Concurso Literário 8º Ano

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CONCURSO “CONTO LITERÁRIO” 8º ANO


E é sempre João

Era um dia de semana como outro dia qualquer. Maria levantou-se cedo e tudo se desenrolava como habitualmente: sair de casa à pressa, dirigir-se para o trabalho, passar o dia entre os papéis do escritório e voltar a casa à noitinha carregada com os sacos do supermercado. E assim começou mais um dia de Maria, só que bem pior. Na ida para o trabalho, o carro insiste em não querer que ela chegue a horas. Maldito motor! Sempre a dar problemas. Nada a fazer. O melhor é mesmo encostar o carro à berma da estrada e esperar por ajuda. O que vale é que a praia fica mesmo ali perto e Maria pode descontrair enquanto espera. Apesar do contratempo, inexplicavelmente, tudo em seu redor parecia mais bonito do que era habitual. Como era possível não ter reparado naquela praia? O sol brilhava, as ondas eram de um verde-azul fantástico, a areia parecia ouro, as pessoas, que por lá passeavam, sorriam e as crianças construíam castelos enfeitados com conchinhas. Afinal de contas, era verão. Pois é, tudo muito bonito, mas era preciso arranjar solução para o carro. Maria repara num rapaz que estava na esplanada junto à praia. Era jovem e, não sabia bem porquê, mas Maria achou que ele tinha todo o ar de quem percebia de carros e motores. Ela explica-lhe a situação e, pelos vistos, os seus palpites estavam certos, pois o rapaz, João, ofereceu-se para ajudá-la e tudo se resolveu. A verdade é que Maria, a partir desse dia, no seu trajeto para o trabalho, procurava com o olhar o rapaz que fora seu herói. Toma coragem e pega no papel dobrado no bolso, pois tinham trocado os

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números de telefone e, com um simples telefonema, numa manhã de verão, nasceu um profundo amor que uniu Maria e João pela vida fora. Ao longo da vida, partilharam muitos momentos bons e outros menos bons: o casamento, o nascimento dos seus dois filhos, os contratempos naturais do quotidiano familiar, mas tudo isto misturado com uma boa dose de amor, carinho e ternura. Sempre que a família ia passear, de inverno ou de verão, as crianças pediam para ir à praia nem que fosse para um simples passeio. Na verdade, aquela praia, onde Maria e João se conheceram e se uniram para o resto da vida, continua a dar-lhes momentos muito felizes. É como se fosse um lugar mágico onde tudo parece mais bonito, mais fácil, mais tranquilizador. Os anos foram passando, os filhos saíram do ninho, Maria e João envelheceram. Tudo se desenrolava como habitualmente: os passeios de João e Maria pela manhã, na praia, as visitas dos filhos e dos netos, a alegria a invadir a casa todos os fins de semana. No entanto, naquele fim de semana, Maria não estava à porta para os receber com o seu sorriso e os braços abertos. - A avó hoje não se está a sentir muito bem. Vão até ao quarto dar-lhe um beijinho. – disse o João à família que chegava para o almoço de domingo. Dias depois, o inverno chegou àquela casa. Maria deixou-se levar por um sonho de verão e deu o último suspiro. Como não podia deixar de ser, Maria foi devolvida à praia que tantos momentos felizes lhe tinha dado. As suas cinzas foram espalhadas no verde-azul fantástico daquele mar e, para aquela família, será sempre verão.

Jennifer Lina Fernandes Leal, 8º2, nº 13

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O amor que o mar levou

Num casebre muito pobre vivia um pescador com a sua mulher e quatro filhos. Este homem já não ia ao mar há muito tempo, pois os temporais eram frequentes, o mar estava muito agitado e ele já sentia desesperado por não ter comida para pôr na mesa. O pescador e a mulher já só faziam uma refeição por dia, mas o que o preocupava eram os filhos, principalmente o mais pequeno, que com apenas dois anos, estava constantemente doente e era o mais franzino dos quatro. Naquela noite, foram-se deitar de barriga vazia e o homem, como não conseguia dormir, pensou que naquela madrugada tinha mesmo de se fazer ao mar, estivesse ele agitado ou não. A ansiedade aumentava à medida que o tempo passava, pois o mar não estava para brincadeiras. Eram quatro da manhã, quando olhou para a mulher e para os filhos que dormiam e uma lágrima caiu-lhe, pois pensou que aquela podia ser a última vez que os via. Calçou as suas galochas e partiu sem olhar para trás, pois não queria perder a coragem de se fazer ao mar. Chegou-se perto da sua velha e frágil embarcação, verificou as redes, se a sua cana de pesca estava em condições e também se tinha o colete salva-vidas. Fez-se àquele mar revoltado, negro e capaz de engolir tudo o que lhe aparecesse à frente. Começou a remar com as poucas forças que tinha devido à fome que sentia, remou até chegar a um lugar que só os pescadores mais experientes conheciam e onde diziam que havia os melhores peixes alguma vez vistos, os maiores e que se vendiam a um preço mais elevado, mas também era um local muito perigoso, principalmente, com o mar alteroso que se fazia sentir.

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O mau tempo tinha acalmado e o homem muito admirado aproveitou a acalmia do mar para pescar a maior quantidade de pescado possível para compensar os longos períodos de tempo em que tinha sido obrigado a permanecer em casa. Bastaram breves minutos para que o tempo se alterasse de uma forma repentina e uma onda gigante engoliu a embarcação do homem sem qualquer remorso. Ele, apesar de se estar a afogar e a ser quase engolido pelo mar, ainda se preocupava, pois era o ganha-pão da sua família, não voltaria a ver os filhos e não acompanharia o seu crescimento. Via a imagem da sua família a se desvanecer mais e mais … A sua mulher acordou na manhã seguinte com um estranho pressentimento, o coração doía e sentia um vazio sem fim. Olhou para o lado e reparou que o seu marido não estava junto dela. Rapidamente vestiu um casaco, calçou as suas botas e saiu de casa à procura dele. Olhou para o mar escuro e agitado e para o porto de abrigo, mas a embarcação do seu marido não estava lá e soube logo o que tinha acontecido. Tinha ficado só e com quatro filhos para criar. Tinha quase a certeza disso! O que mais lhe custava era ter perdido o marido que tanto amava e a quem prometera acompanhar até que a morte os separasse. Nunca pensou que isso aconteceria, apesar do medo que sentia sempre que o marido ia para o mar, mas o mar que lhe dava sustento, também lhe levar o amor da sua vida. Dias mais tarde, os destroços da embarcação deram à costa e o seu corpo foi encontrado a dezenas de quilómetros da sua aldeia natal, confirmando o medo da mulher. Maria Beatriz Abreu Domingues 8º6, nº 22

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Desespero e Saudade

Abri os olhos, a custo, deixei entrar a luz do Sol que nascia no fim do oceano em que me deparei. Estava faminto e sede. Aparentemente, andava à deriva há muito tempo neste bote solitário. Não tinha memória do que tinha acontecido, só me lembrava que era de Creta, e me chamava Kyros. Sentei-me, olhei em volta e interroguei-me desesperadamente em relação ao que se passava. Nem terra se avistava, por amor de Zeus! Olhei de novo atentamente vendo se havia algum barco para me resgatar, pensando que Poseídon me tinha amaldiçoado. Foi então que tive uma epifania. Lembrei-me de acordar com um baque, estava com os ouvidos tapados, o local abanava. Decerto que vinha num barco… Mas porquê? E como de um barco passei para um bote? Foi então que vi umas rochas colossais, pensei que estava perto de terra, mas não se avistava nada, só estas rochas. Comecei a ser levado por uma corrente até elas, uma corrente forte. Então lembrei-me… eram dentes, dentes de um monstro outrora uma mulher linda. Caríbdis, o monstro devorador de navios, capaz de destruir uma frota. Nesse momento, lembrei-me que eu vinha num barco que saía de Greta para escapar a um desastre total… “ A Erupção de Tera… “ Um vulcão que entrou em erupção numa ilha vizinha de Creta. Eu ia no barco com minha mulher. A minha mulher, Rebeca. Onde está ela, para onde foi? Como irei sobreviver sem a minha companheira? “ REBECCAAAAAAAAA! “

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Gritei em desespero, mas obviamente sem resposta. De repente, o barco esmaga-se contra um desses dentes, e desfaz-se. Felizmente, consigo saltar para não ser esmagado também. Tentei nadar para fora do redemoinho que me levava a Caríbdis, mas parei. Parei. Porque o desespero e a tristeza me deixou sem esperança, estes trazidos por uma memória tenebrosa. Depois de acordar no meio do barco, eu tinha-me levantado, sem tirar a cera que me tapava os ouvidos. Andei até sair do convés, tropeçando um pouco, pois o barco parecia estar a impactar-se contra rochas. Assim que cheguei, olhei em volta, todos homens e mulheres eram atraídos e levados pelo Cântico de Sereias. Já íamos a sair do habitat delas, foi então que o barco se embateu contra uma rocha com tanta força que quebrou a proa toda. Atirei-me para o bote, bati com a cabeça, sentindo-me tonto, tudo girava à minha volta, via a minha mulher no mar, acenando, aterrorizada, até ser puxada para o fundo do mar… de repente deixei de vê-la. Sem poder ouvir as palavras finais dela, as palavras que podem definir uma vida. As lágrimas escorregaram-me pela face e misturaram-se com o mar em espiral, deixei-me levar para o estômago de Caríbdis, desolado com a perda. Pensei que fosse até o submundo com ela. Vi, pensando estar a alucinar, uma mulher, andando sobre a água, nua, de uma beleza sem fim, de cabelos longos e ondulados, que se misturavam com a água. Assim que ela passou à frente do Sol nascente, notou-se, pela maneira que a luz lhe trespassava por toda a sua figura, que era feita da mesma matéria que o mar onde estaria. Não… Errado. Ela ERA o mar. Ela ERA a água. Ainda hoje me pergunto o que vi! Olhou para mim, chocada com o que estava a ver. Estendeu o seu braço, moveu os seus dedos e uma corrente que contrariou a que me levava, fizeram-me sair

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das mandíbulas do monstro. Fora de perigo, e salvo por esta… Deusa? Ninfa? Ou o que quer que seja, eu mesmo assim, fui tomado outra vez por desespero. Vi esta mulher, mover o seu corpo alto e delicado até mim. Então? Então, deixei-me afogar. Não queria viver! Não queria respirar! De tão inconsolável estava que nem meus instintos de sobrevivência me fizeram nadar para cima. Nem mesmo o pensamento de haver um mundo inteiro lá longe. Nada iria substituir a minha mulher! Mas a “Senhora do Mar” persistiu, mergulhou, deslizou pela água até mim, soprou para os lábios e, de repente, toda a água saiu dos meus pulmões que se encheram de ar. Ar tão fresco como o de uma floresta. A beldade tomou-me pela mão, e levou-me, não sabia para onde. Lembro-me de olhar para trás, e ver só a parte frontal do maxilar de Caríbdis era colossal. Tanto que só se via aquela parte do corpo iluminado pela luz. Nem mesmo chegando até a escuridão da água se via sequer os olhos daquele terror subaquático. A partir daí lembro-me de pouco. Lembro-me só de ela me alimentar com peixe durante uma semana. Sempre sorridente. Sempre com o cuidado para não me engasgar. Era extremamente atenciosa. Mas nunca falava. Não sei a razão. Se calhar não sabia falar. Se calhar não podia. Talvez não conseguisse. O resto. Foi eu acordar, sendo levado por uns homens, que contavam aos aldeões que eu tinha dado à costa. Fui alimentado, deram-me banho e repousei a noite inteira. No dia seguinte, apresentei-me ao Rei. Informou-me que estava na ilha de Rodes, e que falava com o Rei Tântalo. Eu expliquei tudo a este Nobre Senhor. Ele de início não acreditou em mim. Não o censuro, eu próprio achava que estava louco! Ele acolheu-me e tratou-me como um

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filho. E o resto, já sabem. Vou guardar estas memórias para o resto da minha vida, mesmo que tenha sido um sonho, uma alucinação… não importa. Vivo agora com saudades da minha mulher, mas vivo bem e é isso que ela quereria para mim. Viver feliz.

Tiago Aires Ferreira Pereira

8º8, nº 24,

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