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Com o Plano Safra, o Governo Federal está investindo R$ 216,6 bilhões na agricultura familiar e empresarial. O Banco do Brasil é o maior financiador desses recursos. Porque apoiar o agronegócio gera desenvolvimento para todos.
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Ao Leitor Não há melhor época do que os meses de dezembro e janeiro para o pasto vicejar. Com plena luz, umidade e calor, as gramíneas alcançam o seu melhor em potencial nutritivo. É agora que o pecuarista tem a oportunidade de adotar um rodízio mais racional de piquetes, tomando como base o critério da interceptação luminosa. Não se assuste com o nome técnico. Trata-se simplesmente de colocar o rebanho no pasto quando ele está em sua plena condição nutritiva. Mundo do Leite detalha como a técnica funciona e o melhor _ o momento ideal para iniciar sua aplicação é agora. Boa leitura, excelente Natal aos nossos leitores e um bom e farto ano-novo!
LUIZ PRADO
A hora certa de abrir o piquete
18 Capa
Saúde animal
Aumente o rendimento do rebanho com o manejo racional do pasto
28 Laminite, a doença dos cascos
Nutrição
42 Campeão em silagem
Novas bacias
Capa: Lay-out: Edgar Pera Arte final: Edson Alves Foto: Luiz Prado
45 Bolsão de MS investe em leite
Colunistas 14 Gestão, Christiano Nascif 24 Qualidade, Marcos Veiga 38 Sustentabilidade, Alexandre Pedroso 50 Seguindo em frente, Ismail Haddade
Seções
detalha como o programa Leite Saudável vai alçar 80 mil produtores à classe C. LUIZ PRADO
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4 Ao Leitor 10 Mercado 12 Palavra da Indústria 48 Empresas e Produtos
Mundo do Leite
Entrevista Caio Rocha O secretário do Produtor Rural e 6 Cooperativismo do Ministério da Agricultura
Extensão
Vários mitos rondam este programa que está para completar duas décadas e não é só para “fazer piquetinhos” na propriedade leiteira
Tiragem desta edição: 20 mil exemplares. Tiragem e circulação auditadas
É uma publicação bimentral da DBO Editores Associados Ltda., com circulação em fevereiro, abril, junho, agosto, outubro e dezembro.
Diretores
Arte
Daniel Bilk Costa, Demétrio Costa e Odemar Costa.
Editor: Edgar Pera
Diretor Responsável
EDITORAÇÃO
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Redação
Coordenação Gráfica
Editora: Tânia Rabello
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CONSULTOR TÉCNICO
Edson Gonçalves Colaboradores
Ariosto Mesquita, Fernanda Yoneya, Geraldo Hasse, Niza Souza, Renato Villela e Roberto Nunes Ferreira
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Balde Cheio
Mundo do Leite dez/2015-jan/2016
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Entrevista
Caio Rocha
O titular do cargo da Secretaria do Produtor Rural e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Caio Rocha, consolidou sua carreira como servidor concursado da Emater do RS. Ou seja, trabalhou no Estado que detém uma das principais bacias leiteiras do País. Em 30 anos de Emater, este engenheiro agrônomo começou como extensionista rural até que, em 2006, tornou-se presidente do órgão. Caio Rocha também assumiu a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do RS no período em que o Estado recebeu o certificado de livre de febre aftosa, com vacinação. Agora, sua mais importante missão é implementar o programa Leite Saudável, recém-lançado, e que garantirá a ascensão de 80 mil produtores de leite à classe C. Rocha detalha à Mundo do Leite como fará.
Leite Saudável, a nova aposta do governo no setor O Secretário do Produtor Rural do Ministério da Agricultura, Caio Rocha, detalha o programa lançado em outubro pelo governo federal
Mundo do Leite – O Leite Saudável pretende alçar 80 mil produtores de leite à classe C. Quais são os números atuais? A partir de um universo de quantos produtores vai se promover a inclusão deste contingente? Caio Rocha – O País tem, hoje, quase 1 milhão produtores de leite, a imensa maioria pequenos. O objetivo inicial
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Mundo do Leite dez/2015-jan/2016
das ações estratégicas do Ministério da Agricultura, com o Leite Saudável, é promover a capacitação e implementar boas práticas agropecuárias, de transporte e de práticas de processamento em um universo de 80 mil produtores. Tais medidas possibilitarão que grande parte da produção nacional de leite possa ter garantia de qualidade e de segurança. Com isso, vamos aumentar a competitividade
do setor leiteiro nacional e promover a melhoria de renda desse contingente de produtores, que assim poderão ser inclusos na classe C.
Sobre o melhoramento genético, que é um dos pilares do programa Leite Saudável e algo tão importante para melhorar a produtividade média do rebanho leiteiro, o Ministério da Agricultura
pretende fazer parcerias com associações de criadores para obtenção de material genético de qualidade? O Ministério da Agricultura tem firmado convênios, por meio de editais de seleção, com parceiros privados para a execução do programa, que tem alguns pilares, como o apoio ao acesso à material genético melhorado. Desta forma, programas oficiais voltados ao desenvolvimento de material genético de qualidade comprovada serão apoiados e suas bases servirão para efetiva implementação do programa por parte dos parceiros privados conveniados. Além disso, será possível apoiar a ampliação e a melhoria nos atuais programas de melhoramento genético, como, por exemplo, na ampliação do número de matrizes leiteiras em testes de progênie.
O crédito rural e a garantia de acesso a ele é um dos principais problemas enfrentados pelos produtores rurais do Brasil, sobretudo os pequenos, que muitas vezes dependem de projetos para destravar financiamentos. O Leite Saudável de alguma maneira facilitará o acesso ao crédito para que aqueles 80 mil produtores efetivamente saiam da linha de pobreza? O produtor rural já conta, atualmente, com garantia de acesso ao crédito pelas linhas de financiamento do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária (Inovagro) e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf ), com juros subsidiados que potencializam a produção, a melhoria da propriedade e a qualidade do leite. A adequação da disponibilidade de financiamento para custeio e investimento são essenciais para promover incrementos em produ-
O objetivo do Leite Saudável é promover a capacitação e adotar boas práticas agropecuárias, de transporte e de processamento em um universo de 80 mil produtores” tividade e modernização. Dessa forma, o Plano Safra 2015/2016 oferta linhas de acesso a crédito facilitado, com juros subsidiados, que potencializam a produção, a melhoria da propriedade e a qualidade do leite. Além disso, sobre a dificuldade de acesso ao crédito, queixa de muitos produtores, o Ministério da Agricultura está desburocratizando o acesso as linhas de crédito.
Vamos falar de saúde animal. Qual a situação atual de controle da brucelose e da tuberculose em rebanhos leiteiros? A falta de controle é mais visível nos rebanhos de pequenos produtores? As ações do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal (PNCEBT ) estão consolidadas nos diferentes Estados e o controle efetivo das referidas doenças varia entre as unidades federativas. O tamanho dos rebanhos não interfere nas ações de controle. Aliás, não há falta de controle. Na busca do aperfeiçoamento, o Ministério da Agricultura está revisando o programa. Os índices vacinais para brucelose atingiram um patamar satisfatório, de 80%, e a maioria dos Estados realizou estudos da prevalência dessas doenças, uma importante ferramenta para escolher as melhores estratégias, acompanhar o andamento do programa e julgar, racionalmente, se há necessidade de promover correções, evitando o desperdício de tempo e recursos.
O Leite Saudável se propõe também a melhorar a qualidade do leite bovino no Brasil. Que tipo de programas e parcerias o ministério pretende firmar para consolidar isso? A Embrapa, por exemplo, seria convocada a auxiliar mais ainda o pecuarista a melhorar a qualidade do seu produto? Com certeza. A Embrapa atuará no conceito de inteligência estratégica e na qualificação de pessoas, nos dois casos, sempre em rede. No que se refere à inteligência estratégica, isso será uma novidade. Técnicos do Ministério da Agricultura e da Embrapa estão atuando de maneira coordenada, visando dotar o Brasil de ferramentas que permitam a tomada de decisões públicas e privadas com base nos dados gerados mensalmente nos laboratórios de qualidade de leite vinculados à Rede Brasileira de Qualidade do Leite. Isso vai possibilitar mapear e acompanhar, pela primeira vez, como está a qualidade do leite em cada rincão do Brasil, a cada mês. Isso será inusitado e mudará em definitivo a forma de se conceber políticas públicas e a concepção de estratégias empresariais no Brasil. Além disso, a Embrapa já está preparada para treinar os técnicos que prestarão serviços de assistência técnica e que serão direcionados pelo ministério.
E em relação a convênios com outras entidades e representantes de produtores? Temos convênios assinados e em dez/2015-jan/2016 Mundo do Leite
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Entrevista
Caio Rocha
execução com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), com a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), com o Senar e o Sebrae, que permitem sermos ágeis no atendimento às demandas novas que certamente ocorrerão no âmbito do Leite Saudável. Nada impede que programas específicos sejam desenhados para cumprimentos de objetivos que venham a ser detectados, dada a dinâmica do programa. Vale lembrar a experiência exitosa do programa Alimentos Seguros, que contempla boas práticas na produção de leite. Esse programa está consolidado. É disseminado em todo o Brasil pelo Senar e teve na Embrapa todo o sustentáculo original, desde a concepção, a organização de tecnologias e treinamento dos técnicos multiplicadores. É bom lembrar que a Embrapa, como órgão de pesquisa e desenvolvimento do ministério, tem a prerrogativa de direcionar as melhores e mais apropriadas ciência e tecnologias disponíveis. Logo, a base de conhecimento desenvolvida pela Embrapa serve de estrutura fundamental do programa.
E mais especificamente sobre o Senar, que já atua fortemente na formação e capacitação de produtores de leite no País? O Senar continuará a colaborar com a formação de técnicos para auxiliar produtores leiteiros. Além disso, o Senar participará na própria execução do programa Leite Saudável, atuando na área de extensão e assistência técnica rural especializada.
Em relação a pequenas agroindústrias ligadas à pecuária leiteira, há um número considerável delas atuando no País, inclusive sem selos de inspeção municipal, estadual ou federal. Quais serão as estratégias do ministério
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Mundo do Leite dez/2015-jan/2016
para garantir a produção dessas pequenas empresas e ao mesmo tempo sua legalização, sem que isso demande muitos recursos do produtor? Em relação a estratégias de inclusão desenvolvidas pelo Ministério da Agricultura, podemos citar a publicação do Decreto 8.471, de 22/6/2015, que alterou o Decreto 5.741/2006. Em cumprimento ao Decreto nº 5.741/2006, o ministério está concluindo a elaboração de seis normas que estabelecerão requisitos para a avaliação de equivalência ao Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa) relativos à estrutura física, dependências e equipamentos dos estabelecimentos agroindustriais de pequeno porte. A proposta de norma de leite e derivados foi discutida com representantes do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome e Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Leite e Derivados e será encaminhada para consulta pública em breve.
Finalmente, um dos objetivos do Leite Saudável é ampliar a participação do Brasil no mercado externo de leite. Trata-se de política voltada mais aos grandes laticínios? Ou como o produtor que chegou à classe C se tornaria um fornecedor de matéria-prima para exportação? A política adotada pelo ministério contribuirá, de forma democrática, para o acesso do leite e demais produtos lácteos brasileiros aos mercados internacionais. O acesso a novos mercados é condicionado ao atendimento dos requisitos sanitários de qualidade e segurança do alimento, estabelecidos pelo país importador. Dessa forma, grandes laticínios ou pequenos produtores rurais serão beneficiados pelas ações do ministério. n
Mercado Após os preços de 2015, é hora de ajustar a produção em 2016 Analistas do mercado avaliam o ano que se encerrou e os próximos passos, em 2016 Fernanda Yoneya
tamares bastante elevados até maio de 2014. Recebendo mais, ele se capitalizou, e esse aumento nas margens resultou em um movimento em nível nacional de investimentos na atividade”, continua. “Como na pecuária de leite a resposta aos investimentos é rápida, houve aumento da oferta de leite no País. Mas o mercado interno não estava preparado para absorver toda essa oferta.”
A
o contrário de 2013 e parte de 2014, o ano de 2015 não foi tão pródigo. Os preços pagos ao produtor recuaram e todo o investimento que ele efetivou nos dois anos anteriores acabou, de certa maneira, sendo um tiro que “saiu pela culatra”, pois as regiões produtoras aumentaram a oferta – com a adoção de mais tecnologia – e a consequência foi a desvalorização do leite. Segundo a Scot Consultoria, em novembro de 2014 a cotação média do litro pago ao produtor era de R$ 0,96; em novembro deste ano, a estimativa é de R$ 0,95. Em valores reais, corrigidos pela inflação (IGP-DI), o produtor está recebendo por volta de 9,5% menos em 2015 em comparação a 2014. “De forma resumida, 2013 foi um ano de demanda aquecida no mercado”, diz o agrônomo Wagner Hiroshi Yanaguizawa, do Cepea/Esalq/USP. “Essa demanda sustentou o preço ao produtor em pa-
Os laticínios acumularam muitos estoques e o preço ao produtor caiu por nove meses, de junho de 2014 a fevereiro de 2015. Nesse período, a “média Brasil” (MG, PR, RS, SC, SP, GO e BA) acumulou queda de 22,1% e chegou a um patamar muito baixo – desde fevereiro de 2010 os preços em valores reais não chegavam àqueles níveis. No fechamento de outubro, referente ao leite captado em setembro, o preço recebido pelo produtor estava 9,2% abaixo da média de um ano atrás, em valores reais (deflacionados pelo IPCA).
Variação do preço do leite pago ao produtor 1,00 0,98 0,96 0,94 0,92
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“De forma geral, 2015 foi complicado para o setor, sobretudo por causa do enfraquecimento da demanda por produtos lácteos, decorrente da crise. Da mesma forma que existe a substituição da carne bovina por carnes mais baratas (como suína e de frango), quando o poder de compra do consumidor está pressionado, no caso do leite muitos derivados, como queijos, iogurtes e manteigas são trocados por marcas mais baratas ou mesmo suprimidos das compras”, afirma Yanaguizawa. Ele explica que há uma sazonalidade anual no comportamento dos preços pagos ao produtor. Na época das águas, aumenta a disponibilidade de pastagens de qualidade, a oferta de leite se eleva e os preços tendem a cair. Na entressafra, diminui a oferta de pasto e aumenta a necessidade de suplementar o rebanho; com isso, a produção de leite cai e os preços tendem a subir. “Pelo lado da demanda, dezembro, janeiro, fevereiro e julho são meses de férias escolares e, com isso, a demanda por leite em pó cai, fato que influencia no preço de todos os derivados. Neste ano, essa queda na demanda afetou mais fortemente os preços ao produtor. Já a indústria não consegue repassar o aumento de preços da entressafra para o produto e, para o pecuarista, o reajuste foi dado de forma mais escalonada. Com isso, a alta de preços se estendeu por seis meses neste ano, quando normalmente se limita a três ou a quatro meses”, diz o agrônomo. “O mercado em 2015 sofreu os efeitos da crise econômica: a demanda interna diminuiu, a oferta boa pressionou os preços para baixo, o clima prejudicou
produtores da Região Sul, a alta do dólar causou impacto nos preços de insumos”, afirma o zootecnista Rafael Ribeiro, consultor da Scot. Para ele, o mercado de produtos de maior valor agregado – iogurtes, manteiga, creme de leite, queijos – foi mais atingido pela crise em 2015 do que o de leite longa vida. “Laticínios estimam, informalmente, queda nas vendas que variam de 5% a 20%”, afirma Ribeiro. Segundo relatório do Rabobank divulgado em outubro, a produção de leite no Brasil deveria cair 2% no segundo semestre de 2015 e 1% nos seis primeiros meses de 2016, em comparativos anuais. Além disso, os preços do leite deveriam ceder nos próximos meses, em movimento sazonal, o que diminui as margens da atividade. No segundo trimestre de 2015, o Rabobank calcula que a produção tenha caído 2,6%.
O mercado de leite em 2015 sentiu os efeitos da perda da renda real do consumidor, resultado do quadro de recessão do País, diz o analista sênior do Rabobank Brasil, Andres Padilla. “Além dessa perda da renda real, o que contribuiu para a redução da demanda interna por produtos lácteos, há a inflação alta e a questão do desemprego”, afirma. Segundo dados do IBGE, o rendimento real do brasileiro ficou em R$ 2.210, na média de janeiro a setembro de 2015. Na comparação com o mesmo período de 2014, houve queda real de 2,5%. Da parte dos produtores de leite, 2015 foi um ano de margem mais apertada, e essa “falta de folga no caixa” se mantém até pelo menos meados de 2016, segundo Padilla. Ribeiro, da Scot, cita ainda o impacto da alta do dólar no custo de produção – no fim de setembro, a moeda americana ultrapassou os R$ 4 – o valor mais alto desde 1994. “Entre 60% e 70% dos insumos usados pelo produtor de leite são importados, incluindo fertilizantes. Isso, sem dúvida, eleva o custo de produção e faz o produtor a repensar sua estratégia de investimentos”, afirma. “Somados aos reajustes dos combustíveis e da energia elétrica,
a margem do produtor ficou pressionada. Porém, com os preços da arroba do boi se mantendo em patamares elevados, existe a tendência de aumento de abate de matrizes como alternativa para o produtor se capitalizar. No curto prazo, isso pode ser bom, mas em médio e longo prazos o pecuarista estará reduzindo o seu plantel, vai diminuir a produção de leite e, consequentemente, a sua receita, o que, em muitos casos, resulta na saída do produtor da atividade”, acrescenta Yanaguizawa. O custo operacional efetivo (COE) calculado pelo Cepea em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) acumula alta de 5,7% e o custo operacional total (COT), de 5,6% (até o fechamento de outubro). No COE, o grupo de concentrado (milho e farelo de soja basicamente) possui a maior participação nos custos, de 40,9%, seguido pela mão de obra (16%) e pela silagem (15,1%). “Os preços do milho e do farelo de soja tiveram forte influência da alta do dólar, com as exportações de milho devendo bater recordes. Com isso, as cotações do grão no mercado interno têm se mantido altas”, diz Yanaguizawa.
Para Ribeiro, 2016 será um ano para o mercado ajustar oferta/demanda, o que exigirá cautela, planejamento antecipado de compra de insumos e investimentos comedidos por parte do produtor. “Uma dica é, a partir de agora, fazer um acompanhamento diário do mercado de insumos, como milho, farelo de soja e fertilizantes. Essa análise rotineira ajuda no planejamento das compras e o produtor pode economizar”, afirma. Em 2015, diz, quem comprou milho em abril e maio pagou de 15% a 20% menos do que o produtor que deixou para comprar no segundo semestre. No caso do farelo de soja, a economia chegou a 30%. “Em ano de incertezas, essa prática de acompanhar o mercado pode ser o diferencial e resultar em ganho de caixa.” “Além do quadro recessivo, os insumos estão mais caros, e devem continuar
O leite nas pistas Preços médios dos leilões de gado leiteiro¹ Praça²
Total de animais vendidos
Faturamento (em R$)
Preço médio (em R$)
MG
15
62.640
4.176
SP
341
1.597.500
4.685
GO
59
4.341.100
73.578
Comparação entre 2014 e 2015 2 (Até 23/11 de cada ano) 2014
2015
Média de preços (em R$)
4.503
14.461
Total de animais vendidos no País
1.322
415
(1) Período de 23/10/2015 a 23/11/2015; (2) Nas três principais praças de comercialização
Variação do preço do leite ao produtor Média nacional ponderada - em R$/litro
assim”, afirma Padilla, do Rabobank. Portanto, o produtor deve ter cautela nos investimentos sem prejuízo da qualidade do produto. Para Yanaguizawa, investimentos em melhoramento genético, benfeitorias e equipamentos, qualificação da mão de obra e insumos de melhor qualidade resultam em ganhos. “Porém, o ritmo de aumento de investimentos na atividade se reduziu bastante em 2015, principalmente pela crise do País. Mas, analisando a atividade nos últimos anos, o que tenho observado é uma mudança da preocupação do produtor de leite quanto a se adequar tecnologicamente e, principalmente, em termos de gestão da atividade.” A solução para melhorar a rentabilidade é reduzir os custos de produção, mas ajustados de forma a maximizar a produtividade e produção de leite”, afirma Yanaguizawa. n dez/2015-jan/2016 Mundo do Leite
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Palavra da Indústria
Vigor, na contramão da crise
A
julgar as perspectivas não tão otimistas de analistas de mercado em relação ao consumo de derivados mais nobres de leite em 2015, principalmente iogurte, a Vigor Alimentos poderia muito bem se considerar um ponto totalmente fora da curva. Uma das maiores produtoras e processadoras de leite do País viu seu faturamento no terceiro trimestre de 2015 (julho a setembro – o mais recente disponível antes do fechamento desta edição) dar um salto de 28% na receita líquida em relação ao mesmo período do ano passado, ou o equivalente a R$ 1,473 milhões. O lucro líquido consolidado alcançou R$ 58,7 milhões, ou 96,6% mais em relação ao terceiro trimestre de 2014 – uma forte base comparativa, segundo a empresa, pois o mesmo indicador referente a 2014/2013 foi 135,4% maior. Em nota publicada pela empresa referente à análise de seus resultados naquele período, o presidente da Vigor Alimentos, Gilberto Xandó, destaca o forte desempenho positivo do mercado de lácteos e queijos. “Na categoria de lácteos, além da expansão da linha de iogurtes gregos, houve também a retomada de crescimento da linha de iogurtes tradicionais”, informa. “O segundo destaque foi a reorganização do portfólio de mercearia e os investimentos na nova formulação e embalagem da margarina Vigor sabor manteiga”, informa. Ou
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Mundo do Leite dez/2015-jan/2016
Volume comercializado pela Vigor por categoria (em t) Categoria
3T15
3T14
Var. (%)
9M15
9M14
Var. (%)
Lácteos
35.780
30.424
17,6
100.657
88.656
13.5
M/S
72.541
55.068
31,7
176.120
154.851
13.7
UHT
14.786
18.826
-21,5
48.116
48.833
-15
Total
123.108
104.318
18
324.893
292.340
11.1
M/S = Mercearia & Spreads; 3T14 = 3 trimestre de 2014; 9M15 = Primeiros nove meses de 2015. Fonte: Vigor Alimentos
seja, a Vigor conseguiu, num ano de crise econômica como foi 2015, ir contra a tradição de queda nas vendas de derivados nobres de leite, como queijos e principalmente iogurtes. A perspectiva de analistas de mercado para o ano que acabou de se encerrar era que justamente esses derivados poderiam sofrer recuo significativo no consumo por parte da população, enquanto o leite UHT (o longa vida) permaneceria competitivo. Mas foi justamente no volume UHT da companhia que o desempenho foi negativo em relação ao terceiro trimestre de 2014. Enquanto o volume comercializado, anota a empresa, em seu site, foi 18% superior, com 123.100 toneladas – estimulado pelo beneficiamento do mix de produtos nas categorias mercearia e spreads e lácteos –, a categoria leite UHT apresentou desempenho inferior ao registrado no terceiro trimestre de 2014, com 14.800 toneladas de leite comercializadas, ante 18.826 tone-
ladas no mesmo período do ano passado, ou 21,5% menos (na tabela, os volumes comercializados até setembro 2015 em comparação com os nove primeiros meses de 2014).
Outra prova de que crise não interfere na visão de longo prazo da companhia é a inauguração, prevista para ocorrer já no início de 2016, da unidade da Vigor em Barra do Piraí, RJ, na qual foram investidos cerca de R$ 70 milhões. “Continuaremos investindo em nossas marcas, acelerando nossas iniciativas para ampliar a base de clientes nas regiões onde a Vigor tem menor participação de mercado e o portfólio de produtos de alto valor agregado”, disse Xandó, no relatório de apresentação de resultados. “Além da planta de Barra do Piraí, que estará pronta para funcionar em 2016, estaremos ainda mais fortes atuando em Minas Gerais, Espírito Santo e regiões do Nordeste de forma mais eficiente e rentável”, concluiu. n
Gestão Christiano Nascif
Quem é o rei na crise? Lucro ou fluxo de caixa? Christiano Nascif Zootecnista, coordenador de assistência do Pdpl-RV e coordenador técnico do Projeto Educampo/Sebrae.
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U
m dos maiores desafios de todo produtor de leite é equilibrar as receitas com as despesas, garantindo que haja caixa suficiente para fazer frente aos custos crescentes do negócio. Principalmente, em época de recessão e crise econômica, o “caixa é o rei”. E o que é caixa para o produtor de leite? Caixa é o capital de giro, a liquidez, é o dinheiro que o produtor possui no fim do mês para pagar as despesas da atividade leiteira, e este se constitui em um dos principais desafios da atividade leiteira. Já citamos em alguns artigos que o problema do produtor de leite no Brasil não é a falta de investimento e sim a falta de caixa no fim do mês. Via de regra, tem-se muito capital empatado em máquinas, animais, benfeitorias e terra, para pouca produção de leite mensal. Consequentemente, há baixa liquidez e menor giro de capital. Para resolver isso a curto prazo há dois caminhos: equilibrar os principais gastos, como alimentação do rebanho, e aumentar o número
Mundo do Leite dez/2015-jan/2016
de boas vacas paridas no curral. Um olho nas despesas e o outro nas receitas. Em outras palavras, quando uma empresa está em situação econômica difícil, o lucro pula para o banco de trás do carro e o fluxo de caixa passa a ser o ponto crítico, ou seja, vai para o banco da frente. Quando o momento é de tempestade, a prioridade passa a ser operar com o fluxo de caixa positivo até o mau tempo passar.
Em tempo de vacas gordas, o produtor de leite pode usar uma linha de crédito bancário, negociar prazo e condições de pagamentos com o fornecedor de concentrado, adubo, etc., para fazer frente a uma falta de caixa. Mas, no tempo das vacas magras, momento de juro alto, com a economia recessiva, como estamos vivenciando no Brasil atualmente, depender de bancos, instituições financeiras, pagar juros para fornecedor de insumos, pegar empréstimos com terceiros a custos altos, é muito arriscado. Qualquer empresário, e o produtor de leite não é diferente, tem de gerenciar muito bem as suas finanças, para evitar períodos de fluxo de caixa negativo. Imaginem um produtor de leite que tem excesso de fêmeas jovens no plantel, pois pretende ampliar o seu rebanho para aumentar a produção de leite. Neste momento, ele tem um problema de caixa, pois, proporcionalmente, tem muito mais animais gerando despesas do que receitas e, desta forma, o caixa não fecha no fim do mês. Em tempo de estabilidade econômica, com o fluxo de caixa fraco, esse mesmo produtor usa linhas de crédito bancário de curto prazo e negocia prazo com o fornecedor, porque o crédito é barato e abundante. Porém, em tempo de recessão, se o produtor usar essa mesma estratégia poderá levar as suas vacas realmente para o brejo, porque, com o crédito caro, há necessidade de operar com o caixa positivo. Analisando os dados obtidos pelos produtores que participam do Educampo/Sebrae em Minas Gerais, percebemos que, de um total
de 425 fazendas analisadas, 46 operaram com fluxo de caixa negativo neste período. Isso equivale a 11% do total dessas fazendas, portanto, fecharam com margem bruta negativa. Quando uma empresa opera com margem bruta negativa, este ponto é chamado de “fechamento”. A empresa não está gerando receita para pagar suas despesas operacionais, que são a mão de obra, o concentrado, os minerais, os fertilizantes, etc. Não consegue pagar as despesas variáveis, muito menos os custos fixos. Se continuar dessa forma, mesmo em curto prazo, é melhor fechar as porteiras pois, sem produzir, não terá custos variáveis, somente os custos fixos. Desta forma, o prejuízo será menor. Como a margem bruta é medida de curto prazo e não conseguimos aumentar a receita com tanta rapidez, primeiro devemos tentar diminuir os gastos operacionais. Só as despesas com alimentação confiscam em torno de 60% da receita da atividade leiteira.
O índice de desempenho receita menos custo com alimentação (RMCA) deve ser monitorado mês a mês por técnicos e produtores, para antecipar o problema de caixa antes de entrar no prejuízo. Como já dizia o meu avô, “economia se faz com dinheiro no bolso, por opção, e não quando está quebrado, aí já é por obrigação”. Esta frase quer dizer: evitar períodos de fluxo de caixa negativo. Para reduzir os gastos com a alimentação do rebanho há que se ter estratégias. A primeira e mais importante é: nunca sacrificar os lotes do pré-parto, do pós-parto e da fase de aleitamento das fêmeas. Esses períodos são os definidores da receita de uma propriedade leiteira Um pré-parto bem feito, com a vaca parindo no escore adequado e bem adaptada, é essencial para que a vaca venha a ter melhor desempenho reprodutivo e produtivo. Da parição até os cem dias pós-parto, a vaca é uma verdadeira máquina de produzir leite. A prioridade neste momento é a vaca voltar a entrar no cio, para emprenhar e continuar a produzir o máximo de leite. Isso ocorre quando ela atinge o pico da lactação. Além disso, nessa fase, a vaca é mais eficiente em transformar todo o alimento em leite. Lembrando de que vaca não “dá leite” e, sim, produz leite em resposta ao manejo e à alimentação que lhe oferecemos. Ressaltamos que a fase de cria ou aleitamento das fêmeas é definidora do seu desenvolvimen-
Comportamento dos Indicadores VL/TV (%) e VL/TR (%) nos últimos 19 meses
Período: Jan/14 a Jul/15, corrigidos pelo IGP-di de Ago/15.
to nas fases de recria, pois interfere na sua capacidade produtiva, quando adulta, e no desenvolvimento das glândulas mamárias. Por essa razão não devemos economizar nessa etapa. Isto posto, os gastos devem ser cortados nas fases de recria e nos outros lotes de vacas em produção. Nas outras fases de recria, podemos utilizar um volumoso menos nobre do que silagem de milho e sorgo, fornecendo pastagens, capim picado, cana corrigida, palma, etc., além de menor quantidade de concentrado ou de algum substituto mais em conta. Caso seja necessário, para resolver um problema pontual de fluxo de caixa, pode-se até tirar o concentrado da dieta desses animais, principalComportamento dos Gastos totais com Dieta e da RMCA nos últimos 19 meses
Período: Jan/14 a Jul/15, corrigidos pelo IGP-di de Ago/15.
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Gestão Estratificação do custo total do litro de leite (R$/l)
Período: Ago/2014 a Jul/2015, corrigidos pelo IGP-di de Ago/15.
mente se tiver forragens à disposição, em quantidade e qualidade para a recria.
Nos outros lotes de vacas em produção, a estratégia é semelhante: pode-se utilizar volumosos mais baratos, e com menor quantidade de concentrado, bem como alimentos substitutos (polpa cítrica, farelo de algodão, caroço de algodão, bandinha de soja, farelo de amendoim), conforme as ofertas regionais. O fato é que, após os 200 dias de lactação, a vaca atinge o seu pico de produção e já deverá estar com o diagnóstico de prenhez positivo. Assim, qualquer prejuízo será menor. Lembramos que volumosos em quantidade e qualidade, isto é, com alta produtividade e custos equilibrados, sempre serão o alimento de melhor custo-benefício para o rebanho leiteiro. Essas pequenas dicas de alimentação para o rebanho são apenas ilustrativas, pois sabemos que o experiente leitor sempre consultará o seu técnico para tomar a melhor decisão relativa à nutrição do rebanho. Mas uma coisa é fato: de nada adianta ter um rebanho bem nutrido, com ótimo desempenho, maior ganho de peso, alta produtividade, pêlos assentados e úberes bonitos, se o produtor, dono dos animais, estiver com os bolsos vazios. Os animais devem trazer lucro e satisfação. Outra medida de curto prazo para acertar o caixa é negociar, com os fornecedores de insumos os pagamentos mensais, de acordo com o recebimen-
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to do leite, sem incorrer em juros ou preços maiores. A redução dos gastos operacionais é uma medida urgente e de curto prazo, enquanto as ações que visam o aumento das receitas são medidas de médio prazo, embora não menos importantes. Todas as ações, como o descarte de vacas improdutivas, substituindo-as por animais em produção; redução da idade no primeiro parto; protocolos para equacionar problemas reprodutivos; ações para aumentar a produção e o período das lactações das vacas, devem ser precedidas de uma correta análise de custo-benefício das intervenções realizadas pelo técnico juntamente com o seu cliente, o produtor.
A questão de estrutura rebanho é fundamental para gerar um caixa positivo. Nos últimos 19 meses, com todos os dados econômicos deflacionados pelo IGP-DI, de agosto/2015, os produtores do Educampo que operaram com margem bruta e fluxo de caixa negativos tiveram a estrutura de seu rebanho da seguinte forma: vacas em lactação, em relação ao total de vacas (VL/TV), média de 74,83%, e vacas em lactação, em relação ao total do rebanho, média de 35,82%. Já os produtores que operaram com margem bruta e fluxo de caixa positivos, tiveram esta estrutura: VL/TV - 79,45% e VL/TR - 38,88%. Para estes produtores, mais animais geraram receitas quando comparados com os que operaram com fluxo de caixa negativo, de modo que o fluxo de caixa foi mais aliviado. Nos últimos 19 meses, o gasto com a dieta do rebanho comprometeu 68,87% da receita do leite de 11% dos produtores analisados, com margem bruta e fluxo de caixa negativos. Já os outros 89%, com o fluxo e margem bruta positivos, comprometeram 59,13% da receita do leite para pagar a alimentação do rebanho, ou seja, 9,24% a menos. O saldo da receita do leite e das despesas com alimentação dos produtores negativos foi, em média, de R$ 18.303,24/mês, enquanto o dos positivos foi de R$ 28.757,55/mês, ou seja, mais sobra no caixa mensal para cobrir outras despesas. Algum leitor deve estar pensando: mas os produtores que operaram positivamente devem ter vendido muito mais caro o leite. É verdade, nos últimos 12 meses, de agosto/2014 a julho/2015, deflacionadas de acordo com o IGP-DI, de agosto/2015, os produtores que operaram positivamente venderam o leite, por R$ 1,20/litro em média, enquanto os
que operaram com margem bruta e fluxo de caixa negativos venderam a R$ 1,18/litro. Já o custo operacional efetivo, que considera somente os custos variáveis, dentre eles os gastos com alimentação, e não considera os custos fixos, ficou em R$ 1,23/litro para os negativos e em R$ 0,91/litro para os que operaram com margem bruta e fluxo de caixa positivos. Percebam que a diferença no preço do leite foi de R$ 0,02/litro para os produtores que operaram com saldo positivo. Entretanto, estes mesmos produtores produziram leite com os custos variáveis R$ 0,32/litro a menos, ou seja, o custo menor teve uma função muito mais relevante para o sucesso destes produtores do que o preço maior.
Os produtores que tiveram o custo maior, para cada litro de leite produzido, gastaram R$ 0,51 com concentrado e R$ 0,17, com volumoso. Já os produtores que conseguiram produzir com custo menor, gastaram R$ 0,41 e R$ 0,12
com concentrado e volumoso, respectivamente. Nesse mesmo período, os produtores que operaram com fluxo de caixa e margem bruta negativos obviamente não alcançaram rentabilidade, enquanto os produtores que operaram positivamente alcançaram 5,13% ao ano de rentabilidade sobre o total de capital utilizado na atividade leiteira, incluindo até o mesmo capital empatado em terra. Pode ser pouco, não garantiu uma boa atratividade, mas manteve a viabilidade econômica do negócio, e, como diz o ditado popular: “No desespero, jacaré é tronco”. Enfim, o sucesso não acontece por acaso. Em qualquer momento, gerenciar a sua atividade leiteira com eficiência é essencial para alcançar êxito, porém, em momentos de crise, os desafios são maiores. Nessa ocasião, prudência e “caldo de galinha” não fazem mal ao bolso de ninguém, bem como ter o fluxo de caixa positivo. Essas dicas, podem confiar, não falham. n
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capa
Ganhos do pastejo estratégico Fotos Luiz Prado
Roberto Nunes Filho
E
m todo sistema de criação de bovinos leiteiros a pasto se faz necessário um bom manejo das forrageiras. Especialmente no período das chuvas, quando as gramíneas estão no auge da produção, este tema ganha importância porque é o momento em que o produtor define a estratégia para aproveitar ao máximo a situação. Atualmente, predomina nas propriedades leiteiras a prática do pastejo rotacionado com período de descanso fixo. Após os animais consumirem as gramíneas, o piquete é vedado para que as forrageiras voltem a crescer por um número determinado de dias para em seguida ser reaberto para nova entrada dos animais. Apesar de ser mais prático, este modelo traz limitações em termos de produtividade leiteira, visto que o tempo cronológico não necessariamente é o mesmo das necessidades fisiológicas e de crescimento das plantas. “Essa técnica tende a ser substituída cada vez mais, porque sua dinâmica possui componentes altamente imprevisíveis, principalmente em relação às condições climáticas e à qualidade da adubação”, esclarece o professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), André Fischer Sbrissia. “Ou seja, o produtor não tem controle de como ficará o pasto depois do tempo predefinido para o seu descanso.” De acordo com o especialista em pastagem, o sistema que mais vem sendo recomendado atualmente é o de altura máxima do pasto no instante da entrada dos animais. Neste caso, cada espécie forrageira possui uma indicação do ponto ideal em que devem ser desfolhadas (veja tabela na página ao lado). Sbrissia explica que esse mode-
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Pastejo de ponta. Vacas de alta produção comem a parte mais nobre da gramínea
Saber o momento certo de colocar e retirar as vacas do piquete é essencial para obter o equilíbrio entre o desempenho dos animais e a integridade das gramíneas lo de pastejo é fruto de um processo conhecido como interceptação luminosa, que mensura o quanto de luz é interceptado por uma determinada cobertura vegetal. Essa identificação é feita por meio de um aparelho, que inicialmente é posicionado no ponto mais alto do pasto. Assim, ele mostra a incidência de luz neste ponto da pastagem. Em seguida, o mesmo equipamento é colocado no solo para que ele registre a quantidade de radiação que está chegando neste local. “Segundo as pesquisas, quando o pasto chega ao ponto de interceptar 95% da luz incidente, ou seja, quando
apenas 5% da radiação chega ao solo, isso significa que ele está apresentando a máxima taxa de acúmulo de forragem por dia. Portanto, este é o momento certo para introduzir os animais para começar a desfolhá-lo”, observa a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, Patrícia Santos. Segundo Sbrissia, o principal problema dessa técnica é que ela é de difícil execução por parte do produtor e, principalmente, pelo fato de o valor do equipamento ser bem elevado. “Mas, conforme as pesquisas avançaram, outras variáveis físicas foram sendo correlacionadas com o índice de 95% de inter-
“Quando o pasto intercepta 95% da luz incidente é o momento certo para pôr os Andre Sbrissia
animais
Professor da Udesc e especialista em pastagens
no piquete”
ceptação luminosa, sendo que a altura do pasto é a mais eficiente e fácil de ser mensurada”, conta o professor da Udesc. “Então, hoje o produtor não precisa medir o nível de interceptação luminosa para colocar seus animais num determinado piquete. Tudo isso já está tabelado, com base em pesquisas, que traduzem o resultado da interceptação luminosa nos diferentes tipos de capins em altura.” Manejar o pasto por altura significa colocar os animais no piquete no instante em que as forrageiras atingem o seu ritmo máximo de crescimento e de oferta de nutrientes. Isso se traduz em maior produção de pasto e aumento do desempenho animal.
de alcançar até sete vacas por hectare na época chuvosa. “O aumento na lotação tem reflexos positivos não somente na produtividade, mas também no volume total de leite produzido na propriedade, o que normalmente traz aumento na renda do produtor”, ressalta. No caso de algumas propriedades do Paraná que integram o projeto Balde Cheio, esse resultado tem sido ainda maior. Segundo o coordenador do projeto na região, Marcelo Rezende, os produtores estão conseguindo, em áreas intensificadas, lotação animal que varia entre 10 e 15 unidades animais por hectare (UA/ha) no período de pastejo com plantas tropicais. E, quando o assunto é a melhora do desempenho animal por meio do pastejo por altura, as universidades e institutos de pesquisa reservam bons exemplos. Uma das pesquisas foi realizada com o capim mombaça, cuja altura ideal (equivalente aos 95% de interceptação luminosa) é de 90 centímetros. Assim, um lote de vacas foi colocado num
“Sem planejamento, não é possível adotar a interceptação luminosa porque Patrícia Santos Pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste
nica cada vez mais usada porque os resultados são bastante positivos, especialmente em relação ao aumento da taxa de lotação”, afirma o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Patrick Schmidt. “Em uma estimativa geral, podemos falar que, minimamente, o produtor consegue triplicar sua taxa de lotação. Isso significa colocar mais animais na pastagem sem precisar aumentar a área, mas simplesmente utilizando o espaço já existente de forma mais racional”, avalia o especialista. Outro dado relacionado à taxa de lotação também foi compartilhado pelo pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Domingos Paciullo. De acordo com ele, essa taxa po-
e o gado precisa se alimentar”
piquete com o pasto nesta altura e outro lote entrou em outro com o capim a uma altura de 1,4 metro, que é um ponto em que a planta se encontra parcialmente passada. Como resultado, as vacas do primeiro lote produziram 14 litros/dia. Já no segundo lote, a produção média foi de 11 litros/vaca/dia. “Essa pesquisa, fruto de uma dissertação de mestrado da UFPR, foi feita em Curitiba e publicada numa revista chamada Ciência Rural de 2007”, conta Sbrissia. “Então, se o produ-
Cada pasto, uma medida Altura entrada (cm)
Planta
“O pastejo por altura é uma téc-
pode faltar pasto
Altura saída (cm)
Aveia
25
10
Azevém anual
20
10
Brachiaria brizantha (marandu, xaraés, piatã e paiaguás)
25 – 30
15 - 20
Brizantão
40 – 50
20 - 25
BRS kurumi
70 – 80
35 - 40
Aruana
30
15
Capim-elefante (napier, pioneiro e cameroon)
100
50
Capim mombaça
90
30 - 50
Capim tanzânia
70
30 - 50
Coast cross
25 - 30
10 a 15
Estrela africana
25 - 30
15
Napier
85
35 - 40
Sorgo
50
30
25 - 30
10 a 15
Tifton 85
Fonte: Embrapa Gado de Leite; Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc)
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Capa O aumento na lotação do pasto tem reflexos não só na produtividade, mas também no volume total de Domingos Paciullo
leite produzido”
Pesquisador da Embrapa Gado de Leite
tor negligencia o ponto ideal do pasto para a entrada dos animais, seja por uma altura além ou aquém da recomendada, ele pode ter impacto negativo na sua produção.” Outro exemplo compartilhado pelo especialista parte de Piracicaba, SP. Um trabalho publicado na Revista Brasileira de Zootecnia, em 2010, colocou um grupo de animais em capim-elefante, variedade cameroon, cuja altura ideal para entrada é de 1 metro. As vacas que entraram neste piquete produziram 17,5 litros/dia. Outro lote, no entanto, entrou com a forrageira a uma altura de 1,2 metro. Neste grupo, a produção média foi de 15,5 litros/vaca/dia. “De maneira geral, quando o animal entra num pasto com altura acima do necessário, num ponto em que houve perda de nutrientes, há uma perda na produção de leite que pode variar entre 20% e 30%”, esclarece Sbrissia. “Hoje, a técnica por altura é a mais recomenda-
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da e tem muito espaço para crescer. É o que temos de mais objetivo. Esse modelo tende a se popularizar.” Outra vantagem do pastejo por altura é a possibilidade de realizar o chamado manejo de ponta. Nesta prática, há uma divisão dos animais em lotes, onde as vacas com maior exigência nutricional, como as que estão no início da lactação, entram primeiro nos piquetes. “Esses animais, portanto, consomem uma folhagem de ótima qualidade, com muitos nutrientes. Depois que este grupo segue para outro piquete, outros lotes com menor exigência, como vacas em fim da lactação ou secas, entram na sequência, para baixar a forrageira dos piquetes já parcialmente pastejados”, explica a pesquisadora Patrícia Menezes Santos, da Embrapa Pecuária Sudeste, de São Carlos, SP. Para ela, o sistema de pastejo por altura tem muitas vantagens, mas a propriedade precisa ter capacidade administrativa e operacional para fazer um planejamento macro, que pense na produção e na oferta de forragem de uma forma geral. “Afinal, se não houver planejamento, se faltar pasto o produtor não conseguirá seguir esse sistema porque o gado precisa se alimentar”, alerta a especialista. “Manejar pasto por altura não é fácil, porque o produtor precisa medir o piquete onde os animais estão e todos os outros com regularidade”, complementa Sbrissia. Dá mais trabalho do que o descanso fixo, mas o ga-
Com a interceptação luminosa, o produtor triplica a taxa de lotação, apenas utilizando Patrick Schmidt Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
o espaço já existente de forma mais racional”
nho é compensador. Eu diria que vale o esforço do trabalho extra, porque a rentabilidade do negócio cresce.”
Se para colocar os animais nos piquetes há uma altura certa para cada forrageira, a hora da retirada segue o mesmo princípio. Isso porque quando o animal entra no pasto ele come basicamente folha. E isso é bom, pois ingere muitos nutrientes. Mas chega um determinado ponto em que resta apenas uma grande quantidade de caules, que possuem menor valor nutricional. Se as vacas ficam além do necessário num pasto com o capim muito baixo, elas reduzem a velocidade da ingestão e, consequentemente, o desempenho. Um exemplo proveniente da pecuária de corte ajuda a ilustrar essa questão. Conforme conta Sbrissia, da Udesc, uma tese de doutorado da Universidade Federal de Viçosa, realizada na Embrapa
Gado de Corte, em 2005, analisou o pastejo de animais em dois piquetes com capim tanzânia a 70 cm, que é a altura ideal para essa forrageira. Um lote consumiu a pastagem até que ela atingisse 25 cm, ou seja, houve uma remoção de 64% da altura de entrada. “Neste cenário, os animais ganharam cerca de 650 gramas/dia”, conta o professor. Já um outro lote foi retirado do pasto quando ele atingiu uma altura de 50 cm, ou seja, com 30% da altura de entrada. Neste caso, os animais ganharam 850 gramas/dia. “Apesar de essa análise ter contemplado bovinos de corte, a lógica para os bovinos de leite é a mesma”, analisa o especialista. Mas, afinal, quando então é o mo-
mento ideal de retirar os animais do pasto ou trocá-los de piquete? De acordo com Sbrissia, pesquisas mostram que o animal começa a reduzir a velocidade de ingestão a partir do momento em que 40% da altura ideal do pasto foi consumida. Então, quando o produtor retira os animais do pasto com 40% da altura de entrada, garante-se que ele retirou num momento em que os animais estavam ainda com um ritmo de ingestão muito alto. “Num pasto cuja meta de altura é de 50 cm, como é o caso do sorgo, o ideal é retirar os animais quando o pasto atingir 30 cm. Já em um pasto cuja meta é de 70 cm, como o capim tanzânia, vale retirar os animais quando a altura chegar aos 42 cm”, ensina o especialista da Udesc.
O limite no consumo também tem relação com a integridade da própria pastagem. Como a planta precisa de folhas para captar a luz, no momento da retirada dos animais do piquete é preciso que haja alguns resquícios de folhas verdes para a planta fazer a fotossíntese. Se o animal pastejar demais e retirar todas as folhas verdes da planta, ela vai demorar mais para crescer. “Por isso esse processo exige pessoas capacitadas para realizá-lo, afinal, a altura mínima para a retirada dos animais pode acontecer em questão de horas”, reforça Schmidt, da UFPR. “Se ocorrer um superpastejo, por exemplo, a rebrota vai atrasar e, no ciclo seguinte, vai ter menos alimento disponível.”
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Capa Preparo prévio da área é essencial A correta altura do capim na entrada e saída dos animais é um fator que agrega no desempenho animal e na integridade da própria pastagem. No entanto, essa é só a ponta do iceberg. Vale lembrar que há um importante trabalho prévio, que é o preparo do pasto, que deve ser olhado com muita atenção. A degradação das pastagens decorre de vários fatores, dentre eles a inadequada nutrição, causada pela baixa fertilidade da maioria dos solos brasileiros e pela ausência de adubação. “O produtor deve lembrar que o solo não é fonte inesgotável de nutrientes e, por isso mesmo, reposições destes componentes devem ser planejadas, sempre com base na análise de solo”, sugere Domingos Paciullo. “Na fase de plantio, deve-se preocupar com a calagem, para correção da acidez do solo e elevação dos teores de cálcio e magnésio, além da adubação com fósforo, nutriente de grande importância no estabelecimento do pasto. As quantidades de cada adubo devem seguir recomendações baseadas em análise de solo.” Já Patrícia Santos chama a atenção para o potencial do uso do nitrogênio na adubação das pastagens. “O nitrogênio é um nutriente-chave neste processo. Na medida em que aumenta a adubação nitrogenada, aumenta muito a produção do pasto. Quando o produtor entra neste
Bem adubado. Tentar instalar o sistema em áreas mal nutridas é inviável
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esquema de manejo intensivo, tem que começar a pensar em adubação nitrogenada, senão o pasto não produz o suficiente para manter dez Unidades Animais por hectare (UA/ ha, sendo que cada UA é equivalente a 450 quilos), por exemplo”, recomenda a pesquisadora. “Evidentemente, o produtor deve procurar um técnico para obter orientações.”
No caso do uso do nitrogênio na adubação, Sbrissia afirma seguir uma linha um pouco mais cautelosa em relação a este componente. Ele explica que a adubação com nitrogênio aumenta de forma significativa a cobertura vegetal, exigindo que o produtor esteja preparado para manejar um pasto com um ritmo mais acelerado de crescimento ou que tenha animais suficientes para comer o que será produzido. Caso contrário,
se ele não levar em consideração o potencial de consumo desse pasto, parte do alimento poderá ser perdida. “Tem que adubar, mas a quantidade e o momento de adubar devem ser bem analisados. Tudo depende de uma análise de solo e do nível tecnológico da propriedade.” Segundo o especialista, há linhas que defendem altas adubações nitrogenadas, no caso com cerca de uma tonelada de ureia/hectare/ano. “No entanto, dá para ter bons níveis de produção com uma quantidade menor. Nos pastos tropicais, dá para usar, no máximo, 600 kg de ureia/ha/ano para evitar um supercrescimento do pasto. Quando se usa muito nitrogênio, é comum encontrar fazendas que precisam roçar o pasto depois do pastejo, o que resulta em mais trabalho.” É por causa de questões não tão bem fechadas como essas que o produtor precisa sempre buscar orientação técnica especializada, com foco no equilíbrio entre a oferta de alimento e a demanda por parte do rebanho. n
Qualidade Marcos Veiga
Lesões nos tetos elevam o risco de mastite Marcos Veiga Professor Associado da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, campus de Pirassununga, SP.
A
saúde e a integridade dos tetos, particularmente na extremidade e na região do canal, são essenciais para reduzir o risco de mastite em vacas leiteiras. O teto funciona como uma barreira física natural contra a entrada de bactérias causadoras de mastite. Assim, manter em boas condições essa parte tão importante da vaca é essencial dentro de um programa de controle e prevenção da mastite. A avaliação visual é uma maneira bastante simples de monitorar a saúde dos tetos. O uso de escore de condição pode ser útil para identificar desde problemas de funcionamento do equipamento de ordenha, passando por procedimentos de rotina, e até aqueles ligados ao ambiente em que o animal é criado. Uma das principais lesões dos tetos é a hiperqueratose ou calosidade. Trata-se do crescimento ex-
Quadro 1 – Escore de hiperqueratose da extremidade dos tetos de vacas leiteiras Escore 1 Normal
Descrição
Figura
Sem formação de anel e com extremidade do teto plana. Característico no início da lactação.
2
Pequena formação de anel na extremidade do teto.
3
Formação de anel rugoso na extremidade do teto, com presença de dobras de queratina no orifício do teto.
4
Grande formação de anel rugoso na extremidade do teto. Aparência de flor.
Figuras 1 e 2 – Exemplos de tetos com escore 4 de hiperqueratose. Fonte: adaptado de Mein, et. al., 2001, A Scoring System for Teat-End Condition.
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cessivo da pele, por causa de uma resposta fisiológica normal em relação à ação física do equipamento de ordenha ou dos produtos usados para a desinfecção dos tetos. O início e a gravidade da hiperqueratose dependem das condições ambientais; do manejo de ordenha; do nível de produção de leite e ainda da variação genética individual. Essas lesões não aparecem de forma imediata, embora em cerca de duas a oito semanas após seu início podem ser notadas. Um dos métodos de avaliação mais utilizados preconiza a classificação dos tetos em quatro escores, de 1 a 4, de acordo com a gravidade das lesões, conforme ilustrado no quadro 1: A avaliação dos escore de tetos deve ser feita em todos eles, imediatamente após a ordenha das vacas e antes de ser aplicado o pós-dipping. Uma das principais dúvidas quando se decide fazer a avaliação é sobre a quantidade mínima de vacas a serem verificadas, para se obter uma boa representatividade dos resultados. As principais recomendações indicam que, para fazendas com 50 a 60 vacas em lactação, recomenda-se que todas sejam avaliadas, pois é um procedimento rápido e que pode ser feito sem grande atraso na ordenha. Nesses casos, os resultados são muito representativos das condições da fazenda. Por outro lado, em rebanhos maiores, recomendam-se avaliações de forma aleatória em pelo menos 20% do rebanho ou em no mínimo 80 vacas, escolhendo-se o que for maior. Se a avaliação de escore de tetos for feita somente em um grupo específico de animais (por exemplo, primíparas ou vacas em fim de lactação), os resultados não serão representativos, pois pode-se ter uma subestimativa ou superestimativa dos dados. As pesquisas indicam que vacas com hiperqueratose têm cerca de duas vezes mais risco de novos casos de mastite. Isso ocorre em razão da menor proteção da barreira primária contra a invasão de bactérias. Para interpretação dos resultados, considera-se que escores 1 e 2 representam uma condição normal
Problema à vista. Formação de queratina na extremidade do teto
dos tetos. Já escores 3 e 4 indicam tetos com hiperqueratose. A recomendação geral é a de que, quando a fazenda apresenta mais de 20% dos tetos com escores 3 e 4, ou mais de 10% dos tetos com escore 4, deve ser feita uma completa revisão do funcionamento de equipamento de ordenha e/ou avaliação dos procedimentos de rotina de ordenha usados.
Existem inúmeros fatores individuais e de manejo que podem aumentar a ocorrência de hiperqueratose. Dentre as principais características da vaca, pode-se destacar o formato dos tetos; o nível de produção; o fluxo de leite durante a ordenha; a duração total da retirada do leite; a idade da vaca e o estágio de lactação. De forma geral, as vacas com tetos mais longos e pontas arredondadas têm maior risco de ficar com hiperqueratose. Da mesma forma, aquelas de alta produção são mais arriscadas, pois seu tempo total de ordenha é maior e há a possibilidade de sobreordenha recorrente. A esses fatores individuais podem se juntar problemas de manejo na ordenha e de funcionamento do equipamento. Isso aumenta ainda mais o risco de lesões. Em relação à rotina de ordenha, um dos principais fatores é o baixo fluxo de leite (menos de um quilo por minuto). Tal situação pode ocorrer quando há um procedimento deficiente de preparação das vacas antes da ordenha, de forma que a descida do leite é incompleta, o que leva ao aumento do tempo
Ordenha mal feita. Lesão nos tetos é sintoma de manejo inadequado
de ordenha e ao maior risco de sobreordenha. Esta ocorre quando as teteiras são mantidas em funcionamento sem que haja fluxo de leite. Quando não se respeita o tempo ideal de estimulação e a colocação das teteiras em cerca de 1 minuto após o início dos procedimentos de preparação da vaca, pode-se perder o pico de concentração de ocitocina, o que leva ao menor fluxo de leite e a uma ordenha mais lenta. Além da rotina de ordenha, o uso de produtos para desinfecção dos tetos que provocam irritação na pele também pode exacerbar a gravidade da hiperqueratose, sendo assim recomendado o uso de produtos com emolientes na formulação, de forma a permitir melhor condicionamento da pele dos tetos. Outro causador de calosidades nos tetos é o mau funcionamento do equipamento de ordenha. Com alto nível de vácuo (acima do recomendado para cada design de equipamento de ordenha: Linha Alta: 4450 KPa; Linha Baixa: 42-46 KPa; Balde ao Pé: 44-50 KPa) e quando o sistema de pulsação não permite uma boa massagem dos tetos, existe um alto risco de hiperqueratose. Em conclusão, o uso do monitoramento regular do escore de condição de tetos pode auxiliar na identificação precoce de problemas de funcionamento de equipamento de ordenha ou da rotina de manejo de ordenha, e consequentemente, a resolução mais rápida desses problemas. n
“Problemas de funcionamento no equipamento de ordenha podem ocasionar calosidades nos tetos das vacas”
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Sanidade
Laminite é porta de entrada para lesões de casco Foto josé renato borges
Multifatorial, doença favorece o aparecimento de males como úlceras de sola, de pinça, doença da linha branca e hemorragias nas patas
Sola dupla. Cascos afetados por laminite acabam tendo problemas posteriores que dificultam o andamento das vacas
Renato Villela
P
roblema de casco no rebanho leiteiro não é novidade para o produtor. O que poucos sabem, porém, é que as lesões são, em sua maioria, decorrentes de uma doença. Por trás de males como úlceras de sola, de pinça, doença da linha branca e hemorragias de sola, está uma enfermidade de causas múltiplas, chamada laminite. Processo inflamatório das lâminas do córium _ tecido irrigado por uma extensa malha de vasos sanguíneos, responsável por alimentar as células que vão formar o casco propriamente dito _, a laminite é uma doença não infecciosa. Dependendo da forma como se manifesta, pode ser dividida em três tipos: aguda, crônica e subclínica. A forma aguda é esporádica, tem sua origem na acidose ruminal (também aguda) e provoca vermelhidão, inchaço e calor na região da coroa do casco. Os animais sentem muita dor e relutam em caminhar. Na laminite crônica, extensão do tipo subclínico, os cascos se apresentam largos e achatados, como que “achinelados”. A forma subclínica, por sua vez, é a manifestação mais comum, e tem
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como sintoma o amolecimento do tecido córneo, levando a um desgaste maior do casco. A sola fica macia, fina e de cor amarelada. Com o aparecimento das lesões, as vacas começam a mancar e têm dificuldade para se locomover. Em casos severos, as vacas diminuem o consumo de matéria seca e, consequentemente, produzem menos leite. “Vários fatores contribuem para que a laminite se manifeste com menor ou maior intensidade no rebanho”, afirma o professor da Universidade Federal de Minas Gerais Elias Jorge Facury, da cadeira de Clínica de Ruminantes. Segundo ele, o surgimento da doença é mais comum em vacas confinadas ou semiconfinadas. “Em animais a pasto o problema raramente acontece”, diz. Além da nutrição, as condições de conforto nas instalações, especialmente o piso, e o manejo adotado no rebanho interferem diretamente na ocorrência da laminite.
Uma das principais causas da laminite subclínica é a acidose ruminal, um distúrbio digestivo provocado pelo consumo excessivo de dietas ricas em concentrado. A ingestão demasiada de carboidratos faz com que haja um aumento na produção de ácidos graxos voláteis, em especial os ácidos butírico e propiônico _ no trato digestivo, com consequente queda no pH do rúmen. O ambiente ácido mata as bactérias gram-negativas. Com isso, as toxinas presentes em sua parede celular são liberadas, sendo prontamente absorvidas pelas membranas do rúmen, que estão inflamadas e, portanto, mais permeáveis. “Essas toxinas alteram a circulação sanguínea e comprometem o casco, cuja formação depende do oxigênio e dos nutrientes trazidos pelo sangue”, explica Facury. Esses casos ocorrem principalmente em vacas de alta produção e muitas vezes estão associados a
torneios leiteiros e exposições. “Muitos colegas veterinários são chamados após esses eventos para atender casos de laminite”, afirma a pesquisadora Vânia Maria de Oliveira, da Embrapa Gado de Leite, em Juiz de Fora, MG. Na ânsia por somar mais pontos na classificação do campeonato de produção leiteira, muitos criadores abrem mão do bom senso e sobrecarregam de concentrados a alimentação das vacas. “O arraçoamento vai muito além da capacidade produtiva dos animais. A consequência é um quadro de acidose metabólica”, diz a pesquisadora. Conforme o professor Franscisco Palma Rennó, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, a melhor forma de prevenir a acidose subclínica e a laminite é balancear a dieta, que deve conter níveis adequados de fibra longa. Especialista em nutrição, Rennó diz que alimentos ricos em fibra estimulam a ruminação, fazendo com que haja maior produção de saliva, responsável por promover uma ação tamponante no rúmen. A forma como os alimentos são ofertados também requer atenção. Volumosos e concentrados devem ser homogeneamente misturados antes de serem levados ao cocho para impedir que a vaca selecione porções separadas da dieta.
As condições de falta de conforto e bem-estar estão intimamente ligadas à laminite. De-
pendendo de sua formulação e do tipo de acabamento, o concreto da instalação pode criar uma superfície que castiga os cascos. Vacas que se locomovem em pisos muito abrasivos, por exemplo, podem desenvolver abscessos de pinça, uma das sequelas da laminite provocada pelo superdesgaste na região da sola. Tudo pode ficar pior se houver umidade elevada no ambiente. “Com o piso úmido, o efeito lixa do cimento sobre o casco é mais acentuado”, afirma o professor José Renato Junqueira Borges, de Clínica de Ruminantes da UnB (Universidade de Brasília). Isso acontece porque o casco é higroscópico, ou seja, absorve água, o que favorece seu amolecimento e desgaste. A umidade ainda traz outro inconveniente. O animal perde a estabilidade num piso molhado. “A vaca dá passos mais curtos, o que aumenta a pressão na unha lateral dos membros posteriores, agravando o quadro.” Segundo Borges, ideal é que o piso tenha uma declividade em torno de 4%, de modo a facilitar o escoamento da água e a secagem. Quanto à textura, muitos produtores têm optado por construir pisos mais lisos com frisos (ranhuras) em intervalos regulares, para evitar que a vaca escorregue. “É essencial o auxílio de um técnico para orientar o produtor a dimensionar o tamanho, a profundidade e a largura dos frisos”, afirma Elias Facury, da UFMG. O produtor também deve estar atento ao ma-
Pisos molhados são um fator de risco para o surgimento de problemas nos cascos dos animais
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Sanidade Pedilúvio, técnica simples que tem sido abandonada Um modo simples de prevenir problemas de casco está paulatinamente sendo deixado de lado nas propriedades leiteiras. Desde que a Anvisa proibiu a venda em estabelecimentos comerciais do formol ou formaldeído (solução a 37%) sob alegação de riscos para a saúde por causa do uso inadequado da substância em humanos, o pedilúvio caiu em desuso. “O formol era o principal componente da solução preparada no pedilúvio. Além de ser um desinfetante, fortalecia o casco, por torná-lo mais rígido”, diz a pesquisadora Maria Vânia de Oliveira, da Embrapa Gado de Leite. Segundo ela, além de ajudar na prevenção de afecções podais, o formol age como curativo para determinadas lesões em fase inicial. Sem essa opção, restaram dois produtos: sulfato de cobre e sulfato de zinco. O primeiro é um bom antisséptico, mas é inativado mais facilmente com a presença de matéria orgânica. Além disso, é
altamente poluente, por isso seu uso é desaconselhado. O sulfato de zinco é o mais seguro de todos os produtos disponíveis para solução em pedilúvio e mais resistente à inativação pela matéria orgânica em comparação com o sulfato de cobre. Mas custa caro, que torna inviável o uso. “A pesquisa precisa buscar soluções, encontrar um produto substituto do formaldeído, que seja eficaz e acessível aos produtores”, afirma Elias Facury, da UFMG.
nejo. A superlotação em free stall, por exemplo, reduz o tempo em que as vacas permanecem deitadas. A saúde dos cascos e a locomoção ficam comprometidas quando os animais gastam menos tempo deitados. Além disso, quando o espaço é reduzido, os movimentos tendem a ser mais abruptos, as vacas giram o casco sobre o piso subitamente, aumentando o desgaste. A ingestão de alimentos também é prejudicada porque a disputa se estende ao cocho. Segundo Facury, o ideal para que não haja competição é destinar,
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para vacas em produção, o espaçamento de 80 centímetros de linha de cocho por animal.
Outro fator crítico é a distância a ser percorrida entre os piquetes e a sala de ordenha. Vacas que precisam fazer longas caminhadas todos os dias para ser ordenhadas são mais propensas a ter problemas decorrentes da laminite. Segundo Adilson Aguiar, professor da Fazu (Faculdades Associadas de Uberaba), e diretor da Consupec, o percurso deve ser o menor possível. “O ideal é que a distância dos piquetes para a sala de ordenha seja inferior a 200 metros.”
Para cada lesão, um tratamento cury, da UFMG. Facury diz que, a exemplo da pontuação dada para avaliar a condição corporal das vacas, há um escore de claudicação, de zero a quatro, para auxiliar no diagnóstico das lesões. Segundo ele, se o produtor identifica prematuramente uma vaca com escore de claudicação 1, com sintomas de dorso arqueado, cabeça baixa e passo mais curto ou mesmo ou mesmo com escore 2, quando ela começa a mancar, o tratamento é mais fácil e a recuperação, mais rápida. “Vacas com escore 3 e 4 apresentam lesões graves e requerem muitas vezes casqueamento e administração de anti-inflamatórios para aliviar a dor”. Facury ressalta que problemas de casco são complexos e todo tratamento a ser adotado deve ser prescrito por um médico veterinário. n
As principais sequelas da laminite e como tratar Doença
O que é
Fatores de predisposição
Foto
Tratamento indicado
Úlcera de sola
Lesão por compressão da terceira falange, na junção da sola com os bulbos do casco
Laminite subclínica, falta de conforto no estábulo
Remoção da pressão do dedo afetado por meio do casqueamento e uso de tamanco. Retirada de tecido necrosado
Úlcera de pinça
Lesão junto à pinça por excesso de desgaste
Laminite subclínica, ongas caminhadas e pisos abrasivos
Retirada de tecido necrosado e uso de tamanco
Sola dupla
Falha momentânea na produção da sola caracterizada pela presença de duas ou mais solas, separadas por espaço normalmente preenchido por sujeira.
Laminite subclínica
Retirada da sola dupla por meio do casqueamento
Doença da linha branca Separação da linha branca por deformação do casco, muitas vezes com presença de abscessos
Laminte subclínica com deformação da unha
Casqueamento. Drenagem de abscessos e uso do tamanco
Hemorragia de sola
Laminite subclínica. Falta de conforto no estábulo
Não há tratamento e o animal tem de ser descartado
Áreas hemorrágicas na sola
Fotos elias facury
Antes de tudo, treinar a mão de obra de forma adequada é a melhor prevenção
O tratamento depende da causa da doença e da severidade como se manifesta. Nos casos de acidose subclínica como agente causador, por exemplo, normalmente basta retirar o concentrado e levar a vaca para um piquete para que ela se recupere espontaneamente em poucos dias. O problema maior ocorre quando os animais são acometidos pelas sequelas da laminite. “O tratamento deve ser específico para cada tipo de lesão do casco”, afirma José Renato Borges, da UnB (veja quadro). O importante, segundo o professor, é que o diagnóstico seja feito rapidamente. “O treinamento da mão de obra é a melhor prevenção para as lesões decorrentes da laminite”, informa. A opinião é compartilhada pelo colega Elias Fa-
Fonte: José Renato Borges. Adaptação Mundo do Leite
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Balde Cheio
Tudo o que você queria saber...
FOTOS: LUIZ PRADO
Muitos mitos rondam o Balde Cheio, um programa de sucesso na pecuária leiteira. Tire suas dúvidas
Niza Souza
Sítio Recanto. Orientações dadas por técnico do Balde Cheio reverteram situação de baixa produtividade em Itirapina, SP
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o sítio Recanto SS, em Itirapina, SP, a adoção do programa Balde Cheio, metodologia desenvolvida pela Embrapa voltada para a pecuária leiteira, foi um divisor de águas. Depois que conheceu o projeto e começou a receber as visitas de um técnico treinado, há cerca de dez anos, o produtor Claudinei Saldanha Júnior conta que seu rebanho está no auge do potencial produtivo. O caminho não foi fácil, admite o produtor, que até então nunca tinha ouvido falar em Balde Cheio. Saldanha conta ter procurado a Embrapa em 2004 em busca de ajuda para melhorar a produção do sítio, pois percebeu que sem tecnologia e orientação adicionais não conseguiria fazer o negócio crescer. “O André Novo (na época técnico e atualmente chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos, SP) me apresentou o Balde Cheio. Mas quando o técnico chega na propriedade e começa a apontar o que precisa ser mudado, é um baque. A gente precisa estar aberto para as mudanças, senão não adianta”, aconselha o produtor. Naquela época, o sítio produzia 200 litros de leite por dia, com 30 vacas em lactação. Seu rebanho era formado por vacas de baixa produção e o touro era de raça de corte. “Ele dizia que se eu quisesse produzir muito leite naquela pequena área eu precisava pensar em mudar a forma de produzir, formando um
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novo plantel, com animais de genética leiteira, e me desfazer do touro de corte. Foi um impacto”, recorda o produtor, que, de todo modo, aceitou e confiou nas orientações. A primeira providência foi trocar o Nelore por um touro da raça Holandesa e de genética comprovada. A partir daí, já se foram sete gerações de animais, melhorando a cada ano, pois estão cada vez mais adaptados ao manejo da propriedade. Atualmente, ele passou a usar a inseminação artificial no rebanho.
Além do gado, outras mudanças de impacto foram a alimentação e o sistema de criação. O produtor conta que antes mantinha os animais confinados em estábulos e a alimentação era basicamente o capim cortado e triturado, sem nenhum trato ou cuidado especial. Com o programa, ele aprendeu a fornecer cada alimento em seu tempo certo. Além disso, abriu o pasto pra vacada. Dividiu uma pequena área de pastagem que já estava bem formada em 28 piquetes e descobriu a rotação de pastagem. “Os animais passaram a receber uma alimentação de melhor qualidade, o que tem impacto direto na produtividade”, explica o produtor. Atualmente, nos mesmos 20 hectares de antes, Saldanha tem 48 vacas, sendo 41 em lactação, com produção diária de 750 litros de leite. “Só com a mudança no manejo do pasto vi a produtividade de cada vaca saltar de 10 para 17 litros por dia, isso com o mesmo animal. Percebi que a qualidade do alimento é um dos fatores mais importantes para que a vaca chegue ao seu potencial produtivo”, diz. Mas o mais importante do Balde Cheio, frisa Saldanha, é que o programa não é um pacote fechado, engessado, como muitos produtores pensam. “Conheço produtor de leite que resiste em receber um técnico do programa porque acha que terá de investir
muito dinheiro, colocar irrigação e outras coisas. Mas não é assim. Os profissionais nos aconselham de acordo com o perfil da propriedade e nossa capacidade, principalmente econômica. É preciso estar disposto a fazer e confiar.” O Balde Cheio, conduzido pela Embrapa Pecuária Sudeste, pode ser considerado um modelo de sucesso na transferência de tecnologia para a pecuária leiteira no Brasil. O projeto já soma 16 anos e está presente em quase todos os Estados. Mas o desconhecimento e a difusão de alguns mitos em torno dele, como exemplificou o produtor de Itirapina, têm preocupado os gestores. “Mesmo após anos de divulgação do Balde Cheio e de seus resultados, constatamos que muitos produtores e técnicos desconhecem o que é e como funciona o treinamento pela metodologia do programa. E isso foi criando muitos mitos, que acabam sendo divulgados sem uma fundamentação real”, adverte o chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Pecuária Sudeste, o agrônomo André Novo, que lá atrás contribuiu para o sucesso do produtor de Itirapina.
Entre os mitos, ele explica que a maioria dos pecuaristas acredita que o Balde Cheio é um trabalho de assistência técnica da Embrapa ao produtor. Mas Novo esclarece que a instituição não faz assistência técnica. O Balde Cheio é uma metodologia de capacitação de extensionistas rurais, que utiliza uma pequena propriedade familiar como “sala de aula”. “Assistência técnica de qualidade é sem dúvida a maior demanda de quem nos procura, mas não é este o foco do programa”, explica. “O Balde Cheio foi pensado para treinar os técnicos da extensão rural que, por sua vez, atendem os produtores de leite. A dificuldade maior é ter um arranjo local que torne viável ter um técnico disposto a ser treinado e assistir os produtores”, diz o agrônomo. O engenheiro agrônomo e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, Ismail Haddade, defensor do Balde Cheio e colunista de Mundo do Leite, tem bem claros o objetivo do programa e o papel de cada parte envolvida no processo. “O técnico extensionista tem a oportunidade de aprender no cotidiano da propriedade com auxílio de um profissional treinado pelo projeto, que orienta o trabalho. Isso possibilita um aprendizado muito mais concreto”, diz. Além, é claro, de auxiliar o produtor a melhorar aspectos da propriedade leiteira.
Como técnico formado pelo Balde Cheio, Haddade acredita que um item fundamental é a maturidade adquirida pelo extensionista para filtrar as informações que serão úteis em cada situação apresentada. “O mais importante não é somente a aquisição da informação, mas a capacidade de selecionar as alternativas mais adequadas para cada situação que se apresenta”, ressalta. Sobre este aspecto, é também comum o mito de que os técnicos do Balde Cheio exigem a adoção de um pacote imutável de tecnologias ou que só fazem “piquetinhos”, ou, ainda, que o programa é rigoroso demais e que os técnicos “mandam” na fazenda. “Outras distorções ocorrem pela associação do programa com o uso de algumas tecnologias específicas, como, por exemplo, o capim tifton e a irrigação. Dizem também que não pode usar touro, não pode criar bezerros machos, entre outros absurdos que são tomados como normas que efetivamente não existem”, afirma Novo.
Bem orientados pelo Balde Cheio. Saldanha e seu funcionário, na propriedade em Itirapina
Técnico capacitado na metodologia do Balde Cheio, o agrônomo Carlos Eduardo Freitas Carvalho atua como multiplicador do projeto em Goiás, por meio da Cooperativa para Inovação e Desenvolvi-
Do ‘delírio’ ao fato A intensificação da produção animal a pasto no Brasil é recente. Em um país de dimensões continentais, a ideia de adubar pastos parecia um delírio. Mas foi isso que uma equipe de professores se propôs a fazer na Esalq, em Piracicaba, SP, há cerca de duas décadas. Liderados pelos professores Vidal Pedroso de Faria e Moacyr Corsi, a equipe desafiou a forma tradicional de produção de leite a pasto _ extensiva e de baixa produtividade _, propondo uma série de intervenções tecnológicas que aumentariam em muito o potencial de produtividade de leite no País. A solução encontrada foi a introdução gradual e sistemática de conceitos zootécnicos a partir de uma pequena área. Área que serviria de sala de aula e campo de estudos. Até os dias de hoje o Balde Cheio trabalha dessa maneira, de trabalhar em conjunto com um produtor, transformando sua propriedade em uma unidade demonstrativa para a difusão e aplicação da técnica do conceito de produção intensiva de leite a pasto. Quase duas décadas depois, pode-se dizer que o programa tem sido um sucesso. Atualmente é difundido em todas as regiões do País.
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Balde Cheio Mitos e inverdades foram sendo criados em torno do Balde Cheio, alerta André Novo, da Embrapa (à esq.). Um dos pilares básicos do programa, porém, é gestão, como faz Saldanha (à dir.), em Itirapina
mento da Atividade Leiteira (Cooperideal). E esclarece: “A metodologia trabalha a capacitação em si, mostrando aos técnicos da extensão rural como abordar os produtores em qualquer situação em que ele possa se encontrar, como dificuldades financeiras, relevos adversos, restrição de água na fazenda e até mesmo problemas familiares”, avalia. Assim sendo, complementa, o técnico terá o discernimento na aplicação das tecnologias propostas, não precisando se ater, como muitos acham e de maneira errônea, que para ingressar no Balde Cheio é necessário fazer “piquetinhos”, irrigar uma área de pasto e plantar cana. “Fizemos um levantamento das propriedades assistidas em Goiás e chegamos ao número de apenas 20% que utilizam a cana como forma de trato para o período seco do ano”, exemplifica. Ou seja, como comprova o próprio pecuarista Saldanha, os técnicos orientam cada produtor conforme a propriedade e a capacidade de cada um. Com exceção do sistema baseado em pastagens, presente na maioria das unidades demonstrativas, a escolha tecnológica deve ser feita de acordo com a necessidade de cada um. “O que é adequado para um pode ser totalmente inadequado para o seu vizinho de cerca. Por isso, é necessário que o técnico entenda as diferentes realidades de cada produtor de leite, escolhendo as melhores práticas caso a caso”, enfatiza André Novo. Haddade complementa, ressaltando que não há imposições, embora os produtores que concordem em transformar sua propriedade em “unidades demonstrativas”tenham alguns deveres a cumprir, como por exemplo fazer exames de brucelose e de tuberculose, descartar animais doentes, como exige a legislação, controlar o processo de produção por meio de anotações básicas, como as zootécnicas (parição, co-
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bertura e controle leiteiro mensal); climáticas (chuvas e temperaturas) e econômicas (receitas e despesas). Além disso, deve concordar em abrir a propriedade para visitas de outros produtores que queiram conhecer o projeto. Em contrapartida, têm direito a ser assistidos pelo técnico em pelo menos uma visita mensal e podem, inclusive, deixar o programa quando desejarem. Novo enfatiza: “Não há imposição de metas em nenhuma fase do processo. Cada produtor tem seu ritmo de aprendizagem e introdução de tecnologia”, diz. “Pecuaristas e técnicos sabem quais os direitos e deveres de cada parte e é cobrado apenas aquilo que foi combinado”, frisa o agrônomo. O consultor João Rosseto Júnior, da consultoria Agrodinâmica, de Cerqueira César, SP, ressalta que o que mais incomoda as pessoas é que o Balde Cheio usa técnicas simples, respeitando a velocidade de evolução e o desejo do produtor, que são individuais e não podem ser massificados. “Acredito que por isso rotulam o projeto de ‘projeto de piquete’ ou de ‘piquete irrigado’, quando estas são apenas técnicas que podem ou não ser usadas”, opina o técnico.
Outro mito que Novo, da Embrapa, faz questão de esclarecer é o de que o projeto traz resultados positivos imediatos. Segundo ele, os resultados técnicos e, principalmente, econômicos, levam entre dois e três anos, em média, para aparecer. É um trabalho de longo prazo, que envolve intervenções como recuperação da fertilidade do solo, o que demanda tempo. “É necessário haver uma mudança cultural profunda do técnico e do produtor e de sua família, o que demanda tempo de aprendizagem. Não é da noite para o dia que ele aprende a manejar pastagens, a lidar com animais de alta produção, a saber gerenciar seu novo negócio, entre outros. Por outro lado, do
ponto de vista do resgate da autoestima, aí sim, os resultados são imediatos.” Haddade cita alguns exemplos de sucesso do programa no Espírito Santo – e que levaram tempo, mas tiveram resultados compensadores. Numa fazenda em Aracruz, por exemplo, em 14 anos de trabalho sob orientação do programa, a produção diária saltou de 140 para 2.300 litros por dia. Em 2001, dos 50 hectares da fazenda, apenas 15 eram usados para a produção, com 20 vacas (50% do rebanho) em lactação. Este ano, a área útil é de 45 hectares e o rebanho conta com 198 vacas em lactação (78% do rebanho). Outro exemplo é uma propriedade em Vila Valério, onde em apenas dois anos a produção diária de leite subiu de 700 litros para 1.093 litros. E a eficiência do rebanho foi de 63% para 80% das vacas em lactação, em média.
Novo enumera mais exemplos de sucesso do Balde Cheio. Entre 2009 e 2011, em uma amostra de 50 produtores assistidos em várias regiões, a renda bruta por hectare teve um acréscimo de 92%, mesmo sem variação significativa no preço do leite (7%). Isso é devido ao aumento no número de vacas em lactação por hectare (31%), maior produtividade das vacas (24%), o que resultou em 43% mais leite por propriedade após três anos de trabalho. A produtividade da terra e da mão de obra também aumentaram 37% e 54%, respectivamente. Para o técnico, apesar dos mitos criados em torno do programa, o balanço é amplamente favorável e o Balde Cheio tem potencial para crescer ainda mais, tanto em termos de produtores quanto de técnicos demandando a capacitação. Rosseto Júnior também acredita que, indepen-
dentemente dos mitos criados, o Balde Cheio tem obtido resultados significativos, tanto econômicos quanto sociais, principalmente devido à sua simplicidade e seriedade. Ele foi treinado quando ainda era técnico da Casa de Agricultura da cidade e, hoje, é instrutor do projeto em Rondônia, Maranhão e Piauí – provando, além disso, a capacidade de adaptação do programa a várias regiões e biomas do País. Haddade orienta que, para o produtor, uma das principais lições para conquistar bons resultados é aliar sua vocação para a pecuária leiteira à disposição de cumprir o que for combinado, além da confiança no técnico. “Acredito que a chave do sucesso esteja nessas características citadas, em conjunto com a capacidade profissional do extensionista, principalmente relacionada ao seu perfil proativo, a capacidade de resolver problemas, ao gosto pela atividade, bem como o compromisso com o trabalho.”
Nos piquetes. Unidades demonstrativas têm sistemas, em sua maioria, baseados a pasto
Elementos-chave que fundamentam o programa
1. Anotações
zootécnicas e econômicas: são a chave para reflexão e tomada de decisão e sem essas não existe o trabalho.
2.
Toda propriedade deve conduzir pequenos testes: cada nova tecnologia proposta – pastejo rotacionado, introdução de vacas
de alta produção por exemplo – deve ser feita em pequena escala com objetivo de aprendizagem de todos os envolvidos.
3.
Trabalho em rede e compartilhamento de informações: existe intensa troca de conhecimento feita entre os técnicos em treina-
mento e a Embrapa (nesse caso os produtores e os técnicos visitam outras regiões para acompanhar as inovações no campo), o que permite o avanço do conhecimento de modo sustentável.
4.
Respeito ao ritmo de introdução das tecnologias: no caso,
os técnicos são treinados a identificar quais as pré-condições necessárias para introdução das melhores tecnologias para cada situação de produtor e de região. Aqui o objetivo não é discutir qual tecnologia será introduzida, mas quando será o momento mais apropriado.
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Balde Cheio Uma história de quase duas décadas O chefe-geral da Embrapa Pecuária Sudeste, Rui Machado, lembra que o Balde Cheio foi criado há 16 anos com o objetivo de acelerar o processo de inovação na produção de leite. Segundo ele, adotou-se como estratégia a transferência de tecnologia e de conceitos da intensificação da produção leiteira. O projeto, complementa, alicerçou suas ações na capacitação continuada e acompanhada de técnicos que, em última análise, são os protagonistas do processo e os produtores são os beneficiados. “O setor produtivo é muito carente de informação sobre tecnologias e o papel do projeto é preencher essa lacuna. A Embrapa, nos últimos 40 anos, bem como outras instituições de pesquisa, geraram abundante quantidade de tecnologias para a pecuária leiteira, mas muitas delas ainda encontram-se, em certa medida, nas prateleiras.
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É preciso que a informação chegue ao produtor rural e seja adotada. Nesse momento, temos a chamada solução tecnológica”, ressalta.
Sucesso em capacitação e transferência de tecnologia
1. O que é o Balde Cheio É uma metodologia de transferência de tecnologia que contribui para o desenvolvimento da pecuária leiteira. O objetivo é capacitar profissionais de extensão rural e produtores, promover a troca de informações sobre as tecnologias aplicadas regionalmente e monitorar os impactos ambientais, econômicos e sociais. Como funciona A capacitação e a troca de informações ocorrem na propriedade rural de referência na região, chamada de unidade demonstrativa. Também inclui aulas teóricas na Embrapa Pecuária Sudeste e nas propriedades selecionadas. Essa unidade demonstrativa passa a ser referência para os produtores da região Como participar Os produtores e técnico interessados devem entrar em contato com a Embrapa Pecuária Sudeste pelo site www.cppse.embrapa.br/sac ou pelo telefone (16) 3411-5626
2.
3.
Conforme explica, a metodologia do Balde Cheio transcende o conceito de difusão e incorpora um maior, o da transferência de tecnologia. “O programa baseia-se na formação de unidades demonstrativas, que são propriedades que adotam o programa e se transformam em ‘salas de aula’ a campo, para que os técnicos credenciados do projeto as usem como modelos reais de produção e difundam o programa entre outros produtores da região.” Outro ponto importante que mostra sua flexibilidade é que o programa acompanha a evolução das tecnologias. Segundo Machado, há
Da prancheta ao campo. Para Rui Machado, da Embrapa, o setor produtivo é carente de tecnologias
indicadores de desempenho zootécnico, ambiental e socioeconômico que são acompanhados ao longo do tempo e para cada estabelecimento
produtor de leite. “Por causa disso é possível atualizar-se sempre que necessário e demandando o conjunto de tecnologias a serem progressivamente incorporadas naquela propriedade”, ressalta o diretor. Esse mecanismo, complementa, aproxima a pesquisa ao sistema de produção e cria uma via de mão dupla, retroalimentando a pesquisa com informações de interesse na prospecção de demandas para a pesquisa. Há ainda uma rede estruturada de comunicação entre os participantes do projeto, o que acelera a troca de experiências entre todos envolvidos, técnicos e produtores. n
Alguns mitos e verdades
1.
A Embrapa não faz assistência técnica A Embrapa capacita técnicos extensionistas em produção intensiva de leite dentro dos parâmetros do programa Balde Cheio. Estes técnicos treinados, por sua vez, vão atender os produtores nas suas regiões.
2. O programa é muito rigoroso Não. Não há imposição de metas em nenhuma fase do processo. Cada produtor tem seu ritmo de aprendizagem e introdução de tecnologia.
3.
O Balde Cheio é “fazer piquetinhos” A produção intensiva de leite não se baseia somente em pastagens rotacionadas, apesar desta ter sido a melhor solução em várias regiões. Contudo, muitas outras tecnologias e processos compõem o projeto,
como estratégias de alimentação (silagens, cana, palma forrageira, uso de subprodutos na dieta, balanceamento nutricional sempre de acordo com cada situação agroecológica), técnicas administrativas (planilhas de desempenho econômico e zootécnico, quadro de controle reprodutivo e índice de atualização tecnológica), práticas de manejo de ambiência e conforto animal, fundamentos de recomposição ambiental e sanidade e segurança alimentar.
4. O Balde Cheio é um pacote fechado Não. Os técnicos são treinados para interpretar as diferenças de cada propriedade, assim como a complexidade dos diferentes perfis de produtores. As opções tecnológicas e os níveis de intensidade do uso dos fatores produtivos são constantemente aprimorados com a participação ativa dos técnicos e produtores de cada região.
5. É só para pequeno
produtor Necessariamente, a “sala de aula” do treinamento deve ser de um pequeno produtor familiar, mas todos os conceitos adquiridos ao longo do treinamento servem para qualquer situação ou escala de produção. O objetivo é capacitar o técnico em um contexto de restrição econômica, demonstrando ser possível a geração de renda pela apropriação de tecnologias e intercâmbio de conhecimentos, mesmo que não haja abundância de recursos.
6. Os resultados são imediatos Não. Levam-se entre dois e três anos em média. É um trabalho que envolve intervenções em várias dimensões, desde a recuperação da fertilidade do solo, das forragens, do rebanho, etc. o que demanda tempo.
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Sustentabilidade Alexandre M. Pedroso
Manejo de vacas recém-paridas Alexandre M. Pedroso Consultor em Nutrição e Manejo de Bovinos Leiteiros Cowtech Consultoria e Planejamento
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T
odo produtor de leite quer que suas vacas produzam o máximo de leite possível. Mas alcançar esse objetivo é uma tarefa muito mais difícil do que parece. Isso ocorre, em grande parte, por erros simples de manejo, especialmente no chamado período de transição, que compreende as três semanas antes do parto e as três a quatro semanas após o parto. É muito mais frequente as fazendas fazerem um bom trabalho no período pré-parto, mas no pós-parto as coisas nem sempre vão bem. O parto é o momento mais estressante de uma vaca. São muito impactantes as alterações fisiológicas que os animais enfrentam na preparação para o parto e no início de uma nova lactação. E, quanto mais produtiva for a vaca, mais complicado é esse processo, pois a necessidade de nutrientes para a síntese de colostro e leite é enorme. Toda vaca leiteira passa por um período de balanço energético negativo no início da lactação, que tem um grande impacto sobre o seu desempenho produtivo e sanidade. Em função disso, no período imediatamente após o parto o objetivo maior do produtor deve ser garantir à vaca as melhores condições para que ela possa se recuperar adequadamente do parto, focando na prevenção da ocorrência de distúrbios metabólicos, para que ela possa desempenhar bem no período subsequente. Para mim, impor às vacas um ritmo acelerado de produção nesse período inicial da lactação é uma estratégia perigosa, pois pode ser um desafio ainda maior do que o que elas já têm por causa do balanço energético negativo. É sabido que a produção total de uma vaca leiteira numa lactação depende diretamente de o quanto essa vaca produz no pico de lactação, e maximizar a produção no pico é o objetivo de toda fazenda, mas será que devemos perseguir isso a todo custo? Até porque se a vaca sofrer com algum distúrbio metabólico nesse período, o pico de lactação certamente será bastante comprometido. Entendo que a melhor estratégia nas primeiras
Mundo do Leite dez/2015-jan/2016
três semanas pós-parto é focar na recuperação hormonal e na saúde das vacas. Se dermos a elas as condições para se recuperar adequadamente do stress do parto, buscando a maximização do consumo de alimentos (CMS), com menor stress metabólico, num segundo momento poderão expressar todo o seu potencial produtivo e possivelmente a ocorrência de distúrbios metabólicos será muito menor. Além disso, muito provavelmente retornarão mais cedo à atividade estral, o que contribuirá decisivamente para a melhoria da eficiência reprodutiva. Com a proximidade do parto o metabolismo da vaca passa a sofrer uma série de alterações hormonais, com o objetivo de preparar o animal para o parto. Junto a essas alterações hormonais ocorre uma redução na ingestão voluntária de alimentos, o que caracteriza o problema mais crítico das vacas nessa fase, e um dos aspectos mais importantes do manejo de vacas em transição. Essa queda no consumo, associada ao aumento nas exigências energéticas para atender à demanda do feto, e posteriormente da síntese de colostro que se inicia nos dias que antecedem o parto, coloca as vacas na condição de balanço energético negativo (BEN), onde a demanda energética passa a ser maior que o suprimento disponível. Essa condição permanece no início da lactação, o que complica bastante o manejo das vacas nessa fase. Acredita-se que a queda na ingestão de alimentos tenha relação direta com as alterações hormonais que ocorrem nessa fase, e também ao próprio crescimento do feto, que passa a ocupar mais espaço na cavidade abdominal, comprimindo o aparelho digestivo.
Essas mudanças fisiológicas que ocorrem no período de transição resultam em grandes dificuldades para a vaca, de forma que o manejo dos animais representa um grande desafio. Além do aumento no tamanho do feto, nos dias que antecedem o parto a vaca começa o processo de síntese do colostro, o que determina um grande aumento na demanda
por glicose, aminoácidos e outros nutrientes. O grande problema é que esse aumento na demanda não é compensado por um aumento no consumo de alimentos, muito pelo contrário. Com isso, a vaca entra em balanço energético negativo e fica muito mais suscetível aos distúrbios metabólicos no início da lactação. Para que as vacas iniciem bem a nova lactação, um aspecto muito importante do manejo pré-parto é tentar minimizar os efeitos da redução de consumo. A ideia é compensar de alguma forma essa queda na ingestão de alimentos de forma que a ingestão de nutrientes, especialmente energia, não seja tão prejudicada. Uma série de problemas decorre da baixa ingestão de matéria seca, dentre os quais três são considerados fatores de risco elevado: • Leva à mobilização de gordura, que, se for em grande quantidade, pode levar à síndrome do fígado gorduroso, com subsequente desenvolvimento de cetose, resultando em prejuízo ao funcionamento do fígado; • Prejudica o sistema imunológico, o que aumenta o risco de mastites e metrites; • Faz com que o rúmen fique esvaziado, o que aumenta muito o risco de deslocamento de abomaso. Uma coisa importante é que vacas têm requerimentos por quantidade de nutrientes, e não por porcentagens. Tem pouca utilidade saber qual o teor de energia ou proteína bruta da dieta. O que importa é quantas calorias ou quilos de proteína metabolizável foram ofertados pelo total de matéria seca ingerida. Uma vez que o consumo de matéria seca ainda é reduzido no período de transição, uma estratégia lógica é aumentar a oferta de concentrados no pré-parto, especialmente fontes de carboidratos não fibrosos, como milho, sorgo, polpa cítrica, etc. Mas o ideal é oferecer volumosos de altíssima qualidade, com alta digestibilidade, de forma que a ingestão de energia seja elevada. Aumentar um pouco a oferta de carboidratos não-fibrosos junto com um volumoso de alta digestibilidade é a melhor alternativa. O objetivo nas últimas três semanas de gestação é manter o teor de energia da dieta das vacas entre 1,45 e 1,60 Mcal por quilo de matéria seca, sem que o teor total de amido da dieta passe de 18%.
Após a parição o objetivo é acompanhar de perto as vacas. Todo esforço despendido no sentido de monitorar as vacas recém-paridas é importante.
Nessa fase, em que estão altamente suscetíveis aos distúrbios metabólicos, as vacas estão com o sistema imune deprimido, não conseguem comer tudo o que necessitam, precisam mobilizar reservas gordurosas para atender à demanda energética, enfim, estão em situação estressante. Se juntarmos as vacas recém-paridas num lote específico, podemos monitorar a sua rotina com mais cuidado, podendo identificar problemas antes que o prejuízo seja grande. O foco do manejo das vacas nos primeiros 20 a 30 dias de lactação deve ser no conforto e na sanidade. Não importa o sistema de produção – pasto ou confinamento – as vacas recém-paridas precisam receber cuidados especiais. O conforto nas instalações onde vão ficar é fundamental. Manter a saúde do rúmen também, de forma que as dietas dessas vacas devem ser menos agressivas do que as do lote de alta produção. Costumo recomendar o uso de pelo menos 28% de FDN na dieta (em base matéria seca) dessa categoria, prestando muita atenção à fibra fisicamente efetivo da dieta, que nunca deve ficar abaixo de 24% da matéria seca total no período. Se o volumoso for silagem de milho, é altamente recomendável inserir alguma fonte de fibra longa – feno, bagaço de cana, etc. – para estimular a mastigação, pois a fração fibrosa da silagem de milho pode ser de alta digestibilidade, com pouca efetividade física para estimular a mastigação. Como sabemos, a produção de saliva é totalmente dependente da atividade de mastigação, e a saliva é o principal agente controlador do pH ruminal.
Após a parição. Nesse período, as vacas e sua nutrição devem ser acompanhadas de muito perto para evitar distúrbios
Como regra geral, é prudente acrescentar de 0,5 a 1 kg de matéria seca de uma boa fonte de fibra longa nas dietas à base de silagem de milho. Nesse período costumo recomendar teores de amido bem conservadores, em torno de 20% da matéria seca total da dieta. Outro ponto de interesse é o uso de gordura suplementar, como forma de fornecer mais energia. Entendo que é uma estratégia interessante, mas aldez/2015-jan/2016 Mundo do Leite
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Sustentabilidade guns cuidados devem ser tomados, pois gordura em excesso pode deprimir o consumo. Se o teor total de gordura na dieta não for maior do que 5,5% (teor de energia na matéria seca total) não haverá riscos. Se a fonte de gordura suplementar for inerte, é possível usar um pouco mais, mas é preciso monitorar muito bem o consumo desse lote. Fontes de gordura insaturada normalmente interferem muito mais com o consumo, de forma que o uso de grãos de oleaginosas, como a soja ou algodão, deve ser analisado com muito cuidado, respeitando os limites de inclusão recomendados. De maneira geral, as vacas precisam de 1,1 Mcal de energia metabolizável por quilo de leite, fora a mantença, esse valor deve ser usado como parâmetro de referência para a formulação das dietas. Com relação à nutrição proteica, tenho defendido a redução nos níveis de proteína bruta das dietas, e nesse caso não é diferente. Isso não significa dar menos proteína para as vacas, mas sim
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fazer um balanceamento mais rigoroso das dietas. Excessos devem ser evitados, mas é preciso atender corretamente os requerimentos das vacas. A grande questão é que esses requerimentos não são por proteína bruta, mas sim por proteína metabolizável. O foco na manutenção da saúde ruminal está totalmente alinhado com o foco na maximização da síntese de Proteína Microbiana (PMic), que é a principal componente da fração PM. Para tal, como eu sempre falo em meus artigos e palestras, a produção de PMic depende diretamente do balanço entre a disponibilidade de proteína de degradável e carboidratos fermentáveis, para garantir ótimas condições de crescimento para os microrganismos ruminais. De maneira geral, as vacas leiteiras precisam de 45 gramas de PM por quilo de leite produzido, fora os requerimentos de mantença. Esse valor também pode ser usado como parâmetro para formular adequadamente as dietas das vacas. n
Nutrição
O silageiro emergente da Serra Gaúcha Diego Lovison apostou na produção de silagem de milho para abastecer pecuaristas da região Na órbita do leite. Em vez de criar vacas, Lovison optou por produzir silagem
Geraldo Hasse
F
oi apenas na primeira sexta-feira de novembro de 2015 que os pecuaristas leiteiros, suinocultores e prestadores de serviços rurais do oeste da Serra Gaúcha puderam se reunir para festejar o primeiro prêmio Taça Brasil de Silagem de Milho 2015, conquistado, três meses antes, pelo sitiante gaúcho Diego Lovison, 27 anos, autodidata que trabalha em parceria com sitiantes vizinhos e conta com a retaguarda técnica de fornecedores bem situados na cadeia produtiva de comida animal. A vitória de Diego Lovison foi uma surpresa, não só porque ele atua há apenas dois anos como autônomo no ramo de silagem, mas porque o concurso teve centenas de participantes _ e, principalmente, porque quem ficou em segundo e terceiro lugares foram dois produtores de Castro, PR, a vanguarda do leite no Brasil. No seu minuto de agradecimento, Diego Lovison mostrou ter consciência do alcance do seu feito: “Ninguém ganha nada sozinho. Quero agradecer aos meus parceiros e dizer que esta vitória é da região”. Ele fechou sua rápida fala lembrando que é preciso perseverar na melhoria das técnicas de alimentação animal, “pois a crise está aí e precisamos levantar a cabeça”. Os indicadores que deram a vitória a Diego Lovison referem-se à safra 2014/2015 – plantio em 15 de setembro e colheita em 15 de janeiro. Considerando o cultivo de 75 hectares no siste-
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ma de plantio direto, por hectare, de 84.000 sementes de milho da marca Pioneer (entrelinhas de 13 centímetros), adubação nitrogenada e colheita com a ensiladeira CFA Ipacol, o produtor ceifou uma média de 53 toneladas/hectare de milho ao custo de R$ 3.500 por hectare. Além de inoculantes Kera na silagem, adicionou 180 gramas de açúcar por tonelada.
Agora enriquecido pelo prêmio, o currículo de Diego só registrava, antes, o ensino fundamental e breves cursos técnicos. Que, porém, o ajudaram a dar mais eficiência ao sítio familiar de 15 hectares em Nova Bassano, RS. Como o mais velho dos três filhos do casal Geraldo-Dione Lovison, ele ajudou sucessivamente os pais na produção de uva, verduras e leite. Mas a vida mudou. Ele se casou. A irmã está casando, vai viver em outro município. E o irmão menor cursa engenharia mecânica em Passo Fundo, RS. A tendência, quase uma obrigação, seria suceder os pais na produção diária de 600 litros de leite, entregues à centenária Cooperativa Santa Clara. Mas não. Contra a corrente da maioria dos jovens rurais que trocam a roça por atividades urbanas, ele achou um atalho na área de prestação de serviços para a pecuária. Ou, seja, vai ficar na agropecuária, mas não obrigatoriamente tirando leite. “Estou inventando o meu caminho”, disse Diego, consciente de que o campo está aberto para a produção de comida para os rebanhos de leite e até de corte.
Ele começou produzindo forragem para o sítio da família, mas recentemente se tornou um vendedor de feno e pré-secado para a vizinhança, que vem aumentando os plantéis leiteiros sem ampliar as áreas, de no máximo 30 hectares. Na maioria dos sítios da Serra Gaúcha, a tendência a estabular vacas é crescente. O que já acontece no sítio dos Lovison, que ordenham 25 vacas, tirando a média diária de 23 litros por cabeça. A base genética do plantel foi buscada há vários anos no Uruguai. Em boa parte da Serra Gaúcha, a maior preocupação dos produtores tem sido armazenar comida para os períodos críticos _ no inverno, por causa do frio, que queima os pastos; no verão, por causa das estiagens e do calor. “Sem forragem a pecuária leiteira não tem futuro por aqui”, diz Diego, que preferiu apostar na produção intensiva de silagem de milho e no feno pré-secado embalado em bolas plásticas de 500 quilos.
Ainda não se descobriu melhor silagem do que a de milho. Além de proteína e energia, ele oferece fibra, item fundamental para a ruminação dos bovinos. Diego Lovison gosta também do capim tifton, mas quando o plantio é para terceiros se limita a atender aos pedidos da freguesia e respeitar as regras ambientais. O maior parceiro de Lovison é o vizinho Maria-
no Tessari, membro de uma família que produz 3.000 litros de leite por dia e fabrica silagem “para fora”, geralmente prestando serviço em terras arrendadas ou na propriedade do cliente. Apenas um dos quatro irmãos não trabalha no sítio. É caminhoneiro. Mariano e os irmãos Gilmar e Osmar, seguindo a dieta da Cooperativa de Suinocultores de Encantado (Cosuel), ministram 44 quilos de comida por dia para cada uma das 96 vacas em lactação. Mais de 4 toneladas por dia no cocho. “No braço não dá mais para produzir leite. Quem não investir em tecnologia vai cair
Comida para as vacas. No sítio dos Lovison, no RS, o filho Diego contribui com a produção de silagem de ótima qualidade
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Nutrição
Colhedoras de milho silagem, potencial para 1.500 unidades/ano
fora”, diz Mariano. O pai, Valdir, aos 72 anos ainda não dependurou as botas. E assinou junto com os filhos a compra de um moderno galpão de R$ 500 mil que permitiu dobrar o plantel produtor de leite. Como o sítio só tem 36 hectares, a produção de silagem e feno para as 96 vacas em lactação tem de ser feita em terras arrendadas.
Assim, os Tessari acabaram dando o passo que os tornou parceiros de Diego Lovison. Cada um dono de uma grande colhedora, os dois produzem para os próprios sítios e “para fora”. Assim, por conveniência ou necessidade, vão agregando novos parceiros e clientes, sempre olhando para a frente, “pois a crise está aí”... n
Com 20 anos de experiência na fábrica de tratores Agrale, da vizinha Caxias do Sul, o engenheiro mecânico Carlos Antoniolii cuida desde 2008 da área técnica da Ipacol, sigla formada pela abreviatura da firma Ildo Parise & Companhia Ltda., fundada em Veranópolis há 40 anos. Ildo Parise, mecânico inventivo, começou fabricando uma motosserra, depois uma enxada rotativa mecanizada, até que montou uma oficina própria de implementos agrícolas. Começou com uma carreta carregadora de silagem. Faleceu há três anos num acidente com um dos seus inventos. A fábrica é administrada por seus três filhos, todos com curso superior. Há seis anos, a Ipacol monta colhedoras de milho para silagem.
Premiadas na Expointer, são máquinas de 12 toneladas que custam R$ 800 mil. A Ipacol já vendeu 40 unidades e pode entregar três por mês. De acordo com pesquisa de Antoniolli, o potencial do mercado brasileiro para as colhedoras de forragem é de 1.500 unidades por ano. No momento, são compradas 50 por mês, a maioria importada. No Brasil atual, há 2,2 milhões de hectares ocupados anualmente por milho para silagem. Área que tende a se ampliar, daí o otimismo da direção da Ipacol. Usando dois terços de sua potência, a CFA, equipada com motor MBenz de 326 HP, pode colher 50 toneladas de milho para forragem por hora. “Com tanque de 540 litros, trabalha um dia inteiro sem reabastecer, pois o consumo médio é de 37 litros por hora”, afirma Antoniolli. Operando a baixa velocidade (2 a 12 km/h), pode alcançar 7.000 horas de trabalho. Dado o custo operacional de R$ 500 por hora, não é máquina para pequeno produtor. “É para fazendas leiteiras ou para prestadores de serviços de silagem que dispõem de áreas amplas”, recomenda Antoniolli. Nesse sentido, Diego Lovison é uma espécie de piloto de provas apto a demonstrar que, operando de sol a sol, uma dessas modernas colhedoras pode render até R$ 8 mil por dia.
Da Ipacol. Máquina tem capacidade para colher 50 toneladas de milho para forragem por hora
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Novas Bacias GO
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MS
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9
Campo Grande
Bolsão de MS atrai investimentos leiteiros
10
7
Localização estratégica dos municípios e logística facilitada são atrativos para que laticínios apostem nessa região
SP
PR
Municípios do MS que integram o Bolsão
1 Costa Rica 2 Chapadão do Sul 3 Cassilândia 4 Água Clara 5 Paranaíba 6 Inocência 7 Aparecida do Taboado 8 Selvíria 9 Três Lagoas 10 Brasilândia
E
Ariosto Mesquita
m Mato Grosso do Sul, próximo às divisas com Goiás e Minas Gerais, dois importantes polos de produção leiteira, está a região chamada Bolsão. Aproveitando a vocação dos vizinhos, essa área tem tudo para ser a bola da vez da produção de leite e derivados no Brasil Central. Vários investimentos têm sido feitos por ali pela iniciativa privada, todos voltados ao incremento da cadeia láctea. A empresa paulista Queijos Joana, por exemplo, não pensou duas vezes. Para apostar no segmento em Mato Grosso do Sul, escolheu o município de Aparecida do Taboado. Bem próximo à área urbana, às margens da BR-158, investiu mais de R$ 1 milhão para ativar o Laticínio Rio Grande. A indústria foi inaugurada em 1º de abril de 2015. “E não foi mentira”, brinca o diretor-proprietário do grupo, Alexandre Dimitrova. Segundo ele, até então o grupo era constituído por duas unidades industriais, no sul de Minas Gerais, na região conhecida como Circuito das Águas. A primeira, em Bom Repouso, inaugurada em 2004, e a outra, em Olímpio Noronha, adquirida em 2008. A produção dos dois laticínios é enviada ao Centro de Distribuição da empresa, em Santo André, SP. A nova indústria em Mato Grosso do Sul, cujas instalações foram alugadas para abrigar maquinário próprio, vai produzir e enviar para lá queijos tipo mozzarella, prato, coalho e ricota. Dimitrova revela os motivos que levaram a empresa a apostar em uma indústria no Centro-Oeste para abastecer o mercado paulista: “Eu já tive um laticínio em Estrela D’Oeste, no noroeste paulista, bem perto da divisa com Mato Grosso do Sul, e comprava muito leite do Bolsão, que já é a maior bacia leiteira do Estado. Além disso, aproveitamos a oportunidade pa-
ra ocupar um espaço, pois Aparecida do Taboado não dispunha de nenhuma indústria láctea”. Em outubro, as indústrias da Queijos Joana em Minas Gerais processaram 35.000 litros de leite por dia, sendo 15.000 em Olímpio Noronha e 20.000 em Bom Repouso. Na unidade de Aparecida do Taboado, a projeção inicial de Dimitrova, ainda em abril, era entrar dezembro, em plena safra leiteira, captando 15.000 litros por dia. “Mas já passamos disso. Em outubro, processamos 18.000 litros/dia. Agora aumentamos nossa previsão: vamos chegar ao último mês do ano captando 25.000 litros por dia, que é nossa capacidade máxima instalada atualmente”, projetava, no fim de outubro, quando concedeu esta entrevista à Mundo do Leite. A matéria-prima provém do rebanho de 80 produtores instalados em dois municípios do Bolsão: Aparecida do Taboado e Selvíria.
Superando tão rapidamente as expectativas iniciais de captação, a Laticínio Rio Grande pode ter conquistado os produtores justamente num quesito falho na região, segundo Dimitrova: a relação entre produtores e indústria. “A informação que nós tivemos é que outros laticínios da região, que fecharam recentemente, começaram a falhar no pagamento ao produtor e esta, definitivamente, não é uma política nossa”, garante o diretor. De acordo com a gerente-geral da unidade, Viviane Santos, no início de outubro o pagamento bruto pelo leite captado pela empresa estava em R$ 1,07 e, dependendo da quantidade e da qualidade do fornecimento, pode haver um adicional, caso a caso. “Bem diferente da faixa dos R$ 0,68 a R$ 0,75 que se costumava pagar aqui na região em 2014”, afirma. Segundo ela, nos primeiros dias de funcionamento, a carteira de fornecedores somava sete produtores. “Pouco mais de seis meses depois, atingimos 80.” A empresa ainda oferece gratuitamente ao produtor uma média de 15.000 litros de soro de leite/dia para utilização na alimentação de animais. “Ele pode retirar dez/2015-jan/2016 Mundo do Leite
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Novas Bacias
Produtos Rio Grande. Captação diária de 25 mil litros de leite na região do Bolsão de MS
na hora que quiser do nosso tanque, que estoca até 30.000 litros”, diz a executiva. Diante dos bons números e das perspectivas e com menos de um ano de operação da nova unidade, Dimitrova já organiza uma ampliação da estrutura. “Temos maquinário próprio que deve ser instalado até janeiro de 2016. Assim, devemos elevar nossa capacidade máxima de processamento de 25.000 litros/ dia para até 50.000 litros/dia. A Laticínios Rio Grande deverá se tornar a principal fornecedora para o nosso centro de distribuição”, prevê. A unidade fechou o mês de outubro produzindo 500 barras de queijo tipo mozzarella (4,1 kg cada)/dia e 2.000 unidades de ricota (300 gramas cada)/dia.
Distante 117 km a noroeste da Laticínios Rio Grande, a concorrente Laticínios Aporé, em Inocência, MS, também resolveu ampliar investimentos em 2015. Aumentou sua área industrial de 1.000 para 6.000 metros quadrados e se prepara para ampliar seu portfólio. A empresa foi instalada em 1994,
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Mundo do Leite dez/2015-jan/2016
captando uma média de 10.000 litros por dia e fabricando quatro tipos de queijo: padrão, prato, mozzarella e coalho. Em 2007, quando os atuais proprietários adquiriram o laticínio, foi instalada a linha de produção de parmesão ralado. “Na época, nossa capacidade de captação subiu para 30.000 litros/ dia. Hoje é de 40.000 litros/dia e a partir de 2016 estaremos prontos para receber até 200.000 litros/dia”, garante o gerente-geral, Henrique César Líria Alves. Os investimentos feitos entre 2014 e 2015 somaram R$ 13 milhões. Uma das características da indústria Aporé é a sua produção voltada para suprir a demanda de marcas de terceiros. Atende atualmente 20 marcas (16 de queijo parmesão ralado) incluindo Batavo, Carrefour, Qualitá e Maricota, dentre outras, totalizando uma produção média entre 100 e 120 toneladas/mês. As novas instalações também estão permitindo a fabricação de requeijão (até 30 toneladas/mês) e de leite condensado (até 120 toneladas/mês). Alves garante que 75% do leite processa-
do é captado na região do Bolsão, a partir de 120 produtores. O restante tem de vir de fora de Mato Grosso do Sul. “Usamos caminhões-tanque com capacidade até 35.000 litros para buscar leite em Goiás, Santa Catarina e Paraná”, revela o gerente. “Nós acreditamos no potencial do Bolsão, mas por enquanto a oferta ainda é inferior à nossa demanda, por isso temos de buscar matéria-prima fora do Estado”, explica. A ideia futura, diz, é estimular mais ainda a produção leiteira na região do Bolsão, embora Alves não dê prazos ainda para isso.
De olho nesta capacidade de expansão, a Aporé vai entrar o ano de 2016 com mais uma novidade. “Em janeiro devemos inaugurar nossa linha de produção de leite longa vida com capacidade para 60.000 litros/dia. A ideia é fornecer para outras marcas e fundamentalmente apostar em uma marca própria voltada para o mercado de Mato Grosso do Sul, onde hoje temos apenas uma indústria concorrente”, revela Alves. Ele estima que 70% da produção do leite longa vida ficará em MS. No entanto, ainda terá de captar fora do Estado. “Já temos um planejamento para trazer leite de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná e Santa Catarina”, diz. A Laticínios Aporé conta com aproximadamente 120 fornecedores em Mato Grosso do Sul
e sua remuneração ao produtor ficava em outubro, na faixa entre R$ 0,80 e R$ 1. A decisão pela ampliação da indústria levou muito em consideração a posição estratégica da região e as condições de transporte hoje oferecidas. “A logística pesou muito na hora em que apostamos e fizemos os investimentos. Estamos muito próximos tanto dos mercados consumidores quanto dos fornecedores, além do fato de que há um amplo espaço ainda a ser conquistado dentro do próprio Estado de Mato Grosso do Sul, explica Alves. O raciocínio do gerente da indústria é justificado pelas atuais condições de escoamento de produção na região. A cidade fica bem junto à tríplice divisa (MS, SP e MG). Em meados de 2014, o governo de São Paulo entregou a duplicação da Rodovia Euclides da Cunha (SP-320), ligando as cidades de São José do Rio Preto a Santa Fé do Sul, município paulista encostado na divisa com MS. Já a travessia entre os dois Estados é feita por uma ponte rodoferroviária de 3.700 metros de extensão também duplicada em sua parte superior (rodoviária). Dessa forma, a partir de Aparecida do Taboado é possível atingir os principais centros consumidores de São Paulo com facilidade e comodidade por rodovia. Isso sem contar a disponibilidade dos modais ferroviário (Ferronorte) e hidroviário (Hidrovia Paraná-Tietê).
De ‘tirador’ de leite a produtor “A região do Bolsão de MS está passando por
ria, Santa Rita do Pardo e Chapadão do Sul. Indepen-
afetar o custo de produção, mas logo em seguida
uma mudança de perfil profissional muito grande
dentemente de números, Lamas considera o Bolsão
o pecuarista vai começar a ganhar em escala e até
em várias atividades e a atividade leiteira não fica
uma região em processo de mudança. “As boas es-
eventualmente notar uma queda nos seus custos. É
de fora. O tirador de leite está se transformando em
tradas e a diversificação dos modelos de transporte,
muito melhor trocar 50 vacas que me dão 400 litros
produtor.” Quem afirma é o secretário de Produção e
juntamente com a energia farta da região, são atra-
por 20 que vão me oferecer a mesma quantidade de
Agricultura Familiar de MS, Fernando Mendes Lamas.
tivos para indústrias, sobretudo do setor lácteo”, diz.
leite”, exemplifica.
Para ele, a aposta de investidores na região indica
Além destes predicados, o secretário acredita que a
Conforme dados divulgados pelo IBGE em maio,
uma evolução: “A incorporação de tecnologias de nu-
proximidade dos municípios com Estados produto-
Mato Grosso do Sul ocupava o 13º lugar no ranking
trição, manejo e gestão está permitindo um ganho
res facilita esta tendência: “Os produtores de leite da
entre os Estados no quesito “leite cru adquirido pe-
de produtividade, ainda que pontual e discreto”. Con-
região têm ótimos ‘professores’ nos Estados vizinhos
los laticínios” no primeiro trimestre deste ano, mas foi
forme levantamento da Federação da Agricultura e
de Minas Gerais e Goiás, que estão entre os maiores
o Estado que, proporcionalmente, mais apresentou
Pecuária de MS (Famasul) feito com base em 2014, o
produtores de leite do País.”
incremento neste item em relação ao mesmo pe-
Bolsão representava quase 20% de toda a produção
Indagado se o preço do leite pago pelas indús-
ríodo de 2014 (+20%, ou o equivalente à captação
de leite do Estado, calculada em 528,7 milhões litros.
trias pode ser um empecilho para o produtor investir
adicional de 11,09 milhões de litros). No ranking de
No levantamento considerou 11 municípios: Parana-
em tecnologia, gestão e manejo, Lamas não descar-
produção de 2013 do Ministério da Agricultura, MS
íba, Inocência, Aparecida do Taboado, Três Lagoas,
ta a possibilidade, mas vê a perseverança com boas
também aparecia em 13º lugar, com 523.347.000 de
Cassilândia, Costa Rica, Brasilândia, Água Clara, Selví-
perspectivas: “Estes investimentos podem, de início,
litros/ano.
dez/2015-jan/2016 Mundo do Leite
n
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EMPRESAS E PRODUTOS VACCINAR
Gordura de palma aumenta a produção de leite A Vaccinar lançou DairyFAT, para elevar o consumo energético em dietas de vacas de alto desempenho. O gerente de Produto (Aditivos/Ruminantes) da Vaccinar, Eduardo Alves Faccioni, diz que, composto por gordura protegida de
palma, é bem aceito pelos animais. A fórmula de DairyFAT contém sais cálcicos de ácidos graxos de palma, que passam inertes pelo rúmen, e são absorvidos pelo intestino, proporcionando maior incremento calórico, sem
interferir na estabilidade ruminal. Conforme o fabricante, assegura alta concentração de energia (82% de gordura); aumento da produção de leite e da porcentagem de gordura no
leite; reduz o risco de cetose e esteatose hepática e diminui o estresse calórico. Site www. vaccinar.com.br.
Bayer Saúde Animal
Pela terceira vez, empresa ganha troféu Agroleite Pela terceira vez consecutiva, a Bayer Saúde Animal ganhou o Troféu Agroleite na categoria Medicamentos. A cerimônia ocorreu em 21 de outubro, na Agroleite, em Castro, PR, principal evento técnico voltado à cadeia do leite. O prêmio foi recebido pelo presidente da Bayer no Brasil, Theo van der Loo. “Para nós ganhar este troféu por mais um ano é fruto do reconhecimento dos nossos clientes e parceiros. Em um mercado cada vez mais competitivo, trabalhamos para oferecer soluções práticas e inovadoras, agregando valor ao mercado pecuário sem abrir mão da preocupação e cuidado com o bem-estar animal”, destaca o gerente de Produtos Pecuária de Leite, Saul Hatem Honorato.
UCBVet
Contra a diarreia infecciosa Cursotrat, recentemente lançado pela UCBVet Saúde Animal, de Jaboticabal, SP, é um novo medicamento para o tratamento da diarreia infecciosa, tanto em bovinos quanto em equinos e outras espécies de animais de produção. Conforme o especialista em produtos para grandes animais da empresa, Diego Favero, Cursotrat é um antibiótico com fórmula exclusiva, e “uma ótima alternativa para o produtor que antes tinha opções muito restritas para esse tipo de tratamento”, afirma. O produto foi desenvolvido com nanotecnologia e é composto por prata coloidal. “Ao ser injetada, a substância circula pela corrente sanguínea até alcançar as bactérias no intestino. As partículas nanométricas de prata penetram nos micro-organismos
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causadores de doenças, anulando sua ação”, explica. O medicamento tem ainda a vantagem de poder ser utilizado em animais de qualquer idade. No site www. ucbvet.com há mais informações.
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CRI Genética
Pecuaristas de Castro têm apoio técnico A CRI Genética, por meio do promotor técnico de leite Ricardo Mancilha e da consultora internacional de gado de leite Connie Córdobra visitou oito propriedades da região de Castro, PR, entre 2 e 6 de novembro. Os profissionais da CRI ofereceram apoio técnico, orientações de manejo e recomendações aos produtores para que estejam atentos aos números de produção e conheçam os pontos críticos de cada propriedade. Mancilha destacou a receptividade dos produtores. “Eles têm uma boa aceitação referente à análise de dados e realmente necessitam de apoio técnico para fazer a avaliação dos números de produção alcançados”, disse, e acrescentou que “a receptividade é reflexo de um bom relacionamento da CRI Genética com os produtores”.
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Seguindo em Frente Ismail Ramalho Haddade*
Pizza boa não precisa de ketchup
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m programas de desenvolvimento da atividade leiteira, é marcante a concepção errada de que “ações isoladas” e “técnicas da moda” sempre trarão resultados satisfatórios, sem que seja avaliado o perfil de cada situação. Este fato fica mais grave quando algumas técnicas escolhidas funcionam como verdadeiras “maquiagens” ou “molhos” que acobertam falhas. Dentre os muitos exemplos deste tipo de distorção podem ser citados o uso da ocitocina para corrigir falhas na ordenha e de protocolos hormonais para indução de cio para resolver problemas nutricionais. Com isso, tornam-se importantes os exemplos de propriedades em que o sucesso seja consequência de ações planejadas. Pudemos presenciar um desses exemplos em outubro, quando visitamos um produtor de leite orgânico em Serra Negra, SP. Nesta proveitosa experiência, ao serem demonstrados os seus excelentes indicadores, chamou-me atenção o fato de que, mesmo com a impossibilidade de uso de algumas das ferramentas técnicas ditas “novidades tecnológicas”, permitidas somente nos sistemas convencionais, o alcance de resultados expressivos não foi impedido. Dentre eles, pode-se citar a produtividade de 20.000 litros de leite/hectare/ano, em um rebanho sadio, com indicadores reprodutivos bem superiores aos de muitas propriedades convencionais. Com isso, destaca-se a importância de uma produção bem conduzida, diante de uma história de aprendizado do produtor, marcada por dificuldades que serviram muito para a sua evolução, com auxílio do Balde Cheio.
Foi possível observar o uso de conceitos que, como informado pelo produtor, são muito citados nos cursos de ciências agrárias, mas pouco praticados no meio rural, principalmente por causa da falta de planejamento e de imediatismos. Dentre estas práticas, merecem destaque a adubação verde; a rotação de culturas; a manutenção de uma diversida-
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de vegetal; a ciclagem de nutrientes; a melhoria das características físicas do solo, pela destinação de parte da matéria vegetal produzida para o solo, e a utilização dos conceitos de heterose no rebanho. É importante que se entenda que as questões aqui apresentadas não sejam definidas simplesmente pela escolha do sistema de produção orgânico ou convencional, mas pela necessidade de decisões planejadas e desenvolvidas no decorrer de um trabalho técnico bem executado. Caso não houver planejamento, restariam apenas decisões imediatistas, baseadas no método do “apaga-fogo”, como na situação de um indivíduo que não adota os procedimentos básicos para fazer uma boa pizza e termina tendo que colocar ketchup.
Destaca-se ainda o fato de que o ser humano tem um gosto especial pelas novidades. No entanto, este gosto exagerado pelo que é novo muitas vezes faz com que não se questionem os benefícios da sua adoção. Fato ainda mais grave quando verificado que a maioria das “novas opções” vêm e vão, sem que haja um esclarecimento a respeito de suas influências nos resultados zootécnicos e financeiros. Outra coisa é a forma avassaladora como essas novas opções surgem, o que induz ao pensamento de que as técnicas já utilizadas ficaram “obsoletas”, um equívoco, pois estas continuam sendo excelente opção. Assim, finalizo com um comentário do dr. Artur Chinelato: “Quando alguém disser que você precisa adotar uma nova técnica ou usar um novo insumo, pergunte em que aquilo será vantajoso para a sua situação. Se a relação custo-benefício ou se o impacto não for favorável, não terá por que aplicar o insumo ou a prática sugerida”. n *Engenheiro agrônomo, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, câmpus de Santa Teresa