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O Dia da Bravura

ESPECIAL – 65 anos do Dia D da Aviação de Caça Brasileira na 2ª Guerra Mundial

Por Tenente Jornalista Alessandro Silva De Brasília (DF)

Ao alcançar os quatro meses de combate na Itália, o Primeiro Grupo de Aviação de Caça (1º GAVCA) teve de desativar uma de suas quatro esquadrilhas por falta de pilotos. A unidade tinha agora metade do efetivo de aviadores que desembarcara em Nápoles no ano anterior. Mortes e baixas por saúde exigiam cada vez mais empenho e dedicação. Pior, os aliados estavam para lançar a mais importante ofensiva do esforço contra o nazismo naquela região e, preocupado com a situação, o comando americano ao qual a unidade da Força Aérea Brasileira (FAB) estava subordinada chegou a sugerir a desativação da unidade e a distribuição de seus homens pelos demais grupos de outros países. Não, responderam de forma unânime os pilotos ao serem consultados pelo Tenente-Coronel Nero Moura, então comandante do grupo. A decisão levaria a um dos capítulos mais interessantes da FAB na Segunda Guerra Mundial. Uma história de bravura e heroísmo, escrita com sangue e suor.

Na prática, a resposta brasileira significava voar mais, com frequência, arriscando a própria vida num esforço físico cada vez maior. A todo

LINHA DO TEMPO

Dez/1943 - Criação do 1º Grupo de Aviação de Caça

Jan/1944 - Os primeiros pilotos seguem para a Escola Tática Americana (EUA) Abr/1944 - Em Aguadulce, no Panamá, os pilotos brasileiros treinam em aviões P-40

Mai/1944 - Já operacionais, os brasileiros ajudam na defesa do Canal do Panamá Jul/1944 - O P-47 Thunderbolt é escolhido como avião do grupo

Set/ 1944 - embarque rumo à Itália. No caminho, é criada a bolacha do 1º Grupo de Caça

O Dia da Bravura

Reprodução

custo, os aliados tinham de dominar a região do Vale do Pó para impedir que o exército nazista, em retirada, formasse uma nova linha de resistência. Já experientes, os pilotos tinham a exata noção das consequências da decisão de voar mais.

Apenas em abril, os pilotos brasileiros quebraram recorde de missões na campanha da Itália: 135 em apenas 30 dias, o equivalente a 31% do total de saídas nos seis meses anteriores. Em 22 de abril, num único dia, realizaram 11 missões, data que até hoje simboliza a aviação de caça brasileira. Já se vão 65 anos dessa data heróica. “Só quem esteve em combate sabe o que é voar mais de uma missão no mesmo dia”, afirma o Major-Brigadeiro-do-Ar Rui Moreira Lima, veterano do 1º Grupo de Caça, em seu livro “Senta a Pua!”.

22 de abril - Dezenove pilotos acordaram escalados para as 11 missões do dia, esforço que exigira voar duas, até três vezes em um intervalo de poucas horas. Nessa nova etapa da guerra, de fato, a intensa maratona durava há dias e ainda seguiria por mais tempo. Para entender o que isso significa, basta imaginar que, a cada missão de duas horas, um piloto perdia até dois quilos, em razão do forte

Out/1944 - Chegada do Grupo de Caça a Nápoles e deslocamento para Tarquínia

Dez/1944 - Deslocamento para Pisa. Em 48 horas, graças à eficiência do pessoal de terra, o grupo estava pronto para novas missões Jan/1945 - Três pilotos são abatidos. Dois morrem e um é feito prisioneiro

Fev/1945 - Grupo dá apoio à tomada de Monte Castelo pela Força Expedicionária Brasileira. Mar/1945 - O comando aliado propõe o fim do grupo, com a redistribuição do efetivo. O Grupo de Caça decide continuar

calor e do desgaste. A maioria deles chegaria ao final da guerra com mais de 50 missões sem descanso - um piloto americano retornava aos Estados Unidos depois de 35 saídas, ficando fora de combate por seis meses, ou voava até completar no máximo cem missões, quando encerrava sua participação na guerra.

Passava das 8h, quando o ronco do primeiro P-47 ecoou pela pista de decolagem de Pisa, anunciando o início da jornada. Às 8h30, partiram o capitão Horácio e os tenentes Lara, Lima Mendes e Canário. Cinco minutos mais tarde, saíram o capitão Pessoa Ramos e os tenentes Rocha, Perdigão e Paulo Costa. Às 8h40, decolaram os tenentes Dornelles (preste atenção neste nome) e Eustórgio, mais os aspirantes Poucinha e Pereyron.

Às 9h45, decolaram o tenentecoronel Nero Moura, o capitão Buyers, da USAF, e os tenentes Neiva e Goulart. Uma hora depois, começaram a retornar as três primeiras esquadrilhas, sem nenhuma baixa, para alívio do pessoal em terra.

Na segunda leva de ataques, partiram, às 10h55, os então tenentes Rui, Meira, Marcos Coelho de Magalhães e o aspirante Tormin. Na seqüência (11h40), decolaram, pela segunda vez no dia e depois de menos de uma hora de descanso, os pilotos Horácio, Lara, Lima Mendes e Canário. Todos voltaram.

Na sétima missão do dia, às 12h40, saíram os tenentes Dornelles, Eustórgio e o aspirante Poucinha, todos voando pela segunda vez, mais o tenente Torres, que chegaria ao final da guerra como o piloto com maior número de missões no 1º Grupo de Caça. Em seguida (13h45), foram para o combate o capitão Pessoa Ramos e os tenentes Rocha, Perdigão e Paulo Costa, apenas três horas depois de terem retornado do front inimigo.

Ainda restavam três missões. Até o meio da tarde, o 1º Grupo de Caça havia cumprindo à risca o plano, sem nenhuma baixa. Em todas as saídas, os pilotos jogavam bombas em pontos estratégicos e passavam a procurar alvos de oportunidade no retorno à base, como colunas de tanques e de transportes.

Às 14h45, decolaram o comandante do 1º Grupo de Caça Nero Moura, acompanhado dos tenentes Neiva e Goulart, mais o aspirante Pereyron.

A penúltima missão começou minutos antes das 16h. No terceiro voo do dia, decolaram Horácio, Lima Mendes e Lara, mais o capitão Buyers, que cumpria sua segunda missão. Filho de pais americanos, mas nascido no Brasil, Buyers

Militares do Primeiro Grupo de Caça posam para fotografia histórica ao final da guerra; Abaixo, foto-montagem de um ataque

juntou-se ao grupo ainda no Brasil, como oficial de ligação. Depois da guerra, diria que aprendeu a voar com os brasileiros. Para ele, a experiência no Correio Aéreo Nacional (CAN) deu ao 1º Grupo de Caça uma grande habilidade para identificar alvos, fato que refletia nos resultados da unidade em combate.

A esperada última missão do dia, a décima primeira em pouco mais de sete horas, foi a mais dramática. Às 15h45, decolaram os tenentes Meira, Tormin, Keller e Coelho. Dos quatro, apenas três retornaram a Pisa. Ao mergulhar sobre um alvo, seguindo seu líder, Coelho foi atingido e teve que saltar de paraquedas, ficando desaparecido até o final da guerra.

“Só quem esteve em combate sabe o que é voar mais de uma missão no mesmo dia”

Major-Brigadeiro-do-Ar Rui Moreira Lima, veterano do 1º Grupo de Caça

Engana-se quem pensa que o esforço acabou. Por mais três dias, depois de 22 de abril, os pilotos brasileiros voaram dez missões diárias. Nesse esforço, o tenente Dornelles, com 89 missões, morreu em combate.

Resultados - Ao final de abril, o 1º Grupo de Caça tinha cumprido a promessa de realizar as missões como uma única unidade de combate. Em 30 dias, dois de seus pilotos foram feridos (capitão Pessoa Ramos e aspirante Diomar Menezes), um acabou abatido e morto (tenente Dornelles) e três aviadores desapareceram (tenentes Marcos Coelho de Magalhães, Armando Coelho e Goulart), que saltaram de paraquedas em território inimigo e só retornaram ao final do conflito.

Apesar de terem voado, de 6 a 29 de abril de 1945, 5% do total de saídas do XXII Comando Aerotático, ao qual brasileiros e americanos estavam subordinados na Itália, os brasileiros foram responsáveis por 15% dos veículos inimigos destruídos, por 28% das pontes atingidas, 36% dos depósitos de combustível danificados e 85% dos depósitos de munição danificados.

Em reconhecimento ao desempenho, o coronel Ariel Nielsen, comandante do 350th Figther Group USAF, recomendou ao XXII Comando Aerotático que o 1º Grupo de Caça recebesse uma homenagem:

“Nas perdas que sofreram nessa ocasião, como também em muitos ataques anteriores, tiveram seu número de pilotos reduzidos à metade em relação às unidades da Força Aérea dos Estados Unidos. Porém, um número igual de surtidas, operando incansavelmente e além do normal no cumprimento do dever. A manutenção dos seus aviões foi altamente eficiente, a respeito das avarias sofridas pela antiaérea e o desgaste despendido na recuperação dos aviões. Este grupo entrou em combate na época em que a oposição antiaérea aos caças bombardeios estava em seu auge. Suas perdas têm sido constantes e pesadas e não têm recebido o mínimo de pilotos de recompletamento estabelecido. Como o número de pilotos cada vez diminuía mais, cada um deles teve que voar mais de uma missão diária, expondo-se com maior frequência. Em muitas ocasiões, como Comandante do 350th Fighter Group, eu fui obrigado a mantê-los no chão quando insistiam em continuar voando, porque eu acreditava que eles já haviam ultrapassado os limites de sua resistência física.”

Em 1986, o 1º Grupo de Caça tornou-se a terceira unidade não pertencente às Forças Armadas Americanas a receber a Presidential Unit Citation, a terceira comenda mais importante do governo americano.

Arquivo / FAB

O Major-Brigadeiro Rui Moreira Lima, veterano do Grupo de Caça, quando das comemorações dos 60 anos do dia 22

Saiba mais: www.sentandoapua.com.br

Avião P-47 brasileiro empregado pelo Brasil na Segunda Guerra; aeronave está em exposição no Museu de Aeronáutica e Espaço (MUSAL), no Rio de Janeiro

Arquivo / FAB

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