Ao leitor
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azer mais com menos. A frase tornou-se um verdadeiro mantra em todas as cadeias produtivas, sejam elas rurais ou urbanas. Na produção de leite não é diferente. A redução de custos, otimização dos processos e aprimoramento da gestão tornaram-se condição necessária para que os produtores se mantenham na atividade. Convenhamos que não é nada fácil para o produtor, envolvido no dia a dia da atividade, ter tempo e cabeça para lidar com tantos desafios. Daí a necessidade, já tantas vezes registrada nas páginas da revista Mundo do Leite, de o país ter um serviço público de assistência técnica e extensão rural que apoie efetivamente o setor produtivo, sobretudo aqueles pecuaristas que não podem arcar com a assistência privada. Nós, da redação, procuramos fazer a nossa parte. A cada edição buscamos abordar assuntos de interesse direto do produtor, para auxiliá-lo na tomada de decisões. Neste número, por exemplo, tratamos de diversos assuntos que afetam diretamente a renda nas propriedades – sejam tecnologias que permitem redução de custos ou, na outra mão, aqueles cuidados no manejo para evitar a frustração dos investimentos. Nossos colunistas, como sempre, abordam assuntos técnicos da maior relevância para orientar o produtor. Boa leitura!
Sérgio de Oliveira
Mundo do Leite
Capa 10
A silagem de grão úmido, um alimento concentrado energético, ganha cada vez mais adeptos entre produtores de leite pelo menor custo de produção
Entrevista
4 Carla Bittar: o que fazer do nascimento da bezerra ao 1º parto
Nutrição
8 Na hora de tirar o gado do cocho e voltar ao pasto, atenção!
Qualidade
16 Sólidos do leite: quanto mais, maior a remuneração do produtor
Genética
18 Sêmen sexado acelera a melhoria do rebanho e a produtividade
Produtor Secreto
20 E segue o jogo: mais piquetes para garantir o trato da vacada
Saúde animal
22 O uso de antibióticos não pode ser uma panaceia
Colunistas
6 Christiano Nascif: quanto vale a assistência técnica de qualidade? 14 Marcos Veiga: oportunidades para combater a mastite 24 Alexandre Pedroso: a melhor alternativa para aleitar as bezerras
É uma publicação bimestral da DBO Editores Associados Ltda., com circulação em fevereiro, abril, junho, agosto, outubro e dezembro.
Diretores
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COMERCIAL/Marketing
Daniel Bilk Costa, Demétrio Costa e Odemar Costa
Editor Edgar Pera
Gerente Rosana Minante
Diretor Responsável
Demétrio Costa Redação
EDITORAÇÃO
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Edson Gonçalves Colaboradores
Cris Olivette, Fernanda Yoneya, Luiz Antonio Cintra e Tatiana Souto
Coordenação Gráfica
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rosana@midiadbo.com.br Executivos de Contas
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São Francisco Gráfica e Editora DBO Editores Associados Ltda.
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Entrevista Carla Maris Machado Bittar Retorno garantido Gerhard Waller (USP/Esalq - DvComun).
ML – E como o produtor sabe que o colostro é de alta qualidade? CB – Ele tem ferramentas para medir isso na propriedade, que são o colostrômetro e o refratrômetro. São duas ferramentas de baixo custo de investimento – com R$ 200 a R$ 300 ele consegue comprar uma das duas ferramentas – e isso é pago muito facilmente. Se conseguir salvar uma bezerra, evitar que ela consuma um colostro de baixa qualidade, já pagou o equipamento.
Carla Maris Machado Bittar, Professora do Departamento de Zootecnia da Esalq/USP com Mestrado na Universidade do Arizona (EUA) e doutorado pela Universidade de São Paulo Mundo do Leite – A partir de que momento o produtor deve começar a cuidar para ter uma vaca parindo em boas condições aos 24 meses de idade? Carla Bittar – Desde o nascimento da bezerra. Ela vai nascer sem imunidade, e aí precisa consumir colostro. Caso essa tarefa não seja bem feita já tem um grande risco de morte desse animal. Para que ele tenha um animal parindo aos 24 meses este animal precisa sobreviver às primeiras semanas e pra isso ele precisa consumir colostro de maneira adequada. ML – E qual é a maneira adequada? CB – Ele tem que consumir pelo menos o correpondente a 10% do seu peso ao nascer nas primeiras seis horas de vida de um colostro de alta qualidade. 4
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ML – Como é o processo? CB – Ele tem que ordenhar a vaca recém-parida e fazer a avaliação. Dependendo da qualidade que for medida ali ele toma a decisão de fornecer ou não fornecer aquele colostro. Se o colostro for de média a baixa qualidade ele não deve fornecer. Vai ter que recorrer ao que a gente chama de banco de colostro. Quando o produtor mede a qualidade e ela é alta, se a vaca produziu mais do que o bezerro precisa, ele congela e guarda o restante para utilizar quando outra vaca não produziu colostro ou em qualidade ou em quantidade necessária para o recém-nascido. Do mesmo jeito que a gente tem banco de leite materno a gente tem banco de colostro na propriedade para esse fim. ML – Passadas essas primeiras seis horas, como proceder? CB – O manejo nutricional é extremamente importante. No começo a bezerrinha não tem consumo de alimentos sólidos suficiente para garantir ganho de peso. É preciso fornecer a dieta líquida, que pode ser ou leite ou uma fórmula comercial que a gente chama de sucedânea. Quanto mais o produtor fornecer deste alimento maior é o ganho de peso, porque o animal está preparado para converter isso em crescimento. Mas ao mesmo tempo tem que fornecer alimento sólido para fazer com que a bezerra vá se habituando
a essa dieta do animal adulto e para que o seu rúmen, o aparelho digestório, comece a se desenvolver para que se possa desaleitar esse animal num período que varia de sessenta a noventa dias. ML – O alimento sólido é fornecido a partir de que momento? CB – Desde os primeiros dias de vida já pode deixar à disposição do animal. Quanto mais cedo ele consumir, mais cedo vai alcançar um consumo que resulte nesse desenvolvimento do aparelho digestório. Ele vai ter um consumo que a gente chama de voluntário, mas quanto mais leite for fornecido menor é esse consumo, então tem que ir trabalhando com isso para que lá por volta de sessenta a noventa dias ele tenha um consumo que permita parar de fornecer a dieta líquida e ele continue ganhando peso. Isso vai ser função exatamente do trato digestório. ML – Qual é a composição básica desse alimento sólido? CB – A gente pode pensar nos alimentos concentrados ou volumosos como dieta sólida, mas para os animais mais jovens o ideal é fornecer só alimentos concentrados, que vão ser misturas basicamente de milho e farelo de soja. Mas é preciso também ter uma fonte de fibra nesse alimento que não necessariamente precisa ser um volumoso, por exemplo um feno picado. Pode ser utilizado, mas tem limites, porque se fornecer muita fibra, muito volumoso para esse animal, o desenvolvimento do rúmen acaba sendo atrasado. Pode-se usar até 5% de feno nesse concentrado, mas também pode utilizar ingredientes como casquinha de soja, polpa cítrica, farelo de trigo, que trazem na sua composição fibra, mas são fibras mais digestíveis pra esse animal que ainda está aprendendo a ser um ruminante. Esses ingredientes podem ter uma proproção um pouco maior, mas não muito.
ML – Tem algum mineral nessa composição? CB – Tem sim. E vitaminas. Do mesmo jeito que a gente utiliza para vaca em lactação, a gente utiliza para esses animais. Existem misturas comerciais que são específicas para animais em aleitamento e elas vão compor essa mistura concentrada, de forma que o animal, ao consumir o concentrado, já está recebendo esses minerais e vitaminas. Não precisa deixar um saleiro como se faz em gado de corte, pro animal lamber. É diferente. ML – Ao terminar a fase de aleitamento a bezerra já vai pro pasto? CB – Quando eu desaleito esse animal, o ideal é manter a mesma dieta, porque o desaleitamento causa um estresse grande. Primeiro tem que deixar a bezerra se acomodar, para depois fazer alterações, como de instalação, e alterações da dieta. Aí já pode começar a fornecer feno, por exemplo. Normalmente, se o manejo permitir, pode começar a fornecer feno uma semana ou duas antes do desaleitamento, pra ela já ir se habituando, e depois do desaleitamento continua fornecendo uma quantidade grande de concentrado, que pode ser de até 2 quilos por dia, e além disso volumoso à vontade. No começo preferencialmente feno, mas lá pelo terceiro ou quarto mês pode começar a fornecer silagem. Se esse animal for alojado em um piquete ele vai voluntariamente começar a pastejar o que estiver disponível. Nesta primeira fase, é importante ter um manejo sanitário bem adequado, redondinho, porque os desafios são muito grandes. Tem muitas diarréias, problemas respiratórios, e muitos problemas com carrapatos, que vão causar a tristeza bovina. Esse começo é bem difícil com relação aos desafios que o ambiente traz. Depois que desaleita, ainda tem alguns problemas com tristeza bovina, mas o animal já não tem mais ocorrência de diarréias, por exemplo, que é a principal causa de morte. Mas há outros problemas: se desaleitar o animal quando ele não está preparado, ele começa a perder peso. Então tem que fazer esse
O maior problema é os produtores economizarem na dieta pós desaleitamento” processo de desaleitamento bem feitinho para não perder o investimento feito na primeira fase. ML – Como saber se foi bem feito? CB – É preciso ter certeza de que o animal está consumindo dieta sólida suficiente, por volta de 1 quilo por dia de concentrado. Quando se interrompe o fornecimento do leite, ele vai aumentar o consumo de dieta sólida. O consumo vai ser acelerado rapidamente. Mas para isso acontecer ele precisa ter esse mínimo de consumo que indica que o trato digestório dele está pronto pra isso. ML – E a próxima fase? CB – Na fase subsequente o maior problema é que os produtores acabam economizando muito na dieta desses animais, a nutrição fica aquém do desejável para que se tenha um animal com taxa de crescimento adequada para que ele chegue à puberdade em idade adequada. Ele deve ter volumosos de boa qualidade e continuar recebendo a suplementação com concentrado. O ideal é que esse animal tenha ganhos acima de 700 gramas por dia para que ele tenha o peso necessário para manifestar puberdade por volta de 12, 13 meses, e consiga emprenhar com 15 meses. ML – Uma vez prenha, qual o cuidado? CB – Depois disso, tem que se preocupar com a dieta pensando que esse animal tem que chegar com peso adequado ao parto, aos 24 meses. Ele precisa chegar com peso e condição corporal adequados porque no início da lactação vai ter que mobilizar reservas para manter sua produção de leite.
ML – Como convencer o produtor de que ele não pode economizar em nenhum momento dessa trajetória? CB – São vários aspectos. Primeiro, esse animal é o que ele está preparando para substituir as vacas que vão deixar o rebanho por diferentes motivos de descarte. Ele tem que olhar esse animal como um investimento de longo prazo. Desde o aleitamento até o animal entrar em produção são 24 meses para que ele comece a ter o retorno desse investimento. Se ele é negligente com as taxas de crescimento, com a nutrição, manejo, e ele começa a estender ainda mais esse período até o primeiro parto, o retorno dele vai demorar mais. Se ao invés de entrar em produção aos 24 ela entrar aos 30 meses, porque ele economizou na dieta e o animal teve um crescimento mais lento, o retorno, ao invés de ser aos 24 meses, vai ser aos 30 meses. É isso que ele tem que pensar. ML – Chegando no momento do parto, as novilhas precisam de algum manejo especial? CB – Como as novilhas ainda não estão com seu peso adulto, que é o crescimento máximo, elas vão terminar esse crescimento durante a primeira lactação. Essa é uma categoria muito exigente, porque além de produzir leite ela vai terminar o seu crescimento. É por isso que a gente vê que da primeira para a segunda lactação tem aumento da produção de leite. Isso não é à toa. É que ela terminou de crescer e na segunda lactação tudo que ela consome é para a produção de leite. Em termos de composição da dieta as primíparas não têm exigência especial, mas se o produtor coloca vacas e novilhas de primeira cria no mesmo lote, as vacas são dominantes e as novilhas acabam tendo menor consumo da dieta. Então, separar é um manejo importante para evitar esses problemas, e entender que esses animais vão produzir menos do que aqueles animais que estão na segunda lactação porque ainda estão em crescimento. Se o produtor fizer tudo certo vai ter um animal com boa produção. Mundo do Leite – ago/set 2018
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Gestão Christiano Nascif Zootecnista, coordenador de assistência do Pdpl-RV do Projeto Educampo/Sebrae e proprietário da Labor rural. E-mail contatos@laborrural.com, tel. (31)3899-5251
Diga que valeu!
O Para os produtores do Educampo, o aumento da renda bruta foi acompanhado do aumento das margens”
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resultado de um programa de assistência técnica e gerencial eficiente, executado por consultores competentes, já é bem conhecido: maior produção de leite com qualidade. Mas é sustentável economicamente? Vale a pena o produtor de leite investir em assistência técnica gerencial de qualidade? Para responder a essas perguntas, utilizamos as informações obtidas dos produtores de leite que participam do Educampo/Sebrae há cinco anos. Mantivemos a mesma amostra de produtores para analisarmos a evolução na produção de leite deste grupo. Os dados se referem ao período de abril/13 a março/18, com os dados econômicos deflacionados pelo IGP-DI maio/18. Esse grupo de produtores, atendido pelo Educampo nos últimos cinco anos, conseguiu aumentar a produção de leite em 32,4% no período de abril-13/ março-14 a abril-17/março-18. Nesse mesmo período a produção de leite no Estado de Minas Gerais reduziu em 6,4%. Impressionantes esses números, não acham? Enquanto os produtores de leite de Minas Gerais, o maior estado produtor do Brasil, reduziram expressivamente a produção, os participantes do Educampo
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em Minas Gerais aumentaram, em média, mais de um terço, no mesmo período. Além de aumentar a renda bruta desses empresários rurais, foram gerados mais empregos e arrecadados mais impostos, em nível municipal, estadual e federal. Para as agroindústrias e cooperativas parceiras representou mais leite na plataforma, aumentando e viabilizando a escala industrial. Entretanto, como muitos sabem, aumentar a renda bruta necessariamente não representa sobrar mais dinheiro no bolso do produtor de leite. Para sobrar dinheiro deve haver margem na diferença entre o preço de leite vendido e o custo total de produção. Para haver margem positiva tem que ter eficiência no processo produtivo, para produzir mais com custos equilibrados. Percebam: custo equilibrado e não custo mínimo! Lembrem-se de que nem sempre o custo mínimo equivale ao lucro máximo! Encontrar esse equilíbrio deverá ser a meta do bom consultor, juntamente com seu cliente, o produtor de leite. Aí está o pulo da vaca! Quando os consultores técnicos entenderem que os seus clientes não são os animais, as lavouras, as pastagens e, sim, o produtor rural, especificamente o bolso deste empresário, a transformação econômica do agronegócio brasileiro será acelerada na mesma velocidade em que as transformações tecnológicas vêm acontecendo. Para os produtores do Educampo, o aumento da renda bruta foi acompanhado do aumento das margens. Mérito dos produtores e consultores, ambos competentes e comprometidos em alcançar o equilíbrio entre ótimo produtivo e o ótimo econômico da empresa rural. Para responder sobre a viabilidade ou não de pagar por uma assistência técnica e gerencial de qualidade, consideramos que se esses produtores não participassem do Educampo, não teriam um crescimento de 32,4% na produção e, sim, um decréscimo de 6,4%, conforme média estadual no período analisado. A diferença entre o volume que eles produzem realmente e o decréscimo na produção, caso eles não participas-
sem do Educampo, foi de 466.271,4 litros no período de cinco anos, por produtor do Educampo. Considerando os custos de produção e o preço médio Cepea-MG de R$ 1,27/L no período analisado, deflacionado pelo IGP-DI maio/18, a margem líquida acumulada por produtor, no mesmo período, foi de R$ 118.432,94. Mas e daí, valeu a pena? Até agora não consideramos o investimento que esses produtores fizeram ao pagar pela assistência técnica e gerencial. Em média cada produtor pagou R$ 500/mês para custear o Educampo e a agroindústria parceira pagou os outros R$ 500/mês/produtor. Foram cinco anos, o que equivale a 60 meses. Portanto o investimento para pagar a assistência técnica e gerencial do Educampo foi de R$ 30.000 por produtor, acumulado no período analisado. Investiram R$ 30.000 em assistência técnica e gerencial de qualidade e alcançaram uma margem líquida de R$ 118.432,94, ambos os valores acumulados durante cinco anos, por produtor. Agora ficou fácil fazer a conta, ou seja, a relação benefício-custo do Educampo positiva em R$184x120mm.pdf 3,94, ou seja,1para cada an foi amarillo pecuaria 05/07/17
Dados técnicos e econômicos da pecuária leiteira em Minas Gerais e do Educampo/Sebrae MG. 3,94 Evolução da produção de leite em 5 anos (% acumulado) Educampo x MG
32,40%
Relação Benefício/Custo da assistência técnica e gerencial do Educampo
- 6,40% Fonte: Sebrae Minas - Período de dados: abril/13 a março/18, IGP-DI: Maio/18
R$ 1 investido no Educampo houve um retorno de R$ 2,94 a mais para o bolso do produtor de leite. A resposta fica para você, atento produtor e leitor dessa coluna: valeu ou não a pena investir na assistência técnica e gerencial de qualidade? 11:02 Diga que valeu, valeu demais!
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Nutrição pastejar categorias menos exigentes, mantendo a alimentação das vacas de produção com volumoso conservado. À medida que aumenta a disponibilidade de pasto, ele vai fazendo a transição da dieta.” Pedroso ressalta que o pasto tem composição nutricional diferente do volumoso conservado, que normalmente é feito de silagem de milho, de sorgo, ou cana-de-açúcar. “Nesse período, a dieta das vacas muda bastante e é preciso fazer a readequação. Um pasto de alta qualidade tem níveis mais elevados de proteína na comparação com o volumoso conservado, por isso, é preciso introduzir concentrados, que podem ser feitos na fazenda ou comprados prontos. Dessa forma, ele poderá manter as características nutricionais da dieta.”
Do cocho ao pasto Com a volta das chuvas, o retorno do gado à pastagem demanda cuidados
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Cris Olivette
rodutores de leite que trabalham com regime de pastejo devem dedicar atenção especial à alimentação das vacas no período de transição, que ocorre entre o final da seca e o início das águas, a partir de meados de setembro. O cuidado é necessário porque os animais que passaram a época de estiagem sendo alimentados com volumoso conservado no cocho poderão voltar a pastejar, desde que não haja evento climático que comprometa o volume e a frequência das chuvas, atrapalhando o crescimento do pasto. “Se tudo correr normalmente, a partir de outubro começa a haver disponibilidade de pasto. No primeiro momento, porém, ele não será suficiente para alimentar todo o rebanho, porque os brotos surgem com o início das chuvas, mas demora um tempo para chegar ao potencial máximo de produção”, afirma o PhD em nutrição de ruminantes, Alexandre Pedroso. O especialista recomenda que o produtor faça escalonamento do rebanho. “Primeiro, ele deve colocar para
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Deslocamento Outra observação importante, segundo ele, é que sempre que as vacas deixam o confinamento e vão para o pasto, os requerimentos para mantença aumentam em função do maior deslocamento dos animais. “A necessidade energética aumenta quando a vaca está em pastejo, sendo muito comum ocorrer queda de produção nesse período de transição. Por isso, é necessário fazer o ajuste na dieta, para que o impacto seja o menor possível.” Segundo ele, eventualmente, se acabar o estoque de volumoso concentrado e não houver pasto e, além disso, o produtor não conseguir comprar volumoso, a solução é oferecer mais concentrado. “Certamente o produtor vai precisar do apoio de um nutricionista para ajustar a dieta com baixíssima inclusão de volumoso. Isso é muito ruim, mas é um cenário que pode acontecer e tornar a dieta cara e menos saudável. Por isso, o produtor tem de fazer de tudo para não ficar sem volumoso conservado.” Conforme o especialista, para fazer o ajuste da dieta o produtor sempre deve contar com a ajuda de um técnico. “Esse profissional tem conhecimento para entender qual é a qualidade do pasto e quais os alimentos disponíveis nos concentrados disponíveis na fazenda. Somente assim é possível obter o balanceamento adequado.” Pedroso reforça a importância de que o produtor tenha em mente o fato de que não é possível controlar o clima. “Para crescer, o pasto precisa de chuva, luz e calor. Por isso, o produtor tem de estar preparado para lidar com adversidades climáticas, tendo volumoso conservado suficiente para suprir um possível atraso das águas, afinal, prevenir é melhor que remediar.” Coordenador do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RJ), Mauricio Salles reforça a recomendação. “O planejamento dos produtores deve ter boa folga para o volumoso do cocho. Se o período de seca é de 120 dias, o volumoso deve ser suficiente para 150 dias ou mais. É sempre bom haver sobra.” Segundo ele, se a pastagem for de boa qualidade será preciso apenas fazer o balanceamento da dieta para
que não ocorra perda de produtividade. “O técnico que acompanha a propriedade tem de avaliar o nível de nutrientes que o volumoso conservado está proporcionando e ir balanceando a dieta para suprir as necessidades do rebanho.” Pesquisador da área de produção animal e conservação de forragens da Embrapa, André Novo avalia que o impacto na produção de leite depende da pastagem em que o gado irá entrar e de qual volumoso ele estará saindo, porque a pastagem bem manejada costuma ter melhor qualidade. “Mas se a pastagem não for suficiente, será preciso continuar com a suplementação feita com alimento concentrado, de acordo com a estimativa de qualidade do pasto.” Solo Novo recomenda que antes do início das chuvas o produtor avalie as condições do solo, porque pode ser necessário corrigir o pH. “Nesse caso, a calagem tem de ser feita antes do início das chuvas. Além disso, se o produtor faz manejo mais intensivo da área, a análise do solo também servirá para definir como será feita a adubação da pastagem no período das águas.”
O pesquisador diz que se o pasto tiver resíduos de capins da família Panicum, será preciso fazer uma roçada antes das águas. “Esse capim fica muito alto e seco, a roçada é importante para deixar a área uniforme. É bom eliminar esse material que já está muito passado e que se não foi comido pelos animais é porque deve estar com qualidade muito baixa.” Salles acrescenta que essa transição costuma ser mais tranquila para quem trabalha com irrigação de pastagem, porque mesmo na estiagem pode dar pasto ao rebanho, intercalado com volumoso. “A irrigação tem facilitado a vida do produtor no período de transição. Muitos mantêm o primeiro lote da propriedade sendo alimentado com pasto, mesmo na entressafra, sem a necessidade de oferecer volumoso. Isso é muito bom, porque mantém a alimentação do gado que está dando mais retorno à propriedade, evitando o risco de queda na produção no período de transição.” O coordenador alerta, no entanto, que só pode pensar em instalar sistema de irrigação quem tem água na propriedade. “Além disso, a irrigação tem de estar associada à fertilidade do solo e ao manejo correto da pastagem.”
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Segredos do grão úmido Colheita antecipada produz alimento com menor custo nas propriedades leiteiras
Para bovinos, é recomendável quebrar o grão em cinco ou seis pedaços
Professor Ciniro Costa, da FMVZ da Unesp de Botucatu
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Fernanda Yoneya
om vantagens agronômicas, zootécnicas e econômicas comprovadas, a silagem de grão úmido, como alimento concentrado energético, ganha cada vez mais adeptos entre os produtores de leite. Mas, assim como a silagem de planta inteira (alimento volumoso), é fundamental que sejam adotados cuidados, da escolha da variedade e colheita à abertura do silo, para garantir um nutriente de boa qualidade. Características como adaptação à região, produtividade e sanidade são fundamentais na escolha de um híbrido para este fim. O milho é a planta mais indicada para a produção desse tipo de material, desde que colhida no chamado “ponto ótimo” de corte e devidamente armazenada. Outros grãos de cereais, no entanto, também são opção para o produtor: sorgo e milheto (cereais de verão) e triticale, aveia, centeio e cevada (cereais de inverno). Uma das vantagens desse alimento em relação ao volumoso de grãos secos é a colheita antecipada em três a quatro semanas, o que permite adiantar a instalação de outra cultura (milho safrinha, sorgo ou culturas de inverno). Além disso, há menos perdas por tombamento de plantas e grãos que “espirram”
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da colheitadeira, assim como a redução do ataque de pássaros, carunchos e fungos (menor risco de micotoxinas). Também não é necessário fazer a pré-limpeza e secagem dos grãos, que podem ser armazenados por longo período sem alterações do valor nutricional. “A silagem de grãos úmidos é o produto da conservação de grãos de cereais logo após a maturação fisiológica, com teor médio de umidade de 28%”, resume o professor Ciniro Costa, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu. “O armazenamento de grãos úmidos na forma de silagem é cerca de 10% mais econômico em relação à conservação na forma de grãos secos, principalmente por eliminar as etapas de pré-limpeza, secagem e monitoramento dos grãos ensilados”, diz Ciniro. “A utilização de animais cada vez mais produtivos têm obrigado técnicos e produtores a buscar alternativas que permitam atender a maiores exigências nutricionais sem comprometer a viabilidade econômica do sistema. Nesse contexto, a ensilagem de grãos úmidos de cereais vem se destacando pela maior eficiência na conservação de alimentos concentrados energéticos para a alimentação animal.” No caso do milho, a maturação fisiológica ocorre aos 50-55 dias após a polinização ou “espigamento”, independentemente do híbrido e da época de semeadura. “A maturação fisiológica se caracteriza pelo momento em que cessa a transferência de nutriente da planta para a formação dos grãos. Quando falamos de milho, temos a formação de uma ‘camada preta’ na base dos grãos. Nessa fase os grãos apresentam teores de amido e umidade elevados, ao redor de 30% a 32%”, afirma o professor, titular do Departamento de Melhoramento e Nutrição Animal. Para determinar o momento correto da colheita no campo, o produtor ou um técnico deve selecionar espigas de diferentes pontos da lavoura. Elas são quebradas ao meio para que a “camada preta” seja identificada na base do grão. Isso ajuda a detectar a umidade entre 32 e 35% – ponto de maturação fisiológica. Segundo professor da Unesp, a colheita com umidade acima de 35% implica menor produtividade, uma vez que os grãos ainda não estão completamente
Silos bag são uma boa opção de armazenamento da silagem de grão úmido, que é oferecida diariamente ao rebanho
formados. Já a colheita com teor de umidade abaixo de 25% não permite uma boa conservação na forma de silagem. “Na alimentação de ruminantes, a silagem de grãos úmidos, por ser um alimento concentrado energético, complementa a silagem de planta inteira como volumoso.” Quirera Para a ensilagem de grãos úmidos, a colheita é feita com a mesma colheitadeira utilizada para grãos secos. Em seguida, os grãos devem ser transportados até o silo e triturados ou esmagados a fim de facilitar a compactação. Os grãos úmidos devem ser triturados na forma de quirera – o grau de trituração dos grãos, segundo Ciniro, varia conforme o animal. Para bovinos, a recomendação é quebrar o grão em 5 a 6 pedaços. “Com isso, reduz-se a velocidade de passagem pelo trato digestório, o que pode ser conseguido com o triturador sem a peneira.” No caso da ensilagem de grãos úmidos, conforme o professor, não se recomenda usar silos em superfície, porque, como eles não têm paredes laterais,
dificulta a compactação. A dica é optar pelos silos do tipo trincheira ou “bag”. “No caso do silo trincheira é necessário revestir o silo com alvenaria ou lona plástica para que o material não entre em contato com o solo, evitando perdas elevadas.” Para o enchimento dos silos tipo “bag” é necessária a utilização de maquinários específicos – as chamadas embolsadoras de grãos úmidos. “Para utilização dessa técnica, o produtor precisa fazer uma avaliação criteriosa em relação à aquisição dos equipamentos, colocando na ponta do lápis os custos.” O silo de grãos úmidos, segundo Ciniro, pode ser aberto após 30 dias. Como a silagem sofre um processo de deterioração após a abertura do silo, a recomendação do professor da Unesp é dimensionar corretamente o silo de maneira que permita a retirada diária, sem interrupção, de, no mínimo, 15 centímetros de toda a superfície frontal do silo. “O silo de grãos úmidos deve ser bem dimensionado para evitar perdas, considerando o número de animais a serem alimentados e que, em média, um metro cúbico de silagem pesa uma tonelada.”
A silagem de grãos úmidos, um alimento concentrado energético, complementa a silagem de planta inteira como volumoso”
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Comida boa e barata Primos produzem silagem de grão úmido com um olho no mercado
Os primos Roderik van der Meer (à esq.) e Robin Vink
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A Fazenda Vale do Jotuva, em Carambeí, PR, utiliza a silagem de grão úmido de milho desde meados de 2016. “Se fosse para produzir milho grão para comercialização, este passaria pelos processos de recepção e secagem, gerando custos consideráveis. Se faço silagem de grão úmido, pulo estas etapas e evito esses custos. Também economizo no frete, já que evito pagar o transporte da lavoura para o armazém, e depois de uma fábrica de rações para a fazenda. Ou seja, verticalizo a produção da fazenda”, diz o produtor Roderik Wouter van der Meer, que administra a propriedade com os primos Robin Vink, gestor da área de pecuária de leite, e Peter Vink, responsável pelo setor de integração e manutenção da fazenda. “Outra vantagem se deve ao fato de o processo de ensilagem do grão úmido aumentar a digestibilidade do milho em comparação ao milho seco, ou fubá”, afirma. “A quantidade de milho fornecida ao gado pode variar conforme o custo do milho. Se o milho está mais caro no mercado, optamos por aumentar a proporção de grão úmido na dieta e diminuir a proporção de milho na ração. Milho mais barato, diminuímos um pouco o grão úmido e aumentamos a proporção de milho na ração fornecida pela cooperativa”, contam os primos.
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Eles afirmam que já testaram vários híbridos para a silagem de grãos úmidos e notaram que aqueles que produzem grãos maiores facilitam o serviço de moer e ensilar o grão úmido. “Os processos ficam um poucos mais rápidos. Atualmente, buscamos um híbrido com alto teto produtivo e boa sanidade de grão.” Ponto certo A fazenda segue recomendações técnicas, da escolha da variedade ao fornecimento da silagem aos animais. “Tentamos começar a colheita do milho grão úmido quando o grão está com umidade em torno de 35%. Vamos tirando amostras das espigas de milho e, quando chega próximo aos 35%, iniciamos a colheita. À medida que o milho vai secando, vamos aos poucos adicionando água, no momento de moer os grãos. Quanto mais seco, mais água adicionamos”, afirmam Roderik e Robin. Segundo os produtores, com o milho com maior teor de umidade, o processo de moagem fica mais lento, mas necessita de menos água. Já com o milho mais seco o processo de moagem é mais rápido, porém há um maior consumo de água na reidratação. A própria máquina que faz a moagem já ensila o material, dentro de silos bolsa. “O milho triturado é prensado dentro do silo bolsa, garantindo a compactação e o isolamento do ar.” A Vale do Jotuva tem, atualmente, um plantel de 1.100 animais, entre bezerras, novilhas, vacas secas e vacas em lactação (550). A média de produção diária é de 37 litros de leite por animal. A área total de lavoura da fazenda é de em torno de 700 hectares, dos quais 180 hectares são para produção de milho silagem e outros 80 para produção de milho grão úmido. Na propriedade, o silo é aberto após 60 dias. “Deve-se retirar uma fatia considerável da silagem a cada dia, para que o material não estrague. Aqui, retiramos em torno de 30 centímetros. O material deve ser consumido de preferência no mesmo dia.” Para os animais em produção, a Vale do Jotuva trabalha com teto de 5 quilos/animal/dia. “Como a silagem de grão úmido de milho tem uma alta digestibilidade do amido presente no grão, deve-se trabalhar com uma dieta especialmente preparada para a inclusão do grão úmido para evitar a ocorrência de acidose no rúmen (produção excessiva de ácidos).” Roderik diz que, se o material permanecer em ambiente compactado e isolado do ar, pode ser armazenado por vários anos. “Mas evitamos ensilar produção para mais de um ano e meio de consumo.” Os primos alertam, no entanto, que a silagem de grãos úmidos deve compor uma dieta equilibrada e balanceada, com acompanhamento técnico. “A falta de equilíbrio da dieta pode provocar problemas de casco, locomoção e reprodutivos no gado.”
Qualidade Marcos Veiga Professor Associado da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, campus de Pirassununga, SP.
Vale a pena o investimento no controle de mastite?
Q
Considerando a atual situação do controle de mastite no Brasil, devese considerar como uma grande oportunidade que muitas medidas simples e de baixo custo ainda não são largamente utilizadas
uando as margens de lucratividade são cada vez mais estreitas, é necessário focar a gestão da fazenda leiteira em duas frentes: a) buscar melhoria no preço do leite e, b) reduzir os custos de produção. Nestas duas situações, as fazendas com problemas de mastite são afetadas negativamente em relação à lucratividade. Em relação ao preço do leite, a contagem de células somáticas (CCS) do tanque tem sido usada como critério de qualidade em todos os sistemas de valorização da qualidade do leite, os quais incluem faixas de bonificação e de penalização do preço. Por exemplo, a maior bonificação do preço do leite ocorre quando a fazenda produz leite com CCS < 200.000 células/ml, mas ocorre desconto do preço quando o leite tem CCS > 400.000 células/ml. Os sistemas de valorização da qualidade do leite com base na CCS funcionam como uma clara sinalização ao produtor de qual o padrão de qualidade desejado pelo laticínio e pelo mercado, e quanto estão dispostos a pagar a mais por esta qualidade diferenciada. Do outro lado da equação de lucratividade, os custos de produção de leite, a mastite é considerada a doença do gado leiteiro que mais gera prejuízos na produção leiteira, o que indica que quando a fazenda consegue atingir sucesso no controle desta doença, há claros benefícios em termos de redução das perdas de produção causadas pela mastite subclínica, de diminuição de custos de tratamentos e da quantidade de leite descartado e de descartes involuntários. Atualmente, existem diferentes recomendações técnicas para prevenção e controle de mastite, sendo que as principais medidas já foram avaliadas cientificamente quanto à eficácia em diferentes sistemas de produção. No entanto, em razão de a mastite ser uma doença multifatorial, nenhuma medida aplicada de forma isolada apresenta sucesso total no controle da doença. Além disso, deve-se considerar que nem todas as recomendações de controle têm a mesma eficácia e retorno financeiro em todas as fazendas, o que
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significa que algumas medidas podem ter ótimo resultado em algumas fazendas e resultado insatisfatório em outras. Ou seja, dependendo da fazenda, algumas medidas de controle podem ser prioridades, enquanto outras medidas não. Desta forma, o controle e prevenção da mastite deve ser feito por um conjunto de medidas, as quais devem ser aplicadas simultaneamente, de acordo com as prioridades e as particularidades de cada fazenda. Para a avaliação do custo:benefício de algumas medidas deve-se considerar que a sua eficácia máxima somente é obtida com bom treinamento de mão de obra, visto que a qualidade dos procedimentos pode fazer toda a diferença e não somente o fato de usar ou não um determinado produto ou procedimento. Por exemplo, os produtos para desinfecção de tetos somente apresentam eficácia máxima
se forem usados de forma correta, aplicando-se o produto em toda a superfície dos tetos que entra em contato com a teteira. A tomada de decisão sobre utilizar ou não uma determinada medida de controle pode ser feita com base em recomendações de especialistas e nos resultados de estudos científicos. Nesta situação, os resultados de estudos que avaliaram a relação custo:benefício da aplicação de medidas de controle de mastite em fazendas leiteiras usaram como respostas de eficácia a redução da CCS do tanque e da incidência de mastite clínica. Estes estudos buscaram identificar dentro de um conjunto de medidas (Quadro 1) recomendadas para o controle de mastite, aquelas que trariam o maior retorno econômico para o produtor, com base em simulações de custo de cada medida, considerando o custo do produto e mão de obra, descarte de leite e outros serviços envolvidos numa fazenda leiteira média. Com base em estudos de simulação de custo: benefício, dentre este conjunto de medidas para controle de mastite, a desinfecção dos tetos após a ordenha (pós-dipping) é a que tem o maior efeito na redução da CCS do tanque e da incidência de mastite clínica, tanto para agentes contagiosos quanto para ambientais. No outro extremo, o uso de luvas durante a ordenha teve o menor impacto em ambos sobre a redução de incidência de mastite clínica causada por agentes contagiosos e ambientais. Em relação às demais medidas, houve grande variação da resposta em relação aos agentes ambientais e contagiosos, o que indica que é importante considerar as características especificas de cada fazenda para aplicação das outras medidas. Considerando a análise de custo:beneficio, as medidas com retorno positivo em relação ao custo investido são: a) uso de terapia de vaca seca, b) lavar a unidade de ordenha com água quente (ou enxágue com solução desinfetante) depois de ordenhar vacas com mastite clínica; c) utilização de papel toalha descartável; d) manter vacas de pé após a ordenha; e) uso de luvas pelos ordenhadores durante toda a ordenha. No dia a dia de uma fazenda leiteira, fazer uma avaliação de custo:benefício como rotina é uma atividade trabalhosa e complicada, pois muitos dos fatores que influenciam os custos e os benefícios são difíceis de ser controlados. Muitos produtores e técnicos tomam decisões baseados somente na eficácia de uma determinada estratégia, sem levar em consideração a relação custo:benefício. O mais comum é que medidas com maior eficiência sejam adotadas e aquelas que implicam maiores custos sejam evitadas. No entanto, a avaliação da relação custo:benefício pode revelar que as medidas com as maiores eficácias não são necessariamente aquelas com a melhor relação custo:benefício. Um exemplo bastante comum é o pós-dipping, cuja
Quadro 1– R elação das principais medidas de controle para avaliação da relação custo: benefício 1. Manter as vacas em pé por pelo menos 30 min, depois da ordenha 2. Reduzir superlotação das vacas nas instalações 3. Limpeza das baias duas vezes por dia e manter material de cama limpo 4. Ordenhar por último todas as vacas com mastite clínica 5. Ordenhar por último todas as vacas com CCS elevada (> 250.000 células/mL) 6. Utilizar papel tolha descartável para secagem dos tetos antes da ordenha 7. Lavar tetos sujos com água e secar antes de colocar a unidade de ordenha 8. Retirar os primeiros jatos antes da ordenha em todas as vacas 9. Uso de luvas pelos ordenhadores durante toda a ordenha 10. Desinfecção dos tetos com produto para pós-dipping 11. Depois de ordenhar uma vaca com mastite clínica, a unidade de ordenha é lavada com água quente antes do uso em outras vacas 12. Depois de ordenhar uma vaca com mastite subclínica, a unidade de ordenha é lavada com água quente antes do uso em outras vacas 13. Substituir teteiras de acordo com recomendação técnica 14. Usar protocolo de tratamento de mastite clínica com veterinário e avaliação mensal dos protocolos empregados 15. Tratamento de vacas secas em todas as vacas na secagem 16. Adequada suplementação mineral para vacas secas 17. Fornecer dieta balanceada para as vacas Fonte: adaptado de Huijps et al, J. Dairy Sci. 93 :115–124, 2010.
eficácia é indiscutível e bastante alta, mas não é geralmente classificada dentro das medidas com maior retorno em termos de custo:benefício. Por outro lado, o uso de luvas durante a ordenha, ainda que não apresente alta eficácia, é altamente vantajosa em termos de custo:benefício, pelo seu baixo custo de implantação. Considerando a atual situação do controle de mastite no Brasil, na qual mais da metade dos produtores apresentam resultados de CCS do tanque > 400.000 células/ml, deve-se considerar como uma grande oportunidade que muitas medidas de controle simples e de baixo custo ainda não são largamente utilizadas. Estas medidas simples podem trazer retornos positivos tanto em termos de eficácia no controle de mastite quanto em termos de relação custo:benefício. Em grande parte, isso ocorre porque uma parcela dos produtores desconhece os benefícios de medidas simples de controle ou não obtém os resultados esperados em razão da aplicação inadequada, o que leva ao descrédito e abandono como rotina de manejo. Não se pode deixar de considerar que os benefícios das medidas de controle são maiores nas fazendas com maiores deficiências de controle ou que não aplicam qualquer tipo de prática de manejo para o controle e prevenção da mastite, do que naquelas em que a mastite já está controlada. Mundo do Leite – ago/set 2018
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Qualidade
Jóias do leite Quanto maior os teores de gordura, proteína e lactose no leite processado, maior será a quantidade de derivados lácteos produzidos Cris Olivette
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anto a qualidade quanto a quantidade de alimentos lácteos produzidos pela indústria dependem do teor dos elementos presentes na composição do leite. A água representa de 87% a 88% da composição total. A outra parte, conhecida como extrato seco total (EST) ou sólidos totais (ST), corresponde a 12% ou 13% e é formada, majoritariamente, por gordura (30%), proteína (26%) e lactose (37%), além de minerais como cálcio, fósforo, potássio, zinco e magnésio, e vitaminas como A, B2, B6, B12 e tiamina. Médica veterinária e pesquisadora da Clínica do Leite da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Janielen da Silva explica que quanto maior o teor de ST no leite processado, maior será a quantidade de derivados lácteos produzidos. “Por isso, as indústrias costumam pagar os produtores por porcentagem de ST”, diz. Janielen conta que para padronizar a qualidade do leite produzido no Brasil, o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) criou norma estabelecendo em 3% a porcentagem mínima de gordura. “Cada empresa estabelece valores de bonificações ou penalizações, conforme a porcentagem de gordura. Assim, um produtor que comercializa leite com 3% a 3,29% de gordura pode não receber bonificação, mesmo estando dentro dos padrões.” A pesquisadora afirma que a importância dada à porcentagem de gordura do leite está relacionada à obtenção de produtos com melhores características organolépticas como cor, aroma e sabor. “Leite mais gordo resulta em maior rendimento e melhor textura de queijos e manteigas.”
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Queijo “gordo” Pesquisador do Laboratório Qualileite da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/USP), Cristian Marlon de Magalhães Rodrigues Martins diz que a gordura é o componente mais variável do leite e um fator importante para a produção de cremes, natas e queijo ‘gordo’, como roquefort e gorgonzola, além de iogurtes do tipo grego. Em relação à proteína do leite, o zootecnista explica que a caseína é a principal, representando de 70% a 80% da proteína total. Ele diz que a caseína é formada por agregado de moléculas chamadas micelas, constituídas por subunidades de caseínas (alpha, beta e kappa-caseína). “Há, também, as proteínas do soro, como alpha-lactalbumina, beta-lactoglubulina, lactoferrina. No processamento do queijo, as micelas coagulam e geram a ‘massa’ do queijo, enquanto as proteínas do soro são usadas na produção de ricota e do suplemento ‘whey proteins’.” Martins diz que a lactose também é de grande importância para o rendimento do leite concentrado, condensado e leite em pó. Janielen afirma que o Mapa também estabelece limite para o teor de proteína do leite, que deve ser de, no mínimo, 2,9%. “Quanto menor a quantidade de caseína, menor o rendimento dos derivados lácteos. Por isso, as empresas têm programa de pagamento sobre a porcentagem de proteína.” Ela conta que diversos fatores influenciam nas concentrações de gordura e proteína, tais como características genéticas, aspectos ambientais, nú-
Dieta, conforto e raça Martins afirma que, para aumentar o teor de gordura do leite, o produtor deve oferecer comida suficiente, que permita de 3% a 5% de sobras, com grande oferta em horas frescas do dia. Segundo ele, a dieta deve ser totalmente misturada, com tamanho de fibra adequado. Em sistemas que utilizam silagem de milho como volumoso, o ideal é que 75% das partículas tenham mais de 8 mm, para estimular o animal a ruminar e produzir mais saliva, aumentando a digestibilidade das fibras. Dessa forma, é possível elevar os teores de gordura e proteína. “As dietas oferecidas às vacas leiteiras costumam ser deficientes em metionina, aminoácido essencial que limita a síntese de proteína do leite. Fornecer metionina protegida ajuda a balancear os aminoácidos absorvidos
mero de parições, estágio da lactação, mastite, nutrição etc. Níveis ideais “A alimentação das vacas em lactação é responsável por aproximadamente 50% da variação da gordura e da proteína do leite, sem grandes alterações na concentração de lactose. A gordura é o elemento de mais fácil alteração e pode ser modificada a médio e longo prazo. Já os teores de proteína são difíceis de serem alterados, mesmo com mudanças na dieta.”
no intestino da vaca, resultando em aumento de 3,1% para 3,2% a 3,3% do teor de proteína do leite.” Ele também ressalta a importância da climatização das instalações para mitigar os efeitos do estresse térmico, que impacta no teor de sólidos do leite, porque faz com que o animal selecione o concentrado e acabe ingerindo menos fibra, fator de risco para o teor de gordura no leite. “Outro ponto que influencia na variação de sólidos é a raça do animal. Animais da raça Jersey têm maior conteúdo de sólidos no leite, seguidos pelos da raça Pardo Suíço, Holandesa e os resultantes de cruzamento com animais da raça Holandesa. Já as variações dentro de uma mesma raça podem ser associadas a características genéticas, nutricionais, conforto e manejo”, afirma Martins.
Segundo ela, para alcançar níveis ideais de gordura e proteína é necessário manter a dieta das vacas balanceada. Assim, é primordial manter adequados os níveis de concentrado e proteína da dieta, para conservar a saúde ruminal e a concentração dos componentes produzidos pela glândula mamária. “Além disso, doenças como a mastite podem acarretar alterações nos teores de proteína e gordura, entre outras enfermidades. O produtor deve ficar atento e realizar análises de amostras de leite do tanque de resfriamento e de amostras individuais, para monitorar a qualidade.”
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Genética
Sexo acelerado As principais vantagens do uso de sêmen sexado no gado leiteiro
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Tatiana Souto
om seria se em um rebanho leiteiro as parições resultassem unicamente em bezerras e não seguissem à risca a implacável lei das probabilidades, que invariavelmente dá ao pecuarista, nos nascimentos do plantel, um mix próximo a 50% de fêmeas e 50% de machos. Mas, se em condições naturais a “desobediência” a essa lei não é possível, no laboratório passa a ser, por meio da produção do chamado “sêmen sexado”. Em linhas gerais, trata-se de uma tecnologia em que os espermatozoides que vão resultar em fêmeas são separados daqueles que resultariam em machos após a fecundação do óvulo. Ou seja, obtém-se uma paleta de sêmen com predominância de espermatozoides “fêmeas”. Emprenhada com esse sêmen manipulado em laboratório, a probabilidade de a vaca parir uma bezerra aumenta para cerca de 90%. Atualmente, conforme estatísticas da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia), por volta de 10% dos rebanhos leiteiros que lançam mão da técnica de inseminação artificial já empregam o sêmen sexado e a expectativa é crescer este ano. “Em 2017, de cada 100 paletas comercializadas de sêmen, 12 eram sexadas, o que deu um total de 400 mil doses deste
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último, de um total de 4 milhões vendidas”, informa o presidente da associação, Sergio Saud. “Para este ano, esperamos que essa proporção aumente para 15% a 20%”, diz o executivo, acrescentando que, no mercado pecuário, a tecnologia é utilizada em rebanhos leiteiros e que a taxa de uso pelo pecuarista está ligada ao valor do litro de leite. “Como é uma ferramenta mais cara do que a convencional, o produtor abdica dela em tempos de menor rentabilidade.” Quanto às raças, no Brasil o produto mais procurado é o do Holandês, seguido do Jersey (ambas com sêmen importado), do Girolando e do Gir. Há várias vantagens no emprego do sêmen sexado, diz o médico veterinário Valério Paim, gerente regional da Alta Genetics no Rio Grande do Sul. Ele explica que é um método interessante para o pecuarista crescer e repor mais rapidamente o rebanho de vacas leiteiras, em vez de comprar fora gado de reposição, e também de diminuir a taxa de descarte de bezerros machos. Além disso, é possível acelerar o melhoramento genético. “Com o sêmen sexado, o produtor tem uma porcentagem bem maior no nascimento de fêmeas, ampliando o leque e facilitando a escolha das cabeceiras de rebanho”, diz Paim. O fato, também, de as fêmeas nascidas serem filhas de touros melhoradores – pois as centrais de inseminação geralmente abrigam animais provados – garante esse salto no padrão do rebanho. Menos risco O médico veterinário André Thaler Neto, professor e diretor do ensino de graduação da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), especialista em melhoramento animal, acrescenta que outra vantagem do uso da tecnologia é que se reduz o risco de partos “distócicos”, ou seja, problemáticos, já que as bezerras geralmente são menores ao nascer e passam mais facilmente pelo canal de parto, com menos intercorrências. Thaler Neto recomenda, ainda, que a técnica do sêmen sexado seja utilizada nas melhores vacas do rebanho, para adiantar o ganho genético. “Usa-se o sexado nas vacas e novilhas de ponta; as demais continuam a ser inseminadas com o sêmen convencional”, explica. “Na verdade, trata-se de usar a ferramenta não como estratégia isolada no rebanho, mas com um conjunto de medidas”, continua o pro-
fessor. Uma delas é preferencialmente adotá-la em novilhas (que, jovens, são mais fáceis de emprenhar) e em vacas com excelente condição reprodutiva. Saud, da Asbia, assinala que o sêmen sexado tem uma quantidade menor de espermatozoides do que o convencional, o que reduz a chance de prenhez. “Se numa paleta comum contamos com cerca de 20 milhões de espermatozoides, o sexado tem entre 2 milhões e 4 milhões”, explica. “Para se produzir uma dose de sêmen sexado há uma perda muito grande de doses”, diz o representante da Asbia. “Essa perda, por si só, já eleva o custo de produção, além da própria tecnologia em si.” Isso reforça a recomendação de só inseminar animais em ótima condição reprodutiva, para garantir um sucesso maior na taxa de prenhez. “As que não emprenharam acabam sendo submetidas ao repasse com o sêmen convencional”, complementa Thaler Neto, confirmando que, de fato, com o produto sexado a taxa de sucesso pode cair para 70% a 80% de vacas fecundadas, quando trabalhos mostram que uma porcentagem excelente nesse quesito seria de pelo menos 90%. “Entretanto, em programas bem feitos com o uso de sêmen sexado este custo adicional acaba se diluindo ao longo do tempo, em função das vantagens de se obterem mais fêmeas – que é o que interessa a um rebanho leiteiro – e do melhoramento genético do rebanho, que garante maior produtividade”, diz o professor. Objetivos Valério Paim faz uma comparação: “Se uma paleta do sêmen convencional vale, por exemplo, R$ 100, a paleta do sexado vai custar entre R$ 150 e R$ 160”, diz. “Também em função do preço, o produtor que optar por usar sêmen sexado deve ter bem claro para onde ele quer direcionar o rebanho”, complementa o veterinário da Alta Genetics. “Para isso, é bom o pecuarista contar com um suporte técnico, identificando o principal objetivo que se quer alcançar, como,
por exemplo, crescer rapidamente o rebanho de fêmeas ou investir pesado no melhoramento gradual do plantel”. Ele assinala, porém, que se o rebanho for de muito baixa qualidade genética “não vai ser só com a utilização do sêmen sexado que ele vai resolver o problema”, restando inúmeras medidas anteriores a serem cumpridas até que se consiga um padrão mínimo no plantel para valer a pena usar a tecnologia. “Se o produtor não conta com um bom esquema reprodutivo e de melhoramento genético, o rebanho começa apenas a virar uma ‘máquina de fazer fêmeas’, sem muito sentido”, concorda Thaler Neto. O professor da Udesc adverte, ainda, que o produtor não pode se sentir tentado a usar um sêmen sexado, mais caro, porém de menor valor genético em relação ao sêmen convencional que ele geralmente aplica no rebanho. “O produtor pode comprar o sêmen de um touro cujas doses são proporcionalmente mais baratas em relação ao sêmen convencional”, alerta. “Se ele tomar essa atitude, dá uma marcha à ré no melhoramento”, continua. “Assim, deve usar o sêmen sexado de touros com o mesmo valor genético que ele usaria no sêmen convencional.” Outro ponto de atenção é que nem mesmo o sêmen sexado garante que 100% das crias sejam fêmeas. A taxa de “risco” de nascer um macho a partir do sêmen sexado gira em torno de 10%, explica Paim. De todo modo, é um problema bem menor do que quando se usa sêmen convencional, que resulta em maior número de machos nascidos. “Em regiões muito especializadas em leite, é difícil encontrar um destino para o bezerro macho, que tem um valor comercial muito baixo; e, como há a atual tendência de se pensar no bem-estar animal, o sêmen sexado contribui para solucionar o ‘problema’ do bezerro macho”, complementa o professor da Udesc. E, nessas mesmas regiões, o maior nascimento de fêmeas permite que o pecuarista conte não só com um número maior de animais de reposição como passe a comercializar a “sobra” do rebanho – as valorizadas fêmeas.
Valério Paim, gerente regional da Alta Genetics no Rio Grande do Sul
MUITO MAIS LEITE. COM MAIS QUALIDADE.
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Capítulo 6
Aprendendo com os erros
Bezerrada nova é sinal de aumento da produção de leite, estimada em cerca de 4.000 litros em julho
Cana com ureia e concentrado garantem a comida na estação seca, com maior fartura para as vacas em lactação
econheço que errei ao comprar as vacas. Tudo que o técnico disse que ia acontecer, aconteceu”. Essas foram as primeiras palavras do nosso produtor secreto na visita que fizemos em 17 de julho. Foi uma grande notícia. Enfim, depois de um ano de projeto, o produtor reconhecia que a palavra do técnico era relevante, e não apenas uma fonte de trabalho extra – como fazer mensalmente as anotações zootécnicas, climáticas e econômicas. “Avançamos”, pensei. Para quem não acompanhou a história da compra das vacas, segue um resumo: No mês de junho, o produtor secreto comprou 15 vacas girolando de idades variadas, das quais dez em lactação, acompanhadas de bezerros e bezerras ainda mamando. As novas vacas não vieram com as anotações zootécnicas recomendáveis. Ou seja, para saber quais estavam prenhes e qual o nível de produção de leite, somente começando o trabalho
do zero. Outro problema: na entrada da seca, eram mais 24 animais, entre vacas e bezerros, a serem alimentados no cocho, aumentando o custo geral de produção. Os piquetes estão em pousio e a área de várzea, que se mantinha um pouco verde mesmo no inverno, foi “torrada” por uma geada. O exame de toque realizado logo depois da chegada do gado revelou que as vacas com bezerro ao pé estavam vazias. Apesar do aumento expressivo na produção de leite – acompanhado de bons preços neste período – , aos poucos as vacas vão secar e passar um ano inteiro sem produzir, apenas consumindo. Em nome de uma “oportunidade”, o produtor havia contrariado várias recomendações do técnico, inclusive a de adquirir uns poucos animais prestes a parir, com maior período de lactação e que não necessitassem de bezerro ao pé para produzir leite.Mas não adianta chorar sobre o leite derramado.
“R
A revista Mundo do Leite e seus parceiros estão proporcionando assistência técnica especializada a um produtor de leite com o propósito de mostrar que a atividade é rentável quando gerida de forma profissional. Acompanhe o passo a passo deste projeto pioneiro inovador páginas da revista e no Portal DBO. Inspire-se! Mundo edo Leite – nas fev/mar 2018
A
Números do rebanho Agosto 2017 Rebanho: 45 animais Vacas em lactação: 6 Vacas secas: 12 Novilhas vazias: 15 Bezerras: 5 Bezerros: 5 Touros: 2 Área de pecuária: 12 ha Área prevista de piquetes: 1,79 ha
Os piquetes estão em pousio, até a chegada das chuvas. Novos módulos serão formados a partir da volta das chuvas
Julho 2018 Rebanho: 66 animais Vacas em lactação: 20 Vacas secas: 8 Novilhas vazias: 4 Bezerras: 18 Bezerros: 14 Touros: 2 Área de pecuária: 12 ha Área atual de piquetes: 1,79 ha Área para novos piquetes: 1,2 ha
A geada do início de julho não perdoou a área de várzea, que sempre garantia algum capim verde na seca
Reconhecer o erro é o primeiro passo para avançar. Confiar no técnico é o segundo. O produtor secreto não é exceção, mas sim a regra entre os produtores. Demorou até perceber que o fato de estar há muitos anos na atividade não significa que tenha conhecimento técnico suficiente para alcançar a profissionalização. Mas, mesmo com alguns erros, os indicadores na propriedade mudaram. Se no início o produtor obtinha 800 litros de leite/mês, em junho produziu 2.688 litros. Em julho, com as vacas adquiridas e outras que criaram na fazenda, a produção deve atingir quase 4.000 litros. O percentual de vacas em lactação no rebanho saltou de 9,5% em julho de 2017 para 33,9% em junho de 2018 – mas a meta é chegar perto de 60%. A média de produção de leite por hectare/ano alcançou 3.103 litros, também ainda abaixo do desejável. Mas, ao comparar com o que recebia pelo arrendamento das terras para cana (R$
Realização
Apoio
1.250/ha/ano), o produtor já percebeu que o leite, mesmo com a produção atual, é bem mais rentável. Para animar ainda mais a conversa, de início meio constrangedora, o produtor revelou que obteve um financiamento para aquisição de vacas e de um tanque de expansão, já que com o aumento da produção o que tem não é mais suficiente. Agora, escaldado pela última “oportunidade”, deve seguir as recomendações do técnico: Comprar dez novilhas ou vacas jovens próximas de parir, de genética apurada para produzir por dez meses e sem bezerro ao pé; com o novo tanque, iniciar a segunda ordenha; no início das chuvas, formar uma nova área de piquetes para comportar as novas reses; e, à medida que encontrar negócio, ir descartando as vacas mais velhas e menos produtivas, além de todos os bezerros e aquelas bezerras de menor qualidade. Este segundo ano de Produtor Secreto promete.
Patrocínio Mundo do Leite – fev/mar 2018
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Saúde Animal
Remédio perigoso Antes de usar antibióticos, o produtor deve ter certeza de que o animal realmente precisa receber a medicação após o término do tratamento, tanto o leite quanto a carne apresentam elevada concentração de resíduos dos componentes do remédio. “Sendo assim, é importante respeitar o período de carência, que varia conforme o produto e está especificado na bula. Durante esse prazo é necessário realizar o descarte do produto, porque há risco à saúde.”
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Cris Olivette
onsiderados fundamentais para o tratamento de doenças infecciosas que atingem o gado leiteiro, os antibióticos não devem ser utilizados a torto e a direito. “O uso deve ocorrer exclusivamente para o tratamento de vacas doentes. Utilizar antibióticos sem necessidade real aumenta o risco de o animal desenvolver resistência, reduzindo a eficácia quando houver necessidade de usá-los”, afirma o professor Marcos Veiga dos Santos, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Sua opinião é endossada pela professora Carla Maris Machado Bittar, do Departamento de Zootecnia da Esaq/USP. “Antes de usar antibióticos, o produtor deve ter certeza de que o animal realmente precisa receber a dose. Vemos que o uso muitas vezes é realizado sem nenhum critério, tanto nas vacas como nos animais em crescimento. ” Além do risco de desenvolvimento de resistência ao medicamento, Santos afirma que durante e
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Resíduos Os resíduos de antibiótico no leite são prejudiciais à saúde humana por duas razões principais, diz Carla Bittar: reações alérgicas em uma parcela da população que apresenta hipersensibilidade a determinados grupos de antibióticos como penicilinas e sulfas; e pelo risco de desenvolvimento de resistência, assim como ocorre com os animais. Segundo Veiga dos Santos, outro problema causado pelo leite com resíduos do medicamento é a alteração na fabricação de derivados lácteos fermentados, como iogurtes e queijos. “Atualmente, as empresas de laticínios fazem testes rápidos de triagem para detectar resíduos de antibióticos em todos os lotes de leite recebidos, usando como referência limites legais estabelecidos na legislação. ” A legislação brasileira segue os limites de tolerância de resíduos de antibióticos definidos internacionalmente pelo Codex Alimentarius, da FAO/ OMS. “Produtores que não respeitam o período de carência dos antibióticos correm o risco de ter prejuízos em razão da perda do leite enviado ao laticínio, além do risco de terem de pagar pelo leite de outros produtores que tiveram o leite contaminado com resíduos”. Santos conta que de 80% a 90% da ocorrência de resíduos de antibióticos no leite acontece, principalmente, durante o tratamento de mastite. (inflamação da glândula mamária causada, normalmente, por bactérias). “As boas práticas de produção de leite seguro e de alta qualidade determinam a necessidade de ter recomendação de veterinário para o uso de antibióticos, bem como a anotação rigorosa das vacas tratadas, duração do tratamento e período de descarte, incluindo o descarte no período de carência descrito na bula.
Carla afirma que muitos produtores oferecem esse leite aos bezerros. “Nesse caso, o que fazem é transferir o problema ao bezerreiro”, diz a especialista em nutrição de bezerros. A professora afirma que tal ação causa muitos problemas. “Além de ser um leite de baixa qualidade, tem alta carga microbiana, resíduo de antibiótico e não possui os mesmos nutrientes que o leite saudável. Ao ingerir esse alimento os bezerros têm diarreia, o que obriga o produtor a gastar mais para tratar o novo problema. É uma bola de neve que vai crescendo dentro do sistema como um todo. Os produtores precisam resolver o problema na sala de ordenha, para reduzir ao máximo a ocorrência de mastite. ” Santos também considera como prioridade para o controle de resíduos de antibióticos a adoção de medidas preventivas para evitar a mastite. “Quanto maior o sucesso na prevenção, menor a necessidade de uso de antibióticos. Também é essencial não utilizar produtos que não sejam indicados às vacas em lactação. ” “Alguns produtores oferecem o leite de descarte às bezerras mais velhas, que têm intestino mais maduro
Descarte correto De acordo com o professor Marcos Veiga dos Santos, o leite de descarte deve ser depositado junto com os demais dejetos orgânicos e de limpeza, de acordo com o sistema de tratamento de dejetos da fazenda. “De forma geral, as propriedades usam um local de armazenamento de dejetos e após fermentação aeróbica, podem ser usados como fertilizante. O leite de descarte não gera contaminação no ambiente em razão da presença de resíduos de antibióticos, mas sim pela presença da matéria orgânica do leite. ” O professor diz que há no mercado antibióticos injetáveis com descarte zero. “Quando usados na indicação de bula e na dosagem recomendada apresentam resíduos dentro dos limites permitidos. No entanto, para o tratamento de mastite clínica leve e moderada, não existe antibiótico intramamário com descarte zero. ”
e maior imunidade para lidar com a carga microbiana, mas não é o ideal”, diz Carla. “Outros produtores realizam processo de pasteurização, ou fornecem somente para os machos. Mas o recomendável é o descarte total.”
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Sustentabilidade Alexandre M. Pedroso Consultor de Bovinos Leiteiros da Cargill Nutrição Animal, e-mail alexandre_pedroso@cargill.com
Qual a melhor alternativa para aleitar as bezerras?
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Após a desmama o objetivo é atingir o peso adequado para a primeira cobertura por volta dos 13 a 15 meses de idade
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m grande parte do Brasil estamos na época em que ocorrem a maior parte dos partos de vacas leiteiras. Um bom programa de criação de gado jovem deve ter por objetivo principal a “entrega” de novilhas parindo em boas condições, idealmente por volta dos 24-25 meses. Isso não é fácil de conseguir: em nosso país a idade média ao primeiro parto (IPP) das novilhas leiteiras se aproxima dos 30 meses, e isso tem um profundo impacto financeiro na fazenda. Para conseguir reduzir a IPP para próximo dos 24 meses é preciso cumprir algumas metas que são parâmetros fundamentais para garantir a eficiência do processo. A primeira delas é garantir que as bezerras ingiram quantidade adequada de colostro de boa qualidade nas primeiras 24 horas de vida. Como não há transferência de anticorpos da mãe para o feto durante a gestação, as bezerras nascem sem proteção alguma, e dependem totalmente das imunoglobulinas (IgG) que recebem via colostro. Uma colostragem bem feita deve garantir a ingestão de pelo menos 150 g de IgG nas primeiras 24 horas. A meta é que 48 horas após o nascimento as bezerras tenham no mínimo 10g IgG/litro de soro sanguíneo. Idealmente as fazendas deveriam avaliar a concentração de IgG no colostro e no sangue das bezerras, e durante muito tempo isso não era simples de fazer, mas atualmente é possível fazer essas avaliações facilmente utilizando-se um Refratômetro de Brix. Isso ajuda muito a ter certeza de que o processo de colostragem foi bem feito. Além disso, é fundamental cuidar para que o colostro seja fornecido em quantidade adequada rapidamente após o nascimento da bezerra. Nossa recomendação é fornecer o colostro da primeira ordenha o mais breve possível, garantindo a ingestão de 10 a 15% do peso vivo (PV) em colostro (cerca de 4 litros) nas primeiras 6 horas de vida. Outro parâmetro importante, ou meta a ser atingida, é conseguir que aos 90 dias de vida a bezerra apresente pelo menos 17% do peso adulto desejado. Isso significa que se o PV adulto é de 600 kg, as bezerras deverão pesar pelo menos 102 kg aos 90 dias de vida. Para tal é preciso seguir um bom programa de aleitamento e iniciar pre-
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cocemente o fornecimento de ração inicial. O consumo de alimentos sólidos é restrito nas primeiras semanas de vida, mas é fundamental que sejam introduzidos precocemente para que o desenvolvimento do rúmen seja estimulado o quanto antes. O objetivo de um bom programa nutricional nessa fase é atingir consumo de ração inicial (concentrado) de 2 kg/dia para promover a desmama, entre 60 e 90 dias de vida. Obviamente essa ração deve ser de alta qualidade, contendo aditivos específicos que ajudem no desenvolvimento ruminal e na prevenção de doenças. Nos primeiros 90 dias a ocorrência de doenças (morbidade) não deve passar de 10% e a mortalidade de bezerras deve ficar abaixo de 5%. É importante acrescentar que dada a maior disponibilidade de leite não comercializado nessa época de concentração de partos, é natural que as fazendas usem esse produto em larga escala para aleitar as bezerras. Nada de errado nisso, mas é preciso estar atento a alguns problemas associados ao uso desse leite. Normalmente observa-se grande variabilidade na composição desse leite de um dia para o outro, dentre outras coisas. Quanto maior a variabilidade na composição, mais difícil será para as bezerras alcançarem elevado desempenho nessa fase. Em conversas com técnicos e produtores, sempre surge a pergunta: “Mas o leite não é o alimento ideal para as bezerras?” De fato o leite das fêmeas de mamíferos, como as vacas leiteiras, foi desenvolvido ao longo do tempo para que ofereça a melhor nutrição possível para as crias durante o período de aleitamento. No entanto, na natureza as bezerras não são desmamadas precocemente como nas fazendas leiteiras, e nesse caso o fornecimento de leite não comercializado pode não proporcionar as melhores condições para que o crescimento das bezerras seja o mais eficiente. De acordo com o NRC (2001), para que as bezerras tenham o melhor desenvolvimento em sistemas de desmama precoce, deveriam receber maior quantidade de proteína em relação à gordura durante a fase de aleitamento. Nesse cenário, quando as bezerras ingerem quantidades elevadas de leite ao dia (> 5 litros), essa “falta” de pro-
É preciso estar atento quanto ao aleitamento com leite não comercializado: há grande variação da sua composição de um dia para o outro
teína em relação à gordura no leite pode gerar desordens digestivas, e também levar a um acúmulo de gordura corporal acima do ideal, além de também prejudicar a ingestão de ração inicial, fator primordial para um programa de aleitamento e desmama precoce bem-sucedidos. Para que a bezerra consiga ter bom desenvolvimento muscular e apresente maior crescimento (estatura), o ideal seria que o leite oferecesse mais proteína em relação à gordura. Além disso, também de acordo com o que mostra o NRC (2001), para maximizar o desenvolvimento das bezerras em sistemas de criação intensiva e desmama precoce, idealmente o leite deveria fornecer maior quantidade de microminerais e vitaminas. Após a desmama o objetivo é atingir o peso adequado para a primeira cobertura por volta dos 13 a 15 meses de idade. A meta é ter pelo menos 75% das novilhas do rebanho prenhes aos 15 meses de idade, e que atinjam no mínimo 55% do PV adulto quando tiverem
SOLUÇÕES O1CjlTAIS DE (i}UALIDADE
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a prenhez confirmada. Considerando os 600 kg citados anteriormente, as novilhas prenhes deverão apresentar pelo menos 330 kg, o que significa ter um ganho médio diário (GMD) em torno de 700-800 g, da desmama até a cobertura. É totalmente possível, mas ainda é um desafio. Um dos grandes entraves é justamente o desenvolvimento corporal da bezerra durante a fase de aleitamento. O peso à desmama é, sem dúvida, um parâmetro fundamental a ser monitorado nas fazendas, mas além disso é preciso acompanhar o crescimento (desenvolvimento estrutural) dos animais. Além de apresentarem bom peso à desmama, é muito importante que a bezerra apresente desenvolvimento muscular adequado. Só assim ela vai poder chegar ao peso adequado para a primeira cobertura, no prazo desejado. Para isso é muito importante que a dieta das bezerras tenha maior aporte de proteína, e a qualidade do leite oferecido a elas pode ser um limitante. Nesse caso, o que fazer para compensar essa limitação da qualidade do leite? Muitas fazendas fazem a correção do teor de sólidos, adicionando produtos específicos para “adensar” o leite, ou mesmo sucedâneos lácteos, buscando atingir um determinado teor de sólidos constante ao longo dos dias. Só se consegue fazer isso da forma correta analisando a qualidade do leite diariamente, com o uso do refratômetro de Brix. Essa prática de fato melhora a qualidade do leite, e tem como principal benefício oferecer às bezerras leite com teor de sólidos constante, evitando a flutuação normal que se observa nas fazendas, e que prejudica o ótimo desenvolvimento. Se além de fazer isso, for possível aportar maior quantidade de proteína de alta qualidade na dieta, certamente o desenvolvimento das bezerras que são aleitadas com leite não comercializado será muito melhor e mais eficiente.
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