Ser o maior parceiro do agronegócio é olhar de perto o desenvolvimento do País.
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Com o Plano Safra, o Governo Federal está investindo R$ 216,6 bilhões na agricultura familiar e empresarial. O Banco do Brasil é o maior financiador desses recursos. Porque apoiar o agronegócio gera desenvolvimento para todos.
Ao Leitor Sucessão. Um dia ela chega Não é exagero dizer que, se não diariamente, pelo menos toda semana o pecuarista de leite pensa numa questão crucial: para quem deixar a propriedade? Há os que têm a sorte de ter herdeiros interessados, caso do produtor Antonio José Freire, de Alpinópolis, MG. Outros – a grande maioria –, porém, têm de empreender esforço maior para garantir a continuidade da atividade, preferencialmente, é lógico, entre a família. Nossa reportagem de capa lança este debate, com especialistas no assunto indicando os melhores caminhos para realizar de maneira bem-sucedida a sucessão da propriedade. Um detalhe importante é que propriedades lucrativas e bem geridas obtêm taxa maior de sucesso nesta questão. Pense nisso e boa leitura!
18 Antonio Freire e filhos
Saúde animal
tocam a propriedade em MG, numa sucessão familiar bem feita.
32 Lide bem com os carrapatos
Pastagens
38 É época de adubar
Capa: Lay-out: Edgar Pera Arte final: Edson Alves Foto: Luiz Prado
Integração
42 Fazenda em MG adota a ILPF
Colunistas 10 Gestão, Christiano Nascif 16 Qualidade, Marcos Veiga 50 Seguindo em Frente, Ismail R. Haddade
Entrevista Andres Padilla 6 O analista sênior do Rabobank traça um
cenário para os preços do leite aqui e lá fora. E recomenda ao produtor: é hora de gerir a propriedade na ponta do lápis.
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Seções
Bem-estar na ordenha
4 Ao Leitor 8 Mercado 9 Palavra da Indústria 47 Eventos 48 Empresas e Produtos
Mundo do Leite
Manejo
Está mais do que provado: vacas tratadas com carinho e atenção recompensam o produtor com mais leite
Arte
Daniel Bilk Costa, Demétrio Costa e Odemar Costa.
Editor Edgar Pera
Diretor Responsável
EDITORAÇÃO
Demétrio Costa
Edson Alves e Célia Rosa
Redação
Coordenação Gráfica
Editora Tânia Rabello
Walter Simões
CONSULTOR TÉCNICO
Edson Gonçalves Colaboradores
Ana Kátia, Ariosto Mesquita, Fernanda Yoneya, Ivaris Júnior, Mônica Costa e Niza Souza
Mundo do Leite out-nov /2015
Tiragem desta edição: 20 mil exemplares. Tiragem e circulação auditadas
É uma publicação bimentral da DBO Editores Associados Ltda., com circulação em fevereiro, abril, junho, agosto, outubro e dezembro.
Diretores
4
LUIZ PRADO
Marketing
Gerente Rosana Minante COMERCIAL
Gerente Paulo Pilibbossian
VENDAS
Márcia Cobra
marciacobra@midiadbo.com.br Circulação e Assinaturas Gerente: Edna Aguiar
edna@midiadbo.com.br Impressão e Acabamento
Prol Editora Gráfica Ltda. DBO Editores Associados Ltda. Rua Dona Germaine Burchard, 229 - Perdizes, São Paulo – SP – 05002-900 Tel.: 11 3879-7099 - www.portaldbo.com.br
Entrevista
Andres Padilla
Pensar e projetar as tendências do mercado de lácteos no País e no mundo são as principais atribuições do analista sênior do Rabobank Brasil, Andres Padilla. Formado em ciências contábeis e administração financeira pela University of Gloucestershire, na Grã-Bretanha, o colombiano Padilla mora em São Paulo e atua, no banco holandês, no desenvolvimento de estudos e pesquisas nos setores de bebidas e laticínios. É responsável, ainda, por apoiar bancos locais na execução de projetos de consultoria, além de aquisições. Nesta entrevista exclusiva à Mundo do Leite, Padilla traça um diagnóstico da atual situação da cadeia leiteira no País e no mundo.
Ano de apertar o cinto Tânia Rabello
Mundo do Leite – Estamos vivendo um cenário aparentemente pouco favorável ao produtor de leite no Brasil. Crise econômica, que tem o potencial de reduzir o consumo de lácteos; dólar valorizado, que encarece insumos, e tendência de queda de preços do leite pago ao produtor neste início de safra. O que podemos prever para o produtor até o fim do ano e no ano que vem?
Divulgação
Andres Padilla – Com base nos da-
6
Mundo do Leite out-nov/2015
dos de agosto do Cepea/Esalq/USP, que apurou o preço do litro do leite na média Brasil em R$ 0,9964 para a matéria-prima entregue em julho e paga em agosto, a tendência a partir de agora é de queda nas cotações. Nossa previsão é que até o fim do ano o leite esteja entre R$ 0,12 e R$ 0,15 mais barato por litro. Depois de dezembro, os preços devem voltar a subir. Esta queda agora é um processo normal, pois estamos em pleno início de safra leiteira, e a oferta aumenta. Com todo este quadro, há tendência de aperto nas margens de lucro do
pecuarista. Devemos lembrar também que o custo interno dos grãos está em alta, principalmente o milho, que tem acompanhado as cotações do dólar e é um dos principais insumos da pecuária leiteira. Ou seja, o produtor terá margens um pouco mais apertadas do que já tinha há cerca de seis meses. Basicamente, ele vai ter de se preparar para ter rentabilidade menor e, para isso, ser eficiente é fundamental. Vai ser um período um pouco mais complicado do que nos últimos 12 meses.
Entre 2013 e 2014, porém, com os preços do leite bastante compensadores, o produtor, mais capitalizado, investiu bastante em eficiência de processos e em tecnologia. Esse investimento não o ajudará a enfrentar este período mais difícil de agora? Devemos nos lembrar que a atividade do leite é de longo prazo e tem um ciclo natural como qualquer outra atividade do agronegócio. Quando a pecuária garante boas margens de lucro o criador tem, efetivamente, de investir no negócio e principalmente se precaver contra períodos como o atual. Só que muitos dos investimentos são destinados a produzir mais leite. Ele compra máquinas, vacas mais produtivas, melhora pasto e a infraestrutura da fazenda. Então, atualmente, embora o pecuarista tenha condições de ser mais produtivo pelo fato de ter se tecnificado lá atrás, ele terá também de ser mais eficiente com os seus gastos e com a gestão da propriedade rural. Outra questão essencial é que aqueles que têm volume e leite de qualidade com certeza receberão um preço melhor pela matéria-prima e estarão numa situação bem melhor do que os que não investiram. Eles vão passar muito bem, ao passo que pecuaristas que não aplicaram recursos em qualidade e en-
Apesar de estar prevista uma queda de 3% no consumo de lácteos este ano no País não estamos vendo um cenário desesperador, mesmo com a crise macroeconômica. Por enquanto, pelo menos, não”
tregam baixos volumes ao laticínio vão sofrer mais. E vão ter de tomar decisões em relação à sua atividade.
indústrias estão comprando menos daqui e processando parcela maior de leite importado.
Quais as perspectivas para o consumo de leite no País tendo em vista o atual cenário da economia?
O dólar valorizado tem favorecido as exportações do setor, mesmo com os preços internacionais do leite em acentuada queda?
Estamos esperando uma queda de 3% no consumo de leite líquido este ano. O leite pasteurizado, porém, vai cair muito mais do que o UHT (o leite longa vida). O UHT, aliás, talvez nem apresente queda de consumo, pois devemos lembrar que no primeiro semestre deste ano o longa vida teve incremento de 4% nas vendas. No segundo semestre a contração para esta categoria de leite deve ser de apenas 1%. Como o pasteurizado deve cair bastante, o total do consumo de leite fluido deve ter uma queda. Lembrando ainda que a maior parte do que os laticínios consomem de leite é direcionada para a fabricação de queijos, cujas vendas devem crescer 2% este ano. Ou seja, não é, de fato, um cenário desesperador de queda no consumo, mesmo com a crise macroeconômica. Por enquanto, pelo menos, não.
E as perspectivas para a produção de leite no País? O número que acompanhamos é o do IBGE, referente ao leite industrializado. E os dados de produção do segundo trimestre de 2015 apontam queda de 2,3%. É o terceiro trimestre de queda na produção, simplesmente porque as
Este ano estamos novamente com déficit na balança comercial dos lácteos, ou seja, importando mais do que exportando. Mesmo com o dólar a R$ 4,05 (cotação do dia 23 de setembro), a queda dos preços internacionais do leite não torna o Brasil tão competitivo assim. Nesta questão não esperamos uma recuperação expressiva dos preços internacionais de lácteos pelo menos até o segundo semestre de 2016. Esta recuperação começará com a queda de até 9% na produção leiteira da Nova Zelândia, o principal player deste mercado no mundo. A única questão é que as importações brasileiras de leite em pó devem se reduzir no segundo semestre em relação ao primeiro. Transformando tudo o que se importou de lácteos e litros de leite equivalentes, o déficit da balança comercial do setor foi equivalente a 2,6% de tudo o que se produziu de leite no País entre janeiro e junho. No segundo semestre, porém, este déficit deve ser mais moderado e ficar em 2% do total de leite produzido no País. É um déficit meio constante desde 2012. Em 2014, que foi um ano atípico, o Brasil conseguiu exportar mais. n out-nov /2015 Mundo do Leite
7
Mercado O leite nas pistas
Praça²
Total de animais vendidos
MG
869
3.005.110
3.458
SP
173
779.360
4.505
GO
348
1.848.450
5.312
Preço médio (em R$)
Comparação entre 2014 e 2015 2 (Até 22/9 de cada ano) 2014
2015
Média de preços (em R$)
7.438
4.052
Total de animais vendidos no País
1.661
1.390
(1) Período de 22/8/2015 a 22/9/2015; (2) Nas três principais praças de comercialização
Variação do preço do leite ao produtor Média nacional ponderada - em R$/litro
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Chegada das chuvas marca o início do período de safra Tânia Rabello
Preços médios dos leilões de gado leiteiro¹ Faturamento (em R$)
Fartura de pasto, queda de preços
Mundo do Leite out-nov/2015
O fim de setembro e o início de outubro marcam o fim da entressafra na pecuária leiteira no País. Com a volta das chuvas, as pastagens ganham vigor e têm condições de suportar maior número de vacas leiteiras, aumentando a produção e reduzindo custos com concentrados. Assim, se o aumento da captação na entressafra ocorria principalmente no Sul do País por causa das nutritivas pastagens de inverno, a situação deve se estender agora aos principais Estados produtores. Consequentemente, o preço do leite, que atingiu seu pico no pagamento de agosto (R$ 0,9964/litro na média Brasil), deve começar a ceder, indica o Cepea/Esalq-USP, em seu boletim de 1º de setembro. Conforme o Cepea, “a expectativa da maioria dos agentes consultados é de que, com o avanço da safra sulista e o aumento de chuvas no restante do País, a produção leiteira se eleve e as cotações percam fôlego nos próximos meses”. Ainda segundo a instituição, 48,5% dos laticínios e cooperativas consultados – que representavam 43,5% do leite amostrado – acreditam em queda nas cotações no leite entregue em agosto e pago em setembro. Outros 27,3% (47,2% do leite amos-
trado) sinalizam estabilidade e 24,2% (9,3% do leite amostrado) indica tendência de alta nos preços. É bom lembrar, porém, que mesmo o preço do leite tendo atingido seu pico em agosto, isso não necessariamente significa maiores ganhos ao produtor, pois este valor ainda está cerca de 10% abaixo do preço do litro na mesma época do ano passado (deflacionado pelo IPCA de julho/15, segundo o Cepea), quando o consumo estava muito mais aquecido. A queda de preços da safra deve fazer o produtor apertar o cinto.
Assim como o Cepea, a Scot Consultoria, de Bebedouro, SP, indica tendência de queda de preços a partir de outubro, em razão do início da safra. Em seu boletim publicado em 3 de setembro, a consultoria relata que para o pagamento de setembro (referente ao leite entregue em agosto), 36% dos laticínios pesquisados no País acreditam em queda de preços, 55% em manutenção e 9% restantes falam em alta nas cotações (principalmente no Norte e Nordeste). A Scot vislumbra também o cenário para os meses seguintes: “Para o pagamento de outubro a pressão de baixa aumenta, ganhando força no pagamento de novembro, com o peso do início da safra no Brasil Central e Região Sudeste”. n
Palavra da Indústria
Sem crise, e com inovação e investimento Tânia Rabello e Ivaris Júnior
C
rise parece ser uma palavra riscada do dicionário da Frísia Cooperativa Agroindustrial, sediada em Carambeí, no Paraná, referência em produção de leite de qualidade no País. Já os verbetes inovação e investimento poderiam ocupar várias páginas do “Aurélio” desta agroindústria. A palavra inovação foi representada por um importante acontecimento este ano na história da cooperativa, que completou 90 anos em agosto – a mais antiga do Paraná e a segunda mais antiga do Brasil. Naquele mês, ela tomou ousada atitude e mudou de nome. Da conhecida e consagrada Batavo Cooperativa Agroindustrial, passou a se chamar Frísia Cooperativa Agroindustrial. Conforme explica, em nota, a agroindústria, assim como o nome Batavo remetia à Batavia, localidade dos Países Baixos, Frísia também tem ligação com esta geografia, sendo uma província da mesma região. “A mudança é apenas de denominação social. A cooperativa continuará a mesma, com os mesmos valores, primando pela qualidade, investimento em tecnologia e excelência na produção”, afirma, em nota, o presidente da Frísia Cooperativa Agroindustrial, Renato Greidanus. É bom lembrar também que a constante confusão com a famosa marca de iogurtes Batavo, talvez tenha sido outro motivador da mudança de nome.
Quanto ao verbete “investimento”, o mais importante não teve a ver este ano com a pecuária leiteira, mas com suínos. Com aporte de R$ 40 milhões, inaugurou a Unidade Produtora de Leitões Frísia, com foco no bem-estar animal, na sus-
tentabilidade e capacidade para produzir semanalmente 2.900 leitões. A cooperativa – com 777 cooperados; captação anual de 152,2 milhões de litros de leite; 182.500 hectares plantados; produção de 755.000 toneladas de grãos e R$ 1,6 bilhão de faturamento – investiu este ano também na ExpoFrísia 2015, realizada no fim de maio, em Carambeí, que reuniu 15.000 pessoas e movimentou R$ 9 milhões em negócios – incremento de 80% em relação à edição do ano passado. Reforçando a tese de que crise não é palavra no dicionário da cooperativa, a Frísia aumentou em 30% o espaço para estrutura e acomodação de visitantes. Trouxe ainda novidades do mercado de insumos, tecnologias e conhecimentos científicos.
Além de leilões, mostras e julgamentos de animais leiteiros das raças Jersey, Holandês Vermelho e Branco e Preto e Branco, também foi lançado o 2º Catálogo de Touros da Intercooperação Batavo, Castrolanda e Capal, que reúne uma seleção de 50 animais de qualidade superior, escolhidos entre mais de mil exemplares das 13 empresas de genética participantes. A escolha envolveu critérios como ênfase em produção de leite com sólidos, boa vida produtiva e características de saúde, além de úbere, pernas e tipo. Para o produtor e cooperado Leonel Arlindo Dalfovo, da Fazenda Monte Alto, em Carambeí (afixo Wilpe), a avaliação dos animais nos julgamentos encheu de orgulho os criadores de Arapoti, Carambeí, Castro e região. Dalfovo é herdeiro de Francisco Von Wilpe, seu cunhado (cooperado número 52 da antiga Batavo), e vem deslanchando a carreira da grife no plantel Holandês brasileiro pelas premiações e reconhe-
“
A mudança de nome de Batavo para Frísia é apenas de denominação social. A cooperativa continuará a mesma”
Renato Greidanus Presidente da Frísia
cimento comercial. Para se ter uma ideia, em 12 anos ele saiu de um rebanho de 100 matrizes com média de 2.800 litros de leite/dia. Hoje são 210 fêmeas em lactação com média diária de 7 mil litros. Para o pecuarista, a cooperativa de Carambeí é essencial para garantir assistência técnica e outros benefícios, mesmo ele sendo um produtor considerado de grande porte para a região. O criador investiu em melhoramento genético e possui, em seu acervo, prêmios inclusive de exposições nacionais da raça Holandesa. Mais uma prova que investimento e inovação são a marca da nova Frísia. n out-nov/2015 Mundo do Leite
9
Gestão Christiano Nascif
Produzir leite com qualidade é um bom negócio? Christiano Nascif Zootecnista, coordenador de assistência do Pdpl-RV e coordenador técnico do Projeto Educampo/Sebrae.
Especificação CCS CBT Gordura Proteína
10
A
resposta ao título parece óbvia. Mas não é. Cansamos de ouvir afirmativas de produtores e até de profissionais da área questionando a viabilidade de produzir leite com qualidade. Sabe-se das imperfeições que ainda regem este assunto na pecuária leiteira. Como exemplos, temos a falta de uma política séria para o setor; o compromisso dos captadores com a qualidade da matéria-prima e do produto final; a fiscalização para fazer valer as regras estabelecidas por parte do poder público e o destino final para o leite fora dos padrões. Além disso, o cumprimento da legislação independe do período do ano, quando há excesso ou falta de leite no mercado. Esses fatores dificultam ainda mais a consolidação de uma política nacional para a qualidade do leite. Isolando temporariamente essas questões, analisamos os resultados obtidos nas fazendas participantes do Projeto Educampo/Sebrae em Minas Gerais. Dividimos os produtores em dois grupos: os que já atendem plenamente à normativa IN 62 para a Região Sudeste, a vigorar a partir de julho/2016, e o grupo que ainda não atende a essa norma. Todos os dados econômicos foram deflacionados para junho de 2015, pelo IGP-DI. Na tabela abaixo, de forma resumida, temos os valores médios de contagem de células somáticas (CCS), contagem bacteriana total (CBT), gordura e proteína das amostras em conformidade e em não conformidade com os valores preconizados na IN62. Podemos afirmar, e não acreditamos que seja mera coincidência, obra do acaso ou “coisa do destino”, que o grupo de fazendas que atendem à IN 62 é muito mais bem equilibrado tecnicamente do que
Fazendas que Fazendas que não Padrão IN 62 a atendem a IN 62 atendem a IN 62 partir de 7/2016 x1000 Cel./ml 291 898 400 x1000 UFC/ml 20 365 100 % 3,73 3,78 3,00 % 3,22 3,27 2,90 Unidade
Mundo do Leite out-nov/2015
o que não atende a essa norma. Portanto, é de se esperar que a busca pela melhoria do leite visa beneficiar todos os setores da fazenda. Leite de qualidade e com boa composição é resultado da interação saudável dos diversos setores da propriedade e não somente daqueles ligados diretamente à qualidade do leite, como a saúde do úbere; a limpeza de ordenha; a manutenção de máquinas e equipamentos. A reprodução do rebanho, pode não parecer, mas, em uma propriedade, tem tudo a ver com a produção de leite com qualidade e boa composição. Vamos observar o gráfico 1. P ercebam que as fazendas que atendem à IN 62 têm um intervalo menor entre os partos do rebanho, 510 ante 557 dias, o que pode levar à maior proporção de vacas em lactação com relação ao total de vacas, 81% ante 76%. A fim de compensar o maior intervalo entre os partos, as fazendas fora das normas esticam um pouco mais o período de lactação das vacas para que fiquem menos tempo sem produzir leite. Isso provoca o aumento do número de células somáticas, pois vacas com mais tempo em lactação tendem a produzir leite com contagem elevada de células somáticas.
É uma estratégia tida como “vantajosa”, mas que parece não ser tão boa assim, pois o valor médio da CCS do grupo com menor intervalo de partos foi de 291 células por mililitro (x1000), ante 899 células por mililitro (x1000) do grupo com maior intervalo de partos. Dessa forma, a produção de leite por vacas em lactação por dia de intervalo de partos (L/ VL/dia de IP) também piora para esse grupo de produtores. Enquanto o grupo em conformidade com a IN 62 tem 13,15 litros/vaca/dia de intervalo entre partos, o grupo em não conformidade tem 10,20 litros/ vaca/dia de intervalo entre partos. Este indicador conjuga a produtividade de leite das vacas com reprodução: quanto menor, pior. Percebam que a produção/dia de intervalo de parto do rebanho do grupo que não atende à IN 62 é
33% menor do que a produtividade das vacas em lactação do mesmo grupo. Nas fazendas que atendem à IN 62 esta redução é menor (28%). Mas será que o sucesso obtido com a qualidade do leite se converte em mais dinheiro no bolso do produtor? Vamos analisar o gráfico 2 para esclarecer essa dúvida. Esses dados comprovam que o lucro é o resultado das coisas bem feitas. Vejam que as fazendas que atendem à IN 62 ganham mais dinheiro com o negócio leite. Enquanto a margem líquida por vaca em lactação do grupo fora da IN 62 é de R$ 599/vaca em lactação, a média do grupo dentro da normativa é de R$ 1.382/vaca em lactação. Esse resultado elevou a rentabilidade do negócio leite para os produtores do grupo dentro da IN 62, pois alcançaram uma taxa de retorno do capital empatado na atividade leiteira de 6,25% ao ano, ante 2,61% ao ano do grupo fora da IN 62. Portanto, os produtores que já atendem à norma produzem leite de qualidade superior, devido ao equilíbrio de desempenho nos vários setores da propriedade. Para esse grupo a atividade leiteira é melhor do ponto de vista econômico, enquanto o grupo que não consegue equilibrar corretamente os diversos setores das suas fazendas produz leite de qualidade inferior e não tem na atividade leiteira uma atividade econômica. O estimado leitor desta coluna, mesmo sabendo que o mais importante é o quanto sobra do total da renda no fim do ano e não somente o custo total de produção, ainda pode estar se perguntando: “Mas produzir leite com qualidade custa caro. Será que vale a pena?” Percebam que o custo total de produção entre os dois grupos foi praticamente o mesmo, o que mudou foi o valor recebido por causa das bonificações por volume, qualidade e composição do leite. Nesta análise concluímos que não basta gastar, tem que saber gastar para que haja retorno. Chamamos a isso de eficiência na aplicação dos recursos, na hora certa e do jeito certo, para alcançarmos a melhor relação custo-benefício. Vejam que custo por custo foi praticamente o mesmo valor. Porém, um grupo gasta R$ 1,08 para produzir um litro de leite com qualidade muito superior ao outro grupo, que gasta R$ 1,09/litro para produzir um leite de qualidade inferior. Sendo assim, o binômio custo versus leite de qualidade é separado por uma sutil e tênue linha da eficiência. Produzir leite com qualidade não se explica por ter mais ou menos recurso financeiro e, sim,
Gráfico 1. Qualidade X Equilíbrio de indicadores técnicos 600
557
510
500 400 300 200 81
100 0
76
13,15 17,92
-28
10,20 14,88
-33
Fazendas que atendem IN62
Fazendas que não atendem IN62
vacas em lactação/total vacas (%)
IP (dias)
Produção/dia de IP (l/vl/dia de IP)
Produção/vacas em lactação (L/dia)
por conhecimento, vontade, eficiência, desempenho e equilíbrio em todos os setores da fazenda. Um dado importante que também analisamos foi o volume médio de leite descartado pelos dois grupos. O grupo adequado à norma IN 62 descartou, por fazenda, em média, 1.219 litros/ano, no valor de R$ 1,22/litro, deixando de faturar R$ 1.487/ano. O grupo inadequado à norma descartou menos, 823 litros/ ano, vendendo o leite a R$ 1,13/litro e deixando de faturar, em média, por fazenda, R$ 930/ano. Notem que o grupo que descartou mais em volume e renda foi o que ganhou mais. Por trás dessa aparente contradição, vem a sutileza da interpretação: quem descartou mais foi menos punido, pois o maior descarte se converteu em maior bonificação, tendo impacto direto e positivo no preço médio obtido por Gráfico 2. Qualidade X indicadores econômicos TRCCT: 6,25 % a.a.
3 2,5
1.382
1,08
TRCCT: 2,61 % a.a.
1,09
2 1,5 1 0,5 0
Custo operacional efetivo do leite (R$/L) Custo operacional total do leite (R$/L)
1,00 1,22 0,91
1,00 599 1,13
Custo total do leite (R$/L)
0,91
Margem liquida por vaca em lactação (R$/Cab.)
0,14
0,04
Fazendas que atendem IN 62
Fazendas que não atendem IN 62
Lucro unitário (R$/L) Preço médio do leite (R$/L)
Fonte: CPDEducamp/Labor Rural
out-nov/2015 Mundo do Leite
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Gestão
“Produzir leite com qualidade é apenas um dos subprodutos para gerar lucro na propriedade”
12
litro de leite vendido. Ainda existem produtores e técnicos que acreditam que não vale a pena investir em qualidade e que o adicional pago com o maior volume é muito superior às bonificações por qualidade. Em uma análise reducionista, este argumento poderia ter até um certo sentido, mas quando nos convencemos de que a qualidade do leite é somente um dos subprodutos para gerar lucro, e como subproduto deve ser correlacionado com os outros setores da propriedade para gerar o produto final que é o lucro com sustentabilidade, este argumento cai por terra.
valores adicionais com o valor economizado nos gastos com reprodução e subtraímos do valor gasto a mais com material de ordenha, o valor é positivo em R$ 119,97 mais, por vaca em lactação, para o grupo dentro dos padrões da IN 62. Portanto, quando somamos os resultados das taxas de sucesso de todos os setores de uma propriedade, sem considerar o adicional de volume, notem que o resultado positivo desta interação, R$ 119,97/ vaca em lactação, superou o resultado obtido com o adicional de volume, R$ 110,53/vaca em lactação.
Percebemos que o adicional por volume, quando analisado por vaca em lactação, é muito superior nas fazendas que atendem à IN 62 em relação aos que não atendem, R$ 103,99/vaca em lactação de diferença, pois produziram em média 1.530 litros/ dia, ante 1.290 litros/dia dos que não a atendem. Entretanto, esse fato não diminui a real importância da necessidade da eficiência em outros setores da propriedade. Percebam que as fazendas dentro das normas IN 62 gastam menos R$ 62,04 com reprodução por vacas em lactação, gastam a mais com material de ordenha para obter leite com qualidade superior em R$ 40,45/vaca em lactação, tem um adicional por CBT e CCS de R$ 52,91 e R$ 58,46/vaca em lactação, respectivamente. Assim quando somamos todos os
com qualidade é um bom negócio do ponto de vista técnico-econômico. Esse sucesso não deve ser atribuído somente aos bons resultados obtidos nos setores no que tange diretamente à obtenção de leite com qualidade mas, sim, ao perfeito equilíbrio entre todos os setores de uma propriedade que tem como objetivo desenvolver uma pecuária leiteira sustentável. Dessa forma, cada vez mais é necessário que as propostas do poder público, das empresas que compram leite, dos produtores de leite, da assistência técnica e dos consumidores sejam congruentes, de modo que a qualidade e a composição do leite sejam subprodutos do lucro sustentável, não somente na pecuária leiteira, mas também em toda cadeia do negócio leite no Brasil. n
Mundo do Leite out-nov/2015
Enfim, podemos afirmar que produzir leite
Qualidade Marcos Veiga
Balanço negativo de energia e risco de mastite praticamente dobra entre o fim da gestação e o início da lactação. Somente a demanda de glicose, que na vaca é totalmente produzida no fígado, aumenta de 1,35 quilo por dia (11 dias antes do parto) para 2,7 quilos por dia (11 dias pós-parto) e 3,3 quilos/dia (22 dias pós-parto). Além do aumento da demanda de glicose, também há elevado déficit de proteína neste período de transição. Desta forma, parte dos requerimentos de aminoácidos necessários para suportar o crescimento fetal e o início da lactação se origina das reservas corporais da vaca leiteira. Para atender à demanda de proteína, a vaca mobiliza em média 1 quilo/dia de reservas corporais de proteína do músculo entre sete e dez dias pós-parto. Recém-parida. Para produzir grandes quantidades de leite no início da lactação a vaca necessita de bastante glicose para processar a lactose, assim como energia e proteína para sintetizar gordura e proteína
Marcos Veiga Professor Associado da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, campus de Pirassununga, SP.
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O
intervalo compreendido entre três semanas antes e três semanas depois do parto da vaca leiteira é chamado de período de transição, que tem sido intensamente estudado, em razão do impacto sobre a vida produtiva da vaca, além dos reflexos diretos sobre o metabolismo; a produção de leite; a reprodução; o sistema imune e a sanidade. Nesta fase há mudanças metabólicas significativas. Dentre as quais, destacam-se o rápido crescimento fetal durante o fim da gestação; a redução drástica de consumo de alimentos; o início da produção de colostro; as alterações hormonais associadas ao parto (redução de níveis sanguíneos de progesterona e aumento de estrógeno); o parto e o início da produção de leite. As mudanças metabólicas nesse período de transição têm por objetivo preparar o organismo da vaca para alternar de forma rápida a situação de baixa demanda de nutrientes (durante o fim da gestação) para um momento de altíssima demanda (início da lactação). Para produzir grandes quantidades de leite no início da lactação, a vaca necessita de bastante glicose para sintetizar a lactose, assim como energia e proteína para sintetizar gordura e proteína do leite. Os estudos indicam que a demanda de energia
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No entanto, a despeito da intensa demanda de energia e de nutrientes na transição, a vaca leiteira passa por uma redução de cerca de 30% a 35% de consumo de alimentos entre o fim da gestação e início da lactação. A combinação de maior da demanda de nutrientes, associado com menor consumo de alimentos, resulta na necessidade de mobilização de reservas corporais de energia (gordura) e de proteína (tecido muscular), o que caracteriza a ocorrência de balanço negativo de energia e proteína. O controle hormonal da mobilização de reservas de gordura é feito pelos níveis circulantes de insulina. Quando há redução da glicemia em resposta ao aumento da demanda de energia para produção de leite, associada à baixa no consumo de alimentos, os níveis de insulina circulantes diminuem, o que estimula a mobilização das reservas de gordura. Para esta mobilização, a gordura armazenada na forma de triglicérides é convertida em ácidos graxos livres, que são transportados pela corrente sanguínea (ligados em proteínas como albumina) até a glândula mamária, fígado e outros tecidos para a utilização como fonte de energia. Quando ocorre dentro dos limites fisiológicos da vaca leiteira, a mobilização de reservas de gordu-
ra é benéfica e necessária para atender ao aumento da demanda de energia, pois é um fenômeno fisiológico normal neste período. Contudo, quando há mobilização excessiva das reservas de gordura e produção muito intensa de ácidos graxos livres, a capacidade de metabolização pelo fígado é ultrapassada, o que resulta em acúmulo de gordura neste órgão, conhecida como síndrome do fígado gorduroso ou esteatose. Nesta condição, a função metabólica de síntese de glicose pelo fígado fica prejudicada, o que leva à menor disponibilidade de glicose para a produção de leite. Além disso, o acúmulo de gordura no fígado dificulta a metabolização de ácidos graxos livres, que é então convertido em corpos cetônicos, como o beta-hidroxibutirato. Deve-se destacar que vacas muito gordas têm maior risco de problemas de saúde neste período de transição, pois tendem a perder mais peso (maior mobilização de reservas de gordura), o que aumenta o risco de síndrome do fígado gorduroso.
Observações de campo e dos estudos científicos indicam que as mudanças metabólicas no período de transição também afetam negativamente o sistema imune da vaca. As principais evidências são a maior frequência de doenças e o agravamento dos sintomas apresentados. Estima-se que 75% das principais doenças metabólicas das vacas leiteiras (febre do leite, cetose, retenção de placenta, deslocamento de abomaso) e infecciosas (mastite e metrite) ocorram no primeiro mês de lactação. No caso da mastite, cerca de 25% dos casos clínicos ocorrem nas duas primeiras semanas pós-parto, sendo que os principais agentes causadores são os coliformes e estreptococos ambientais. Desde a década de 1980, estudos científicos indicam que no período de transição ocorre redução da capacidade de resposta imune, tanto do sistema celular quanto do sistema humoral (anticorpos). Por exemplo, a capacidade de fagocitose e de morte de patógenos encontra-se diminuída duran-
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Qualidade te alguns dias antes e após o parto. Esta imunossupressão (menor capacidade de resposta imune) aumenta o risco de doenças, principalmente durante as duas a três semanas pós-parto. As causas da imunossupressão no período de transição não estão totalmente esclarecidas, mas estudos indicam que tanto as mudanças hormonais associadas ao parto quanto as alterações metabólicas associadas ao balanço negativo de energia são as principais responsáveis pela redução da capacidade de resposta imune. As doenças metabólicas e infecciosas que ocorrem nos primeiros 30 dias de lactação estão altamente relacionadas entre si, assim como têm reflexos diretos e indiretos com as medidas de manejo nutricional adotados no pré-parto. A maior ocorrência destas doenças no pós-parto está associada com duas causas principais: balanço negativo de energia (deslocamento de abomaso, cetose, disfunção ovariana) e com a imunossupressão (retenção de placenta, metrite, mastite). No entanto, os estudos indicam que as doenças do pós-parto são multifatoriais e que existem inúmeras interações entre as doenças, o balanço negativo de energia e a imunossupressão. De forma geral, a ocorrência de uma dessas doenças está associada a uma maior intensidade de balanço negativo de energia e/ou com maior imunossupressão.
Diversos estudos epidemiológicos indicam que há uma associação positiva entre doenças metabólicas no pós-parto e o risco de mastite. Foi estimado, por exemplo, que uma vaca com hipocalcemia (febre do leite) tem risco oito vezes maior de ter mastite. Vacas com retenção de placenta também têm risco maior de ter a doença. De maneira semelhante, vacas com cetose têm risco duas vezes maior de desenvolver mastite do que as sadias. Desta forma, o aumento do risco de desenvolvimento de mastite no pós-parto é parcialmente explicado pelos efeitos negativos do balanço negativo de energia (aumento de ácidos graxos livres no sangue) e da hipocalcemia que ocorre no período pós-parto. Na hipocalcemia, mesmo que na forma subclínica, a redução da concentração sanguínea de cálcio pode resultar em menor capacidade de contração do esfíncter dos tetos e na maior permanência da vaca deitada. Esses dois fatores, associados com menor capacidade de resposta imune, podem explicar o aumento do risco de ocorrência de mastite em
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vacas com hipocalcemia pós-parto. Além disso, esta doença é um fator estressante para a vaca, pois ocorre aumento de cerca de cinco a sete vezes nas concentrações sanguíneas de cortisol, considerado um agente imunossupressor, cujo resultado é aprofundar ainda mais a imunossupressão pós-parto. Além da hipocalcemia, a cetose é outra doença metabólica associada com o aumento do risco de mastite. A cetose subclínica pode ser diagnosticada em 30% a 50% das vacas no pós-parto, quando há aumento da concentração de corpos cetônicos no sangue, urina ou leite, o que é indicativo da intensidade do balanço negativo de energia da vaca leiteira. Um estudo científico estimou que a vaca leiteira tem redução de 20% a 30% do consumo de alimentos entre um e dois dias antes do parto, o que resulta em elevado déficit de energia e proteína para a produção de leite e para o funcionamento normal do sistema imune. Assim, uma das principais estratégias usadas para reduzir as consequências e os efeitos negativos do balanço negativo de energia no período de transição são as estratégias nutricionais, cujo principal objetivo é otimizar o uso de ingredientes, o consumo de energia no período peri-parto e a fermentação ruminal. O manejo nutricional das vacas deve ser feito para evitar o excesso de condição corporal (sobrepeso) antes do parto, pois vacas gordas têm maior redução do consumo de alimentos e consequente aumento do balanço negativo de energia. Além do manejo nutricional, recomenda-se que as vacas no período periparto sejam alojadas em instalações com boas condições de conforto térmico (ventilação e aspersão), adequada dimensão de cocho (diminuir a disputa durante fornecimento de alimentos), ambiente limpo e seco (evitar superlotação), o que reduz o risco de contaminação dos tetos com patógenos ambientais oportunistas. Além disso, recomenda-se reduzir as mudanças de lotes de vacas, para reduzir o estresse causado pela dominância social entre as vacas. n
Condição corporal. Vacas muito gordas podem ter problemas sérios no pré e no pós-parto
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Crescimento em família
Sucessão bem feita. O produtor Antonio José Freire e seus filhos FOTOS: LUIZ PRADO
Enéias (esq.) e Mateus que, junto com mais duas irmãs, cuidam da propriedade leiteira
A sucessão no campo ainda é um tabu para muitos produtores, mas o sucesso dessa transição depende da profissionalização da atividade e da transparência com que pais e filhos tratam o assunto. 18
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Niza Souza
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a Fazenda Pérola, em Alpinópolis, MG, os quatros filhos do produtor Antônio José Freire, de 68 anos, se preparam desde a adolescência para assumir os negócios. Atualmente, os homens, Mateus, de 34 anos, e Enéias, de 30 anos, dividem as principais funções da produção. O mais velho toma conta dos animais, da inseminação à ordenha, e o outro cuida da lavoura, para garantir a alimentação do rebanho. E as mulheres, Lilian, de 40 anos, e Helen, de 37, são responsáveis pela parte burocrática e pelo dia a dia do escritório. O pai acompanha tudo de perto, mas garante que dá autonomia para todos cuidarem de suas tarefas. Para a família, a sucessão do comando dos negócios nunca foi encarada como um problema e sempre foi tratada com naturalidade e transparência. “A atividade leiteira é árdua e complexa, precisa de muita dedicação, pois não temos folga. A gente sempre conversou muito sobre isso. Desde criança, eles me acompanhavam no dia a dia e foram aprendendo sobre tudo na fazenda”, lembra Antônio José.
Ele conta que começou cedo a preparar os filhos para assumirem o negócio da família. E teve sorte de todos terem interesse em continuar a atividade. Isso não os impediu de saírem para estudar fora da cidade. “Um dos meninos começou a faculdade de agronomia e o outro de administração. Nenhum dos dois chegou a se formar, mas eles tiveram essa experiência e voltaram para cá. Eles conhecem bem o negócio e estão preparados para a sucessão”, garante o produtor. Antonio José, que nasceu na área rural, conta que antes de iniciar a atividade leiteira teve uma empresa de transporte. Mas há 30 anos decidiu voltar para
Tranquilidade. Freire sabe que terá herdeiros competentes para tocar a fazenda de leite
o campo. O negócio começou pequeno, e hoje a família Freire produz 16 mil litros de leite por dia, em cerca de 800 hectares, divididos em oito pequenas propriedades. “A gente vê tanta desavença por aí, herdeiros vendendo as terras, dividindo tudo. Isso torna inviável a produção de leite. Por isso, sinto orgulho dos meus filhos, pois todos tiveram interesse em continuar o negócio da família.”
Infelizmente, o caso da família Freire não é a regra na maioria das propriedades rurais, especialmente as de leite. Estima-se que atualmente existem em torno de 5 milhões de propriedades rurais no País. Mas estudos de instituições agropecuárias indicam que 40% delas devem deixar de operar até 2030. E um dos principais motivos é a sucessão mal feita. Esse dado é reforçado por recen-
Dicas para a sucessão 1. O processo deve ser planejado a longo prazo e gradativamente, para evitar choques de gerações e ideias; 2. Desprendimento: o produtor deve ter disposição para se afastar do negócio e confiar nas decisões dos herdeiros. O ideal é que o sucedido reduza o trabalho aos poucos; 3. Os herdeiros devem ter interesse e disponibilidade para assumir o negócio; 4. É preciso haver acordo com toda a família sobre o processo e as definições de funções e participação de cada um no negócio e todos devem aceitar seus papéis; 5. Comunicação: os filhos devem compartilhar com a família seus objetivos de vida e os pais devem deixar claro o que esperam para o futuro; 6. Respeitar a opinião e o ponto de vista do outro; 7. Se possível, conversar com um profissional que possa ajudar no planejamento do processo; 8. P or fim, gestão. Uma propriedade bem gerida e lucrativa atrai os herdeiros a continuar no negócio. Nisso, a assistência técnica é fundamental.
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Capa Eu diria que 20% dos produtores que acham que têm sucessor estão enganados”
Francisco Vila Diretor da SRB-RS te pesquisa feita no Rio Grande do Sul, salienta Francisco Vila, diretor da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e especialista no assunto. Segundo ele, a pesquisa mostrou que 32% dos produtores rurais gaúchos afirmaram não ter um sucessor para dar continuidade à atividade. “Eu diria ainda que outros 20% que acham que têm sucessor estão enganados”, sentencia Vila. Na atividade leiteira, onde o trabalho é muito mais intensivo, ele acredita que cerca de 50% dos produtores devem deixar a atividade nas próximas duas décadas. Para o analista da Embrapa Gado de Leite, o agrônomo Fábio Homero Diniz, a primeira questão a ser analisada é a diferença entre sucessão e herança. A herança está relacionada aos bens materiais, no caso das propriedades rurais, basicamente a herança é a terra. Já a sucessão, diz ele, vai além. Envolve a questão cultural, o conhecimento e as habilidades da atividade que passa de geração para geração. “O sucessor recebe mais que a herança. Ele é responsável pela continuidade da atividade da família.” Nas grandes propriedades, avalia
Diniz, o processo de sucessão costuma ser mais tranquilo, pois, além de o negócio ser profissionalizado, a família tem mais suporte e apoio no processo, normalmente por meio de empresas especializadas. Mas como não há programas específicos oferecidos pelas empresas de extensão rural, nas propriedades familiares a transferência da administração da propriedade rural é mais complicada. E esse é justamente o principal perfil do setor de produção de leite. “Mais de 1 milhão de propriedades leiteiras no Brasil são de produtores familiares”, acrescenta o analista.
Além do perfil familiar, a atividade tem algumas peculiaridades que tornam o processo ainda mais diferenciado. Conforme explica Diniz, o assunto sucessão ainda é um tabu em muitas famílias, pois remete à morte, à substituição do pai. Além disso, normalmente o local de trabalho se confunde com a vida pessoal da família. “Não há separação entre o negócio e o convívio social, o que torna a sucessão mais complexa, especialmente
O sucessor recebe mais do que a herança. Ele é responsável pela continuidade da atividade da família”
Fábio Homero Diniz Analista da Embrapa Gado de Leite
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por causa das diferenças entre as gerações.” Por isso, uma das principais dicas dos especialistas é a comunicação entre os membros da família. “É preciso conversar sobre o assunto, discutir o que cada um pensa sobre o futuro, para evitar conflitos familiares, especialmente quando o patriarca morrer”, orienta Diniz. O diálogo e a transparência são fundamentais para permitir a continuidade da atividade. Segundo o agrônomo, são dois desafios: para os pais, que querem e imaginam como será o futuro da atividade em que eles trabalharam toda a vida; e para os filhos, que buscam um espaço na propriedade. “São dois pontos de vista diferentes e que precisam ser discutidos. Geralmente a discussão fica somente em cima do filho, mas temos de levar em conta a expectativa dos pais, que, ao passar o comando do negócio para o filho pode sentir o chamado ‘vazio social’, perdendo a identidade na família e na comunidade, e deixando de ser referência”, alerta o analista da Embrapa, reafirmando que é o diálogo pode minimizar essa questão.
Outra dica importante de especialistas é que o processo de sucessão seja em longo prazo, para que não haja esse choque. Não há uma idade indicada. O importante é que o filho, ou os filhos, tenham maturidade para começar a entender o negócio e a ter autonomia para tomar decisões. O envelhecimento da população rural e o êxodo dos mais jovens têm chamado a atenção para o tema da sucessão. E a profissionalização da atividade pode ser um dos caminhos para mantê-los no campo e dar continuidade ao negócio da família. O sócio-diretor da consultoria Safras & Cifras, o agrônomo e administrador de empresas Sandro Al-Alam Elias, explica que antes de iniciar o processo de sucessão é preciso trabalhar o concei-
Capa to de transferência da fazenda em empresa, ou seja, profissionalizar a atividade rural. “O desafio é criar um ambiente atrativo para os jovens, para que se interessem pelo negócio e continuem no campo. O filho tem de ter perspectiva de futuro”, destaca. Desta forma, em vez de dividir a propriedade entre os herdeiros, é feita a divisão da participação e função de cada um no negócio.
Processo lógico. “A sucessão no campo é muito natural aqui. Desde criança a gente é criado para dar continuidade aos negócios da família”, diz o
Elias frisa que, para manter a escala do negócio, é preciso evitar o fracionamento da propriedade e fortalecer a estrutura familiar. Para isso, deve ser organizada a gestão da propriedade, com a adoção de ferramentas gerenciais que definam as relações comerciais entre pais e filhos, que tenham regras com relação à distribuição de resultados, ao montante de investimentos e deliberação de prioridades, à tomada de financiamentos e à participação da família na administração. “No caso de dois irmãos, por exemplo, em que um trabalha no campo e o outro é médico na cidade, aquele que trabalha na propriedade deve ser remunerado, enquanto o que está fora recebe
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pecuarista Ronald Rabbers, de Castro
apenas uma participação. Essa separação ajuda muito no processo de sucessão. É preciso ter regras e direitos claros sobre o papel de cada um”, diz o consultor da Safras & Cifras. A profissionalização também garantiu o sucesso na sucessão da Fazenda Rhoelandt, em Castro, PR. A administração da empresa já está na segunda geração sob o comando do pecuarista Ronald Rabbers, de 48 anos, e o negócio
continua crescendo. A propriedade, de cerca de 100 hectares, produz 11 mil litros de leite/dia. O rebanho, que começou com 60 animais, hoje conta com 800, sendo 300 vacas em lactação, em média. O negócio foi profissionalizado e a empresa é separada das questões particulares da família. Rabbers conta que seu pai, Lucas (já falecido), descendente de holandeses, veio para o Brasil no início da déca-
Capa da de 1950 e iniciou a produção de leite na cidade paranaense. Em 1986, aos 18 anos, o produtor diz que parou de estudar e decidiu trabalhar integralmente na propriedade. “A sucessão no campo é muito natural aqui. Desde criança a gente é criado para dar continuidade aos negócios da família. Foi uma opção minha parar de estudar. Quero que meus filhos tenham uma formação, mas que também deem continuidade ao nosso negócio”, diz o produtor.
No processo de profissionalização da atividade, Rabbers buscou tecnologias para aumentar a produção, sempre com foco no futuro da atividade e da família. Segundo ele, seus filhos – Carolina, de 20 anos, Lucas, de 18, e Hilco, de 12 – já mostram aptidão para dar continuidade à empresa. “Sempre conversamos muito sobre isso, mas os deixo à vontade para decidir o que fazer. E eles me acompanham nas atividades diárias, já sabem participar da ordenha. O Lucas está cursando veterinária. É um privilégio quando a gente tem a oportunidade de dar continuidade ao negócio da família”, acredita o produtor. Apesar disso, Rabbers não esconde dos filhos os entraves e as dificuldades da atividade. “É um trabalho árduo, não é brincadeira. Precisa gostar e ter disposição e disponibilidade, porque a produção de leite nos consome 24 horas por dia, todos os dias. Não tem folga. E nem sempre o mercado corresponde. Mas, claro, é uma atividade viável.” O consultor Elias, da Safras & Cifras, também recomenda que os pais sejam transparentes com os filhos sobre a situação do mercado leiteiro. “O pai tem de incentivar o filho a continuar com a atividade. Não pode apenas reclamar. Como ele quer que o filho dê continuidade ao trabalho se ele só reclama? É preciso passar o lado positivo, pois há muitos. E há muito espaço para a atividade crescer no
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O desafio é criar um ambiente atrativo para os jovens, para que se interessem pelo negócio e continuem no campo”
Sandro Al-Alam Elias Sócio-diretor da Safras & Cifras País, pois o Brasil ainda importa leite em pó, por exemplo.”
Entre os pontos positivos estão fatores como melhor qualidade de vida, autonomia do trabalho e tempo, ser patrão em vez de empregado, além da questão familiar, de dar continuidade ao negócio da família, complementa o analista da Embrapa, Fábio Diniz. Para o especialista Francisco Vila, da SRB no RS, o principal erro no processo de sucessão rural é não encarar o assunto. A sucessão é um fenômeno inevitável e independente da vontade das pessoas. “Quanto mais cedo e de forma melhor o atual dono coloca essa questão em seu radar estratégico, maior a chance de encontrar uma solução viável”, diz. O segundo erro, frisa Vila, é escolher a forma e o momento errados para falar sobre o assunto. Sucessão é normalmente confundida com herança e esse termo está psicologicamente vinculado à morte. Sucessão é evoluir. Outro erro crucial, acrescenta, é falar da sucessão, mas não passar responsabilidades e competências para o jovem. Normalmente, avalia Vila, os pais permanecem com a propriedade legal e exercem pressões psicológicas sobre o sucessor que ainda não é proprietário. Além disso, na maioria dos casos não se definem bem os direitos e obrigações dos outros herdeiros que não estão ou estarão envolvidos na gestão da propriedade. Essa indefinição cria conflitos que
afetam negativamente a condução do negócio. Conforme o especialista, atualmente cerca de 20 mil fazendas, acima de mil hectares, passam de pai para filho por ano no Brasil, mas apenas 20% têm sucesso. Outra conduta usual que Vila considera errada é tratar a sucessão como herança. “Desta forma, tanto o bem quanto a administração deverão ser assumidos pelos herdeiros somente após a morte do proprietário. Contudo, sem a preparação ou definição do gestor, pode ocorrer interesse mútuo em assumir a administração ou o contrário: nenhum deles se interessar em tocar o negócio. Em ambos os casos surgirão desavenças que culminarão com a venda da terra, frequentemente desvalorizada”, alerta. O agrônomo Carlos Eduardo, da Cooperideal, alerta para outro problema. Segundo ele, no Brasil muitos filhos de produtores rurais deixam o campo por obrigação e não por opção. “Em nossas visitas pelo programa Goiás Mais Leite/ Senar aos produtores de leites, escutamos dos filhos dos produtores que os próprios pais indicam que precisam buscar outro meio de vida, pois a roça não dá para nada. Ou seja, a renda da atividade não é suficiente para sustentar toda a família – no caso de propriedades geridas de maneira inadequada.”
Um diagnóstico realizado pela Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), em 2009, relata dois dados
que traduzem esse cenário, destaca Eduardo. O primeiro é a idade média dos produtores entrevistados, de 51 anos, demonstrando uma idade avançada e com baixa reposição. Outro dado e que complementa o anterior é que apenas 42% dos filhos dos produtores querem continuar o negócio da família. “Avaliando os baixos índices zootécnicos do diagnóstico (lotação de apenas 1,1 unidade animal por hectare (UA/ha); só 59% das vacas produzem ao longo do ano; uma novilha para parir demora 36 meses após o nascimento. Podemos identificar que os resultados econômicos são pífios, ou seja, o principal problema da sucessão familiar na atividade leiteira é a falta de renda e de gestão adequada”, avalia o agrônomo.
Além disso, outros fatores fazem parte do processo, como a falta de tecnologia empregada nas propriedades, maior autonomia e responsabilidade que os pais precisam passar para os filhos e a falta de perfil para o negócio leite. Contudo, estes fatores aparecem com maior ênfase somente quando a propriedade tem condição de fornecer renda suficiente para os anseios da família, caso contrário, a falta de renda aparece como o maior problema da continuação dos filhos na atividade leiteira.” Mas outro dado é animador e ratifica a importância da assistência téc-
O principal problema da sucessão familiar na atividade leiteira é a falta de renda e de gestão adequada”
Carlos Eduardo Agrônomo da Cooperideal-GO nica aos produtores, pondera Eduardo. “Fizemos um diagnóstico dos produtores assistidos pelo Goiás Mais Leite em propriedades com mais de dois anos de acompanhamento técnico e obtivemos uma surpresa: 75% dos filhos dos produtores querem continuar a atividade leiteira na fazenda, e isso estava em consonância com o aumento de renda proporcionado pelo trabalho técnico realizado, vislumbrando um futuro promissor para os herdeiros.” Na cooperativa agropecuária Castrolanda, em Castro, PR, o assunto sucessão também é uma preocupação. Segundo a assessora de cooperativismo Rosélia Gomes da Silva, uma das percepções é que os filhos não enxergam o negócio da mesma forma que os pais. E esse conflito acaba gerando entraves na sucessão. “Quando o pai morre, os filhos dividem a propriedade, o que torna inviável a atividade leiteira”, avalia. Por isso, a cooperativa tem orien-
tado os produtores a olhar para o negócio, ajudando a organizá-lo e administrá-lo com uma gestão planejada. “Não temos um programa específico para sucessão, mas temos algumas ações para os jovens e estamos buscando propostas para os cooperados, pois essa é uma preocupação de todos.”
Uma das ações é o programa Jovem Cooperativista. “É uma oportunidade para os jovens se especializarem e voltarem a trabalhar na atividade leiteira, ou ao menos gerenciá-la, mesmo que de longe”, explica Rosélia. Há diversos casos de sucessão que deram certo. E o ponto-chave para o sucesso foi a valorização da gestão profissionalizada da atividade. “Além disso, nesses casos percebemos que há uma divisão bem clara das funções entre os herdeiros, e cada um tem consciência do negócio, dos gastos, custos e ganhos. Isso é essencial.” n
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Lucro com o bem-estar Está provado: garantir conforto às vacas na hora da ordenha resulta em mais leite Fotos: LUIZ PRADO
Atenção e cuidado. Relação entre o retireiro e a vaca é um dos pontos mais importantes em boas práticas de manejo
Ana Kátia Mantida em pasto ou alojada em estábulo, a vaca leiteira só consegue exibir todo o seu potencial se estiver mais do que saudável: tem de ter tranquilidade, rotina pré-definida e sem stress. Isso significa que o animal deve ser submetido a boas práticas em todas as fases do manejo e, principalmente, na ordenha. O momento da ordenha seria a “colheita” do pecuarista, resume o médico veterinário Maurício Coelho Silveira, administrador da Fazenda Santa Luzia, em Passos, sul de Minas Gerais. “Tudo o que o criador fez de bom ou de ruim a vaca vai manifestar na ordenha”, explica.
O bem-estar da vaca neste momento especial deve ser analisado, ainda, não só sob os pontos de vista ético e ambiental, mas também econômico – um belo estímulo para o produtor começar a prestar de fato atenção neste assunto. Basta dizer que, ao conhecer e respeitar as idiossincrasias de um rebanho leiteiro, o produtor aumenta a eficiência do sistema de criação e obtém leite de melhor qualida-
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de. É cientificamente comprovado que situações de desconforto inibem a produção de leite e aumentam os custos, pois podem resultar inclusive em doenças. Pesquisas mostram, ainda, que vacas estressadas produzem leite com menor porcentagem de gordura e proteína. “Às vezes o produtor não encontra solução para um problema porque o problema na verdade não está no que ele está vendo, e sim no que está fazendo”, afirma o zootecnista Mateus Paranhos da Costa, professor do Departamento de Zootecnia da Unesp, campus de Jaboticabal, SP, e membro do Grupo de Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (Grupo Etco). “Mas, quando o pecuarista é ensinado a fazer diferente, ele muda a sua visão, melhorando o bem-estar do rebanho e a produtividade”, complementa Paranhos. O zootecnista Murilo Quintiliano, também do Grupo Etco, lembra que com o mesmo rebanho à disposição o pecuarista tem um enorme potencial de aumentar a produção, “na grande maioria das vezes com aplicação de tecnologias simples ligadas ao bem-estar animal”, diz. Um dos calcanhares-de-aquiles relativos ao
Manejo
Em paz. Vacas bem tratadas não precisam sequer ser ‘tocadas’ para a ordenha. Elas seguem sozinhas
conforto do rebanho no sensível momento da ordenha é a falta de capacitação da mão de obra. Conforme o professor e coordenador da área de Bovinocultura do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais, Marcelo Simão da Rosa, infelizmente a mão de obra no País é, em grande parte, improdutiva e pouco capacitada, o que se reflete na qualidade do manejo do gado. “Basta lembrar que 50% dos retireiros não sabem ler. Falta capacitação, não há treinamento, um aprende com o outro e, se vê um procedimento errado, vai fazer errado também”, alerta Rosa. E a relação entre o retireiro e a vaca é um dos pontos mais importantes para as boas práticas de manejo da ordenha. “É o reconhecimento da vaca como ser vivo e não como uma máquina. Se o animal está tranquilo, ele entra na sala de ordenha ruminando. Se estiver estressado, fica tenso e reduz naturalmente o nível do hormônio ocitocina, responsável pela descida do leite”, explica o professor. Estudo do Grupo Etco, feitos com ordenhadores a respeito de sua interação com as vacas leiteiras, mostra que a maneira com que o homem interage com os animais pode interferir no bem-estar de ambos. “Todas as fazendas apresentavam algum tipo de problema”, afirma o zootecnista Mateus Paranhos, responsável pelo estudo, juntamente com Aline Cristina Sant’Anna.
Na pesquisa, a esmagadora maioria dos ordenhadores (90,9%) afirmou saber que as vacas sentem medo após uma ação negativa e que pode haver diminuição na produção, com aumento do leite residual – que dá margem ao surgimento de mastite. Entretanto, 80% deles declararam praticar algum tipo de ação negativa, como bater nos animais, por
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acreditar que isso facilitaria ou apressaria o cumprimento das funções diárias. “As pesquisas indicam que a situação piora no fim de semana. A pessoa tende a bater mais, e as vacas ficam mais reativas na ordenha. É uma cultura, afinal, no fim de semana o retireiro quer estar com o seu grupo”, diz Mateus Paranhos. Dentre as práticas positivas analisadas, acariciar o animal foi a mais frequente nos relatos. Na análise, o pior comportamento foi o instável, no qual um dia o ordenhador agride e, no outro, agrada. A pesquisa observou uma retenção de leite de 700 gramas por ordenha em um rebanho com produção de 20 quilos/vaca/dia. Observando a gravidade do problema, os pesquisadores desenvolveram o conceito de ordenha sustentável, na qual o retireiro emprega suas habilidades a partir do conhecimento prévio sobre o comportamento das vacas leiteiras. No momento de retirada do leite, exemplifica Simão da Rosa, o ordenhador tem de ir percebendo se há algo de anormal no comportamento da vaca; no olhar; se está cabisbaixo; na movimentação da cauda, por exemplo. “Isso já seria indicativo de problema”, afirma. As vacas leiteiras são, por exemplo, animais que se adaptam muito bem a horários específicos para alimentação e descanso e também para a ordenha. “Elas adoram rotina”, destaca Simão da Rosa. Atrasar ou adiantar a operação em apenas 15 minutos já altera o seu comportamento. As atividades geralmente são realizadas em grupo, sob influência da líder, geralmente a mais velha do rebanho. “É só chegar na vaca líder que as outras a acompanharão, pois os bovinos são animais gregários e têm a tendência a acompanhar o líder. Não precisa buscar aquela que ficou. Quando ela ficar sozinha, vai também”, diz o professor Rosa. Para ele, é preciso entender que cada animal tem o seu mundo sensorial e, como os humanos, ritmos diferentes. “Tem de dar o tempo para ela se deslocar e seguir para a ordenha por vontade própria. Com rotinas bem definidas, ela vai sozinha”, indica.
Se, porém, as vacas precisarem ser conduzidas até a ordenha, o procedimento deve ser feito com calma, sem bater ou gritar, e por um funcionário com o qual os animais estejam acostumados. Vacas possuem capacidade auditiva desenvolvida, respondem a chamados pelo nome e são sensíveis ao berro de bezerro e aos sinais dos ordenhadores. Música na sala de ordenha, por exemplo, é um estímulo positivo, as-
Conforto térmico. É essencial manejar bem a temperatura nas salas de ordenha e
sim como barulhos altos e desagradáveis aumentam a retenção de leite. Chegando às instalações da sala de ordenha, este local deve ser projetado de forma que as vacas fiquem bem acomodadas e tranquilas, em ambiente sombreado, ventilado e limpo. Devem também garantir a segurança do ordenhador, para que este não fique estressado e inseguro na lida com os animais. Ou seja, a sala de ordenha deve ser associada a um local agradável e tranquilo. Por isso, aplicações de medicamentos, por exemplo, não devem ser feitas no local, já que são situações de desconforto, dor e stress nas vacas. Algumas fazendas de grande porte isolam a sala de ordenha e refrescam tanto a sala de espera quanto a de ordenha com nebulização e ventilação, pois vacas de alta produção são mais sensíveis ao calor. Na sala de ordenha, as próprias vacas, seguindo hierarquia própria, definem a ordem de entrada e onde serão ordenhadas. Por isso não é recomendável misturar neste momento vacas de diferentes grupos. Vacas primíparas são um grupo sensível e devem ter
atenção especial. “É como nos seres humanos: as mães de primeira viagem estão em uma situação nova e desconhecida”, diz Paranhos, que participou da edição de um manual de Boas Práticas de Ordenha, publicado pelo Grupo Etco em 2014 e disponível gratuitamente para download no site www.grupoetco. org.br. O guia recomenda que as primíparas sejam levadas à sala de ordenha três semanas antes do parto para se familiarizar com a instalação, já que até mesmo o barulho da sala e equipamentos podem estressá-las e prejudicar a produção de ocitocina. “Com o hábito, ela deixa de reagir, conhece o ambiente e se sente segura”, acrescenta Rosa. Após alguns dias reconhecendo o terreno, as primíparas podem ser presas no brete de ordenha e estimuladas pelo tratador com toques suaves nas pernas e no úbere. Ao fim de cada dia de treinamento ganham alimento como recompensa, o que ajuda a amenizar o stress da novidade. “O animal pega confiança e chega mais rapidamente ao pico de ocitocina”, diz Simão da Rosa. Entre os processos também recomendados
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de espera. Ventiladores e aspersores são boas técnicas
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Manejo pelo grupo Etco para a ordenha está a formação de uma linha, em que deve ser obedecida a seguinte sequência: primeiro devem ser ordenhadas as vacas de primeira cria, sem mastite; em segundo, as pluríparas que nunca tiveram mastite. Em terceiro, as vacas que já tiveram mastite, mas que foram curadas, e por fim, as vacas com mastite subclínica e com mastite clínica. Segundo o estudo, este esquema ajuda a evitar a transmissão da mastite contagiosa no momento da ordenha. O manual recomenda ainda respeitar a individualidade das vacas, não misturando na mesma bateria animais
que não sejam companheiros. Em casos de ordenha com bezerro ao pé, o Grupo Etco ensina também que o bezerro deve ser levado até a mãe para estimular a descida do leite sugando todos os tetos, em um momento prazeroso para os dois. Após estimular a descida do leite o bezerro deve ser afastado do úbere, mas mantido em contato com a mãe, pois ela ficará mais tranquila e será mais fácil de ser ordenhada. Outra orientação do Etco é não esgotar o úbere da vaca, deixando leite suficiente para que o bezerro se alimente adequadamente.
Sem ocitocina e com 30% mais leite
C
om 1.500 vacas em lactação, produzindo 28 mil litros de leite por dia, a Fazenda Santa Luzia, de Passos, MG, criou um protocolo para amansar novilhas e melhor adaptá-las à primeira ordenha. Os animais são apartados em grupos de 15 e passam por um treinamento que inclui escovação por cerca de dez minutos, principalmente na inserção da cauda, períneo e úbere, até que o animal se acostume com os procedimentos. No último dia de treinamento, cada uma delas é avaliada. As novilhas aprovadas se juntam a um grupo maior; as reprovadas repetem o treinamento. Segundo o veterinário Maurício Coelho, da Santa Luzia, o índice de aprovação inicial costuma ser de 70% a 80% das novilhas, mas todas acabam por aceitar a doma mais cedo ou mais tarde.
A adoção dessa técnica de manejo fez com que as novilhas iniciassem sua primeira lactação mais mansas e adaptadas. Na propriedade, graças a esta técnica, houve incremento de 30% na produção de leite – sinal de que garantir o bem-estar das vacas reverte em lucro para o produtor. “A fazenda vem adotando essas práticas há quatro ou cinco anos e o reflexo disso tem sido positivo para a produção e o manejo. Eu tinha um conceito de não descartar os animais em primeira cria, que não produziam por uma questão de comportamento, e vi que estava correto”, explica. O protocolo foi adotado com base nas pesquisas do Grupo Etco e no curso de doma racional do instrutor Nilson Dornellas. A Santa Luzia também trocou o uso diário da ocitocina pelas boas práti-
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cas de manejo para estimular a descida natural do leite, retirando o hormônio de cerca de 400 vacas de uma só vez. Entre os resultados dessa prática houve redução no tempo de ordenha na ordem de 20% na Santa Luzia, principalmente pela entrada e saída mais rápida dos animais na sala. Uma vantagem adicional foi a melhoria dos parâmetros de qualidade de leite (CBT) e redução do índice de mastite (CCS). A Fazenda Retiro Azul, em Araxá, MG, também eliminou o uso da ocitocina após adotar boas práticas de manejo na ordenha, dando prioridade ao bem-estar animal. Segundo o pecuarista Maurício Cardoso, cujo rebanho produz 600 litros de leite/dia com ordenha mecânica a partir de 40 vacas em lactação, a fazenda passou a usar de 15 em 15 dias uma formulação que estimula a produção de leite em cerca de 20%. “A ocitocina na nossa avaliação foi boa no começo, mas achamos que maltrata e força muito o animal, é muita exploração”, afirma Cardoso.
SEM STRESS E SEM LESÕES ENDECTOCIDA DE 1a ESCOLHA PARA O GADO LEITEIRO
MANEJO MAIS PRÁTICO MUITO MAIS SEGURO √ Pode ser aplicado durante a ordenha
Descarte ZERO de leite
√ Maior velocidade na aplicação √ Menos mão de obra
T
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D
√ Sem desperdício da dose (retirada do ar da seringa)
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√ Evita contaminação AP
√ Evita riscos para o aplicador
R
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VADO
TRATA O DOBRO DE ANIMAIS - 1mL/20Kg MUITO MAIS GANHOS PARA VOCÊ 1. A aplicação precisa ser feita em pelo/pele seca e sugere-se que não haja exposição à chuva intensa até 3 horas após a aplicação.
Saúde animal
Carrapato do boi, o equilíbrio é a solução Uso adequado de carrapaticidas reduz a resistência e mantém a presença do parasita no rebanho sob controle Mônica Costa
N
o Vale do Paraíba, importante bacia leiteira paulista, erros recorrentes no controle estratégico têm aumentando a resistência do carrapato do boi, o Rhipicephalus (Bhoopilus) microplus. No Sítio da Saudade, em Canas, a 200 km de São Paulo, a adoção do sistema estratégico preconizado pela Embrapa (aplicação de uma série de cinco tratamentos com carrapaticidas de contato a cada 21 dias ou aplicações de carrapaticidas “pour on” no fio do lombo a cada 30 dias) não estava apresentando resultados satisfatórios e o rebanho, formado por 70 bovinos mestiços Girolando, entre vacas em lactação, touros e novilhas, vivia infestado pelo parasita. “O criador usava o método corretamente, mas não realizou o teste de eficiência do carrapaticida. Fizemos a análise e constatamos que o produto escolhido não era adequado para a população de carrapatos presente no rebanho”, aponta o biólogo Jaime Augusto Ramos Alves, técnico agropecuário da Casa de Agricultura de Lorena, a 190 km da capital paulista, responsável pelo atendimento técnico na região. Depois do teste de eficiência, foi definido o uso de um carrapaticida à base de cipermetrina “pour on” _ indicado para animais em lactação. O produto tem um custo menor que o medicamento adotado antes pelo criador e 100% de eficiência. A primeira aplicação do carrapaticida foi feita em todo o rebanho em setembro de 2014. Desde então, apenas quatro matrizes, reconhecidas como as mais suscetíveis, recebem o carrapaticida mensalmente. O manejo reduziu
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a incidência dos carrapatos nos bovinos da propriedade e os custos com o tratamento caíram de R$ 160 para R$ 43,73 por mês. “Além da redução dos custos, já observamos melhoria no escore corporal das matrizes e aumento na produção média do leite, que saiu de 9 para 12 litros por cabeça”, aponta Alves, salientando que, além da mudança no controle estratégico dos carrapatos, o criador também alterou o manejo nutricional do rebanho. “Animais bem nutridos são mais resistentes ao ataque de parasitas.”
Em vez de aplicar o carrapaticida em todos os animais do rebanho, os tratamentos foram feitos em datas fixas, apenas nos animais com alto grau de infestação (definidos por meio da identificação visual de concentração de carrapatos no tamanho de grãos de feijão, nas áreas mais predisponíveis, como na tábua do pescoço, úbere e base da calda). “Esta estratégia tem como vantagem a redução da resistência do parasito ao carrapaticida e a diminuição dos custos”, explica o biólogo José Roberto Pereira, pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) Polo Regional do Vale do Paraíba, em Pindamonhangaba, SP, e coordenador do projeto que está avaliando o manejo em duas propriedades do Vale do Paraíba. O método de controle é uma premissa já defendida pela Embrapa Gado de Leite, em Juiz de Fora, MG. Segundo a entidade, em geral poucos animais no rebanho carregam a maioria dos carrapatos (aque-
Prejuízo. Bovino infestado com carrapatos deve ser tratado de maneira racional
les considerados de sangue doce) e apenas estes animais devem ser tratados, esporadicamente, caso se percebam neles um número considerável de fêmeas ingurgitadas. O não tratamento dos animais restantes permitirá o desenvolvimento neles de carrapatos que ainda não tiveram contato com o carrapaticida utilizado, retardando o aparecimento de resistência. “Acredito que a estratégia não seja empregada por criadores provavelmente por falta de conhecimento ou incapacidade de detecção dos parasitas nos animais. Por isso, aplicam o carrapaticida em todo o rebanho, o que aumenta o risco de resistência e os custos da propriedade”, completa o pesquisador da Apta. No Sítio São Jorge, em Areias, a 250 km de São Paulo, em outra propriedade avaliada no projeto, o proprietário, que mantinha um rebanho com 35 bovinos Girolando, chegou a intoxicar um dos animais com a aplicação do carrapaticida. “Insatisfeito com a falta de resultado, o criador decidiu triplicar a dose e quase perdeu a vaca, enquanto os carrapatos seguiam resistindo”, lembra o engenheiro agrônomo José Lupércio Cavalcante Costa, técnico agropecuário da Casa de Agricultura de São José do Barreiro, a 270 km de São Paulo. O mesmo carrapaticida usado na primeira propriedade foi o mais eficiente na avaliação. “Além de seguro, o produto é pour on, mais indicado para tratar um número menor de animais porque deve ser aplicado ao longo do dorso para penetrar melhor no couro”,
afirma. Quinze matrizes em lactação estão em tratamento. “Estas foram as mais infestadas porque são mantidas em um piquete com pasto mais alto”, explica. As vacas solteiras e os bezerros não foram submetidos ao tratamento. “Hoje o rebanho conta com 47 animais e a infestação está controlada”, garante Costa.
Esta é uma estratégia que exige observação diária, por isso é indicada especialmente para pequenas propriedades. “Consideramos que o modelo seja mais prático e econômico. Além da exigência do teste de eficácia do carrapaticida, todos os pecuaristas interessados devem se comprometer a seguir as orientações técnicas. Eles também receberão assistência para identificar o momento adequado de aplicar o carrapaticida ”, explica Pereira, o coordenador do projeto. A estratégia adotada no Vale do Paraíba pode ser alternativa para o controle do carrapato na pecuária leiteira nacional, formada em sua maioria por pequenas propriedades, cujos proprietários têm pouco acesso a assistência técnica ou extensão rural . “O ideal é manter a população de carrapatos em equilíbrio, em níveis economicamente viáveis”, afirma Romário Cerqueira Leite, professor titular da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais. Sem informações adequadas, conhecimento técnico e acesso a polos tecnológicos, muitos pecuaristas utilizam carrapaticidas para exterminar os pa-
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Saúde animal milhões pelo câmbio atual. Romário chama a atenção para o aumento dos índices de resistência dos carrapatos. “São cada vez mais extensos e crescentes e incluem todas as bases químicas utilizadas e em utilização no País.” O especialista explica que cada propriedade tem um índice que pode ser maior ou menor em função da qualidade e da intensidade do uso de carrapaticidas. “Quanto maior for o uso e o mau uso destes produtos, maiores serão os índices de resistência daquela população de carrapatos”, alerta.
Prontos para atacar. Carrapatos ficam no pasto no aguardo da passagem dos bovinos
rasitas do pasto, impedindo que os animais adquiram imunidade no contato com o carrapato, e expõem o rebanho a surtos da tristeza parasitária bovina (TPB). Em outros casos, o produtor mantém os carrapatos mas o número de parasitas cresce sem controle e o bovino perde a capacidade de se defender. Para o professor da UFMG, os carrapatos são atualmente a principal praga da pecuária leiteira. “O emprego das tecnologias do controle estratégico infelizmente não é executado como regra no controle dos carrapatos. Enquanto o Brasil não conceber e colocar em prática políticas públicas para o enfrentamento das parasitoses, os conhecimentos científicos existentes sobre este assunto, não chegarão aos produtores”, afirma. Dados atualizados mostram que os ataques destes parasitas resultam em prejuízos de mais de US$ 2 bilhões na pecuária leiteira. O valor representa a receita que os produtores deixariam de receber por causa da redução de 90 quilos na produção de leite de cada uma das 23,5 milhões de vacas em lactação no rebanho nacional ( IBGE 2013), considerando o preço médio de R$ 0,95 por litro da matéria-prima (Cepea Junho/15). A conta não considera os custos com a aplicação e controle dos parasitas, contratação de mão de obra, retardo no desenvolvimento dos animais e os danos ao couro _ provocados por reações inflamatórias nos locais de fixação do carrapato. A estimativa está baseada em um estudo elaborado em 2012 pelo professor Romário em parceria com a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) revelando que cada carrapato fêmea ingurgitado em uma matriz representa a redução de 8,9 mililitros de leite por dia. O levantamento apontou prejuízos anuais de mais de US$ 200 milhões à bacia leiteira do Estado, que conta com cerca de 5,5 milhões de cabeças. A cifra equivale a mais de R$ 600
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O controle estratégico é a principal preocupação também do médico veterinário João Ricardo de Souza Martins. “Acredito que todos os pecuaristas de leite ofereçam colostro, mas são raros os que usam banheiros de imersão em bovinos de leite para aplicação de carrapaticidas. Este é o método mais eficiente pois o bovino é completamente molhado e garante que todas as partes do corpo terão contato com o produto. Isso nem sempre ocorre com a prática da pulverização, que é o sistema preferido por muitos criadores”, diz o especialista, que é pesquisador da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro) e responsável pelo Laboratório de Parasitologia do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, em Eldorado do Sul, região metropolitana de Porto Alegre, RS. Na pulverização, nem sempre o couro do animal é banhado adequadamente e o efeito sobre os carrapatos fica comprometido. “A resistência aos carrapaticidas é um problema bastante sério. Já identificamos aqui no Sul populações multirresistentes, o que significa ausência de opções de ingredientes ativos com eficácia satisfatória no controle”, lamenta. Em 2010, Pereira, o pesquisador da Apta, realizou uma avaliação sobre a eficácia dos carrapaticidas à base de avermectinas, o grupo de ativos utilizados pelos pecuaristas do Vale do Paraíba. “Na época concluímos que os produtos à base de doramectina revelaram os melhores resultados. E isso não mudou até hoje”, afirma.
A investigação avaliou a eficácia das avermectinas (abamectina, doramectina e ivermectina) em 40 novilhas mestiças Mantiqueira x Holandês, tratadas regularmente com ivermectina para controle de ecto e endoparasitas, com idade variando entre 18 e 24 meses. Após serem infestadas artificialmente com cerca de 4 mil larvas do carrapato dos bovinos
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Saúde animal Quanto mais eficiente, menor será o número de carrapatos por animal ao final do tratamento. Dias de Tratamento 1 3 28 3 a 28 Eficácia na redução de postura %
Número de carrapatos Controle 28,81 37,50 54,82 56,61
Abamectina 29,62 17,62 18,52 18,41
Doramectina 29,51 13,43 4,66 6,15
Ivermectina 29,28 17,98 11,93 13,73
_
66,35%
85,92
72,70
Fonte Pereira, 2012. Adaptado mundo do leite
por animal, as novilhas foram separadas em quatro grupos. Três foram tratados (abamectina, doramectina e ivermectina) e um quarto grupo não recebeu nenhum tratamento (controle). Os animais dos grupos tratados receberam as avermectinas comerciais injetadas subcutaneamente na dose de 200 microgramas por quilo de peso vivo (1 mililitro/50 quilos) durante 28 dias. O melhor resultado foi apontado pe-
Pecuária leiteira perde US$ 2 bilhões por ano por causa da infestação por carrapatos
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lo grupo doramectina, que apresentou a menor média de contagem (6,15 carrapatos/animal), e maior eficácia média (veja tabela ao lado). “O desempenho superior da doramectina sobre as demais avermectinas pode ser atribuído à diferença na absorção dos produtos, em função da qualidade e/ou composição dos veículos componentes na formulação e principalmente por causa da existência de poucos produtos comerciais com o ativo, o que assegura maior controle de qualidade. Com relação à ivermectina e à abamectina, a grande quantidade de endectocidas comercializada com os ativos, sobretudo as formulações genéricas (menores preços = uso mais frequente), é preocupante em virtude da possibilidade do surgimento de resistência dos parasitos aos produtos. Atualmente, segundo o Compêndio de Produtos Veterinários do Sindicato Nacional da Industria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), são 112 marcas, sendo 67 ivermectinas, 43 abamectinas e 2 doramectinas. n
Pastagens
FOTO TÂNIA RABELLO
go de tempo durante o verão, produzindo mais forragem na época quente do ano”, explica o professor do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Lavras (Ufla) Márcio André Stefanelli Lara.
Aplicação de adubo. Forrageiras tropicais respondem muito bem à fertilização
Adubação na época e nas doses certas Em sistemas intensivos de criação a pasto, esta é a melhor época para reforçar a fertilidade do solo Fernanda Yoneya
E
m propriedades leiteiras que adotam um sistema intensivo de criação a pasto, esta época do ano é a ideal para dar início a um programa de adubação de pastagens. Isso porque, durante o verão, as plantas têm capacidade de aproveitar melhor os efeitos de uma aplicação correta de fertilizantes e, consequentemente, produzir quantidade maior de forragem para os animais. “Setembro é o mês que marca a saída do inverno e início da primavera, estação mais quente e chuvosa. Nesta estação ocorrem mudanças no fotoperíodo, que é o comprimento do dia. O fotoperíodo, ficando mais longo, acarreta maior recebimento de energia solar pela terra, aumentando a temperatura do dia e da noite, além da maior ocorrência de chuvas. Esses fatores, associados, são favoráveis ao crescimento das plantas forrageiras. Adubar pastagens nesta época fará com que as plantas aproveitem a adubação mineral por um período mais lon-
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Lara afirma que plantas adubadas nesta época crescem de forma acelerada e compensam o menor acúmulo de forragem durante o inverno, tornando possível o pastejo mais rápido e com maior produção de matéria seca, além de serem mais ricas em nutrientes. “As principais vantagens da adubação de pastagens estão relacionadas à maior velocidade de crescimento vegetal, garantia de alta produtividade de forragem, amenização do efeito negativo da estação seca, reposição de nutrientes do solo utilizados pelas plantas e aumento do valor nutricional das plantas forrageiras”, diz. O professor, no entanto, chama a atenção para o fato de que pastos adubados promovem uma mudança na “resposta” das plantas forrageiras, em função do melhor aproveitamento das condições ambientais, o que exige do produtor de leite um “ajuste” na taxa de lotação animal da área. “Ajustar essa lotação animal é essencial para equilibrar a taxa de crescimento da forragem e a taxa de consumo de forragem. Do contrário, os pastos acabam passando do tempo ideal de colheita, perdendo a estrutura favorável aos animais e limitando a produção de leite.” A adubação de pastagens é considerada importante em qualquer sistema de produção animal que use forragem como fonte de alimento; no caso de propriedades de produção de leite, a aplicação de fertilizantes permite a maior velocidade de rebrota e uma maior taxa de lotação animal, reduzindo o tamanho da área destinada ao pastejo e o gasto de energia com o deslocamento excessivo dos animais. Uma dieta à base de forragem mais rica em nutrientes ainda permite a redução dos custos com suplementos, além da manutenção da produtividade dos pastos. “A adubação das pastagens é fundamental numa propriedade leiteira porque garante alimento em quantidade e qualidade aos animais. Com um grande volume de pastagem de alta qualidade é possível nutrir adequadamente as várias categorias animais da bovinocultura leiteira, em especial as mais exigentes, como as vacas em lactação. Pastagens bem adubadas proporcionam ganhos secundários, como a economia em concentrados e suplementos minerais e
até de medicamentos, visto que animais bem nutridos são mais saudáveis”, diz a agrônoma Patrícia Perondi Anchão Oliveira, pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste. “Pastos bem adubados suportam maior quantidade de animais e, por isso, a produção por área é maior. A produção por animal também aumenta com pastos bem adubados, pois são mais nutritivos. Entretanto, existe um limite de produção por animal que ingere apenas forragem no pasto. Esse limite, segundo alguns estudos, gira em torno de 20 litros dia de leite por animal de alta produção. A partir desse ponto, as exigências do animal são maiores do que a capacidade de consumo e, então, suplementos são usados para aumentar o potencial produtivo, já que fornecem maior quantidade de nutrientes num volume menor”, diz o professor da Ufla. Embora uma adubação bem feita tenha reflexos diretos na quantidade de matéria seca produzida, o professor da Ufla afirma que é difícil definir um volume de produção, já que isso depende de um conjun-
to de fatores. “Uma série de características conjuntas determina o potencial de produção das plantas forrageiras. Depende do local onde a propriedade está situada (latitude), depende do clima, do tipo de solo, da quantidade e da distribuição das chuvas, da própria planta forrageira e, é claro, da adubação aplicada”, diz Lara. Segundo o professor, para uma mesma planta é possível obter produtividades que vão de 5 toneladas a mais de 30 toneladas por hectare/ano.
Existem forrageiras que respondem mais à adubação que outras, e conhecer a espécie utilizada é essencial quando se pretende adubar um pasto. As forrageiras mais exigentes em adubação, cita o professor da Ufla, são aquelas que produzem muita biomassa, como os capins destinados ao corte, como capim-elefante (Pennisetum purpureum), e as gramíneas do gênero Panicum, como as cultivares mombaça e tanzânia, também muito exigentes em fertilidade. Outro grupo menos usado no Brasil, mas de ótima qualidade, segundo Lara, são os capins do gênero Cynodon
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Pastagens Preço médio de adubo em SP, em R$ por tonelada, sem o frete* Adubos
2014
2015
Nitrogenados Sulfato de amônia
882,89
886,47
Ureia agrícola
1.247,94
1.250,05
Nitrato de amônia
1.102,40
1.148,50
Potássico Cloreto de potássio granulado
1.213,75
1.286,22
Fosfatados Superfosfato simples granulado
759,94
824,31
Superfosfato triplo
1.217,33
1.385,51
MAP
1.506,70
1.665,06
DAP
1.516,15
1.645,66
* Média de janeiro a setembro. Fonte: Scot Consultoria
(tiftons), que também são exigentes. Já algumas cultivares de braquiárias são mais rústicas, sendo menos exigentes, assim como os Andropogons, Hyparrhenias, Setárias, Melinis e outras de menor importância comercial. “Mas vale lembrar que a adubação é essencial para qualquer planta forrageira, e que todas elas respondem à adubação, sendo possível produzir grande quantidade de matéria seca até mesmo de plantas mais rústicas.” Segundo a pesquisadora, as pastagens tropicais são muito responsivas à adubação e, embora possam até sobreviver em condições de baixa fertilidade, para altas produções é necessário que se proceda à correção e fertilização do solo. Produções da ordem de 30 a 40 toneladas de matéria seca de forragem/hectare por ano têm sido alcançadas com um programa adequado de correção e fertilização do solo.
Experimentos realizados pela Embrapa, diz Patricia, mostram que uma área de pastagem degradada produzirá menos que 3 toneladas de matéria seca por hectare/ano, o que servirá de base para um animal de baixo potencial de produção e que terá a produtividade comprometida com menos de 2 mil litros de leite por hectare/ano. Pastagens extensivas, mas bem manejadas, vão apresentar, segundo a pesquisadora, produção de forragem entre 5 e 15 toneladas de matéria seca por hectare/ ano e podem abrigar animais de melhor potencial genético, produzindo de 5 mil até 20 mil litros de leite por hectare/ano. Já nos sistemas de produção
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intensificados, em que as pastagens são fertilizadas, é possível produzir até 50 toneladas de matéria seca por hectare/ano, que poderão alimentar animais de alto potencial genético que podem atingir produções de leite de até 70 mil litros por hectare/ano. “Além disso, pastagens intensificadas com manejo adequado da planta forrageira e da fertilidade do solo são importantes para o meio ambiente, pois aumentam a eficiência de uso dos insumos e dos recursos naturais, têm maior capacidade de suporte, evitando a necessidade de mais área para a produção e a pressão sobre florestas”, diz a pesquisadora da Embrapa.
A calagem, ou aplicação de calcário, auxilia no aumento da eficiência da adubação e na produtividade no pasto. “Resumidamente, o calcário age reduzindo a acidez do solo. Além disso, o calcário é fonte de calcário e magnésio e neutraliza o alumínio que é toxico para as plantas”, diz Lara. “A calagem tem a função de reduzir a acidez do solo, fornecer nutrientes para as plantas e neutralizar a ação do alumínio, que reduz o crescimento radicular e, com isso, a produção total da planta.” Ligada ao pH está a saturação por bases, que deve estar num índice ajustado conforme as exigências de cada gramínea. Para forrageiras exigentes, o índice ideal varia de 60% a 70%; no grupo intermediário, de 50% a 60%; já no grupo menos exigente, de 40% a 50%. A calagem corrige, além do pH, a saturação por bases. “Acompanhar a saturação por bases permite traçar metas de manutenção da fertilidade por meio da adubação”, diz o professor da Ufla. Segundo Lara, não existe uma dose padrão de aplicação de calcário, ou recomendação pré-estabelecida, é necessário seguir a recomendação de aplicação de acordo com a análise de solo. “O primeiro passo é definir a dose a ser aplicada de acordo com a análise de solo e da qualidade do calcário disponível no mercado. Existem calcários com poder de neutralização diferentes em função da quantidade de cálcio e magnésio e da moagem do material. As amostras de terra devem ser retiradas das pastagens em tempo hábil para que o laboratório de análise entregue os resultados antes do período chuvoso. Seguir as recomendações, como época correta, parcelamento da dose, profundidade de incorporação. Para isso é fundamental o acompanhamento de um técnico.” n
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Entre pastos, árvores e milharais. Na Zona da Mata Mineira, propriedade integra lavoura, pecuária e floresta numa verdadeira “universidade a céu aberto”
FOTOS ARIOSTO MESQUITA
Ariosto Mesquita
J
á era o meio da tarde de 17 de julho deste ano, último dia do Congresso Mundial de Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, em Brasília. Depois de renomados pesquisadores de várias partes do mundo abordarem com profundidade o tema, bastaram 15 minutos para o pecuarista Vicente Machado conquistar a plateia – formada por mestres, doutores e pós-doutores. De forma simples, direta e com o peculiar jeito mineiro, ele resumiu como foi possível aumentar a eficiência da produção de leite integrando a pecuária com a produção de grãos e o plantio de árvores em 120 hectares, na Zona da Mata, em Minas Gerais. Surpresa maior ele provocou ao mostrar que na sua propriedade, a Fazenda Valão, em Mar de Espanha, região montanhosa, suas novilhas passam o dia nos morros, em pastos de braquiária cultivados entre fileiras de eucalipto. Ele reservou 30 hectares nos pontos mais acidentados da propriedade para gradualmente instalar um sistema de integração lavoura-
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-pecuária-floresta (ILPF). Nas baixadas, trabalha com 50 hectares em sistema de integração-lavoura-pecuária (ILP) com alguns pequenos conjuntos de eucalipto para garantir sombra aos animais. Mundo do Leite foi conhecer o sistema adotado por este mineiro que, com sotaque típico, mescla descontração e bom humor: “Vaca não dá leite. A gente tem que tirar”, diz. A decisão em utilizar as técnicas de ILP e ILPF em uma propriedade de relevo bastante acidentado surpreendeu os pecuaristas da região, próxima à divisa com o Rio de Janeiro. “Teve gente que falou bobagem aos montes quando comecei a plantar milho junto com eucalipto nos morros. Quando as árvores começaram a crescer e substituí o milho pela braquiária me chamaram de doido”, conta Machado, que cuida das atividades da fazenda com a ajuda de dois irmãos e um sobrinho.
A receita ILP/ILPF, segundo ele, não é milagrosa, e sim cheia de percalços. No entanto, não esconde sua satisfação com a evolução da propriedade: “Hoje tenho uma pecuária leiteira consolidada e fontes extras de renda”. Até 2006, ano em que iniciou a integração na fazenda, tirava uma média de 400 litros de leite/dia
com 40 vacas em lactação em 80 hectares de pasto. A produtividade era de 5 litros litros/hectare/dia. Hoje ele entrega 1.200 litros/leite/dia para as Indústrias Flórida, de Juiz de Fora, a 80 quilômetros da fazenda, reservando apenas 40 ha para as 60 fêmeas em lactação, garantindo produtividade média de 30 litros/ ha/dia ou de 20 litros/vaca/dia. A produtividade na região é de 10 litros/vaca/dia, estimada pela Embrapa Gado de Leite. Além das áreas de pasto para o gado leiteiro, de grãos e de floresta, Machado destina parte das terras para a recria de fêmeas. No início de agosto, seu custo de produção do leite era de R$ 0,98/litro, enquanto comercializava o produto a R$ 1,12/litro. Os avanços surgiram, segundo ele, a partir do que considera o melhor benefício tanto da ILP quanto da ILPF: a conservação do solo.
“Antes era erosão para todo lado. Quando arava e plantava milho, a água levava tudo. Pelo menos 30% das terras eram degradadas, sem nenhuma condição de produzir”, recorda. Hoje, aos 55 anos, ele garante ter a fazenda “nas mãos”, adotando um monitoramento constante para identificar eventual necessidade de recuperação de alguma área. As terras da Valão foram compradas por seu pai em 1979 e Machado somente começou a trabalhar na propriedade em 1981, depois de se for-
De ‘doido’ a esperto. “Com a ILPF, tenho uma pecuária leiteira consolidada e fontes de renda extra”, ensina o criador Vicente Machado
mar técnico em eletromecânica em Juiz de Fora. Em 1999, ele introduziu o plantio direto, mas tinha dificuldade em obter palhada com o milho. Só em 2006, graças à aposta do pesquisador Luciano Novaes, da Embrapa Gado de Leite, de Juiz de Fora, surgiu uma alternativa. “Ele (Novaes) tinha um projeto de plantio direto na palha consorciando milho e capim e precisava testá-lo em alguma propriedade que já adotava o sistema, mas sem a forrageira, que era o meu caso. A partir daí as coisas começaram a melhorar”, conta.
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Integração Silagem em dose dupla. Na Fazenda Valão o gado come o material feito de milho e também de braquiária
Machado optou pela braquiária e fez dela uma espécie de vetor de referência para elevar a eficiência produtiva da fazenda. “Passei a ganhar com o maior rendimento do solo, pois a forrageira aproveita a adubação do milho”, explica. No plantio solteiro e na ILPF a forrageira é a base do pasto. No plantio consorciado, a área é vedada assim que o milho é colhido, geralmente em fevereiro. Com as chuvas, o capim volta com força. No início de maio é feito o corte. Após nova rebrota, funciona como pasto entre julho e outubro, com o devido monitoramento para que o pastejo não prejudique a cobertura de solo. “Caso tenha pouca massa vegetal, o gado fica menos tempo; caso a palha esteja bem forte, deixamos os animais um pouco mais”, explica.
Mas o que é feito com a braquiária cortada no início de maio? É neste momento que Machado garante alimentação farta para o rebanho durante o ano todo. Assim como o milho, a braquiária também vira silagem. “Em média, a cada ano, fazemos 500 toneladas a partir do milho e mais 300 t com a braquiária que é cortada. É um volume que me atende nos cochos, sobretudo nos meses de estiagem, geralmente com sobras.” O pecuarista garante que a silagem lhe assegura a manutenção da média de produtividade durante o ano: “Conforme a água é que a gente mede o fubá”, compara ele usando o tradicional ditado. Ou seja, ele diz que procura sempre manter a silagem em excesso para evitar surpresas. Segundo o produtor, o processo de ensilagem de braquiária é o mesmo utilizado para o milho, alterando apenas o implemento de corte. “A plataforma, que é acoplada na própria máquina que colhe o milho, tem de cobrir a área de cultivo sem intervalos,
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não apenas se concentrando em linhas”, explica. De acordo com o pecuarista, este corte é feito no momento em que a braquiária está “emborrachando”, ou seja, na fase pré-florescimento. A silagem de milho lhe rende 45 toneladas/ hectare a um custo de R$ 88/tonelada. Já a média de rendimento da silagem de braquiária é de 28 t/ha a um custo bem menor: R$ 30/t. Machado vê três benefícios diretos da braquiária dentro de seu sistema produtivo: “A forrageira garante alimento mais farto no cocho (silagem), palhada necessária para o plantio direto do milho que, por sua vez, também vai alimentar meus animais, e ainda serve como pastagem nos meses de estiagem”.
O controle dos processos de erosão não se limitou à ILP nas baixadas. Há oito anos, quando Machado iniciou o plantio das seis áreas de ILPF, conteve o problema também nas encostas dos morros. Para ele, o “filé do negócio” ILPF é o plantio de eucalipto com pasto entremeado (21 metros de espaçamento entre as linhas de árvores plantadas em fileiras duplas e 20 metros entre linhas plantadas em fileiras
simples). “O solo deixa de ser vulnerável, fica mais firme e retém mais água graças às raízes da braquiária e das árvores”, garante. “Neste sistema entramos primeiro com a lavoura. Foram três safras de milho solteiro. Na terceira já percebemos uma produtividade fraca, pois os eucaliptos começavam a dar uma sombra mais intensa. Em seguida entramos com a braquiária solteira nas entrelinhas das árvores, combinação que se mantém”, descreve. O pasto entre as fileiras de eucalipto é utilizado para alimentar as fêmeas em fase de recria. São atualmente 95 novilhas (gado solteiro) que seguem pela manhã para os morros e retornam para a baixada à tarde. “Como ainda não estão produzindo, esses animais têm menor exigência e maior mobilidade e disposição para pastejar na ILPF. Nas águas, só ficam no pasto das entrelinhas. Nos meses de estiagem também recebem comida no cocho, quando voltam para a baixada”, conta. O pastejo é rotacionado entre as seis áreas de ILPF (30 hectares no total).
Todo o trabalho de integração produtiva na Fazenda Valão tem o objetivo principal de potencializar a produção leiteira. Em agosto eram 93 vacas (60 em lactação) e mais 95 novilhas em recria, todos eles animais mestiços (Gir Leiteiro x Holandês). Além de o rebanho lhe garantir um faturamento líquido de R$ 168/dia ou mais de R$ 5.000/mês apenas na venda do leite cru, a estratégia de trabalho aliada à diversifi-
Para lenha e cerca. Eucalipto também dá renda na integração entre lavoura, pecuária e floresta, além de poder ser usado para benfeitorias como cercas e outras instalações
cação proporcionada pelos sistemas integrados também garante outras fontes de renda. As vacas que não conseguem emprenhar (a fazenda faz inseminação artificial desde 1986) são descartadas e comercializadas com frigoríficos. Este índice fica em uma média anual de 10% das fêmeas em fase de produção. “Como faço recria, tenho de manter este volume de descarte, pois o rebanho tem de ser eficiente”, justifica. Já os bezerros (geralmente metade dos nascimentos, algo em torno de 30 animais/ano) seguem todos para uma propriedade parceira, onde ganham peso e, posteriormente, são abatidos. Antes de deixarem a Fazenda Valão, passam pela pesagem. “O peso obtido é meu. O que o animal vier a ganhar na outra fazenda fico com a metade. Ou seja: se eu entre-
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Integração go um bezerro com 200 quilos de peso vivo e ele ganha mais 100 quilos por lá, 250 quilos são nossos e 50 quilos do parceiro”, explica. Machado também já está obtendo renda com os eucaliptos plantados nos 30 hectares de ILPF. Ano passado embolsou R$ 7.000 com a venda de 200 metros cúbicos de lenha, ao preço de R$ 35 o metro cúbico. Além disso, basta circular pela propriedade para ver benfeitorias, cercas e peças confeccionadas com o eucalipto retirado das áreas de ILPF. Uma pequena parte do leite que não é comercializada Machado reserva para a produção de doce. São 200 litros de leite/mês que se transformam em 90 quilos de doce
de leite, vendidos por R$ 6 o quilo. Com um faturamento bruto de R$ 540 e um custo de produção de R$ 256, a receita líquida de R$ 284/mês. Machado admite que a integração produtiva permitiu mais segurança e perenidade nos resultados da propriedade, mas garante que não é uma receita infalível: “São ideias boas, mas não podemos vender fantasia. A integração dá condições de sobrevida para produtores como eu. Ninguém vai ficar rico com isso. Lá no Congresso de ILPF, ouvi histórias fantásticas de gente que passou a ter um plus mensal de R$ 800.000, algo fora da realidade do pequeno e médio produtor”.
Para Embrapa, fazenda virou campo de testes A parceria de Vicente Machado e sua família com a Embrapa, para a instalação e desenvolvimento dos sistemas integrados dentro da propriedade, indicam claramente que tanto a ILP quanto a ILPF na pecuária leiteira ainda estão longe da perfeição. Reforço neste sentido vem da afirmação do agrônomo e pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Carlos Eugênio Martins: “A Fazenda Valão é uma universidade a céu aberto”. Seu colega de unidade, o também pesquisador e gestor do Núcleo Temático e Produção Vegetal e Pastagens, Marcelo Dias Müller, explica melhor este conceito: “Na propriedade temos vários cenários, como áreas de encostas, morros e baixadas. Há oito anos estamos lá, testando diversas alternativas e adaptações. Desta forma, é possível reconhecer o que ‘deu certo’ e o que ‘não deu certo’. Os resultados obtidos permitem à Embrapa o melhor entendimento da dinâmica dos sistemas e, a partir daí, propor adaptações e mudanças necessárias ao manejo”.
Pasto e montanha. Região montanhosa requer projeto específico por isso receita é única para cada propriedade
Composição química da silagem* Espécie vegetal
PB1
FDN2
NDT3
DIVMS4
Braquiária ruziziensis
7,0
68,8
51,9
53,7
Milho
6,2
45,1
65,2
65,4
(*) Composição química (%, base da matéria seca) das silagens de milho e de “Brachiaria ruziziensis” produzidas em integração lavoura-pecuária. (1) Proteína bruta; (2) Fibra em detergente neutro; (3) Nutrientes digestíveis totais; (4) Digestibilidade “in vitro” da matéria seca. FONTE: EMBRAPA GADO DE LEITE
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Um dos resultados satisfatórios foi a utilização da silagem de braquiária dentro da ILP como reforço importante na alimentação dos animais. Müller considera que, apesar de apresentar menor teor de energia do que a de milho, seu baixo custo de produção (R$ 30 por tonelada) compensa um eventual aumento no consumo de concentrados. “Além de ser utilizada na nutrição de vacas em lactação, a silagem de braquiária é uma alternativa viável para alimentar outras categorias menos exigentes, como vacas secas e novilhas”, afirma. O pesquisador garante ainda que os sistemas integrados podem ser adaptados para qualquer tamanho de propriedade, independentemente de seu nível tecnológico. O diferencial, segundo ele, está no envolvimento e na gestão do produtor: “Havendo comprometimento e dedicação é possível trabalhar e obter bons resultados”. n
eventos
Agroleite Castrolanda começa em 20 de outubro na “Capital do Leite” A 15.ª edição da Agroleite Castrolanda, mostra realizada em Castro, PR, ocorrerá entre os dias 20 e 24 de outubro. Na edição passada, o evento movimentou cerca de R$ 60 milhões em negócios, superando em 15% o valor de 2013. A Agroleite contará com os tradicionais torneio leiteiro; julgamentos de animais (Girolando, Pardo-Suíço, Simlandês, Simental, Jersey, Holandês Vermelho e Branco e Holandês Preto e Branco), além do Fórum de Pecuária Leiteira; Seminário Internacional Nutron Agroleite; entrega do Troféu Agroleite;
dinâmica de máquinas; fórum da agricultura; concurso de silagem; leilão Top Agroleite, e julgamento da Vaca do Futuro e Campeã Suprema Agroleite 2015, entre outras atrações. A mostra é promovida pela cooperativa Castrolanda e atraiu, na edição passada, 98 mil pessoas, 170 empresas expositoras, além de ter a participação de cerca de 600 animais das várias raças leiteiras no Pavilhão Agroleite, inaugurado em 2014. No site www.agroleitecastrolanda.com. br há mais informações sobre a mostra deste ano.
Girolando tem seu primeiro congresso internacional em MG O 1.º Congresso Internacional da Raça Girolando e o 2.º Congresso Brasileiro da Raça Girolando serão realizados entre 19 e 21 de novembro, no Ouro Minas Palace Hotel, em Belo Horizonte, MG. O evento terá a presença de técnicos e pesquisadores brasileiros e estrangeiros, que abordarão temas como sanidade, reprodução, melhoramento genético, manejo, nutrição, seleção genômica e comporta-
mento animal. Também haverá visitas a fazendas produtoras de leite com a raça Girolando. O Congresso terá a apresentação de painéis e sessões de pôsteres com trabalhos científicos nacionais e internacionais, sobre a pecuária e a raça leiteira. As inscrições vão até 19 de novembro. No site www. girolando.com.br é possível obter mais informações e fazer a inscrição para o evento. out-nov/2015 Mundo do Leite
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EMPRESAS E PRODUTOS Agener
Família Uber, linha completa contra mastite A Agener, divisão veterinária da União Química, acaba de lançar a Família Uber. Não, não se trata de uma frota de transporte chamada por aplicativo no celular, mas de Uber que remete à palavra úbere. Trata-se de uma plataforma de serviços, produtos e manejo com as melhores soluções contra a mastite. A equipe técnica da Agener levará aos produtores de leite uma plataforma completa de soluções, exames e manejo preventivo contra a principal doença de rebanhos leiteiros. Entre os produtos estão os intramamários Uberlac, Ubersec e Uberseal, além dos antibióticos Cef 50, Fortgal Plus, Roflin, Agemoxi, Terracam Plus, Zelotril Plus e Megacilin PPU Plus e os anti-inflamatórios Ketojet e Dextar e o diurético Diurax. Informações, www.uniaoquimica.com.br
Bayer
Mata-bicheiras aplicado no pasto A Bayer Saúde Animal investiu no lançamento do mata-bicheiras Tiguvon Spoton 150 ml. Conforme a multinacional alemã, o produto é absorvido pela pele do animal e age em todo o organismo. Uma única dose cura e previne o surgimento de bernes, bicheiras, moscas e piolhos. Conforme o gerente de Produto da Bayer Saúde Animal, os principais benefícios do Tiguvon Spoton são praticidade, economia de tempo e menos stress para os animais. “O manejo é simplificado porque a aplicação é no pasto, sem necessidade de laçar e tocar no animal, com economia de manejo, tempo e mão de obra, promovendo o bem-estar animal”, explica. Informações em www.bayersaudeanimal.com.br.
Zoetis
Novo produto contra anaplasmose e babesiose A Zoetis amplia seu portfólio de soluções para bovinos e traz ao mercado o novo hemoparasiticida Imidofort B12. Injetável, o produto é indicado para o tratamento da anaplasmose e da babesiose dos bovinos _ enfermidades transmitidas
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pelo carrapato Rhipicephalus (Boophilus) microplus e por insetos hematófagos complexo infeccioso-parasitário popularmente conhecido como tristeza parasitária bovina (TPB). “Com o Imidofort B12 o produtor tem em mãos o tratamento completo da anaplasmose e da babesiose. O dipropionato de imidocarb tem alta eficácia contra a Babesia sp. e a Anaplasma sp. A vitamina B12 desempenha papel importante na recuperação do quadro de anemia causado pela doença”, garante o gerente da Linha Leite da Unidade de Negócios Bovinos da Zoetis, Fernando Braga. Informações em 0800 011 19 19.
livro
Aquecimento global, uma falácia Um livro que aborda o que o autor chama de “a grande falácia do século 21”. O autor, o jornalista especializado em agricultura e editor de AgroDBO, Richard Jakubaszko, acaba de lançar “CO2 - aquecimento e mudanças climáticas: estão nos enganando?” Pelo título, já é possível desconfiar do que se trata a “falácia”: o aquecimento global. O autor, juntamente com os coautores e cientistas Luiz Carlos Baldicero Molion e José Carlos Parente de Oliveira, põe em xeque as teorias propaladas sobre aquecimento global e mudanças climáticas. O jornalista destaca que o aquecimento global não é consenso entre os cientistas. e que a atuação do ser humano no planeta não seria suficiente para provocar o efeito estufa. Pedidos do livro no tel. (11) 3528-4643 ou por e-mail richard@agrodbo.com.br.
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Seguindo em Frente Ismail Ramalho Haddade*
Crise e dificuldades: chance de aprender
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usca-se aqui uma reflexão a respeito da capacidade de as pessoas encontrarem soluções para as dificuldades. A maioria vê em tais dificuldades motivos para lamentar, ou para justificar sua incapacidade de seguir em frente, desistindo dos objetivos ao primeiro sinal de resultados negativos. A respeito disso, cito algumas questões essenciais para o produtor rural: será que o motivo para alcançar seus objetivos justifica o esforço, mesmo nas situações de extrema dificuldade? Que aprendizado pode ser obtido caso não haja crises a serem superadas? Um exemplo disso vem de uma das propriedades assistidas pelo Balde Cheio, no Rio de Janeiro. O Sítio Bastião, do produtor Cléber Pessanha e de sua esposa, Michelli Almeida, é atendido de forma competente pelo técnico João Maciel D’Ângelo Neto, em Campos dos Goytacazes. O casal, com seus filhos, tem na atividade leiteira uma esperança talvez única de crescimento e de bem-estar para a família.
As perspectivas são pequenas, com uma área arrendada do pai do produtor, algumas poucas vacas, e uma família com muita vontade de trabalhar. A produção inicial era de 25 litros/dia, e o sonho era alcançar 400 litros/dia, em 2,2 hectares de pasto. Inicialmente, formou-se uma área de pasto de 3.400 metros quadrados com tifton 85, divididos em 17 piquetes. Após a primeira etapa, já com melhores condições e recursos, conseguiram montar uma segunda área de pastejo. Conforme a evolução do trabalho, obteve-se uma produção máxima de 320 litros de leite por dia, lotação de 20 vacas/hectare (ou sete vacas em 3.400 metros quadrados) em algumas épocas do ano, além do aprendizado, tanto do técnico como do produtor, em relação à superação dos muitos desafios apresentados. Os desafios serviram de incentivo. Isso foi provado diante de uma séria adversidade, que começou em 2014, com a queda da produção de leite por questões naturais e momentâneas
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do sistema, e, em seguida, uma seca severa no início de 2015. A propriedade ficou totalmente sem água. Nesses momentos, a esposa, Michelli, participante das decisões, trouxe equilíbrio em relação a dificuldades como a queda da renda mensal coincidindo com chegada de mais um filho. Houve um momento em que a única solução parecia ser desistir, vender o rebanho e tentar algo fora dali.
Para o técnico, esta foi a maior dificuldade desde o início de seu trabalho com pecuária leiteira. Havia ainda a necessidade de se manter forte e confiante frente ao produtor, demonstrando que haveria alternativas quando na verdade pouca ideia ele tinha de como conduzir a situação, pois não encontrava saída imediata para o problema da seca. Diante deste cenário, tomou uma decisão ousada: a venda de três vacas do rebanho para investir em um poço. Decisão ousada, porém acertada, pois a propriedade não só resolveu um problema imediato, a seca, como trouxe a possibilidade de aumentar o potencial produtivo, irrigando 2,2 hectares de pasto. Com o resultado, surgiu a certeza de que, no caso da ausência de desafios, talvez menor turbulência pairasse sobre aquele ambiente. No entanto, menores perspectivas de desenvolvimento pudessem estar ao alcance daquela família. Para concluir, fica o pensamento de Albert Einstein: “A crise é a melhor benção que pode ocorrer com as pessoas. Ela traz progressos. A criatividade nasce da angústia. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise supera-se a si mesmo sem ficar superado. Quem atribui à crise os seus fracassos e suas penúrias violenta o seu próprio talento. A verdadeira crise é a da incompetência.” n *Engenheiro agrônomo, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, câmpus de Santa Teresa.