Retrospectiva 2018: Revista DBO (pág.72 - ed.449)

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Pastagens

Pastoreio que ‘bate um bolão’

Fotos Maristela Franco

Subestimado pelo produtor, pastejo alternado dá resultados próximos aos do rotacionado e ajuda a intensificar pastagens.

Animais sob pastoreio alternado: lotação de 3,5 a 4 UA/ha.

Maristela Franco maristela@revistadbo.com.br

N

as últimas décadas, o pastoreio de lotação rotacionada se tornou quase sinônimo de intensificação, como se ele fosse o único método de manejo disponível para obter altas lotações e produzir mais carne. Essa premissa, contudo, não é verdadeira. Segundo Adilson Aguiar, consultor e professor da Fazu (Faculdades Associadas de Uberaba), trabalhos realizados com pastoreio alternado por alunos da instituição desde 2013, em condições adequadas de fertilidade do solo e manejo, têm obtido resultados semelhantes aos do rotacionado, tanto em lotação quan-

Ensaio conduzido na Fazenda São Joaquim, GO, comparando os métodos de pastejo sob lotação rotacionada e alternada* Indicadores Nome dos piquetes

Módulos de pastejo avaliados A

Método de pastoreio Nº de piquetes

B

C

AR

Lotação rotacionada 8

8

8

AA

Alternada 4

2

Espécies de capim

Xaraés

Marandu

Lotação em cab/ha

4,8

4,9

4,1

4,1

4,7

Lotação em UA/ha

4,2

4,4

3,5

3,4

3,6

Ganho cab/dia

1,1

1,1

1,2

1,2

1,3

Produção @/ha

23,2

23,4

21,5

22,3

26,4

*Ensaio técnico com duração de 131 dias, realizado entre dezembro de 2016 e abril de 2017. OBS: Resultados alcançados com 931 mm de chuvas e 0 a 2 t/ha de calcário + 0 a 0,5 t/ha de gesso + 48 a 94 kg/ha de P2O5 + 0 kg/ ha de K2O +107 a 189 kg/ha de N + 75 kg/ha de enxofre (do gesso). Fonte: Aguiar, 2017/Adaptação DBO

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to em ganho de peso. “Nesses experimentos, alojamos de 3 a 4,8 UA/ha nas águas, com ganho médio diário de 580 a 660 g/cab/dia na recria, e 740 g a 1,04 kg/cab/ dia na engorda, apenas com suplementação mineral, em pastagens do gênero Brachiaria sp”. Ao contrário do que se pensa, é perfeitamente viá­ vel adubar sistemas de pastoreio sob lotação alternada. Segundo Aguiar, chegou o momento de se quebrar paradigmas (ou preconceitos) em relação a essa modalidade de manejo intermitente, pois ela pode ajudar muita gente a iniciar um processo de intensificação com menos investimentos. “Aproveitando as instalações já existentes na propriedade, com algumas adaptações, o produtor pode montar vários módulos de alternado e usar o dinheiro disponível para comprar corretivos e adubos, por exemplo, o que já vai melhorar bastante sua produção”, argumenta Aguiar. Foi o que fez Ademar Pereira Leal Filho, quando comprou 67 ha de um vizinho em 2016, incorporando-os aos 174 ha da Fazenda São Joaquim, que arrendara do pai dois anos antes para montagem de um projeto de pecuária intensiva. Até 2014, essa propriedade, no município de Jandaia, 120 km ao sul de Goiânia, GO, foi explorada de forma tradicional. Para que ela pudesse sustentar altas lotações, Ademar Leal (como é mais conhecido) investiu pesado na montagem de módulos de pastoreio de lotação rotacionada, construindo cercas elétricas, corrigindo o solo com calcário, aplicando adubo fosfatado, perfurando um poço artesiano e montando uma rede hidráulica para levar água até os bebedouros nas áreas de lazer dos módulos. “Quando comprei as terras do meu vizinho e o Adilson me sugeriu trabalhar com o alternado, foi ótimo, porque eu pude respirar um pouco e começar a intensificar os pastos novos, sem fazer grandes desembolsos”, conta o produtor, que também é dono da empresa de nutrição Campo Rações. Resultados surpreendentes Leal hoje trabalha com cinco módulos de pastejo rotacionado e três de alternado. Em um ensaio de validação técnica orientado por Adilson na propriedade, entre dezembro de 2016 e abril de 2017, o módulo de alternado avaliado “bateu um bolão”, suportando 3,6 UA/ha, valor muito próximo ao da média de quatro rotacionados (3,8 UA/ha). Todos os piquetes eram formados com Brachiaria brizantha (cultivares Marandu e Xaraés), previamente corrigidos com calcário, gesso e fósforo. No período, choveu 900 mm e os módulos receberam de 107 a 189 kg de nitrogênio e 75 kg de


enxofre por hectare. Na média, os bovinos engordaram 1,3 kg/cab/dia no alternado, mais do que no rotacionado, onde o ganho médio foi de 1,2 kg/cab/dia, com suplementação proteico-energética na proporção de 0,3% do peso corporal. A produtividade também foi maior: 26,4@/ha ante 22,3@/ha, em média, do rotacionado (veja tabela na pág. ao lado). Leal aduba todos os piquetes com lotação intermitente, independentemente do método de pastoreio utilizado. “Sem adubação, os resultados não seriam tão bons”, esclarece. Caso venha a comprar mais terras, diz que continuará usando o alternado. Não exatamente por causa do menor investimento exigido ou da menor movimentação dos animais (o lote permanece no piquete por 9 a 11 dias, nas águas), mas porque esse tipo de pastoreio permite trabalhar com lotes menores, bem apartados, o que evita problemas de dominância. Nos sistemas que adotam o rotacionado, normalmente os lotes são grandes, chegando a 500 cabeças. Segundo Adilson Aguiar, a inseminação artificial em tempo fixo (IATF) também traz consigo esse desafio dos lotes menores, pois a maioria das fazendas somente consegue protocolar de 120 a 240 vacas por dia. “Se é preciso mantê-las juntas no mesmo pasto, por que não trabalhar com pastoreio alternado? Já se daria às fêmeas melhores condições nutricionais”. Sistema ajustado Apesar de ter apenas 240 ha de área total e 191 ha de pastagens, a Fazenda São Joaquim alojava, por ocasião da visita de DBO, em dezembro passado, um rebanho de 845 animais, com lotação de 4,4 cab/ha, mas esse índice é pontual. O estoque de gado da propriedade flutua ao longo do ano pecuário, que vai de 1º de novembro a 31 de outubro. “No final de 2016, estávamos com 659 cabeças, comprei 541 animais em 2017 e vendi 775 (692 para abate), chegando, em outubro, com 541 animais alojados”, informa Ademar Leal, que, de início, queria trabalhar com lotação de 4 UA/ ha/ano, mas descobriu ser necessário cautela. “Quando elaborei o projeto, pensava muito em lotar, lotar e lotar a fazenda, mas esqueci do ganho individual. O Adilson me alertou para isso e ajustamos nosso sistema. Hoje, trabalho com uma lotação média de 2,8 UA/ ha/ano e ganho de 1,1 kg/cab/dia. A meta das 4 UA, com potencial para 5 a 7, será atingida de forma mais gradativa”, afiança. Por não ter área suficiente para sustentar matrizes, Leal começou fazendo apenas recria, mas, devido a problemas de mercado, incorporou também a terminação. Ele compra animais Nelore, cruzados Angus e mestiços de origem leiteira de 10-15 meses, com peso de 230 a 270 kg/cab, procurando abatê-los em no máximo um ano, o que garante à propriedade uma taxa de desfrute de 95%. Por enquanto, faz a recria sem lançar mão do chamado “sequestro” de bezerros (trato a cocho na seca) e termina os bois em semiconfinamento ou confinamento a pasto. Em 2017, como os frigo-

ríficos pararam de fazer contratos a termo, Leal decidiu escalonar as vendas para minimizar riscos: vendeu cerca de 20% dos animais nas águas (fevereiro, abril), 49% na seca (junho, julho, agosto) e 31% na saída da entressafra (outubro). Como ele participa do Grupo do Boi, formado por pecuaristas goianos que negociam 60.000 cabeças por ano coletivamente, ele recebe um bônus (não revelado) sobre o valor da arroba na praça de Goiânia/GO. A fazenda consta da Lista Traces (propriedades aptas a exportar para a União Europeia) e muitos de seus animais, comprados e rastreados aos 10 meses de idade, atingem padrão Cota Hilton. No último ano pecuário (2016/2017), a São Joaquim produziu 3,5@/ha a pasto e mais 14,8@ em confinamento. Com custo final de R$ 2.145/cab e receita bruta de R$ 2.620/cab, obteve lucro líquido de R$ 478 por animal e R$ 1.733 por hectare. Resultado excepcional para os padrões da pecuária, especialmente em um ano complicado como foi 2017, abalado por escândalos que provocaram queda acentuada da arroba. Nada disso seria possível, no entanto, sem um bom manejo de pasto.

Ademar Leal (ao centro) com o manejador Geneci e a zootecnista Cíntya Tongu: equipe afinada

Lições valiosas de manejo Na São Joaquim, os pastos recebem atenção diária, estejam eles sob lotação contínua, alternada ou rotacionada. “O ideal é trabalhar com os três métodos de pastoreio, pois isso dá mais flexibilidade ao sistema de produção da fazenda, tanto na gestão de recursos quanto no atendimento às demandas das diferentes categorias do rebanho”, afirma Aguiar. O pastoreio de lotação alternada também é feito com base nas alturas-alvo e demanda observação do comportamento das diferentes espécies forrageiras. Do contrário, os animais podem rebaixar demais o pasto (problema mais fácil de visualizar) ou subutilizá-lo (erro de manejo frequentemente desconsiderado pelos produtores, embora traga consequências quase tão nocivas quanto o primeiro). “Muitos produtores acham que pasto bom é DBO março 2018 73


Maristela Franco

Pastagens

Geneci troca os animais de piquete sempre que o capim atinge a alturaalvo para saída, estipulada em 20-15 cm.

pasto sobrando, quando na verdade estão fornecendo alimento de baixa qualidade aos animais e prejudicando seu desempenho, além de dificultar o manejo do capim”, alerta Aguiar. Encontrar o ponto certo de colheita da forragem é a preocupação número um da Fazenda São Joaquim. Segundo Leal, quando Aguiar visitou a propriedade pela primeira vez, em outubro de 2016, gostou da concepção do projeto, mas apontou problemas no manejo. Para manter a mesma lotação sem prejudicar o ganho individual, ele recomendou aumentar a adubação, mas alertou: “Cuidado, porque essa fazenda pode passar na frente de vocês, tomar o cabresto, pois o capim é como um burrinho, se não for domado desde novo, ninguém segura”. Segundo Leal, foi justamente o que aconteceu: “o capim adubado fez zuuuum, cresceu muito rápido. Passamos um aperto para acertar o manejo”. Muita gente – alerta o produtor – não se dá conta desse problema. No início das águas, deixa o pasto crescer primeiro para depois colocar o gado e aí já não domina Balanço do abate 2016/2017 Nº de animais

692

Peso médio de entrada (kg)

194

Peso médio de saída (kg)

309,8

Rendimento médio (%)

55,1

Ganho médio (kg/cab/dia)

0,954

Ganho carcaça (kg/cab/dia)

0,633

Peso médio carcaça quente (kg) @ limpas produzidas

293 8

Custo @ produzida (R$)

112,9

Custo final boi (R$)

2.145

Receita bruta/cab (R$)

2.620

Lucro por cab (R$) Fonte: Fazenda São Joaquim

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478

o capim, que acumula hastes e folhas velhas, perdendo qualidade nutricional. Quando isso acontece, a única saída é passar a roçadeira, mas é uma incongruência adubar e depois roçar, porque se desperdiça um insumo caríssimo. «Para evitar subpastejo, é preciso rodar mais rápido, transformar os animais em coletores de folhas, não de hastes, otimizando o ganho individual. O pasto deve estar sempre podado, como uma grama”, salienta Leal. Outra lição aprendida com Aguiar foi que os pastos também precisam ser rotacionados ou alternados na seca, embora com lotação menor. “A gente não fazia isso, porque achava que o capim ia sofrer, mas, na seca passada, rodamos normalmente os lotes e o desempenho foi melhor, sem prejuízo para o capim, que continuou vegetando, embora em ritmo mais lento. Tive pasto brotando aqui em julho/agosto, no auge da estiagem”, conta o produtor. Mais uma lição de Aguiar: tudo que o produtor tiver de fazer na fazenda (alta pressão de pastejo, tratos culturais), que faça entre outubro e dezembro, porque nesse período as pastagens estão no auge e, mesmo quando pressionadas, se recuperam. Equipe afinada Os bons resultados da São Joaquim também se devem ao preparo de sua equipe. Manejador habilidoso, Geneci Lourenço de Souza, 53 anos, vaqueiro de profissão, levanta às 6 h da manhã, percorre os piquetes para verificar a presença de pragas e invasoras, registra as ocorrências para tomar ações corretivas, observa a altura do pasto nos piquetes e começa o jogo de xadrez do manejo, que lembra a movimentação de peças em um tabuleiro. “Não sigo a sequência dos módulos de rotacionado. Sempre olho o capim. Quando vou tirar o lote de um piquete e vejo que outro à frente já está passando do ponto, criando cana na parte de baixo, transfiro os bois para ele, e


Campo Rações

Pastagens

depois volto ao piquete anterior. Essa decisão é tomada na hora”, conta Geneci. Em 2016, quando ele soube que um técnico viria à fazenda para orientá-lo no manejo do pasto, pensou: “Um caboclo vem aqui falar de capim? Capim não tem explicação! Mas eu estava enganado. Foi bom demais! A gente estava fazendo muita coisa errada e não sabia”. Na Fazenda São Joaquim, cujos pastos são predominantemente de braquiária, trabalha-se com altura de 28-35 cm na entrada do lote e 20-15 cm na saída, seja no alternado ou no rotacionado. O capim é mantido mais baixo, porém denso, com o mesmo número de folhas do pasto alto, sem acúmulo de hastes. A adubação depende das metas anuais estabelecidas para cada módulo, das chuvas e do giro de animais. “Se o preço do bezerro sobe muito, suspendo as compras, diminuo a lotação e a aplicação de N. É fundamental gerenciar bem esses fatores”, frisa Leal.

Maristela Franco

Área de lazer do módulo de rotacionado “flex”, usado para confinamento na seca

Animais são suplementados tanto nas águas quanto na seca

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O adubo nitrogenado é a quinta preocupação do produtor. Em, primeiro lugar está o animal (ganho de peso); em segundo, o capim (manejo da lotação); em terceiro, os custos de produção; em quarto, a suplementação e, somente em quinto, o fertilizante. “Trata-se de uma ferramenta incrível quando se quer elevar a lotação, mas precisa ser bem calibrada para não se desperdiçar recursos”, salienta Leal. O produtor tem a fazenda toda mapeada quanto à fertilidade do solo, por meio de GPS, e faz análises anuais para corrigir a acidez e eventuais deficiências de fósforo, potássio e outros nutrientes. No ano passado, a fazenda aplicou 200 kg de N/ha no período chuvoso, quantidade abaixo do previsto, porque faltou gado para consumir toda a forragem produzida. A distribuição do fertilizante é feita pelo ajudante Adriano Andrade Material, 29 anos, que também é responsável pelo trato dos animais. Suplementação versátil Quando chegam à fazenda, os bezerros são identificados com brincos eletrônicos, submetidos ao protocolo sanitário e apartados em lotes relativamente homogêneos, conforme sua raça e peso. Após a formação dos grupos, não se mexe mais neles. Se um piquete acumula muita forragem, o ajuste de lotação é feito trocando-se um lote menor por um maior. “Identificamos o grupo de animais com menor potencial de ganho com o número zero. Ele pode ser imediatamente revendido após a triagem ou engordado para abate com 16-17@, pois não vale à pena esticar sua estadia na fazenda”, explica a zootecnista CíntyaTongu, gestora do projeto. Todas as informações relacionadas aos animais (data de entrada, peso, raça, idade, valor de compra, número do Sisbov) e dados de campo (adubação, dias de permanência nos piquetes) são lançadas no computador e correlacionadas por meio do software de gestão MultiBovinos. A fazenda procura seguir um “plano de voo” (programação de abate) e define estratégias nutricionais que lhe permitam atingir as metas de ganho por etapa. “Não é fácil cumpri-las. Parte dos animais chega à fazenda mais pesada, porém muitos entram com 8@ e saem com 20@, o que exige ganho médio de 1@/ mês”, salienta Leal. Nas águas, os garrotes normalmente recebem 0,3% do peso corporal em suplemento proteico-energético. Esse percentual é ajustado, conforme a oferta forrageira e a lotação, podendo chegar a 2% no período de confinamento a pasto. Ademar Leal tem alguns módulos de rotacionado “flex”, que podem ser usados tanto para suplementação nas águas quanto para confinamento na seca. Com formato retangular, eles são cortados na longitudinal por um corredor de acesso, que fraciona a área de lazer ao meio. Os cochos de trato são voltados para esse corredor, o que facilita o trato, pois o caminhão abastece a linha da esquerda na ida e a da direita na volta. Com instalações flexíveis como estas, Leal pode diversificar as estratégias de produção, mas sempre respeitando o pasto. n


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