Ed.15- Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre

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Almanaque NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 8 • NÚMERO 15

AGOSTO • 2018




Almanaque NÓS PROJETOS DE CONTEÚDO • ANO 8 • NÚMERO 15

AGOSTO • 2018

ISSN 2526-3129

Pra começar... NOSSA CAPA

DESENHO TÉCNICA MISTA SOBRE PAPEL - HÉLIO DE LIMA PROPONENTE

ROSILEI FERREIRA MACHADO.

HISTORIADORES

Antônio Pereira Jane de Fátima S. Rodrigues Júlio Cesar de Oliveira Oscar Virgílio Pereira DIREÇÃO EDITORIAL

Celso Machado

EDIÇÃO E PROJETO GRÁFICO

Antonio Seara

PESQUISA E REPORTAGEM

Carlos Guimarães Núbia Mota COLABORAÇÃO

Ademir Reis Adriana Souza Arquivo Público Municipal Carlos Magno d’Armada Cristiane de Paula Cora Pavan Capparelli Edelweiss Teixeira Jr Gilberto Gildo Moabe Esteves Olívio Calabria Pholyana Faria FOTOGRAFIAS

Acervos pessoais Arquivo Público Municipal Arquivos pessoais CDHIS (UFU) Cesar Ortega Clayton Mota Close Comunicação Pedro Henrique Silva REVISÃO

Ilma de Moraes TRATAMENTO DE IMAGEM

Luciano Araújo IMPRESSÃO

Gráfica Breda Finalização e ilustrações: José Ferreira Neto AGRADECIMENTOS

Ady Torres • Ana Cristina Neves • Carlos Roberto Viola • Leda Alves • Lucas Capra • Maria Inês Bonnas • Maria Vidal • Martha Rodrigues • Pedro Eduardo Machado • Ricardo Batista dos Santos • Rosilei Ferreira Machado • Taísa Ferreira Machado PROJETO EDITORIAL

Nós Projetos de Conteúdo

(34) 3229-0641 Rua Eduardo de Oliveira, 175 384000-068 Uberlândia, MG

T

odas as cidades têm assuntos que se transformam numa espécie de “tabu”. São pouco abordados porque incomodam. E aí fica valendo a velha máxima: se incomoda, acomoda.

É o caso da discriminação racial em Uberlândia. Assunto espinhoso, difícil de ser conduzido, mas que não deixa de ser real, de ser concreto. Até mesmo, de ter deixado sequelas. Mas, somos daqueles que acreditam que mesmo sendo delicados, assuntos assim podem ser levantados sem ressentimentos, mágoas, justificativas. Melhor cuidar das feridas com carinho, para que possam curar mais rápido. Nesta edição, nos dedicamos um pouco a isto: negros de nossa cidade relembram fatos, passagens e desdobramentos de intolerância. Registramos também suas contribuições gigantescas na vida local. Em todos os sentidos e nos mais diversos segmentos. Certamente, vamos incorrer em eventuais equívocos, omissões, falhas. É o preço de quem prefere a crítica à comodidade da omissão. A cidade que surgiu no mesmo ano da libertação negra ainda tem que avançar muito no quesito discriminação. Queira Deus que Uberlândia siga seu caminho de ser uma só: a cidade de todas as cores! Até a próxima.

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Sumário TRADIÇÃO

A FAMÍLIA MARTINS

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PERFIL

DOUTOR NORIVAL

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REGISTRO

A DEUSA DO PROGRESSO

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MODA

AOS 70, O FIM DA RITZ

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C

M

HISTÓRIA

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DONA DOMINGAS, A IGREJEIRA

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CM

MY

ENTREVISTA

CY

ANTÔNIO PEREIRA

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CMY

K

LAZER

BÉCÃO VIROU CHURRASCO

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1888-2018

OS NEGROS EM UBERLÂNDIA

ARTISTA DA CAPA

HÉLIO DE LIMA

56

PERSONAGEM

WALDYR BONNAS

Patrocínio:

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60

Apoio:

Produção:

Incentivo: Projeto executado por meio da Lei Estadual de Incentivo a Cultura de Minas Gerais – CA 0074/001/2017


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Notas Mil Violas: No Guinness. Abaixo: Os idealizadores Polyana Faria e Tarcísio Manuvéi

MIL VIOLAS

Uberlândia no Guinness Book Num sábado, dia 28 de outubro de 2017, aconteceu a segunda edição do “Mil Violas”, evento idealizado pelo músico Tarcísio Pinto reunindo 661 violeiros e violeiras de mais de 100 cidades de 13 estados brasileiros. Neste dia, sob o comando do maestro Rui Torneze, formou-se a maior Orquestra de Viola Caipira do Mundo. A aprovação oficial pelo Guinness World Records aconteceu em 22 de julho de 2018. Na primeira edição, em 2015, o “Mil Violas” já tinha alcançado o impressionante número de 520 violeiros.

Iniciativa ousada, o segundo “Mil Violas” teve o sonho sonhado por muitos: ganhou o mundo, entrou para o Guinness Book, o Livro dos Recordes como Largest Viola Caipira Ensemble com a marca histórica de 661 participantes. Mais do que o número em si, o evento entrou para a história da cadeia produtiva da viola, colocando-a no cenário internacional. O ano de 2017 já havia trazido outro importante registro que foi o reconhecimento do modo de tocar e fazer viola como patrimônio imaterial do estado de Minas Gerais.

Muro elevado: quatro andares

POR FALAR EM RECORDE...

Muro tem altura de 4 andares A história de como foi construído e o porquê são bem interessantes, mas não vêm ao caso. O que vale aqui é o registro de que um muro na cidade de Uberlândia é certamente um dos mais elevados do mundo. Sua altura equivale a um prédio de 4 andares.


9 cafeína


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“Oranides Borges do Nascimento gostava do balcão. Jerônimo ficava do lado de fora conversando com os amigos da roça. Alair administrava...”

OS MARTINS

Da fazenda antiga ao atacado O início da saga familiar que gerou um império atacadista em Uberlândia

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á tanto tempo chegaram à região os Martins, que ninguém sabe quem foi o primeiro. Uns dizem que foi o “tio Cimino” (Maximino Martins da Silva), outros, que foi Joaquim Martins. Assentaram-se em vasta região que ficou conhecida como a “fazenda antiga dos Martins”, cujas delimitações são os córregos do Salto e da Divisa e os rios Uberabinha e Araguari. Emerenciano Cândido da Silva (Capitãozinho) e outros reuniram-se para cuidar dos melhoramentos na região. Ergueram uma capela nas terras de Hypólito Martins. Em torno dela nasceu o distrito de Martinópolis, nome dado em homenagem à família.

O desdobramento familiar resultou na divisão da fazenda em pequenos sítios, permanecendo o nome “Fazenda dos Martins” para a área total. Guido José do Nascimento e Sebastiana Maria de Jesus tinham ali seu sítio. Seus filhos, Maria das Dores de Jesus, Ernesto José do Nascimento, Joaquim Martins da Silva, Ivo Martins da Silva, Cândida Martins Gonçalves, Maria Abadia de Jesus e Luíza Maria de Jesus eram lavradores e pecuaristas. Martinópolis mudou de nome. Passou a ser Martinésia. Ainda não havia iniciado o êxodo rural e o distrito era bem movimentado. Tinha umas cem residências, grandes casas comerciais, como as de José Jacob Sales e Manoel

Caetano Machado, farmácia, bilhar, agência de correios. Guido (avô do Antonino) foi o bisavô dos Martins comerciantes e, Ernesto, o avô. Ernesto possuía sítio, próximo à Cachoeira dos Martins, com engenho onde produzia aguardente e rapadura, vendidos na região. Os descendentes desses Martins espalharam-se principalmente por Goiás. Poucos ficaram, como Jerônimo, filho do Ernesto. Jerônimo Martins do Nascimento nasceu em 1910. Casou-se com Lidormira em 1933. Em 1934, nasceu Alair Martins do Nascimento. Num pequeno sítio, próximo a uma cachoeira do Uberabinha, nasceram

Jeronimo Martins: com os filhos Oranides, Alair e funcionários ainda na época do Borges & Martins


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os outros filhos. Todos se aplicaram às atividades rurais. Como bom filho, Alair executava este trabalho com eficiência, mas tinha sonhos mais ambiciosos. Queria vir para a cidade, comerciar e estudar. Jerônimo acreditava nos seus propósitos, mas temia sua inexperiência. Resistia. Dona Lidormira era da família Borges e seus irmãos tocavam negócio de verduras e frutas na cidade. Alair convenceu a mãe que conseguiu o apoio da irmã Ondina, casada com Geraldo Ribeiro do Nascimento, proprietário do Armazém Ribeiro, na cidade. Alair vai trabalhar com o tio. Sua tia, Ondina, adoece e tem que se tratar em Campinas. Geraldo a acompanha. São 30 dias de tratamento. Alair fica administrando o armazém com total liberdade: compra, vende, paga e recebe. Quando os tios voltaram, tudo estava em ordem. Jerônimo acabou cedendo, diante do sucesso do filho. Vendeu tudo, trouxe a mudança, a colheita e algum dinheiro. Compraram terreno na avenida Brasil e construíram um armazém de varejo sob a razão social Jerônimo Martins do Nascimento & Companhia. Oranides Borges do Nascimento gostava do balcão. Jerônimo ficava do lado de fora conversando com os amigos da roça. Alair administrava. Inovaram a técnica de venda na cidade: os cereais que trouxeram, venderam a preço de atacado e os produtos básicos, como sabão, óleo, banha, açúcar cristal, café em grão, vendiam quase a preço de custo. Anunciavam os preços na Rádio Difusora. Compravam à vista grandes quantidades e revendiam o excesso para os concorrentes quase a preço de custo, o que já era um arremedo de atacado. O maior varejo, na época, era o Grandes Armazéns Colombo, na avenida Afonso Pena, esquina com a rua Goiás. Na Vila Operária (hoje, bairro Aparecida), ficava a Casa Marabá, seguida do Armazém Umbelino, na avenida Floriano Peixoto.

Jardineira que ligava Uberlândia ao Pontal, via Martinópolis

Dona Lidormira e seus irmãos.

Caminhões leiteiros, jardineiras e a peonada da Martinésia faziam ponto no Armazém dos Martins. A prosa com o velho Jerônimo se estendia. A empresa crescia. Vinham clientes do centro e de outros bairros. Em 1956, começaram a reven-

der produtos Antárctica. Era novo impulso para o atacado. A partir de 1958, os caminhoneiros começaram a adquirir mercadorias na praça revendendo-as em Mato Grosso, Sudoeste Goiano e Brasília.


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Dona Lidormira com os filhos, Alair, Oranides, Mário, Iolanda, Hélio, Celson e Edson Atacadistas Abriam espaço para os futuros grandes atacados. Olentino Tavares, Altamiro Borges são desses pioneiros. Brasília foi um empurrão que o comércio local recebeu. Muitos dos seus fornecedores eram de Uberlândia e as aquisições se faziam em todos os segmentos comerciais. Em 1964, o armazém já estava mais voltado para o atacado. A razão social mudou para Martins & Companhia. Colocaram vendedores fora da praça, adquiriram frota de caminhões e cobriam Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Brasília. Oranides fez as primeiras viagens para conhecer a clientela. Em 1966, a razão social mudou para Borges & Martins, só trabalhando no atacado. Até 1972, não existia uma equipe especializada na empresa, apesar de alguns bons profissionais. Alair centralizava todas as atividades. Foi constituída a Martins Comércio, Importação e Exportação e começaram a admitir empregados altamente especializados e a descentralizar a administração. Em 1973, mudaram-se para a avenida Floriano Peixoto, 2222. Em 1976, faleceu Jerônimo Martins.

A partir de 1978, a empresa cresceu e se diversificou. Hoje as empresas coligadas Martins fazem parte do Sistema Integrado Martins (SIM), que é composto pela Martins Comércio e Serviços de Distribuição (Atacado); o Tribanco, líder de sua área financeira; a Tricard, cartões de crédito; a Tribanco Corretora de Seguros; a Universidade Martins do Varejo (UMV); a Martins Distribuidora (MB); a Smart Supermercados, sites de e-commerce e o Instituto Alair Martins (Iamar). Trabalhando de forma sinérgica, essas operações apoiam a estratégia de promover o sucesso da pequena e média empresa, que é vital para o desenvolvimento sustentável da sociedade. Essa estratégia se baseia na oferta de soluções em financiamento do cliente; crédito para o consumidor; proteção de patrimônio; distribuição do sortimento de mercadorias; lojas; treinamento; tecnologia; educação social e sustentabilidade e comércio eletrônico. O atual Diretor Geral do Martins (CEO) é Flávio Lucio Borges Martins da Silva, filho de Antonino Martins da Silva Júnior, outro ramo da família.

OS FILHOS DE JERÔNIMO E LIDORMIRA ALAIR nasceu em 1934, é casado com Wanda Fernandes. Seus filhos Renato, Juscelino e Alair Jr. são acionistas e compõem os Conselhos de Administração das empresas do SIM. ORANIDES nasceu em 1935. Foi acionista do Grupo e faleceu em 2011. Foi presidente do Praia Clube e do Lions Clube Centro. Foi casado com Nazira e tiveram as filhas Sandra e Silvana. HÉLIO Martins Borges nasceu em 1945. Em 1966, mudou-se para São Paulo ocupando-se das compras. É acionista das empresas Martins, casado com Carmen e tem dois filhos: Hélio e Larissa. CELSON é ex-acionista do Grupo Martins. Casado com Lúcia, teve dois filhos: Celson e Marco Paulo. Foi presidente da Aciub por três gestões consecutivas (1982 a 1988). Fundador da Loja Maçônica Inconfidência Mineira. Além destes, Jerônimo e Lidormira tiveram mais três filhos: Mário, Iolanda (falecidos) e Edson.


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Quanto orgulho carregar seu nome em nossa identidade! Que sejam incontáveis e gloriosos seus dias.

31 de agosto.

Uberlândia, 130 anos.

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Batalhador persistente enfrentou inúmeros desafios para se tornar o médico de prestígio que é. Dayton, que é cardiologista, reforça isso: é um homem que merece todo nosso reconhecimento porque atuou numa época em que a Medicina era feita nos livros, na beira do leito com muita dedicação. Claro que hoje, ainda existem dificuldades na área, só que o acesso que temos hoje a recursos é completamente diferente”. Humildade é outro fator marcante de sua personalidade. “Sensibiliza todos que convivem com ele Doutor Norival: conversar com ele é aprender muito sobre pela simplicidade, que é sua característica Medicina e o lado humano do ser principal. É um marido e pai de família exemplar. Jamais o vi queixando-se dos múltiplos problemas que o afligem” ,enfatiza Hermilon. PERFIL Dayton complementa: “ele pode ter certeza ( e sabe disso) que é uma das minhas inspirações para ser médico e minha carreira foi sempre baseada no exemplo dele”. Conversar com ele é aprender muito sobre medicina, sobre as pessoas e o lado humano do ser, sobre a vida. Como pode ser percebido nesta entrevista concedida a Celso Machado em junho último. “Nasci aqui no Pau Furado. Minha Por CELSO MACHADO e NORIVAL RODRIGUES família era pobre. A gente morava num pedacinho de terra que o meu pai herdou. O dr. Norival carinho seus Não sei o que aconteceu comigo, que, Gomes Rodrigues clientes e colegas aos 3 anos de idade surgiu uma coisa é uma referênde profissão que impressionante: comecei a admirar muito acabam se tornan- uma semente. Mal sabia eu que ia ter que cia na Medicina Ginecológica do seus amigos”. estudar, muito mais tarde, uma semente de Uberlândia. O sobrinho e ainda mais fascinante. E assim, aos 3 anos, Profundamente médico Dayfui despertando para a vida. humano, é uma ton Fernandes Fiquei na roça muito tempo com o meu acrescenta: “ Em figura cativante. pai e vim para Uberlândia em 1934. Aí, 1957 quando veio outra lembrança que ficou: fui na FloriaPor isso, respeitapara Uberlândia trouxe um avando e querido. Inclusive por figuras no, lá em cima, na Casa Aliança do José ço do nível de ginecologia para a importantes da nossa área médica, Salles, outra pessoa boníssima e li uma nossa cidade e se tornou, um dos como o. dr. Hermilon Correa, que frase forte: “O dia do beneficio é a véspera obstetras de referência . Pelas mãos da ingratidão”. Por isso sempre agradeci e se refere a ele com muito carinho : dele nasceram filhas, mães, depois tudo que a vida e as pessoas me propor“Norival é uma pessoa admirável. netos. Várias gerações . Profissional competente trata com cionam.

Doutor Norival Referência de Medicina em Uberlândia faz relato sobre seus anos de formação


15 “Não posso conviver com o pecado da omissão. Que médico vou ser?”

Depois, mora aqui, mora ali, meu pai mudou para Anápolis, eu fiquei sozinho. Encontrei um homem que teve a confiança de me por morando do lado da casa dele, Bernardo Cupertino. Ele e esposa me consideravam, morei com eles muitos anos. E um dia não sei como e por que, resolvi ir embora para o Rio de Janeiro. Arrumei uma pensão, na rua do Catete 233. Morando lá fui procurar emprego. O Mário Cury, que também era aqui de Uberlândia, me falou: sei de um emprego, só que é de fazer limpeza. Trabalhar num almoxarifado, num laboratório de pesquisas. É lá na rua Pedro Toledo, na Cinelândia. Corri até lá, cheguei, o sujeito tava almoçando. Falei pra ele: “o Mário Cury mandou esta carta de apresentação”. Ele foi seco: aqui não tem conversa de Mário Cury não, você sabe onde é a rua da Assembleia? Não sabia onde era, mas falei que sabia. Ele disse, leva estes papeis, são documentos para assinar. O homem vai assinar e você traz de volta. Peguei os papeis, desci a rua, perguntei a um guarda: onde é a rua da Assembleia? Aí corri até lá, peguei as assinaturas e voltei. Quando cheguei, o cara sentado olhou e falou assim: você não sabia onde era a rua da Assembleia e foi lá. O emprego é seu. O emprego lá era num laboratório de pesquisa. Eu tinha que lavar aquele material que tinha um aspecto muito triste... Ia limpar o consultório de tarde e via as lâminas com os nomes. Tem isso, tem aquilo, comecei a ir no microscópio: bacilo disso, bacilo daquilo. Gostei muito do bacilo diftérico, um bacilo bonito. Eu namorava um diftérico. Fui decorando aqueles nomes todos e fui apaixonando, gostando da Medicina. Pensei. Vou

prestar vestibular para Medicina. Os rapazes aqui de Uberlândia, que eram meus colegas no Rio, falaram pra não tentar na Faculdade da Praia Vermelha. Aquilo lá é difícil. Respondi: tenho que entrar lá, porque lá é do estado e eu não tenho dinheiro. Fui e prestei o vestibular. Nem lembro quantos mil candidatos tinha. Quando saiu o resultado, tava lá meu nome. Fui aprovado no primeiro vestibular de Medicina. Formei e fui trabalhar num hospício. Você vê cada situação lá. Aprendi naquele ambiente que o médico que não tem simplicidade, o médico que não é humilde, que não é cristão, nunca fez Medicina de verdade. No Rio trabalhei com o professor Clementino Fraga. Um dia estava examinando um rapaz que ficara meu amigo, vendo aquele fígado grande, quando uma voz me perguntou o que era, nem olhei para trás e respondi: isso é um fígado gorduroso, primeiro estágio da cirrose. Olhei para ele e perguntei: quem é o senhor? Era o dr. Gilman, prêmio Nobel da Farmacologia. Ele que parecia um enfermeiro andava pelos corredores com a maior naturalidade. Esta mão, a minha, apertou a mão de um prêmio Nobel. Nunca vou esquecer isso. Eu vim para Uberlândia exercer a Medicina, no fim de 1957. Tinha um consultório sozinho, até que um dia o Santa Catarina me convidou. O Abdala era meu vizinho, foi quem fez o convite. Era ele, o dr. Duarte, Bolívar e Ivan. Fui para lá. Passados uns tempos, resolvi comprar uma parte e aí passamos a ser cinco donos. Quando deixei de trabalhar, saí e ele foi vendido para um grupo que

quebrou o hospital. No primeiro ano de funcionamento da Faculdade de Medicina, fui professor lá, atendendo ao pedido do José Olympio. Não conheço pessoa mais digna, mais honrada do que ele. Para mim, Medicina é vocação. Mas tem aqueles que fazem da Medicina um trampolim para a fortuna. Esses não têm consciência. Eu fui o primeiro médico de Uberlândia a fazer peridural. Ninguém fazia. Fui estudar fora, no Rio, em São Paulo e aprendi num filme fazer a peridural, facílima de ser feita, mas ninguém queria me ensinar, né? O que a pessoa pensa de mim é problema dela, o meu é o que penso de mim. É isso que carrego dia e noite comigo: quando chego na minha casa, beijo a minha mulher e as minhas filhas. Não é um qualquer, não, um fantasioso. É um homem pequenininho, mas é tábua de lei...”

Doutor Norival: Um marido muito apaixonado


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Isolamento: as posses dos primeiros fazendeiros ficavam longe de todo recurso, afastadas das principais rotas

A OCUPAÇÃO DO TRIÂNGULO

Como surgiu Uberabinha? A chegada dos sesmeiros e as origens do nome do primeiro vilarejo

U

m tema que merece indagação é o motivo da escolha de um local tão afastado da picada do Anhanguera, pelos entrantes que desbravaram a região do atual município de Uberlândia, trazendo famílias, escravos, cavalos, criações, animais domésticos, enfim, tudo que tinham. Por que razão eles se estabeleceram tão longe do contato com autoridades da época, tão longe da facilidade para abastecimento e da possível ligação com algum comércio, que na época eram os atrativos para gente disposta a progredir? Para entender tal motivação, é preciso voltar ao tempo em que as autoridades coloniais tratavam de destruir redutos indígenas e quilombos e estimulavam a vida de colonizadores. Nos meados do século 18, as melhores áreas para sesmarias na capitania de Minas Gerais já haviam sido distribuídas, concentrando enormes latifúndios em poucas mãos. Chegou-se a um ponto em que ficou difícil conseguir uma gleba. Foi então que a cobiça se voltou para a região triangulina, então ainda parte da capitania de Goiás. Havia muita terra a oeste para ser ocupada, lá para os lados da estrada do Anhanguera, no caminho para Vila Boa de Goiás e Cuiabá. Sem nenhuma cerimônia, o expansionismo mineiro cuidou de se apoderar das terras do atual Triângulo. Tra-

Por OSCAR VIRGÍLIO PEREIRA tou de estabelecer posses mineiras, através das incursões esbulhadoras de Bartolomeu Bueno do Prado e Ignácio Correa Pamplona em 1748 e 1769. A estratégia mineira, habilmente construída, consistiu em estimular ocupações, a maior parte delas direcionada por potentados como Pamplona, encarregado de distribuir sesmarias pelo governo mineiro, muitas delas para si próprio e outras entregues a parentes e gente de sua confiança. A intenção era criar o fato consumado, para que a Capitania de Minas Gerais pudesse invocar mais tarde o princípio do uti possidettis – “a terra deve pertencer a quem a ocupa” – tal como já fora usado por Portugal contra a Espanha no Tratado de Madri. O conflito então criado, entre os governos das duas capitanias de Goiás e de Minas, durou vários anos. Ambas expediam cartas de sesmarias na região do atual Triângulo, embora, por direito, somente Goiás tivesse o direito de fazê-lo, porque o território lhe pertencia. O clima de disputa entre os governos deixava os interessados em se estabelecer no Triângulo inseguros quanto ao seu direito: em caso de conflito de terras por causa de esbulhos muito frequentes, a qual autoridade recorrer? A procura maior de terras triangulinas aconteceu na região de Araxá, mais próxima

da Minas antiga e se estendeu até ao redor da sede da atual cidade de Uberaba, onde também aconteceu considerável ocupação. Em 1811, era grande o número de fazendas e já estava formado o Distrito de Uberaba, onde em 1820, foi criada uma Paróquia. 1 Através de forte ação política, o muito prestigiado governador de Minas Gerais conseguiu que Portugal desmembrasse o Julgado goiano do Desemboque, criando o novo Julgado de São Domingos do Araxá. Os moradores de Araxá, cada vez mais fortalecidos, acabaram por conseguir que o Triângulo todo fosse incorporado a Minas Gerais, através do alvará de 1816, expedido por D. João VI, que regia em nome de D. Maria I. Naquele clima de ocupação, eram inevitáveis as disputas pela posse da terra ou pela demarcação de divisas. A maioria das questões era decidida segundo a lei do mais forte, aplicada por jagunços e camaradas, salvo quando as partes eram gente protegida ou poderosa que tratava suas divergências na Justiça. Invasores passaram até a expulsar os índios bororós e chacriabás das terras que lhes foram prometidas como recompensa pela sua participação no extermínio dos caiapós, as chamadas “ terras aldeanas”, que ocupavam três léguas de largura,


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Ocupação: sesmeiros se instalaram antes de receber os títulos de posse sendo légua e meia de cada lado da Picada do Anhanguera. Em 1822 ainda havia notícia desses esbulhos. O militar Tenente Francisco Inocêncio de Miranda, responsável pelo Registro do Rio das Velhas, chegou a pedir autorização para prometer terras aos novos entrantes em outro lugar, pois desejava “empurrá-los” para “ terras incultas, místicas aos circunvizinhos desta Província e Aldeias...“ Ele se dirigiu ao Governo da Província nestes termos: “vendo eu o quanto me tem custado a defender as terras das aldeias para que não entrem os Portugueses ... suplico a V. Exas. o sábio parecer se poderei influir aos mesmos povos que tão ambiciosos vivem das terras dos índios a que estes entrem com uma bandeira a descobrir o torrão incógnito e ao que se vê nas vizinhanças deste Rio das Velhas.”

Os primeiros sesmeiros É nesse contexto que entra João Pereira da Rocha. Ele não era um aventureiro especulador ou negociante de terras, mas sim homem da roça, plantador e criador de gado, pessoa pacífica. Quando entendeu de se transferir de Paraopeba para esta região, tratou de se informar antes sobre terras desocupadas. Procurou a autoridade máxima na região, que era o Major Antônio Eustáquio de Oliveira, do Distrito de Uberaba. Quem tinha juízo fazia isto. A primitiva estrada do Anhanguera, caminho para Vila Boa de Goiás, assim que cruzava o Rio Grande e chegava a Uberaba, pendia para a direita, continuando no rumo das atuais cidades de Indianópolis (“aldeia de Sant’Ana”) e Cascalho Rico (“aldeia do Rio das Pedras”). Havia um desvio a leste, que levava à sede do Julgado do Desemboque. Bem aconselhado, Rocha então escolheu terras longe de Uberaba e afastadas da

picada do Anhanguera. Evitou até mesmo uma certa área vaga muito atrativa, porque encontrou lá um sinal de posse, um simples tronco marcado por uma inscrição, onde mais tarde surgiria a “Fazenda do Letreiro”. Na terra que ocupou, surgiu a Fazenda São Francisco. Ele obteve carta de sesmaria em 19 de maio de 1821. Antes dele, outros haviam adquirido terras próximas, tanto que seu documento assinala a existência de vizinhos : Francisco Soares Pereira, Anna Francisca e Bento José de Godoy, este pessoa importante de Araxá. Pela mesma forma, guardando prudente distância das ocupações perto do arraial de Uberaba, como se vê pelas denominações constantes de suas cartas de sesmarias, vieram conterrâneos e parentes de João Pereira da Rocha, a saber : José Joaquim Carneiro (1820 - margens do Rio Joaverava), Francisco Rodrigues Rebelo (1821 - Paragem do Rio Claro, Sertão da Farinha Podre, Julgado do Desemboque), Demétrio José de Andrade (1822 - Paragem do Rio Joaberava, sertão da Farinha Podre, Julgado do Desemboque) e Joaquim Pereira da Rocha (1822 - Morro da Boa Vista, Sertão da Farinha Podre, Julgado do Desemboque). Todos tiveram suas cartas de sesmarias expedidas entre 1820 e 1821. Como a tramitação burocrática para definição de uma sesmaria era demorada, pode se concluir que aqueles primeiros sesmeiros se estabeleceram lá antes de receberem seus títulos. José Alves de Rezende, (1821 - Paragem do Monjolinho, Julgado do Desemboque), que se estabeleceu na região chamada de Monjolinho, a única que ficava perto da estrada, viu-se obrigado a pleitear em juízo, na condição de réu, contra Bento José de Godoy, seu confrontante. A região onde se estabeleceram João Pereira da Rocha e os outros seus primeiros

vizinhos distavam muitos quilômetros do arraial de Uberaba. Ou seja, as posses dos primeiros fazendeiros da região da atual Uberlândia, localizados a oeste da Picada, ficavam isoladas e longe de todo recurso, muito afastadas das rotas que levavam aos pontos maiores do sertão. Natural, pois, que aquelas terras tivessem valor muito menor que o das terras mais próximas do florescente Distrito de Uberaba.

Uberaba Verdadeiro Depois de proclamada a Independência em 1822, continuou crescendo a diferença de valores quando foram criados, em 1831, os municípios do Desemboque e de Araxá. E mais ainda quando a Vila do Desemboque foi extinta e parte de seu território foi incorporada ao novo Município de Santo Antônio de Uberaba (Lei n° 28 de 23 de fevereiro de 1836). Enquanto ocorriam tantas mudanças, as ocupações distantes ficavam excluídas dos benefícios trazidos pelo crescimento da região de Uberaba. Com esta só tinham em comum a denominação geral daqueles lugares ocupados, que era Sertão da Farinha Podre. Alguém, não se sabe quem foi, nem porque, havia chamado de Rio Uberaba Verdadeiro o maior rio que passava no local onde surgiria a futura Uberlândia. Esta denominação foi usada pelos cartógrafos da época. Pode ser encontrada em mapas antigos, como o de Francisco Tosi Colombina, elaborado entre 1749/1755. Neste mesmo mapa, o rio que passava perto do arraial de Uberaba era designado como Rio Uberaba Falso. Luiz D’Alincourt deixou registradas em 1818 aquelas denominações em sua famosa obra descritiva : “No fim de mais de duas léguas termina a planície e podem então satisfazer-se os viajantes, em um cristalino ribeirão, que vai correndo por cima de pedras; e principiando então a descer chega-se ao lindo ribeirão da Uberaba-Verdadeira, junto ao qual existe um só, e pobre morador quatro léguas e meia distante do Tijuco.”


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Urbanização: “A dificuldade para ligações inspirou a opção uberabinhense pelo destino urbano” Saint Hilaire, que passou pelos mesmos lugares em 1819, também anotou essas grafias: “Paramos às margens do Riacho Uberaba Verdadeira, que deságua no Rio das Velhas”. A narrativa do sábio se refere também ao rio que passa perto do arraial de Uberaba como “Rio Uberaba Falso” .5 Todavia, nenhum proveito havia para João Pereira da Rocha e seus vizinhos que o seu rio fosse o Uberaba verdadeiro ou o Uberaba falso, ou que seu território fosse parte daquele nome tão ridículo: Sertão da Farinha Podre. Melhor seria que as suas terras fossem consideradas como parte da pujante Uberaba, assim como também o arraialzinho que começava a surgir, onde, em 1832, passou a morar um mestre escola e ferreiro, Felisberto Alves Carrejo. O defeito da distância não poderia ser consertado. Contudo, os antigos consideraram, com muito acerto, que o malsinado desprestígio poderia ser atenuado pelo uso de uma denominação que criasse alguma identidade com a parte melhor do Triângulo, ou seja, aquela situada mais próxima da povoação de Uberaba. Era, e ainda é comum, o acontecido em outras bandas, de se dar a uma região nova a denominação de algum lugar importante já existente, com acréscimo dos adjetivos “Nova” ou “Novo” ( Nova York, Novo Hamburgo, Nova Odessa). Mais frequente tem

sido o uso de diminutivos: no Brasil há 124 municípios com nome terminado em “inho” ou” inha”, sendo 14 apenas em Minas Gerais. Esta espécie de novas toponímias não depende, no início, de nenhum ato oficial. Existente o sentimento, a parte seguinte foi dar-lhe forma. Sem que se saiba como, surgiu o nome de “Uberabinha”. Simplesmente apareceu de modo espontâneo, caiu no agrado geral, “pegou” e foi ficando. Diferente do nome da sede, mas nem tanto, com jeito de meia imitação, até carinhosa. Não era propriamente “Uberaba”, mas parecia : “São Pedro de Uberabinha, incorporando o nome de santo que João Pereira da Rocha dera a um córrego de sua sesmaria. Bem melhor que ”Farinha Podre” ! Cabe agora comentar que uma história como esta pode ser facilmente desvendada quando se examina o reflexo das situações de fato sobre os costumes ou conveniências de populações. Tudo tem seu motivo. Foi assim que conseguimos suprir a falta de registro formal específico do primeiro surgimento do nome ” Uberabinha”. Se alguém encontrar escritos que provem o contrário – do que sinceramente duvidamos – ficará o dito por não dito. Com o fim da lei das sesmarias, chegou muita gente nova e ocupou terras sem título algum. Quando o arraial passou a ser um Distrito (Lei 602 de 21 de maio de 1852), foi

simplesmente oficializada sua denominação já consolidada pelo uso: “São Pedro de Uberabinha”, conservada quando alcançou o status de Município (Lei 3643 de 31 de agosto de 1888). Depois, este nome foi reduzido para “Uberabinha” (Lei 843 de 7de setembro de 1923). Tudo sem rejeição nem hostilidade, e contando com total apoio político de Uberaba. A dificuldade para ligação com Minas Gerais inspirou não só a opção uberabinhense pelo destino urbano, mas também a abertura de estradas e a ferrovia para ligação comercial com Goiás, São Paulo e mais regiões até onde foi possível chegar. Daí, conquistada sua identidade própria, Uberabinha resolveu mudar de nome, o que desta vez foi processado através de um concurso público, com a escolha da sugestão mais votada : Uberlândia ( Lei n°. 1.128 de 19 de outubro de 1929). Escolha feliz a palavra “Uberlândia”, por conservar metade do nome original, um toque de homenagem à terra-mãe. Tirou-se o diminutivo, mas ficou perpetuado o antigo nome da cidade, dado ao rio que banha Uberlândia, o qual deixou de ser o “Uberaba Verdadeiro”, passando a ser “Rio Uberabinha”. E o rio “Uberaba Falso” passou a se chamar apenas “Rio Uberaba”.


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Uberlândia

POR SEUS 130 ANOS. A Unicred tem orgulho de fazer parte dessa história até aqui e mais ainda pelo que está por vir, cooperando para o desenvolvimento de Uberlândia. 31 DE AGOSTO. aniversário de uberlândia. uma homenagem da unicred aliança

unicred.com.br


Carlos Baraldi: “A Deusa do Progresso”, 1917(?) Museu Municipal

HISTÓRIA

A Deusa do Progresso A mulher como metáfora do desenvolvimento Por JANE DE FÁTIMA SILVA RODRIGUES

A

o longo da pesquisa nos jornais que circularam em Uberlândia desde a primeira década do século 20 até os anos de 1950, um aspecto das notícias que discorriam sobre o crescimento e o desenvolvimento do município era recorrente: em inúmeras delas, a cidade era descrita utilizando-se como metáfora a mulher. O jornal O Progresso, de 23/03/1910, nº 123, inaugura essa imagem: “Minha adorada Uberabinha, sejam estas palavras de amplo carinho a ti que estimo e quero com devotado amor.

Linda moçoila de encantos sem fim e virtudes sem par... dama de attractivos, vi-te minha bela, por instantes assim... Sorrio agora na nudez de tua beleza, porque só tú és bella e boa”. A imagem da mulher será ao longo dos escritos jornalísticos empregada em toda a sua extensão, como menina, moça, mãe, que a todos acolhem com graça e bondade. “Quem viu Uberlândia a quatro ou cinco anos tem a impressão dessas garotas que, ainda hontem eram meninas e a quem de repente um desenvolvimento precoce dá formas magnífi-

cas e radiosas de mulher”, escreveu Ary de Oliveira no jornal Correio de Uberlândia (07/01/1939, nº 237). E, como um apaixonado, pergunta o poeta Benjamin Oliveira: “Uberlândia é moça, é bela e seducção feito mulher, e como não se sentir logo atrahido pelos seus encantos?” (A Tribuna, 02/06/1940, nº 1405). Em uma exaltação maior, Correia Júnior, ao sobrevoar a cidade, assim se expressou: “Garota brejeira, ardejei sobre ti ... beijei-te do céu, sentindo tão frágil esse núcleo fecundo qual faz a tua grandeza ... garota faceira ... bem do alto contemplei tua beleza plácida e suave, tal como tu és tentadora garota ... que eu beijei-te também, orgulhoso e enamorado” (Correio de Uberlândia, 2/6/1940, nº 525). O rápido progresso do município, a laboriosidade de sua gente, os feitos de seus líderes incontestes foram narrados em música, prosa e verso. Tudo servia às mentes criativas dos autores para enaltecer suas realizações, assim como para combater suas mazelas ou o que consideravam desvios incompatíveis como o seu pujante desenvolvimento. Veiculava-se sua natureza pródiga com descrições belíssimas da topografia, fauna, flora e o clima. A uberidade de seu solo era descrita pelos dados de sua produção agropecuária em arrobas e cabeças de gado. Roberto Capri escreve: “A vegetação ribeirinha aparece como um imenso tapete verde de gramíneas, de que compõe o município. Os ares lavados, sempre diáfanos e serenos, o azul das collinas, o céu sempre claro, as noites geralmente frescas, tudo concorre para tornar Uberabinha eminentemente salubre pelo seu clima ameno e saudável” (O Município de Uberabinha, physico, econômico, administrativo e suas riquezas naturaes e agrícolas. 1916, p. 9.). Todos os adjetivos dados a uma menina, a uma mulher, foram tomados para se explicar o que a cidade representava no imaginário dos que faziam dela uma


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Delacroix: “A liberdade guiando o povo”, 1830. (detalhe)

figura feminina, como: coquete, faceira, trigueira, enigmática, catita, dentre outros. Dados estatísticos eram periodicamente fornecidos para se comprovar a capacidade econômica do município, assim, como qualquer iniciativa de cunho financeiro-empresarial, tinha destaque certo na imprensa. Os elogios, as ternuras estão multiplicadas nas palavras com as quais os cronistas, os visitantes e os seus moradores tratavam a cidade, como na frase atribuída ao ministro Francisco Sá: “Uberlândia, ainda não te conhecia e já te amava” (Correio de Uberlândia, 07/09/1939, nº 232) e na declaração de João S. de Melo “Tem tantos enamorados e cada vez te querem mais” (O Triângulo, 19/12/1956, nº 5). A imagem da noiva, enquanto um sonho masculino, voltava-se para a cidade, nos dizeres de Antônio Braga: “Qual noiva dainarosa em seu dia nupcial (Correio de Uberlândia, 02/04/1941, nº 678). Waldemar Paes, completa: “Uberlândia, cidade maior dos chapadões azues, banhada de luz no teu vestido nupcial, és bem a rainha dessas plagas abençoadas. Cidade noiva, toda feliz de luz e sol ... Que a tua grinalda de noiva dos chapadões azues seja sempre diáfana e pura” (Revista Alterosa, setembro de 1941, p. 41). É possível que os adjetivos e predicados conferidos à cidade, que expressavam conceitos de virtude e valores atribuídos ao sexo feminino, estejam relacionados com uma pintura que cobre parte da parede do segundo andar da antiga Câmara Municipal (hoje Museu Municipal). Esta pintura deve ter sido confeccionada entre os anos de 1917 (data da inauguração do Paço) a 1922, uma vez que aparece publicada no jornal A Tribuna de 1922. Assinado por Carlos Baraldi*, este quadro é, por si só instigante. Por que uma mulher seminua ornando um espaço do poder legislativo eminentemente masculino? Estaria ela representando a alegoria da República?

Que impacto teria causado em um local de exercício do poder? Como reagiram as senhoras locais ao saberem que uma mulher quase nua teria presença fixa entre os vereadores, podendo estes serem seus maridos? Como reagiram os homens? Se o quadro for a representação da República personificada na mulher, faz sentido, uma vez que o pequeno Arraial de São Pedro de Uberabinha foi elevado à categoria de cidade em 1891, dois anos após a Proclamação da República brasileira e o seu crescimento foi verificado a partir daí. Embora não tenham sido destacados, na pintura, alguns dos elementos básicos que compõem a alegoria feminina da República, outros componentes aparecem figurados na fertilidade, prosperidade e abundância. A beleza da modelo remete `a deusa grega Afrodite, que simboliza o amor, o sexo, a fertilidade e a beleza física. O ar de sabedoria alude à deusa ateniense Pallás Athēná, que representa também a civilização, a sabedoria, a estratégia em batalha, as artes, a justiça e a habilidade. Pode-se inferir que a pintura tenha uma tendência neoclássica representada sobretudo pelas asas. O ambiente rural sobressai com o azul do céu e colinas, já descritos pelos apaixonados pela cidade. Aos seus pés, a abundância, observada nos instrumentos de trabalho como a roda, ferramentas agrícolas, alimentos e flores. Ao seu lado uma criança, também com asas que, a grosso modo, indica a perpetuação da raça humana, que segura

uma cesta de frutas. Teria Carlos Baraldi utilizado uma modelo? Ou traria em seu imaginário artístico aquela imagem? Qual seria a relação entre a sua pintura e a alegoria da República? Para dar fundamento a essas indagações recorreu-se a vários textos e, dentre eles um autor em particular, José Murilo de Carvalho. Em “A Formação das Almas – O imaginário da República do Brasil” (São Paulo, Companhia das Letras, 1990), José Murilo de Carvalho analisa a utilização da imagem feminina como representação da República Brasileira, através de estudos da iconografia francesa que, inspirada na tradição clássica dos romanos, tomou a simbologia feminina como o ideal da liberdade. A mais célebre dessas representações é o quadro de Delacroix, intitulado “A liberdade guiando o povo”, de 1830, que retrata uma mulher simples, com os seios à mostra dirigindo uma multidão nas ruas de Paris. Essa alegoria, conhecida como obra prima da pintura universal, predominou na França até os fins do século XIX, como sinônimo de liberdade em oposição à monarquia. No Brasil, boa parte dos republicanos tinha formação francesa, o que contribuiu para a apropriação de imagens e símbolos daquele país. As alegorias femininas da República, representavam o símbolo da maternidade e o da virgem-mãe, trazendo quase sempre uma criança nos braços ou a seu lado, numa demonstração de fertilidade. Os seios nus acolhiam e alimentavam a humanidade. Vários elementos descritos por Carvalho são encontrados na pintura de Carlos Baraldi: a túnica romana que cobre o ventre e as pernas; na mão esquerda, a coroa de louros e as fitas verde e amarela (seria uma alusão às cores da bandeira nacional?); na mão direita, os instrumentos de trabalho – a roda, e, a foice; as frutas na mesa e no chão simbolizando a colheita; a criança ao lado representando


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a humanidade e, o olhar dirigido aos céus em busca da glória. A despeito dessas divagações inconclusas, a Deusa do Progresso lá estava na Câmara Municipal, embevecendo os olhares e as fantasias masculinas e, com certeza, despertando a ira de mulheres enciumadas. Efeitos contraditórios que pontuaram a história das relações sociais entre os sexos na cidade de Uberlândia. Mas uma coisa incontestável é que aquela pintura passara a simbolizar Uberlândia em todos os aspectos que apontavam para o progresso e um futuro glorioso. As descrições a seguir sobre a cidade remetem a isso: “Morena, meiga, brejeira, morena queimada do sol” (Correio de Uberlândia, 02/04/1941, nº 678). Chisostênio Rodrigues escreve: “Mulher radiante de beleza ímpar ... curvas perfeitas em suas alongadas avenidas ... um corpo esbelto, olhar altaneiro” (O Estado de Goyaz, 25/12/1943, nº 918). O jornalista Odilon Jr., assim se refere à cidade: “... Há dez anos atraz, quando eu sonhava umas calças compridas, Uberlândia era a menina de cabelinhos de trança, que sonhava com meias de seda” (A Tribuna, 06/05/1934, nº 790). Felizardo Fontoura, declarou: “Princesinha de olhos negros e cabeleira negra” (Correio de Uberlândia, 10/07/1942, nº 953) e, na crônica Hosanas à linda Uberlândia, explode o amor pela cidade: “Ó bela morena do Triângulo Mineiro ... sensual e estonteante deusa do Progresso” (Correio de Uberlândia, 09/08/1949, nº 2711). Ao lado desses devaneios ardentes e apaixonados, surgiram inúmeros cognomes para a cidade: Morada da Alegria, Cidade Jardim. Atenas Mineira, Cidade Sorriso, Princesa das Planícies, Meca Brasileira, e outros menos apreciados e utilizados em tom pejorativo: Moscou Mirim e Sucursal de Havana. Por que atributos femininos tão fortes e palavras sensuais e apaixonadas

Alegoria da República, 1896, Museu de Arte da Bahia como as encontradas foram relacionados à cidade? A associação da cidade à imagem feminina levou esta pesquisa a percorrer novamente as trilhas da criação do município. O contato com o professor Roberto Carneiro, neto de um dos filhos mais ilustres do município, José Theóphilo Carneiro, revelou por meio de um documento datado de 1851 e assinado pela sua bisavó, que Francisca Alves Rabelo, segunda esposa, viúva e herdeira do primeiro sesmeiro João Pereira da Rocha, fora a responsável pela venda de uma gleba de terra à Paróquia do Arraial de Nossa Senhora do Carmo e São Sebastião da Barra de São Pedro de Uberabinha. Os 400$000 (quatrocentos mil reis) para a compra foram colhidos de esmolas e da renda do Pasto da Santa. Estavam, portanto, criadas as condições para o florescimento do pequeno arraial, através das terras que pertenceram a uma mulher. Segundo informações colhidas nas entrevistas realizadas com o professor Roberto Carneiro, Francisca Alves Rabelo, nascida no centro de Minas, viera com o primeiro marido, Rodrigues Rabelo, apossar-se de terras cedidas pelo Governo Provincial, no Triângulo Mineiro. Viúva de Rodrigues Rabelo, herdou-lhe a propriedade e casou-se em segundas

núpcias, com João Pereira da Rocha que chegara a essas terras em 1819, estabelecendo-se na Fazenda São Francisco. Parte das terras recebidas como herança dos dois maridos, foi vendida à Paróquia que se constituiria no pequeno arraial de Uberabinha. Em terceiras núpcias, Francisca Alves Rabelo se casou com Joaquim José Carneiro. Desse matrimônio nasceram três filhas e um menino, José Theóphilo Carneiro, avô de Roberto Carneiro, que narrou essa História. Para ele, “Francisca movida pelo espírito religioso vendeu a parte do patrimônio dela `a Fazenda do Salto, que deu origem exatamente à cidade de Uberlândia”. Esse relato evidencia a presença efetiva de uma mulher na criação de Uberlândia, podendo ter influenciado na aplicação dos inúmeros adjetivos femininos utilizados para se referir à cidade, bem como sugerem os nomes colocados em discussão para substituir o de Uberabinha, como Gardênia, Esplanada, Pindorama, Yapira, Canaam e até mesmo Maravilha, como havia sugerido o Coronel Carneiro. A opção por Uberlândia, foi consagrada pela Lei Estadual nº 1.126 de 19 de outubro de 1929. Desta feita, conservaram-se as letras iniciais de Uberabinha, UBER, que significa fértil, fecundo, farto, abundante, com a palavra de origem inglesa LAND, aportuguesada para LÂNDIA, que designa, terra, território, lugar, local. Uberlândia foi traduzida como a terra da fertilidade e da fartura. O que pensaria a Deusa do Progresso sobre isso? *Inúmeros esforços foram realizados para obter dados sobre Carlos Baraldi. Encontramos uma referência ao nome Carlos Baraldi, como sendo responsável pela decoração do vestíbulo do Palácio Rio Branco, em Ribeirão Preto, inaugurado em 26 de maio de 1917 (https://www.ribeiraopreto.sp.gov. br/turismo/i71palacio.htm). O livro “Textos do Trópico de Capricórnio – Artigos e Ensaios (19802005)”, de Aracy Amaral, faz menção na página 65 a Carlos Baraldi e outros pintores em uma exposição na Argentina. Entretanto, não podemos afirmar que se trata da mesma pessoa.


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Surrel Attiê com a esposa Amélia e os filhos Sérgio, Eduardo, Fábio e Cláudia.

O ADEUS DA RITZ

A loja dos homens elegantes

Loja se despede depois de 70 anos como referência para a moda masculina da cidade

O

ano era 1948. No Brasil, o espírito nacionalista iniciava a campanha “O petróleo é nosso” e Uberlândia engatinhava rumo à industrialização. O comércio dava sinais de vigor e a vocação para o empreendedorismo já marcante em alguns empresários. Entre cavalos, charretes e poucos veículos, faltava que alguém se destacasse e trouxesse à cidade o espírito da moda cosmopolita. Coube a Surrel Attiê, jovem com tino comercial e muita disposição, trazer um pouco de luxo e requinte aos uberlandenses. Assim, no final da primeira metade do século passado, Attiê fez nascer a Ritz, referência para os

Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

homens da cidade durante sete décadas. “Nosso desejo, meu e de meus irmãos, é que essa obra tão linda, iniciada por meu pai, também terminasse com ele. Não teria sentido darmos continuidade. Esse talento era dele. Como brincou comigo um amigo: ele era a Thassia Naves dos anos 1950”, diz Eduardo Attié, único dos quatro filhos de Surrel que ficou à frente da Ritz, até seu encerramento este ano. A Ritz funcionou até há poucos anos no lugar onde nasceu, na praça Tubal Vilela, no coração da cidade. Quando surgiu, acabou provocando uma revolução nos costumes. “Meu pai, além de gosto apuradíssimo, primava por produtos de qualidade”,

diz o filho. De acordo com ele, na época, as lojas de moda masculina, em Uberlândia, eram A Goiana, a Real Camisaria e a loja Olido. “As características principais, que contribuíram para o sucesso de meu pai, foram, além do bom gosto, a disposição para viajar em busca das novidades. Eram poucos os que se dispunham a enfrentar estradas tão ruins, para ir buscar peças de confecções de renome em São Paulo e calçados de alto padrão em Franca”, explica Eduardo. A proposta da Ritz era oferecer roupas masculinas de alta qualidade em um padrão menos popular. A cidade se emancipava e entre os frequentadores da loja, estavam


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Surrel Attiê: “A Ritz sem ele não tem sentido, é uma loja sem alma”

Sucesso: “Bom gosto e muita disposição para trazer novidades”

personalidades de grande destaque na vida de Uberlândia. Eduardo relata, por exemplo, que vários clientes antigos mantiveram o hábito de comprar na Ritz para os filhos e netos. Ele cita os casos de Hélvio Cardoso, seu filho Wagner Cardoso e os netos Wolney, Wander e Wania, assim como Alexandrino Garcia, o filho Luiz Alberto Garcia e o neto Luiz Alexandre Garcia, além de Nicomedes Alves de Souza, seus filhos e netos. Para Eduardo, são muitas as lembranças dentro da loja ao lado do pai. Eduardo começou a trabalhar aos 9 anos e do avô herdou a aptidão para os negócios. Em Uberlândia, consolidou também uma marca jovem, surgida há 32 anos, a Oppen, “uma necessidade de oferecer moda jovem sem alterar as características tradicionais e clássicas da loja do meu pai. Lido também com outros setores do comércio. Até por isso, não faria sentido continuar à frente da Ritz”. Eduardo acredita que a melhor forma de homenagear o pai, assim como a história que a Ritz representa, é fazendo com que a loja se encerre com Surrel Attiê em vida. “Acho que meu pai tinha esse desejo, de ele próprio encerrar esta história, mas não tinha coragem. E não é pelo mercado. A loja vai bem, apesar da instabilidade financeira no país. É que a Ritz sem Surrel Attiê é uma loja sem alma. Ele é a alma do negócio”. Eduardo afirma que a Ritz foi, até encerrar as atividades agora em 2018 aos 70 anos, uma das lojas mais antigas do país. Para ele, apesar das transformações urbanas e da chegada de grandes lojas e magazines, a loja se manteve bem durante toda sua existência. Não tinha concorrência forte no século passado. E quando teve, enfrentou-a com os diferenciais que a consagraram.


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Dona Domi


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Miraporanga: vista aérea recente do distrito e, abaixo, a capelinha antes da reforma çou a fabricar seus queijos “prato”. Dona Domingas achava que sua chegada ajudou a recobrar um pouco da auto-estima daquela gente. Logo o lugar foi se arrumando. Outros moradores ajeitaram suas casas e seus quintais. Continuou a fabricar seus queijos, agora em sociedade com Francisco Camin, neto de José Camin. Lá iniciou outra profissão que a marcou pela vida toda: professora. Não que quisesse lecionar, mas as meninas pediram-lhe que lhes ensinasse a ler e a escrever. Começou a dar aulas em 1957. “Eu alugava uma casa e nela, além da fábrica de queijo, montei uma escolinha. Lecionei 5 anos sem ganhar nada.” O prefeito Afrânio Rodrigues da Cunha efetivou-a no quadro de professoras e criou a Escola José Camin. O cartório funcionava numa casa velha, muito antiga. Caindo. Foi demolida e construíram um cartório em frente à sua casa. Um cartório muitas vezes valioso. Seus livros guardam escrituras e registros desde 1863. Quem tomava conta desses documentos era Agenor Miranda. Quando se aposentou, nomearam D. Domingas escrivã. “Quando eu tomei conta do cartório, falei para o juiz que estava velha, que não podia tomar conta do cartório, mas com o tempo fui aprendendo e aí fui nomeada. Esse juiz foi o Waldemar Ferreira, pessoa muito séria.“ Havia dois templos em Miraporanga. A matriz de Nossa Senhora do Carmo e a capelinha de Nossa Senhora das Neves que, depois, se passou para Nossa Senhora do Rosário. O bispo dom Almir, de vez em quando, dizia missas na matriz que estava bem estragada. Visitava dona Domingas. Passava horas


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A capelinha hoje em dia: “não tém a frequencia de outros tempos. Mas ainda preserva grande parte da sua beleza” na sua casa. Um dia sugeriu a ela que demolisse a matriz, que estava muito acabada e construísse outra à beira da estrada, por onde todo mundo passava, inclusive as boiadas. E assim ela fez: em 1967, derrubou uma e ergueu outra. Para isso teve que arranjar dinheiro. Conseguiu com leilões, quermesses e todo jeito que fosse possível. Enfim, um dia colocou em pé a nova matriz. Pior estava a capelinha. Já tinha perdido parte do telhado, a parede do lado esquerdo e a metade da frente. Não tinha mais assoalho e nem imagens. Era tão difícil reconstruir aquilo que dona Domingas, para assegurar-se de que o pessoal não largava o serviço, tinha que ir lá todos os dias. Ainda assim, de vez em quando, algum peão sumia. Quando o dinheiro acabava, as obras paravam. Quando construiu a nova matriz, o Bira, artista plástico, entusiasmado carnavalesco, recompôs os santos e eles ainda estão lá. Na capelinha só encontrou uma Nossa Senhora do Rosário pequenininha. As outras foi o bispo dom Almir quem trouxe. Dona Domingas dizia que a família dela tinha o vício de construir igrejas. Acabou que ela teve que construir uma e reconstruir outra. Depois de pronta a capelinha, algumas vezes, dom Almir esteve lá dizendo missas.

Mas o povo não se acostumou com ela. Tinha muito marimbondo e acabou esquecida de novo. Quando Zaire Rezende foi prefeito, ela já estava em decadência novamente. Foi feita uma restauração por profissionais que a refizeram como era originalmente. À volta desta capelinha, pousaram os infelizes voluntários que seguiram para a Guerra do Paraguai. “Eles erraram o caminho e passaram por aqui. Ficaram encantados com a grama cuiabana, que é natural deste lugar.

Até pensaram que era Campina Verde, mas não era. Era Santa Maria”, contava d. Domingas Antes da reconstrução da capela foi tentado o seu tombamento, com o envio de documentos e fotografias para órgãos do Estado e da União. Nunca responderam. O então vereador Antônio Couto de Andrade resolveu fazer o tombamento aqui mesmo. E fez. Dona Domingas, professora, queijeira, costureira, parteira, construtora de igrejas e escrivã faleceu em 1998.

Miraporanga: o povoado nos primeiros anos do século 20


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31 ENTREVISTA ANTÔNIO PEREIRA

“UBERLÂNDIA ME DEU UMA

FAMÍLIA DE AMIGOS” Por CELSO MACHADO

Do pai, autodidata, o pesquisador Antônio Pereira da Silva ganhou, quando era criança, o primeiro caderno para escrever as histórias que lhe viessem à cabeça e que ele se arrepende de não ter guardado. Da mãe, aprendeu o amor pela leitura. “Ela lia bula de remédio, lista telefônica, fazia caça-palavras. Os dois eram semianalfabetos. Meu pai nunca foi à escola, mas chegou a ter um jornal que era contra Getúlio Vargas. Na Revolução de 1932, foi até preso”, diz nosso contador de histórias, colaborador do Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre, desde que foi criado em 2011. Antônio Pereira nasceu em Queluz (SP), há quase 85 anos e mudou-se para Uberlândia em 1961. Como em São Paulo escrevia contos para jornais, passou a escrever para o Correio de Uberlândia como crítico musical. Entre 1999 e 2016, ano do fechamento do jornal, eternizou os feitos dos moradores e acontecimentos históricos na coluna Crônica da Cidade. Na prateleira repleta de livros, há vários escritos por ele mesmo. No arquivo pessoal e na cabeça do seu Antônio Pereira, há um tesouro escondido para aqueles que amam o resgate histórico e sabem da importância de se preservar os acontecimentos. “Tem uma frase dele muito interessante que é: Uberlândia me deu família, amigos e oportunidade na área cultural. Ele é uma pessoa extremamente gentil, educado, ponderado e um incansável pesquisador”, diz Mônica Debs, secretária municipal de Cultura. Em entrevista cheia de bons momentos, Antônio Pereira conta como chegou a Uberlândia e parte do que fez por aqui.


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CELSO MACHADO: Onde fica essa cidade em que o senhor nasceu? ANTÔNIO PEREIRA: Queluz é um lugarzinho pequenininho na divisa do estado de São Paulo com o Rio de Janeiro. É apertadinho, porque tem duas serras e no meio ainda passava um rio, então ficou miudinho. Ficou lá até quando? Até meus 10 anos. Depois fui para Cruzeiro, que é ali perto, para estudar. Depois fui para Lorena servir o Exército, onde fui sargento e depois fui para São Paulo. De São Paulo vim para Uberlândia. Em São Paulo, o senhor trabalhou onde? Trabalhei na Fundação Antonio e Helena Zerrenner, da Antárctica, trabalhei na Arno, em uma empresa de transportes e em uma distribuidora de asfalto do Sebastião Paes de Almeida, que é aqui de Estrela do Sul e foi ministro da Fazenda de Juscelino Kubitschek. Ele tinha a maior distribuidora de asfalto do país. O Tião Medonho. Foi ele quem me mandou para Uberlândia. O senhor veio fazer o quê? Foi em 1961. Ele me mandou para ser gerente da filial daqui. Três anos depois me transferiram para Governador Valadares, mas eu falei que não ia e resolvi ficar. Como era Uberlândia quando o senhor chegou aqui? Era muito bom. A gente andava tranquilo, atravessava as ruas

Antônio Pereira um esportista nato Abaixo a carteira de reporter do jornal Correio de 1962 e ele com os filhos em férias na praia


“Depois de ter respirado o ar de Uberlândia é muito difícil de sair”

sem olhar para lado nenhum, porque não vinha nem carroça. Era tudo pequenininho, a cidade era limitada pelos córregos Cajubá, São Pedro e Uberabinha. Subindo, vinha até um pouco para cima da igrejinha de Nossa Senhora Aparecida e acabava. Por que o senhor nunca mais quis sair daqui? Eu já tinha respirado o ar daqui, né? Aí fica difícil de sair. Eu já estava noivo e achei que não devia ir embora. Artilheiro matador

Antônio foi sargento dedicado

Como foi esse namoro? Foi uma casualidade. Eu estava no Cine Uberlândia, de terno como todo mundo, com um amigo, a noiva dele e a minha futura esposa, mas nem a conhecia. Ela era a vela. Aí, a gente começou a conversar. Depois, fui para o Lyceu estudar e ela estudava também em outra classe. A gente se encontrou e voltou a conversar. Começou assim. Foi em 1964. Como começou sua ligação com a história e a memória de Uberlândia? Começou em 1983. Eu já era colaborador dos jornais daqui. Fui um dos fundadores da Tribuna e já tinha alguma ligação, porque é difícil você escrever para o jornal e não ter contato com a história do lugar. Argemiro Evangelista Ferreira, do Correio de Uberlândia e diretor da Associação Comercial, me chamou para escrever sobre os 50 anos da associação. Então tive um

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contato mais profundo com a história da cidade e fiquei encantado. Quando acabou, você me convidou para trabalhar na revista Flash e levantar as histórias das famílias. Como foi fazer esse levantamento dessas histórias? Foi muito bom. Primeiro, a gente tem contato com coisas que não são muito públicas, segundo porque todo mundo recebe a gente muito bem. Ninguém se negou a dar uma entrevista. Conheci muita gente. Quantos livros o senhor já escreveu? Uma porção. Quatro de literatura, um infantojuvenil, três de contos. Os de literatura são as crônicas históricas que eu publiquei no Correio de Uberlândia, quatro volumes. Fiz a biografia do comendador Alexandrino, o livro sobre os velhos italianos de Uberabinha, fiz Uberlândia na linha do tempo, com datas e cronologia da história da cidade, escrevi a história do Carnaval e três livros sobre a maçonaria. Sei que há vários personagens de Uberlândia que não são reconhecidos. O senhor poderia lembrar alguns? João Cândido Pereira foi totalmente esquecido, porque era comunista e fugiu em 1964. Ele trabalhou tanto pelos motoristas. Veio de caminhão de Brasília para cá, antes de existir estrada, anotando tudo para sugerir uma estrada.


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O senhor foi crítico musical. O que acha dos músicos de Uberlândia? São muitos. Tinha o pessoal do Barraca, da banda de música. Alírio França e Remi França fizeram uma música tão bonita, chamada Bambico Bambuê. Foi inscrita num grande concurso nacional de música sertaneja da rádio Record. E no meio radiofônico, quem o senhor destacaria? Tinha muitos radialistas bons, o Paulo Henrique Petri, o Ademir Reis. E Marçal Costa, escrevia bem? O Marçal era um poeta. Foi um grande jornalista. Ele quem introduziu as colunas sociais nos jornais aqui, quando chegou de Uberaba.

Antônio com um de seus vários livros publicados

Como foram suas passagens pela vida pública, na Prefeitura de Uberlândia? Eu fui o primeiro secretário de Ação Social e o primeiro secretário municipal de Administração no primeiro mandato do Renato de Freitas. Como era se relacionar com ele? Ele gostava demais de mim. Quando chegava alguma pessoa lá trazendo problemas, me chamava, “Tõe, vem cá, senta ali”. Era para eu assistir. Eu vi coisas maravilhosas. O que, por exemplo? Vi chegar um grupo aí de um bairro bem distante, em que o grupo escolar tinha muito

Sobreira, Jane de Fátima, Oscar Virgílio e Antônio Pereira conselheiros do Centro Cultural Fogão de Minas


35 “Caminhão é o símbolo de Uberlândia. A cidade é resultado do transporte”

Discursando ao lado de Jacy de Assis

menino e não tinha sala. Eles vieram com Frei Egídio, com aquele guarda-chuvinha. E o Renato dizia que não era com ele, que escola era com o estado. Eles ficaram naquela insistência e ele dizia: “Se eu fizer, eu sei que vou cometer um pecado”. Então, o Frei Egidio pegou o guarda-chuva que estava no braço direito e pôs no braço esquerdo depressa e disse: “Eu te abençôo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Pode fazer a sala, que não é mais pecado”. Foi muito engraçado. Como o senhor se sente quando vê derrubar estes prédios históricos de Uberlândia? Fico muito triste. Recentemente, destruíram na praça Clarimundo Carneiro o prédio do primeiro clube social de Uberlândia. Chamava-se Seleto Clube e deu origem ao Uberlândia Clube. Uma pena.

Recebendo o diploma de amigo do Batalhão

Com a esposa e filhos na comemoração dos 50 anos de casado

E o seu Oscar Virgílio? Como é a relação com ele? Meu amigo, gente boa, um pesquisador de história muito sério. Ele não fica pelas beiradas que nem eu, não, ele vai no miolo das coisas. Ele faz um trabalho científico e eu procuro fazer um trabalho mais literário. A que o senhor atribui o desenvolvimento de Uberlândia? Existem alguns fatores, do ponto de vista material. A Mogiana, a ponte Afonso Pena e

o Fernando Vilela. Na minha opinião, talvez Uberlândia não fosse o que é sem essas três coisas. Mas existe também o espírito das pessoas que nasceram aqui e as que vieram para cá. Uma coisa que faz com que as pessoas se dediquem muito e esqueçam certas diferenças, principalmente políticas, para se unir pelo desenvolvimento. O senhor continua cativado pelo o que ela é hoje, já que não é mais tão sossegada como antes? Pela barulheira, para sair de manhã cedo é um sacrifício, tenho que esperar de cinco a dez minutos. Mas é bom a gente ver a movimentação. Qual é a imagem símbolo de Uberlândia? Caminhão é o símbolo de Uberlândia. Uberlândia é resultado do transporte. O que acha do nosso Almanaque? O Almanaque está transportando a história do passado para o futuro. É transporte também. Qual é a importância de conhecer o passado? É garantir um bom futuro. Quem não tem passado, certamente não vai ter futuro. Se o futuro depende do conhecimento do passado, o futuro de Uberlândia deve muito ao senhor. Deve a nós, Celso.


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Az de Ouro Jazz Band: “Após o show, entrava a típica com La Cumparsita, Perdida, Hipócrita, Ré Fá Sol...”

RECORTES...

Uberlândia boêmia Por ANÍSIO JORGE HUBAIDE

C

omeçamos pela Santos Dumont, onde se localizava o Cassino Oriental, que na época funcionava a todo vapor, em prédio próprio, onde é hoje o edifício Itacolomy. Na frente uma portaria com a entrada para o salão espelhado de cristal bisotê sem reclames. No alto das paredes tapetes persas legítimos. No piso de assoalho, em um tablado, ficava a orquestra com 12 figuras verdadeiramente notáveis. Ao piano, o professor Salvador de Lucas, um italiano que veio ao Brasil com a companhia de operetas francesas, Cia. Bataclan, que se desintegrou em São Paulo. No sax, o professor Michele Virno, Otávio, Laerte, Bidu Bonifácio e Emílio; ao violino Michele Antonio Lopes, bateria Evaristo ou José Maria ou Gercino; trombones Antônio Melo, Bentinho ou Dengo; pistons, o maior solista de Minas, Geraldo Rocha, Carlinhos, Javé ou Zezé; no acordeon e contrabaixo Nocera. Vinham de Uberaba, de Araguari ou da Franca fazer reforço: Vilaça, Albertino, João Batista, Pintinho e Veiga Lago, sob direção e programação do grande Carlão. As dançarinas da casa, componentes do corpo artístico, ganhavam hospedagem, salário e também comissões nas doses que bebiam. O conhaque era Macieira, as doses eram Madeira R, Madeira M. Uísque era pouco conhecido. O fi no era champanhe Veuve

Clicquot. O mais era cerveja, quinados. Os números de balé eram baseados nas letras das músicas de canções francesas, argentinas, espanholas, cubanas, mexicanas, brasileiras. A cerveja era fabricada em Ribeirão Preto. Vinha de trem, embalada em sacos com capas de palha. Não havia rodovias, os caminhos eram de terra batida, passando pelos mata-burros em fazendas com porteiras, atoleiros, areiões, colchetes e inundações. Voltando ao Cassino: eram duas apresentações, às 24 horas e às 2 horas da manhã. Após o show, havia uma pausa, entrava a típica com os tangos La Cumparsita, Garoa, El Choclo, La Noche de Mi Amor, Perdida, Hipócrita, Ré Fá Sí. Os cultores enchiam o salão e logo sobrava pouca gente: o Diogo, o Vrejo, Ari Labib, Mauro Luizinho, o Chacur, o João Bernardes, o Adolfo Jaime, o Hugo Vilela. Alguns com onda de pescar e caçar ficavam na Cobra e na Eliza ou na Oriental, bebendo e caçando pombas de cabelo, 2 ou 3 dias descartando as mágoas de uma impostora, chata, egoísta. Era uma pausa necessária para aguentar um casamento já deteriorado. Mas, também, vinha de toda a região gente com desculpa de comprar isto ou aquilo. Desafogavam na casa da Nina ou na Josefa, na Flauzina, na Jane, na China, sempre bem supridas de lindas mulheres.

O Cassino trocava de equipe a cada 15 dias com gaúchas, paranaenses, pernambucanas, paulistas, cariocas e mesmo mineiras. Itinerantes que vinham fazer a praça. Algumas ficavam por aqui, quando havia patrocinadores: Cininha, Ainda, Suzi, Neide, Telma, Gerônima e outras quase sempre com nomes trocados para ocultar sua procedência. De Ituiutaba vinham os Gouveias, que abriam de dia o Cassino com orquestras e bailarinas para seus convidados. Aí virava uma noite romana, tal era a orgia da festa. A Noca, dona do Cassino, amigada com um turco legítimo de Istambul, chegou a ter 17 casas de aluguel e construiu um prédio maravilhoso na avenida Vasconcelos Costa, hoje a Pneuac, estimulado por Tubal Vilela que queria valorizar seus terrenos na vila Osvaldo. Como estava em construção ali bem perto do Cassino, o Uberlândia Clube,, não podia misturar clube social com zona do meretrício. O bafo da zona contaminaria e ficaria sem proteção. Aí promoveram, com pressão e arbitrariedade, a mudança do Cassino e, consequentemente, da “zona” para a “rua sem sol.” Foi a ruína total da Noca e seu Amim Zaiutum, que venderam o estabelecimento que ganhou outro nome. Em vez de Cassino Monte Carlo passou a chamar-se Lago das Rosas. O proprietário, um casal de judeus polacos Andore e a Deives. Eram bailarinos, coreógrafos, de comércio entendiam pouco, o negócio foi se desintegrando aos poucos. Assim era a Uberlândia boêmia. Extraído do livro “O Baía”, organizado pela historiadora Jane Rodrigues, EDUFU, 2007.


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Campanha da Garrafa Vazia: venda de vasilhames visava apoiar a criação de novo banco de sangue

RECORDAÇÕES

Os Leões de Uberlândia Wilson Ribeiro, fundador do Lyons, relembra histórias do início do clube

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les não viviam na selva mas eram “feras”. Também não tinham nada de agressivos, mas lideraram grandes batalhas em prol de boas causas assistenciais da nossa gente. Estamos nos referindo aos precursores do Lyons Clube em Uberlândia. A seguir, através do depoimento de um de seus fundadores, Wilson Ribeiro, de tantas passagens e contribuições relevantes em Uberlândia, relembramos algumas histórias marcantes do início da atividade dos “leões uberlandenses”. “O Lyons Clube de Uberlândia-Centro foi fundado pelo Lyons Clube de Anápolis no dia 6 de Junho de 1959.


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Nas esquinas, ”Leões” e “domadoras” a postos na campanha para a compra de cadeiras de roda Na época, aqui existia apenas o Rotary Clube. Nosso clube foi muito bem-sucedido, produtivo, fundou vários clubes na região e fez dezenas em benefício da sociedade. O primeiro presidente foi José Geraldo Migueleto, que era gerente de banco. Nós nos reuníamos semanalmente para discutir o quer íamos fazer e, em seguida, havia um jantar. No início, os jantares eram no Bar da Mineira, depois passamos para o Garibald’s, cujo dono Garibalde Fonseca fazia parte do clube. Hoje temos uma sede muito bonita perto do Praia Clube. Como somos leões, nossas esposas são chamadas de domadoras. O que não deixa de dar uma conotação pitoresca:

como mulher costuma mandar mesmo, a expressão faz muito sentido. Campanhas Nossa primeira campanha foi fazer a Festa da Cerveja no salão do Praia Clube. Uma festa muito bonita. Vendemos ingressos para a cidade toda. Quem comprava ingresso, ganhava um caneco de louça e bebia o quanto quisesse de cerveja. Fizemos duas festas da cerveja, e depois a Campanha da Garrafa Vazia, que deu muito trabalho. Nós saíamos de casa em casa, pedíamos licença para ver se havia garrafas vazias nos quintais para recolher. Era outra época. A gente ia nos quintais, recolhia as garrafas vazias e levava para o caminhão. Juntava aquilo

tudo e depois vendia para a indústria para angariar fundos para construção do “Banco de Sangue da Santa Casa de Maternidade”. Foi uma campanha muito bonita porque a gente nem sabia, mas já estávamos praticando uma ação de sustentabilidade. Fizemos outras campanhas, como a das cadeiras de rodas. Nos dividíamos em grupos. Cada um escolhia uma esquina. Ali a gente ficava vestido com colete próprio, as pessoas passavam, a gente explicava nosso objetivo era pedir para as pessoas contribuírem com a campanha. Arrecadamos muito dinheiro: compramos 120 cadeiras de roda. É muita coisa, não é?”, pergunta com carinho Wilson Ribeiro.


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Economia: na época da inauguração, a Administração Municipal tinha 70 imóveis alugados na cidade

CENTRO ADMINISTRATIVO

Marco da arquitetura da cidade faz 25 anos Obra foi pioneira no emprego de pré-moldados e facilitou a integração da Administração Municipal

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Centro Administrativo Virgílio Galassi é um marco na arquitetura urbana de Uberlândia. Completa 25 anos de sua inauguração em 2018. O complexo de cinco prédios (Câmara Municipal, Plenário, Gabinete do Prefeito e dois blocos administrativos onde funcionam as secretarias municipais) foi inaugurado em 1993, no mandato do prefeito Paulo Ferolla, mas foi idealizado pelo prefeito Virgílio Galassi, em seu terceiro mandato. Os prédios dos poderes Legislativo e Executivo são ligados por uma praça elevada, que permite a visualização integral e hierárquica dos blocos, do entorno e de parte da cidade. O espaço é usado para atividades cívicas, comemorativas e culturais. O projeto arquitetônico foi assinado por Acácio Gil Borsoi, pela esposa dele Janete Costa – uma das maiores decoradoras do Brasil na época –, e ainda por Milton Leite Ribeiro. As obras tiveram início em maio de 1991, em uma área de 51 mil m 2, e 26 mil m 2 de área construída.

A área, no bairro Santa Mônica, região Leste da cidade, era conhecida como brejo, já que pelo local passava o córrego Jataí, canalizado para a construção da avenida Anselmo Alves dos Santos. O empresário e ex-chefe de Gabinete no governo Virgílio Galassi, Sérgio Ribeiro, lembra que, ao idealizar a construção do Centro Administrativo, o prefeito Virgílio Galassi falava em uma estrutura moderna, que facilitasse o acesso da população às seções dos cinco prédios. Também pensou na economia para os cofres públicos já que a Administração Municipal tinha 70 imóveis alugados na cidade, que geravam um elevado custo mensal, limitava e dificultava o funcionamento da prefeitura e suas diversas unidades.

O projeto Para a elaboração do projeto arquitetônico do Centro Administrativo, foi feito um processo licitatório, que teve a participação de várias empre-

sas de Uberlândia e do país, entre elas a do arquiteto Acácio Borsoi. O passo seguinte foi a licitação para a construção. A empresa vencedora para a primeira parte da obra foi a Parente Construtora, de Teresina (PI), que foi muito bem avaliada na época e também havia sido responsável pela construção do Estádio Municipal Parque do Sabiá. A parte de superestrutura (acabamento) ficou a cargo da construtora uberlandense CCO. Sérgio Ribeiro conta que toda a obra foi acompanhada por Cícero Diniz e Ciro Rossi, que formaram uma espécie de comitê de obras. “Cícero, senhor Virgílio Galassi e Ferolla eram amigos inseparáveis. Cícero teve participação especial em ambos os governos e era uma espécie de `faz tudo’, porque queria ajudar a cidade, que tanto amava”, lembrou. A obra inovou com o uso de pré-moldados e paredes removíveis, tijolinhos à mostra e um piso de granilite. Mesmo com todas essas novidades, Sérgio Ribeiro garante que o custo da obra ficou abaixo do preço de mercado e que foi feita com recursos próprios, sem financiamentos. A decoração, que incluiu escolha dos mobiliários e obras de artes, foi feita por Janete Costa, que optou por mandar fazer todos os móveis das secretarias e gabinete sob encomenda, escolheu o modelo e tecidos dos sofás do gabinete e para a escolha das obras de arte deu preferência para os artistas locais.


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Inauguração Depois de 27 meses de obras, a inauguração do Centro Administrativo Virgílio Galassi aconteceu no dia 30 de agosto de 1993, em solenidade com a presença de várias autoridades, entre elas o governador do Estado, Hélio Garcia; o vice-governador, Arlindo Porto; o ministro da Saúde, Adib Jatene; o presidente da Cemig, Carlos Eloy, e ainda o presidente do Bradesco, Lázaro Brandão.

Reforma Desde a inauguração há 25 anos, pouca coisa mudou no Centro Administrativo. Durante o governo Zaire Rezende, o piso das secretarias que eram de carpete foi substituído por paviflex. Todo o restante foi mantido na forma original até os dias de hoje. A Prefeitura de Uberlândia está aguardando a assinatura de convênio com o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) para dar início a um projeto de reforma do Centro Administrativo. A Secretaria de Comunicação confirma que a estrutura nunca passou por reformas e, agora, precisa ser submetida a adequações e às normas recentes de acessibilidade. O prédio da Câmara Municipal já ficou pequeno para acomodar os 27 vereadores e suas equipes e há alguns anos foi cogitada a construção de um anexo, que funcionaria na casa onde hoje é uma Escola Municipal de Educação Infantil (Emei), que seria transferida para outro local. Também foi levantada a possibilidade de construir um novo andar no prédio atual, o que descaracterizaria o projeto original. Nada ficou definido, mas parece haver consenso a respeito da necessidade de uma solução.

Inauguração: o governador Hélio Garcia e o prefeito Paulo Ferolla

Inovação: a obra foi pioneira no uso de pré-moldados de concreto


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Fachada da churrascaria: comida muito farta e pioneirismo na música ao vivo nas noites de Uberlândia

VIDA NOTURNA

Bécão virou churrasco

Histórias saborosas e pitorescas do famoso jogador e homem da noite Por CELSO MACHADO E CRISTIANE DE PAULA

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elhor começar pela explicação para os mais apressados não pensarem que se trata de manchete policial sensacionalista. O Bécão a que estamos nos referindo fez história jogando pelo Uberlândia Esporte, inclusive na equipe que conquistou o acesso à elite do futebol mineiro, pela primeira vez, em 1964. De estatura alta, atuava na defesa com garra e firmeza. Ganhou merecidamente o apelido de Bécão que carregou pela vida inteira. Parou de jogar ainda jovem e resolveu montar um modesto bar no início da rua Santos Dumont. “Depois comprou uma churrascaria pequena na rua Goiás. Ele foi aumentando. Resolveu montar uma

churrascaria maior e colocar música ao vivo, que na época não tinha aqui em Uberlândia”, conta sua esposa Maria Leda Alves. A cerveja era “estupidamente gelada”, o churrasco era suculento e farto, servido nos espetos, acompanhado de um feijão tropeiro inigualável. “Toda vida a comida chamou atenção, farta e gostosa”, diz Leda. “Quando montamos a Bécão 2, ele não vendeu a outra”, lembra ela. Que também recorda bons momentos daquela época: “Elis Regina veio fazer um show aqui e depois foi para lá. Era tanto artista, havia muitos shows no UTC: Maria Bethânia, Gal Costa, Rita Lee, etc. Terminava o show todas vinham jantar na churrascaria. Era bem animado”. Perguntada sobre fatos curiosos, ela lembra que muitos casais começaram a namorar lá. E também passagens pitorescas.

“Teve o caso de um marido paquerando uma mulher casada. Ele pegava o feijão tropeiro e jogava na mulher que estava na mesa ao seu lado com o esposo. Aquilo foi um desaforo. Ela levantou, pegou uma garrafa de uísque e despejou na cabeça dele. O marido dela chegou para o Dimas e falou: “olha Dimas você me desculpa, perdi a cabeça”. O Dimas respondeu: “eu só não vou desculpar uma coisa, você devia era ter quebrado a garrafa na cabeça dele”. A churrascaria era frequentada por pessoas de todas as camadas. E o Bécão era bastante rígido com relação a comportamento. “Tinha as mulheres da vida que que iam assistir aos shows. Ficavam quietinhas, comportadas na mesa, não olhavam ninguém. Um dia uma mulher casada, que era até pinta brava, chegou para o Dimas e reclamou que a churrascaria estava baixando o nível, estava deixando mulher da


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Sílvio Caldas: artistas frequentavam e se apresentavam na Bécão

vida frequentar a churrascaria. Ele respondeu: “são pessoas como as outras. Em restaurante, a porta é aberta, entra quem quiser. Se a pessoa respeita o ambiente não tem nada a ver”. As despesas cresceram muito mais do que as receitas. O Bécão, que teve de parar de jogar jovem, encerrou cedo sua carreira de homem da noite. Para tristeza de quem viveu tantos e bons momentos num lugar acolhedor, frequentado por pessoas de todas as faixas etárias e de renda da cidade. Bécão e suas histórias

Becão: com esposa e familiares na churrascaria

Argentino: Garçon sempre comia parte dos tira-gostos que servia

Para tocar a churrascaria, o Bécão contratou um cozinheiro excelente, o Vicente. E dois garçons que eram “duas figuras”, Argentino e Lauro. O primeiro, um moreno forte, grande cantor, tinha um comportamento singular: chegava comendo uma parte de todo tira-gosto que ia servir. Forte, de vez em quando, tinha que mostrar o caminho da rua para quem estivesse se excedendo. O que sempre funcionava. O segundo, um “gozador” sempre bem-humorado vivia fazendo “troça” com clientes, colegas e até com o dono. Uma vez, com a churrascaria lotada, um gato resolveu desfilar pela parte descoberta. Quando ele viu, gritou para o patrão: “corre Bécão, manda fechar o depósito que os coelhos estão fugindo”. Não é preciso muito esforço para imaginar a cara que o Bécão fez. Hoje, o Bécão é falecido, a churrascaria morreu e todos nós que desfrutamos daquele recanto acolhedor, ficamos também um pouco órfãos. Ainda bem que temos as recordações de um lugar que foi tão relevante na vida de Uberlândia e dos seus inúmeros frequentadores.


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Uberlandices... DE PLACA...

Rua Grande, mas, pequena Ter uma rua com o nome de Grande muita cidade tem, mas ela ser pequena é coisa nossa, outra “uberlandice” A pequenina rua “Grande” (só um quarteirão), no bairro Martins, abrigou gente conhecida como o delegado Beethoven Silva, o jornalista Marçal Costa, o pitoresco Xexéu e muita gente boa, como até hoje abriga. Mas o típico símbolo daquele simpático lugar, foi o saudoso Xexéu, animador dos carnavais, fanático torcedor do Uberlândia Esporte, criador da incrível camicleta (mistura de caminhão com bicicleta – como ele fez isso, não sei), grande festeiro, o rei da Alegria, acolitado pela fiel Otília, que participava de tudo com imensa paciência. Tinha no minúsculo quintal um zoológico surpreendente com cágados, jaburu, macacos, capivara e outros bichos. Os macaquinhos atormentavam a vizinhança entrando nas casas e remexendo tudo. Ninguém ligava muito. Eram coisas do Xexéu, o

bom vizinho, o amigão de todas as horas. Certa ocasião, a Câmara Municipal resolveu colocar o nome de um cidadão respeitável na rua “Grande”. Só que o cidadão era comunista. O professor Henckmar Borges. Feita a Lei, emplacaram os postes. Xexéu levou um susto quando viu as placas. Pegou uma escada, subiu e arrancou-as dizendo: “Na minha rua, ninguém vai colocar nome de comunista”. E a sua decisão foi respeitada. A Câmara arranjou uma praça e deu-a ao Professor. Quando o Xexéu faleceu, resolveram trocar, de novo, o nome da rua, que passaria a ser “Xexéu”. Houve ponderações sensatas que uniram o útil ao agradável e apenas juntaram o nome do homenageado à tradição. E a rua “Grande” virou “Grande Xexéu”. Valorosa homenagem.

NO POPULAR...

Gaiola de ouro A denominação gaiola é usualmente associada ao confinamento de aves. Na gíria popular, pode ser sinônimo de cadeia. Aqui em Uberlândia, ganhou uma outra conotação pitoresca O primeiro edifício de grande porte de Uberlândia foi o Tubal Vilela erguido bem no coração da cidade, rua Olegário Maciel esquina com Afonso Pena. Só que não é exclusivamente residencial, no térreo e nos dois primeiros pavimentos, abriga lojas e salas comerciais. Foi construído no início da década de 1960. Nos anos seguintes, a cidade ganhou outros. Um deles chamou a atenção pela dimensão das unidades e por ter apenas um apartamento por andar. E de alto luxo. Localizado na praça

Rui Barbosa, na confluência da avenida Floriano Peixoto com a rua Bernardo Guimarães e Silviano Brandão. Recebeu o nome de Guiomar de Freitas Costa em homenagem a uma das mais influentes personalidades públicas locais. Esta denominação foi e continua sendo oficial. Mas por ser moradia das pessoas mais ricas de Uberlândia ganhou uma denominação sugestiva: Gaiola de Ouro. E foi assim que popularmente ficou conhecido. Mais uma bem-humorada “uberlandice”


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“Uma das conquistas do movimento em Uberlândia foi instituir o 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. Foi um fortalecimento de identidade e a ressignificação de espaços do negro na sociedade” GUIMES RODRIGUES FILHO

1888-2018

Os negros em Uberlândia Fundada no ano da Abolição, cidade tem movimento negro vivo e atuante

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Lei Imperial n.º 3.353, sancionada em 13 de maio de 1888, foi o diploma legal que extinguiu a escravidão no Brasil. Foi precedida pela lei n.º 2.040 (Lei do Ventre Livre), de 28 de setembro de 1871, que libertou todas as crianças nascidas de pais escravos, e pela lei n.º 3.270 (Lei Saraiva-Cotegipe), de 28 de setembro de 1885,

Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

que regulava “a extinção gradual do elemento servil”. O mesmo ano de 1888 foi o ano da criação de Uberlândia. Na antiga Uberabinha, a sombra da escravidão produziu também algozes e heróis. Muito se fala dos quilombos na região, dos maus-tratos dos coronéis aos escravos e de um explícito preconceito racial que teria perdurado até os anos 1960. Em

Uberlândia, como em todo o Brasil, a luta para que os negros sejam devidamente respeitados está longe de terminar. Mas a cidade pode celebrar seus 130 anos caminhando para se livrar do estigma deste preconceito. Os habitantes negros conquistaram seu espaço, são motivo de orgulho para a cidade e, aos poucos, vão ganhando a sensação de pertencimento.

Congado: celebração reúne centenas de membros da Irmandade do Rosário desde o século XIX


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A militância Quando chegou a Uberlândia, há 32 anos, o químico Guimes Rodrigues Filho não sabia que sua dedicação à capoeira iria levar à militância no movimento negro da cidade. Ele veio de São Paulo para assumir a cadeira de professor titular no curso de Química da Universidade Federal de Uberlândia. Paralelamente, dava aulas de capoeira para alunos de outros cursos da UFU, como o de teatro. Quando chegou, a primeira impressão que teve da cultura e dos movimentos negros na cidade é que tudo era ainda muito incipiente e pouco aberto a “forasteiros”. Somente a partir do ano 2000, Guimes começou a estabelecer vínculos com a periferia da cidade através da capoeira e a trazer jovens adeptos para o campus da universidade. Em contato com técnicos-administrativos da instituição, fez sua primeira incursão no movimento negro local. Ajudou a organizar o seminário Brasil 500 anos, com foco na situação do negro no país em cinco séculos de história. A partir do contato direto com militantes e políticos locais, Guimes passou a refletir sobre seu papel como professor universitário e homem negro e a atuar em conjunto com a população negra da cidade. Para ele, a partir de 2009, houve mais abertura nos diálogos e no fortalecimento de espaços de reflexão e discussão como o Fórum da Igualdade Racial, a criação da Comissão de Igualdade Racial na Câmara dos Vereadores, exemplo seguido pela sede local da Ordem dos Advogados do Brasil, OAB, que também criou sua comissão. “Obtivemos conquistas em 2016 de lutas engatilhadas ainda em 2009. A maior parte da população é pouco representada e tem pouca visibilidade nas instâncias do poder.” O professor afirma que uma das maiores conquis-

Guimes: “A maior parte da população negra é pouco representada”

Joaquim Reis: “Movimento negro na cidade é comprometido com a comunidade”

Amaral: “Para o poder público cultura negra é Congado e Carnaval”


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tas do movimento em Uberlândia foi instituir oficialmente o 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra, data que mesmo antes de ser considerada um feriado, já era celebrada por grande parte da população negra de Uberlândia. “Isso foi um fortalecimento de identidade, a ressignificação de espaços do negro na sociedade. A partir desta conquista, outras discussões vieram à tona, como as cotas no serviço público e o cumprimento efetivo da lei 10.639, que prevê a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras na rede pública de ensino”, afirma Guimes. Ele alerta para o fato de Uberlândia e o estado de Minas Gerais já terem sido judicialmente condenados pelo não cumprimento desta mesma lei. O Fórum Guimes Rodrigues foi um dos fundadores e, desde 2006, coordena o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da UFU, um dos órgãos que participam do Fórum da Igualdade Racial, talvez o mais potente canal de discussão sobre as questões raciais em Uberlândia. O Fórum reúne pessoas representativas de vários setores do movimento negro em Uberlândia. Guimes, entretanto, lamenta que, em 32 anos na vida acadêmica tenha, visto apenas uma pessoa negra ocupando uma cadeira da pró-reitoria na UFU. Olhando para o passado que não conheceu, Guimes tem a impressão de que Uberlândia poderia ter sido uma cidade com melhor perspectiva para os cidadãos negros. Griconeu Outra organização que soma esforços em prol de mais visibilidade para os negros é o Griconeu, Grupo Integração da Consciência Negra de

Grande Otelo: ícone da cultura brasileira no teatro, cinema e TV

Celeiro de talentos

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randes artistas uberlandenses são negros. Grande Otelo, o maior deles, fez teatro, cinema, televisão, música e literatura e é um ícone da cultura brasileira. A dupla Pena Branca e Xavantinho encantou o público da música popular com o “sertanej- raiz” e as tradições populares. A Companhia Balé de Rua, aos trancos e barrancos, revigora sua dança e a leva com sucesso para a Europa. Entre as celebridades de nível internacional está o cantor Alexandre Pires, ex-vocalista do grupo Só Pra Contrariar, que segue em carreira-solo. O cantor foi o único brasileiro a cantar em uma cerimônia na Casa Branca. Ele se apresentou para o presidente americano George Bush há 15 anos. Considera o preconceito um equívoco histórico e demonstra sua gratidão à cidade. “Eu amo minha Uber-

Uberlândia, atualmente presidido pelo advogado Joaquim Miguel Reis, um dos seus fundadores. Segundo Reis, o objetivo principal do grupo é “realizar ações políticas visando dar visibilidade nás reivindicações da comunidade negra junto ao poder público e `a comunidade em geral. A comunidade negra uberlandense sempre buscou ocupar espaço no contexto social da cidade, nas áreas social, cultural e religiosa, como o Clube Caba Roupa, a Irmandade de São Benedito e Nossa

lândia e levo o nome dela para todos os lugares do mundo onde vou. Uberlândia sempre foi nosso termômetro, começamos a tocar nas festinhas e bares da cidade e isso foi fazendo crescer cada vez mais nosso sucesso. É muito bom ser reconhecido na sua cidade. Isso me deixa muito gratificado”, diz Alexandre. Alexandre Pires: ”Cidade só fez crescer nosso sucesso”

Senhora do Rosário, o Clube Black Chic, Alvorada Cultural, Zanzibar entre outros”, explica. Para ele, Uberlândia não foge às regras do contexto geral brasileiro no tocante ao preconceito racial. Mas, não considera o movimento negro de Uberlândia dividido. “Os líderes comprometidos com o desenvolvimento da comunidade negra, como Mãe Irene Rosa (dona Ireninha), Décio Tavares, mestre Capela, Conceição Leal, Painego, Guimes Rodrigues, Gilmar


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Batista, Jeremias Brasileiro e Elias do Nascimento fortalecem a participação dos negros que venceram as barreiras impostas pelo sistema dominante.” MAIPO José Amaral Neto é jornalista, servidor público e há décadas mantém em sua pauta questões relativas ao movimento negro. Atualmente, é coordenador executivo do Movimento Maipo (Movimento de Articulação e Integração Popular). “Homens e mulheres negras de Uberlândia não aparecem na imprensa como deveriam. Ainda não se vê negras e negros sendo convidados a falar, por exemplo, sobre a arquitetura da cidade, a saúde da população, economia, política. Isso acontece raríssimas vezes”, disse. Sobre divisões no movimento negro, Amaral afirma que “a comunidade negra não é um bairro. É toda a cidade. Cada canto tem suas nuances e representações. Assim é o movimento negro organizado em Uberlândia”. Sobre a atenção do poder público à comunidade negra, José Amaral considera que “nunca levaram a sério a comunidade, para eles cultura negra se restringe ao Congado e ao Carnaval. A Lei 10.639/2003 nunca foi oficialmente implementada na grade curricular das escolas. O desenvolvimento econômico não consegue colocar cor nas suas ações para com as demandas do movimento negro. O desenvolvimento social não enxerga as atividades de muitos espaços da religiosidade de matriz africana como pontos de apoio que poderiam salvar muitas vidas. A agricultura nunca valorizou a presença dos pequenos agricultores negros, sobreviventes no meio dos latifúndios”, diz Amaral.

Susilene, Geovania, Ana Pretta e Dori: experiências marcantes

Teatro e preconceito

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usilene Feoli, Ana Pretta, Dori Olizetti e Geovania Gel Dias falaram ao Almanaque sobre o racismo e sua experiência como atores negros em Uberlândia. Ana Pretta, que começou a fazer teatro em Araguari aos 13 anos, considera que hoje o problema está mais na visibilidade que se dá aos negros atuantes. Ela relata, como exemplo, uma ocasião em que foi ministrar uma oficina para uma maioria negra e pediram que ela buscasse ajuda de outra pessoa menos capacitada, mas com o tom de pele mais claro do que o dela. “É uma questão cultural, que já está impregnada nas pessoas.” O ator Dori Olizetti, que começou em 1978, na igreja São Sebastião no bairro Tibery, considera que a discriminação racial, externa ou inerente a cada grupo, muitas vezes passa despercebida e só é assimilada tempos depois. Foi o que aconteceu com ele, ao participar de ”O Despertar da Primavera”, de Frank Wedekind. Sua personagem, originalmente, era o homem de preto. Na montagem foi substituída por um homem negro, papel de Dori. Além de ficar nu em cena, era banhado com óleo para que sua pele brilhasse e atingisse um tom ainda mais escuro. A família de Dori não quis assistir ao espetáculo, pois achava a situação discriminatória. Para ele, era tudo muito natural. Anos mais tarde, com o amadurecimento, ele acabou concordando com sua família. Na audição para “O Despertar da Primavera” estava também Susilene Feoli. No processo seletivo, empatou e acabou derrotada por uma atriz loira

de olhos azuis. Em segundo lugar, ficou aguardando o papel que lhe caberia até ser informada que não poderia compor o elenco porque não existiam personagens negras na peça. “Ao ser preterida, descobri que no teatro também existe preconceito.” Mais jovem e aluna do curso de Teatro na Universidade Federal de Uberlândia, Geovania Gel Dias teve a iniciação em contexto mais privilegiado. A mãe era professora na escola Milton Porto, no bairro Patrimônio e, no final da década de 1990, participou de apresentações escolares com foco nas questões dos negros. A atriz lembra que sentiu certo constrangimento, no início da carreira, na montagem de A Mandrágora, com o Grupo Grande Otelo. No espetáculo lhe coube a personagem da empregada, com excessos de “nobreza” na caracterização. Para os quatro atores, Uberlândia tem fortes características de preconceito racial. Ana diz que os negros têm pouco espaço. E as mulheres negras menos ainda. Geovania se sente frustrada por tentar, sem muito sucesso, aglutinar artistas negros em torno do movimento teatral. Dori lamenta que fique cada um no seu grupo. Susilene vê a cidade como preconceituosa e racista, mas não sente o mesmo em relação ao público de teatro. Para todos, há dois caminhos. Um deles seria (re)criar um grupo de teatro negro combativo. O outro seria a busca por um teatro tão primoroso que a diferença na cor da pele não fosse jamais determinante. Em ambas as alternativas, o artista negro contemporâneo poderia alforriar-se da discriminação.


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Avenida Afonso Pena: calçada para negros na cidade republicana e contraditória do inicio do século XX

1888-2018

Cidade da desigualdade racial Quem pintou a aquarela da Uberlândia republicana, moderna e civilizada?

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m 31 de agosto de 1888, três meses depois de sancionada a Lei Áurea, Uberabinha tornou-se município pela Lei Provincial Mineira 3.643. Administrativamente, essa condição foi consumada em 1891, com a promulgação da primeira Constituição Republicana. Sob a égide da República e do trabalho livre, Uberabinha, posteriormente Uberlândia, buscou ser uma cidade “autenticamente republicana”, ou seja, moderna, progressista e civilizada. Seguindo as ideias de modernização dos centros urbanos propostas pela República, as elites locais passaram a considerar Uberabinha uma cidade velha e atrasada. Diante deste diagnóstico era necessário criar uma

Por JÚLIO CÉSAR DE OLIVEIRA

nova cidade composta por avenidas largas, amplas, extensas e arborizadas. Para a realização desse projeto, foi contratado o engenheiro James John Mellor. Segundo o planejamento urbano por ele elaborado, a nova cidade seria construída entre o cemitério da época (atual Praça Clarimundo Carneiro) e a Estação Ferroviária da Mogiana (hoje Terminal Central). Na área central, existiriam espaços destinados ao comércio, ao lazer e às residências sofisticadas. Poucos anos depois, os traçados da nova cidade já eram perceptíveis. No final dos anos 1930, a avenida João Pinheiro chamava a atenção da imprensa pelos seus “caprichosos canteiros revestidos de esmeraldina vegetação” e por suas “luxuosas

vivendas”. Na segunda metade da década 1940, a modernidade fazia-se notar nas avenidas Floriano Peixoto e Afonso Pena. Quanto à última, o Correio de Uberlândia de 1947 a comparava às principais avenidas das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro: “a avenida Afonso Pena é, para Uberlândia, o que é a av. São João para São Paulo e a av. Rio Branco para o Rio”. No limiar dos anos 1950, a cidade nascida no “sertão de Minas” já era considera pelo jornal O Repórter de 1949 uma cidade próspera e bela: “nascida no mato, no sertão de Minas e transformada pela mão do homem numa cidade, numa grande e próspera cidade, numa ‘Cidade Jardim’”. No entanto a cidade moderna e progressista, assim como a República


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recém-proclamada, era contraditória em seus ideais. A avenida Afonso Pena tinha uma calçada destinada a brancos e outra para negros. Era recorrente a agressão policial aos negros, como retrata o Correio de Uberlândia em 1952: “Domingo, às nove horas da noite, acima da linha, na rua Guarany, soldados da polícia espancaram barbaramente um preto até que ele caiu no chão, tendo sido depois levado pela ‘corrocinha’ (sic)”. Além da violência dos aparelhos repressivos, parte da imprensa acreditava que as manifestações culturais realizadas pela população negra no Centro Theatral do Negro, Associação dos Homens de Cor, Sociedade Recreativa Tenentes Negros, Caba-Roupa, Flor de Maio e no Independente Clube feriam o modelo de civilidade existente na cidade. A esse respeito é elucidativa a matéria do Correio de Uberlândia de 1949 quanto às atividades desenvolvidas pelo Independente Clube: “Pobres moradores da rua Princesa Isabel, esquinas Santos Dumont e praça perto do mercado. Há nas imediações o ‘Centro de extensão cultural’ com bailes aos sábados e festas em outras noites. Nada de mais. Tudo correto. Música e barulho próprios das festas. Ninguém tem culpa de que os vizinhos não durmam”. A partir dos anos 1980, o preconceito e a discriminação racial vigente na cidade foram sistematicamente denunciados pelo Monuva (Movimento Negro Uberlandense, Visão Aberta), Grucon (Grupo União e Consciência Negra) e Griconeu (Grupo Integração de Consciência Negra de Uberlândia). Além das denúncias, os movimentos raciais e sociais reivindicavam do município ações afirmativas com o objetivo de reparar as

Avenida João Pinheiro: “esmeraldina vegetação, luxuosas vivendas” desigualdades raciais, promover social, econômica e culturalmente a população negra e de afro-descendentes na cidade de Uberlândia. Nesse sentido foram adotadas, entre outras, as importantes medidas. Em 1985, criado o Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra. Em 1992, formada a Seção Afro-Brasileira na Secretaria Municipal de Cultura. Nesse mesmo ano, a Câmara Municipal de Uberlândia aprovou no Artigo 165 da Lei Orgânica do Município de Uberlândia alguns dispositivos, dentre eles, o que propunha eliminar os estereótipos racistas dos livros didáticos e das praticas pedagógicas utilizadas na rede municipal. No ano 2001, foi decretada (Decreto 8439/01) a competência da Coordenadoria Municipal Afro-Racial em assessorar

o prefeito no planejamento e na execução das políticas institucionais voltadas para a comunidade negra. Apesar dessas e outras medidas adotadas resultarem na criação de pastas, coordenadorias e secretarias vinculadas ao governo municipal, observa-se que elas foram incapazes de diminuir o preconceito, o racismo e a desigualdade racial na cidade. Assim como também não conseguiram convencer parte da imprensa e da elite local que o trabalho e as atividades sociais, políticas e culturais realizados pela população negra também foram responsáveis pelo desenvolvimento de Uberlândia. Diante dessa realidade resta, por fim, perguntar: quem livre do açoite da senzala, porém preso à miséria da cidade, pintou a aquarela da Uberlândia republicana, moderna e civilizada?


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“Sua produção é bastante ancorada na memória. Inspirado no poeta Rainer Maria Rilke, Hélio busca na infância a fonte para suas criações”

ARTISTA DA CAPA

A poesia do traço lúdico Hélio de Lima conquista espectadores pelo aspecto “brincante” de sua obra Por CARLOS GUIMARÃES COELHO

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s artes visuais não foram uma surpresa na vida de Hélio de Lima. Convive com elas desde a infância e demonstra gratidão aos pais que o incentivaram à arte nas brincadeiras de casa e quintal. Na família, segundo ele, o talento artístico sempre esteve presente. O pai gostava de desenhar, a mãe chegou a ser aluna de Geraldo Queiróz. Hélio de Lima, portanto, cresceu dando asas à imaginação e isto culminou na expressiva carreira que mantém hoje. Quando criança, Hélio brincava de teatro de fantoches no quintal. Criava a trama, o cenário, desenhava personagens, os bonecos e seus figurinos, o palco e ainda produzia o evento, convocando a vizinhança para assistir ao espetáculo. O pai permitia que as crianças desenhassem no muro do quintal. Sempre que ia pintar a casa, contornava os desenhos. Dentro de casa havia quadros de giz e um armário verde para desenhar. Na adolescência, desenhar deixou de ser brincadeira de criança. Hélio se interessou pela Oficina de Aquarelas de Rejane Paiva. Rejane também era regente do Coro Cênico Municipal, do qual a família toda de Hélio fez parte. Fazendo o curso de Aquarela e frequentando o ensino médio, Hélio percebeu que a brincadeira era coisa séria. Fez vários cursos no Senac, entre eles o de Desenho e Propaganda. Já tinha a certeza do seu horizonte. Hélio de Lima é professor de Artes, ilustrador e participou de várias exposições coletivas e individuais


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Frente às inseguranças inerentes ao mercado de arte, Hélio chegou a pensar em outras profissões, mas acabou ingressando no curso de Artes Plásticas da Universidade Federal de Uberlândia. Durante o curso começou a trabalhar com arte educação. E trabalha até hoje como professor de Artes. No mesmo período, começou a participar de salões de arte e de exposições coletivas e individuais. Na universidade, começou a organizar livros artesanais, a partir da montagem de objetos com materiais diversos. Publicou alguns como os seus “Pé de livro” e “30 retratos de gente parecida com gente conhecida”. Para escritores ilustrou obras como “Escutatória”, para o grupo EmCantar, “Cuco”, de Rose Ferreira, e os livros da escritora Nísia Anália.

Obra lúdica O aspecto lúdico de suas obras é o que mais impressiona os espectadores. Sua produção, segundo ele, é bastante ancorada na memória. Inspirado no poeta Rainer Maria Rilke, sobretudo nas Cartas a Um Jovem Poeta, Hélio passou a buscar na infância a fonte para suas criações. E consolidou ali a poética da imagem que há décadas encanta em seu trabalho. Hélio de Lima conquistou a admiração do público pelo seu trabalho e, mantendo a mesma linha de liberdade e leveza na expressão artística, prossegue em sua trajetória. Como dizia Guimarães Rosa: “quem elege a busca, não pode temer a travessia”. Expressão: Hélio mantém na obra uma linha de leveza e liberdade


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ESTILO

Igreja do Rosário Por MOABE ESTEVES

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Igreja Nossa Senhora do Rosário, Tombada como Patrimônio Histórico Municipal, se tornou referência para a cultura local não só porque abriga a Festa em Louvor a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito mas, também, por ser o prédio religioso mais antigo no espaço urbano de Uberlândia.

A capela Em 1891, Arlindo Teixeira, membro da Comissão Procuradora da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, propôs a construção da primeira capela. Era de construção modesta, com estrutura autônoma de madeira e fechamento em tijolos de adobe. Nos anos seguintes, a imediação da Igreja do Rosário tornou-se um lugar no qual as famílias tradicionais começaram a edificar suas residências. Por iniciativa de Cícero Macedo, formouse uma comissão encarregada da construção de uma nova capela que fosse “mais condizente com a época”. A comissão conseguiu recursos da população local e

Igreja de Nossa Senhora do Rosário: o prédio religioso mais antigo da cidade

Congado: a mais representativa festa afrodescendente

viabilizou entre os anos de 1928-1931 a construção da nova capela que foi inaugurada em maio de 1931. A celebração da Festa do Congado reúne centenas de membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Nesses dias, as imagens de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário são preparadas em seus andores para que possam abençoar a festa. Essa festa é a mais representativa da cultura afrodescendente de Uberlândia.



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Waldyr Bonnas: “Trazia ideias do que tinha vivido em São Paulo e as reproduzia via improvisação”

PERSONAGEM

Bonnas: o cara da tevê daqui Diretor criativo em ideias, projetos e recursos, mudou o modo de fazer televisão na cidade

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aldyr Bonnas teve uma longa carreira ligada ao meio cinematográfico e TV. Trabalhou com Glauber Rocha. Foi assistente de som nos filmes “O Pagador de Promessas” de 1962, “Lampião, o rei do cangaço” de 1964, “Quatro brasileiros em Paris” de 1965 e “O santo milagroso” de 1967. Trabalhou vários anos na TV Bandei-

rantes onde participou da criação de programas memoráveis como Jornal de Vanguarda e Canal Livre. Em 1978 veio para Uberlândia comandar a programação artística da recém-inaugurada TV Paranaíba, na época afiliada à rede Bandeirantes. A partir daí, alternou passagens pela TV Bandeirantes com outras emissoras da região, pela ABC Produções, criou

sua própria produtora e ainda atuou no núcleo de comunicação da Prefeitura de Uberlândia no segundo mandato de Virgílio Galassi. Foi criador do Shopping Car, o mais antigo programa da TV local, ainda em exibição aos sábados pela Paranaíba, hoje afiliada da Record. Sua esposa, Maria Inês, lembra como foi difícil sair de São Paulo onde estavam muito bem. “Viemos para Uberlândia em 1978. Foi uma transição muito difícil para a família. Foi difícil, mas todo mundo se adaptou.” O próprio Waldyr Bonnas, em depoimento ao programa Close no ano de 1991, conta o que o motivou: “Eu estava na TV Bandeirantes quando ela começou a ampliar a rede. A TV Paranaíba foi a primeira emissora afiliada. Ela estava precisando de um diretor. Descobri naquela época um problema cardíaco congênito e a minha intenção foi escapar das atribulações de São Paulo. Por isso aceitei o convite e o desafio de vir para Uberlândia”. Maria Inês acrescenta: “O Waldyr gostou muito de Uberlândia. Por sinal ele a amava


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Bonnas, Walmor Chagas e Celso Machado: “Waldyr foi precursor na região em programas de entrevistas, musicais e infomerciais” demais, de coração. Era como se fosse uberlandense de nascimento”. Conviver com ele era aprender muito. Principalmente sobre tudo ligado ao meio TV, onde transitava como poucos. “Quando recebia uma ideia, sugestão ou desafio ele comentava em casa, mas ficava quieto e pensativo. Ficava pensando, pensando e aí, quando voltava a falar no assunto, já tinha uma ideia, um caminho”, diz Maria Inês. Artesão criativo Magoo, que foi seu companheiro na TV Paranaíba, tem sua definição sobre Bonnas: “Foi um artesão. Ele vinha de um meio avançado de televisão como São Paulo, para outro que não tinha praticamente estrutura nenhuma. Ele trazia as ideias do que tinha vivido em São Paulo e as reproduzia via improvisação. Não tem tapume, vamos usar o lençol, não tem uma acústica boa, vamos botar caixa de ovo, etc. Se não dá para fazer igual, vamos fazer o melhor possível com o que a gente tem”. Então,

este foi o Waldir Bonnas para o Magoo. Celso Machado, que foi seu parceiro na ABC Produções, acrescenta: “O Waldir era resignado, mas não acomodado. Criativo tanto em ideias, projetos, quanto em recursos. Tirava leite de pedra e ás vezes licores preciosos. Foi precursor, aqui na região, em programas policiais, musicais, infomerciais”. Magoo conta que Bonnas usou horários que a Bandeirantes disponibilizava para fomentar produções locais como telejornal, programa de entrevistas, de entretenimento e mesas redondas esportivas. “Programa tipo Ana Maria Braga, hoje na Globo, foi feito na TV Paranaíba há muitos anos, só que diferente. Como não havia estúdio de vidro com câmeras, ele usava estúdio de lona de toldo, no fundo de uma casa, com a dona Haydee Vasconcelos apresentando um programa feminino de variedades”, recorda. Celso Machado salienta que nas vezes em que ia a São Paulo com Bonnas ficava impressionado com o prestígio dele junto às estrelas do elenco de jornalismo da TV Bandeirantes. Gente

como Fernando Solera, Milton Neves, Luciano do Valle, Fernando Garcia e outros “monstros” da mídia nacional. “Por meio dele conheci Fausto Silva, que comandava o programa Perdidos na Noite, gravado no teatro Zacaro. Era de uma improvisação e sátira como até hoje a TV nunca mais teve”, relembra Celso. Hafez Chacur, que foi seu parceiro na TV Paranaiba e sócio na casa de shows Fazendão compartilha sua opinião: ele era tão competente que “quando a TV Paranaíba inaugurou em 28 de maio de 78, conseguiu fazer com que a emissora menos de um mês depois, em junho , transmitisse a Copa do Mundo . Ele era transparente, humano, sincero. Era mais idealista do que financista. O dinheiro para ele era uma consequência. “Um grande amigo que tive pois, além do relacionamento profissional criamos, uma amizade muito profunda, transparente e sincera.”


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Quem foi?

MEMÓRIA

Diretor da Aciub trabalhou 17 anos com 7 presidentes diferentes

ACIUB:

o criador e a criatura

Argemiro Evangelista Ferreira nasceu em 25 de julho de 1938. Dirigiu o jornal Correio por vários anos.

E ntrevista do criador da Aciub ao jornalista Olívio Calábria em 1991

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esmo com 90 anos quando a gravou estava muito lúcido e com uma memória invejável. Contou o que o despertou para essa iniciativa de criar uma entidade empresarial, recorda Olivio. “Pouco depois, que eu estava aqui , comecei a notar que a cidade se ressentia da falta de uma melhor organização das suas atividades econômicas.“ lembrou José Guimarães E continuou “ Uberlândia era uma cidade muito bem localizada em referência a Goiás e todo o Brasil. Crescia muito, mas não havia nenhuma ordem , nem quem ajudasse a organizar esse desenvolvimento. O que resolvi fazer: “por minha conta, criei a Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Uberlândia. Contratei o advogado dr. Homero Monteiro de Carvalho, e com o apoio do José de Santos fizemos o estatuto. Convidamos o que havia de melhor aqui entre nossos empresários para fazerem parte da associação. Todos aceitaram participar”. Um fato que despertou a curiosidade do jornalista foi a decisão de José Guimarães não ser presidente. “Fiz tudo,

coisa e tal, mas não quis ser presidente, para ninguém falar que estava fazendo aquilo para me salientar. Na reunião que tivemos para a constituição da entidade, convidei o dr. Armante Carneiro para exercer o cargo . Ele era um sujeito muito bom, não queria aceitar. Insisti e ele aceitou e foi o primeiro presidente....” E para não ficar de fora me autonomeei secretário geral.. A associação começou a funcionar numa casai na esquina da praça Tubal Vilela , num prédio alugado. Logo depois eu mesmo comprei um terreno na av. João Pinheiro onde ela ficou funcionando por muitos anos e hoje é o prédio Armante Carneiro. “ finalizou José Guimarães. Em meados dos anos 60, com o apoio da própria Associação, que além de Comercial e Industrial era também Agropecuária, um grupo de pecuaristas tomou a iniciativa de criar uma Associação Rural.. desmembrando as duas importantes entidades. Em 1965, por determinação da Lei Federal 4.214, que a ela foi desmembrada em duas: Associação Comercial e Industrial de Uberlândia – ACIUV e Sindicato Rural de Uberlândia.

Em 1963 criou a distribuidora de revistas Itacolomy que comandou por longo período. Em 1965, formou-se em Direito pela Faculdade de Uberlândia. Administrou por 20 anos o Lar Espírita Alfredo Júlio, membro atuante da Loja 6 de Junho, rádioamador , fazendeiro, cooperado e membro do conselho fiscal da Calu ajudou na elaboração do seu estatuto social. Entusiasta pelo desenvolvimento de Uberlândia, teve destacada atuação como diretor da Associação Comercial e Industrial de Uberlândia em vários mandatos. Faleceu aos 58 anos, no dia 10 de julho de 1996, deixando a esposa Jamila e quatro filhos: Lisiane, Neio Lúcio, Emerson e Lidia.


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Sucesso de público: Parque do Sabiá recebeu cerca de 220 mil pessoas durante os dias do campeonato

FUTEBOL

Show das mulheres Sul-americano de 1995 foi no Parque do Sabiá

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Campeonato Sul Americano de Futebol Feminino foi realizado em Uberlândia entre os dias 8 e 22 de janeiro de 1995. O estádio Parque do Sabiá foi o palco dos jogos que aconteciam em rodada dupla e lotavam as arquibancadas. Carlos Roberto Viola, na época, responsável pela comunicação da Futel relata como foi o evento. “Tudo aconteceu quando a prefeitura foi procurada pela Sport Promotion de São Paulo, empresa especializada em organização de eventos esportivos. A proposta inicial era que a PMU, através da Futel, cujo secretário era Leone Gargalhone, conseguisse um patrocinador de peso para que o Campeonato Sul-Americano pudesse ser realizado em Uberlândia. Fomos informados que a Maizena – Refinações de Milho Brasil tinha interesse. Lá fomos nós, Edson Zanatta, Leone Gargalhone e eu junto ao departamento de Marketing da empresa. Fomos bem-sucedidos: o patrocínio seria em forma de produtos a serem

comercializados pelo Martins, que repassaria o valor para cobrir os gastos com o evento. A marca Martins seria a principal patrocinadora. Com a Irmãos Garcia, revenda Chevrolet conseguimos dois veículos para sorteio entre os frequentadores dos jogos.” Para o jornalista Magoo, o campeonato sul-americano de futebol feminino além de sua importância como evento esportivo, trouxe novos paradigmas para o segmento da informação local, como o aprendizado e conhecimento sobre o relacionamento entre profissionais da mídia esportiva e as assessorias de imprensa. “Com a assessoria de imprensa da Maizena a relação foi intensa, e mais, criou uma cultura de variações de pauta, sem que todos os veículos fizessem a mesma matéria”. Para Viola, este foi o maior evento esportivo já realizado em Uberlândia. “Imagino que pela exposição, frequência de público e divulgação em redes internacionais, Uberlândia nunca teve e jamais terá outra oportunidade neste

padrão.” Segundo ele, de 8 a 22 de janeiro o estádio recebeu cerca de 220 mil pessoas. “Este público jamais foi visto em qualquer lugar do mundo. Um jornalista da cidade ficou incumbido de registrar a performance junto ao Guinness, não deu a devida atenção e tudo caiu no esquecimento. Uberlândia teria esse recorde registrado”, lamenta. Magoo lembra que, até então, o futebol feminino não tinha o espaço e conhecimento do público que tem hoje. “Foi a partir deste evento que o futebol feminino ganhou visibilidade e, para isto, levar o público de graça ao estádio foi fundamental.” Viola conta que a seleção brasileira caiu nas graças dos uberlandenses. “As meninas eram assediadas da porta do hotel até a entrada do estádio. Os treinos tinham torcida como se fosse um dia de jogo oficial. Foram cinco países participantes. O Brasil ganhou um jogo de 15 a 0 – o estádio foi à loucura. No jogo final contra a Argentina, quando sorteamos os carros, o estádio estava completamente lotado”, lembra. Para ele, a falta de eventos como estes atualmente em Uberlândia se dá pela falta de iniciativas dos órgãos ligados aos esportes para elaborar calendários que atendam o público. “Temos exemplos atuais de entidades particulares que abraçaram determinado segmento esportivo e estão se dando magnificamente bem”.


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Finalmentes... Não é usual homenagear pessoas em vida. É cultural valorizar mais a ausência, a perda do que a presença. Nós, do Almanaque “Uberlândia de Ontem e Sempre” pensamos diferente. Daí porque em todos os nossos eventos de lançamento fazermos questão de reconhecer pessoas que fazem ou fizeram a diferença para melhor na nossa cidade. Gente que merece homenagem presencial prestada por quem os valoriza e faz questão de manifestar ao vivo seus agradecimentos pelo mérito de suas obras. Estamos tratando sobre o reconhecimento verdadeiro e totalmente desinteressado àqueles que têm uma trajetória de vida dedicada a uma causa relevante para a cidade. Seja profissional, social, comunitária ou política. Nada mais gratificante do que notar a emoção e agradecimento de quem fez tanto e é tão pouco reverenciado. Em momentos assim ,por mais que tentemos destacar quem merece, somos igualmente homenageados. Foi o que aconteceu em abril no lançamento da edição 14, no Cajubá Country Clube. Aqui o registro destas homenagens.

Pioneiro da Cardiologia em Uberlândia, dr. Castinaldo Brasil recebeu a homenagem pelos colegas Edelweiss Teixeira Jr., diretor comercial da Unimed e dr. Geraldo Carneiro Jr., diretor clínico do Hospital Santa Genoveva

José Pereira Spíndola, ao lado da esposa, recebe emocionado o quadro do artista José Ferreira Neto

Diretoria do Cajubá compartilhando da homenagem ao ex-presidente Paulo Roberto Franco, o “Puaia”

Registro histórico: a escritora Martha Pannunzzio, retratada pelo artista José Ferreira Neto, ao lado do dr. Oscar Virgílio e dona Cora Pavan Capparelli

Flávio Arciole, comemorando 50 anos de palco, ganhou um quadro com o desenho de sua mãe, dona Lóide


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