Retrospectiva 2018: Revista DBO (pág.62 - ed.448)

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fotos: ariosto mesquita

Fazenda em Foco

Os ‘Grand Passion’ em terminação, frutos de cruza entre Wagyu, Nelore e Angus, com idade média de 34 meses.

Ricardo Sechis alia a produção de carne premium à chancela da dieta dada aos animais por institutos de pesquisa

Receita para uma carne premium Pecuarista trata a pão-de-ló plantel que produz os cortes especiais Beef Passion

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Ariosto Mesquita de Nhandeara, SP

le passou a infância ouvindo do pai, o italiano Amadeus Sechis, que o boi é um animal sagrado. Na juventude, enquanto cursava o segundo grau, entre os 15 e 18 anos, trabalhou como açougueiro na casa de carnes do irmão mais velho, Noriel, na pequena cidade paulista de Nhandeara, 510 km a noroeste da capital, São Paulo. Nem a graduação como engenheiro foi capaz de afastá-lo da pecuária. Ao contrário, ajudou Antonio Ricardo Sechis a desenvolver aquela que vem sendo considerada uma das melhores carnes bovinas brasileiras: a Beef Passion. A carne está presente em 41 pontos de venda do País, com 72 tipos de cortes distribuídos nos selos Australian Passion (meio-sangue Angus australiano com Nelore) e Grand Passion (meio-sangue Wagyu em cruzamento triplo com sangue 1/4 Nelore e 1/4 Angus). Simples, inquieto, curioso e carregando doses nada homeopáticas de coragem no DNA, Sechis pretende ir mais longe. Há pouco mais de quatro anos decidiu abrir as porteiras de suas cinco propriedades (quatro no

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Mato Grosso do Sul e uma em Nhandeara) para pesquisadores, a maioria dentro de um modelo de parceria público-privada, no qual ele cede animais, espaço e estrutura e recebe, em troca, conhecimento. O objetivo é o desenvolvimento de mais produtos e o aperfeiçoamento da qualidade da carne. Hoje, suas terras funcionam simultaneamente como espaço produtor de referência na bovinocultura de corte brasileira e uma grande fazenda-laboratório. O conhecimento gerado ali é aplicado em escala no rebanho de Sechis e posteriormente se torna público a partir de defesas de teses ou de artigos técnicos. Dieta validada Logo de início, um estudo de 2012, fruto de parceria com o Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus São José do Rio Preto, validou o esquema nutricional usado hoje para a terminação dos animais Grand e Australian Passion, no qual a soja é o destaque. “O diferencial da dieta na linha Beef Passion é a soja em grão, a fim de aumentar a deposição de gordura insaturada na carne. Além de entrar como fonte de energia proveniente do seu extrato etéreo (óleo), a soja carrega proteína e, por isso, substitui fontes proteicas tradicionais, como os farelos de soja e amendoim”, explica Ismael Pereira, assistente técnico e comercial da Cargill Nutrição Animal, empresa responsável pela formulação da estrutura alimentar no confinamento da Fazenda Recanto Vó Cidinha, em Nhandeara. As gorduras insaturadas são consideradas as mais saudáveis para o consumo humano, com alta digestibilidade. Segundo Pereira, além da soja, a ração tem em sua composição silagem de milho, milho moído, gérmen de milho, polpa cítrica e núcleo, este último desenvolvido pela Cargill exclusivamente para os animais Beef Passion: “Ele carrega macrominerais, microminerais, minerais orgânicos, aditivos, vitaminas e uma combi-


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No confinamento em Nhandeara, SP, gado come ração que privilegia deposição de gordura

Grãos de soja são um dos principais ingredientes na dieta servida no cocho

nação de vitamina E com elementos fenólicos, como a cianidina, cujo efeito antioxidante é três vezes superior ao da própria vitamina E”. A dieta, de acordo com Sechis, mudou a qualidade final da carne sem afetar o sabor. “O perfil de gorduras insaturadas pulou de 50% para 75%”, conta. Mais ômega 3 A mais recente pesquisa com o rebanho de Sechis está sendo realizada também pela Unesp e é uma das grandes apostas do criador. Trata-se da tese de mestrado “Avaliação da qualidade da carne de contrafilé de bovinos tricross Wagyu submetidos a três dietas contendo semente de girassol, semente de linhaça e soja em grão”, conduzida por Paula Carosio Pereira, sob a orientação da professora e engenheira de alimentos Andrea Carla da Silva Barretto. O trabalho está em fase final, com defesa de tese prevista para este mês. Entre os itens avaliados estão o perfil lipídico da carne e uma análise sensorial com potenciais consumidores (117 funcionários da própria Unesp). Os resultados, segundo a orientadora, indicaram que não houve diferença a considerar em textura, maciez e sabor. A dieta com grão de soja, porém, depositou na carne maior quantidade de ácidos graxos poliinsaturados (permitindo melhor presença deste em relação às gorduras saturadas) e volume superior de ômega 6, comum nos óleos vegetais e funcional para o organismo humano. Mas o que chamou a atenção foi o fato de a dieta com semente de linhaça ter elevado, na carne, o nível de ômega 3, gordura considerada uma das mais benéficas para o organismo humano. “A diferença se mostrou significativa em relação às demais dietas”, diz a professora. Na quantidade medida em miligramas por 100 gramas (mg/g) de carne, o tratamento com linhaça depositou no contrafilé de meio-sangue Wagyu 0,068 mg de ômega 3, quantidade 15,27% superior à dieta com soja em grão (0,059 mg) e 44,68% maior do que a ração com semente de girassol (0,047 mg). Apesar do melhor desempenho da ração com soja em grão na avaliação lipídica, Sechis está decidido a

Andrea Barretto, da Unesp, pesquisa a ração dada ao gado de Sechis.

usar também linhaça no cocho. “Acredito que seu potencial para a oferta de ômega 3 na carne é ainda maior. Observamos nas fezes dos animais que muitas sementes não foram quebradas”, revela. Isso abriu as portas para uma nova pesquisa, que deve ser realizada este ano, desta vez com linhaça triturada. A professora Andrea prefere não fazer prognósticos: “A partir do uso da semente fragmentada temos, sim, uma expectativa de maior deposição de ômega 3 na carne, mas também uma preocupação: será que não interferirá no sabor?”. Para esta pesquisa da Unesp, concentrada na área de confinamento da fazenda em Nhandeara, Sechis cedeu 24 animais (50% fêmeas e 50% machos) com 32 meses e peso médio de 507 kg, divididos em três grupos de oito. Todos receberam ração à vontade durante 100 dias antes do abate, ocorrido no Frigorífico Olhos D’água, em Ipuã, SP. Novo produto Outro estudo, conduzido por pesquisadores da Embrapa Gado de Corte (Campo Grande, MS), tenta validar um produto para a linha Beef Passion: um animal 3/4 Angus e 1/4 Nelore, proveniente de genética australiana para alto marmoreio. Dessa forma, Sechis busca um bovino com carne mais próxima do meio-sangue Wagyu, mas sem as características limitantes da raça japonesa, como o lento ganho de peso e a alta suscetibilidade para doenças. A primeira parte do trabalho foi toda concentrada na Fazenda Cantinho do Céu, em Cassilândia, MS (cria e recria a pasto). “São 115 animais, todos com 15 meses e peso médio de 350 kg ao fim de novembro de 2017, na reta final de recria. No mês seguinte seguiram para o confinamento em Nhandeara. Estimamos um tempo máximo de um ano para terminação, mas vamos monitorar com exames de ultrassonografia de carcaça a cada 60 dias. É possível até antecipar o prazo para abate”, conta Rodrigo da Costa Gomes, um dos pesquisadores da Embrapa envolvidos no projeto. Outro estudo, mais recente, está sendo conduzido pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas

Diferencial da dieta na Beef Passion é a soja em grão” Ismael Pereira, assistente técnico e comercial da Cargill Nutrição Animal.

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Fazenda em Foco Gerais, em parceria com a Cargill. Ele tem como meta o melhoramento da qualidade da carne de vacas mais velhas. Sob este aspecto, o primeiro passo é uma avaliação comparativa entre novilhas jovens e vacas velhas, todas meio-sangue Angus. O objetivo é avaliar o efeito da idade na qualidade da carne. “Colocamos esses animais em dietas não tão elaboradas como aquela ofertada para o meio-sangue Wagyu, mas com características de alta energia. Testaremos quatro tipos de maturação. A tentativa é de obtenção de

uma carne mais macia do que o habitual”, revela Pedro Veiga, gerente global de Tecnologia de Bovinos de Corte da Cargill Nutrição Animal. O estudo envolve 40 animais: 20 novilhas e 20 vacas com idades médias de 15 meses e 8 anos, respectivamente. Todas foram fechadas em janeiro de 2018. O abate deve ocorrer em março. Entre maio e junho, uma segunda etapa deve avaliar o efeito genético na qualidade da carne. Nesta fase serão comparados os desempenhos de fêmeas Nelore e de vacas meio-sangue Angus. n

fotos: ariosto mesquita

Corte mais caro custa R$ 340/kg

Na ‘hora do recreio’, animais se distraem com bolas de futebol soltas no confinamento.

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Para se coçar e exercitar, bovinos contam com sacos próprios para treino de box.

trabalho de Ricardo Sechis começa em suas quatro fazendas de cria e recria a pasto no Mato Grosso do Sul. Três delas (Cabaça, Bom Sucesso e Rodansechis) ficam em Alcinópolis (312 km ao norte da capital, Campo Grande) e uma (Cantinho do Céu) em Cassilândia, no chamado Bolsão (a 433 km da capital). Juntas, somam 4.800 hectares de área produtiva. Nelas, vacas Nelore recebem sêmen de Angus australiano (gerando o animal meio-sangue) e as ­fêmeas meio-sangue Angus recebem a genética Wagyu (cruzamento triplo meio Wagyu, 1/4 Nelore e 1/4 Angus). Por volta de 12 meses e peso médio de 275 kg (machos) e 250 kg (fêmeas), os primeiros seguem para engorda intensiva em Nhandeara. Os animais de cruzamento triplo deixam Mato Grosso do Sul só depois de 2 anos de idade (peso médio de 355 kg) e passam por uma recria a pasto em Nhandeara de dez meses antes de serem fechados. A terminação ocorre no Recanto Vó Cidinha, onde fica o confinamento. Com capacidade estática para 2.000 cabeças, é ali que os animais recebem as “regalias”. Toda a estrutura próxima aos cochos é coberta e climatizada. Cortinas de água (spray) são acionadas periodicamente e de forma programada, para garantir o conforto térmico. Um sistema de som espalhado ao longo do confinamento reproduz baladas pop, músicas clássicas e sons instrumentais. Bolsas de pancada (usadas em treinamento de boxe) servem de coçadores e massageadores. Aos fins de tarde é a hora do

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O produto final são cortes vendidos sob a marca Beef Passion

“futebol”, quando bolas são jogadas próximas aos cochos para a diversão da boiada. Sechis acredita que este procedimento seja um dos elementos fundamentais para o sucesso da carne Beef Passion. “Procuramos dar o máximo de conforto ao animal. Mesmo no frigorífico, momentos antes da insensibilização, ele ouve música e recebe afagos”, observa. Sechis é o fornecedor oficial para a Beef Passion, comandada pelos seus filhos (Amália, Júlia e Ricardo). Entrega 20 animais por semana com a seguinte relação de peso e idade: meio-sangue Angus (22 a 24 meses e 22 a 23 arrobas) e meio-sangue Wagyu (36 a 40 meses e 26 a 27 arrobas). Aqueles que não são selecionados (avaliação de formação de fibras por imagens de ultrassonografia) são destinados para a linha precoce OBA Reserve da rede OBA Hortifrutis. “São aproximadamente 3.000 animais/ano entregues nesta aliança comercial com a Rede OBA, terminados com idade média de 17 meses e peso entre 16 e 18 arrobas. Pela arroba recebo hoje R$ 170. Para o meio-sangue Wagyu e meio-sangue Angus, a Beef Passion me paga R$ 240 e R$ 191, respectivamente”, diz. Os cortes Beef Passion são os mais valorizados. Sechis revela que só o empresário Alex Atala, dono de quatro casas em São Paulo, consome em média 200 kg semanais desta linha. “O corte mais barato é a bochecha Australian Passion, de R$ 22/kg; o mais caro é o bife ancho Grand Passion, vendido a R$ 340/kg”, revela. n


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