Fatos & Causos Veterinários
Enrico Ortolani
Como surgem os bezerros-descarte
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Professor titular de Clínica de Ruminantes da FMVZ-USP ortolani@usp.br
nnn 7% dos bezerros de corte se enquadram na categoria descarte
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stá implícito na história da humanidade que o ideal é exibir o belo e esconder o feio. A propaganda que o diga. Usam e abusam da exuberância do jovem e escondem os idosos e menos favorecidos. Nunca vi propaganda de ração, suplementos ou vacinas com fotos de bovinos magros. Pois os bovinos-descarte existem em todos os tipos de fazendas, tanto naquelas comuns de cria, quanto nas de gado de elite. Estagiei em uma dessas e vi que cerca de 5% da bezerrada nascida de touros de grife davam medo na gente, de miúdos que eram. Levantamento norte-americano confirmou que 7% dos bezerros de engorda estão nessa categoria. Por melhor que seja sua propriedade, ela também deve ter esses bovinos jovens de “segunda”, que podem ser caracterizados de acordo com o peso à desmama, aos sete meses de idade. Esse peso-padrão é bastante variável, em função da raça e do sexo do bovino, além de outros fatores que mencionaremos a seguir. São considerados bezerros-descarte animais com pesos abaixo de 140, 160 e 135 kg, para machos Nelore, cruzados e leiteiros, e 133, 147 e 124 kg, para fêmeas das mesmas raças e cruzamentos, respectivamente. Causas do problema Como se originam esses bezerros? Boa parte deles é fruto de erros nos manejos nutricional, reprodutivo e sanitário, mas pelo menos um terço vem da herança genética. Filho de peixe nem sempre peixinho é! Touros comuns, sem avaliação de DEP positiva, têm maior risco de gerar descartes do que reprodutores provados que dão mais filhos com bom ganho de peso. O sexo também conta. Como manjado por todos, os machos nascem mais pesados e desmamam mais gordos do que as fêmeas (8% a 10%). Ao nascimento, seu peso é maior, pois a gestação dos machos é mais longa e, a partir daí, os hormônios masculinos fazem com que transformem mais o leite ingerido em carne. Pode-se dizer que os animais-descarte são 5% mais frequentes em fêmeas do que em machos. Um dos pontos centrais para o surgimento desses bezerros é a quantidade e a qualidade de leite que eles recebem nos primeiros quatro meses de lactação. O peso à desmama guarda uma íntima relação com a quantidade de leite ingerido. Pegando uma carona no ditado popular “quem não chora não mama”, eu diria “quem mama mais, chora menos”. A produção diária de leite de vacas de corte varia de 2,5 a 7,5 litros, com média de 4 litros/cabeça. Nos primeiros 30 dias, a produção não é tão grande (75% do máximo), atingindo o ápice entre o segundo e o terceiro mês e descendo ladeira abaixo a partir daí, caindo para metade no sexto mês. Quanto mais capim o bezerro come, menos lei-
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te ele bebe. No quinto mês de vida, mais de 80% dos nutrientes vêm do capim. A relação do bezerro com a mama da mãe passa a ser emocional, podendo tranquilamente se realizar sua desmama. Tirando o colostro – que é um leite muito rico em nutrientes, produzido até o quarto dia após o parto –, a qualidade do leite depende do estágio de lactação. Um pouco mais rico em proteína e açúcares nos primeiros cinco meses, ele vai se tornando mais “ralo” daí por diante. No primeiro mês pós-parto, a produção de leite não depende da qualidade da pastagem, pois a vaca saca de sua própria poupança a energia para a síntese deste líquido vital. Mas, a partir daí, a qualidade e quantidade de pastagem são fundamentais para produzir mais leite. Pastagens ruins diminuem a produção leiteira em até 30% e a qualidade dos seus nutrientes em cerca de 10%. Quem mais sofre nessas circunstâncias são as novilhas e as vacas velhas, que, além de alimentar menos adequadamente o bezerro, demoram muito mais para pegar cria. Época de nascimento Assim sendo, o mês de nascimento do bezerro condiciona de certa forma o peso à desmama. Mais de 30.000 dados gerados nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste indicam que bezerros machos Nelore nascidos em setembro têm o melhor desempenho à desmama (200 kg), diminuindo a partir daí: outubro, 190 kg; novembro, 180; dezembro, 165; janeiro, 160; fevereiro, 149; março, 145; abril, 147; maio, 154; junho, 160; julho, 170 e agosto, 190 kg. Não precisa nem dizer que a bezerrada nascida de fevereiro a maio é forte candidata a engrossar o pobre time dos menos desenvolvidos. Além da nutrição, outros fatores também influenciam na produção de leite. A idade da fêmea é um deles. A máxima produção é atingida quando a vaca se encontra entre o terceiro e o quinto parto. Vacas de primeira e segunda parições atingem 80% da produção máxima, enquanto fêmeas do sexto parto para frente vão diminuindo gradativamente esse potencial, com redução drástica a partir do décimo ano de vida. No passado, muitos melhoristas selecionaram vacas Nelore para longevidade reprodutiva, se esquecendo do desempenho do bezerro. Sou adepto do descarte de fêmeas a partir dos 10 anos de vida, a não ser em casos excepcionais, em que o valor zootécnico do animal é notório. A raça e o cruzamento da vaca influenciam sua produção de leite. Fêmeas meio-sangue Nelore-taurinas produzem até 20% a mais de leite que as zebuínas ou taurinas puras, porém essas últimas têm leite até 10% mais forte. É a compensação da natureza! No próximo capítulo, continuaremos a falar de outras causas do surgimento de bezerros-descarte. Não perca! n