Retrospectiva 2018: Revista Mundo do Leite (pág.20 - ed.89)

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Sustentabilidade Alexandre M. Pedroso Consultor de Bovinos Leiteiros da Cargill Nutrição Animal, e-mail alexandre_pedroso@cargill.com

Aleitamento de bezerras - quanto dar de leite?

A Dar leite em quantidades elevadas nos primeiros meses de vida do animal não é a melhor estratégia

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tualmente tem sido prática comum nas fazendas dar quantidade elevada de leite para as bezerras na fase inicial de suas vidas, especialmente naquelas em que se utiliza leite “in natura”, mas isso pode ser um “tiro no pé”. Diversos trabalhos de pesquisa, realizados na última década no Canadá e EUA, mostraram que fornecer mais leite do que os tradicionais 4 litros por dia para as bezerras na fase de aleitamento resulta em maior peso ao desmame, e pode ocasionar maior produção de leite na primeira lactação desses animais. Com a divulgação desses resultados, essa prática passou a ser utilizada como rotina em muitas fazendas no Brasil, onde é comum aleitar as bezerras com até 8 litros ou mais por dia. No entanto, essa prática pode não produzir os resultados desejados. Certamente, as bezerras que consomem mais leite na fase de aleitamento serão desmamadas com peso maior do que as que recebem

Mundo do Leite – fev/mar 2018

quantidades moderadas. Mas isso não garante que se beneficiarão desta prática na fase adulta. E isso tem sido cada vez mais notado em fazendas brasileiras. É claro que o aleitamento adequado é fundamental para a saúde e bom desenvolvimento da bezerra, o que por sua vez é imprescindível para que o sistema seja lucrativo e sustentável, mas é preciso entender que dar leite em quantidades elevadas nos primeiros meses de vida do animal não é a melhor estratégia para que essa bezerra se torne uma vaca produtiva e eficiente. Depois do desmame, as bezerras receberão, obviamente, apenas alimentação sólida. A preferência de consumo do animal sempre será pelo leite, de forma que quanto maior a quantidade recebida desse alimento na fase de aleitamento, menor será a quantidade ingerida de ração inicial nesse período. Se a ingestão do alimento sólido for insuficiente, o desenvolvimento funcional do rúmen será retardado, e com isso as bezerras podem sofrer bastante depois da desmama, perdendo todo o benefício de tomar muito leite na fase anterior. Teor de sólidos Nas fazendas que utilizam leite “in natura” para as bezerras pode haver um problema adicional. Se considerarmos que esse leite muitas vezes é aquele não destinado à comercialização, é fundamental que seja pasteurizado ou acidificado para se evitar problemas sanitários com os animais. Além disso, a composição do leite pode variar significativamente ao longo dos dias, especialmente os teores de gordura e proteína, o que significa que as bezerras podem não ter uma dieta constante nessas condições. Muitas fazendas produzem leite com teores relativamente baixos de sólidos, e o consumo de leite com menos de 12,5% de sólidos pode reduzir bastante o aporte de nutrientes para as bezerras. Some-se a isso a oscilação na composição do leite ao longo do tempo, o cenário para as bezerras pode ser um pouco mais complicado. Em fazendas mais eficientes já é prática comum a correção do teor de sólidos do leite para que o mesmo seja fornecido às bezerras com melhor quantidade de nutrientes. É preciso atenção nesse manejo, pois não é recomendável que o teor de sólidos do leite fornecido às bezerras fique acima de 14%, sob pena de induzir diarreia. O momento da desmama é um período bastante estressante para a bezerra, pois ela passa a não ter


mais acesso ao seu alimento preferido, que é o leite. A partir daí todos os nutrientes que ela precisa serão fornecidos pela alimentação sólida, e para que o animal continue saudável e se desenvolvendo bem após a desmama é fundamental que a ingestão de alimentos seja consistente nesse período. Quanto maior o consumo de ração inicial na época da desmama, melhor será o desempenho da bezerra depois da desmama, por isso não se deve correr o risco de que o fornecimento excessivo de leite possa prejudicar essa ingestão de ração. No Brasil Central – com foco em SP, MG e GO – a mortalidade de bezerras pós-desmama é muito alta, girando entre 8% e 11%. Em grande parte, isso se deve à ocorrência de tristeza parasitária bovina, doença transmitida pelos carrapatos, que acomete 100% dos rebanhos dessas regiões. Se o consumo de ração inicial não for satisfatório na desmama, muito provavelmente o consumo de alimentos na transição pós-desmama também será insatisfatório. Com consumo inadequado de alimentos, e consequente ingestão insuficiente de nutrientes, o sistema imune do animal é prejudicado, o que fará com que a bezerra fique muito mais vulnerável à ocorrência de doenças, como a tristeza. Ração inicial Hoje, a recomendação técnica para garantir um bom desenvolvimento das bezerras no período pós aleitamento é que no momento da desmama as bezerras estejam consumindo pelo menos 1,5-2,0 kg de ração inicial ao dia. Isso é fundamental para que o rúmen se desenvolva adequadamente, o que por sua vez é indispensável para que os animais estejam

saudáveis e se desenvolvam bem pós-desmama. Para tal, fornecer a elas quantidade muito elevada de leite pode ser um desafio. Dependendo do sistema, pode ser mais interessante limitar o fornecimento de leite para que o consumo da ração inicial seja maximizado. Seis litros de leite ao dia, associados ao fornecimento de uma ração inicial de alta qualidade e bom manejo sanitário dos animais, é mais do que suficiente para garantir o bom desenvolvimento das bezerras. A meta para a desmama é que bezerras de raças grandes atinjam pelo menos o dobro do peso ao nascimento, e que aos 90 dias de vida atinjam cerca de 100 kg de peso. Outro aspecto fundamental da criação de bezerras, ao qual muitas vezes não se dá a devida atenção nas fazendas, é o fornecimento de água para os animais. É imprescindível que as bezerras tenham acesso irrestrito a água fresca e limpa, desde os primeiros dias de vida. Ainda existe a crença de que pelo fato de beber leite a bezerra não precisa tanto de água, mas isso não é verdade. Baixo consumo de água vai levar a menor consumo de ração inicial, que é o principal fator responsável pelo desenvolvimento funcional do rúmen. Em resumo, para que as bezerras leiteiras se tornem vacas produtivas, é fundamental que na fase de aleitamento, além de serem adequadamente colostradas, recebam quantidade adequada de leite, sem excessos, e que tenham acesso irrestrito a água e à ração inicial de alta qualidade. Monitorar o consumo dessa ração é imprescindível, pois no momento da desmama as bezerras devem estar ingerindo pelo menos 1,5-2,0 kg da ração ao dia. Com isso terão uma transição pós-desmama mais tranquila e poderão se desenvolver bem e com saúde!

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