Tecnologia
Promissora associação
fotos embrapa sorgo
Pesquisas conduzidas com bactérias promotoras de crescimento indicam aumento na produção forrageira e no teor proteico do capim
Pastagem formada com sementes tratadas com Azospirillum em um dos ensaios realizados pela Embrapa
Bactérias promotoras de crescimento produzem fitormônios que estimulam a produção de perfilhos no capim
Maristela Franco
D
maristela@revistadbo.com.br
esde que a agrônoma Johanna Döbereiner (a cientista brasileira mais citada pela comunidade científica mundial) provou, na década de 60, que bactérias do gênero Rhizobium fixadoras de nitrogênio atmosférico podiam ser aliadas preciosas da cultura da soja, poupando adubo nitrogenado, pesquisadores vêm estudando novas associações promissoras, inclusive com gramíneas forrageiras. A Embrapa Soja acabou de concluir uma pesquisa de fôlego nessa área, constatando aumento de 15% na produção forrageira e de 25% no teor de proteína bruta em pastagens das braquiárias brizanta e ruziziensis, formadas com sementes inoculadas com cepas específicas do gênero Azospirillum brasiliense. Classificada como bactéria promotora de crescimento vegetal (BPCV), o Azospirillum já é usada com sucesso em lavouras de milho e, em associação com rizóbios, nas culturas da soja e do feijoeiro. O primeiro inoculante comercial para uso em braquiária, desenvolvido com base nas pesquisas da Embrapa, foi lançado neste mês, durante a Show Rural Coopavel, em Cascavel, PR, pela empresa paranaense Total Tecnologia. Foi a própria Johanna Döbereiner quem descobriu, na década de 70, que algumas gramíneas forrageiras se mantinham produtivas ao longo do ano, com ajuda de bactérias encontradas em suas raízes. Posteriormente, constatou-se que esses microrganismos não fixam quantidades tão grandes de nitrogênio como os
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Planta inoculada (à dir.) apresenta maior quantidade de raízes, o que lhe garante melhor resistência à seca.
rizóbios nas leguminosas, a ponto de dispensar adubações. Como o capim tem fisiologia diferente, suas raízes são “colonizadas” por outros gêneros de bactérias, que disponibilizam no máximo 40 kg de N/ha. “Trata-se de uma contribuição importante, pois é possível reduzir o emprego de fertilizantes e seu impacto sobre o meio ambiente, mas o que realmente diferencia as BPCVs que se associam ao capim são sua capacidade de suprimir patógenos, ajudar a solubilizar fosfatos e, principalmente, exsudar fitormônios, substâncias químicas que atuam internamente como reguladores de processos fisiológicos e promotores naturais de crescimento, levando à maior produção de massa forrageira”, explica a agrônoma Mariângela Hungria, pesquisadora da Embrapa Soja. O trabalho com Azospirillum em braquiárias teve duração de cinco anos. Foram realizados ensaios a campo no Paraná e no Mato Grosso do Sul, comparando-se três tratamentos: inoculação das sementes com bactérias mais adubação em cobertura com 40 kg/ha de nitrogênio, na forma de ureia, cerca de 30 dias após a emergência; apenas aplicação de fertilizante nitrogenado (40 kg de N/ha) e nem adaubação nem inoculação (testemunha). Os pesquisadores realizaram 26 cortes para avaliação de produção de massa forrageira e análise do teor proteico nas folhas. “Constatamos que o tratamento com 40 kg de fertilizante mais inoculante garantiu produção equivalente à que teríamos com 80 kg de adubo, ou seja, a bactéria substituiu bem esse insumo”, informa Mariangela. Testada por dois anos em fazendas, a tecnologia se mostrou economi-
camente viável. A inoculação sai por R$ 10 a R$ 15/ ha, enquanto 40 kg de adubo nitrogenado (quantidade que a bactéria consegue fixar e o produtor não precisa comprar) custa no mínimo R$ 150/ha. “Temos uma redução de custo expressiva na formação da pastagem”, diz a pesquisadora. Se considerado o aumento de 15% na produção e de 25% no teor de proteína do capim, a relação custo-benefício se torna ainda mais positiva. Resultados com Paiaguás Outro experimento com bactérias promotoras de crescimento vegetal foi conduzido em 2017, por Camila Duarte, no Departamento de Zootecnia da Universidade Estadual de Maringá, como parte de sua tese de doutorado, que tem Mariangela Hungria e Ulysses Cecato, da UEM, como orientadores. Camila registrou bons resultados com esses microorganismos em associação com braquiária brizanta, cultivar Paiaguás, em casa de vegetação. Ela avaliou tratamentos com duas estirpes de Azospirillum brasiliense, duas de Pseudomonas fluorescens e uma de Pantoea ananatis, em comparação com plantas não inoculadas. Os melhores resultados foram obtidos com as cepas Azospirillum fluorescens CCTB 03 e Pantoea ananatis AMG221, que apresentaram alongamento folear de 2,28 e 2,14 cm/dia, respectivamente, ante 1,06 cm da testemunha (aumento de 115% e 106%). Essas cepas também favoreceram a produção de 65,2 e 63,7 perfilhos/vaso, respectivamente, ante 30,8 do capim não inoculado. Todos os tratamentos com BPCVs registraram incremento na produção de massa verde. A diferença em relação à testemunha foi crescendo a cada corte realizado ao longo do ano (veja tabela). As cinco cepas testadas garantiram aumento de 23,5%, 34%, 84,7%, 68,2% e 76,4% na produção, respectivamente. As plantas tratadas com a cepa Azospirillum fluorescens AMG221 garantiram não apenas maior quantidade de forragem total (50 g de matéria seca por vaso), mas também desempenho mais consistente, começando com 15,49 g, no primeiro corte, e terminando com 25,86 g de MS/vaso, no último. Mais uma vez o bom desempenho das plantas inoculadas foi atribuído aos fitormônios produzidos pelas bactérias, principalmen-
Mariangela Hungria, da Embrapa Soja, mostra novas aliadas do capim.
te o ácido indol acético, que atua na divisão celular e influi no crescimento das folhas, colmos e sistema radicular, aumentando, consequentemente, a produção de massa forrageira. Com raízes abundantes e longas, a planta consegue absorver maior quantidade de água e nutrientes, tornando-se mais resistente ao estresse hídrico e a doenças. Os pesquisadores agora querem estudar o efeito dos fitormônios na produção de raízes, cujo crescimento eles favorecem. Também pretendem analisar a viabilidade da reinoculação, que poderia ser feita por meio de pulverizações, ajudando a perenizar pastagens e mantê-las sempre produtivas. Camila e Mariangela fazem questão de ressaltar os benefícios que as BPCVs trazem para o meio ambiente, já que a maior produção de forragem ajuda no sequestro de carbono da atmosfera. No trabalho conduzido por Mariangela, estimou-se que o aumento de 15% na produção de biomassa seriam equivalentes a 100 kg de carbono por hectare/ano ou 300 kg de equivalente CO2/ha/ano. Considerando-se a economia com adubo nitrogenado (40 kg de N/ha), se teria outros 180 kg de CO2/ha. “Trata-se de uma tecnologia em plena sintonia com as metas do Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono)”, salienta a pesquisadora da Embrapa. n Produção forrageira de Paiguás inoculada com diferentes cepas de bactérias (em g de MS/vaso)
camila duarte
Bactérias/Cortes
Experimento em casa de vegetação da UEM
1
2
3
4
5
6
Final Total
Não inoculado
11,96 9,54 10,95 13,05 11,56 11,54 16,25
85
A. brasiliense Ab-V5
13,10 9,03 12,78 14,86 15,36 15,51 24,42
105
A. brasiliense Ab-V6
14,88 10,49 13,44 13,96 12,62 21,64 27,40
114
P. fluorescens CCTB 03 15,49 10,77 14,54 16,98 22,44 25,86 50,78
157
P. fluorescens ET76
14,35 10,23 14,90 17,23 20,27 23,75 41,78
143
P. ananatis AMG521
13,86 11,29 15,82 18,64 20,99 30,05 39,68
150
Fonte: Camila Fernandes Domingues Duarte/UEM
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