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Fábrica de carne premium Produtor mato-grossense abandona mercado de commodity e se dedica à produção de animais “sob medida”, recebendo prêmio de até 12%/@. Fotos: Pantanal Filmes
Novilhos precoces 1/2 sangue Angus da Fazenda Serrinha garantem carne com bom acabamento de gordura (foto).
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Maristela Franco
de Santo Antônio do Leverger, MT
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maristela@revistadbo.com.br
mercado de carne premium – cuja demanda cresce 30% ao ano, conforme estimativas de especialistas – está viabilizando um velho sonho da cadeia pecuária bovina: a “produção dirigida” ou “sob medida”. Muitos pecuaristas no País já seguem protocolos pré-definidos por parceiros frigoríficos ou varejistas, dando origem a uma nova categoria de fornecedores, que trabalha não mais centrada na sua própria visão de qualidade, mas na do consumidor. O gaúcho Carlos Miguel da Silveira, 57
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anos, gestor da Agropecuária Maria da Serra, pertencente à Família Zagonel, do Rio Grande do Sul, faz parte desse grupo. Quando ele assumiu a administração das propriedades da empresa, em 2013, decidiu transformar uma delas – a Fazenda Serrinha, de 7.777 ha, localizada no município de Santo Antônio do Leverger, 40 km ao sul de Cuiabá, MT – em uma “fábrica” 100% especializada na produção de carne premium, de qualidade tão boa quanto a servida nos melhores restaurantes de São Paulo.
Decisão embasada A decisão de Silveira de produzir 100% de seus bois “sob medida” para clientes exigentes não foi gratuita. “Percebi que havia uma procura crescente por carne de qualidade e pouca oferta, o que garantia bons prêmios ao produtor”, salienta. Roberto Barcellos, da Beef & Veal Consultoria, de Botucatu, SP, confirma esse diagnóstico. Segundo ele, após longo processo de “maturação”, o mercado de carne de qualidade começou a ganhar consistência, chamando, inclusive, a atenção dos frigoríficos (veja reportagem à pág 32). “A tendência desse segmento é de se estratificar, como ocorreu com os vinhos. Nos anos 90, muita gente no Brasil tomava o vinho da garrafa azul [o alemão Liebfraumilch], que frequentava orgulhosamente formaturas e festas, mas, assim que as pessoas começaram a buscar mais informações sobre vinhos, descobriram uma infinida-
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Não era uma tarefa simples. Durante muitos anos, a Fazenda Serrinha havia se dedicado à produção de tourinhos Nelore em pastejo extensivo. Mudar esse sistema produtivo, fazendo cruzamento de vacas Nelore PO com raças britânicas parecia loucura à primeira vista, além de demandar grande investimento em infraestrutura para intensificação de pastagens. Não havia ainda (como há hoje) um mercado tão definido para a carne de qualidade, mas Silveira conseguiu convencer os seis sócios da empresa de que precisava atacar em três frentes para melhorar a rentabilidade de seu negócio: aumentar a quantidade de animais comercializados; girar rapidamente a produção, o que era mais fácil com gado de corte; e agregar valor ao produto. “Após uma modificação societária feita, em 2012, nosso rebanho havia diminuído e precisávamos recompô-lo. A Fazenda Serrinha era a mais indicada para enfrentar esse desafio, por meio da intensificação”, justifica. Silveira tinha a opção de trabalhar apenas com recria/engorda, mas não queria perder a qualidade genética incorporada ao plantel Nelore após anos de seleção. A cria também lhe parecia fundamental para viabilizar um projeto de carne premium, que pretendia abater 400 cruzados precoces/mês, próprios e adquiridos de terceiros. Para isso, ele decidiu produzir desde o sêmen (tem touros em central) até o animal gordo. Dos 3.015 bovinos vendidos em 2017, 86% (2.593) eram cruzados. Os 14% restantes eram vacas de descarte, alguns reprodutores Nelore e garrotes dessa raça oriundos de repasse, que são vendidos à desmama (não ficam na fazenda). Em 2017, 90% dos cruzados terminados foram vendidos à rede de restaurantes Outback e o restante à VPJ Alimentos, de SP, além de projetos regionais, como o do Frigorífico Boi Branco, de Cuiabá. DBO pôde conferir (na grelha e no prato) a alta qualidade dessa carne, que permite ao pecuarista vender novilhas a preço de boi e novilhos com ágio de 12%/@.
de de opções superiores e o mercado se estratificou em níveis. É o que começa a acontecer com a carne. O mercado ainda vai crescer muito, para depois se estratificar”, prevê Barcellos. A boa notícia para o produtor, diz ele, é que a demanda se manterá firme nos próximos 10 anos, mas será preciso fazer uma escolha entre a “pecuária da eficiência” e a “pecuária da qualidade”, porque a melhor carne frequentemente não é fornecida pelo animal de melhor performance. Um sinônimo de eficiência, segundo o consultor, é o boi 7-7-7: machos inteiros produzidos a pasto ou terminados rapidamente em confinamento, abatidos com 21@ aos 24 meses, com gordura mínima exigida pelos frigoríficos ( 3 a 6 mm). “Esse animal é excelente, mas não atende nichos de carne premium, que demandam carcaças muito bem acabadas (6 a 10 mm de gordura subcutânea), com marmoreio, maciez garantida, pH baixo e coloração vermelho-cereja. Para produzi-las, é preciso castrar os animais e confiná-los por mais tempo, aumentando a energia na dieta de terminação, o que eleva os custos”, diz Barcellos.
Da esq. para a dir., parte da equipe da Fazenda Serrinha: Leopoldo Reis, consultor de pastagens; Antônio Braz, gerente; Miguel Silveira, gestor; Cabistani, da Cort Genética, e Eduardo Catuta, da Agroceres.
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Fazenda em números Nome: Fazenda Serrinha Localização: santo antônio do leverger, MT Sistema de produção: ciclo completo Área total: 7.777 ha Área de pastagens: 3.676 ha Rebanho: 9.970 cabeças (dez/2017) Matrizes: 3.755 (dez 2017) Índice de prenhez: 85% Abate de cruzados: 2.593 machos e fêmeas
MT Cuiabá
Santo Antônio do Leverger
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Fotos: Maristela Franco
Cort Genética
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Castração aos três dias de vida
O veterinário Fábio Ribeiro fazendo exame
Miguel Silveira estava ciente desse dilema quando decidiu trilhar a vereda mais difícil (e mais arriscada) da “pecuária da qualidade”, cujos prêmios nem sempre compensam o maior custo de produção. Após várias tratativas, no entanto, ele conseguiu se associar à Fazendas São Marcelo, do grupo mato-grossense JD, sediada em Tangará da Serra, MT, que acabara de fechar contrato de fornecimento com o Outback e precisava de um parceiro. “Juntos, podíamos fornecer um número de animais que justificasse abates mensais para a rede na planta do Marfrig, em Tangará”, conta o produtor. Ele assumiu o compromisso de fornecer no mínimo 180 fêmeas e machos cruzados por mês ao Outback. “A experiência tem sido ótima”, garante. Silveira ainda está analisando o impacto da castração sobre o ganho de peso dos machos, mas acredita que
Padrão Outback Procurada por DBO, a rede Outback não quis informar quantos animais abate em seu programa de carne de qualidade, nem quantos fornecedores já possui no Brasil. Sabe-se, contudo, que a empresa busca animais de genética britânica (mínimo de 50% de Angus ou Hereford), jovens (até dois dentes definitivos) e bem acabados (gordura mediana a uniforme), com carcaça pesando entre 210 (14@) e 300 kg (20@). Se passar disso, o produtor não recebe bônus. A empresa também restringe uso de ingredientes à base de algodão. Não é necessário rastrear, nem certificar os animais. Em 2008, na fase inicial do programa, a rede Outback demandava 1.000 animais/ mês para atender 20 lojas, conforme noticiou DBO à época. Hoje, com 88 restaurantes em todo o Brasil, 44 deles em São Paulo, estima-se que sua demanda seja de no mínimo 5.000 cab/mês. Não se sabe quanto desse total é atendido por produtores brasileiros.
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Touro Ébano, da Serrinha, em coleta na Cort, RS.
a lucratividade de seu negócio é garantida, inclusive porque o mercado de carne premium é menos sujeito a oscilações de preços do que o de carne commodity. Pilares do projeto A meta de Silveira é fazer a Fazenda Serrinha faturar R$ 15 milhões por ano. “Estamos chegando perto”, comemora. O projeto se baseia em vários pilares tecnológicos. Um deles é a inseminação artificial em tempo fixo (IATF), utilizando material genético selecionado de raças britânicas e estação de monta escalonada. Todos os meses, lotes de fêmeas são inseminados, visando produção constante de bezerros 1/2 sangue Nelore/Angus. “A regularidade de fornecimento é uma das principais demandas dos programas de carne premium. Normalmente, protocolamos dois grupos de 150 vacas por mês, mas esse número pode variar conforme o ano e a demanda”, diz Silveira. A inseminação de lotes pequenos também tem favorecido a prenhez. “Se eu coloco 150 vacas no curral às 7 horas da manhã para inseminar, às 9:30-10:00 horas o trabalho já foi concluído. A vaca não fica estressada, o bezerro permanece apenas três horas longe da mãe e o peão pode se dedicar a a outras tarefas”, explica o produtor, que leva muito a sério as diretrizes técnicas da IATF. “Protocolo é para ser cumprido”, salienta. Antes da reestruturação de seu projeto pecuário, a Fazenda Serrinha tinha 6.000 animais Nelore PO registrados; hoje, tem 9.970 matrizes cara limpa e cruzados, com taxa de desfrute de 33%. O rebanho da propriedade cresceu 66%, devendo atingir 15.000 cabeças nos próximos dois anos. “Com o gado PO, chegamos a ganhar vários prêmios e ser reconhecidos pelo mercado, mas a rentabilidade era insatisfatória. Tínhamos de transferir todos os animais de recria para outra fazenda do grupo, pagando frete alto, porque faltava pasto para alojá-los. Os machos não selecionados como touros eram abatidos com 17@, por falta de estrutura para engordá-los. Chegamos a vender novilhas por R$ 700”, relata Silveira. Hoje, o plantel da Serrinha soma 3.755 matrizes Nelore selecionadas, mas sua meta é reunir 6.000 até 2019, das
quais 1.000 serão fêmeas F1 inseminadas com Braford, visando à obtenção de tricruzados com 3/8 de sangue britânico. Esses animais precoces conhecidos como “caretas”, devido à mancha branca na cara, fornecem carcaças valorizadas pelo Outback. Silveira decidiu reter parte das fêmeas F1 por sugestão de Antônio Carlos Olabarriaga Cabistani, diretor da Central Cort Genética Brasil, de Uruguaiana, RS, que é seu amigo e consultor. A ideia era aproveitar a habilidade materna das fêmeas Nelore/ Angus, em sua maioria filhas dos touros Vetor e Ébano, que ele havia comprado dos criatórios gaúchos GAP e S2, colocando-os em coleta na Cort, junto com seu touro Braford, Xama. Parte do sêmen coletado desses reprodutores vai para a Serrinha e parte é vendida a terceiros, sempre após realização do teste de termorresistência rápido (TTR), que avalia a capacidade dos espermatozoides de permanecer por mais tempo no trato genital das fêmeas (cerca de 10 horas, ao invés das 8 h usuais). A Serrinha faz duas inseminações por vaca no mesmo dia: a primeira, 48 horas após a retirada do dispositivo intrauterino e a segunda, 8-10 horas após a primeira, pois não se sabe o momento exato da ovulação. “Apesar do maior gasto com sêmen, essa prática fez o índice de prenhez por IATF da propriedade subir de 60% para 70%”, diz Capistani. Quem manda são as vacas Não apenas a qualidade do sêmen e a dupla inseminação garantem esse bom resultado. “Quem manda na Fazenda Serrinha são as vacas. Os peões estão lá para cuidar delas, sem estresse, sem correria ou gritos. Elas precisam de tranquilidade para emprenhar, parir e desmamar bezerros no padrão almejado, que é de 220 kg para fêmeas e 240 kg, para machos, em média”, diz Silveira. Para isso, o produtor investe em protocolos sanitários de primeira linha e conta com os serviços do veterinário Fábio Ribeiro, que faz os exames de toque e ultrassom das fêmeas, ajustando o manejo, sempre que necessário. Na Fazenda Serrinha, não se aplica carrapaticida, por exemplo, antes ou logo após a IATF, pois esses produtos elevam o risco de reabsorção embrionária durante o período de “nidação” do embrião (fixação na parede uterina). Como as vacas têm dificuldade para eliminar calor e a movimentação eleva sua temperatura corporal, prejudicando a concepção, Silveira construiu um segundo curral do outro lado da fazenda, para evitar que elas caminhassem longas distâncias e ficassem estressadas. Além dos cuidados sanitários e reprodutivos, a Serrinha investe em outro pilar tecnológico importante: a nutrição. Isso permite que as matrizes se mantenham em boas condições físicas ao longo do ano, possibilitando a monta escalonada. Em média, o índice de prenhez da fazenda é de 85%, com lotes de multíparas chegando a 95% e de primíparas,
Perfil do mercado de carne premium Com dezenas de marcas de carne “pipocando” no mercado e inúmeros restaurantes apresentando cortes diferenciados no cardápio, desde um T-Bone (contrafilé com osso) até um brisket (corte do peito), o mercado de carne premium ganha sofisticação. Não é tão simples mapeá-lo, mas pode-se identificar algumas características. Com certeza , é um mercado:
Consumidor busca produto com garantia de qualidade
Promissor – Apesar de pequeno (representa apenas 2% da carne comercializada no Brasil), ele tem crescido de forma acelerada nos últimos anos, a taxas anuais que variam de 30% a 70%, conforme a empresa e região. Concentrado – Cerca de 90% da carne premium produzida no Brasil vai para churrascarias e steak houses, que dão preferência às raças britânicas e demandam cortes grill de alto padrão. Esses estabelecimenos são abastecidos principalmente por marcas tope de frigoríficos (Swift Black, da JBS; Steakhouse, da Marfrig; Angus Beef, da Frigol), por linhas excluisvas (caso do Outback ) e por empresas especializadas, como a Intermezzo Gourmet, a Beef &Veal, a VPJ Alimentos e a Prime Cater. Os 10% restantes da produção são vendidos diretamente ao consumidor, em supermercados ou açougues de nova geração. Pouco desenvolvido – O segmento de carne premium, ao contrário dos vinhos e cafés, por exemplo, ainda não está devidamente estratificado, ou seja, o consumidor ainda não tem percepção clara dos níveis de qualidade e diferenças de sabor, maciez, textura e apresentação dos produtos, o que ainda gera certa insegurança na hora da compra. Há muito trabalho a ser feito nessa área. Receptivo – Cresce o número de consumidores dispostos a pagar mais pela carne premium. São exigentes, buscam novos cortes e informações sobre origem, preparo e características do produto. Os percentuais de sobrepreço variam de 20% a 120% (caso dos cortes dry aged).
a 75%. A taxa de mortalidade é inferior a 1%. Nas águas, as vacas ficam em pastagens extensivas bem manejadas, recebendo sal mineral aditivado com o ionóforo flavomicina. Na seca, comem pasto, feno de mombaça (nos meses de maior escassez de forragem) e um suplemento à base de ureia. Os bezerros têm acesso a instalações de creep feeding, para que fiquem menos dependentes do leite da mãe e se acostumem ao cocho, chegando à desmama já adaptados e com peso mais uniforme. Na recria, as fêmeas Nelore de reposição recebem proteico-energético, na proporção de 0,1% a 0,3% do PV. Depois voltam a ser suplementadas apenas após a primeira parição, para garantir nova prenhez. DBO
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Capa Maristela Franco
Vacas Nelore com bezerros cruzados Angus que serão criados “sob medida”
Antônio Carlos Cabistani
À direita., o tricross “careta”, filho de vaca 1/2 sangue Angus com touro Braford.
Já as fêmeas e machos cruzados destinados ao abate são recriados em pastos rotacionados (veja detalhes na pág. 62), recebendo “ração amarga”, um proteico-energético que, além de 20% de proteína e minerais específicos para animais em crescimento, contém um limitante de consumo. Desenvolvido pela empresa mato-grossense Novanis (atualmente incorporada à Agroceres), o produto é fornecido à vontade em cochos cobertos, para diminuir o número de tratos. A ingestão, contudo, se mantém no percentual estipulado por cabeça, conforme a época do ano: 0,5% do peso vivo (PV), entre novembro e maio; 0,75%, entre maio e julho e 0,8% a 1%, entre agosto e outubro. Por ser mais pesada, essa suplementação permite encurtar a recria de 12 para cinco/ seis meses, garantindo ganhos de 850 g a 1,2 kg/cab/ dia. Quando os animais atingem 300-330 kg (fêmeas) e 375-380 kg (machos), vão para as áreas de engorda a pasto, onde recebem 1,2% do PV em ração. Na seca, a fase final da terminação (70 a 90 dias) é feita no confinamento, que funciona de maio a novembro. As fêmeas são abatidas com 16-17@ e os machos com 19-20@, aos 16-18 meses.
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Incógnita do sistema Todo esse protocolo nutricional tem um custo, mas a grande incógnita do sistema continua sendo a castração. “Considerando-se que o concentrado, na fase final de recria, sai por R$ 2/cab e o valor do quilo de bezerro seja de R$ 5,50, temos um saldo positivo de R$ 2,5 por kg, se o animal ganhar em média 800 g/cab/dia. Portanto, vale a pena suplementar, mas não sabemos se o macho cruzado, que agora está sendo castrado logo após o nascimento, vai apresentar esse desempenho”, diz Eduardo Catuta, técnico da Novanis que assessora a propriedade. Silveira decidiu castrar os bezerros recém-nascidos, quando são levados ao curral para fazer a cura do umbigo, a identificação com brincos eletrônicos e a tatuagem na orelha, porque ele acredita que a castração, nessa idade, eleva a qualidade da carne. Para contabilizar o impacto econômico da prática, contudo, o produtor separou dois lotes de animais inteiros e castrados para acompanhamento até o abate. “Dizem que os últimos engordam menos, mas quanto? Quero ter meus próprios números”, salienta. Segundo Catuta, alguns projetos de carne de qualidade têm relatado perda de 25% na eficiência alimentar devido à castração, mas esse percentual pode ser até maior. “Em fazendas que fazem carne commodity em sistema intensivo, machos Angus/Nelore jovens, inteiros, têm entrado com 380 a 420 kg no confinamento e saído aos 18 meses com 22@, em média, após 106 dias de engorda, ganhando 3@ a mais do que na Serrinha. O prêmio para fêmeas e castrados destinados à produção de carne premium precisa compensar essa perda”, defende o técnico, lembrando que o macho inteiro permite colocar mais @/cab, enquanto o castrado, a partir de certo momento, começa a depositar muita gordura e precisa ser abatido. Miguel concorda que há uma disparidade entre as duas categorias animais, mas não acredita que seja tão grande. “Vamos ver. Pelas minhas contas, hoje me sobram R$ 700/cab, o que considero um bom retorno.
Capa Quando eu tiver todos os números na mão, poderei avaliar melhor essa questão, mas, no ano passado, consegui uma média de R$ 154/@, ante R$ 135/@ do boi commodity, 14% a mais”, argumenta o produtor, reforçando sua opção pela produção dirigida. Ele já tem sistema de rastreabilidade interna, mas pretende se inscrever na Lista Traces (fazendas aptas a exportar para a União Europeia) para que seus animais tenham preferência no abate. “Os rastreados são os primeiros a entrar na escala, o que reduz o estresse. Minha preocupação com bem-estar vai do nascimento ao curral de espera do frigorífico”, justifica. Silveira gosta de repetir uma sábia sentença: “Fazer bem feito ou mal feito dá o mesmo trabalho; então, por que não caprichar?”. O produtor também espera que a rastreabilidade oficial possa lhe abrir mais mercados. “Olho sempre para frente”, diz.
Funcionária coleta informação de brinco eletrônico no tronco
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Rotacionado diferente
Lote com mais de 1.000 machos de recria no módulo de rotacionado
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pesar dos investimentos em suplementação, a Fazenda Serrinha continua tendo o pasto como principal componente da dieta. Os animais cruzados, por exemplo, comem somente ponta de capim. Entre 600 e 900 fêmeas são recriadas em um módulo rotacionado de 80 ha, área menor do que a dos machos, porque elas logo atingem os 300 kg exigidos para entrada na terminação (giram rápido). Já os garrotes são concentrados em um grande módulo de rotacionado, que ocupa 230 ha, subdividido em 10 piquetes de 23 ha cada. Formado com mombaça (80%) e braquiária (20%), ele foi projetado pelo agrônomo Leopoldo Oliveira dos Reis, da empresa Voitec – Tecnologia em Voisin, de Bagé, RS, que também é instrutor do Serviço de Aprendizagem Rural (Senar). O projeto é totalmente setorizado. Foi montado em local mais afas-
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tado, no extremo norte da fazenda, para evitar contato dos machos com as matrizes, pois, à época, eles eram castrados somente ao final da recria, já na puberdade. Somente no final do ano passado, Silveira começou a castrá-los ao nascimento. Por ocasião da visita de DBO, em fevereiro passado, o módulo abrigava um único lote de 1.010 novilhos, mas a meta é nela rotacionar 2.000 machos. Como o lote é grande, Reis projetou as instalações, junto com Silveira, para que os animais não precisassem caminhar muito em busca de suplemento e água. O módulo possui três áreas de lazer munidas de cochos cobertos, feitos para durar a vida inteira (veja foto na pág. 63). Os animais usam a praça mais próxima do piquete que estão pastejando. Essa estrutura também possibilita dividir o módulo em três, caso seja necessário trabalhar com mais lotes. Os bebedouros ficam fora da área de lazer. Eles foram distribuídos estrategicamente, de três em três, na divisa de alguns piquetes, para facilitar a dessedentação, conforme mostra a ilustração. “Não pode faltar água de qualidade para os animais”, salienta o produtor, que construiu um reservatório de 500.000 litros para abastecer 15 bebedouros de 7.000 l cada. Redenção da cerca elétrica O projeto de rotacionado dos machos é relativamente novo. Silveira conheceu Reis, em 2016, após visitar um projeto orientado por ele, a Estância Ana Paula, em Aceguá, no Uruguai. “São 5.500 ha divididos em piquetes de 2 ha cada, formando uma malha perfeita, tudo com cerca elétrica e tudo funcionando com perfeição”, relata o pecuarista, que, a partir daí, decidiu apostar para valer na eletrificação, apesar das opiniões contrárias. “Conhece aque-
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Bebedouro não fica na área de lazer, mas na divisa dos piquetes.
la história do peixe sem cabeça que a mulher fazia porque a mãe dela preparava assim, a avó, a bisavó, sem que ninguém soubesse por quê? É a mesma coisa com a cerca elétrica. Repetem que ela não funciona, sem questionar o que fizeram errado lá atrás”, exemplifica. Segundo Silveira, somente a cerca elétrica segura os animais Angus. “Se fossem inteiros, talvez nem ela segurasse; são terríveis. Faço castração também por isso. Como eu daria conta de 2.000 machos inteiros em uma fazenda com 4.000 vacas e 2.000 novilhas entrando em serviço?”. A castração também possibilita manter tantos novilhos juntos, o que é vantajoso, segundo Reis, porque garante um pastejo mais uniforme e melhor distribuição do esterco. “Já não precisamos mais fazer adubação de base com potássio na saída da seca (setembro/outubro), apenas com fósforo e nitrogênio”, informa o consultor. Os piquetes são pastejados por 3 a 4 dias e descasam 27. O manejo do pasto não é feito com base em alturas fixas de entrada e saída, mas em observações da rebrota, que não pode ser consumida. Quando o capim perde fôlego ou é preciso aumentar a carga animal no módulo, ele recomenda fazer adubações nitrogenadas. A meta é fazer os machos engordarem de 135 a 140 kg na recria, ganhando 1,2 kg/cab/dia. No início do verão deste ano, como estava sobrando forragem no módulo, ele foi subdivido em dois, abrigando 1.010 bezerros e 1.099 bezerras desmamadas ao mesmo tempo, com lotação de 9,6 UA/ha. “As fêmeas permaneceram na área por dois meses. Enquanto isso, vedamos o módulo delas. Virou um jardim de capim”, comemora Silveira. O projeto de rotacionado intensivo tem viabilizado a compra de bezerros cruzados para ajustar (ou aumentar) a oferta mensal de animais (veja quadro sobre parceiros). Na seca, os animais são terminados em confinamento, recebendo ração à base de si-
Antônio Carlos Cabistani
Cocho de suplementação a pasto: estrutura para durar anos.
lagem de milho, farelos de milho, sorgo e soja, mais núcleo mineral. Nas águas, engordam em semiconfinamento, muitas vezes em lotes misturados de fêmeas com machos, já que estes são castrados. Para dar maior impulso aos pastos na entrada das águas, Leopoldo Reis recomendou roçar aqueles que têm maior dificuldade de rebrota. Muitos técnicos consideram essa prática um indicador de erro no manejo, mas o agrônomo gaúcho pensa diferente. Segundo ele, no Centro-Oeste, as gramíneas demoram muito a rebrotar porque ficam cheias de folhas amarelas provenientes da seca e gastam carbono para eliminá-las, antes de emitir folhas novas. “Ao roçar, liberamos o capim para a rebrota e ainda incorporamos matéria orgânica ao solo. Na sequência, adubamos. Módulo de pastejo rotacionado dos machos Estrutura pensada para atender grandes lotes
Bebedouro Área de lazer
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Fotos: Miguel Silveira
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Cultivo de milho para silagem ajuda a reformar pastagens
Com isso, antecipamos bastante o pastejo e damos novo fôlego ao capim”, frisa o consultor. Reforma com agricultura Outra medida importante tomada por Silveira foi reformar pastos degradados com ajuda da lavoura. Nesta safra, ele cultivou 286 ha de milho para silagem, dos quais 60 ha foram tomados emprestados do módulo de rotacionado dos machos. Neste verão, o lote rodou em apenas oito de seus 10 piquetes, ou seja, ficou em 170 ha, com lotação de 4,4 UA/ha. Depois da colheita do milho, esses 60 ha foram semeados com mombaça e convert, voltando a integrar o módulo, que deverá ganhar mais dois piquetes em breve, totalizando 12. “Nossa proposta é ir mudando as áreas de plantio de milho, para recuperar toda a fazenda a custo baixo. O capim aproveita a adubação residual da lavoura. Basta aplicar um dessecante, dar uma nivelada para incorporação da matéria orgânica, e semear o capim em plantio direto”, afirma o produtor.
Feno de mombaça usado para alimentar vacas na seca
Nas áreas reformadas, quando há sobra de forragem, faz-se feno. “Devemos produzir, neste ano, entre 2.500 a 3.000 t, em uma área de mombaça. Os fardos são fornecidos a pasto, na seca, para as vacas em reprodução”, explica Silveira, que chegou a pensar em fazer lavoura de soja na fazenda, mas concluiu que a pecuária profissionalizada, no mesmo nível da agricultura, era um negócio mais seguro e talvez mais lucrativo, além de exigir menos investimento. “O custo de plantio da soja, hoje, é de US$ 2000/ha. Se eu aplicar US$ 1.000/ha na pecuária, vai chover boi”, diz o produtor, que quer faturar R$ 15 milhões/ano somente com pecuária. Esse número será atingido com intensificação contínua e agregação de valor ao produto. “Para conseguirmos esse faturamento vendendo fêmea a R$ 125/@, precisaríamos de 7.272 cabeças, enquanto vendendo a R$ 150/@, bastam 5.550 animais, 2.200 a menos. A estrutura e o custo fixo são os mesmos se eu faturar R$ 5 milhões ou R$ 15 milhões. Não tem saída, tem de agregar valor”, defende. n
Parceiros ajudam a equacionar oferta Para ampliar suas vendas de cruzados para nichos de carne Premium, Carlos Miguel da Silveira conta com pelo menos cinco parceiros fiéis, que lhe fornecem bezerros desmamados ou garrotes no padrão desejado. Um deles é Cleudemir Fávaro, proprietário das Fazendas Luar do Pontal, em Alto Paraguai, e Serra Azul, em Rosário do Oeste, ambas no Mato Grosso. Toda a produção de bezerros cruzados da segunda proprie-
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dade é vendida para Silveira. “Devemos fornecer 500 animais ao Miguel neste ano, mas em 2019 serão 1.000”, informa Fávaro, que faz IATF em 100% das matrizes e utiliza ferramentas como o pastejo voisin e a suplementação a pasto para produzir animais de melhor padrão. Segundo ele, o mercado de carne premium valoriza quem investe em tecnologia. Para atingir sua meta de abater 400 bovinos cruzados/mês, Silveira terá
de comprar pelo menos 1.800 animais por ano (150/mês), já que pretende produzir outros 3.000. Em 2017, somente no segundo semestre, já comprou 1.682 cabeças. Como troca muita informação com o parceiros, Silveira procura auxiliá-los, sempre que possível, em questões como manejo alimentar, genética e sanidade, para que lhe forneçam bezerros padronizados, vendidos por quilo. “Nosso objetivo é comprar sempre produção boa”, diz.