outro
sujeito acerca do tema? Será que a nota atribuída por um avaliador influencia na nota do outro? Questionamentos como esses são incrivelmente construtivos, já que nos levam a perceber claramente o quanto a leitura e a escrita são multifacetadas e o quanto as subjetividades se tornam perceptíveis. O final do projeto culminou na realização de uma tarde cultural com diversas atividades envolvendo as escolas participantes e a premiação dos vencedores com troféu e livros na tentativa evidente de estimular o hábito da leitura e da escrita. O projeto como um todo serviu para firmar a certeza da importância do domínio da leitura e da escrita, já que aprender a ler e a escrever não é apenas um objetivo escolar, mas sim, uma maneira de alargar a visão de mundo, nesse sentido, devemos reforçar a importância do professor enquanto mediador e encorajador, buscando por um compromisso comum a todas as áreas e não apenas aos professores de língua portuguesa.
REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/enem-sp-2094708791> Acesso em: 13 ago. 2018. BUNZEN, Clécio. Da era da composição a era dos gêneros: o ensino de produção de texto no ensino médio, 2006. GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. Cascavel: ASSOESTE, 1984. O GLOBO, J. Sociedade e Educação. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/enem/enem-2017registra-aumento-de-redacoes-com-nota-zero-22300924> Acesso em: 13 ago. 2018. LAJOLO, Marisa. A importância do ato de ler. São Paulo: Moderna, 2003. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A.P; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Orgs.) Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002. ROUXEL, A. Aspectos metodológicos do ensino de literatura. In: Dalvi, M. A.; Rezende, N. L.; Jover-Faleiros, R. (org.). Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998. VIGOTSKI, L. S. La imaginación y el arte en la infancia. Ensayo psicológico. Madrid, Ediciones Akal, 2006.
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Revista informe Letras - Sentidos que se atravessam, misturam e ressignificam.
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