Retrospectiva 2018: Revista DBO (pág.50 - ed.448)

Page 1

Nutrição

Questão de oportunidade

Daniel Ornelas

Incorporação de grãos umidos de destilarias (WDG) na dieta bovina reduz o custo nutricional da arroba produzida em confinamento em até 16,5%

Pesquisador mostra WDG usado no experimento da Unesp

Ariosto mesquita,

U

de Estrela d’Oeste, SP

ma pesquisa inédita no Brasil, conduzida por professores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu, comprovou eficiência e economia nas formulações que incluíram grãos úmidos de destilarias (WDG, do inglês Wet ­Distillers Grains) como substituto proteico/energético parcial do milho e do farelo de soja no cocho. Comparado com uma dieta comum à base de milho e farelo, as com WDG proporcionam lucro por boi gordo até 39,7% maior (de R$ 456,56 para R$ 637,48). Boa parte disso veio com a redução do custo nutricional da arroba produzida, que caiu até 16,4% (de R$ 88,83 para R$ 74,29). O WDG é um subproduto obtido do processamento de milho para produção de etanol. No Brasil, seis indústrias – quatro no Mato Grosso e duas em Goiás – trabalham com o cereal para a obtenção do biocombustível. Entre elas, apenas uma, a FS Bioenergia, de Lucas do Rio Verde, MT, processa exclusivamente milho. As demais são “flex”: moem tanto cana-de-açúcar quanto milho (este, somente na entressafra da cana). Ao contrário do DDG (Dried Distillers Grains, ou “grãos secos de destilaria”), que carrega de 10% a 15% de umidade em sua composição, o WDG carrega

50 DBO fevereiro 2018

de 67% e 68% (confira reportagem sobre sua utilização na alimentação de bovinos na DBO edição 412, de fevereiro de 2015). No estudo da Unesp, iniciado em junho de 2017 e finalizado em janeiro deste ano, os pesquisadores Otávio Machado Neto, Mário Arrigoni, Cyntia Ludovico e Luís Arthur Chardulo avaliaram desempenho, eficiência, custo alimentar e características de carcaça de 100 animais meio sangue Nelore x Angus. “Optamos por estes animais em função do crescimento, no Brasil, do número de vacas Nelore inseminadas com Angus. Esta composição racial permitirá também a avaliação da qualidade da carne, última etapa deste estudo, que deverá ser concluída em laboratório até março”, explica o professor Otávio Machado Neto, coordenador do trabalho, viabilizado graças a uma parceria público-privada: a Unesp usou sua estrutura técnica (professores, acadêmicos, laboratórios) e de confinamento em Botucatu, SP. A Fazenda Turbilhão, de Estrela d’Oeste, SP, ofereceu os animais e a Cargill, o WDG, produzido na unidade da SJC Bioenergia, uma joint venture entre a multinacional e o Grupo São João, instalada em Quirinópolis, GO. Já o Confinamento Monte Alegre (CMA), de Barretos, doou 15 toneladas de feno de capim tifton-85. O abate aconteceu no dia 14 de dezembro nas instalações do Frigoestrela, em Estrela d’Oeste. Todos os parceiros têm acesso integral ao resultado final e suas avaliações. Avaliação Para a obtenção dos resultados, os pesquisadores submeteram os animais no início do confinamento a uma pré-adaptação de cinco dias. Neste período, o feno foi oferecido sem restrições, juntamente com 1,2 kg/cabeça/dia de farelo de soja. Em seguida veio a dieta de adaptação com percentuais decrescentes de feno (40%, 31%, 24% e 18%). Neste momento, os 100 animais foram divididos em quatro grupos de 25. O primeiro (controle) recebeu alimentação sem WDG. Os outros três receberam o subproduto em 6,5% do total da dieta. Esta fase durou 21 dias. Na dieta final, ao longo de 103 dias, o grupo controle recebeu a composição clássica, com predominância de milho moído (74%) e farelo de soja (10%). Os demais tiveram o milho (energia) e a soja (proteína) substituídos em níveis distintos pelo WDG, que passou a representar percentuais totais de 15%, 30% e 45% da dieta em cada um dos grupos. Os animais (machos inteiros) confinados com peso médio inicial de 370 kg obtiveram ganho


Tabela 1 - Componentes das dietas e correspondentes percentuais de participação nos grupos com níveis crescentes de oferta de grãos úmidos de destilaria (WDG) em substituição parcial e gradual ao milho e farelo de soja

Ariosto Mesquita

Componentes

T - 0% (1)

T - 15% (2)

T - 30% (3)

T - 45% (4)

Bagaço de cana

7,10%

7,10%

7,10%

7,10%

Feno de tifton-85

4,20%

4,20%

4,20%

4,20%

Milho moído

74,92%

65,27%

52,00%

38,73%

Farelo de soja

10,36%

4,78%

2,94%

1,10%

-0-

0,23%

0,34%

0,45%

3,42%

3,42%

3,42%

3,42%

Cloreto de potássio Núcleo mineral-vitamínico

1. 0% de WDG; (2) 15% de WDG; (3) 45% de WDG; (4) 45% DE WDG OBS: preços (por kg) dos alimentos disponibilizados nas dietas: bagaço de cana (R$ 0,08), núcleo (R$ 3,06), milho moído (R$ 0,51), farelo de soja (R$ 1,33), WDG (R$ 0,38) feno de tifton-85 (R$ 1,02) e cloreto de potássio (R$ 4,04).

Otávio Machado Neto: “O frete limita o uso do WDG”

médio diário (GMD) de 1,9 kg e foram abatidos com 615,9 kg. A maior variação de peso vivo final ficou entre o grupo controle, sem inclusão de WDG (601,8 kg), e o que recebeu 30% do WDG (630,08 kg). Em relação às características de carcaça, os números obtidos apontam um equilíbrio entre os grupos (veja tabela 3, na página seguinte). As vantagens no uso do WDG se sobressaíram na avaliação econômica. Em função de seu baixo preço no período da execução do estudo, o custo nutricional da arroba produzida durante o período de confinamento diminuiu na proporção em que aumentou a participação do WDG na dieta e isso influenciou diretamente no aumento da lucratividade pelo boi gordo (os preços atribuídos aos alimentos disponibilizados nas dietas podem ser conferidos na tabela 1, acima). O valor da tonelada do WDG natural à época da pesquisa era de R$ 120, considerando sua produção em Goiás e entrega (frete) em fazenda localizada em um raio de 200 km da indústria. O valor registrado em planilha de custos foi de R$ 380/t por presumir o consumo de matéria seca (o WDG utilizado carregava quase 70% de água). Uma preocupação dos pesquisadores foi em relação ao alto nível de proteína bruta (PB) nas dietas (veja tabela 2, ao lado) Segundo o professor Neto, são valores acima do que comumente são utilizados no Brasil (PB entre 13 e 14%). No entanto, a pesquisa não verificou queda na ingestão de matéria seca e no ganho de peso, geralmente relacionados ao consumo excessivo de proteína. “Isso permite a utilização do WDG como alimento energético, pois apesar de elevar o teor proteico das dietas, não traz danos aos animais”, avalia. Além da redução de custos, Neto considera que o uso do subproduto permite mais segurança à saúde ruminal na medida em que há redução da quantidade de amido oferecido no cocho com o WDG entrando como um substituto proteico-energético. “Ele é um alimento rico em fibra digestível, e não causa acidose láctica”, observa o professor, citando uma enfermida-

de comum em confinamentos de terminação quando há ingestão excessiva de formulações energéticas – a acidose provoca redução do ganho de peso, desidratação e até a morte, caso não seja tratada. Outra vantagem do WDG, segundo Neto, é o fato de sua alta umidade natural ajudar na uniformidade da dieta: “Isso não foi medido, mas adicionamos muito pouca água na dieta final para reduzir o pó e conter a seleção pelo animal”. Após este primeiro estudo, a equipe da Unesp já imagina um segundo trabalho, desta vez avaliando o desempenho do WDG na terminação de animais nelore. Um milhão de toneladas de DDGs Os resíduos da fabricação de etanol de milho começaram a ser utilizados no Brasil em 2012 quando a Usimat, primeira usina flex do país, instalada em Campos de Júlio, MT, iniciou suas operações. Hoje, o Mato Grosso conta com mais duas unidades do tipo, uma em São José do Rio Claro e outra em Jaciara, além de uma usina full (moagem exclusiva de milho) em Lucas do Rio Verde. De acordo com Glauber Silveira, vice-presidente da Associação Brasileira de Tabela 2 - Composição química das dietas com níveis crescentes de grão úmido de destilaria (WDG). T-0% 1

T-15% 2

T- 30% 3

T- 45% 4

PB (%) 5

14,84

16,18

19,11

22,04

FDN (%) 6

16,22

23,45

30,82

38,20

FDN-volumoso(%) 7

9,00

9,00

9,00

9,00

EE (%) 8

3,42

3,57

3,63

3,69

CNF (%) 9

62,76

54,04

43,43

32,83

ELm (Mcal/kg MS) 10

2,17

2,10

2,13

2,12

ELm (Mcal/kg MS) 11

1,49

1,42

1,45

1,45

(1) grupo controle, sem WDG; (2) grupo com 15% de WDG na dieta; (3) grupo com 30% de WDG na dieta; (4) grupo com 45% de WDG na dieta; (5) proteína bruta (6) fibra em detergente neutro; (7) fibra oriunda de volumoso; (8) extrato etéreo ou gordura bruta; (9) carboidratos não fibrosos; (10) energia líquida de mantença na dieta – em megacalorias por quilo de matéria seca; (11) energia líquida de ganho na dieta – em megacalorias por quilo de matéria seca.

DBO fevereiro 2018 51


Nutrição Tabela 3 - Desempenho animal e eficiência econômica na terminação de animais submetidos ou não à dieta com WDG Tratamento1

PI2

PF3

Custo Dieta4

GMD5

Rendimento

Ganho de

de carcaça

carcaça

Custo nutricional da @ produzida

Lucro por animal

0%

369,24

601,78

R$ 0,67

1,80 kg

56,9%

10,52@

R$ 88,83

R$ 456,56

15%

369,75

616,51

R$ 0,62

1,90 kg

56,1%

10,73@

R$ 85,47

R$ 504.64

30%

370,48

630,08

R$ 0,58

2,01 kg

55,3%

10,86@

R$ 79,47

R$ 578,70

45%

369,04

615,32

R$ 0,55

1,90 kg

56,6%

10,90@

R$ 74,29

R$ 637,48

(1) percentual de WDG na dieta final oferecida para cada um dos quatro grupos de 25 animais; (2) peso inicial médio por animal; (3) peso final médio por animal (4) por quilo de matéria seca; (5) ganho de peso médio diário por animal. OBS: Total de 129 dias em confinamento, incluindo: cinco dias em dieta de pré-adaptação, 21 dias em dieta de adaptação e 103 dias em dieta final.

Produtores de Milho (Abramilho) e um dos diretores da recém-criada União Nacional do Etanol de Milho (Unem), só as quatro usinas do Mato Grosso devem processar perto de 1,2 milhão de toneladas de milho neste ano. “Isso representa uma produção de 500 milhões de litros de etanol e de 250 mil toneladas de resíduos secos”, diz, se referindo aos DDGs (Dried Distillers Grains with Solubles, ou grãos secos de destilaria com solúveis – resultado da secagem do WDGs). “Trazendo este cálculo para grãos úmidos, este número seria pelo menos três vezes superior em função da carga de água”, completa. Silveira prevê uma expansão considerável do mercado de etanol de milho, devido à grande disponibilidade do cereal no Centro-Oeste. Em recente apresentação, ele mostrou dados de junho de 2017 da Companhia Nacional de Abastecimento, segundo os

quais a relação entre o que produz e o que é consumido internamente no Brasil aponta para um superávit, apenas no Mato Grosso, de 23,4 milhões de toneladas de milho. “Com os projetos já confirmados e em implantação, em cinco anos o estado deverá produzir dois bilhões de litros de etanol e um milhão de toneladas de DDGs”, estima. Em Goiás, duas fábricas produzem etanol de milho no modelo flex: a SJC Bioenergia, em Quirinópolis, e a Usina Rio Verde, em Rio Verde. A SJC Bioenergia trabalha com o cereal de dezembro a março, na entressafra da cana. Na safra 2016/2017, moeu 600 t/dia. Até janeiro ainda não havia fechado os números da safra 2017/2018. Sua capacidade instalada, entretanto, é de 1.600 t/dia de milho, o suficiente para produzir perto de 600 t/dia de WDG, equivalente a 72 mil toneladas em quatro meses. n

DDG ou WDG? Uma das motivações do estudo da Unesp vem da previsão de oferta crescente de resíduos de grãos úmidos e secos, sobretudo no Mato Grosso, Estado onde o cereal de segunda safra historicamente tem o menor preço de mercado no Brasil. Mas, no eventual uso deste subproduto para a alimentação de bovinos, em que o pecuarista deve optar: DDG ou WDG? O professor Otávio Machado Neto é da opinião de que o maior problema para o DDG se firmar no mercado é o custo da secagem. “Alguns diretores de usinas me disseram que o alto preço de um secador é o gargalo principal. Um deles me relatou que um equipamento simples exigiria desembolso de R$ 5 milhões para uma vida útil de cinco anos”, conta o professor. Por outro lado, o DDG suporta armazenagem por longo período e seu valor nutricional concentrado (por

52 DBO fevereiro 2018

ser seco) viabiliza o frete por longas distâncias. Já o principal limitador do WDG, segundo ele, é justamente a distância. O frete tende a ser alto diante do volume de água que carrega. “O produtor tem de fazer conta. Talvez um raio de distância de 200 km entre a propriedade e a indústria fornecedora seja o limite. Nossa pesquisa foi feita em São Paulo com WDG trazido de Goiás. Dependendo dos preços finais e em sistemas produtivos comerciais, este cenário seria proibitivo pelo custo de transporte”, avalia. Outro limitante à utilização do WDG seria a necessidade de consumo em curto espaço de tempo para evitar deterioração. Para tentar superar este empecilho, a equipe da Unesp recebeu o WDG (200 toneladas) em junho de 2017 e fechou toda a carga em silos bag. “O último foi aber-

to no início de dezembro em muito bom estado. Houve uma leve degeneração na parte frontal, mas sem comprometimento da qualidade total”, conta Neto. Para não apostar “no escuro”, os pesquisadores se preveniram fazendo a inoculação da carga com um combo de lactobacilos: “Não sabíamos como seria o comportamento no material em silos. Dessa forma, preferimos pecar por excesso na tentativa de conter eventual deterioração anaeróbica diante da exposição ao oxigênio”. O custo desta operação, segundo ele, foi de R$ 700 para cada tonelada tratada. No entanto, este procedimento não pode ser considerado em termos científicos. “Não temos a informação se a inoculação foi efetiva, uma vez que tratei 100% do material. O fato é que o WDG ficou viável até o fim do experimento”, afirma.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.