Retrospectiva 2018: Revista DBO (pág.88 - ed.450)

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Fazenda em Foco

Vontade de mudar Fotos renato villela

Produtor goiano transforma fazenda, usando pacote simples de tecnologias, e consegue elevar rentabilidade de R$ 150 para R$ 400/ha.

Da esq. para dir.: Lindolfo Borges, gerente geral, o proprietário Leonardo Pinheiro e Divino Fernandes, gerente operacional. Novilhas meio-sangue Angus, que este ano serão engordadas no confinamento.

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Renato Villela,

T

de Campos Verdes, GO renato.villela@revistadbo.com.br

odos os projetos de intensificação têm um objetivo comum: aumentar a rentabilidade do negócio, mas o caminho para se chegar lá é repleto de particularidades. Para ter êxito, o produtor precisa rever conceitos e incorporar novas tecnologias de forma consistente, respeitando a vocação da propriedade. Foi o que fez Leonardo Rezende Pinheiro, 38 anos, engenheiro civil com paixão declarada pela terra. Em 2016, quando ele assumiu a gestão da Fazenda Floresta, em Campos Verdes, no norte de Goiás, pertencente a seu pai, Jehovah Elmo Pinheiro, dono da construtora Elmo, deparou-se com níveis baixos de rentabilidade. Comparando a pecuária extensiva com a soja - sempre ela, ora aliada, ora ameaça - a lavoura garantia R$ 300/ha/ano na região, o dobro do boi. Para tornar a pecuária competitiva, Leonardo tinha apenas uma saída: intensificar. “Plantar soja não estava nos planos, por falta de maquinário e estrutura adequada. Procurei, então, o Adilson Aguiar, da Consupec Consultoria, e ele me sugeriu começar pela divisão de pastagens, controle de invasoras e adubação de parte da área”, relembra. Deu certo. Em apenas dois anos, a taxa média de lotação da fazenda subiu de 0,8 para 1,5 UA/ha, a rentabilidade foi de R$ 150 para R$ 400/ha/ano e o rebanho de 5.000 para 7.700 animais, entre Nelore e cruzados industriais. Sua meta é chegar a 9.000 cabeças em 2020,

com lucro de R$ 600/ha/ano. O primeiro passo foi montar os módulos de rotacionado, usando áreas formadas principalmente com braquiarão e andropogon, forrageira tradicionalmente cultivada na região. Apenas uma parcela dos pastos (5%) precisou ser reformada. O pastejo contínuo foi eliminado da fazenda. Cerca de 70% da área (2.400 ha) foram divididos em 40 módulos de alternado medindo 60 ha cada e subdivididos em dois piquetes de 30 ha. Outros 1.100 ha (30% da área) foram estruturados em 22 módulos de rotacionado, com 50 ha cada, fatiados em quatro piquetes 100 ha. O produtor explora de forma intensa, com adubação, apenas 13 desses módulos rotacionados (650 ha). Falta adubar 450 ha. “Estamos avançando aos poucos”, diz Leonardo. A prudência se justifica. Conforme mostrou DBO em reportagem de capa de fevereiro deste ano, o principal componente de custo da intensificação é o gado, que responde por quase 70% do total investido. Além da preocupação com o fluxo de caixa, altas lotações no período das águas exigem estratégias como confinamento ou “sequestro” dos animais na seca, o que, neste momento, não está nos planos da fazenda. “Prefiro terminar os animais a pasto”, diz o produtor, que possui instalações de engorda em outra fazenda, mas com capacidade estática limitada (1.200 animais). Por ano, ele abate 3.500 animais (a pasto e em semiconfinamento). Projeto hidráulico Após “Modular” os pastos (estruturá-los em módulos), Leonardo Pinheiro incorporou outra tecnologia a


seu sistema produtivo: água encanada de qualidade. Antes, o gado era servido por cacimbas (reservatórios rasos que armazenam água da chuva) e pequenos córregos que desaparecem no auge da seca. Dois problemas eram comuns. Primeiro, os animais perdiam peso, principalmente no final da estiagem, porque bebiam menos água e, consequentemente, ingeriam menor quantidade de matéria seca. Muitas vezes, os peões precisavam retirar o lote do piquete, mesmo com o pasto ainda bom, porque a cacimba secava. O segundo problema era a mortalidade alta, em torno de 1,2% ao ano, devido a doenças transmitidas pela água, como algumas clostridioses. A necessidade de instalar bebedouros para solucionar esses problemas veio acompanhada de uma dúvida bastante comum entre os produtores, que será tema de reportagem de DBO no Especial de Instalações, em maio: qual a forma mais indicada para garantir água de qualidade aos animais? A resposta depende de uma série de fatores, como você verá na próxima edição. A estratégia escolhida pela Fazenda Floresta, por ser mais viável técnica e economicamente, foi bombear a água de duas represas por meio de turbinas hidráulicas, que abastecem dois reservatórios com capacidade para 1 milhão de litros cada. Desses reservatórios, a água é distribuída por gravidade para 43 bebedouros, de 10.600 l, situados dentro da área de lazer dos módulos. O custo do projeto hidráulico foi de R$ 12.000 por bebedouro. Após o fornecimento de água de qualidade ao rebanho, três mudanças foram sentidas: a taxa de mortalidade caiu para 0,8% ao ano; os animais passaram usar preferencialmente os bebedouros, mesmo nos piquetes com aguadas naturais, e o consumo de suplemento mineral aumentou, elevando o ganho de peso. Sistema define categoria Com a infraestrutura preparada, faltava distribuir as categorias animais de acordo com o sistema de pastejo. O rotacionado, onde estão as melhores pastagens, foi reservado ao gado mais novo, principalmente machos e fêmeas de recria, Nelores e cruzados, recém-desmamados e trazidos de outras duas fazendas de cria da Elmo Agropecuária. “Como são categorias mais leves, coloco mais animais para aumentar o ganho em arrobas por hectare”, justifica o produtor. A taxa de lotação na porção adubada (650 ha) é de 4 UA/ha nas águas e 1 UA/ha durante a seca. O período de ocupação em cada piquete é de sete dias, com 21 dias de descanso. Vacas de descarte e garrotes com peso entre 10 e 12 @ adquiridos de terceiros ficam nos módulos de alternado, que sustentam lotação de 1,5 UA/ha, nas águas, e 0,8 UA/ha, na seca, com ocupação de 15 dias por piquete. Apenas alguns lotes dessas categorias entram no rotacionado. “São animais que estão próximo de entrar na terminação, por isso formamos lotes menores e evitamos movimentá-los muito”, explica. A entrada e saída dos pastos é definida de acordo com a altura da forrageira e o sistema de exploração.

No alternado e nos módulos de rotacionado que ainda não recebem adubação, os animais entram no braquiarão com 40 cm e saem com 25 cm, enquanto na área adubada as medidas são 30 cm e 20 cm, respectivamente. Para não errar no manejo, a fazenda destina um funcionário que percorre os piquetes a cada sete dias, com uma régua nas mãos, medindo a altura do capim em 10 pontos por piquete. Essa “leitura” é anotada num formulário e repassada ao gerente, que decide quando é hora de colocar ou tirar o gado do pasto. “Ficamos de olho principalmente no piquete da frente (próximo a ser pastejado). Quando está na altura indicada, colocamos os animais, mesmo que o anterior não tenha sido rebaixado o suficiente. Do contrário o capim passa, perde qualidade e o manejo se torna mais difícil”, conta Divino Fernandes, gerente operacional da fazenda. Outra tecnologia incorporada por Leonardo Pinheiro foi o controle regular de invasoras. O problema é pouco frequente nos módulos rotacionados, mas persiste nos de pastejo alternado. As aplicações de herbicida são feitas em épocas diferentes, de acordo com o tipo de erva daninha presente. Nas “pragas moles”, mais fáceis de controlar, o produto é aplicado no início das chuvas, quando a maior luminosidade associada à umidade favorece a atividade fotossintética da planta e, consequentemente, a absorção do herbicida, o que potencializa seu efeito. As “pragas duras” (arbustos do cerrado),

Bois Nelore recebem suplemento (1% do peso vivo) durante o semiconfinamento

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Fazenda em números Nome: Fazenda floresta Sistema de produção: cria e recria Localização: campos verdes, GO. Área total: 4.500 HA Área de pastagem: 3.500 HA

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Fazenda em Foco mais resistentes, são combatidas durante a estação seca, uma vez que requerem aplicação do químico na base do caule da planta, que fica mais visível quando o capim está mais baixo. Suplementação dirigida Leonardo também investiu em suplementação. Machos e fêmeas recém-desmamados, que chegam na fazenda de maio a julho, entram no rotacionado recebendo proteinado na proporção de 0,3% do peso vivo (PV). Em novembro, quando o pasto volta a se recuperar, esse suplemento é substituído pelo mineral 80 cromo. “O ganho de peso nas águas (novembro/maio) está muito bom, entre 1 kg e 1,1 kg, por conta da qualidade da pastagem adubada, por isso decidi fornecer apenas sal mineral aos animais nesses três meses (novembro/ janeiro)”, explica o produtor. A partir de fevereiro, a suplementação é retomada, começando com 0,1% até se atingir de novo o patamar de 0,3% do PV. A partir daí a estratégia muda, conforme o destino dos animais. As fêmeas Nelore, reservadas para recomposição do plantel, continuam recebendo a mesma quantidade de suplemento até os dois anos de idade, quando são levadas para as fazendas de cria da Elmo Agropecuária.

Já as meio-sangue Angus recebem 0,5% do PV em suplemento até atingir 12 @. Em 2017, elas foram vendidas para confinadores, mas, neste ano, após firmar um acordo com o Minerva, o produtor decidiu engordá-las no confinamento da outra fazenda da empresa. “As novilhas classificadas dentro do Programa Angus poderão receber prêmio de até R$ 8/@”, informa. A meta é abater 500 fêmeas, com peso médio de 15@. Os machos são todos destinados ao abate. Eles recebem a mesma suplementação das fêmeas, entre a desmama e o início da segunda seca que passam na fazenda. A partir de maio, a estratégia muda. Os garrotes que atingem 440 kg nessa época vão para os módulos alternados, em regime de semiconfinamento (1% do PV em suplemento proteico-energético). Os demais ficam mais tempo no pasto, recebendo 0,5% do peso vivo em suplemento, até ganharem mais peso. Em agosto, retornam à balança, e os animais com mais de 450 kg vão para o confinamento, até o limite de 1.200 animais. n

Cuidados com a adubação Um dos grandes desafios da intensificação é o manejo de adubação. Deixar para trás uma prática extensiva e adotar um modelo onde a fertilidade é ponto-chave, requer aprendizado e, acima de tudo, disciplina. “O produtor tem de executar os procedimentos de correção e adubação de solo na hora certa, para maximizar a produção de massa forrageira. Do contrário é jogar dinheiro fora”, alerta o agrônomo Lindolfo Borges, gerente-geral da Elmo Agropecuária. O calcário, por exemplo, é lançado no final de março/ início de abril, quando ainda há umidade suficiente para facilitar sua reação no solo. O fósforo e o nitrogênio (este parcelado) são aplicados logo após o início das chuvas. Para otimizar as operações, os dois fertilizantes (MAP e ureia) são lançados juntos na primeira aplicação. Aqui vale uma observação, que denota o quanto a criatividade do produtor pode fazer a diferença no dia a dia da fazenda quando se trata de incorporar novas tecnologias ao sistema produtivo. Como as partículas de fósforo e nitrogênio têm densidades diferentes, é preciso misturá-las antes da aplicação, de modo a garantir uma distribuição homogênea na pastagem. Antes Pinheiro se valia de uma betoneira para realizar essa tarefa. Na medida em que a intensificação foi avançando e exigindo maiores quantidades de adubo, essa alternativa se mostrou pouco satisfatória. “Decidi utilizar um vagão misturador de ração, com capacidade para quatro toneladas, para ‘bater’ a ureia com MAP (fosfato mono-amônico). Economizamos tempo e mão de obra”, diz. Do vagão, a mistura é transferida para a caixa do distribuidor de adubo. A fazenda tem aplicado 100 kg de MAP/ha e 300 kg de ureia/ha, parcelados em três aplicações.

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Vagão misturador de ração é utilizado para ‘bater’ fósforo e nitrogênio. Na sequência, mistura é transferida para caixa de adubo. O manejo de adubação requer outro cuidado, desta vez relacionado à fisiologia da planta. É muito comum nos sistemas extensivos que o capim “passe do ponto”, pelo pastejo desuniforme. O resultado é uma brotação aérea tímida, com capacidade reduzida de fazer fotossíntese e produzir massa verde. Por essa razão, antes de iniciar a adubação, principalmente na transição de um sistema de pastejo para outro, Borges recomenda roçar o pasto a uma altura de 20 cm, para eliminar essas hastes e estimular o perfilhamento do capim. As ‘folhas bandeiras’, como são chamadas, que nascem rente ao solo, são mais largas e responsáveis por 80% da fotossíntese da planta. “Além de aumentar a produção de massa do capim, conferem melhor cobertura ao solo, o que dificulta o surgimento de invasoras”, explica o agrônomo.


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