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Capítulo Oito........................... MARTE

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Índice Remissivo

Índice Remissivo

"Monsieur Parolles, nascestes sob uma estreia caridosa." "Sob a influência de Marte." "Foi o que pensei, sob Marte." "E, por que sob Marte?" "As guerras vos mantêm tão por baixo que deveis ter nascido sob Marte." "Quando estava predominante." "Penso antes que estivesse retrógrado." "Por que pensais assim? " "'Recuais sempre quando lutais." — Shakespeare, Tudo Está Bem Quando Acaba Bem, I, II

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Os astrólogos dos períodos medieval e renascentista observavam o progresso do Planeta Vermelho com perturbação, pois ele pressagiava guerra, febre e peste. Os gregos viam com igual reserva o deus Ares, cuja domínio era a guerra. Ele era filho legítimo de Zeus (Júpiter) e Hera (Juno), embora se diga que ambos o odiavam. Deleitava-se na batalha e na violência gratuita; e, embora os heróis o adorassem ou buscassem desenvolver algumas de suas qualidades "marciais", também o temiam. Até mesmo Homero, cuja Ilíada glorifica as artes da guerra, não fala muito bem do deus que regia essas artes mortais: é chamado "assassino Ares", "violento Ares", e mesmo "Ares, assassino manchado de sangue e arrasador de cidades". Sua própria irmã

Ares, ou Marte, deus da guerra

Atená o chama "uma criatura da ira, feita de mal, um mentiroso de duas caras". E quando o deus da guerra é ferido em batalha pelo herói Diomedes, voa enraivecido de volta ao monte Olimpo para queixar-se a seu pai. Mas Zeus lhe diz: "Não te lamentes a mim, seu mentiroso de duas caras. Para mim, és o mais odioso dentre todos os deuses do Olimpo. Guerras, brigas e lutas são caras a teu coração."62 Ares tinha uma irmã gêmea chamada Éris (discórdia), que o acompanhava no campo de batalha e que gostava de fomentar animosidades espalhando falsos boatos e ciúmes. Seus dois ajudantes eram o Terror e o Medo. Seu animal era o cão, seu pássaro o abutre, e era associado à região da Trácia, no norte da Grécia, normalmente vista como "bárbara" (apesar do fato de que Orfeu, o poeta, também era trácio). Não havia templos para o deus da guerra, nem lugares sagrados63, embora se possa dizer que seus lugares sagrados eram os campos de batalha. É raramente mencionado na mitologia. Excetuando-se Afrodite, que adorava o seu amor fogoso, e Hades, que gostava de recrutar os mortos na guerra para seu domínio subterrâneo, Ares gozava de pouco favor ou admiração no monte Olimpo. Seu pai, Zeus, tinha pouco respeito por seus modos guerreiros e briguentos, preferindo o jeito sensato e racional de Atená. Na batalha, Ares não era um estrategista frio como Atená. Perdia freqüentemente a calma, partia para a batalha de cabeça quente e no momento errado. Não apenas suas

62. Homero, A Ilíada, diversas edições. 63. Graves, Robert, The Greek Myths, ibid., vol. 1, pp. 73-4.

paixões o levavam à batalha, como davam a motivação para todas as suas ações. Ele pode assim ser relacionado facilmente ao planeta "vermelho", já que o vermelho é a cor que surge quando o temperamento atinge o ponto de fervura — e é também a cor do sangue.

Contudo, se Ares era raramente honrado na Grécia, em sua encarnação como o romano Marte só ficava atrás de Júpiter em escalão. Era considerado patriarca de Roma, sendo pai de Rômulo e Remo, os fundadores da cidade. Para os romanos, que glorificavam os heróis de guerra e as artes "marciais", Marte era um deus heróico; seu nome era invocado nos campos de batalha. O mês de março recebeu seu nome, pois era a época em que o clima da primavera permitia que as tropas voltassem a se mobilizar. No mapa astrológico, Marte é o guerreiro. É também considerado a força de motivação ou nível energético por meio do qual a pessoa é impelida a agir. Considerando sua mitologia, podemos deduzir que Marte age independente e rapidamente — quando surge a urgência, nada pode detê-lo. Esse é o perigo de um Marte descontrolado no mapa. Claro, qualquer planeta que opere independentemente e de forma descontrolada é perigoso, mas Marte o é ainda mais. A forma como essas urgências se manifestam em um indivíduo podem ser determinadas examinando-se o Marte astrológico.

Os babilônicos chamavam o planeta Marte de Nergal e, assim como entre os gregos, ele simbolizava o deus da guerra. Mas Nergal era mais do que apenas um deus da batalha: era o Sol do meio-dia que castigava a terra e queimava a pele; era o deus da praga e da epidemia e de todos os desastres concebíveis. Está escrito que Nergal irrompeu na terra dos mortos, depôs a rainha sombria que ali reinava e declarou-se rei do mundo subterrâneo. Outras fontes, porém, afirmam que eles chegaram a alguma espécie de acordo e Nergal governou ao lado de Ereshkigal; assim, a terra dos mortos tinha um rei e uma rainha, como os gregos Hades e Perséfone64 .

A cabeça de Ares numa moeda de bronze dos Mamertioni, mercenários Oscan que residiam em Messina, Sicília, entre 220 e 200 a.C. Da coleção de Michael A. Sikora

64. Gray, John, Near Eastern Mythology, ibid., p. 23.

Em todo caso, podemos ver que Nergal era associado tanto ao Sol (o calor do meio-dia) quanto à escuridão (o mundo subterrâneo). Isso é significativo, pois mostra que Marte está simbolicamente ligado ao Sol e a Plutão, e que esteve ligado a esses dois arquétipos desde o período babilônico, talvez até mesmo desde o início da civilização da antiga Suméria. Essa ligação é claramente representada na mandala astrológica, pois o Sol é exaltado em Áries, um signo regido por Marte, e Plutão, descoberto em 1930, recebeu regências sobre Escorpião, um signo anteriormente regido por Marte.

Se pensarmos em Marte como uma ação vigorosa, podemos ver que tem afinidades com o Sol. E, se pensarmos em Marte como deus da guerra e da destruição, podemos compreender suas afinidades com Plutão. Mas, qual é o processo psicológico exato simbolizado por Marte e como difere dos processos de Plutão e do Sol?

Nesse contexto, é útil considerar um mito hindu. Na Índia, Marte é associado ao deus Kartikeya. Essa divindade nasceu da necessidade; os deuses estavam sendo aterrorizados por um demônio que, de acordo com uma profecia, só poderia ser morto por um "filho de Shiva com sete dias de idade". Os deuses criaram uma bela ilusão, na forma de uma mulher tão tentadora que mesmo Shiva, o grande asceta, foi forçado a ejacular ao vê-la. Seu esperma ardente caiu no oceano e foi nutrido pelas Plêiades, viúvas dos sete rishis (que são, na verdade, as estrelas da Ursa Maior). Elas fizeram um útero de terra e água para a criança não nascida e em sete dias Kartikeya, o deus da guerra, surgiu para matar o demônio65 .

Marte, conseqüentemente, trata do poder e da determinação de que precisamos para matar nossos demônios interiores. Assim como Nergal desceu ao mundo subterrâneo, as forças de Marte emergem de nosso próprio subterrâneo pessoal (Plutão). O poder diáfano de nossos complexos psicológicos, temores e fobias agita-se em nossa escuridão interior até que finalmente explode (Marte rege as explosões) e surge na superfície. Não é de se espantar que Marte seja uma força tão destrutiva! Ele emerge na consciência trazendo consigo toda a energia negativa de nossos demônios interiores. Naturalmente, isso pode causar brigas, discussões, um estado de guerra iminente entre nós e outras pessoas. Mas, a mesma energia que explode com tanta violência em nossa consciência pode também ser transformada em uma coisa boa, pois é a mesma energia poderosa que pode ser usada para combater o nossos demônios interiores, para declarar-lhes guerra. O poder de Marte, logo que surge do mundo plutoniano do inconsciente, é uma força intensamente sexual — o que faz sentido, pois está ligado aos complexos

65. Behari, Bepin, Myths and Symbols of Vedic Astrology, ibid., pp. 77-80.

Representação alegórica da Vida das Crianças do planeta Marte, de uma gravura italiana de Gabriele Giolita de Ferrari, 1533

psicológicos do inconsciente pessoal. O elemento sexual de Marte sempre foi conhecido no mito; Ares era amante de Afrodite e Kartikeya nasceu do esperma ardente de Shiva. Em Marte, vemos as ligações entre sexo e agressão, entre desejo e ação.

Mas, o que devemos fazer com essa força sexual quando ela irrompe do reino de Plutão para perturbar nossas horas de vigília? Marte tem uma energia que, em seu estado primordial, não tem senso de direção — mas quando ligado a um forte senso de finalidade, pode realizar todas as coisas. Dessa forma, o planeta da direção consciente (o Sol) é exaltado em um signo regido por Marte, enquanto o próprio Marte é exaltado em Capricórnio, signo regido por Saturno, símbolo da disciplina. Quando a energia crua de Marte é controlada por uma finalidade consciente, ou seja, quando está sujeita ao Sol, símbolo do "Eu", o equilíbrio e o poder pessoal se tornam possíveis. E quando é dirigido pela disciplina de Saturno, a força explosiva de Marte pode mover montanhas. Marte corresponde ao guerreiro interior, um dos mais importantes arquétipos masculinos. Mas, como aponta o poeta Robert Bly, a maioria dos homens dos Estados Unidos hoje em dia foi criada com exemplos muito negativos do arquétipo do guerreiro66. O "guerreiro americano" luta pela manutenção do império ou porque recebeu ordens para lutar (tipicamente por uma causa que não era a sua própria) ou, como Rambo, simplesmente pelo gosto de matar. Bly diz ainda que o verdadeiro guerreiro recebe suas instruções do "Rei interior"67. Em terminologia astrológica, diríamos que Marte deve receber suas instruções do Sol. Ele deve lutar pela causa da consciência. O rei interior, como vimos, foi simbolicamente identificado na alquimia com a força solar — o "Sol interior" ou "rei

Uma gravura de Ares do interior" são um só. Da mesma maneira, os século XIX, reproduzindo o alquimistas viam o Sol ou rei como o poder original em Villa Ludovisi, e vital essencial ao "Eu", essa Roma individualidade multidimensional, centrada em Deus e que é o objetivo de todo trabalho espiritual68. Quando o "Eu" dirige

66. Bly, Robert, Iron John, ibid., pp. 146-79. 67. Bly, Robert, Iron John, ibid. 68. Jung, Carl G., Mysterium Coniunctionis, ibid., passim.

o guerreiro, grandes coisas se tornam possíveis: o poder do guerreiro é dedicado ao crescimento pessoal ou, como diriam os hindus, à conquista de nossos demônios interiores. Como defensor e protetor de sua família, Marte merece algum louvor e reconhecimento. É verdade que defensores e protetores leais de qualquer causa são mobilizados a agir quando Marte está dominante no mapa. Marte representa esse tipo de reação rápida — do estômago, não da cabeça.

A mitologia de Marte provavelmente trouxe a base para nossas considerações originais sobre seu comportamento num mapa astrológico, mas há mais do que isso. A pesquisa estatística mais aclamada e reconhecida no campo da astrologia é creditada aos Gauquelins, que passaram anos estudando os mapas de pessoas famosas para confirmar a significância planetária. Suas descobertas os surpreenderam. Um Marte proeminente, por exemplo, produziu indivíduos que se destacaram em carreiras científicas, médicas, militares e de negócios. Do lado oposto, Marte aparecia menos para escritores, artistas e músicos69. Outros estudos concluíram que Marte é proeminente nos mapas de campeões esportivos com "vontade de ferro", em uma seqüência estatística bastante alta70 . Embora isso não surpreenda muitos astrólogos, que sempre acreditaram que a natureza de Marte era excelente em recrutamentos militares e nos esportes, a surpresa foi a área do mapa que Marte ocupava, setores conhecidos dos astrólogos como a Nona e a Décima Segunda Casas. São áreas em que o planeta em questão acabou de subir (12ª) ou culminou (9ª). Dessa forma, a força do planeta não depende do signo em que ele está na hora do nascimento, nem mesmo dos aspectos planetários envolvidos, mas do setor da carta em que ele aparece. Ao contrário da crença popular, Marte na Décima Segunda Casa não é nada letárgico

Ares, ou Marte, deus da guerra nem apático; na verdade, sua presença ali fortalece sua natureza. Uma vez que todos os planetas que se mostraram poderosos em diversas

69. Gauquelin, Michel, The Cosmic Clocks, ibid., p. 191. 70. Gauquelin, Michel, Cosmic Influences on Human Behavior, ibid., p. 89-103.

profissões apareciam nesses mesmos setores, podemos também concluir que essas duas Casas (a Nona e a Décima Segunda, que são as localizações naturais de Sagitário e Peixes, co-regidos por Júpiter) representam as crenças e convicções mais profundas de um indivíduo. Eles são portanto levados à ação pela presença de certas energias planetárias, notadamente Marte.

Em sete de cada dez mapas dos presidentes americanos, uma localização angular de Marte surge em lugares pelo mundo em que atos abertos de agressão existiram entre aquela nação e os Estados Unidos e nos lugares para os quais o presidente resolveu enviar unidades militares71. Claro, com Marte angular no mapa dos Estados Unidos (seja usando o mapa de Gêmeos ascendente ou o de Sagitário ascendente, mais popular), a propensão a "atirar com o coração" e promover ardorosamente a luta e a morte pela pátria pode ser uma resposta natural para toda a nação. Mas, como mostraram os dados dos Gauquelin, esportes competitivos também são regidos por Marte, e são uma útil válvula de escape para o fogo interior e a paixão que Marte simboliza de forma inata. Quando uma multidão de fãs do esporte estão envolvidos em algo como uma Copa do Mundo ou as Olimpíadas, a expressão de emoção e paixão crua é apropriada e mesmo encorajada. As pessoas que praticam esportes são também encorajadas por Marte e por isso têm mais sucesso na competição do que aqueles que não têm Marte proeminente em seu interior. De fato, pessoas que têm um Marte forte devem ser encorajadas a participar de esportes ou, ao menos, a realizar exercícios físicos rotineiros para dissipar todo aquele vapor quente dentro deles. Quando não podem fazê-lo, ou quando a função de Marte é reprimida em um indivíduo, a quantidade de sentimentos contidos dentro dele tipicamente resulta em ferimentos, explosões de violência e comportamentos abusivos que podem resultar em sérias conseqüências. Esse mesmo sentimento contido pode também se manifestar como uma doença (especialmente inflamação com febre), se for contido por muito tempo.

Outro símbolo de Marte, baseado em seus casos amorosos com Vênus e outras, é o amante ou o Don Juan. Culturas fortemente influenciadas pelo machismo podem estar coletivamente incorporando o arquétipo de Marte. Isso traz um ponto importante. No esquema astrológico, Marte é sempre o arquétipo "masculino", e seu glifo (e) é usado em medicina para identificar os espécimes masculinos. Porém todas as pessoas, tanto homens quanto mulheres, possuem um Marte. A sociedade encoraja os homens a "possuir" seu Marte e mostrá-lo de forma proeminente; mas, quando os meninos mostram pouco interesse

71. Lewis, Jim, e Ariel Guttman, The Astro*Carto*Graphy Book of Maps, St. Paul, MN, Llewellyn, 1989, pp. 153-207.

Vênus entregando uma taça a Ares, da obra Kunstbüchlin de Jost Amman, publicada por Johann Feyerabend. Frankfurt, 1599

em se identificar com seu arquétipo de Marte, são com freqüência reprimidos, especialmente por outras crianças. Quando não gostam de esportes ou outras atividades "de macho", são vistos como efeminados. Isso deixa cicatrizes que por vezes ferem ainda mais profundamente do que as cicatrizes da batalha real.

Por outro lado, as mulheres são dissuadidas de desenvolver seu Marte interior, que poderia tornar-se uma força altamente motivadora em sua própria estrutura. Mostrar qualquer tipo de raiva ou agressão é um tabu para as mulheres, especialmente as que cresceram em contextos conservadores ou tradicionais, como na América do Sul, onde elas precisam sorrir, parecer bonitas e reprimir qualquer comportamento espirituoso natural. É por isso que Scarlet O'Hara tornou-se um arquétipo cultural popular — ela quebrou todas as regras mostrando seu Marte forte em um mundo em que Marte era quase inteiramente reprimido em mulheres.

Para esses dois grupos — as mulheres que foram ensinadas a reprimir seu Marte e os homens que foram vitimados como resultado de um Marte naturalmente "brando" —, um Marte aflito no mapa astrológico pode trazer sérias conseqüências. Muitas mulheres na meiaidade revelam uma repentina tendência a sentir incontrolável raiva e hostilidade por acontecimentos aparentemente pequenos. Isso é com freqüência notado pelo astrólogo como um trânsito ou progressão significativa para o Marte natal, um planeta que até então havia sido inteiramente ignorado e que agora busca um escape. É importante perceber que, em tais casos, a raiva pode levar algum tempo para conseguir sair, já que esteve trancada por tanto tempo. Da mesma maneira, quando os homens atingem a crise da meia-idade após anos castigando-se por sua aparente falta de fervor marciano, devem aprender que têm um espírito cruzado — embora seu espírito possa ser melhor empregado em alguma causa social ou espiritual do que na arena de gladiadores dos negócios e ou dos esportes.

Quando se atinge a consciência — com qualquer aspecto —, os pontos cegos são suavizados e ficamos realmente encarregados de nossas vidas. Essa é a verdadeira beleza de se compreender os arquétipos astrológicos e como eles operam em nossos mapas — são um espelho para que vejamos diante dos olhos aquilo que, de outra maneira, só poderíamos sentir ou adivinhar, tornando assim consciente o que de outra forma seria inconsciente.

Ceres, da obra Kunstbüchlin de Jost Amman, publicada por Johann Feyerabend. Frankfurt, 1599

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