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Brasília e candangos azuis
from Aerovisão 226
Sobre a verdadeira epopeia da inauguração de Brasília, pouco já foi falado a respeito da decisiva participação de aviões, militares e civis da Aeronáutica no transporte e apoio para a construção da cidade. No cinquentenário desta história, testemunhas participantes revelam, finalmente, bastidores do incrível trabalho desses “candangos-alados” para a criação da capital do país
Por Tenente-Jornalista Luiz Cláudio Ferreira De Brasília (DF)
Arquivo Público / DF
Contingente de militares e civis chega, antes da inauguração da cidade, ao Destacamento que apoiaria a implementação de obras na nova capital
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Arquivo FAB
Aterra era vermelha. O céu, sempre imenso e azul. A poeira subia do chão, mas não chegava aos céus. Dos ares, a grande estrada, era possível ouvir com frequência os aviões de transporte que ajudariam tanto a construir a cidade planejada, a capital desejada, o museu a céu aberto, a “nova civilização”, a integração para o oeste de um país continental. Conforme se imaginava, a capital faria com que o Brasil olhasse para dentro de si mesmo, em todos os sentidos. Nenhuma obra na história nacional seria tão ousada. Nenhuma obra arrancou (e arranca até hoje) os suspiros incrédulos de quando se lembra, de forma simples, que toda essa terra era apenas “mato e poeira”. Quem chegou para ajudar a construir este lugar, diferente de qualquer outro para ser uma capital federal, sabe muito bem como foi difícil. Uma verdadeira epopeia de cavaleiros, bravos homens que passariam a ser reconhecidos como candangos do Planalto Central, guerreiros do Cerrado.
Aerovisão encontrou alguns desses personagens incansáveis que vestiam o azul da Aeronáutica na época da inauguração da capital do Brasil, em 21 de abril de 1960. Eles relatam que se emocionaram muito naquele dia. Haviam trabalhado para que tudo aquilo saísse do papel e do sonho dos homens. Hoje, 50 anos depois, a emoção permanece. Lembram que foram muitas horas de voo para viabilizar a integração. Até hoje quando chegam a Brasília vindo dos ares enxergam a cidade no formato de um avião. Ficou conhecida assim, embora Lúcio Costa, que fez o projeto, repetia que o objetivo era se assemelhar a uma libélula. Contrariando a ideia original, moradores orgulham-se da “capital-avião”. O Eixo Monumental (avenida que abriga instituições dos três Poderes), como o corpo da aeronave, e as asas (Sul e Norte). A cidade cresceu, mas foram as mão dos homens que a fizeram voar.
Essa história de avanço ao oeste começa por intermédio da Força Aérea Brasileira. Uma decolagem que mudaria para sempre a história contemporânea do Brasil. Os motores da aeronave DC-3 da FAB foram ligados perto das oito horas da manhã do dia 2 de outubro de 1956. O avião taxiou na pista do Aeroporto Santos-Dumont, no Rio de Janeiro, a caminho do ponto no interior de Goiás onde seria erguida Brasília. A pista de 200 metros para pouso tinha sido construída na véspera. O então presidente Juscelino Kubitschek definiu o que viu como “a vastidão desconcertante do vazio”.
No ano seguinte, o Sargento Irman Ferreira Correia chegou à “cidade-avião” quando não existia nada. Ele foi um dos pioneiros do Destacamento de Base Aérea de Brasília. “Nada” não é a palavra mais apropriada, segundo ele mesmo. Existia um sonho que era comungado por todas aquelas pessoas envolvidas em construir uma cidade inteira em três anos. Civis e militares fariam aquilo acontecer contrariando a previsão dos mais céticos. Um delírio? De forma alguma. “Quando cheguei a Brasília, falei que, se Deus quisesse, um dia eu seria brasiliense. Deu tudo certo. Sou, para sempre,
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Depois de desembarcar do histórico C-47, militares posam para foto histórica
Ontem e hoje - Irman Ferreira, um dos pioneiros em Brasília, foi diversas vezes reconhecido pela carreira. “Minha vida foi a FAB e Brasília˜, emociona-se o veterano
Fotos: Arquivo Pessoal
brasiliense e da FAB. Foram 35 anos de serviços. Sinto muita falta, muita saudade daqueles dias”, emocionase o antigo militar aposentado.
Ele ingressou na FAB em 1946 e participar dessa missão para a nova capital foi o maior desafio da longa carreira. “Voávamos todos os dias transportando profissionais e materiais. Muito também para a construção da estrada Belém-Brasília. Fazíamos levantamento topográfico. Era muita coisa”. O sonho de integrar o Brasil saiu do papel e se fez concreto e poesia com o êxito dos trabalhos na ligação Norte-Sul do Brasil, com a construção da Rodovia BelémBrasília. Por inúmeras vezes, a FAB realizou o translado de pessoal e óleo diesel utilizados durante a obra.
O negócio era sério. “Ficávamos de prontidão inclusive nos finais de semana e feriados. Quando saíamos, tínhamos que indicar onde seríamos facilmente encontrados para vestir a farda e decolar. Quanto mais se aproximava a inauguração da cidade, maior era a ansiedade de todos. Nem acreditávamos no que víamos crescendo a nossa frente todos os dias”, lembra o homem que chegou a se hospedar em um barracão próximo ao núcleo da base aérea e no catetinho, hospedagem inclusive de autoridades, a cerca de 30 quilômetros daquela que seria a Esplanada dos Ministérios.
Ele especializou-se em radiotelegrafia e contabilizou mais de seis mil horas de voo, muitas delas no C-47 Douglas, avião de transporte da FAB que operava na época da construção de Brasília. Aos 83 anos de vida, morador da cidade de Três Lagoas (MS), por onde já se elegeu prefeito e outros cargos públicos, visita Brasília rotineiramente e sempre se emociona.
Rever Brasília e a Base Aérea faz com que ele recorde da organização que começou a ser construída com pioneiros como ele naquele ano de 1957. Durante a construção da nova capital, o Presidente Juscelino Kubitschek criou pelo Decreto n.º 42.697, de 27 de novembro daquele ano, o Destacamento de Base Aérea de Brasília. Militares fizeram parte da equipe designada para selecionar terreno para uma base, pista para aviões de grande porte e toda infraestrutura necessária para um lugar que dependeria de transporte aéreo. O primeiro comandante da base foi o Major-Aviador Francisco de Assis Lopes. O objetivo da organização era o de apoiar as aeronaves e tripulações da Força Aérea que frequentemente chegavam à região transportando pessoal e material em apoio à construção da nova capital.
Quem recorda daqueles tempos também é um dos pioneiros dessa grande aventura profissional, o então Sargento Ítalo da Silva, mecânico do C-47. “Não parávamos nunca. Foi uma grande experiência que nunca esqueceremos”, diz o hoje Suboficial aposentado com 85 anos de idade. “Quando via a cidade, e imaginava o que iria se tornar, já era muita emoção para todos nós”. Segundo a lembrança do antigo militar, o momento exigia o empenho de todos que compartilhavam do esforço.
Empenho era tamanho que o mecânico somou nada menos do que 9,8 mil horas de voo em sua carreira.
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Arquivo Público / DF
O Destacamento de Base Aérea de Brasília teve, ao todo, quatro aeronaves C-47 Douglas
Antigo caso de amor com a cidade - O Suboficial Ítalo, que foi mecânico na base e no Grupo de Transporte Especial, mudou-se para Brasília e nunca foi embora
SO Gladiston / FAB
Fotos: Arquivo Público / DF
Fachada do antigo destacamento que iria se tornar a Base Aérea de Brasília
“Voamos muito naquela época com os C-47 (de matrículas 2066 e 2067), particularmente envolvidos com as obras rodovia Belém-Brasília”. A base receberia mais tarde outras duas aeronaves do mesmo modelo (2074 e 2075). Aliás, aeronaves deste modelo, fora de operação desde 1983 na FAB, podem ser visitadas no Museu Aeroespacial, no Rio de Janeiro, e na Base Aérea de Belém.
Nessa rota em prol da rodovia, uma das principais paradas era na cidade de Açailândia (MA), onde uma imensa árvore foi apontada por Juscelino como o único obstáculo entre Brasília e o norte do País. A memória privilegiada de Silva, que reside até hoje na capital federal, faz com que ele recorde de detalhes dos cenários à época, como o caminho do Eixo Rodoviário (o Eixão), ainda em obra, para se chegar ao centro da cidade a partir da base aérea. “Eram quatro avenidas apenas na cidade inteira. Para chegarmos ao centro passávamos por uma pinguela. Foram anos maravilhosos aqueles”, entusiasma-se. Após a inauguração da cidade, o suboficial entregou-se de corpo e alma ao Grupo de Transporte Especial (a primeira organização do destacamento) no transporte de autoridades e também em missões do Correio Aéreo Nacional.
Comando na capital – Com a inauguração de Brasília, o Ministério da Aeronáutica sairia do Rio de Janeiro. Contingentes de militares e civis chegaram à época da inauguração para fazer a transferência. “Foi um grande privilégio participar daquele momento”, lembra o suboficial aposentado Manoel Guimarães, hoje com 91 anos de idade e o funcionário mais antigo do Distrito Federal. Ele atua como assessor especial na Secretaria de Agricultura. O carioca, tido como uma referência profissional, repete até hoje que “tudo que sou e tenho foi graças à Aeronáutica”. Esse animado senhor, risonho, emociona-se quando fala desse passado na FAB. “É minha segunda pele”. Guimarães foi do primeiro contingente que foi para Brasília no ano de 1960. “ocupamos o oitavo andar, onde funciona o Gabinete até hoje”. A ligação dele com a instituição explica-se pelo início de vida, de humildade e muito esforço para conseguir estudar e trabalhar. “Fiz da FAB e de Brasília a minha vida”. Fez e faz. Na reserva desde 1964, ao tentar falar com o senhor Manoel Guimarães, na secretaria de governo, a atendente acrescenta: “que
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Sgt Johnson Barros / FAB
O Suboficial Manoel Guimarães aposentou-se na década de 60 e, hoje, é o servidor mais antigo no Distrito Federal. Segundo ele, ficou a grande saudade
foi da Aeronáutica”. Só uma correção: “eu sou da Aeronáutica”, ratifica.
Na mesma época da chegada de Guimarães, chegou também um animado funcionário civil. Alvino Alves de Araújo, de 76 anos de idade, não traja a farda, mas é um guerreiro. Ele até hoje trabalha no prédio do ministério no setor administrativo de pessoal. Natural de Cabaceiras (PB), autodenomina-se hoje brasiliense. “Daqui são meus três filhos e meus 10 netos”. Pelos colegas, é conhecido como a memória permanente da Aeronáutica em Brasília. A trajetória dele, admirada, é acrescida das lembranças dos tempos da mudança. “Tudo era difícil para mim no Rio de Janeiro. Trens lotados. Tudo muito longe. Fui voluntário para vir para a nova cidade com a maior alegria do mundo. Quando cheguei aqui, me apaixonei de cara”. Daquele tempo, só a cor dos cabelos mudou. “O amor é o mesmo. Viria para cá quantas vezes fosse preciso. Foi minha grande decisão”.
A inauguração – No dia 21 de abril de 1960, uma quinta-feira, vários militares da FAB voaram para cumprir missões de transporte. Quem estava no chão, porém, viu uma festa única na história contemporânea do País, principalmente pelo significado. Todos os entrevistados confirmaram que choraram de felicidade naquele dia. “Foi uma alegria indescritível”, lembra o Suboficial Ítalo. Alegria e emoção de assistir à demonstração da Esquadrilha da Fumaça, que tinha entre os seus pilotos o lendário Tenente Braga, pilotando as históricas aeronaves T-6. Pelo menos dois livros e algumas pessoas consultadas repetem uma versão para essa demonstração que parece uma lenda. Após a exibição para as milhares de pessoas, inclusive para o presidente JK, que teria se emocionado, um arco-íris abriu-se no céu de Brasília. Era uma coincidência simbólica e inexplicável para dar boas-vindas à capital da esperança. A cada 21 de abril, a Esquadrilha da Fumaça volta e abre o coração no céu imenso. (Com pesquisa e colaboração da Tenente Relações-Públicas Miriam Rocha)
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Arquivo Pessoal
Arquivo Público / DF Sgt Johnson Barros / FAB
O civil Alvino, que chegou para trabalhar no novo prédio do Ministério,ainda trabalha no mesmo lugar há 50 anos
No dia da inauguração de Brasília, a Esquadrilha da Fumaça faria a primeira das exibições na capital federal. Desde então, volta a cada aniversário para celebrar o novo lugar