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Capítulo Quatro........................VÊNUS
by Ponte
... Quando seu amor ele avistar, Que ela brilhe, tão gloriosa Quanto Vênus no céu. — Shakespeare, "Sonho de uma Noite de Verão", III, II
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No início, o mundo era governado por Urano, o Pai Céu, e Gaia, a Mãe Terra, o casal primordial. Urano tornara-se um tirano e foi destronado por seu filho Saturno (Cronos), que o castrou com uma foice. A semente criativa do deus Céu primordial espalhou-se pelo céu e pela Terra. Parte dela caiu no oceano e deu origem a Vênus, que os gregos conheciam como Afrodite, a deusa do amor. Ela surgiu já crescida da espuma do mar, levada pelas ondas sobre uma concha. Quando pisou na margem da ilha de Chipre, grama e flores brotaram a seus pés e as estações, filhas de Têmis, vestiram sua nudez. O poeta Hesíodo conta histórias sobre o nascimento de Afrodite na Teogonia33 , e o pintor
33. Hesíodo, Theogony and Works and Days, trad. M. L. West, Oxford e Nova York, Oxford University Press, 1988, pp. 8-9.
renascentista Botticelli criou o Nascimento de Vênus, uma das obras de arte mais famosas do mundo ocidental. Vênus sempre foi uma das deusas mais populares, adorada por todo o antigo Mediterrâneo. Mesmo na Europa medieval, quando o cristianismo oficialmente banira os antigos deuses e deusas, ela vivia na poesia dos trovadores e estudiosos viandantes.
Recebeu diversos nomes e títulos. O próprio nome Afrodite significa "nascida da espuma do mar". Era também conhecida como Afrodite Anadyomene, "nascida da espuma e surgida do mar"34. Seu pássaro era a pomba, conhecida por sua natureza lasciva; sua árvore era o mirto; seu local sagrado era a ilha de Chipre. Era chamada "a dourada"; os poetas clássicos a imaginavam banhada em uma luz dourada ao aparecer diante de seus amantes. Era também "a sorridente Afrodite", que trazia todos os deleites, todas as alegrias sensuais.
Diz-se que o planeta Vênus é exaltado em Peixes, e Peixes é o símbolo do grande oceano. Na Grécia clássica, muitos dos nomes dessa deusa eram associados ao mar. Ela nasceu da espuma do mar e surgiu das ondas. A vieira era um de seus símbolos; era por vezes chamada Afrodite Pelagia, "a que veio do oceano". Deuses e deusas do mar com freqüência têm várias formas, como o velho Proteu na Odisséia; em Esparta, a deusa do amor era chamada Afrodite Morpho, "Aquela com várias formas"35 .
A deusa de forma mutável de Esparta era com freqüência representada atada em correntes. Esse talento para a metamorfose combinado com a imagem das correntes sugere que era uma forma da Grande Deusa primordial. Robert Graves tenta reconstruir o mito que os pelasgos (povos do mar), habitantes neolíticos ou pré-helênicos da Grécia, devem ter contado sobre ela.
De acordo com Graves, a deusa era adorada sob o nome Eurínome, que significa "a grande viandante" (ou seja, a Lua). Nascida do caos primordial, ela dançou sobre as águas do oceano, assim como mais tarde Vênus surgiria dançando nas ondas. Eurínome transformou o vento norte em uma serpente, chamada Ofião. A serpente enrodilhou-se em torno dela — daí a
Ofião enrolando-se no ovo nascido de Eurínome
34. Kerenyi, Karl, The Gods of the Greeks, ibid, pp. 68-9. 35. Kerenyi, Karl, The Gods of the Greeks, ibid, p. 80.
Um desenho de Paquier do século XIX, a partir de uma fotografia da Vênus de Borghese
imagem da deusa acorrentada. Fecundou-a, e ela deu à luz um ovo cósmico. Ofião enrolou-se sete vezes em volta do ovo até que ele se partisse em dois e chocasse toda a criação36 .
Essa reconstrução do mito da criação primordial não é pura especulação; a arqueóloga Marija Gimbutas encontra provas de um mito similar entre as culturas neolíticas da Europa balcânica37. Os símbolos que constroem essa antiga história sobrevivem, de alguma forma, em períodos comparativamente recentes. Na figura da "dama alma" ou anima mundi (ver Os Signos Fixos) em que dança rodeada por uma grinalda na carta de Tarô O Mundo, podemos reconhecer Eurínome dançando sobre as ondas, envolvida por Ofião. E o símbolo alquímico do Ouroboros, a serpente que morde sua própria cauda, lembra Ofião enrodilhado no ovo cósmico — especialmente porque os alquimistas também viam o ovo como símbolo da unidade original. No Antigo Testamento, a serpente primordial pode ser tanto a tentadora como, no pensamento cabalístico, a redentora. Ofião enrodilhou-se sete vezes em torno do ovo cósmico e o número sete é tão importante no Livro das Revelações quanto nas antigas mitologias pagãs.
Psicologicamente, podemos dizer que o desejo por amor, sexo e relacionamentos foi uma das primeiras funções humanas — ou talvez a primeira — a emergir do oceano do inconsciente simbolizado por
36. Graves, Robert, The Greek Myths, ibid, vol. 1 , pp. 27-30. 37. Gimbutas, Marija, Goddesses and Gods of Old Europe, Berkeley e Los Angeles, Universidade da Califórnia, 1982, pp. 101-7.
Peixes. Vênus, a deusa do amor, dança sobre as águas da mente coletiva ou da alma do mundo. Ela emerge daquele oceano ainda envolvida em uma luz dourada, sorrindo com o conhecimento dos outros reinos; é mediadora ou guia para as camadas mais profundas do inconsciente. Com esse brilho sobrenatural aparece a seu amante Anquises. Ao se aproximar de sua humilde cabana de pastor, foi seguida por lobos, leões, ursos, leopardos e abelhas zumbidoras. Parou diante dele, toda dourada, vestida de vermelho e ungida com óleo. Mas se, para Anquises, ela incorporava todo o poder do inconsciente profundo, incorporava também sua traiçoeira face aquática — mentiu para ele, dizendo que era apenas uma donzela mortal38 . Como deusa do amor e da beleza, Vênus tornou-se logicamente um planeta de relacionamento; assim como o é a regente tradicional de Libra, o signo do casamento. Mas, Vênus não é tanto o planeta do relacionamento como é a deusa do amor. É importante diferenciar esses dois conceitos, pois o casamento nem sempre tem a ver com amor. Como veremos, o casamento está sob o domínio de Juno (Hera). Ao examinar a mitologia de Vênus, descobrimos que ela realmente foi casada, mas é muito questionável até onde reconheceu ou honrou esse casamento. Sabemos que ela rejeitou seu marido coxo, Vulcano (Hefesto), o deus da forja, em favor de Marte, o deus da guerra, com quem teve um longo caso amoroso e filhos. Parece que o marido de Vênus, Vulcano, era também parcialmente responsável pela infidelidade de Vênus. Vulcano, o habilidoso artesão e artífice, era casado com seu trabalho e não possuía muita capacidade para intimidade ou relação — algo de que uma Vênus precisava39. Por outro lado, Vênus era adorada por seu amante Marte, embora tenham experimentado muita turbulência em seu relacionamento. Uma das
Um desenho do século histórias mais conhecidas envolvendo Marte e
XIX reproduzindo a Vênus diz respeito à resposta de Vulcano Vênus de Cnidos quando soube que sua esposa estava envolvida com o deus da guerra. Era a sina de Vulcano ser traído
38. Kerenyi, Karl, The Gods of the Greeks, ibid., pp. 77-9. 39. Bolen Jean Shinoda, Gods in Everyman, San Francisco, Harper and Row, 1989, pp. 219-50.
A Alma do Mundo combina o simbolismo da deusa acorrentada e da deusa sobre as águas, do livro Utriusque Cosmi Historia, de Robert Fludd. Oppenheim, 1617
por sua bela esposa, mas dessa vez ele ficou com raiva. Forjou correntes de ouro, que habilidosamente escondeu nas vigas de seu palácio no Olimpo. Disse então a Vênus que ia tirar férias em sua ilha sagrada de Lemnos.
Como Vulcano previra, Vênus convidou Marte a encontrá-la em seu palácio. Mas, Vulcano estava escondido ali perto; e quando Vênus e Marte começaram a se abraçar, uma rede mágica caiu, prendendo-os à cama. Irado, Vulcano chamou todas as divindades do monte Olimpo para testemunhar a vergonha de sua esposa. As deusas — que, de forma bastante natural, apoiaram o ponto de vista da mulher — recusaram-se a tomar qualquer parte no caso, mas os deuses vieram dar uma olhada. Mercúrio disse a Apolo que trocaria de lugar com Marte de boa vontade — qualquer coisa para ter a deusa do amor na cama (Mercúrio teve sua chance mais tarde; o resultado foi Hermafrodita, uma criatura com órgãos masculinos e femininos). Finalmente, por insistência de Netuno, Marte e Vênus foram libertados das correntes do amor40 .
Muitos astrólogos ainda usam esses dois planetas, Vênus e Marte, para avaliar as necessidades de relacionamento de um indivíduo na análise do mapa. Porém, deve-se notar que o caso amoroso entre Marte e Vênus nada tem a ver com estabilidade ou compromisso — é na verdade uma relação extraconjugal. A relação entre os dois planetas mostra a atração sexual ou romântica, certamente. Pode indicar, de fato, uma paixão selvagem ou desgovernada; na Índia, diz-se que pessoas com conjunção de Marte e Vênus no mapa astrológico são apaixonadas e sensuais até o exagero. Mas, Marte e Vênus apenas não indicam o tipo de compatibilidade necessária a longo prazo para um casamento. Os fatores tradicionais que estabelecem esse tipo de união de longo prazo são o Sol e a Lua e a interação entre as linhas do horizonte dos parceiros. Como veremos, o asteróide Juno é também muito útil na avaliação das necessidades de relacionamento. Vênus interessa-se apenas pelo romance, pela glória e a paixão do momento. Mas, certamente, se Vênus e Marte interagem entre dois mapas, a vida amorosa desse casal será bem apimentada, não importa o resultado.
Vênus rege Touro e Libra, na Grécia clássica; também regia Touro no antigo sistema olímpico. Como deusa desses signos, exsuda sensualidade pura, representando o aspecto da deusa cuja única finalidade é usufruir da abundante mundanidade do mundo físico representada pela natureza e o corpo. Assim, a deusa era por vezes conhecida como Afrodite Pandemos, padroeira do "amor comum". Prostitutas a adoravam como uma delas sob o nome de Afrodite Porne ou Afrodite Hetaira; chegou mesmo a ser conhecida como Afrodite Kallipygos, "a das belas nádegas"41 .
40. Graves, Robert, The Greek Myths, ibid, Vol. 1, pp. 67-8. 41. Kerenyi, Karl, The Gods of the Greeks, ibid, pp. 68, 80.
Em Libra, porém, relaciona-se mais com a iniciação de opostos existente nos relacionamentos. Vênus é uma deusa doce e amável atraída por relacionamentos com homens rudes — guerreiros e caçadores como Ares, deus da guerra, e Adônis, caçador de feras selvagens. Encontram-se com freqüência polaridades desse tipo em Libra, o significador astrológico do relacionamento. Em Libra, esses opostos se encontram e se harmonizam. Elementos opostos estão freqüentemente sendo trabalhados nos relacionamentos, sendo primeiro e mais importante lidar com as contrapartes masculina e feminina. É comum que sejamos atraídos exatamente pelas qualidades que não possuímos, e escolhemos incorporar essas qualidades ausentes emergindo nelas por meio de um parceiro que as incorpora. Infelizmente, muitos indivíduos esquecem-se por que escolheram aquele parceiro e rapidamente tentam transformá-lo em uma cópia exata deles próprios. Temperamentos, situação econômica ou crenças religiosas completamente diferentes estão sempre sendo trabalhados nessas relações. O papel de Vênus é harmonizar esses opostos. A capacidade de "domar" esses elementos selvagens (um Marte ou um Adônis) por meio do ato de fazer amor (Vênus) é outro aspecto desse relacionamento polarizado. E, finalmente, a introdução das discussões e turbulências no amor é característica de muitos relacionamentos e serve como comentário sobre a própria natureza do amor.
Regente astrológica de Touro e Libra, Vênus incorpora dois outros princípios no horóscopo — o automerecimento em Touro (apenas "eu" possuo) e o valor que os outros dão a esse merecimento em Libra (será que eu agrado a você, o que você pensa de mim?).
Vênus é bela e amável, sem dúvida a mais bela das deusas, mas isso não é o bastante. Ela precisa que os outros reconheçam isso constantemente. Quando outras mulheres bonitas estavam por perto, sentia-se facilmente ameaçada por sua aparência e presença e, nesses momentos, revelava o seu lado ciumento, raivoso. Psiqué foi condenada à morte por Afrodite, cuja dignidade pessoal foi insultada quando os mortais começaram a falar de uma mulher cuja beleza rivalizava com a da
Afrodite, a partir do original no Capitólio em Roma
Personificação de Vênus, gravura de Lucas Cranach, o Velho. Wittenberg, 1506
própria deusa do amor. Essa é com freqüência a triste história de uma mulher — ou de um homem, no que diz respeito ao assunto — com uma Vênus muito forte no mapa. Por anos, essa pessoa pode ser a criança de ouro, a beleza que basta olhar para se apaixonar por ela. E quando o venusiano começa a envelhecer e ver que a beleza é efêmera, começa a "perdê-la". É similar à história de Branca de Neve com seu clássico refrão "Espelho, espelho meu, existe alguém no mundo mais bela do que eu?" (já se sugeriu que o glifo de Vênus lembra o espelho de mão). Um dia, o espelho começou a responder à rainha que envelhecia: "Sim, Branca de Neve". Ultrajada, a rainha condenou Branca de Neve à morte, pois não poderia tolerar no reino outra mulher mais bela do que ela. Branca de Neve foi salva da morte iminente pelo jovem príncipe, o filho simbólico da rainha, assim como Psiqué foi resgatada pelo filho de Afrodite, Eros. Ambos os filhos se casaram com as donzelas que resgataram e somos levados a acreditar que viveram felizes para sempre. Essas duas histórias — uma um mito grego, a outra um conto de fadas — são muito parecidas. É uma história vivida através das eras e que continua a ameaçar os que envelhecem e perdem aquilo que sempre julgaram ser seu merecimento — sua juventude e beleza (a indústria multimilionária da beleza é testemunha). A história também reflete o abandono da mãe pelo filho, como sua mais amada e adorada relação feminina, e a transferência dessa adoração para sua jovem noiva.
Em geral, portanto, Vênus é o fator no horóscopo que trata do automerecimento e como ele impede ou interage nos relacionamentos. Vênus tinha o poder de fazer qualquer um, deus ou mortal, apaixonar-se por ela instantaneamente. Podemos assim analisar o que faz as pessoas se apaixonarem, observando suas posições de Vênus e também o tipo de validação de que precisam, vinda das outras pessoas, para realizar seu próprio amor interior. Conhecendo a vida amorosa de Vênus no Olimpo, podemos ver que ela não era a mais fiel ou obediente das amantes. Deleitava-se em muitas aventuras sexuais e, como deusa do amor, gostava do ato de apaixonar-se mais do que da tarefa de contribuir para a manutenção de uma relação depois que a fagulha inicial se apagava. Essa impaciência é com freqüência o caso de uma Vênus em Áries, Gêmeos, Sagitário ou Aquário. Afrodite acha o início, quando o amor está fresco e vivo, muito divertido, mas não o amor como dever e certamente não a ética que exige da pessoa "amar, honrar e obedecer até que a morte nos separe" — esse é o domínio de Juno. E é por isso que, ao usar Vênus como o único ou o principal ponto de comparação na análise do relacionamento ou casamento, o resultado pode ser desapontamento ou separação. Isso porque, no início, quando a relação está fresca e nova, experimentamos o melhor de Vênus. Mas, conforme o tempo passa, Vênus precisa ter certeza de que o objeto de seu desejo ainda é estimulante e excitante.
Com freqüência, diz-se que Vênus representa a imagem que uma mulher faz de si mesma (o espelho de mão), enquanto para um homem Vênus, um arquétipo feminino, é algo tipicamente projetado na mulher que ele encontra. Embora nem sempre seja verdade, isso reflete a forma como a maioria dos indivíduos funciona, particularmente em romances adolescentes que ocorrem antes de a pessoa ter atingido o nível de maturidade e a autoconsciência que a torna mais equilibrada.
É possível encontrar uma pessoa com Vênus em Leão ou Vênus na Primeira Casa olhando-se no espelho com bastante freqüência e perguntando: "Ainda sou a mais bela?" — e fazendo todos os esforços para assegurar que o espelho ainda responda afirmativamente. Vênus em Virgem ou Vênus em conjunção com Saturno também pode examinar o espelho com freqüência — mas essas são as mulheres que vemos nos sanitários públicos, Olhando-se no espelho e repetindo para si mesmas o quanto estão gordas e feias, embora para um observador elas nada tenham de gordas ou feias. Esse tipo de auto crítica e/ou busca pela perfeição afeta o tipo de relação que a pessoa atrai — ou seja, o parceiro reforçará continuamente a auto-imagem negativa de Saturno/ Vênus ou Vênus em Virgem. Se examinarmos a relação Vulcano/Vênus, notamos que Vulcano fora rejeitado na infância, não uma, mas duas vezes, por ambos os pais, e assim começou a sentir e acreditar em suas próprias imperfeições. Quando surgiu a deusa do amor e da beleza, algo em sua estrutura interior não poderia permitir que ela entrasse em sua vida. Dentro dele havia o vexame infligido a ele pela situação de sua família e que carregou por toda a vida. Conseguiu transformar essa vergonha dispensando enormes quantidades de energia em seu trabalho e criando belos objetos, dignos da deusa do amor e da beleza — e refletindo a beleza que havia dentro dele42. Com freqüência, esse é o caso quando Vênus no mapa trava fortes contatos natais com Plutão, Saturno ou Netuno. A beleza e o amor estão lá, mas enterrados sob camadas e camadas de vergonha, culpa, insegurança, dúvida e temor. Surge apenas vagarosamente, pouco a pouco, pela vida da pessoa, quando ela tomou a decisão consciente de resgatá-la. Um conceito bastante difundido atualmente é que não podemos receber amor de outrem até que realmente amemos a nós mesmos; existe alguma verdade nessa afirmação e o exame astrológico do planeta Vênus no mapa da pessoa é o melhor espelho dessa verdade.
Outra história importante que diz respeito à deusa do amor é a de Vênus e Adônis. Quando a esposa do rei Cíniras de Chipre jactou-se de que sua filha Smirna era mais bonita que Vênus, a deusa vingou-se. Lançou um feitiço sobre Smirna, que se apaixonou por seu pai, atraiu-o a seu leito
42. Bolen, Jean Shinoda, Gods in Everyman, ibid, pp. 219-50.
durante uma bebedeira e engravidou dele. Quando Cíniras descobriu o que acontecera, perseguiu Smirna com uma espada. Vênus transformou a moça na árvore mirra; a espada partiu a árvore e dela surgiu o pequeno Adônis.
Adônis fora criado por Perséfone, a rainha dos mortos, que logo se apaixonou por ele. Isso provocou uma discussão entre Perséfone e Vênus, que também desejava o jovem. O caso foi julgado pelas Musas, que decretaram que Adônis passaria um terço do ano com Vênus, um terço com Perséfone e um terço sozinho, caçando nas montanhas.
Contudo, Vênus era uma deusa gananciosa e usou as artes do amor para fazer com que Adônis desrespeitasse o acordo sagrado e passasse todo o tempo com ela. Perséfone enfureceu-se. Contou a Marte, amante de Vênus, que Adônis era um sério rival. Marte transformou-se em um javali; desafiou o jovem caçador nas Afrodite — Vênus escarpas do monte Lébano e golpeou-o até a morte diante dos olhos de Vênus. De seu sangue surgiram as anêmonas. Vênus ainda não queria ceder Adônis à rainha da morte. Apelou a Júpiter, que concedeu a Adônis períodos iguais acima e abaixo da Terra.
Essa história é similar à da própria Perséfone (ver Ceres). Também lembra o mito babilônico da Descida de Ishtar, que era originalmente um conto sumério e, portanto, uma das mais antigas histórias do mundo. Falaremos mais dessa história adiante (ver Plutão), mas ela se resume da seguinte maneira:
A deusa Ishtar, Rainha do Amor, desce ao submundo para buscar a alma de seu amante morto, Tammuz. No caminho, é ritualmente despojada de toda a sua glória pelos guardiões do inferno. Quando chega por fim diante da Rainha dos Mortos, está dependurada em um gancho de açougueiro, como se houvesse sido assassinada. Resgatada afinal pela vontade dos deuses, é devolvida à glória, dessa vez como a Rainha dos Céus.
O mito tem muito a ver com o ciclo do planeta Vênus. Quando esse planeta ainda está marchando diante do Sol (ou seja, quando está em um grau anterior da longitude zodiacal), ele aparece no céu como a Estrela da Manhã. Conforme se aproxima da conjunção superior com o
Sol, fica invisível por algum tempo — a deusa desce ao mundo subterrâneo. Finalmente, o planeta reaparece como a Estrela da Noite, a rainha do céu, ocupando um grau posterior ao do Sol na longitude zodiacal.
O mito de Vênus e Adônis, ou da Descida de Ishtar, é importante porque aponta para um processo psicológico de relacionamento. A deusa do amor, quando ainda indomada, é primai, sexual e instintiva. Como vimos, está mais preocupada com o amor do que com o relacionamento. Segundo a teoria de Dane Rudhyar, os indivíduos nascidos com Vênus como Estrela da Manhã tendem a ser mais impulsivos em seus relacionamentos; apaixonam-se rapidamente e sem refletir. Mas, após a deusa ter passado o tempo necessário no mundo subterrâneo, torna-se a Rainha do Céu, e não mais apenas a deusa do amor. Há mais maturidade em seu dom de amor, maior preocupação com relacionamento em oposição ao puro romance. Aqueles nascidos com Vênus como a Estrela da Noite nem sempre terão relacionamentos mais bem-sucedidos, mas são mais reflexivos, mais cautelosos e sua atitude para com relacionamentos aproxima Vênus de Juno. Também estão conscientes do amor como um processo profundamente transformador.
A história da Descida de Ishtar, como veremos, aplica-se a todos os aspectos da consciência humana — não apenas ao amor. Mas, em termos de relacionamento, esse antigo drama implica que devemos sofrer por um período de doloroso crescimento antes que nosso instinto de amor primitivo possa ser transformado em um modo mais tranqüilo de nos relacionarmos. Afinal de contas, Vênus é exaltada em Peixes.