Tributação em Revista 59

Page 1

ributação T em revista

Ano 17

N° 59 Abr–Jun 11

Distribuição Dirigida

Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional

Desoneração

ISSN 1809-3426

Quem paga a conta?

Entrevista Fernando Gaiger - Progressividade da Tributação e Desoneração da Folha de Pagamento Páginas 6 a 13


Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifisco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifisconacional.org.br, no link publicações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: estudostecnicos@sindifisconacional.org.br. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interessados em publicar suas reflexões neste espaço devem remeter seus artigos para editor.revista@sindifisconacional.org.br. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.


sumário 5

EDITORIAL

6

ENTREVISTA

14 26

Fernando Gaiger Silveira

ARTIGO

Inconsistências da Proposta de Desoneração da Folha de Salários Álvaro Luchiezi Jr.

ARTIGO

Reforma Tributária Simples: Reconstruindo os Laços Nacionais do Federalismo Brasileiro e Resgatando a Dignidade do Contribuinte Eurico Marcos Diniz de Santi

36

ARTIGO

47

ARTIGO

57 64

Da Capacidade Contributiva e o Seu Processo Real de Efetividade Arlindo Marostica, Hélio Silvio Ourem Campos

Legitimidade do Planejamento Tributário: critérios Claudemir Rodrigues Malaquias

ARTIGO

Responsabilidade Tributária Objetiva? Otávio Alves Forte

QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO

STF reafirma possibilidade de tributação progressiva do IPTU paulistano


Tributação em Revista é uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional.

Diretoria executiva nacional (den) Presidente Pedro Delarue Tolentino Filho 1º Vice-Presidente Lupércio Machado Montenegro 2º Vice-Presidente Sergio Aurélio Velozo Diniz Secretário-Geral Claudio Marcio Oliveira Damasceno Diretor-Secretário Mauricio Gomes Zamboni Diretor de Finanças Gilberto Magalhães De Carvalho Diretor-Adjunto de Finanças Agnaldo Neri Diretora de Administração Ivone Marques Monte Diretor-Adjunto de Administração Eduardo Tanaka Diretor de Assuntos Jurídicos Sebastião Braz da Cunha Dos Reis 1º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos Wagner Teixeira Vaz 2º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos Luiz Henrique Behrens Franca Diretor de Defesa Profissional Gelson Myskovsky Santos 1ª Diretora-Adjunta de Defesa Profissional Maria Cândida Capozzoli de Carvalho

2º Diretor-Adjunto de Defesa Profissional Dagoberto da Silva Lemos Diretor de Estudos Técnicos Luiz Antonio Benedito Diretora-Adjunta de Estudos Técnicos Elizabeth de Jesus Maria Diretor de Comunicação Social Kurt Theodor Krause 1ª Diretora-Adjunta de Comunicação Social Cristina Barreto Taveira 2º Diretor-Adjunto de Comunicação Social Rafael Pillar Júnior Diretora de Assuntos de Aposentadoria, Proventos e Pensões Clotilde Guimarães Diretora-Adjunta de Assuntos de Aposentadoria, Proventos e Pensões Aparecida Bernadete Donadon Faria Diretor do Plano de Saúde Jesus Luiz Brandão Diretor-Adjunto do Plano de Saúde Eduardo Artur Neves Moreira Diretor de Assuntos Parlamentares João da Silva dos Santos Diretor-Adjunto de Assuntos Parlamentares Geraldo Marcio Secundino Diretor de Relações Intersindicais Carlos Eduardo Barcellos Dieguez

Diretor-Adjunto de Relações Intersindicais Luiz Gonçalves Bomtempo Diretor de Relações Internacionais João Cunha da Silva Diretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social Maria Amália Polotto Alves Diretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social Rogério Said Calil Diretor de Políticas Sociais e Assuntos Especiais José Devanir de Oliveira Diretores-Suplentes Kleber Cabral Conselho Fiscal Membros Titulares Ricardo Skaf Abdala Jose Benedito de Meira Maria Antonieta Figueiredo Rodrigues Membros Suplentes Iran Carlos Toneli Lima Norberto Antunes Sampaio José Yassuo Hashimoto

Tributação em revista

Conselho Editorial Lupércio Machado Montenegro, Elizabeth de Jesus Maria; Kurt Theodor Krause; Tarcízio Dinoá Medeiros; João Cunha da Silva; Hélio Socolik, Roberto Barbosa de Castro e Luiz Antonio Benedito. Coordenação Executiva Álvaro Luchiezi Jr. Edição Álvaro Luchiezi Jr.

Projeto Gráfico Erika Yoda

Tiragem desta edição 3.000 mil exemplares

Fotolito e Impressão Brasília Artes Gráficas

Produção Editorial Publicação Dirigida. Acesso livre no seguinte endereço eletrônico http://www.sindifisconacional.org.br, link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contato pelo email: estudostecnicos@sindifisconacional.org.br

Capa Núcleo Cinco Diagramação Washington Ribeiro (wrbk.com.br) 4613-DF

Redação e correspondência SDS, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 BrasíliaDF - CEP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255

Colaboração: Os artigos devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifisco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail estudostecnicos@sindifisconacional.org.br. Os textos serão submetidos ao Conselho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modificação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifisco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográficas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).


e DITORIAL A desoneração da folha de pagamento é um tema recorrente entre acadêmicos, estudiosos, formuladores de política e empresários. Ela entrou definitivamente na agenda política brasileira em 2008, embutida na PEC 233/08 que definiu a proposta de reforma tributária encaminhada pelo Governo Federal. Desde então a desoneração também entrou na pauta das Centrais Sindicais e de muitos sindicatos. Sucessivos governos têm apresentado proposta de mudanças no Sistema Tributário sem conseguir atacar definitivamente dois problemas centrais: a baixa progressividade da tributação brasileira e a má distribuição da carga tributária. Dada a relevância destes dois temas, o Sindifisco Nacional firmou uma parceria com o IPEA e com o DIEESE para, estudando-os, levantar questões polêmicas não totalmente esclarecidas no discurso oficial. Estas reflexões serão divulgadas à classe dos Auditores-Fiscais e à sociedade por meio de publicações que virão a público em meados do segundo semestre deste ano. Tributação em Revista repercute nesta edição parte destas polêmicas. A entrevista de Fernando Gaiger, técnico do IPEA especializado em tributação, questões distributivas e desoneração tributária, traz respostas a algumas das preocupações dos Auditores-Fiscais, sindicalistas e de grande parte da sociedade brasileira sobre ambos os temas. O artigo de Alvaro Luchiezi Jr. questiona dois dos principais argumentos em favor da desoneração da folha de pagamento, lançando dúvidas sobre seus benefícios para o mercado de trabalho e para a competitividade externa dos nossos produtos. Qualquer proposta de reforma tributária somente lo-

grará êxito na medida em que primar pela simplicidade das soluções que ela aporta. Isto é particularmente verdade se quisermos elevar nosso Sistema Tributário a um patamar de maior justiça fiscal, com tributos mais progressivos e carga tributária melhor distribuída. Esta é a mensagem do artigo assinado pelo professor Eurico de Santi, da FGV/SP e que surgiu no bojo da parceria realizada pelo Sindifisco Nacional e o Núcleo de Estudos Fiscais da FGV/SP. O artigo de Arlindo Marostica e Hélio Ourém aborda outro aspecto relevante para questões de progressividade: a capacidade contributiva. Não haverá plena justiça tributária enquanto perdurarem mecanismos de renúncia tributária em favor da renda do capital ou isenção no pagamento de lucros e dividendos. Tributação em Revista também abre espaço para outras reflexões que sugerem melhorias em nosso Sistema Tributário. Este número traz o artigo do Auditor Fiscal Claudemir Malaquias abordando a questão do planejamento tributário e fazendo sérias observações quanto às condutas de contribuintes que tentam fugir de suas obrigações tributárias por meio de expedientes evasivos e elisivos. O tema desenvolvido por Otávio Fortes coloca em discussão a introdução, no CTN, da responsabilidade tributária objetiva. Ao desenvolver estes temas Tributação em Revista espera provocar no leitor reflexões acerca da justiça fiscal. Seriam as propostas de reforma tributária e de desoneração da folha de pagamento, nela embutida, caminhos para a prática da justiça fiscal? Ou elas representariam mais privilégios para alguns segmentos e contribuiriam para perpetuar as desigualdades de tratamento tributário em nosso país?

TRIBUTAÇÃO em revista

5


e ntrevista Fernando Gaiger Silveira “Compensar a desoneração da parcela patronal da contribuição previdenciária por mais uma contribuição sobre a receita ou faturamento, isenta nas exportações, torna mais regressivo o financiamento da previdência, pois implica onerar mais as parcelas da população com baixos rendimentos e que não são afiliadas ao sistema”

O

Doutor em Economia Fernando Gaiger Silveira, Pesquisador do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada é um dos técnicos desta respeitada instituição com maior produção e conhecimento sobre questões relativas à progressividade na tributação e à desoneração da folha de pagamento, temas da presente edição. Sua participação tem sido bastante esclarecedora no ciclo de seminários sobre estes temas que o Sindifisco Nacional vem promovendo em parceria com o IPEA e o DIEESE. Tributação em Revista foi ouvi-lo para compartilhar com o leitor suas reflexões.

6

TRIBUTAÇÃO em revista


Tributação em Revista - Cerca de 52% da Carga Tributária Brasileira é composta de tributos indiretos. Maior incidência tributária sobre a renda teria repercussão direta sobre os gastos das famílias de menor renda, melhorando o perfil do seu consumo e, por conseguinte, o acesso a bens e serviços? Ou esta equação é mais complexa e dependeria de outros fatores? Fernando Gaiger - Não resta dúvida de que a composição de nossa carga tributária, diferentemente dos países desenvolvidos, ao apresentar um predomínio dos tributos indiretos vai de encontro ao que se espera do sistema tributário em termos distributivos. Na verdade, os tributos no Brasil aprofundam a concentração da renda ao incidir proporcionalmente mais sobre a renda dos mais pobres. Segundo nossas estimativas, enquanto os 10% mais pobres arcam com 32% de sua renda com tributos, para os 10% mais ricos os tributos respondem por 21% da renda. Vale sublinhar, no entanto, que nossos tributos indiretos e diretos apresentam índices de regressividade e progressividade próximos aos que se observam nos países centrais, especialmente no caso dos indiretos. No caso dos diretos, a progressividade que eles apresentam é menos expressiva ao que se assiste nesses países. A diferença se situa na composição da carga, fazendo com que o nosso sistema como um todo seja regressivo, portanto, concentrador de renda. O potencial distributivo de um tributo – ou de um benefício – depende do seu grau de progressividade ponderado por sua importância na renda, podendo se empregar como analogia a ideia de que a progressividade é como uma alavanca cujo potencial de alterar a posição inicial depende do tamanho dela. No caso brasileiro, pode-se dizer que os tributos diretos e indiretos são alavancas com potenciais distributivos semelhantes ao de outros países, mas o nosso problema é o tamanho relativo dessas alavancas: uma pequena alavanca no caso dos tributos diretos, que limita seus impactos distributivos; e uma enorme alavanca no caso dos indiretos, que potencia-

“Os tributos no Brasil aprofundam a concentração da renda ao incidir proporcionalmente mais sobre a renda dos mais pobres.” liza seus efeitos concentradores. Essa composição centrada nos impostos indiretos se deve a obstáculos tanto políticos como econômicos para ampliar o peso dos tributos diretos. As dificuldades políticas estão consubstanciadas no bloqueio que as camadas mais ricas da população, notadamente os detentores de patrimônio, desenvolvem à ampliação da carga tributária direta por meio da presença de seus interesses nas três esferas do poder. No âmbito da economia, o elevado grau de informalidade nas relações de trabalho e nas atividades empresariais implica em menor eficiência arrecadatória dos tributos diretos, levando, assim, ao predomínio dos tributos indiretos, que se mostram mais efetivos nesse cenário.Assim, o crescimento do peso dos tributos diretos passa, necessariamente, pelo crescimento econômico e pela consequente formalização das relações comerciais, tornando mais efetiva a tributação direta e ampliando o grau de proteção social pelo aumento do contingente de trabalhadores filiados à previdência social. TR - A atual estrutura de alíquotas do Imposto de Renda é adequada à estrutura da distribuição de renda brasileira, a qual mostra grande concentração de renda nas mãos dos mais ricos (13% da renda é apropriada por 1% mais rico da população)?

TRIBUTAÇÃO em revista

7


“Os dados mostram que o IRPF é bastante progressivo, sendo, no entanto, pouco efetivo para aqueles que percebem rendimentos fora do mercado de trabalho assalariado.” FG - Hoje o Imposto de Renda alcança a parcela dos mais ricos que são assalariados, tendo baixa efetividade sobre aqueles cuja renda é proveniente ou de seus empreendimentos – lucros e dividendos - ou de ganhos patrimoniais – juros e aluguéis. A dificuldade se deve tanto às lacunas da legislação, bem apontadas em estudos realizados por vocês do SINDIFISCO, em que se sobressai o fato de os empresários não “existirem” enquanto pessoas físicas, tornando seus gastos – sua renda – custos empresariais e sua riqueza patrimônio de pessoa jurídica. Exemplo disso é a importância atual das consultorias em planejamento tributário, que, em alguns casos, realizam, também, estudos voltados à estimativa da carga tributária e de sua incidência. Mesmo assim, não se deve esquecer que a classe média brasileira, que se situa, em razão de nossa distribuição de renda, nos estratos intermediários superiores e elevados de renda, suporta uma carga fiscal direta pouco expressiva frente ao que se assiste em países desenvolvidos. O que quero dizer é que arcamos (utilizo como exemplo o meu próprio caso, de pesquisador graduado do Ipea) com um tributação direta pouco expressiva sobre a renda em comparação ao ônus que um cidadão de um país central, em posição semelhante na “pirâmide social” suporta em termos de tributos sobre a renda. Assim, defendi junto com outros cole-

8

TRIBUTAÇÃO em revista

gas a ampliação da estrutura de alíquotas com vistas a aumentar a arrecadação do IRPF, abrindo espaço para diminuir a alíquota do PIS-Cofins – que é o maior tributo indireto de competência do governo federal. Ou seja, grosso modo, a população alcançada pelo IRPF não se alteraria, mas seriam criadas mais alíquotas, implicando, por outro lado, benefícios aos contribuintes do IR com menores rendas, pois a incidência da tributação indireta seria abrandada. Os ganhos para os mais pobres, não atingidos pelo IR, seriam ainda maiores, já que arcariam com um ônus fiscal menor. Evidentemente que apontamos para a necessidade de melhorar a eficácia do IRPF para os rendimentos dos autônomos, denominados nas investigações domiciliares de conta-própria, e os oriundos de lucros, juros e aluguéis. TR - Em sua opinião, o sistema tributário brasileiro, cuja tributação direta é considerada por muitos especialistas como similar a de países desenvolvidos, é eficaz em termos distributivos? Como a capacidade contributiva dos indivíduos pode contribuir para uma tributação mais equânime e melhoria distributiva? FG - Tributos são os custos que pagamos para construirmos uma sociedade civilizada (“Taxes are what we pay for civilized society”) disse Oliver W. Holmes – essa frase se encontra no frontispício do edifício da receita federal norte-americana. Essa consciência e esse espírito de solidariedade é o que falta à nossa sociedade, evidenciados na valorização dada aos que conseguem recolher menos imposto de renda lançando mão das brechas legais. Os dados mostram que o IRPF é bastante progressivo, sendo, no entanto, pouco efetivo para aqueles que percebem rendimentos fora do mercado de trabalho assalariado. Deve-se, assim, buscar melhorar seu alcance junto a esses segmentos e ampliar seu peso no conjunto da carga tributária. Nesse particular devem ser avaliados alguns benefícios, entre os quais os gastos em saúde e educação privada e para os mais idosos. Os descontos permitidos para


os dispêndios com educação formal junto a instituições privadas funcionam como uma espécie de “Bolsa Família’ da classe média e dos ricos, tendo representado, em 2010, um desconto da ordem de R$ 65,00 mensais, bem superior aos benefícios do Bolsa Família associados a presença de crianças e jovens. Já no que concerne aos impostos sobre patrimônio – imóveis e automóveis – o perfil de incidência é neutro, no caso do IPVA, e regressivo para o IPTU. Esse quadro vai de encontro ao objetivo re-distributivo que se espera dos tributos sobre patrimônio e riqueza. Vale destacar que a progressividade no IPTU foi possível recentemente, ainda sendo obstaculizada no caso do IPVA. Alíquotas diferenciadas para o IPVA são empregadas como instrumento de incentivo a determinados modelos de automóveis – movidos a etanol, entre os quais os flex, sendo controversa a aplicação de alíquotas diferenciadas segundo o valor do bem. Cabe citar ainda as baixas alíquotas dos impostos sobre herança (ITCMD) e a baixa progressividade que se verifica nas legislações estaduais, bem como a inexistência de valores máximos de transmissão como ocorre em vários países. TR - Temos uma legislação tributária moderna em termos distributivos? As diversas isenções do Imposto de Renda – por exemplo, na distribuição de lucros e dividendos – e a própria defasagem na correção da tabela do IR, não provocariam distorções distributivas? Em grandes linhas, que alterações o Sr. proporia em nosso sistema legal em favor de maior equidade? FG - Não resta dúvida que a isenção concedida à distribuição de lucros e dividendos é negativa para a maior progressividade do IRPF, mas, como apontei anteriormente, os benefícios fiscais concedidos aos gastos privados em educação e saúde atenuam, também, a progressividade do tributo, além de beneficiar a provisão privada em áreas onde o gasto público direto, como proporção do PIB, encontra-se bem aquém do praticado em países desenvolvidos. Quanto à defasagem da tabela do IRPF, vale, primeiramente, notar que a remuneração média do trabalhador

“Não resta dúvida que a isenção concedida à distribuição de lucros e dividendos é negativa para a maior progressividade do IRPF.” urbano brasileiro foi, em 2009, segundo a PNAD, de R$ 1.131,98, situando-se ao redor do 70º percentil. Ou seja, 70% dos trabalhadores urbanos com renda positiva recebem por seu trabalho principal valores inferiores à média. Caso se considere que a subdeclaração da renda do trabalho nas pesquisas domiciliares é da ordem de 75%, o rendimento médio do trabalho estaria ao redor de R$ 1.500,00, valor bastante próximo ao limite de isenção do IRPF para o ano calendário 2009. Sabendo que toda transferência de renda é progressiva quando se desconta rendimentos das pessoas que se situam acima do rendimento médio, a tabela do IRPF, no que concerne aos rendimentos do trabalho, mostra-se adequada em termos de incidência. Como dito, há que se ampliar a estrutura de alíquotas, com a majoração destas para os maiores rendimentos, buscando-se, também, melhorar a efetividade do IRPF para os ganhos advindos do trabalho autônomo – profissionais liberais, dos empreendimentos e do patrimônio. TR - As políticas tributária, previdenciária e assistencial do Brasil têm alguma eficácia e efetividade em termos distributivos? Até que ponto a nossa péssima distribuição de renda é um obstáculo para que tais políticas operem largamente em favor do maior acesso a benefícios para as classes intermediárias e para as populações mais carentes?

TRIBUTAÇÃO em revista

9


FG - Como já apontei a política tributária é em seu conjunto regressiva, ou seja, reforça o padrão de concentração de renda nacional. Em minha tese de doutorado, avaliei os impactos distributivos da tributação e da previdência e assistência sociais com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2003. Observei que esse conjunto de políticas não implicava alterações na desigualdade de renda, ou seja, a ação do setor público não modificava o quadro de iniquidade na distribuição de renda. Isso porque os ganhos distributivos da previdência e da assistência não eram expressivos à época, bem como os decorrentes da tributação direta, sendo todos eles “perdidos” com a incidência dos tributos indiretos. Concretamente, o Índice de Gini da Renda recebida via mercado – do trabalho, de aluguéis, por meio de doações inter-domiciliares e de rendimentos do capital - diminuía em 2,3% após a concessão dos benefícios previdenciários e assistenciais, queda bem menos expressiva que a observada nos países centrais. Um dos motivos para essa queda pouco expressiva é o fato de a previdência social refletir, em grande medida, o perfil distributivo do mercado de trabalho, dado seu caráter de seguro social, ou seja, ter por parâmetro da concessão dos benefícios a contribuição realizada pelos trabalhadores. Nesse particular, chama atenção o caráter regressivo das aposentadorias do setor público, que decorre dos maiores salários pagos aos trabalhadores do setor público em razão da melhor qualificação desses frente aos do setor privado. Com a incidência dos tributos diretos o Índice de Gini da renda monetária caiu, em 2003, 2,0%, bem inferior ao que se observa nos países centrais. A queda na concentração de renda, decorrente da concessão de benefícios previdenciários e assistenciais e da incidência dos tributos diretos, era totalmente reposta pela tributação indireta com o Gini retornando ao patamar anterior à intervenção do Estado por essas políticas – previdência, assistência social e tributação direta. Atualizei essas estimativas, para 2009, com base na última POF, tendo ficado evidente o aprofundamento do impacto dis-

10

TRIBUTAÇÃO em revista

tributivo das transferências monetárias – previdência e assistência sociais. Efetivamente, enquanto o Índice de Gini da renda de mercado ficou, em 2009, 2,3% inferior ao observado em 2003, no caso da renda após os benefícios previdenciários e assistenciais a queda foi de 5,2%. Essa diferença se preservou entre a renda disponível – descontados os tributos diretos – e a renda pós-tributação – subtraídos os tributos indiretos – entre os dois anos. Fica patente, assim, que os efeitos distributivos da tributação tanto direta - progressiva - como indireta – regressiva - preservaram-se nos mesmos níveis; mas a novidade foi que houve ganhos significativos nos efeitos distributivos das transferências monetárias públicas – previdência e assistência sociais. Ganhos esses que, desta vez, não foram anulados pela regressividade do sistema tributário. Interessante notar que é justamente no momento em que avança essa maior efetividade distributiva da previdência e assistência sociais é que ganha destaque na discussão pública o peso da carga tributária e de sua iniquidade, como a criação do impostômetro e da mensuração dos dias trabalhados para o pagamento de impostos. Pergunto-me se o impostômetro é de fato um medidor de impostos ou é a medida de uma impostura. Impostura ao esconder o real objeto dessa crítica que é a melhoria distributiva do gasto social. Junto com essa atualização das estimativas dos impactos distributivos das políticas tributária, previdenciária e assistencial, realizei a valoração e alocação dos gastos públicos em saúde e educação, ficando evidente o quão são distributivas essas políticas universais. Como resultado final do balanço entre o que se paga em tributos e o que se recebe por meio da previdência e assistência social e da provisão pública de saúde e educação tem-se um saldo positivo para os estratos populacionais pobres e intermediários, tendo esse saldo se ampliado entre 2003 e 2009. O índice de Gini diminui 11,6% e 15,2% quando se adicionam a renda os gastos públicos com a educação e saúde públicas em 2003 e 2009, respectivamente. Concluo, assim, que o gasto social


“É despropositada, no atual cenário, a proposta de desoneração com vistas a ampliar o emprego e a formalidade, dada a dinâmica a que se assiste no mercado de trabalho.” tem sido capaz de alterar a distribuição de renda, ainda que o financiamento seja regressivo. Existe espaço para que esses ganhos se preservem e aumentem com a ampliação dos gastos sociais, bem como pela melhoria da incidência tributária, com a ampliação dos tributos diretos. TR - Um dos argumentos a favor da desoneração da folha de pagamento é o de que ela propiciaria maior competitividade aos produtos brasileiros no exterior. Contudo, o que é relevante nesta questão são os custos totais do trabalho, dos quais as contribuições patronais são apenas uma parte. Os custos brasileiros são baixíssimos comparados aos de outros países. O foco da desoneração não seria de fato o mercado interno, visando maior rentabilidade e lucratividade das empresas para, hipoteticamente, elevar o investimento produtivo? FG - É fato que temos custos totais do trabalho relativamente baixos, mas é, também, fato que nossa alíquota de contribuição previdenciária – empregador e empregado – é elevada. Como não é permitida a “retirada”, no momento das exportações, dos encargos previdenciários dos preços e encontramo-nos com dificuldades em competir dada a apreciação cambial, uma das alternativas é a migração dos encargos trabalhistas para tributos que incidem sobre os produ-

tos, tributos esses que são passíveis de tratamento – isenção – quando das exportações. A questão é que esse real motivo para a desoneração das contribuições previdenciárias patronais é mascarado pela defesa dessa medida como forma de incrementar o emprego e a formalidade. A desoneração da contribuição patronal é, como diz um estudo recente, uma solução à busca de um problema, que hoje se faz presente na questão da competitividade, afetada pela apreciação cambial. Preocupa-me que a maior parte da crítica à desoneração se concentra nos riscos ao financiamento da seguridade social, em geral, e da previdência social, em particular, que podem ser mitigados pela instituição de nova fonte de financiamento, que é aventada pela proposta oficiosa. Ora, compensar a desoneração da parcela patronal da contribuição previdenciária por mais uma contribuição sobre a receita ou faturamento, isenta nas exportações, torna mais regressivo o financiamento da previdência, pois implica onerar mais as parcelas da população com baixos rendimentos e que não são afiliadas ao sistema. Por que não buscar fontes outras de financiamento da previdência que melhorem o perfil de financiamento? TR - Os defensores da desoneração das contribuições patronais sobre a folha de pagamento alegam que ela propiciaria geração de emprego e renda. Seus estudos indicam alguma correlação entre esta desoneração e o crescimento dos salários? O crescimento da massa salarial, como consequência desta desoneração, traria efeitos distributivos benéficos? FG - Primeiramente, é despropositada, no atual cenário, a proposta de desoneração com vistas a ampliar o emprego e a formalidade, dada a dinâmica a que se assiste no mercado de trabalho. Observa-se, nos últimos anos, uma ampliação expressiva tanto do emprego como da formalidade, em razão, principalmente, do crescimento econômico e das políticas de fortalecimento do mercado interno por meio da valorização do salário mínimo, da ampliação do crédito e de desonerações fiscais. E a informalidade se concen-

TRIBUTAÇÃO em revista

11


“A desoneração da contribuição patronal teria seu efeito concentrado nos salários dos empregados formais, impactando negativamente a equidade.” tra naqueles trabalhadores que percebem rendimentos baixos, inferiores ao salário mínimo, tendo já sido implementadas políticas de inclusão previdenciária, como o Simples, o Plano Simplificado de Previdência Social, o Microempreendedor Individual e o desconto da parcela patronal do INSS do empregado doméstico no IR. Em segundo lugar, os estudos apontam que a desoneração da contribuição patronal teria seus efeitos concentrados nos rendimentos dos trabalhadores formais e, no meu entender, na ampliação da margem de lucro dos empresários. Esses efeitos seriam perversos em termos distributivos, tornando-se mais agudos caso a compensação dessa desoneração fosse realizada por meio de impostos – contribuições – sobre a receita ou o faturamento. Trocaríamos uma fonte de financiamento de caráter neutro e incidente sobre os futuros beneficiários da previdência por uma regressiva e cuja incidência é proporcionalmente maior sobre a renda daqueles que não se encontram afiliados ao sistema previdenciário. Assim, se hoje temos já uma parcela importante do financiamento das políticas sociais, notadamente, previdência, assistência e saúde baseada em tributos indiretos, logo regressivos, a mudança que se noticia aprofundaria essa situação de iniquidade fiscal. Estou, juntamente com colegas do Ipea, desenvolvendo estudo em que iremos defender a necessidade de ações que possam mitigar esses efeitos

12

TRIBUTAÇÃO em revista

regressivos da desoneração compensada por impostos sobre o consumo. Partimos do pressuposto de que a desoneração da folha tem por objetivo melhorar a competitividade de nossa economia por reduzir os encargos fiscais que não são passíveis de serem retirados quando das exportações, dado o quadro de apreciação cambial que vivemos. Nossas propostas de “redução de danos” são de desonerar a parcela do empregado sobre o primeiro salário mínimo – por exemplo, de 8% para 4% - e a busca de outras fontes de compensação, entre as quais a tributação sobre a exportação de minerais e outras commodities. O objetivo dessas propostas é, de um lado, compensar os efeitos regressivos da medida e, de outro, diminuir os encargos sobre o mercado interno. TR - A mão de obra informal brasileira (vendedores ambulantes, prestadores de serviço domésticos, etc.), principalmente, padece de baixa qualificação profissional, o que dificulta a sua formalização. Diante deste fato, a pretendida desoneração total das contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de pagamento seria eficaz em elevar o grau de formalização da mão de obra? FG - Participei de estudo em que foram avaliados os efeitos das contribuições previdenciárias sobre o emprego e a formalização. Dois colegas deram continuidade ao tema e publicaram artigo na revista “Planejamento e Políticas Públicas” (PPP) do IPEA no primeiro número de 2009. Ambos os textos apontam que a crença nos efeitos positivos da desoneração das contribuições previdenciárias no emprego e na formalização está intimamente relacionada ao comportamento do mercado de trabalho nos anos 90, marcado pela precarização das relações trabalhistas e pelo aumento das taxas de desemprego. Luis Henrique Paiva e Graziela Ansiliero, autores do referido artigo, concluem, depois de refinada análise dos trabalhos sobre os impactos da desoneração da folha sobre a formalização que, “a hipótese de que a redução da alíquota previdenciária terá impactos sobre taxa de formalidade do mercado de trabalho parece


carecer de evidência apropriada em volume suficiente para justificar a adoção da referida política fiscal”. E, ademais, como consequência da baixa elasticidade da oferta de trabalho ou, em outros termos, da demanda por emprego (o que significa que os trabalhadores estão no mercado de trabalho qualquer que seja o salário), o volume de emprego pouco muda. Esse fato associado às elasticidades da demanda de trabalho apuradas em vários estudos – de cerca de 0,5 - implica que a incidência econômica das contribuições patronais recai sobre os salários dos trabalhadores. Cabe observar que se trata de uma análise de estática comparada, diferentemente do que ocorre no mundo real, que é essencialmente dinâmico. Assim, se é claro que a desoneração da contribuição do empregado se transformará imediatamente em salário, no caso da desoneração na contribuição do empregador ocorreria, na melhor das hipóteses, uma disputa ou barganha entre empregados e empregadores sobre a apropriação desse benefício. Pode-se, portanto, sustentar que a desoneração da contribuição patronal teria seu efeito concentrado nos salários dos empregados formais, impactando negativamente a equidade. Vale sublinhar, ainda, que a informalidade encontra-se concentrada nos trabalhadores de baixos salários, em especial entre aqueles que recebem menos ou pouco acima de um salário mínimo, para os quais vem se instituindo políticas de inclusão previdenciária, em que se destaca a concessão de benefícios tributários. Os estudos sobre os impactos dessas políticas – Simples, PSPS, MEI e desconto da contribuição patronal do empregado doméstico no IRFP – ainda são poucos e não conclusivos. TR - Além do faturamento, três alternativas têm sido apontadas como possíveis fontes de receita para a Previdência Social em substituição às contribuições patronais sobre a folha de pagamento: tributação sobre o faturamento; sobre o valor agregado e sobre movimentação financeira. Gostaríamos de seus comentários sobre a viabilidade e alcance de ambas no financiamento da Previdência Social, principalmente

sobre as repercussões destas fontes em termos distributivos e equitativos. FG - Qualquer uma dessas alternativas aprofunda o caráter regressivo do financimento da previdência social, pois se troca uma fonte de incidência neutra por tributos que incidem sobre o consumo. Entre essas alternativas, pouco se sabe sobre a incidência econômica ou o ônus fiscal da contribuição sobre movimentação financeira. Interessante notar que ao se concentrar a crítica da desoneração da folha aos potenciais “riscos” dela para o financiamento da previdência, se aceita tacitamente sua migração por outra fonte de financiamento. Ora, o Estado paga um novo benefício previdenciário ao afiliado do RGPS quando esse se enquadra nas regras de elegibilidade, direito esse inscrito na Constituição e regulamentado na Lei de Custos e Benefícios da Previdência Social – a previdência é o que se chama de regime de caixa em aberto. De onde provêm os recursos para seu financimento é de fato fundamental, mas não é o que garante o direito, a meu ver. Devemos buscar, portanto, que o financimento seja o mais progressivo, não lançando mão de fontes que oneram os mais pobres, cujo grau de cobertura previdenciária é bastante incipiente. Como bem aponta Luis Henrique Paiva e Graziela Ansiliero, “a desoneração com compensação fará com que os mais pobres (que pagam proporcionalmente mais impostos sobre o consumo no total da renda que os mais ricos) participem crescentemente do financiamento do sistema previdenciário ao qual não poderão vir a se socorrer, pois não estão filiados”. Por fim, deve-se ter presente que a desoneração diminui ou arrefece a vinculação existente entre contribuições e benefícios, que é basilar na consistência técnica e na sustentabilidade política do regime previdenciário. Nesse sentido, a desoneração tornará mais agudo o errôneo conceito de “rombo da previdência”, problema que é sempre apontado pelos mesmos que defendem a desoneração. Serão eles formadores de opinião esquizofrênicos? Acredito que não, são em verdade pouco sérios e consistentes.

TRIBUTAÇÃO em revista

13


a RTIGO Inconsistências da Proposta de Desoneração da Folha de Salários Álvaro Luchiezi Jr.1

1 Introdução A desoneração das contribuições patronais incidentes sobre a folha de salários é um tema antigo e largamente discutido. Ela entrou definitivamente na agenda política a partir de 2008 por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 233/08, que encaminhou a última proposta de reforma tributária do Governo Federal. O artigo 11 determina reduções gradativas “da alíquota da contribuição social de que trata o art. 195, I, da Constituição”2, a serem efetuadas entre o segundo e o sétimo ano após a entrada em vigor da emenda. A alíquota da contribuição patronal incidente sobre a folha de salários hoje é de em 20%. Em seu substitutivo, o relator da Comissão Especial da Reforma Tributária especificou que estas reduções seriam de um ponto percentual ao ano, acrescentando a previsão de fonte de financiamento alternativa para compen-

sar a redução de receita provocada com a alteração na alíquota da contribuição. Ou seja, a proposta hoje em trâmite no Congresso Nacional prevê a redução da contribuição patronal incidente sobre a folha de salários para 14% ao cabo das reduções gradativas e com uma fonte alternativa de recursos para os 6% desonerados. Os defensores da desoneração da folha de salários baseiam-se em dois argumentos principais para justificá-la. A redução dos custos de produção seria transferida para os preços, trazendo efeitos positivos para o mercado de trabalho e para os produtos brasileiros negociados no mercado externo. Internamente, haveria estímulos ao crescimento dos investimentos, o que provocaria uma expansão do emprego formal, da parcela da renda atribuída aos salários e, por esta via, do nível de demanda. As perdas de receitas previdenciárias resultantes da deso-

1- Economista e Mestre em Economia. Gerente de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional 2- Trata-se da contribuição social do empregador, empresa ou entidade a ele comparada, incidente sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro.

14

TRIBUTAÇÃO em revista


neração seriam compensadas com o maior volume de contribuições dos trabalhadores formalizados 3. Por outro lado, nossos produtos comercializados no mercado internacional ganhariam maior competitividade, melhorando o nosso saldo comercial. O aquecimento da economia decorrente de ambos os efeitos incrementaria a arrecadação tributária, gerando recursos para a recomposição das receitas previdenciárias. Este artigo discute as inconsistências desses argumentos. A seção 2 mostra o crescimento da formalização na contratação da mão de obra, argumentando que ela decorre do crescimento do produto e de fatores prevalecentes do lado da demanda. Na seção 3 são apresentados indicadores do desempenho da indústria de transformação, sugerindo que as estratégias econômico-financeiras empresariais não transferem para emprego e renda as reduções de custos resultantes da desoneração da folha de salários. A seção 4 define e apresenta a composição do custo do trabalho brasileiro comparativamente ao de outros países, sugerindo que a desoneração não contribuiria para melhorar a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. À guisa de conclusão, a seção 5 lança algumas dúvidas sobre as conseqüências positivas da desoneração. 2 Formalidade e Informalidade no Mercado de Trabalho Segundo os defensores da desoneração da folha de salários, as contribuições sociais patronais representam um entrave para a geração de empregos formais. Maior desoneração levaria à geração de empregos formais. Esta alegação foi reforçada pela dinâmica do mercado de trabalho brasileiro da segunda metade

dos anos 1980 e da década de 1990 até o início dos anos 2000. Entre 1990 e 1999 o PIB brasileiro teve um crescimento médio anual de 1,65% alternando períodos de leve retração (1990-92), de pequena expansão (19931997), ou de estabilidade (1998-99). A abertura comercial do início da década colocou nossas indústrias diante de um cenário internacional fortemente competitivo, obrigando-as a mergulharem num forte processo de reestruturação produtiva, intensivo em capital. Do lado da política comercial, a taxa de câmbio sobrevalorizada contribuiu para a chamada “desindustrialização”. A oferta de empregos não acompanhou o ritmo do crescimento da força de trabalho, resultando em duas conseqüências marcantes sobre o mercado de trabalho: aumento do desemprego e maior informalidade 4. Contribuíram para este cenário os seguintes fatores: a contração da indústria de transformação, setor tradicionalmente com alto nível de formalidade; o crescimento do setor de serviços, onde a informalidade é maior; maior terceirização da mão de obra em decorrência da reestruturação produtiva 5; e “fatores institucionais associados ao sistema de seguridade social e à legislação trabalhista, incentivando o estabelecimento de relações informais (...) 6”. No contexto da reestruturação produtiva por que passava a economia brasileira, era imperativa a redução de custos, inclusive dos relacionados aos encargos sociais. A informalização das relações de trabalho evitava os custos trabalhistas e do sistema de seguridade social. Como estes eram inevitáveis nas relações formais, a tese da desoneração difundiu-se. Mais ainda, a redução dos empregos formais comprometia as bases do financiamento da Previdência Social e co-

3- O crescimento da massa salarial, resultante desta expansão de empregos formais, propiciaria “incremento nos recolhimentos da alíquota de empregados, do SAT, das alíquotas de exposição a agente nocivo, da taxa de administração da arrecadação de terceiros (apenas da parcela oriunda de empresas em geral) e da própria alíquota patronal” esta última na hipótese de não haver desoneração total das contribuições patronais. (BARBOZA, ANSILIERO e PAIVA, 2007, p.3) 4- MTE, 2002. 5- RAMOS, 2002, apud ULYSSEA, 2006 e MTE, 2002 6- MTE, 2002, p. 2

TRIBUTAÇÃO em revista

15


locava em pauta a busca por outra base de incidência mais estável. Tanto foi assim que a Emenda Constitucional no 42 incluiu no artigo 195 da Constituição Federal o parágrafo 13 prevendo a hipótese da “substituição gradual, total ou parcial,” da contribuição social patronal incidente sobre a folha de salários por outra não cumulativa “incidente sobre a receita ou o faturamento” 7. Mais recentemente, outros setores têm defendido a movimentação financeira como base de incidência, alegando que uma alíquota de 0,69% incidente sobre movimentação financeira bancária traria efeitos benéficos sobre a inflação, crescimento da demanda, do produto e do emprego. 8 A tendência à informalidade das relações de trabalho reverte-se a partir do início dos anos 2000. Fato

marcante foi a crise cambial do início de 1999 que desembocou na criação do câmbio flutuante. A desvalorização do real no início de 1999 elevou as exportações para os setores produtivos e a redução das importações promoveu o reaquecimento da indústria nacional. As conseqüências para o mercado de trabalho foram positivas. Registrou-se um forte dinamismo na geração de empregos formais, cujas taxas de crescimento superaram o crescimento da população economicamente ativa. Os dados relativos ao nível de formalidade do mercado de trabalho comprovam a reversão da tendência a partir do início dos anos 2000, tal como indicam os dados da PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, ilustrados no Gráfico 1.

Gráfico 1 - Taxas de Atividade e de Formalização do Mercado de Trabalho Brasileiro: 1992-2009 Fonte: IBGE, Pnad

7- Vide SILVEIRA e outros, 2008. 8- CNS, 2009 e NESE, 2010.

16

TRIBUTAÇÃO em revista


A taxa de formalização da mão de obra cai constantemente até 1998, tem um grande e rápido crescimento em 1999 e estabiliza-se até 2002. A partir daí ela cresce constantemente. A taxa de atividade 9 oscila em todo o período, chegando a 2009 em nível pouco superior a 1992. No período 1992-2002 a taxa de formalização da mão de obra decresce de 56,57% para 54,08%, enquanto que no período 2002-09, a intensidade do crescimento da formalização é bem maior do que o da atividade. Enquanto que esta cresce 0,8 pontos percentuais entre, aquela cresce 5,5 pontos percentuais. Os dados da PME - Pesquisa Mensal de Emprego, que abrange apenas seis regiões metropolitanas 10,

confirmam este resultado, conforme indica o Gráfico 2. O emprego formal cresce paulatinamente nestas regiões a partir de 2003, chegando a 51,64% em dezembro de 2010, ao passo que o emprego informal cai de 20,97% para 17,52%. Os empregos formais têm crescido sem que haja nenhuma correlação com o nível de incidência da contribuição patronal. Tal crescimento do nível de empregos formal está, portanto, associado a outros fatores, principalmente ao desempenho da economia brasileira, bastante impulsionada pela demanda. Veja-se o comportamento dos empregos formais em anos de bom desempenho do PIB. Nas regiões metropolitanas, entre dezembro

Gráfico 2 - PME: Evolução do Emprego Formal. Mês de Referência: Dezembro Fonte: IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego

9- Porcentagem de pessoas economicamente ativas 10- Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

TRIBUTAÇÃO em revista

17


de 2009 e dezembro de 2010, eles aumentaram 2,9%, contra 1,4% entre o mesmo período de 2008 e 2009, ou seja, mais do que o dobro. Em 2009 o PIB regis-

trou crescimento negativo de 0,2%. A evolução do nível de emprego setorial mostrado na Tabela 1 corrobora com esta afirmativa.

Tabela 1 - Saldo entre Desligamentos e Demissões no Mercado de Trabalho Brasileiro 2008 Desligamentos menos Admissões

2009 Desligamentos menos Admissões

2010 Desligamentos menos Admissões

1.452.204

995.110

2.555.421

8.671

3.036

17.715

178.675

10.865

544.367

7.965

4.984

20.034

Construção Civil

197.868

177.185

334.311

Comércio

382.218

297.157

611.900

Serviços

648.259

500.177

1.018.052

Administração Pública

10.316

18.075

10.417

Agropecuária

18.232

(15.369)

(1.375)

Setores Produtivos Total Ind. Extrativa Mineral Ind. Transformação Serviços Ind. de Utilidade Pública

Fonte: MTE - CAGED, Lei 4.932-65

À exceção da agropecuária todos os demais setores econômicos foram capazes de gerar um saldo positivo entre admissões e desligamentos no período 2008-10. Novamente, o movimento do emprego acompanha o desempenho econômico. O saldo é sempre maior nos anos de bom desempenho do produto (2008 e 2010) e menor no ano de mau desempenho (2009). 3 Emprego e Indicadores de Desempenho na Indústria de Transformação Se por um lado a evolução do emprego é positiva, a indústria trata de mantê-lo sempre num nível estável. Em momentos de crescimento econômico o desempenho dos índices de produção física e de faturamento é sempre melhor do que o índice de emprego. Os dados do Gráfico 3 mostram que, entre 2008 e 2010, o índice de emprego na indústria de transformação mantém-se bastante estável e em níveis in-

feriores à produção física e ao faturamento real. No auge da crise econômica (2º trimestre de 2008 e 1º de 2009) os três indicadores apresentaram queda e o índice de emprego, embora caísse, manteve-se acima da produção e do faturamento. Nos momentos de crescimento (três primeiros trimestres de 2008 e todo o ano de 2010), contudo, os índices de produção e de faturamento são bem superiores aos de emprego. Assim é que, em 2010, o faturamento real cresceu 28,35%, a produção física 6,4% e o pessoal ocupado 2,5%. A Tabela 2 mostra a evolução dos índices de faturamento real, emprego e massa salarial real da indústria de transformação segundo os subsetores intensivos em mão de obra 11 ou em capital 12. No período analisado nessa tabela ambos os subsetores mantêm um crescimento do faturamento real em níveis superiores a 20%. Entretanto, o comportamento dos índices de emprego e da massa salarial é bastante distin-

11- Alimentos e Bebidas, Têxteis, Vestuário, Couros e calçados, Madeira, Papel e celulose, Edição e impressão, Refino e álcool, Móveis. 12- Produtos químicos, Borracha e plástico, Minerais não metálicos, Metalurgia básica, Produtos de metal, Máquinas e equipamentos, Máquinas, aparelhos e materiais elétricos, Material eletrônico e comunicação, Veículos automotores, Outros equipamentos de transporte.

18

TRIBUTAÇÃO em revista


Gráfico 3 - Indústria de Transformação: Indice de evolução da produção física, pessoal ocupado e faturamento 2008-2010 (2008 = 100) Fonte: CNI, Indicadores Industriais

Tabela 2 - Índices de Faturamento Real, Emprego e Massa Salarial Real da Indústria de Transformação Subsetores Intensivos em Mão de Obra e em Capital Subsetores/Indicadores

2008 mar

jun

2009 set

dez

mar

jun

2010 set

dez

mar

jun

2011 set

dez

mar

Subsetores Intensivos em Mão de Obra Faturamento Real

119,90

115,65

131,13

110,21

126,94

115,02

128,61

125,23

145,58

127,76

140,58

122,59

145,11

Emprego

100,70

102,96

104,10

99,18

97,19

97,35

98,86

97,13

99,62

100,67

102,40

100,13

100,15

Massa Salarial Real

101,53

103,78

104,87

122,75

100,91

100,39

101,62

120,55

105,21

107,59

111,14

127,42

107,21

Subsetores Intensivos em Capital Faturamento Real

114,12

126,48

134,40

110,24

113,21

109,49

122,08

122,08

131,62

122,09

130,24

144,15

141,21

Emprego

100,99

102,53

104,72

101,50

96,24

95,18

96,95

96,95

101,87

103,70

105,93

105,43

107,24

Massa Salarial Real

98,70

95,00

99,43

123,70

94,52

90,59

92,85

92,85

99,45

98,14

104,93

124,38

108,43

Fonte: CNI, Indicadores Industriais

TRIBUTAÇÃO em revista

19


to do índice de faturamento real. Enquanto que nos setores intensivos em mão de obra a massa salarial cresce 5,6% no período considerado, nos setores intensivos em capital ela cresce 9,86%. O índice de emprego registrou pequena queda de 0,5% nos setores intensivos em mão de obra, enquanto que nos setores intensivos em capital houve crescimento de 6,2%. A indústria de transformação consegue manter seu faturamento em níveis mais elevados do que o emprego e a massa salarial. Nos setores intensivos em capital o desempenho do emprego e da massa salarial é melhor do que nos setores intensivos em mão de obra. Estes números lançam dúvidas sobre a capacidade de a desoneração gerar impactos positivos no mercado de trabalho. Uma desoneração das contribuições patronais certamente reduziria os custos de produção, propiciando às empresas maior rentabilidade e lucratividade, mas um efeito positivo sobre a geração de empregos e de renda é incerto 13. Não haveria, necessariamente, contratação de maior volume de trabalhadores. O crescimento sustentado do produto é o meio mais seguro para gerar tal resultado. Estudo realizado por Bitencourt e Teixeira 14 indica que a maior parte dos efeitos benéficos de uma desoneração dos encargos sociais para a economia ocorre somente em níveis superiores a 50%. Os efeitos da redução dos encargos sobre o mercado de trabalho são a queda nos salários – menor nos salários urbanos de mão de obra qualificada do que no de não qualificada – e o aumento da taxa de desemprego rural e urbano, esta última menor apenas quando a desoneração é superior a 50%.

Ressalte-se que a desoneração prejudica o nível de emprego e, como conseqüência, implica em maior rentabilidade do capital: “ (...) os capitais rural e urbano apresentam variação positiva. O que ocorre na economia é uma transferência do fator mão-de-obra, principalmente não qualificada, para capital (rentabilidade), cuja conseqüência é um acréscimo na taxa de desemprego, rural e urbano (...) 15

Os efeitos da redução dos encargos sobre os níveis de preços e de investimentos são neutros. Em termos de renda do governo e da arrecadação tributária, os efeitos são negativos qualquer que seja o percentual de desoneração. Obviamente, pela falta de um sucedâneo em termos de arrecadação. 4 Custo do Trabalho e Competitividade Internacional Os encargos sociais e os salários são dois dos componentes do custo total do trabalho. Salários devem ser entendidos como o total da remuneração, direta e indireta, recebida pelo trabalhador como contrapartida pela prestação de trabalho a um empregador. As contribuições sociais referem-se aos encargos incidentes sobre a folha de salários e que não revertem diretamente em benefício do trabalhador 16. O custo total do trabalho é, assim, um conceito mais amplo, sendo definido, segundo a OIT como: “o custo incorrido pelo empregador na contratação de mão de obra. O conceito estatístico de custo do trabalho compreende a remuneração pelo trabalho realizado, os pagamentos relativos ao tempo pago, mas não trabalhado, bônus e gratificações, o custo da comida, bebida e outros

13- Fernando Gaiger, em entrevista publicada nesta edição, também compartilha deste ponto de vista. Veja-se “(...) a desoneração da contribuição patronal teria seus efeitos concentrados nos rendimentos formais e, no meu entender, na ampliação da margem de lucro dos empresários.” 14- BITENCOURT, M. B. e TEIXEIRA, 2008. Os autores chegaram ao resultado por meio da utilização de modelo econométrico de equilíbrio geral, construindo seis cenários, divididos em dois grupos. No primeiro grupo, composto de 3 cenários, admite-se que o peso inicial dos encargos sociais sobre a folha de pagamentos é de 25,1%. No segundo grupo, composto de mais 3 cenários, o peso é de 45%. No primeiro cenário de cada grupo supõe-se uma redução de 5,8 pontos percentuais nos encargos, referentes às contribuições para o Sistema S. No segundo, os encargos são reduzidos em 50% relativamente ao peso inicial e no terceiro, o peso dos encargos é de 9%, percentual este próximo da média dos países concorrentes ao Brasil. 15- Idem, p. 73 16- DIEESE, 2006. A ONU define a soma dos salários e das contribuições como “compensações aos empregados” da seguinte forma: “a remuneração dos empregados é composta por todos os pagamentos feitos por produtores de ordenados e salários a seus empregados, em espécie, bem como em dinheiro, e de contribuições em relação aos seus empregados para a segurança social e de previdência privada, seguro contra acidentes, seguro de vida e sistemas semelhantes”. (ONU, 1968).

20

TRIBUTAÇÃO em revista


pagamentos em espécie, o custo de habitações sociais a cargo dos empregadores, gastos patronais com encargos sociais, custo para o empregador para a formação profissional, serviços sociais e itens diversos, tais como transporte de trabalhadores, a roupa de trabalho e de recrutamento, juntamente com os impostos considerados como custo do trabalho” 17 (grifo nosso)

Resumidamente, o custo total do trabalho é a soma das despesas remuneratórias e de manutenção do trabalhador, encargos sociais incidentes sobre a folha de salários, treinamento e benefícios. Sendo assim, em termos da inserção competitiva da empresa no mercado, especialmente no mercado internacional, o custo relevante é o custo total do trabalho, e não apenas o custo dos encargos incidentes sobre a folha de salários 18, uma vez que este é parte daquele. Para duas empresas que tenham o mesmo custo total do trabalho, não haverá diferencial competitivo entre elas do ponto de vista dos custos trabalhistas se os encargos sociais, como percentual sobre a folha de salários, forem bastante inferiores numa delas 19. Isto significa que, no caso de uma forte desoneração da folha de salários no Brasil, uma empresa brasileira que compete no mercado internacional com, por exemplo, uma empresa chinesa, não passaria a ter, necessariamente, maior vantagem competitiva. Sabe-se que o componente salário no custo do trabalho de uma empresa chinesa é baixíssimo e menor do que o brasileiro 20. A vantagem competitiva, se existir, dependeria da magnitude da desoneração e dos concorrentes no mercado internacional. Em termos internacionais, o custo do trabalho no Brasil já é bastante baixo, tal como indicam os dados

da Tabela 3. Da amostra de 34 países, a qual contempla países desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento, somente dois países (Filipinas e México) apresentaram, em 2009, custo da mão de obra por hora inferior ao brasileiro. Para conseguir reduzir seus custos do trabalho a níveis inferiores ao do México, exclusivamente por meio da desoneração das contribuições sociais, o Brasil precisaria desonerar suas contribuições sociais, com base no ano de 2009, em 85,82%, o que seria impraticável. Aliás, em termos de competição internacional, o México não é parâmetro para o Brasil. Dentre os fatores que tornam seus produtos mais competitivos, além do reduzido custo total do trabalho, estão sua proximidade física dos Estados Unidos, podendo atender mais rapidamente as encomendas do seu vizinho e com menor custo de transporte, além de se beneficiar da ausência de quotas de importação como membro do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) 21. Dentre os países relacionados na Tabela 3, o Brasil apresenta a maior participação dos custos com seguro social e tributos trabalhistas na compensação total do trabalho. Este indicador refere-se à participação relativa dos gastos com seguro social no custo total do trabalho. Talvez seja por esta razão que os empresários defendem a desoneração. Ela é uma forma de reduzir a participação relativa dos custos com encargos no custo total do trabalho. Mas o seu reflexo em termos de vantagem competitiva para o Brasil é praticamente nulo. Reduzir aquilo que já é muito baixo – o custo total do trabalho – em nada contribuiria para o maior acesso a mercados dos produtos brasileiros.

17- OIT, 1967, p. 39. 18- EUZEBY (1999), apud MARQUES e EUZÉBY, 2003. 19- DIEESE, idem. 20- Chan (2009) aponta quatro razões principais para que os salários chineses tornem os produtos daquele país tão competitivos no mercado internacional: oferta de trabalho quase inexaurível; descentralização administrativa e desregulamentação de salários na reforma econômica, fazendo com que os governos das províncias fizessem vistas grossas à exploração da mão de obra; ausência de sindicatos autônomos que lutem pela preservação de salários; o sistema doméstico de registro chamado hukou que previne fluxo migratório rural-urbano incontrolado. 21- Idem.

TRIBUTAÇÃO em revista

21


Tabela 3 - Custo da mão de obra por hora na Indústria Manufatureira, 2008-09 2009 Compensação aos empregados1

Países

Pagamento Total2

2008 Gastos com Seguro Social3

Compensação aos empregados1

Pagamento Total2

Gastos com Seguro Social3

Vlr.

Vlr.

%

Vlr.

%

Vlr.

Vlr.

%

Vlr.

%

Estados Unidos

33,53

25,63

76%

7,90

24%

32,23

24,77

77%

7,46

23%

Argentina

10,14

8,37

83%

1,77

17%

9,95

8,21

83%

1,73

17%

Austrália

34,62

27,49

79%

7,13

21%

36,91

29,31

79%

7,60

21%

Áustria

48,04

35,88

75%

12,16

25%

47,81

35,71

75%

12,10

25%

Bélgica

49,40

34,68

70%

14,72

30%

50,82

35,66

70%

15,16

30%

Brasil

8,32

5,63

68%

2,70

32%

8,48

5,73

68%

2,75

32%

Canadá

29,60

23,61

80%

5,99

20%

32,70

26,08

80%

6,62

20%

República Checa

11,21

8,15

73%

3,06

27%

12,20

8,95

73%

3,24

27%

Dinamarca

49,56

44,52

90%

5,04

10%

50,08

44,83

90%

5,25

10%

Estônia

9,83

7,24

74%

2,58

26%

10,34

7,73

75%

2,61

25%

Finlândia

43,77

34,31

78%

9,45

22%

44,68

35,03

78%

9,65

22%

França

40,08

27,57

69%

12,51

31%

42,23

28,52

68%

13,71

32%

Alemanha

46,52

36,14

78%

10,37

22%

48,22

37,67

78%

10,55

22%

Grécia

19,23

13,92

72%

5,31

28%

19,58

14,18

72%

5,41

28%

Hungria

8,62

6,39

74%

2,24

26%

9,77

7,14

73%

2,64

27%

Irlanda

39,02

33,06

85%

5,96

15%

39,37

33,36

85%

6,01

15%

Israel

18,39

15,41

84%

2,98

16%

19,51

16,46

84%

3,05

16%

Itália

34,97

24,34

70%

10,63

30%

35,77

24,90

70%

10,88

30%

Japão

30,36

24,95

82%

5,42

18%

27,80

22,84

82%

4,96

18%

Coreia do Sul

14,20

11,68

82%

2,52

18%

16,27

13,38

82%

2,88

18%

México

5,38

3,93

73%

1,45

27%

6,12

4,47

73%

1,65

27%

Holanda

43,50

33,45

77%

10,05

23%

44,72

34,39

77%

10,33

23%

Nova Zelândia

17,44

16,92

97%

0,52

3%

19,12

18,61

97%

0,51

3%

Noruega

53,89

43,97

82%

9,91

18%

58,22

47,51

82%

10,71

18%

Filipinas

1,50

1,37

91%

0,13

9%

1,55

1,42

92%

0,13

8%

Polónia

7,50

6,32

84%

1,18

16%

9,38

7,91

84%

1,48

16%

Portugal

11,95

9,54

80%

2,41

20%

12,24

9,77

80%

2,47

20%

Singapura

17,50

15,05

86%

2,45

14%

18,85

16,21

86%

2,63

14%

Eslováquia

11,24

8,02

71%

3,22

29%

10,89

7,84

72%

3,05

28%

Espanha

27,74

20,46

74%

7,29

26%

27,63

20,62

75%

7,00

25%

Suécia

39,87

27,18

68%

12,69

32%

44,09

30,42

69%

13,66

31%

Suíça

44,29

37,72

85%

6,57

15%

43,76

37,00

85%

6,76

15%

Taiwan

7,76

6,61

85%

1,14

15%

8,68

7,40

85%

1,28

15%

Reino Unido

30,78

24,31

79%

6,46

21%

35,75

28,25

79%

7,51

21%

Fonte: Bureau of Labor Statistics. International Comparisons of Hourly Compensation Costs in Manufacturing, 1996-2009 1 - Compensação aos empregados = pagamento total + gastos com seguro social e tributos trabalhistas 2 - Pagamento total = remuneração total por hora trabalhada ( salário base; remuneração por empreitada; horas extras, pagamento por troca ou substiuição, trabalho noturno e feriados; bônus e prêmios) + benefícios diretos (pagamento por dias não trabalhados - férias, feriados, e outras ausências, execeto ausência por doença; bônus sazonais e irregulares; licenças para assuntos familiares, para mudanças, etc.; pagamentos em espécie; indenizações não previstas em acordo coletivo) 3 - Gastos com seguro social = aposentadoria e pensão por invalidez; seguro saúde; seguro de garantia de renda e licença por doença; seguro de vida e por invalidez acidental; acidentes de trabalho e compensações por doença; outras despesas da Seguridade Social; impostos líquidos de subsídios sobre folhas de pagamento

22

TRIBUTAÇÃO em revista


O estudo de Bitencourt e Teixeira mostra que a desoneração dos encargos sociais traria melhorias para o comércio internacional dada pelo crescimento das exportações e redução as importações. A acumulação de maior rentabilidade do capital, conseqüência da elevação da taxa de desemprego, viabiliza os investimentos e, por esta via, maior produção e crescimento das vendas internas e externas. A desoneração dos encargos sociais provoca, assim, um resultado perverso. Apenas o capital se beneficia, em detrimento dos empregos e dos salários. Os ganhos de rentabilidade e de lucratividade somente mostrariam seus efeitos benéficos sobre o nível de investimentos, sem repercussões em termos de geração de emprego e renda e de formalização do mercado de trabalho. Ressalte-se, entretanto, que tais benefícios, mesmo que exclusivos ao capital, apenas ocorreriam mediante níveis de desoneração impraticáveis. A este respeito, um estudo realizado pelo Banco Mundial22 mostra que até o patamar de 50% de desoneração haveria uma redução de 2% a 5% no custo total das empresas, assumindo-se que o governo “eliminaria tributos (contribuições sociais) e os benefícios financiados pelos tributos”. Segundo as conclusões do estudo, tal redução não viabilizaria investimentos produtivos ou geração de empregos. Ou seja, uma fortíssima redução de encargos traria um benefício relativamente pequeno exclusivamente para empresários, sem contrapartida para os trabalhadores e para o país. 5 Breve Conclusão Um debate aprofundado sobre a desoneração da folha de salários, construído ao largo de posições dogmáticas, deve necessariamente levar em consideração e de maneira abrangente e apropriada, os indicadores de evolução recente da economia brasileira. Os dados aqui apresentados lançam dúvidas sobre os efeitos benéficos que desoneração da folha de salários é capaz de promover para o mercado de tra-

balho e para a competitividade externa dos nossos produtos. Tais benefícios dependem muito mais do desempenho positivo da economia a médio e longo prazo – crescimento sustentado do produto, controle fiscal e da inflação, etc. – do que do estímulo de medidas regulatórias pontuais, como é o caso a redução das alíquotas da contribuição social patronal. Os custos totais do trabalho no Brasil, bastante baixos se comparados internacionalmente, já imprimem a necessária competitividade aos nossos produtos no exterior. A melhor inserção competitiva de nossas empresas no mercado globalizado está muito mais associada ao desenvolvimento de vantagens comparativas clássicas como a especialização na produção, melhorias de produtividade, etc. É pouco plausível que uma redução ainda maior desses custos venha a melhorar nossas vantagens comparativas. Respondendo ao maior dinamismo da economia, o mercado de trabalho brasileiro está sendo capaz, desde 2002, de reduzir o nível de informalidade e de gerar mais empregos sem o auxílio de qualquer medida de redução dos encargos sociais. As estratégias empresariais têm sido bem sucedidas, nos tempos de crise ou não, em manter o faturamento e a produção das empresas bem acima dos índices de emprego e de salários. A desoneração da folha de salários exerceria pouca ou quase nenhuma influência sobre a dinâmica do mercado de trabalho e sobre a competitividade externa dos produtos brasileiros, mas certamente exerceria efeito significativo sobre os custos totais das empresas, viabilizando-lhes, ao menos num primeiro momento, o crescimento da rentabilidade e da lucratividade. Enquanto a desoneração acena para os trabalhadores com a esperança de melhores salários e mais empregos, ela pode viabilizar maior acumulação para os empresários, ampliando a concentração de renda e fragilizando o financiamento da previdência social.

22- BANCO MUNDIAL,1996, p. 36.

TRIBUTAÇÃO em revista

23


REFERÊNCIAS BARBOZA, E. D.; ANSILIERO, G.; PAIVA, L.H.S. Financiamento da Previdência Social:Impactos de curto prazo de uma eventual desoneração da folha salarial. Brasília: Ministério da Previdência Social. Informe da Previdência Social, v. 9, n. 9. Set. 2007, p. 1 a 6. BLS – Bureau of Labor Statistics. International Comparisons of Hourly Compensation Costs in Manufacturing, 1996-2009: All Employees. Time Series Tables. Division of International Labor Comparisons. Washington: United States Department of Labor, 2009. Disponível em ftp://ftp.bls. gov/pub/suppl/ichcc.ichccaesuppall.xls. Acesso em 04 abr 2011 BANCO MUNDIAL. Brazil - The Custo Brasil since 1990-1992. Washington: World Bank, Public Sector Management & Private Sector Development Division, dez. 1996, 64 p., Report no 15663-BR. Disponível em: http://www-wds.worldbank.org/ servlet/main?menuPK=64187510&pagePK=6419 3027&piPK=64187937&theSitePK=523679&en tityID=000009265_3970311115139. Acesso em 05 mai 2011. BITENCOURT, Mayra Batista e TEIXEIRA, Erly Cardoso. Impactos dos encargos sociais na economia brasileira. Nova Economia [online]. 2008, vol.18, no1, pp. 53-86. CHAN, Anita. A “Race to the Bottom”: Globalisation and China’s labour standards. China’s Perspectives. Paris: v. 46, mar-abr 2003, Disponível em http://chinaperspectives.revues.org/259. Acesso em 14 jul 2011 CNI – CONFEDEREÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Indicadores Industriais. Ano 22, no 5, mai 2001. Disponível em http://www.cni.org.br/portal/data/pages/FF80808121B560FA0121B565FEAF2699.htm . Acesso em: 07 jul 2011 CNS – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SERVIÇOS. Atualização do Estudo sobre a Carga Tributária no Setor de Serviços e Impactos da De-

24

TRIBUTAÇÃO em revista

soneração da Folha de Pagamentos na Economia Brasileira. Relatório Técnico. Rio de Janeiro, 19 out. 2009, 29 p. Disponível em http://www.cnservicos.org.br/documentos/estudos/ESTUDO%20 FGV.pdf Acesso em 21 fev 2011 DIEESE. Encargos Sociais no Brasil: conceito, magnitude e reflexo no emprego. São Paulo: Dieese, abr. 2006, 37 p., Convênio SE/MTE nº 04/2003, Sistema de Informações para o Acompanhamento de Negociações Coletivas no Brasil. Disponível em http://www.mte.gov.br/observatorio/Prod04_2006.pdf. Acesso em 12 mar 2011 MARQUES, Rosa M. e EUZÉBY, Alain. Discutindo Alternativas de Financiamento para o RGPS. In: MPS. Ministério da Previdência Social (Org.). Base de financiamento da previdência social: alternativas e perspectivas. Brasília, mar. 2003, p 247- 268 (Coleção Previdência Social, v. 19). MTE – MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. A Informalidade no Mercado de Trabalho Brasileiro e as Políticas Públicas do Governo Federal. Brasília: MTE/Observatório do Mercado de Trabalho Nacional, out. 2002, 17 p.Estudo elaborado para a Reunião de Ministros do Trabalho do MERCOSUL, Bolívia e Chile, Salvador, 30 e 31 de Outubro de 2002. Disponível em: http:// www.mte.gov.br/observatorio/Informalidade2. pdf. Acesso em jul 04 jul. 2011 NESE, LUIGI. Uma Nova Forma de Financiamento da Previdência Social. Tributação em Revista, v. 57, ano 16, jul-dez 2010, pp. 97-101. IBGE - Pesquisa Industrial Mensal Produção Física – Brasil. Banco de Dados SIDRA. Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/indust/default.asp Acesso em 04 abr 2011 IBGE. Pesquisa Mensal de Emprego e Salário. Banco de Dados SIDRA. Disponível em http:// www.sidra.ibge.gov.br/bda/indust/default.asp Acesso em 04 abr 2011


REFERÊNCIAS OIT. The Eleventh International Conference of Labour Statisticians. Geneve: ILO, 1967, 76 p. Conferência realizada entre 18 e 28 de outubro de 1966. Disponível em http://www.ilo.org/public/libdoc/ ilo/1967/67B09_237_engl.pdf. Acesso em 09 mai 2011 ONU. A System of National Accounts: studies in methods. United Nations: New York Series F, n. 2, rev. 3, 1968

SILVEIRA, Fernando G. e outros. A desoneração da folha de pagamentos e sua relação com a formalidade no mercado de trabalho. Brasília: Ipea, Texto para Discussão 1.341, 26 p., 2008. ULYSSEA, Gabriel. Informalidade no mercado de trabalho brasileiro: uma resenha da literatura. Revista de Economia Política, v. 26, n. 4 (104), pp. 596-618, out-dez/2006. Disponível em www.scielo.br/pdf/rep/ v26n4/08.pdf Acesso em 14 jul 2011

TRIBUTAÇÃO em revista

25


a RTIGO Reforma Tributária Simples: Reconstruindo os Laços Nacionais do Federalismo Brasileiro e Resgatando a Dignidade do Contribuinte Eurico Marcos Diniz de Santi1

1 Brasil, sai da UTI... Ante a crise do petróleo na década de 70, quase 20 anos de ditadura e sucessivas crises econômicas, é um alento ver o Brasil exibindo essa exuberante situação na ordem econômica mundial, ainda que talvez fugaz. Contudo, foram muitos anos em que o Brasil ficou na Unidade de Tributação Intensiva, tributando para sobreviver e pagar as contas. Hoje o cenário é outro, o paciente exibe disposição para disputar mercados com a China e correr junto com os Tigres Asiáticos; contudo, a mesma parafernália tributária de outrora continua desviando sangue que o país poderia empregar em artérias mais produtivas: precisa sair da UTI, precisa ser competitivo, precisa resgatar os laços da federação estilhaçada, precisa exportar, precisa de simplicidade e transparência para que o contribuinte possa desenvol-

ver sua atividade empresarial em parceria com o Fisco e não contra o Fisco. Reforma Fiscal não é um projeto de lei ou emenda constitucional, um pedaço de papel, é um processo de reconstrução de nossa identidade que exige a tomada de consciência sobre fatos políticos, econômicos, jurídicos e crenças que definem o pacto federativo e determinam o papel do Estado e da participação do cidadão nos rumos das políticas públicas. O Direito não é uma varinha de condão mágica que altera a realidade a partir de simples indicativo prescrito em documento legal, obrigando, proibindo ou permitindo condutas. Não cremos que a prática de burlar leis seja um esporte nacional, mas há no ar, aparentemente, essa percepção: uma idéia de ineficácia legal que se associa à idéia de impunidade. Culpar o sistema

1- Bacharel e Doutor em Direito. Professor e Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais e da Escola do Direito de São Paulo da FVG.

26

TRIBUTAÇÃO em revista


moral á simplista; pretender ensinar moral é, no mínimo, discutível. Será que precisamos de regras morais mais rígidas? Tornar o não pagamento de tributos e o desvio ou mal gasto de recursos públicos um tormento e infligir o pecador não parece ser a solução para nossos problemas fiscais. Acreditamos que esse processo começa com a construção dc uma base de informações confiável sobre dados a ser compartilhada por pesquisadores, forrnuladores de opinião e de políticas públicas. Não há sentido em discutir apenas modelos conceptuais e convicções pessoais. O êxito desse processo depende do debate público e aberto dc suas premissas e de uma radiografia precisa do atual sistema. Trata-se, pois, dc processo que há de ser informado pela idéia central da transparência que motive uma revolução criadora de cidadania fiscal: saber quanto se paga, porque se paga e, além disso, indagar sobre a oportunidade e qualidade dos gastos públicos. Os caminhos parecem turvos, talvez seja momento de resgatar os laços com a Economia, a Política e, principalmente, com o Direito Financeiro, como vem insistindo há mais de duas décadas Ary Oswaldo Mattos Filho.2 Eis um caminho necessário: uma reforma fiscal que se conecte com outros saberes, pois tributação, orçamento e gasto público formam um só sistema e não podem ser pensados isoladamente: a carga tributária sobe porque sobem os gastos públicos. Impor racionalidade tão-só no sistema tributário ajuda, mas não altera a equação da carga tributária demandada pelo sistema dos gastos públicos. 2 Problemas no Sistema Tributário Brasileiro: ausência de um “Fisco Nacional” e a presença dos três leões federados Apesar das divergências entre modelos e propostas, há grande convergência entre especialistas e o próprio Governo sobre os problemas do Sistema Tributário Brasileiro: (i)

muitos tributos incidentes sobre as mesmas bases: seis tributos indiretos sobre bens e serviços (IPI, COFTNS, PIS, CIDE, ICMS e ISS); dois tributos incidentes sobre o lucro (IRPJ e CSLL); (ii) alto custo de adequação das empresas no cumprimento de obrigações acessórias; (iii) insegurança jurídica gerada nos contenciosos administrativos e judiciais; (iv) incidência cumulativa da tributação indireta, onerando investimentos e exportações; (v) tributação excessiva da folha de salários quc prejudica a competitividade nacional, estimulando a informalidade e a formação de pessoas jurídicas “artificiais”; (vi) guerra fiscal entre Estados (ICMS x ICMS); (vii) guerra fiscal entre Estados e Municípios (ICMS x ISS); (viii) guerra fiscal entre Municípios (1SS x ISS); (ix) guerra Fiscal da União contra Estados e Municípios, utilizando e desvinculando contribuições e reduzindo a tributação sobre os impostos repartidos via Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM); (x) “guerra fiscal” dos contribuintes contra União, Estados e Municípios como forma de escapar da alta carga tributária mediante “esquemas” legais alternativos de planejamento tributário e; (xi) guerra fiscal” entre contribuintes, que desloca a competitividade para o custo tributário e induz mais planejamento tributário entre as empresas que concorrem entre si nos diversos segmentos da economia. 3 Desafios da Guerra Fiscal: contra quem? A Guerra Fiscal, especialmente em relação ao ICMS e entre os Estados, é um tema praticamente constante em todos os discursos e propostas sobre reforma tributária. Contudo, detectou-se na pcsquisa algumas perplexidades: de um lado, percebeu-se que na experiência internacional o tema é visto muitas vezes como uma forma sadia de baixar a carga tributária sobre o contribuinte; dc outro, consultadas as séries dos dados disponíveis na Secretaria do Tesouro Nacional sobre as receitas tributárias estaduais. verificamos que a receita tributária do ICMS só tem crescido. É claro que esse

2- MATTOS FILHO, Ary Oswaldo (Coord.). Reforma Fiscal: Coletânea de estudos técnicos. São Paulo: Dorea, 1993.

TRIBUTAÇÃO em revista

27


crescimento pode decorrer da expansão do PIB, eficiência da administração tributária ou outros fatores, contudo, também não se encontra prova empírica de que o expediente da guerra fiscal, numa perspectiva sistêmica, tenha provocado perdas efetivas para os Fiscos Estaduais. Proibir não é eficaz3. Na medida em que os dispositivos que concedem incentivos à revelia do CONFAZ dependem da declaração de inconstitucionalidade pelo STF, os Estados sistematicamente burlam essa dinâmica: ora editando novas leis que garantam os mesmos incentivos depois de declarada a eventual inconstitucionalidade; ora mediante a revogação do diploma antes do julgamento de sua inconstitucionalidade, de forma que a ADIN perca seu objeto, para em seguida editar nova lei concedendo o mesmo incentivo. Há ainda o problema de que muitos incentivos são concedidos de foma obscura, dificultando seu questionamento. Guerra fiscal: contra quem? Nessa tática de guerrilha é o contribuinte quem cai e sofre no campo de batalha: os Estados seduzem com incentivos ilegais que mobilizam os contribuintes para seus territórios, mas os outros Estados buscam caçar os efeitos de tais incentivos, normalmente relativos ao direito ao crédito do ICMS. causando dano direto aos contribuintes. Ou seja, na prática dessa guerra fiscal quem sempre sai perdendo é o contribuinte, que fica iludido por ilegalidades patrocinadas pelos próprios Estados, os quais fomentam a insegurança jurídica e subjugam o contribuinte a enfrentar juridicamente, ao mesmo tempo, o Estado que concede o beneficio ilegal e o Estado que glosa o mesmo beneficio em nome da legalidade. Ou seja, nessa guerra fiscal, enquanto os Estados e o STF brincam no jogo da legalidade/ilegalidade, explorando as ineficiências do sistema de controle de constitucionalidade, quem “toma bala” é o contribuinte4. Talvez

isso explique o porquê do prolongamento dessa guerra sem nenhuma atitude efetiva por parte dos Estados ou do Senado Federal: não é problema deles, é problema do contribuinte! 4 Tributação sobre folha de pagamentos: um problema mundial No Brasil, há uma espécie de clamor social para a desoneraçâo da tributação sobre a folha de pagamentos. Alguns segmentos da sociedade, como a Confederação Nacional de Serviços e os sindicatos e centrais de trabalhadores, têm colocado especial ênfase neste tema sob a alegação que tal desoneração geraria mais empregos, incentivaria a formalidade e aumentaria a competitividade nacional, pois o Brasil seria um dos países que mais onera a folha. Em vários paises tais como Canadá, Alemanha. Inglaterra, índia e França, observa-se que há tributação sobre a folha de pagamentos, bem como várias alíquotas para determinados beneficios, os quais variam de acordo com cada país. Sendo assim, nada muito diferente do que ocorre no Brasil. Entretanto, há pontos que poderiam ser melhorados no Brasil para dar mais transparência ao sistema: a questão da separação entre prêmios, benefícios relativos a estes prêmios (com cálculos atuarias) e assistência social. Outra peculiaridade da tributação sobre a folha no Brasil e que justifica o discurso reformista são os chamados “penduricários”, tributos que também incidem sobre a folha, aumentando a oneração do trabalho no Brasil. Ou seja, além da contribuição para a previdência social, incidem sobre essa mesma base de cálculo: salário educação (2,5%), INCRA (0,2%), Imposto sindical (1 dia de salário ao ano), SESC/SESI (1,5%), SENAI/SENAC (1 %) e SEBRAE (0,6%). Não obstante cada um desses tributos ter suas justificativas históri-

3- VARSANO, Ricardo. A Guerra Fiscal do ICMS: Quem ganha e quem perde. Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 1997. 4- Aliás, se o improvável acontecesse e o STF julgasse todos os incentivos indevidos como inconstitucionais, também não seriam os Estados os perdedores, mas sim os contribuintes que acreditaram nos Estados induzidos pelas vantagens fiscais: enfim, se a guerra fiscal acabar, caberá ao contribuinte o espólio dessa batalha em que só funcionou corno vítim

28

TRIBUTAÇÃO em revista


cas, a discussão que se coloca é se a folha de salário continua sendo a base mais adequada para obtenção de tais recursos de forma impositiva. 5 O engôdo da não-cumulatividade A não-cumulatividade é outra demanda sempre presente nos discursos sobre reforma tributária, em especial dos setores exportadores. Foi utilizada, recentemente, como o cavalo de batalha central na derrocada da CPMF. Não obstante seja encarada como direito do contribuinte e até princípio constitucional, o fato é que na prática a não cumulatividade outorga mais complexidade ao sistema, menos transparência e acaba funcionando como eficiente e silencioso instrumento para o aumento da arrecadação do Fisco. O Fisco se utiliza de tal expediente quando oferece isenções no meio da cadeia. restringe a tomada de créditos financeiros e difere em 48 meses o aproveitamento de créditos na aquisição de bens do ativo imobilizado. Enfim, na prática impositiva, nega o direito ao crédito em decorrência de sua própria ineficiência, declarando contribuintes inidôneos com efeitos ex tunc ou, na guerra fiscal, glosa créditos “legalmente” oferecidos por outros entes federativos. Além disso, assistimos atualmente a multiplicação dos regimes de substituição ou tributação monofásica que, em nome de facilitar a arrecadação, ignoram sobejamente a não-cumulatividade. Enfim, para que serve mesmo a não-cumulatividade? 6 Perspectivas jurídicas para superação do impasse sobre a reforma tributária no Brasil Não há dúvida sobre a complexidade do impasse que envolve o tema da reforma tributária no Brasil: acumulam-se e acotovelam-se problemas de ordem histórica, política, econômica e social, aparentemente de dificil equacionamento. Além disso, constatamos que, definitivamente, não são jurídicos os problemas centrais que impõem resistência ao discurso sobre a Reforma Tributária.

Que fazer? Acreditamos que o direito pode ajudar. Neste tópico, desenvolveremos algumas idéias e propostas de como o conhecimento das estruturas normativas pode ajudar a compreender e propor mudanças no processo propositivo da reforma tributúria no Brasil. 7 O Ovo da Serpente: Brasil Colonial e Origens do Extrativismo Fiscal Não há texto sem contexto. Nem Direito sem História. Não é possível entender nossas instituições nem nossas leis, sem encontrarmos os devidos contextos históricos e culturais que dão fundamento e sustentação ao nosso Sistema Tributário: (i) seria a distribuição da renda?; (ii) a solidariedade?; (iii) ou a capacidade contributiva? KAMER DARON ACELOGLU — professor de Economia Aplicada do Massachusetts Institute of Technology (MIT), e vencedor do John Bates Clark Medal, prêmio dirigido a jovens economistas entre 30-40 anos e considerado o segundo mais importante prêmio mundial na área de Economia (nos últimos 20 anos, 40% dos premiados pela John Bates Clark Medal também ganharam o Nobel de Economia, entre eles Milton Friedman, Joseph Stiligtz e Paul Krugman) — em denso estudo empírico sobre as origens coloniais e os efeitos no desenvolvimento econômico5 conclui que diferentes tipos de colonização implicam distintos desenhos institucionais. De um Lado, nas origens de países como os Estados Unidos, Canadá e Nova Zelãndia, encontramos colônias de povoamento em que o Estado surgiu a partir da ordem social e que se tornaram modelos do respeito às instituições, à propriedade e à idéia de Estado de Direito. De outro, tantos outros países da África e da América Latina que funcionaram como colônias de exploração em que o Estado surgiu, artificialmente, de cima para baixo, com o único objetivo de extrair rique-

5- ACEMOGLU, Kamer Daron et aI. The Colonial Origins of Comparative development. p. 1369-93.

TRIBUTAÇÃO em revista

29


zas sob o domínio da força da metrópole, configurando o que DARON ACEMOGLU denomina de extrativismo fiscal: sistema impositivo, em que o Estado utiliza a lei como instrumento de força para extrair riquezas da sociedade submetendo os cidadãos ao risco da expropriação, desrespeitando o direito de propriedade e a idéia de Estado de Direito: é nosso Brasil colonial e atual! Extrativismo fiscal é o regime em que o Estado submete Sociedade e Economia num ciclo vicioso e autista em que a lei é utilizada como instrumento de poder de arrecadação de tributos, mas sem qualquer contrapartida jurídica vinculando tributação com o oferecimento de serviços públicos. Não se paga tributo para exercer direito sobre a prestação de serviços públicos; paga-se porque a Constituição autoriza e a lei delega, silenciosamente, discricionariedade para o ato de aplicação do direito: é o império do Direito com o obsessivo objetivo de arrecadar, arrecadar, arrecadar... Características do Extrativismo Fiscal: (i) Estado ao estilo colonial centralizador que elimina ou submete a comunidade local; (ii) indiferença em relação às políticas públicas que justificam o sistema tributário (distribuição de riquezas, solidariedade ou capacidade contributiva), sendo o objetivo do Estado a extração de riqueza das regiões ricas, a qual é apropriada pela burocracia e transferida para os aliados políticos do Poder, em geral, elites das legiões pobres que se mantêm na lógica da exploração colonial e (iii) tributação excessiva e sanções que penalizam aqueles que produzem e premiam aqueles que se apropriam da riquezajá produzida. Alguma semelhança? 7.1 Transparência... Para quê? Para quem? É certo que não cabe ao Direito resolver o imbróglio fiscal brasileiro, mas também não se justifica utilizá-lo como cúmplice dos problemas fiscais nacionais. Além de problemas já citados, como a indústria de ilegali-

6- Entrevista publicada na revista Consultor Jurídico, em 22 de janeiro de 2006.

30

TRIBUTAÇÃO em revista

dade fomentada pelos Estados na guerra fiscal, a artimanha de burlar o controle de constitucionalidade, de toda promiscuidade que caracteriza o sistema tributário constitucional, do problema de bases impositivas comuns sendo partilhadas por três esferas distintas de competência, da manipulação de nomenclatura dos impostos que mascarados como “contribuições” permitem, em nome de uma destinação sempre difícil de se verificar, a criação de novos tributos estrategicamente não partilháveis com Estados e Municípios. Entre tais problemas jurídicos trágicos, há, porém, outros mecanismos mais silenciosos e talvez por isso mais danosos, pois comprometem a compreensão do sistema tributário nacional e inibem o temeroso exercício da cidadania fiscal obstacularizado pela falta de transparência do sistema. Um dos subterfúgios legais mais indignos é a chamada alíquota por dentro. Segundo Clóvis Panzarini6, essa forma de cobrança vem desde 1967, tendo sido criada pelo governo militar para esconder a carga tributária: cobra-se a alíquota de 15% por dentro para ocultar a real alíquota de 17%; ou 25% por dentro pela vergonha de tributar luz e tdefone a 33% (1/3 do valor da conta). Não por acaso, nos debates técnicos sobre a definição da alíquota do IVA nacional, previsto na PEC 233/08, aventou-se a utilização da alíquota interna também para o IVA nacional não-cumulativo, sob a alegação que sem esse expediente a alíquota seria muito alta, induzindo a evasão fiscal... Será que se evita evasão fiscal com uma mentira institucional (em lei)? Outra trama construída pelo Direito é a dualidade contribuinte de direito e contribuinte de fato. O contribuinte de direito é aquele definido pela lei tributária como responsável pelo pagamento do tributo, contudo ele não paga o tributo economicamente: transfere o valor do tributo para o contribuinte de fato. Contribuinte de fato, no sistema brasileiro, é aquele que paga o tributo, mas não sabe que paga nem é reconhecido pelo


Direito como contribuinte; é o honroso papel que ocupam dezenas de milhões de brasileiros que arcam com a carga tributária no consumo, mas sem saber. 7.2 O “lançamento por homologação” ou “A Mão Que Balança o Berço”, devolvendo a competência administrativa para aplicar as leis tributárias ao seu titular de direito e expertise: o Fisco Insegurança jurídica é um dos temas centrais que afetam contribuintes e empresários, bem como tribunais que não conseguem dar vazão aos múltiplos desenhos negociais propostos pelo contribuinte na tentativa de adequar sua carga tributária. Decorre da complexidade das leis, da promiscuidade da Constituição em tratar tão minuciosamente a matéria tributária como se fosse uma solução (quando, na verdade, é um grande problema para o STF, que demora às vezes 10 anos para encontrar uma solução) e de nosso sistema federativo que reparte a competência tributária entre as três esferas. Mas também decorre de um hábito, uma atitude, uma prática que já se justificou no passado, mas que hoje reverte sua aparente facilidade em grandes e incontroláveis complexidades: refiro-me ao chamado “lançamento por homologação”, ficção jurídica em que a administração delega para o contribuinte o dever de interpretar e aplicar a legislação tributária, mas que fica sujeito à homologação (fiscalização) por parte do Fisco. Ou seja, o Fisco abre mão de interpretar e aplicar a legislação que cria e passa essa obrigação para o contribuinte que, além de ser obrigado a pagar o tributo, tem que entender de tributação ou contratar especialistas para ajudá-lo, mas fica sempre sujeito à posterior e incerta concordância do Fisco nos próximos cinco anos – prazo que o Fisco tem para confortavelmente decidir se a lei que ele criou pegou ou não, ou optar pela melhor interpretação considerando os interesses do Fisco. Tal atitude gera grandes distorções no sistema: uma delas é o planejamento tributário, atividade incentivada pelo próprio fisco que obriga o contribuinte a pagar

altos tributos, cria uma legislação complexa e obriga que o próprio contribuinte encontre uma saída legal satisfatória. Depois, se o Fisco não concorda, lavra um auto de infração, cobra o tributo que acha devido e aplica multas entre 75 e 150%. Incentiva o contencioso, mas a cada quatro anos oferece um plano de parcelamento irresistível (PAES. REFIS 1, REFIS da CRISE) perdoando as multas e “só” exigindo o controvertido principal em 180 parcelas a perder de vista. É a indústria da incerteza e da ilegalidade patrocinada por esse esquema fiscal, vítimas de autuações bilionárias e que se sentem acuadas nos conturbados processos administrativos que se formam em torno do retórico valor de bilhões simbolicamente devidos ao Fisco, mas muitas vezes sem qualquer consistência legal: é tributo de tolo! Para não citar o susto da Petrobrás e a queda da secretária Lina Vieira e respeitar o sigilo das empresas autuadas (indevidamente ou não, nunca se sabe), fiquemos com o recente caso de ameaça de autuação da BM&F em 5,5 bilhões relativa à amplamente noticiada integração com a BOVESPA. Não há sentido em obrigar o contribuinte a aplicar uma legislação tributária que em razão da própria complexidade, o Poder Judiciário, encabeçado pelo STF, demora dez anos para interpretar e oferecer uma resposta pontual sobre um artigo específico. Não há sentido em obrigar o contribuinte a aplicar uma lei complexa que o Fisco cria, para depois o Fisco culpar o contribuinte de aplicar a lei com fraude e cobrar multas de 50%: aplicar a lei de ofício é dever do Fisco, não do contribuinte. Com os sofisticados sistemas de informação e SPED do Fisco, cabe ao contribuinte apenas oferecer as infomações: aplicar a lei é expertise do Fisco, que, aliás, é o criador dessa legislação. Pressuposto lógico é que quem cria uma lei, sabe como aplicá-la. A idéia, seguindo a experiência do Simples Nacional, é: o contribuinte paga o tributo, oferece todas as informações sobre o fato gerador, mas não pode ser obrigado a aplicar a lei. A obrigação de aplicar leis fe-

TRIBUTAÇÃO em revista

31


derais, estaduais e municipais é dos agentes públicos de cada esfera, que são treinados e passam por rigorosos concursos públicos para assumir essa complexa função: não é obrigação do contribuinte que faz pão e vende leite na padaria entender sobre a não-cumutatividade da PIS/COFINS ou saber sobre a substituição tributária para frente do ICMS! 8 REFORMA TRIBUTÁRIA SIMPLES — RTS: uma Reforma Tributária Brasileira, aproveitando a experiência da expertise fiscal brasileira que inspira e serve de modelo para outros países O Simples Nacional (SN) é um regime tributário diferenciado elaborado para micro e pequenas empresas (MPE) que visa à unificação da cobrança dos tributos federais, estaduais e municipais por uma única via. Foi criado pela Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006 (LC 123/06) e sua vigência teve inicio em 1° de julho de 2007. Ressalta-se que o SN veio a aumentar e aprimorar o regime Simples Federal (que não incluía tributos estaduais e municipais), tendo sido instituído pela lei 9.317/96 (conversão da Medida Provisória 1.526/96). Entretanto foram necessários muitos encontros para formatar um sistema que agregasse todos os tributos numa única guia e um programa gerador capaz de captar as peculiaridades de várias legislações, além daquelas impostas pela LC 123. O Simples Nacional inaugura uma nova postura dos Fiscos. Por tratar-se de lei nacional, é impositivo para todos os entes federativos (União, Estados e Municípios), tendo substituído os regimes especiais de tributação que existiam de maneira diversa nos entes federativos e forçado a interação entre os Fiscos que – com o objetivo de evitar o repasse da complexidade da legislação tributária decorrente de várias redundâncias e conflitos de competências — inauguram a admirável postura: assumir, integrar e resolver os problemas das três esferas de tributação internamente antes de exigir o tributo do contribuinte. A regra é: o pagamento do tributo para o contribuinte dever ser simples, a com-

32

TRIBUTAÇÃO em revista

plexidade é problema dos Fiscos. No Simples Nacional, os três entes estão no mesmo nível hierárquico: Receita Federal, Fazendas Estaduais e Municipais são parceiras, reunindo inteligência, infomação, esforços e recursos comuns. Não compromete as competências tributárias, pois as alíquotas podem ser mudadas a qualquer momento pela União, Estados e Municípios. Enfim, além de melhorar a vida do contribuinte o SIMPLES aumentou os poderes de fiscalização de todos os entes federados. As informações sobre o SIMPLES pertencem a todos: a chave do sucesso do SIMPLES é o uso de ferramentas avançadas de TI. O SIMPLES — experiência nacional de sucesso - é um exemplar balão de ensaio para uma reforma tributária no Brasil. Ajudaria numa reforma na medida que já oferece um mecanismo em que os Fiscos internalizam as complexidades do sistema, resolvem a questão e entregam aos contribuintes NÃO mais problemas, mas soluções. O SIMPLES não é “simples” para os fiscos. É SIMPLES para o contribuinte. Se há 4 anos fosse dito, aqui no Brasil, que todos os tributos iriam ser reunidos numa única guia que seria paga no banco e que, após dois dias, o dinheiro seria repartido entre os entes de forma automática, todos diriam que isso seria IMPOSSÍVEL.., uma loucura. Bem, hoje o Simples Nacional já existe, é uma realidade, é criação brasileira. Conhece todos nossos problemas nacionais, mas reúne também toda inteligência, eficiência e sofisticação do Fisco brasileiro: é o nosso paradigma de uma reforma tributária inteligente e eficiente que não precisa copiar nenhum sistema nem alterar nossa constituição. Não se trata de mais uma reforma de “leis”, é uma mudança de visão sobre o sistema fiscal brasileiro, uma mudança de atitude. O Fisco, que é o grande expert em matéria tributária, deve aplicar a lei tributária. O contribuinte é contribuinte, tão-só (e não é pouco) paga os tributos. O Fisco passa a assumir a postura de serviço público do cidadão, colaborando na harmonização da legislação da federaçào e simplificando a vida de quem gera riqueza para essa nação chamada Brasil.


8.1 Estratégia de implantação da RFS: Reforma Tributária “SIMPLES” A estratégia de implantação da RFS é ‘simples” porque já começou. Ela iniciou na década de 1990 com o fim da inflação, com o treinamento e modernização da Receita Federal do Brasil e com a experiência da inflação e da CPMF, que tornaram o nosso Sistema Bancário um dos mais informatizados e sofisticados do mundo. Começou com a informatização da Declaração de Imposto sobre a Renda: um “case” brasileiro de sucesso mundial. Iniciou com a LC 105 e a “quebra” do sigilo bancário do contribuinte. Iniciou com a exitosa experiência do SIMPLES NACIONAL e se consolidou, agora, no final dessa década com a implantaflo do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED)7. A Reforma Tributária SIMPLES não depende de políticos. Trata-se de uma mudança de atitude da ação fiscal que resgata o sentido da unidade federativa e a dignidade do contribuinte. Sua viabilidade, continuidade de implantação e sucesso só depende de um corpo de funcionários técnicos dos mais graduados e sofisticados dos quadros da República: os Auditores- Fiscais. Trata-se de mera integração das Administrações Tributárias, as quais, sem perder qualquer poder apenas haverão de se colocar na contingência de trabalharem juntas no esforço comum de ajudar o contribuinte que já paga os impostos. Nesta nova racionalidade, as unidades de sistematização não serão mais os tributos da União, dos Estados ou dos Municipios. Nessa nova reflexão nacional, o corte de ação exige o olhar pelo ângulo sistemático de cada setor da economia: importação/exportação, indústria, comércio, serviços, setor financeiro, etc., cuidando de um setor de cada vez.

Talvez, para o início, o mais fácil e convidativo seja o setor de importação e exportação. Na importação, o desafio será a integração do IPI, II, PIS/COPINS, ICMS e outras taxas aduaneiras incidentes sobre o ato de importação. Tal harmonização despenderá de especial negociação e entendimento por parte dos Estados, a exemplo do recente acordo8 celebrado entre os Estados de São Paulo e Espírito Santo. No mesmo sentido, num segundo passo, caberá a harmonização entre União e Estados sobre os tributos incidentes sobre a Exportação, resolvendo para o contribuinte os intrincados problemas dos vários regilnes do PIS/COFINS na cadeia de exportação, bem como, exigindo dos Estados um esforço federativo de cooperação e colaboração na lógica dos créditos do ICMS para que barreiras fiscais entre Estados não prejudiquem a livre circulação de mercadorias: é... a ‘Reforma Tributária Simples’ já começou! 9 Resumindo... Na Reforma Tributária Simples, não há mudança legislativa substancial ou necessidade de integração de bases de cálculo – a consolidação para o tributo devido para cada operação negocial é realizada pela própria administração tributária de modo integrado e harmonizado: o contribuinte apenas arrecada um único valor indicado sobre a respectiva operação negocial (compra e venda de mercadoria, aplicação inanceira. prestação de serviço, industrialização etc). União, Estados e Municípios ficam encarregados de resolver seus problemas internos de conflitos de competência serviços/mercadorias, guerra fiscal entre Estados, harmonizar redução de base de cálculo com redução de alíquotas, substituição para frente, para trás, diferimento etc.: cabe ao esforço integrado dos técnicos das três esferas fiscais

7- O Sistema Püblico de Escrituração Digital (SPED) visa promover a atuação integrada dos fiscos nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), uniformizar o processo de coleta de dados contábeis e fiscais, bem como tomar mais rápida a identificação de ilicitos tributários. Dentre os beneficios vislumbrados para os contribuintes, com a implantação desse sistema, destaca-se a redução de custos, além de simplificação e agilização dos processos que envolvem o cumprimento de obrigações acessórias. O SPED é composto de vários módulos: Escrituração Contábil Digital; Escrituração Fiscal Digital; Nota Fiscal Eletrônica e Conhecimento de Transporte eletrônico, dentre outros. 8- Em atitude exemplar e seguindo a lógica de implementaçao da Reforma Tributãria Simples, os governos do Espírito Santo e São Paulo fimaram acordo para acabar com a disputa entre os Estados pelo ICMS cobrado na importação de mercadorias, via tradings capixabas, por empresas paulistas. Às vésperas das eleições, os Estados concordaram em editar projetos de lei para que o ICMS em importações por terceiros, contratadas até o dia 20 de março do ano passado e desembaraçadas até 31 de maio de 2009, deve ficar no Estado da trading. São Paulo vinha autuando empresas que importaram mercadorias por meio do Porto de Vitória e não recolheram, na compra por ordem de terceiro, o imposto considerado devido à Fazenda paulista. TRIBUTAÇÃO em revista

33


encontrar as soluções que os contribuintes já realizam quando pagam os vários tributos, mas, agora, de forma concentrada. O contribuinte pagará os mesmos impostos. Mesma carga tributária. Cada ente federativo receberá os mesmos recursos. Tudo dependerá de um lançamento de oficio orientado pelas informações sobre os dados de cada operação, fornecidos em tempo real pelo Sistema Público de Escrituração Digital, viabilizado pela incomparável TI do Fisco nacional, que exigirá o valor em uma única guia centralizada em conformidade com a ampla coordcnaçâo de entendimentos da “vontade” integrada dos três Fiscos. Se o contribuinte pagar o lançamento em dia está extinta a obrigação tributária formalizada por esse ato de integração comum de aplicação da legislação tributária e o sistema bancário fica encarregado de repartir, na boca do caixa, os montantes devidos para a União, Estados e Municípios. Caso contrário, se o contribuinte não concordar, poderá sozinho ou com a ajuda dos seus advogados impugnar mediante o devido processo administrativo fiscal que também deverá ser integral: nesse desenho, é interesse do Fisco aplicar a lei da forma mais clara e bem fundamentada para evitar essas impugnações. O Fisco será incentivado a buscar a coerência e a fundamentação hierárquica de suas cobranças, sob pena de não receber o tributo (a complexidade da legislação passa a ser um problema do Fisco, não só do contribuinte). A convivência fiscal dos próprios Fiscos no exercício de harmonizar a aplicação de suas legislações e partilhar o dinheiro da arrecadação, iniciará um processo de diálogo que poderá encaminhar solução para as iniqüidades dos fundos de participação dos Estados e dos Municípios (FPE/FPM). A proposta é usar a simplicidade e a transparência. Será dificil?! Impossível harmonizar?! Impossível ao Fisco determinar a base impositiva de tantos tributos ao mesmo tempo. Bem, até hoje esse foi o “dever acessório” colocado como obrigação por parte de cada contribuinte individualizado e sujeito a penas de 75 a 150% sobre o tributo, além da pecha

34

TRIBUTAÇÃO em revista

de sonegador para aqueles que não realizassem tal tarefa em dia e corretamente. Nessa nova Pasárgada, os Fiscos, em vez de pensar em diabrites para infernizar a vida do contribuinte, haverão de utilizar sua autoridade e inteligência para se entender: auditores fiscais municipais, estaduais e federais hão de trabalhar juntos, tomar-se mais próximos, talvez até amigos, criar confiança entre si e descobrir que União, Estados, Municípios, Empresas, PJ e PJotinhas não existem de verdade, são todas criações do Direito, criações de papel: só seres humanos trabalham, criam riquezas e pagam tributos para seres inexistentes. 10 Enfim... para melhorar o Brasil: consciência! Saímos das mãos dos políticos para técnicos altamente qualificados e organizados em sindicatos que se preocupam com o Brasil. Saímos da perspectiva colonial de encontrar uma solução no além mar, encontrando solução nacional e inovadora. Saímos do sonho de reformas tributárias de papel, rejeitando o legalismo autista que pensa que o direito é uma varinha mágica: o fato é que mudanças radicais no sistema tributário legal podem ensejar experiências fiscais amargas que sempre serão sofridas, em última instância, pelo contribuinte. Saímos do plano legal abstrato e nos encontramos no plano concreto da aplicação do direito, das práticas aduaneiras, industriais, comercias e financeiras que habitam o mundo real dos negócios globalizados. Saímos de um ambiente de insegurança jurídica e de animosidade contenciosa insana do contribuinte contra os aparatos dos Fiscos federal, estadual e municipal, para um ambiente de cooperação em que o contribuinte não precisa de advogados tributaristas para pagar seus tributos – o esforço integrado do Fisco oferece o serviço público necessário, interpretando e aplicando a legislação tributária. Saímos de uma federação de poderes individuais e mesquinhos para reencontramo-nos no exercício da harmonização dos poderes fiscais federativos, reconstruindo nossa noção de nacionalidade além do


futebol. Saímos de uma visão em que o contribuinte é visto como sonegador contumaz por não aplicar corretamente uma legislação que ninguém entende, para uma visão em que o contribuinte exerce sua expertise no comércio, na indústria e nos serviços: não é obrigação do contribuinte ser expert em legislação tributária, assim como quem usa um computador pata escrever não precisa ser expert em informática – deixemos os problemas técnicos para os técnicos. Saímos de um sistema tributário extremamente complexo para um sistema muito mais simples e transparente: as comple-

xidades ficam embutidas e são harmonizadas de forma centralizada pelo Estado, que garante, nessa perspectiva, igualdade e competitividade para todos os contribuintes (não é a liminar ou a assessoria de um grande escritório de advocacia que fará a diferença no sucesso da minha empresa). Enfim, saímos de onde nunca deixamos de estar, somos o que somos. escrevendo nossas próprias soluções. Reforma Fiscal não é um pedaço de papéis, é um processo histórico que já começou: estamos fazendo história!

REFERÊNCIAS AFONSO. José Roberto et. al. Uma reforma esquecida. IPEA. Boletim de Desenvolvimento Fiscal n. 05, jun/2007. AVATE, Paulo Roberto e BIDERMAN, Ciro (Coord.). Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 1994. BARAT, Josef. Infra-estruturas e crescimento: reforma do Estado e inclusão social. São Paulo: CL-A Cultural. 2004. BIRD, Richard. Tax reforin in Latin America: a review of some recent experiences. Latin american research review, vol. 27, n.1, 1992. ENEI, José Virgílio Lopes. Project finance: financiamento com foco em empreendimentos (pacerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007. LIMA, Edilherto Carlos Pontes. Globalização, Tributação e Federalismo: algumas relaçôes. IPEA. Boletim de

Desenvolvimento Fiscal n. 04, mar/2007. MENDES, Marcos. Ineficiência do gasto público no Brasil. IPEA. Boletim de Desenvolvimento Fiscal n. 03, dez/2006. MATTOS FILHO, Ary Oswaldo (Coord.). Reforma Fiscal: Coletânea de estudos técnicos. São Paulo: Dorea, 1993. SANTI, Eurico Marcos de Diniz de (Coord). Curso de direito tributário e finanças públicas. São Paulo: Saraiva, 2008. SILVA, Fernando Antonio Rezende et. al. O dilema fiscal: remendar ou reformar?. Rio de Janeiro: Editora FGV e Confederação Nacional da Indústria (CNI), 2007. WADE, Robert. Governing the market: economic theory and the role of government iii east asian industrialization. Princeton: Princeton University Press, 1990.

TRIBUTAÇÃO em revista

35


a RTIGO Da Capacidade Contributiva e o Seu Processo Real de Efetividade Arlindo Marostica1 Hélio Silvio Ourem Campos2

1 Capacidade Contributiva e a Verificação de Seus Paradoxos Não basta o tributo ser legal, há também de ser legítimo. Neste artigo buscamos aferir se as normas tributárias infraconstitucionais incorporaram plenamente o Princípio da Capacidade Contributiva. Compulsando os conceitos formulados pelos mais renomados doutrinadores, o princípio da capacidade contributiva subordina-se à idéia de justiça distributiva. Esse princípio objetiva legitimar a tributação e graduá-la de acordo com a riqueza de cada qual, de modo que os ricos paguem mais e os pobres, menos. Ao discorrerem sobre o princípio da capacidade contributiva, os doutrinadores realçam veementemente que o princípio de que se trata deve preservar, eximindo de

tributação, a riqueza mínima necessária à sobrevivência digna do ser humano, sob pena de, em não sendo assim, a tributação constituir-se numa violência à liberdade, valor maior da natureza humana, tutelada no Estado de Direito. Nesse sentido, José Marcos Domingues de Oliveira constrói o entendimento de que “essa riqueza só poderá referir-se ao que exceder o mínimo necessário à sobrevivência digna, pois até este nível o contribuinte age ou atua para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade produtora daquela riqueza”.3 Destarte, com fartura, a doutrina alerta que a tributação não pode se tornar excessiva, proibitiva ou confiscatória. Exigir mais do que o contribuinte pode pagar, asfixiando-o ou diminuindo-lhe a sua capacidade produtiva é, por analogia a uma conhecida fábula, matar a galinha

1- Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. 2- Doutor e Mestre em Direito pela UFPE. Juiz Federal. Professor Titular de direito tributário da Universidade Católica de Pernambuco. Ex-Procurador Judicial do Município do Recife. Ex-Procurador do Estado de Pernambuco. Ex-Procurador Federal 3- OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Direito tributário: capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.113

36

TRIBUTAÇÃO em revista


dos ovos de ouro. Assim, essa tributação, ademais, não pode se tornar excessiva, proibitiva ou confiscatória, ou seja, a tributação, em cotejo com os diversos princípios e garantias constitucionais (direito ao trabalho e à livre iniciativa, proteção à propriedade), não poderá inviabilizar ou até mesmo inibir o exercício de atividade profissional ou empresarial lícita nem retirar do contribuinte parcela substancial de propriedade.4

Nos últimos anos, os meios de comunicação têm dedicado enorme destaque ao tema da carga tributária brasileira. Estudos e pesquisas estatísticas informam que a carga tributária se revela, ano após ano, cada vez mais elevada. O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), organização privada, em recente pesquisa divulgada no Caderno de Economia do Jornal do Comércio, de 06/06/2007, noticiou que a “carga tributária pesa mais para a classe média”.5 Segundo o IBPT, a carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo e, pelos serviços públicos prestados ao cidadão, é também uma das mais injustas. Além disso, informou o que se segue: Mas para a classe média, a parcela da população que tem renda mensal entre R$ 3 mil e R$ 10 mil mensais, os tributos são ainda mais perversos. Isso porque esta é a faixa de renda que mais paga impostos no Brasil, mais ainda do que aqueles que ganham acima de 10 mil.6

Ora, se a pesquisa aponta que a classe média é que suporta a maior carga tributária, é lógico concluir-se que os mais ricos suportam uma carga, relativamente, menor. Por conseguinte, pode-se também concluir que o princípio da capacidade contributiva está sendo maculado e que o seu subprincípio da progressividade não foi adequadamente manejado. Em nosso cotidiano prático-profissional, no âmbito da contabilidade, deparamo-nos com diversos paradoxos que adiante detalharemos. Em nosso entendimento, esses paradoxos negam a efetividade do princípio da capacidade contributiva. Desde já esclareça-se que os paradoxos que adiante serão apresentados não ferem o princípio da capacidade contri-

butiva, necessariamente, por prescreverem uma tributação excessiva, proibitiva ou confiscatória. Ressalte-se, ainda que não ferem o referido princípio por tributarem, necessariamente, a riqueza mínima necessária à sobrevivência digna do ser humano. Referimo-nos, sim, aos paradoxos que aquinhoam, que abonam, que infundadamente discriminam, que concedem isenções, quase sempre, aos mais abastados, maculando a capacidade contributiva e os subprincípios (proporcionalidade, progressividade, personalidade e seletividade). Nesse contexto, visualiza-se um fosso, cada vez mais fundo, que separa uns poucos que a cada dia acumulam mais posses do resto (a maioria) que, paulatinamente, tornam-se cada vez mais depauperados, retrato nítido do efeito atroz da indigna, aética, injusta, nefasta, indesejada e imoral concentração de renda que se verifica, de forma cada vez mais destoante, nos países que adotam a chamada cartilha neoliberal, donde o Brasil é campeão. Para melhor aferirmos se alguns normativos tributários respeitam ou afrontam princípios tributários constitucionais e para buscarmos responder à questão problema deste trabalho abordaremos situações concretas, casos práticos, aqui denominados paradoxos. 1.1 Paradoxo 1: Rendimento de Aluguéis Percebidos Por Pessoas Físicas Versus Rendimento de Aluguéis Percebidos Por Pessoas Jurídicas. Em relação aos rendimentos de aluguéis percebidos por Pessoa Física, o Imposto de Renda (IRPF) será apurado com base na Tabela Progressiva a que são submetidos os rendimentos do trabalho como forma de facilitar a visualização dos desdobramentos práticos. Numa descrição simples, no que pertine aos rendimentos de aluguéis percebidos por Pessoa Jurídica, que seja optante pelo lucro presumido e cujo objeto contemple a atividade de locação de imóveis próprios, o Imposto de Renda (IRPJ) e os demais tributos (PIS, COFINS e CSLL) serão apurados da seguinte forma:

4- OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Direito tributário: capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.89 5- EDITORIAL. Carga tributária pesa mais para a classe média. Jornal do Comércio, Recife, 06 de junho de 2007. Caderno de Economia, pág.3. 6- EDITORIAL. Carga tributária pesa mais para a classe média. Jornal do Comércio, Recife, 06 de junho de 2007. Caderno de Economia, pág.3.

TRIBUTAÇÃO em revista

37


Tabela 1 - Incidência do IRPJ sobre o faturamento trimestral de até R$ 30.000,00 Tributo

Base de cálculo

Alíquota

Adicional IR

% sobre o faturamento

IRPJ

16,00%

15,00%

0,00%

2,40%

CSLL

32,00%

9,00%

0

2,88%

PIS

Faturamento

0,65%

0

0,65%

COFINS

Faturamento

3,00%

0

3,00%

Carga total

8,93%

Tabela 2 - Incidência do IRPJ sobre o faturamento trimestral de R$ 30.000,01 até R$ 187.500,00 Tributo

Base de cálculo

Alíquota

Adicional IR

% sobre o faturamento

IRPJ

32,00%

15,00%

0,00%

4,80%

CSLL

32,00%

9,00%

0

2,88%

PIS

Faturamento

0,65%

0

0,65%

COFINS

Faturamento

3,00%

0

3,00%

Carga total

11,33%

Tabela 3 - Incidência do IRPJ sobre o faturamento trimestral que exceder a R$ 187.500,00 Tributo

Base de cálculo

Alíquota

Adicional IR

% sobre o faturamento

IRPJ

32,00%

15,00%

10,00%

8,00%

CSLL

32,00%

9,00%

0

2,88%

PIS

Faturamento

0,65%

0

0,65%

COFINS

Faturamento

3,00%

0

Carga total

Não é necessário possuir um intelecto privilegiado para perceber a flagrante distorção que as tabelas acima, por si só, revelam. Inicialmente, pode-se verificar que os rendimentos são da mesma natureza, qual seja: aluguéis. Não é sem motivo que proprietários de imóveis para renda têm constituído sociedades, mediante a incorporação de seus bens imóveis ao capital. É uma prática lícita, cuja denominação é elisão fiscal. A título exemplificativo tem-se a seguinte situação: se um determinado proprietário de imóveis, pessoa física,

38

TRIBUTAÇÃO em revista

3,00% 14,53%

auferisse alugueres no valor mensal de R$ 62.500,00, o seu ônus tributário mensal corresponderia a R$ 16.662,31 a título de imposto de renda de pessoa física -IRPF. Ao revés, se esse mesmo proprietário constituísse uma sociedade empresária, incorporando ao capital da sociedade os mesmos imóveis que lhe rendiam os aluguéis que percebia, na qualidade de pessoa física, sobre esses mesmos aluguéis, agora auferidos pela pessoa jurídica, incidiria o IRPJ, a CSLL, o PIS e a COFINS, num montante de R$ 7.081,25.


No exemplo supracitado, verifica-se uma elisão no patamar de R$ 9.581,06, por mês. Ao permitir que esta elisão fiscal ocorra, estaria a nossa legislação atendendo, só para exemplificar, os princípios da isonomia, da proporcionalidade, da progressividade e da capacidade contributiva? Inegavelmente, a elisão fiscal é legal, mas até que ponto pode ser considerada legítima? Neste paradoxo, restou óbvio que os rendimentos são de natureza idêntica, ou seja, alugueres. O fato de passarem a ser percebidos por pessoa jurídica não lhe altera a natureza. Para um rendimento da mesma natureza, o legislador concedeu à pessoa jurídica uma tributação muito menos onerosa se confrontada com a devida pela pessoa física. Não há se falar, nesta hipótese, que a pessoa jurídica suporta gastos superiores aos da pessoa física. No paradoxo sob enfoque, a sociedade empresária constituída para administrar e alugar seus próprios imóveis não é demandada em nenhum gasto que não seja devido, também, pelo proprietário locador pessoa física. Se uma lei contém lacunas legais que permitem, mediante a elisão fiscal, afrontar ou até mesmo ignorar os consagrados princípios tributários, indispensáveis à persecução da justiça tributária e, por efeito, a própria justiça social e a justiça distributiva, não seria razoável supor que esta mesma lei padece de inconstitucionalidade? Firmamos um entendimento positivo à indagação suscitada. Notadamente no âmbito tributário, pode-se entender o espírito da lei pelos seus efeitos. A verdadeira intenção que move um ser humano a agir, revela-se nos efeitos ou nas conseqüências que o seu ato provoca. Por conseguinte, à luz do princípio da capacidade contributiva, os seus efeitos teleológicos estão sendo maculados. Analogicamente, pode-se asseverar que a verdadeira intenção do legislador, ao formular o corpo normativo da legislação tributária está umbilicalmente atrelado aos efeitos dessa lei, leia-se: aos próprios efeitos práticos arrecadatórios. E é certo que assim o seja. Por óbvio, não se cria uma lei, no âmbito tributário, que não vise a efeitos tributários.

Dessa maneira, pode-se dizer que, se uma determinada lei agrava ou desonera determinado grupo ou categoria de contribuintes é porque assim o pretendia o legislador. Não temos a pretensão de provar a intenção deliberada ou subliminar com que age o legislador. Entretanto, parece-nos oportuno trazer este tema à reflexão. Se uma lei, ao criar tributos ou ao oferecer desonerações, não levar em conta os princípios que perfazem a justiça tributária não é razoável supor que a intenção deliberada ou subliminar do legislador não estivesse eivada de interesses diversos dos princípios norteadores da justiça tributária, capitaneados pelo princípio da capacidade contributiva. Vislumbra-se neste paradoxo que, embora tratando da tributação de rendimentos de capital (alugueres), incidentes sobre pessoas diversas – quais sejam: pessoas físicas e jurídicas – sua natureza é a mesma. Portanto, o legislador, deliberada ou subliminarmente, subverteu o subprincípio da progressividade e ignorou, por conseguinte, o princípio da capacidade contributiva. Fala-se muito do avanço da concentração de renda em nosso país e dos malefícios dela decorrentes. Pouco se fala a respeito das causas que a fomentam. Muito menos se tem notícias de propostas ou projetos que visem corrigir essas distorções. No meu quotidiano prático, exercendo a profissão de contador, ouvem-se freqüentes reclames do contribuinte pessoa física que, auferindo rendimentos de aluguéis depara-se com a “pesada” tributação de até 27,50%. Ouvem-se, com muito mais ênfase, os mesmos reclames dos representantes das pessoas jurídicas que, graças ao planejamento tributário (elisão fiscal) suportam, para rendimentos de até R$ 10.000,00 por mês, uma carga de 8,93%, para a mesma espécie de rendimentos (aluguéis). Isso denota que nem toda a manifesta insatisfação em torno da elevada carga tributária é fundada. Na verdade, o Sistema Fiscal Brasileiro possui muitas das características de regressividade. Nesse paradoxo, parece-nos configurada a subversão do princípio da capacidade contributiva. Se assim o é, não estaria eivada de inconstitucionalidade a legislação que a

TRIBUTAÇÃO em revista

39


permite? Sabemos que é legal, mas, não pode ser considerado lícito ou legítimo o pomposo instrumento denominado planejamento tributário (elisão fiscal) que, em última análise permite que, quase sempre, os mais aquinhoados paguem menos tributos que os que têm menos. 1.2 Paradoxo 2: A Natureza Tributável dos Lucros no § 5º, Artigo 2º, da Lei Nº 10.101/2000 Versus A Natureza Isenta dos Lucros no Artigo 10, da Lei Nº 9.249/1995. Conforme disciplina o artigo 153, inciso III, da Constituição da República, a instituição do Imposto de Rendas e Proventos de qualquer natureza é de competência da União. Depreende-se, ainda, que o Imposto de Renda (IR) deverá ser informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei. Eis o teor in verbis do dispositivo normativo: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: III – renda e proventos de qualquer natureza; § 2º - o imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade na forma da lei.

O Código Tributário Nacional (CTN), alude à normatividade do Imposto de Renda e Proventos nos seguintes termos: Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou a combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior; § 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização,condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. Art.45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o art. 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.

Nestes termos, o Código Tributário Nacional, informa

40

TRIBUTAÇÃO em revista

que o imposto de renda incide sobre a renda e proventos de qualquer natureza e tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda. Entenda-se por renda o produto do capital, do trabalho ou a combinação de ambos. Nos termos do art. 10 da Lei 9.249/95, regulamentada pelo artigo 51 da Instrução Normativa 11/96, da Secretaria da Receita Federal - IN SRF 11/96 - os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior. À luz do exposto, transcreve-se o conteúdo do artigo 10, insculpido na Lei nº 9.249/1995. Art. 10º Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

Desta feita, não estão sujeitos ao imposto de renda os lucros e dividendos pagos ou creditados a sócios, acionistas ou empresário individual (artigo 10, Lei 9.249/95) gerados a partir 01 de janeiro de 1996. Reitere-se, por oportuno, que essa não-incidência independe do regime tributário da pessoa jurídica, leia-se: lucro real, presumido ou arbitrado. Além disso, a isenção independe também do valor distribuído. Os lucros, portanto, independentemente do valor, serão isentos. O artigo 10 da Lei nº. 9.249/95 converteu a natureza tributária dos lucros. Os lucros, que até então, via de regra e com alíquotas variáveis, eram tributáveis, foram isentados do imposto de renda. Conforme exposto, a referida mudança de natureza passou a viger a partir de 1º de janeiro de 1996. Compreendemos que o lucro é um produto ou fruto


do capital, representando para quem o aufere a aquisição de uma disponibilidade econômica, uma renda. Nesse contexto, o lucro está, indiscutivelmente, inserto na hipótese de incidência do artigo 43 do Código Tributário Nacional. Em contraponto, aos trabalhadores está assegurado o direito à participação nos lucros ou resultados, de acordo com o artigo 7º, inciso XI da nossa Carta. Antes da regulamentação por lei ordinária, muito se discutiu acerca da auto-aplicabilidade deste dispositivo constitucional.7 Após a promulgação da Constituição de 88 foram editadas várias medidas provisórias, que não se converteram em leis. A primeira medida provisória que regulamentou a matéria foi a de nº 194, em 1994. Após esta Medida Provisória, foram editadas mais treze sobre o assunto, com poucas alterações. Somente com a edição da lei nº 10.101, em 2000, foi que se pôs fim à discussão acerca da auto-aplicabilidade do dispositivo constitucional, pois passou a regulamentar a participação do trabalhador nos lucros ou resultados da empresa. Após essa Lei, a participação nos lucros ou resultados passou a ser obrigatória, pois consiste em um direito previsto na Constituição. Assim, a Lei nº. 10.101/2000, alude ao que se segue: Art. 2o A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo: ... § 5o As participações de que trata este artigo serão tributadas na fonte, em separado dos demais rendimentos recebidos no mês, como antecipação do imposto de renda devido na declaração de rendimentos da pessoa física, competindo à pessoa jurídica a responsabilidade pela retenção e pelo recolhimento do imposto. (grifo nosso)

Na tentativa de definir a natureza jurídica desta forma de participação, surgiram três teorias. A primeira atribuía-lhe natureza salarial; a segunda, por sua vez, considerava-a um contrato de sociedade; e a terceira, por fim, entendia que se tratava de uma figura sui generis, que representava

uma forma de transição entre o contrato de trabalho e o contrato de sociedade. A doutrina, influenciada pelo artigo 457 da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, posicionou-se pela natureza jurídica salarial da participação mencionada. A jurisprudência também defendeu a natureza salarial, dando origem à Súmula 251 do Tribunal Superior do Trabalho - TST, cuja redação é a que se segue: “A participação nos lucros da empresa, habitualmente paga, tem natureza salarial, para todos os efeitos legais.” A referida Súmula 251 foi cancelada pelo TST, por meio da Resolução nº 33, de 27 de julho de 1994, em razão de a Constituição da República asseverar em seu artigo 7º, inciso XI, que a participação nos lucros ou resultados seria desvinculada da remuneração. A teoria que atribuía à participação em tela natureza de contrato de sociedade não subsistiu porque não há affectio societatis entre o empregado e o empregador e os riscos da atividade empresarial são de exclusiva responsabilidade do último. Hodiernamente, segundo a doutrina dominante, a participação nos lucros ou resultados caracteriza-se por ser uma figura sui generis, não constituindo um contrato, mas um efeito que decorre do contrato de trabalho. A Lei nº 10.101/2000, que regulamentou o dispositivo constitucional que trata da participação nos lucros ou resultados, além de estabelecer a natureza não-salarial da participação, dispôs sobre a periodicidade do pagamento, que não poderá ser inferior a um semestre civil. Pelo exposto, tanto os lucros de que trata o artigo 10 da Lei nº 9.249/95, quanto a participação nos lucros ou resultados da empresa de que trata o artigo 7º, inciso XI da Constituição de 88, regulamentado pela Lei nº. 10.101/2000, constituem-se em aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda para os seus beneficiários. E não é só. A vigente Carta Magna ao referir-se ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, no inciso I, § 2º, do artigo 153, expressa que o imposto de

7- Alguns autores, dentre os quais se cita José Afonso da Silva e Celso Ribeiro Bastos, afirmavam que a norma era meramente programática, não sendo, portanto, auto-aplicável. Para outros doutrinadores, como Sergio Pinto Martins, o direito à participação nos lucros, desvinculado da remuneração, já era auto-aplicável desde a Constituição de 88.

TRIBUTAÇÃO em revista

41


renda “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei”. Depreende-se do exposto que o artigo 10 da Lei nº. 9.249/95 ignorou, a um só tempo, os três critérios constitucionais formadores do imposto de renda. Ao estabelecer a isenção de imposto de renda sobre os lucros, desconsiderou o critério da generalidade, da universalidade e da progressividade. Por óbvio, também, feriu de morte o princípio da capacidade contributiva. Não se pode ignorar que muitos empreendedores vêm cumulando verdadeiras fortunas oriundas de lucros auferidos sem qualquer tributação. O legislador afrontou vários princípios ao estabelecer isenção tributária para os lucros. Em que fundamento ou princípio maior se baseou o mesmo para tal afronta? Seria de cunho econômico, ético, filosófico, axiológico? Admita-se que o fator determinante para tornar os lucros isentos de tributação tenha a insustentável alegação de que se estaria incorrendo em bitributação ou, o que parece ter sido mais decisivo, a pressão dos investidores estrangeiros e dos capitalistas pátrios. Sem essa isenção, nossas elites abastadas não se sentiam suficientemente recompensadas. Ameaçavam remeter (e não ficou só na ameaça) seus capitais para os paraísos fiscais. Por seu turno, os investidores estrangeiros (na maioria das vezes meros especuladores) não se disporiam a investir (“apostar”) seus capitais num país dito de economia instável. O risco era muito alto e, assim, tornou-se imprescindível que os lucros fossem excepcionais e livres de tributação. O legislador, portanto, submissamente, captou e acolheu os ditames do “mercado”. Ao instituir a isenção, justificou-se que os lucros não poderiam ter natureza tributável sob pena de se incorrer em bitributação. Eis que os lucros são frutos da atividade empresarial já devidamente tributada e se os mesmos fossem tributados na pessoa física, estar-se-ia bitributando a mesma riqueza. Essa é a sustentação dos que defendem a natureza não tributável dos lucros. Tergiversando sobre o assunto, pareceu-nos muito cômoda e depreciativa essa conclusão. Cômoda para estes

42

TRIBUTAÇÃO em revista

empresários que foram agraciados com a desoneração. E depreciativa para os cofres públicos, tendo em vista a enorme perda arrecadatória que isso representa para o Estado. A conseqüência direta desta realidade fática é o aumento da carga tributária para os demais contribuintes, vez que o Estado não tem conseguido reduzir seus gastos. Os lucros são resultados econômicos positivos da atividade empresarial. Assim, os lucros pertencem à empresa. Se, ao investir os lucros em sua própria atividade ou na expansão da empresa, a ativação desses lucros fosse tributável, por certo, estar-se-ia diante de uma flagrante bitributação. Porém, ocorre que, no paradoxo ora abordado, os lucros mudam de titularidade. Saem da esfera patrimonial da pessoa jurídica que os gerou para ingressar no patrimônio da pessoa física, dos sócios. E, diante disso, concluir que os lucros devem ser considerados isentos, sob pena de incorrer-se em bitributação, não se configura razoável. Se razoável fosse, por analogia, ter-se-ia que admitir que os salários, esses sim, legítimos frutos do trabalho, também deveriam ser de natureza isenta. Ora, sabe-se que tanto o capital quanto o trabalho são fatores de produção de uma empresa. Então, se os frutos do capital (lucros) devem ser isentos de imposto de renda, por quê os frutos do trabalho (salários) não o são? Mas, o que foge ao razoável e para nós se afigura incompreensível, é o fato de que mesmo ente político ao legislar sobre a participação do trabalhador nos lucros ou resultados da empresa, no § 5o, do art. 2o da Lei nº. 10.101/2000, prescreveu que: As participações de que trata este artigo serão tributadas na fonte, em separado dos demais rendimentos recebidos no mês, como antecipação do imposto devido na declaração de rendimentos da pessoa física, competindo à pessoa jurídica a responsabilidade pela retenção e pelo recolhimento do imposto. (grifo nosso)

Desta feita, o legislador não se mostrou suficientemente sensível para captar ou acolher os anseios dos trabalhadores, no sentido de isentar de tributação a participação


nos lucros ou resultados da empresa. Não é fácil conceber em que fundamentos, em que princípios, o legislador fez incidir imposto de renda sobre os parcos lucros atribuídos aos trabalhadores, que notoriamente dispõem de menor capacidade contributiva, e, ao arrepio dos mais sagrados princípios tributários, isentou os, quase sempre, galhardos lucros atribuídos aos sócios que, via de regra, detém uma maior capacidade contributiva. Ademais, embora não se possa questionar a constitucionalidade da Lei nº 9.249/95, sob seu aspecto formal, não parece aceitável que esse mesmo instituto torne os lucros isentos de tributação, com fundamento no que se segue: traíram-se os critérios preconizados no inciso I, § 2º, do artigo 153 da Constituição de 88, o qual alude que o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade na forma da lei”. Menosprezaram-se, ainda, os artigos 43 a 45 do Código Tributário Nacional uma vez que o Imposto de Renda incide sobre a renda e proventos de qualquer natureza e tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda. O lucro é um produto ou fruto do capital, representando para quem o aufere, a aquisição de uma disponibilidade econômica, uma renda. Enquadra-se, portanto, na hipótese de incidência do artigo 43 de Código Tributário Nacional. E, se por algum fundamento, os lucros devem ser isentos de imposto de renda quando distribuídos aos sócios, em regra, detentores de uma maior capacidade contributiva, com maior justiça, deveriam ser isentos do mesmo imposto de renda ao serem pagos aos empregados a título de participação nos lucros ou resultados da empresa. 1.3 Paradoxo 3: Renúncias Tributárias em Favor da Renda do Capital Aludiu-se nos paradoxos anteriores que se vem taxando, mais significativamente, a renda dos trabalhadores assalariados e as classes de menor poder aquisitivo, via

tributação sobre o consumo, ao longo dos últimos anos. Além disso, pode-se afirmar que o Estado brasileiro vem abrindo mão de receitas tributárias importantes em favor da renda de capital. Uma dessas renúncias fiscais é a dedução dos juros sobre o capital próprio das empresas do lucro tributável do Imposto de Renda – IR e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Esse entendimento encontra fundamento na Lei nº 9.249/95, em seu artigo 9º. Assim, desde 1996, passou-se a permitir às pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real, que remuneraram as pessoas físicas ou jurídicas, a título de juros sobre o capital próprio, a considerar tais valores como despesas para fins de apuração do IRPJ e da CSLL. Trata-se, na verdade, de uma despesa fictícia. À luz do exposto, observa-se que a remuneração paga aos acionistas, a título de juros sobre o capital próprio, é considerada despesa. E, sendo contabilizados como despesa, os juros sobre o capital próprio, por óbvio, reduzem o lucro. O mesmo montante dos juros sobre o capital próprio distribuído aos acionistas redundará, em igual montante, em redução do lucro da Sociedade. Ora, reduzido o lucro, reduzida será a tributação a titulo do IRPJ e da CSLL. O artigo 9º, da Lei 9.249/95, beneficia as sociedades mais lucrativas, possibilitando que, ao remunerarem seus acionistas com juros sobre o capital próprio, reduzam, no mesmo quantitativo, os lucros que seriam apurados. Em termos práticos, a fim de elucidar esse dispositivo, constata-se o seguinte: o art. 9º da Lei 9.249/95 permite que as grandes sociedades, as mais lucrativas, deixem de recolher aos cofres públicos 25% (15% + 10% de adicional) a título de IRPJ e 9% a título de CSLL. É verdade que os juros sobre o capital próprio são tributados na pessoa do beneficiário, porém, à alíquota exclusiva de 15%. Observa-se que, para os mais aquinhoados, o governo renuncia, abre mão de arrecadar 34% para contentar-se com apenas 15%. De acordo com dados da Unafisco Sindical, somente em 2005, a distribuição de juros sobre capital próprio

TRIBUTAÇÃO em revista

43


implicou uma renúncia tributária de R$ 3,7 bilhões. Esse mecanismo permitiu, por exemplo, que os cinco maiores bancos do sistema financeiro nacional – que apresentaram um lucro histórico em 2005 - distribuíssem a título de juros sobre capital próprio aos seus acionistas um montante de R$ 6 bilhões.8 Assim, o valor distribuído de Juros sobre Capital Próprio proporcionou uma redução nas despesas com encargos tributários desses bancos no montante de R$ 2,1 bilhões, implicando uma renúncia tributária do Estado a favor dos bancos no total de R$ 1,2 bilhão.9 Entre os privilégios tributários concedidos ao grande capital, especialmente os bancos, está a isenção de imposto de renda da remessa de lucros e dividendos ao exterior (art. 10, Lei 9.249/1995). De acordo com o UNAFISCO SINDICAL10, atualmente SINDIFISCO NACIONAL, dados do Banco Central revelam que as remessas líquidas de lucros e dividendos de multinacionais bateram recorde em 2005, atingindo US$ 12,7 bilhões, maior montante desde 1947. Essa situação só é possível em função da alta rentabilidade com os juros reais, o câmbio apreciado e a isenção de imposto de renda sobre remessas para o exterior e a isenção de lucros e dividendos distribuídos11. Convertendo o valor de US$ 12,7 bilhões à taxa de câmbio de R$ 2,34 (30/12/2005), chega-se ao montante de R$ 29,7 bilhões, que se fossem tributados com uma alíquota de 15% (que vigorou até 1996) possibilitaria uma arrecadação tributária de R$ 4,5 bilhões. Não bastasse recentemente o governo editou a Medida Provisória - MP nº 281, de15/02/2006, convertida pelo Congresso Nacional na Lei n. 11.312, de 27/06/2006, reduzindo a zero as alíquotas de IR e de CPMF12 para inves-

tidores estrangeiros no Brasil. As operações beneficiadas pela MP são cotas de fundos de investimentos exclusivos para investidores não-residentes, que possuam, no mínimo, 98% de títulos públicos federais. Osiris Lopes Filho que secretariou a Receita Federal nos anos de 1993 e 1994, em entrevista concedida aos jornalistas Tina Evaristo e Hugo Studart da Revista “Isto é” – Dinheiro, disponível na internet,13 à pergunta: “Até que ponto é verdade a tese de que rico não paga muito imposto?” Respondeu: Também acho isso. Quando fui secretário da Receita, mandei começar a fiscalização pelos ricos. Era uma ação de marketing efetiva e eficiente. Os fiscais ficaram todos assustados, já que não tinham o hábito de incomodar as elites. Peguei quem tinha iate e avião. Alguns mostraram as notas fiscais orgulhosos. Então fomos checar se tinham renda pessoal declarada para comprar o iate. Daí batemos em suas residências para verificar se o motorista e a empregada estavam registrados como funcionários das empresas. E o aluguel? Novo rico não tem casa própria, mora tudo de aluguel em nome da empresa. Essa foi uma pequena amostra do sistema injusto no Brasil, no qual os empregados da classe média são os que mais pagam impostos. As megaempresas costumam ter esquemas para não serem efetivamente fiscalizadas. As pequenas estão na informalidade. São as médias que estão pagando o pato.

Na mesma entrevista, perguntado se “Os grandes lucros dos bancos têm alguma relação com o sistema tributário?” Manifestou: Sim, no Brasil você tem um paraíso para o rendimento do capital. Na minha opinião, ainda é um resquício da sociedade escravocrata do século XIX, como se o trabalho devesse ser explorado. Há um claro privilégio para os rendimentos obtidos do capital. A cada bilhão de lucro, o banco paga R$ 150 milhões, quando deveria pagar R$ 250 milhões.

8- UNAFISCO SINDICAL. Arrecadação de Janeiro/2006: Renúncia Tributária favorece grande Capital. Disponível em: <http://www.unafisco.org.br/estudos_tecnicos/index. htm>. Acesso em: 20 jul. 2007. 9- UNAFISCO SINDICAL. Arrecadação de Janeiro/2006: Renúncia Tributária favorece grande Capital. Disponível em: <http://www.unafisco.org.br/estudos_tecnicos/index. htm>. Acesso em: 20 jul. 2007. 10- UNAFISCO SINDICAL. Arrecadação de Janeiro/2006: Renúncia Tributária favorece grande Capital. Disponível em: <http://www.unafisco.org.br/estudos_tecnicos/index. htm>. Acesso em: 20 jul. 2007. 11- Desde janeiro de 1996, a distribuição de lucros e dividendos é isenta de IR (art. 10, Lei 9.249/1995). 12- A cobrança da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), instituída pela EC nº. 12/96 (art. 74 do ADCT), não foi prorrogada pelo Congresso Nacional, tendo sido extinta em 31/12/2007. 13- LOPES, Osiris Filho. A honestidade é inviável no Brasil. Disponível em: www.blindagemfiscal.com.br/artigos/osiris_lopes_filho.htm. Acesso em: 13 out. 2007

44

TRIBUTAÇÃO em revista


Verifica-se, portanto, que os brasileiros, notadamente a classe média trabalhadora, além de suportar uma das maiores cargas tributárias, vêem o Poder Público renunciar ou amenizar a tributação dos capitalistas pátrios ou para atrair os capitais especulativos estrangeiros, numa prática mais refinada que a dos mais atraentes paraísos fiscais. Segundo Evilásio Salvador,14 a atual legislação tributária trata de forma benevolente a renda do capital, comparativamente a dos trabalhadores, ferindo a isonomia tributária dentre as diferentes espécies de renda, conforme disciplina a Constituição de 88. A legislação atual não submete à tabela progressiva do IR os rendimentos de capital, que são tributados com alíquotas inferiores aos demais rendimentos. Novamente, os grandes beneficiados pela benevolência tributária do Brasil são os capitalistas, os mais aquinhoados, os que detêm uma maior capacidade contributiva e os especuladores estrangeiros. Novamente, macula-se o princípio da capacidade contributiva. Conclui-se, assim, que o Brasil é um verdadeiro paraíso fiscal para o rendimento do capital. 2 Conclusão Ao discorrerem sobre o princípio da capacidade contributiva, os doutrinadores realçam veementemente que o princípio de que se trata deve preservar, eximindo de tributação, a riqueza mínima necessária à sobrevivência digna do ser humano, sob pena de, em não sendo assim, a tributação constituir-se numa violência à liberdade, valor maior da natureza humana, tutelada no Estado de Direito. Nesse sentido, José Marcos Domingues de Oliveira constrói o entendimento de que “essa riqueza só poderá referir-se ao que exceder o mínimo necessário à sobrevivência digna, pois até este nível o contribuinte age ou atua

para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade produtora daquela riqueza”.15 O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), organização privada, em recente pesquisa divulgada no Caderno de Economia do Jornal do Comércio, de 06/06/2007, noticiou que a “carga tributária pesa mais para a classe média”.16 Segundo o IBPT, a carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo e, pelos serviços públicos prestados ao cidadão, é também uma das mais injustas. A pesquisa aponta que a classe média é que suporta a maior carga tributária, é lógico concluir-se que os mais ricos suportam uma carga relativamente menor. Por conseguinte, pode-se também concluir que o princípio da capacidade contributiva está sendo maculado e que o seu subprincípio da progressividade não foi adequadamente manejado. Em nosso cotidiano prático-profissional, no âmbito da contabilidade, deparamo-nos com diversos paradoxos que adiante detalharemos. Em nosso entendimento, esses paradoxos negam a efetividade do princípio da capacidade contributiva. Desde já esclareça-se que os paradoxos que adiante serão apresentados não ferem o princípio da capacidade contributiva, necessariamente, por prescreverem uma tributação excessiva, proibitiva ou confiscatória. Ressalte-se, ainda que não ferem o referido princípio por tributarem, necessariamente, a riqueza mínima necessária à sobrevivência digna do ser humano. Referimo-nos, sim, aos paradoxos que aquinhoam, que abonam, que infundadamente discriminam, que concedem isenções, quase sempre, aos mais abastados, maculando a capacidade contributiva e os subprincípios (proporcionalidade, progressividade, personalidade e seletividade)

14- SALVADOR, Evilásio. A Distribuição da Carga Tributária: Quem Paga a Conta? Disponível em: www.rls.org.br/publique/media/Evilasio_Salvador.pdf. Acesso em: 12 out. 2007. 15- OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Direito tributário: capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 16- EDITORIAL. Carga tributária pesa mais para a classe média. Jornal do Comércio, Recife, 06 de junho de 2007. Caderno de Economia, pág.3.

TRIBUTAÇÃO em revista

45


REFERÊNCIAS AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2001. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. BRASIL. Código Tributário Nacional - CTN. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o sistema tributário nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. In: Vade Mecum. 3. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. In: Vade Mecum. 3. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências. In: Vade Mecum. 3.ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Lei n. 10.101, de 19 de dezembro de 2000. Dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa e dá outras providências. In: Vade Mecum. 3.ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel A. Machado. Direito Tributário Aplicado. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. CUNHA, Albino Joaquim Pimenta da. Imposto sobre a renda justo: progressivo, geral e universal. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 601, 1 mar. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp?id=6381>. Acesso em: 01 set. 2007. LOPES, Osiris Filho. A honestidade é inviável no Brasil. Disponível em: www.blindagemfiscal.com.br/artigos/osiris_lopes_filho.htm. Acesso em: 13 out. 2007. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19ª ed. rev. Atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. MARTINS, Ives Gandra da Silva; et al. Caderno de Pesquisas Tributárias. In: Capacidade Contributiva. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, v. 14, 1989. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª ed. atualizada. São Paulo: Saraiva, 1999. OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Direito tributário: capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

BRASIL. Lei n. 11.312, de 27 de junho de 2006. Reduz a zero as alíquotas do imposto de renda e da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - CPMF nos casos que especifica; altera a Lei no 9.311, de 24 de outubro de 1996; e dá outras providências. In: Vade Mecum. 3.ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007.

ROSA, Fernanda Della. Participação nos lucros ou resultados: a grande vantagem competitiva: como pessoas motivadas podem potencializar resultados e reduzir os custos das empresas. São Paulo: Atlas, 2000.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 9ª ed. rev. Ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2002.

UNAFISCO SINDICAL. Arrecadação de Janeiro/2006: Renúncia Tributária favorece grande Capital. Disponível em: <http://www.unafisco.org.br/ estudos_tecnicos/ index.htm>. Acesso em: 20 jul. 2007.

46

TRIBUTAÇÃO em revista

SALVADOR, Evilásio. A distribuição da carga tributária: quem paga a conta? Disponível em: <http://www. rls.org.br/publique/media/Evilasio_Salvador.pdf.>. Acesso em: 12 out. 2007


a RTIGO Legitimidade do Planejamento Tributário: critérios Claudemir Rodrigues Malaquias1

1 Introdução Pagar impostos nunca foi algo desejado pelos contribuintes. Ao longo da história, estes sempre resistiram às investidas do Estado em direção ao seu patrimônio particular. No cenário tributário, coabitam em clima não amistoso, a obrigação de pagar impostos e as manobras evasivas para escapar com astúcia das mãos do fisco. Diferentemente do que ocorria na história antiga, no Estado de Direito a relação jurídico tributária com o contribuinte se estabelece sempre com base na lei. Em tese, ambos, Estado e contribuinte estão na mesma posição, pois submetem igualmente suas condutas ao previsto no ordenamento jurídico. O contribuinte, de sua parte, deve pagar o imposto previsto na lei, e o Fisco não pode exigir

dele nada além do que a lei lhe outorga. Mas, a realidade fática não encerra tamanha simplicidade. Ao contribuinte assiste o direito de minimizar seus custos tributários, não obstante deva reconhecer que a arrecadação de impostos é o único meio do Estado prover seus serviços na medida das exigências e necessidades da sociedade. A figura do planejamento tributário surge como forma de dispor os negócios do contribuinte visando a economia de tributos, respeitando-se os limites da lei. Atualmente, constata-se uma ampla disseminação de sofisticados esquemas de planejamento tributário. São inúmeras as consultorias que oferecem como “produto” operações habilmente estruturadas, cuja finalidade prin-

1- Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil graduado em Ciências Contábeis (1985) e Direito (2006). Especialista em Direito Internacional Fiscal e Integração Econômica pela Fundação Getúlio Vargas. Professor de Direito Tributário Internacional no curso de Pós-Graduação em Direito Tributário da ESAF. Presidente da Segunda Câmara da Primeira Seção de Julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF

TRIBUTAÇÃO em revista

47


cipal é reduzir o pagamento de impostos sem despertar a atenção do Fisco. Em consequência, as Administrações tributárias registram uma sensível perda de arrecadação. A erosão das bases tributárias em diversos países é um fato incontroverso. A par da ampla utilização de planejamentos tributários pelos contribuintes pessoas físicas e jurídicas, constata-se a reação dos Estados verificada com maior ou menor intensidade, segundo a peculiaridade de seu ordenamento. No centro desta relação conflituosa entre Fisco e contribuinte, está o confronto entre a liberdade do indivíduo em organizar seus negócios e a necessidade cada vez mais intensa do Estado arrecadar impostos. O planejamento tributário possui sua origem neste confronto. Não se vislumbra uma solução simples e imediata para a questão. A divergência entre juristas, doutrinadores e aplicadores do direito, as dificuldades de se estabelecer uma linha jurisprudencial uniforme, definida com base em critérios jurídicos objetivos e a reação, às vezes enérgica das autoridades administrativas frente ao planejamento tributário, colocam a questão na agenda permanente de seminários, congressos nacionais e internacionais. Apesar dos esforços despendidos, não há um ponto de convergência na doutrina e na jurisprudência administrativa e judicial, em torno do qual estejam pacificados os critérios necessários para aferir a legitimidade da conduta tida como elisiva do planejamento tributário. Apesar de inúmeros estudos a respeito do tema, ainda há nítida indefinição acerca dos critérios jurídicos que configuram o caráter legítimo ou ilegítimo ao planejamento tributário. Qual o referencial jurídico que deve ser adotado conjuntamente pelos contribuintes e pelas autoridades fiscais? Quais os elementos que distinguem a economia legítima de tributos daquela contrária ao ordenamento jurídico? No plano da instrução probatória, questiona-se também quais os critérios para a produção de provas que irão revelar o caráter abusivo do planejamento tributário? Este singelo trabalho propõe alguns lineamentos acerca destas questões. São considerados os critérios básicos

e necessários para a fixação de uma linha divisória entre as condutas tidas como legítimas e aquelas consideradas contrárias ao ordenamento, embora revestidas da forma prescrita em lei. Longe de ser a última palavra sobre o assunto, as conclusões desta análise almejam contribuir humildemente para o debate. 2 Evasão e Elisão Fiscal De início, faz-se necessário discorrer sobre a tipologia das condutas perpetradas pelos contribuintes quando estes buscam fugir do cumprimento de suas obrigações tributárias. A doutrina formulou os conceitos de evasão e elisão fiscal. A terminologia adotada pela maioria dos autores permite distinguir, no plano teórico, os elementos e as características dos comportamentos dos contribuintes, quando estes buscam esquivar-se do ônus da obrigação tributária. Em sentido amplo, pode-se considerar evasão fiscal toda e qualquer ação ou omissão do contribuinte tendente a elidir, reduzir ou retardar o cumprimento de uma obrigação tributária, utilizando-se de meios lícitos ou ilícitos. A expressão “evasão tributária” é empregada para designar a fuga ao dever de pagar tributos. Em seu sentido lato, abrange as condutas lícitas e ilícitas. A evasão tida como lícita abrigaria as condutas de fuga ao dever de tributar sem que se verifique violação da lei.2 A evasão ilícita ou fraude fiscal implica em todos os casos a presença de intenção dolosa de fugir ao pagamento do imposto devido. A palavra evasão possui o sentido de fuga a um dever ou obrigação fiscal de forma ardilosa, dissimulada, sinuosa furtiva e, portanto, ilícita. Contudo, a expressão evasão não dever ser utilizada com os adjetivos legal ou lícito, por implicar uma contradição. Para a evasão considerada lícita, o termo mais adequado é elisão. A elisão fiscal, por sua vez, é a expressão utilizada para designar a maneira legítima de evitar, retardar ou reduzir o pagamento de um tributo, antes da ocorrência de seu

2- DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e Evasão Fiscal. São Paulo: Bushatsky, 2ª ed. 1977, p. 21.

48

TRIBUTAÇÃO em revista


fato gerador. Na elisão, o agente visa atuar sem violação da lei, no sentido de impedir o nascimento da obrigação tributária. Busca evitar, de modo legítimo, a ocorrência da situação definida em lei como necessária e suficiente para o surgimento da obrigação tributária. Na elisão3, os meios e instrumentos jurídicos utilizados são caracterizados por sua legalidade ou, ao menos, são revestidos de forma lícita, enquanto que na evasão, estão presentes meios ilícitos e fraudulentos. Distinção importante diz respeito ao aspecto cronológico do ato, sob o enfoque do momento da ocorrência do fato gerador. Na elisão, o contribuinte, com a finalidade de esquivar-se do pagamento do tributo, age ou omite-se antes da ocorrência da situação definida na lei como hipótese de incidência do tributo. Se a conduta do contribuinte, omissiva ou comissiva, verifica-se no instante ou após a ocorrência do fato gerador, dá-se a evasão ou a fraude fiscal. As figuras da evasão e elisão possuem o objetivo comum de escapar do alcance da norma tributária. Para fugir do campo de incidência da norma tributária, o contribuinte pode escolher entre desviar-se da norma impositiva, se posicionando fora do seu alcance, ou, já sujeito a sua incidência, utilizar-se de meios ilícitos para impedir, reduzir ou retardar o recolhimento do imposto devido, pela descaracterização do fato gerador ou pela redução indevida da base de cálculo do tributo. A compreensão do conteúdo jurídico dos institutos da evasão e da elisão fiscal é pressuposto para a análise da legitimidade do planejamento tributário. O vocábulo “planejamento” é empregado para designar a ação de organizar ou projetar cenários futuros com certa antecedência e sob certas premissas técnicas. A expressão “planejamento tributário”, sob o aspecto semântico, implica a idéia de ação preventiva, de algo que é cuidadosamente engendrado com o objetivo de atingir determinado resultado, que neste caso é a economia de

imposto. A expressão “planejamento tributário” é também empregada como sinônimo de liberdade de ação e a realização de uma escolha entre duas ou mais possibilidades igualmente válidas. Trata-se da seleção de uma entre várias alternativas oferecidas pelo ordenamento jurídico no que diz respeito a distintas hipóteses de incidência tributária. Para Heleno Tôrres, esta expressão deve ser utilizada para designar “a técnica de organização preventiva de negócios, visando a uma legítima economia de tributos, independentemente de qualquer referência aos atos ulteriormente praticados.” Segundo o autor, é a conduta do contribuinte representada por atitudes lícitas na estruturação ou reorganização de seus negócios tendo como finalidade a economia de tributos, seja evitando a incidência destes, seja reduzindo ou diferindo o respectivo impacto fiscal sobre as operações; corresponde à noção de “legítima economia de tributos.4

Neste mesmo sentido, afirmando a idéia de licitude contida na expressão “planejamento tributário”, Rodríguez Santos ensina que “la planificación surge cuando existen diferentes alternativas igualmente legales para el tratamiento de un supuesto de hecho y siempre que dichas alternativas sean tratadas de forma diversa por los sistemas fiscales relevantes en cada caso. La planificación fiscal consiste, precisamente, en determinar entre ellas, la alternativa más eficiente fiscalmente, en otras palabras se trata de encontrar la alternativa que permita minimizar la carga tributaria mediante la elección de la vía de acción más eficiente entre todas las alternativas legales posibles.”5

O “planejamento tributário”, cuja finalidade é a economia de tributos, deve representar condutas inteiramente lícitas, caso contrário, não pode ser designado com esta expressão. O planejamento tributário não tem a finalidade de promover a evasão fiscal, tampouco visa fraudar ou simular atos jurídicos, porquanto a fraude e a simulação constituem alternativas contrárias à lei,

3- HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão: Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributário. São Paulo: Saraiva.1977, p. 27. 4- TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário Internacional: Planejamento Tributário e Operações Transnacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 37. 5- RODRÍGUEZ SANTOS, F. Javier. Planificación Fiscal Internacional. In: CORDÓN ESQUERRO, Teodoro. Manual de Fiscalidad Internacional. Madrid: Intituto de Estudios Fiscales, 2001, p. 403.

TRIBUTAÇÃO em revista

49


ilícitas em sua essência. No entanto, a expressão planejamento tributário pode também ser utilizada para designar práticas consideradas contrárias à lei. Neste caso, trata-se do planejamento tributário abusivo ou agressivo, conforme denomina alguns autores. Os contornos jurídicos acerca da abusividade do planejamento tributário tem sido amplamente debatidos na doutrina, não chegando a transpor para o campo prático uma definição que seja plenamente funcional. Isto porque não são nítidos os elementos que os distinguem, o que inevitavelmente representa uma dificuldade para os operadores do direito tributário. Os contribuintes, sob a égide dos princípios da legalidade e da tipicidade estrita do direito tributário, possuem o direito de organizar seus negócios da forma tributariamente mais econômica. Não há lei que estabeleça que, diante de várias alternativas, o sujeito passivo deva optar pela que proporciona maior arrecadação de impostos. Ora, é certo que a elisão não constitui, por si só, fraude à lei. Para o contribuinte é livre a eleição da forma jurídica ou meio pelo qual são realizados os atos e negócios jurídicos, desde que o faça dentro dos limites legais. Uma vez ultrapassados estes limites, a conduta deixaria o campo lícito e adentraria o da ilicitude. Existem, portanto, limites ao planejamento tributário, de modo que não são todos os planejamentos considerados lícitos. Há os planejamentos que transpõem estes limites, cujos negócios jurídicos necessitam ser requalificados para fins tributários. No Brasil, corroborando a existência de limites ao planejamento tributário, Marco Aurélio Greco6 sustenta que a Constituição Federal (art. 145, § 1º), ao estabelecer o princípio da capacidade contributiva ou econômica, impõe um cerco à criatividade dos agentes econômicos. Trata-se de um postulado intimamente ligado ao princípio democrático da solidariedade social, um instrumento que compatibiliza e torna possível a vida em sociedade. Se,

com igual capacidade contributiva, um contribuinte, pela manipulação das formas jurídicas, pelo abuso de direito, pela simulação ou qualquer outro subterfúgio, puder fugir do imposto, estará sendo comprometido também o princípio da igualdade. Se o planejamento tributário, mediante um processo elisivo, com abuso de formas e simulação, vem a inibir a eficácia da norma tributária, está a um só tempo inibindo a plenitude dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia. Deve-se reconhecer a dificuldade na prática em se fixar uma linha divisória entre as figuras da elisão e da evasão tributária, tendo em vista a linha tênue que distingue as condutas bem como a complexidade das operações normalmente envolvidas no planejamento. A doutrina não logrou êxito em oferecer critérios nítidos para distinguir as formas que podem envolver o planejamento tributário. De forma latente, subsiste o problema da requalificação dos fatos, negócios e operações relacionadas aos planejamentos tributários. 3 Legitimidade do Planejamento Tributário Na discussão sobre a legitimidade do planejamento tributário estão as questões ligadas à prevalência da substância sobre a forma. O Código Civil7 brasileiro admite, de forma expressa, que há diferença entre a substância e a forma de um negócio jurídico. O enunciado do “caput” do art. 167 dispõe: Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

O ordenamento pátrio admite a possibilidade de ocorrer que a substância dos atos e negócios jurídicos não sejam correspondentes com a forma exteriorizada. Isso ocorre nas hipóteses em que os atos e negócios jurídicos são realizados com o emprego de astúcia das partes, por meio de práticas fraudulentas ou por sim-

6- GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, 281ss. 7- BRASIL. LEI nº 10.406, 10.02.2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 11.01.2002. (Código Civil)

50

TRIBUTAÇÃO em revista


ples erro, ou ainda, quando influenciado por alterações no estado anímico dos contraentes ou sob circunstâncias que interferem na vontade interior ou na vontade declarada.8 Analisar a legitimidade da elisão fiscal materializada no planejamento elaborado pelo contribuinte implica em validar a relação existente entre forma e substância, delineando as condições jurídicas acerca da existência, validade e eficácia dos atos e negócios jurídicos. Quando, diante de um caso concreto, o aplicador ou intérprete conclui que a forma deve ceder à substância de determinado negócio jurídico, está a dizer que, neste caso específico, a intenção das partes não corresponde ao que está declarado por elas. A forma, materializada pelos documentos escritos, estaria a mascarar (dissimular) um outro negócio diferente daquele que está estampado na forma.9 Dado o caráter conservador do direito tributário brasileiro, estão cristalizados os princípios da tipicidade e da legalidade, insculpidos no art. 150, inciso I, da Constituição Federal.10 Apesar da força destes princípios, é possível afirmar que o disposto nos artigos 112 e 113 do Código Civil11, fundamentam um critério aplicável à qualificação dos fatos e condutas nos planejamentos tributários, e permitem valorar adequadamente a substância e a forma de seus atos e negócios jurídicos. A norma civil procura afastar os extremos de se adotar unicamente a declaração, ou, de outro modo, apenas a vontade como forma de interpretação. Como na interpretação o que se busca é a fixação da vontade, e como esta exprime-se por forma exterior, deve-se ter por base a declaração, e, a partir dela é que será investigada a vontade real do manifestante. O intérprete ou aplicador do direito não pode simplesmente abandonar a decla-

ração de vontade e partir livremente para investigar a vontade interna das partes ao celebrar o negócio.12 Partindo destas premissas, para se aferir a legitimidade do planejamento tributário, deve-se verificar a coerência entre a declaração de vontade (conteúdo – previsão legal) e a causa objetiva do negócio jurídico (finalidade econômico social – materialização do conteúdo. Seguindo de perto a lição de Marco Aurélico Greco, que buscou fixar os limites de validade do planejamento tributário, a análise deve ser feita a partir dos chamados limites positivos interno ao negócio jurídico: o motivo e a finalidade de natureza predominantemente extratributária, os quais devem ser congruentes entre si. O motivo, a finalidade e a congruência se resumiriam no conceito de causa do negócio jurídico. Desta forma, o critério jurídico válido para aferir a legitimidade da elisão ou, em outros termos, o parâmetro para se determinar validade do planejamento tributário é a causa do negócio jurídico investigada objetivamente. 4 Critérios para Qualificação dos Fatos no Planejamento Tributário O conceito de planejamento tributário traz a idéia de uma escolha, entre alternativas igualmente válidas, de situações fáticas ou jurídicas que objetivam a economia de tributos, nos limites da ordem jurídica. Dentro destes limites, o planejamento recebe a tutela do ordenamento, porquanto está no âmbito da liberdade de busca do menor custo tributário, sob a legítima proteção dos princípios constitucionais. Apesar dos esforços da doutrina, estabelecer os limites de validade do planejamento tributário não é tarefa simples. Definir se a conduta do contribuinte é abusiva

8- ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de Renda das Empresas. 7ª ed. São Paulo. Atlas, 2010, p. 767. 9- Ibidem. 10- “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...)” Constituição Federal de 1988. 11- “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” (Lei nº 10.406, 10.02.2002. Institui o Código Civil. DOU. 11.01.2002 – Código Civil) 12- VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 3ª ed. São Paulo. Atlas, 2003, p. 419.

TRIBUTAÇÃO em revista

51


(ilícita) ou não, é questão tormentosa, cuja resposta não é possível sem uma elaborada construção jurídica. Por isso, neste aspecto ainda há muitas incertezas quanto à qualificação do planejamento tributário. Há a necessidade de se estabelecer critérios jurídicos válidos e suficientes para solucionar o problema da qualificação do planejamento tributário. Na linha dos autores que embasaram esta análise, o planejamento tributário deve ser visto sob o enfoque da causa objetiva do negócio jurídico. O propósito negocial, entendido como o motivo do negócio jurídico ou a sua causa, constitui o limite à liberdade do contribuinte em organizar seus negócios como bem entender. O planejamento tributário, considerado em princípio como uma construção elisiva, porém sem qualquer finalidade negocial evidente senão a da economia fiscal, pode ser considerado como uma forma de abuso de direito.13 Na hipótese do planejamento tributário envolver atos ou negócios jurídicos sem justificativas negociais, distantes das práticas usuais e carente de qualquer outra causa ou motivo justo que não seja a finalidade de eliminar ou reduzir o pagamento de tributos, devem estes atos serem desconsiderados para fins fiscais. Trata-se de fixar um limite à liberdade do contribuinte organizar seus negócios. Mesmo que em observância os ditames legais, os atos e negócios jurídicos não serão opostos ao Fisco se tais operações se caracterizarem por um contorcionismo jurídico pelo emprego de formas não usuais ou pela completa ausência de um motivo negocial plausível. Para Marco Aurélio Greco14, a aplicação dos limites positivos permitiria se chegar a critérios objetivos para se determinar a validade do planejamento tributário. Trata-se de buscar uma justificação objetiva que redundaria na causa do negócio jurídico. Para o autor,

o negócio jurídico apresenta limites positivos internos, quais sejam: “o motivo e a finalidade que fosse de uma natureza predominantemente extratributária, os quais devem ser congruentes entre si. O motivo, a finalidade e a congruência se resumiriam ao conceito de causa ou base do negócio jurídico.” Neste mesmo sentido, Rodrigo de Freitas15, apoiando-se na lição de Antônio Junqueira de Azevedo16, acrescenta que em um primeiro teste de validade do planejamento tributário, deve-se analisar o negócio jurídico a partir do plano da existência, pois esta análise é determinante para a qualificação jurídica dos fatos praticados pelo contribuinte. Ou seja, para se identificar a natureza do negócio jurídico, deve-se partir da análise dos seus elementos constitutivos previstos em lei. Estes elementos seriam aqueles considerados gerais, pertencentes a todos os negócios jurídicos; os categoriais, aqueles que distinguem os diversos tipos negociais previstos no ordenamento e, por fim, os particulares, que fazem parte de um determinado negócio jurídico, no caso concreto. Os elementos gerais a serem analisados no plano da existência do negócio jurídico podem ser intrínsecos (circunstâncias negociais, forma e objeto) e extrínsecos (tempo, lugar e agentes). Com efeito, o Fisco, ao tentar requalificar o negócio jurídico, além de verificar a forma e o seu objeto, deve empenhar-se em uma pesquisa criteriosa acerca das circunstâncias negociais. Estas constituem os elementos objetivos que permitem compreender o negócio jurídico, pois revelam sua essência. Embora elas não determinam a natureza do negócio jurídico, consubstanciada pela forma e pelo objeto, as circunstâncias negociais permitem analisar o âmago do negócio jurídico e confrontá-los com o modelo abstrato previsto na norma positivada.

13- Neste sentido, HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão: Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributário. São Paulo. Saraiva.1977, p. 149. 14- GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tribuário: nem tanto ao Mar, nem tanto à Terra. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.), Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, 10º vol., São Paulo: Dialética, 2006, p. 236. 15- Ibidem. p. 467. 16- AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico – Existência, Validade e Eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002.

52

TRIBUTAÇÃO em revista


A análise dos elementos tempo, lugar e agentes também é necessária para a qualificação jurídica. O exame do fator tempo decorrido entre determinados negócios jurídicos pode ensejar a falta de motivação ou causa objetiva. Da mesma forma, conhecer as partes envolvidas assume relevância nos casos em que os negócios são realizados entre pessoas de alguma forma vinculadas. Determinados vínculos societários podem esmaecer as manifestações da vontade. Em seguida, ainda no plano da existência, o processo de qualificação jurídica deve contemplar a análise dos elementos categoriais, os quais determinam a natureza de cada negócio. Estes elementos podem ser derrogáveis, aqueles que podem ser afastados pela vontade das partes sem alterar a natureza do tipo; e os inderrogáveis, sobre os quais o aplicador deve concentrar seus esforços, pois determinam qual a categoria o negócio se subsume. Determinados tipos de negócios possuem a forma prescrita em lei, sendo o elemento categorial inderrogável de caráter formal, em outros negócios este elemento é objetivo. Os primeiros, são denominados negócios abstratos, cuja causa é irrelevante para a produção dos efeitos jurídicos. Os segundos, são os negócios causais, presentes na maior parte dos casos de planejamento tributário. Nesses negócios, o elemento categorial inderrogável objetivo (objeto típico) é que irá definir sua natureza jurídica.17 Com efeito, esta definição é fundamental para correta qualificação jurídica pra fins de incidência da norma tributária. Contudo, destaca Rodrigo de Freitas 18, a simples análise destes elementos no plano de existência do negócio jurídico não é suficiente para se determinar a incidência tributária, fazendo-se necessária também a sua análise no plano da validade.

Para realizar esta análise, torna-se fundamental aplicar o conceito de causa objetiva. Como esclarece o autor, o negócio jurídico pode ser visto no plano abstrato, com base nos elementos categoriais inderrogáveis, ou no plano concreto, sob o enfoque da causa objetiva. Para tanto, cumpre identificar a diferença entre conteúdo (objeto) do negócio jurídico e a sua causa. Enquanto o conteúdo é a descrição hipotética do evento, a causa é o próprio evento, a realidade fática que se realiza pela ação do homem. O conteúdo pertence ao mundo do “dever-ser”, enquanto que a causa reside no mundo do “ser”. Esta concepção é relevante para definir qual o tratamento que será dado à declaração de vontade no processo de qualificação jurídica do planejamento tributário. No plano da existência, o negócio jurídico é revelado pela vontade declarada. Todavia, no plano da validade, deve-se confrontar a vontade declarada, que não se confunde com a vontade psicológica. Ou seja, a vontade declara é confrontada com a sua realização no mundo fático: a causa objetiva do negócio jurídico. Conforme assinala o jurista, “o conteúdo do negócio jurídico (previsão objetiva – vontade declarada), plasmado em forma de linguagem, serve de parâmetro, de referência para a determinação do regime jurídico. Contudo, é na análise da causa objetiva que o intérprete irá apurar se o regime jurídico é adequado à norma tributária ou não.” 19 Com efeito, para a requalificação jurídica do planejamento tributário, por parte da autoridade fiscal, o conteúdo formal do negócio jurídico, materializado pela declaração de vontade (plano da existência), ocupa lugar secundário. Para determinar a incidência da norma tributária no caso concreto, imprescindível o exame da causa objetiva com o intuito de buscar a

17- Antônio Junqueira de Azevedo apud FREITAS, Rodrigo de. É legítimo Economizar Tributos? Propósito Negocial, Causa do Negócio Jurídico e Análise das Decisões do Antigo Conselho de Cotribuintes. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. (coord.); FREITAS, Rodrigo de. (org.). Planejamento Tributário e o “Propósito Negocial”: Mapeamento das Decisões do Conselho de Contribuintes de 2002 a 2008. São Paulo: Quartier Lantin, 2010, p. 470. 18- FREITAS, Rodrigo de. É legítimo Economizar Tributos? Propósito Negocial, Causa do Negócio Jurídico e Análise das Decisões do Antigo Conselho de Cotribuintes. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. (coord.); FREITAS, Rodrigo de. (org.). Planejamento Tributário e o “Propósito Negocial”: Mapeamento das Decisões do Conselho de Contribuintes de 2002 a 2008. São Paulo: Quartier Lantin, 2010, p. 473. 19- FREITAS, Rodrigo de. É legítimo Economizar Tributos? Propósito Negocial, Causa do Negócio Jurídico e Análise das Decisões do Antigo Conselho de Cotribuintes. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. (coord.); FREITAS, Rodrigo de. (org.). Planejamento Tributário e o “Propósito Negocial”: Mapeamento das Decisões do Conselho de Contribuintes de 2002 a 2008. São Paulo: Quartier Lantin, 2010, p. 475.

TRIBUTAÇÃO em revista

53


verdade substancial do evento. A simples declaração da vontade, expressa pela linguagem, não permite aferir a validade do planejamento tributário, pois a causa objetiva do negócio jurídico é que definirá se incide ou não a norma tributária.20 Neste sentido, a causa do negócio jurídico deve ser entendida como a finalidade econômica objetiva pretendida pelas partes. Marco Aurélio Greco21, com base no ensinamento de Orlando Gomes, destaca a necessidade de se analisar o negócio jurídico sob o enfoque da causa. Sob este ângulo, assume relevância o chamado “propósito negocial”, cuja terminologia deve ser empregada como propósito do negócio jurídico, diferente, portanto da Business Purpose Theory, oriunda do direito norte-americano. Na acepção do propósito do negócio jurídico, haverá simulação quando determinado tipo de negócio for utilizado para consecução de fim não correspondente à sua causa. Um negócio jurídico com finalidade econômica típica, determinada pelos elementos categoriais inderrogáveis (conteúdo), deve ter essa finalidade econômico-social realizada na prática (causa objetiva). A discrepância entre o conteúdo e a causa do negócio, verificada na análise do propósito negocial, ou seja, a não conformidade entre o que se apresenta objetivamente na realidade concreta (causa) e os elementos categoriais inderrogáveis (conteúdo) do negócio, enfraquece a tese do contribuinte acerca do seu planejamento e pode ensejar a requalificação jurídica do seu planejamento. A análise objetiva do planejamento tributário deve se pautar na interpretação teleológica dos negócios jurídicos, ou seja, na verificação do propósito negocial, porém não de forma tão ampla que considere qualquer

motivação extratributária e sim, de forma restrita aos elementos essenciais da categoria do negócio jurídico. Tal análise do propósito negocial consiste na verificação da correspondência entre a causa objetiva (finalidade econômico-social) com a declaração de vontade (conforme a previsão legal). Caso seja constatada discrepância entre a causa e a declaração de vontade, deve ser aplicado o regime jurídico pertinente, inclusive com seus efeitos tributários. No plano teórico, a construção pode se mostrar facilmente factível. Contudo, as dificuldades de aplicação destes critérios emergirão no âmbito do processo administrativo fiscal, mais especificamente na atividade probatória. A etapa mais complexa do trabalho é a de reunir os elementos necessários para formar a convicção do julgador acerca da nova qualificação jurídica do planejamento. Aqui também, na coleta e produção de provas, devem ser empregados critérios objetivos, que eliminem ou, ao menos, atenuem a tendência natural ao subjetivismo na atividade interpretativa. Conforme assinala Marco Aurélio Greco 22, a prova no planejamento tributário apresenta peculiaridades e algumas distinções quanto à prova dos demais fatos relevantes para a aplicação da lei tributária. O foco da prova neste campo não é determinado conceito jurídico que expresse uma patologia do negócio. Não se trata de focar a produção da prova do planejamento tributário nas conhecidas patologias da simulação, fraude à lei, ou o abuso, considerados em si mesmos. Para se chegar à afirmação de que algo ocorreu, não basta levantar os elementos objetivamente aferíveis, mas é necessário um processo de elaboração subjetiva dos elementos objetivos e que passa pela qualificação jurídica de fatos e condutas. 23

20- Neste mesmo sentido, Heleno Torres firma que “não será a simples menção a uma forma própria o suficiente para tanto (vincular o Fisco), pois a atividade inquisitória da Administração, na busca da verdade material, poderá identificar a ‘causa’ do negócio jurídico, que sempre deverá preponderar sobre a eleição da forma, no que concerne à qualifica do negócio jurídico.” (Direito Tributário e Direito Privado: autonomia privada: simulação: elusão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 153) 21- GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e Interpretação da lei tributária. São Paulo. Dialética. 1998, p. 243. 22- GRECO. Marco Aurélio. A prova no Planejamento Tributário. In: A prova no Processo Tributário. NEDER, Marcos Vinícius; SANTI, Eurico Marcos Diniz de; FERRAGUT, Maria Rita. (coords.) São Paulo: Dialética, 2010, p. 191. 23- Ibidem, p. 193.

54

TRIBUTAÇÃO em revista


De fato, a prova no planejamento tributário não está diretamente dirigida para a ocorrência do fato gerador, mas na ocorrência de determinado negócio ou operação, cuja existência é considerada fato gerador do tributo. “A prova por indícios se dá quando se comprova a ocorrência de fatos (indícios) que não se incluem na hipótese de incidência legal, mas cuja caracterização assegura ao aplicador da lei que também os fatos descritos hipoteticamente pelo legislador hão de ter sido concretizados.”24 Nestes casos, a busca da prova indireta do fato gerador deve ser o foco da atividade fiscal, de modo que todos os elementos fortes e convergentes devem ser apresentados. Nos casos de planejamento tributário, para a necessária convicção do julgador não basta simplesmente enumerar os elementos encontrados, mas ao contrário, deve haver uma elaboração lógica e com fundamento jurídico que possibilite admitir a ocorrência do fato gerador. Todo esforço deve ser dirigido no sentido de demonstrar que a vontade declarada corresponde integralmente à causa objetiva dos negócios jurídicos, assim compreendida a realização concreta do conteúdo do negócio (elementos categoriais inderrogáveis). A requalificação jurídica é o produto final de um processo de interpretação e de aplicação do Direito e, na medida em que resulta da consideração de textos e condutas, é natural que possa existir mais de uma qualificação jurídica extraída dos mesmos textos e condutas. 25 A autoridade fiscal deve empenhar-se no seu trabalho e buscar, por meio de intimações claras e precisas, obter do contribuinte os elementos do contexto do negócio jurídico. Tarefa árdua, sim, não há dúvida. Mas dela não pode eximir-se. O contribuinte pode se manter na defensiva e durante o procedimento omitir estas informações que circundam o seu planejamento. A autoridade fiscal, contudo, deve demonstrar que foram esgotados todos meios de se obter os elementos que compõem a causa objetiva do negócio.

5 Conclusões Os contribuintes, naturalmente, sempre resistiram às investidas do Fisco contra seu patrimônio particular, pela exigência de tributos. Para fugir desta obrigação, o contribuinte pode escolher entre desviar-se da norma impositiva, se posicionando fora do seu alcance (elisão – economia lícita de impostos), ou, já sujeito a sua incidência, utilizar-se de meios ilícitos para impedir, reduzir ou retardar o recolhimento do imposto devido, pela descaracterização do fato gerador ou pela redução indevida da base de cálculo do tributo (evasão - ilícito). A economia lícita de impostos é representada pelo Planejamento Tributário. A finalidade do planejamento tributário é sempre a redução dos impostos, mediante a realização de atos ou negócios segundo os limites da lei. Analisar a legitimidade do planejamento elaborado pelo contribuinte implica em validar a relação existente entre forma e substância, delineando as condições jurídicas acerca da existência, validade e eficácia dos atos e negócios jurídicos. Quando, diante de um caso concreto, o aplicador ou intérprete conclui que a forma deve ceder à substância, está a dizer que, neste caso específico, a intenção das partes não corresponde ao que está declarado por elas. A forma, materializada pelos documentos escritos, estaria a mascarar (dissimular) um outro negócio diferente daquele que está estampado na forma No entanto, os limites de validade do planejamento tributário não são tão claros. Saber se a conduta do contribuinte é ou não abusiva, é questão tormentosa, cuja resposta não é possível sem uma elaborada construção jurídica. A aplicabilidade dos limites positivos permite se chegar a critérios mais objetivos para se determinar a validade do planejamento tributário. Trata-se de buscar uma justificação objetiva que redundaria na causa do negócio jurídico. A análise da legitimidade do planejamento tributário deve, portanto, se pautar na interpretação teleológica dos negócios jurídicos, ou seja, na verificação do seu propósito

24- SCHOUERI, Luís Eduardo. Presunções Simples e Indícios no Procedimento Administrativo Fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.) Processo Administrativo Fiscal 2º Volume. São Paulo: Dialética, 1977, p. 84. 25- GRECO. Marco Aurélio. A prova no Planejamento Tributário. In: A prova no Processo Tributário. NEDER, Marcos Vinícius; SANTI, Eurico Marcos Diniz de; FERRAGUT, Maria Rita. (coords.) São Paulo: Dialética, 2010, p. 197

TRIBUTAÇÃO em revista

55


negocial. O intérprete ou aplicador da lei deve verificar a correspondência entre a causa objetiva (finalidade econômico-social) com a declaração de vontade (conforme a previsão legal). Caso seja constatada discrepância entre a causa e a declaração de vontade, configura-se um caso de planejamento tributário abusivo, ao qual deve ser aplicado o regime jurídico pertinente, inclusive com seus efeitos tributários.

A autoridade fiscal deve ter em conta que a prova no planejamento tributário não está diretamente dirigida para a ocorrência do fato gerador, mas na ocorrência de determinado negócio ou operação, cuja existência é considerada fato gerador do tributo. A busca da prova indireta do fato gerador deve ser o foco da atividade fiscal, de modo que todos os elementos fortes e convergentes devem ser inseridos no processo administrativo.

REFERÊNCIAS ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de Renda das Empresas. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2010. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico – Existência, Validade e Eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002. BRASIL. LEI nº 10.406, de 10 de fevereiro de 200202. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jan. 2002. DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e Evasão Fiscal. São Paulo. Bushatsky, 2. ed. 1977. FREITAS, Rodrigo de. É legítimo Economizar Tributos? Propósito Negocial, Causa do Negócio Jurídico e Análise das Decisões do Antigo Conselho de Contribuintes. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. (coord.); FREITAS, Rodrigo de. (org.). Planejamento Tributário e o “Propósito Negocial”: Mapeamento das Decisões do Conselho de Contribuintes de 2002 a 2008. São Paulo: Quartier Lantin, 2010. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e Interpretação da lei tributária. São Paulo: Dialética. 1998. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário: nem

56

TRIBUTAÇÃO em revista

tanto ao Mar, nem tanto à Terra. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.), Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, 10º vol., São Paulo: Dialética, 2006. GRECO, Marco Aurélio. Marco Aurélio. A prova no Planejamento Tributário. In: A prova no Processo Tributário. NEDER, Marcos Vinícius; SANTI, Eurico Marcos Diniz de; FERRAGUT, Maria Rita. (coords.) São Paulo: Dialética, 2010. HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão: Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributário. São Paulo: Saraiva.1977. RODRÍGUEZ SANTOS, F. Javier. Planificación Fiscal Internacional. In: CORDÓN ESQUERRO, Teodoro. Manual de Fiscalidad Internacional. Madrid: Intituto de Estudios Fiscales, 2001. SCHOUERI, Luís Eduardo. Presunções Simples e Indícios no Procedimento Administrativo Fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.) Processo Administrativo Fiscal 2º Volume. São Paulo: Dialética, 1977. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário Internacional: Planejamento Tributário e Operações Transnacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.


a RTIGO Responsabilidade Tributária Objetiva? Otávio Alves Forte1

1 Colocação do Tema O propósito deste estudo é discutir a adoção ou não do Código Tributário Nacional da responsabilidade objetiva, no que se refere à responsabilidade por infrações da legislação tributária. A localização legislativa da matéria em estudo está no Código Tributário Nacional (CTN, Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966), Livro Segundo, Título Segundo: “Obrigação Tributária”, Capítulo V: “Responsabilidade Tributária”, Seção IV: “Responsabilidade por Infrações”. O ponto de partida da análise é o enunciado do caput do art. 136 do CTN, que dispõe: Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legisla-

ção tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. A doutrina, à vista desse dispositivo, costuma dizer que a responsabilidade por infrações tributárias é objetiva, uma vez que não seria necessário pesquisar eventual presença do elemento subjetivo (dolo ou culpa)2. Os tribunais pátrios, reiteradamente, também afirmam que houve a adoção dessa modalidade de responsabilidade. A título de exemplo: Tributário – Ação Anulatória de débito fiscal – Infração prevista no art. 526, II e III, do Decreto 91.030/85 – Guia de importação irregular. 1. O art. 136 do Código Tributário Nacional consagra a responsabilidade objetiva do agente ou do responsável,

1- Advogado, Sócio do escritório Forte Advogados, Pós-Graduação - Especialização em Direito Tributário pelo IBEP/UCB, Pós-Graduação – Especialização em Direito Civil e Processual Civil, pelo IEPC/FESURV, Conselheiro Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Goiás – OAB/GO, triênio 2010/2012, Presidente da Comissão de Direito Constitucional e Legislação da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Goiás – OAB/GO, triênio 2010/2012, Membro da Comissão Nacional de Apoio ao Advogado em Início de Carreira do Conselho Federal da OAB, triênio 2010/2012, Conselheiro Deliberativo da OAB Prev GO-TO, biênio 2011/2013, Vice-Presidente do Instituto Goiano de Direito Constitucional – IGDC -, Procurador do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol de Goiás, Professor de Processo Civil e Ética Profissional do Centro Universitário de Goiás - Uni-Anhangüera, Professor de Processo Civil e Deontologia Jurídica da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO, Professor da Escola Superior da Advocacia de Goiás – ESA/GO.. 2- A título de exemplo: Ricardo Lobo Torres, Paulo de Barros Carvalho, Sacha Calmon Navarro Coelho.

TRIBUTAÇÃO em revista

57


por infração à legislação tributária. 2. Irrelevante a alegação de erro, ainda que de boa-fé, na utilização de guia de importação para desembaraço de mercadoria distinta da especificada. 3. Recurso improvido. (TRF, 1ª. Região, 4ª. Turma, AC 8748-90/MG, rel. Juiz Leite Soares, DJU 10.12.1990, p. 29.994).3

Ainda a título de exemplificação, cumpre trazer o ensinamento do respeitável tributarista Sacha Calmon Navarro Coêlho4, que coloca três objeções contra a consideração do elemento subjetivo no ilícito fiscal: Em primeiro lugar, a subjetivação do ilícito fiscal levaria à intransmissibilidade das multas que o punem. Ainda, seria impossível apenar administrativamente as pessoas jurídicas, porquanto estas não possuem vontade, senão que são representadas por seus órgãos. E, por fim, em terceiro lugar, argumenta que a admissão do erro de direito extra-infracional levaria ao paradoxo de se considerar oponível à administração o desconhecimento da própria legislação.

O objetivo desse trabalho é fazer a análise dos conceitos de responsabilidade subjetiva, objetiva, ainda, das definições de dolo e culpa e, posteriormente, demonstrar que modalidade de responsabilidade foi adotada pelo caput do art. 136 do CTN. O trabalho abordará, também, a natureza da sanção tributária e a aplicação dos princípios constitucionais referentes às sanções e, dentro desse contexto, a interpretação do art. 136 do CTN. 2 Responsabilidade Subjetiva x Responsabilidade Objetiva Antes de partir para as definições de responsabilidade subjetiva e objetiva, preliminarmente, cumpre tecer breves considerações sobre “culpa” e “dolo”. Em proposição simples, o dolo é a vontade dirigida a um fim ilícito; é um comportamento consciente e voltado à realização de um desiderato. A culpa, por sua vez, pode empenhar ação ou omis-

são e revela-se por meio: da imprudência (comportamento precipitado, apressado, exagerado ou excessivo); da negligência (quando o agente se omite ou deixa de agir quando deveria fazê-lo e deixa de observar regras subministradas pelo bom senso, que recomendam cuidado, zelo); e da imperícia (a atuação profissional sem o necessário conhecimento técnico e científico que desqualifica o resultado e conduz ao dano). Em sentido estrito, a culpa, em contraposição ao dolo, traduz o comportamento equivocado da pessoa, despido da intenção de lesar ou de violar direito, mas da qual se poderia exigir comportamento diverso, visto que erro inescusável ou sem justificativa plausível e evitável para o homo medius. O elemento culpa, conforme o fundamento que se dê à responsabilidade será ou não considerado na obrigação de reparar o dano. Já o elemento dolo sempre que presente levará à obrigação de reparar o dano, mas ele poderá ou não ser relevante para a existência da responsabilidade, ou seja, em alguns casos poderá o legislador considerar somente o elemento culpa ou não, como dito. A chamada teoria da culpa, ou “subjetiva”, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Neste sentido ensina Carlos Roberto Gonçalves5, verbis: Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.

Em determinadas situações, entretanto, a lei impõe a certas pessoas a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é “objetiva”, pois prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo causal. Nos casos de responsabilidade objetiva, nas palavras,

3- In: FREITAS. Vladimir Passos [coord.]. Código Tributário Nacional comentado. 2 ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 603. 4- COÊLHO. Sacha Calmon Navarro. Multas Fiscais. O art. 136 do CTN, a Responsabilidade Objetiva e suas Atenuações no Sistema Tributário Pátrio. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 138, São Paulo: Dialética, 2007, p. 126-127. 5- GONÇALVES. Carlos Alberto. Responsabilidade Civil. 8 ed, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 21.

58

TRIBUTAÇÃO em revista


ainda, de Carlos Alberto Gonçalves, “não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em outras palavras ela é presumida pela lei”6. Existe uma classificação da responsabilidade, ainda, que considera a culpa presumida, tendo como conseqüência a inversão do ônus da prova. Ela denomina-se objetiva imprópria ou impura, e o já mencionado autor ensina7: O autor da ação só precisa provar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu, porque sua culpa já é presumida. Trata-se, portanto, de classificação baseada no ônus da prova. É objetiva porque dispensa a vítima do referido ônus. Mas, como se baseia em culpa presumida,denomina-se objetiva imprópria ou impura.

3 O Art. 136 e a Modalidade de Responsabilidade Adotada Após tais considerações, podemos passar à análise do art. 136 do CTN e verificar qual modalidade de responsabilidade foi adotada pelo legislador. Eis a redação do artigo: Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. (grifo nosso)

Verifica-se que o artigo fala em “independe da intenção do agente ou do responsável”. E, conforme os conceitos expostos em linhas volvidas, a intenção é elemento do dolo e não da culpa. No dolo existe a intenção, o desígnio de praticar um ilícito8. Já a culpa – como exposto suso – fundamenta-se

Assim, o artigo 136 diz que a responsabilidade não depende da intenção, ou seja, do dolo e mantém-se silente quanto à culpa. Por conseguinte, não se pode interpretar o artigo como se adotasse a chamada responsabilidade objetiva, pois essa é a responsabilidade que não depende da existência de culpa, e o dispositivo legal não afasta a culpa como elemento da responsabilidade. A título de exemplo legislativo que adota a responsabilidade objetiva, ou seja, que afasta a culpa como elemento da responsabilidade, pode-se citar o Código de Defesa do Consumidor, que no art. 14 dispõe: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (grifo nosso)

Percebe-se que o legislador, quando pretendeu aplicar a responsabilidade objetiva afastou a “existência de culpa” como elemento da responsabilidade e não a “intenção do agente ou responsável”. No mesmo sentido, podem-se citar as disposições do parágrafo único do art. 9279 e art. 93310, ambos do Código Civil. Na esteira deste pensamento, é o entendimento de Luciano Amaro11, verbis:

no comportamento do agente, sem relevância a sua intenção.

O preceito questionado diz, em verdade, que a responsabilidade não depende da intenção, o que torna (em princípio) irrelevante a presença do dolo (vontade consciente de adotar a conduta ilícita), mas não afasta a discussão da culpa (em sentido estrito). Se ficar evidenciado que o indivíduo não quis descumprir a lei, e o eventual descumprimento se deveu a razões que escaparam a seu controle, a infração ficará descaracterizada, não cabendo, pois falar em responsabilidade.

6- Idem, ibidem. 7- Idem. Ibidem. 8- In: ACQUAVIVA. Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva.11 ed. ampl., rev. e atual., São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2000, p. 536. 9- Art. 927. (...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifo) 10- Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. 11- AMARO. Luciano. Direito Tributário brasileiro. 12 ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 444-445.

TRIBUTAÇÃO em revista

59


E, continua o premiado autor: O art. 136 pretende, em regra geral, evitar que o acusado alegue que ignorava a lei, ou desconhecia a exata qualificação jurídica dos fatos, e, portanto, teria praticado a infração de “boa-fé”, sem intenção de lesar o interesse do Fisco. O preceito supõe que os indivíduos, em suas atividades negociais, conhecem a lei tributária, e, se não a cumprem, é porque ou realmente não quiseram cumprir (o que não está presumido pelo dispositivo) ou não diligenciaram para conhecê-lo e aplicá-lo corretamente em relação aos seus bens, negócios ou atividades, ou elegeram prepostos negligentes ou imperitos. Enfim, subjaz à responsabilidade tributária a noção de culpa, pelo menos stricto sensu, pois, ainda que o indivíduo não atue com consciência e vontade do resultado, este pode decorrer da falta de diligência (portanto, de negligência) sua ou de seus prepostos, no trato de seus negócios (pondo-se, aí, portanto, também a culpa in eligendo ou in vigilando). Sendo, na prática, de difícil comprovação o dolo do indivíduo (salvo em situações em que os vestígios materiais sejam evidentes), o que preceitua o Código Tributário Nacional é que a responsabilidade por infração tributária não requer prova, pelo Fisco, de que o indivíduo agiu com conhecimento de que sua ação ou omissão era contrária à lei, e de que ele quis descumprir a lei.12

Destarte, dizer que o art. 136 do CTN adota a responsabilidade objetiva é falar o que não foi dito pelo legislador, ou, na melhor das hipóteses, interpretar extensivamente o dispositivo, o que é impedido pelo princípio da reserva legal e pelos princípios interpretativos previstos no CTN, art. 11213. Entrementes, é certo que não cabe ao Fisco fazer prova da existência da culpa nas infrações tributárias, até porque, como bem dito pelo professor Luciano Amaro, do simples não cumprimento da obrigação pelo sujeito passivo, presume-se que este agiu com negligência (omissão). Portanto, pode-se concluir que o art. 136 é verdadeira adoção da teoria da culpa presumida, que tem como conseqüência a inversão do ônus da prova. Ou seja, em

termos práticos: ocorrido o descumprimento da legislação tributária, presume-se que o agente ou responsável agiu com culpa, não cabendo ao Fisco fazer a prova dessa. Mas pode o agente ou responsável alegar e provar a “escusabilidade do erro, a inevitabilidade da conduta infratora, a ausência de culpa”14 para levar à exclusão de penalidade. Neste sentido, já era o entendimento defendido por Rui Barbosa Nogueira15, litteris: O que o disposto no art. 136 veio estatuir como regra geral é que nem sempre é preciso ocorrer dolo ou intenção do agente ou responsável para ser caracterizada infração à legislação tributária. Na generalidade, para ocorrência da infração fiscal, basta o grau de culpa, seja por negligência, imprudência ou imperícia. O requisito dolo ou intenção para tipificação de infrações fiscais é somente para certos casos mais graves, especificadamente configurados na lei como dolosos, como é o exemplo do crime de sonegação fiscal, pois este somente pode ocorrer se integrado pelo dolo. Não se configura como crime de sonegação a evasão apenas culposa, mas somente dolosa. Portanto, o que o art. 136, em combinação com o item III do art. 112, deixa claro é que para a matéria de autoria, imputabilidade ou punibilidade, somente é exigida a intenção ou dolo para os casos de infrações fiscais mais graves e para as quais o texto da lei tenha exigido esse requisito.

4 Natureza da Sanção Tributária e a Interpretação do Art. 136 Ponto assaz importante no debate sobre a responsabilidade por infrações tributárias é a natureza jurídica das sanções tributárias. A adoção de determinada definição será fundamental na interpretação do art. 136 em estudo. A cada obrigação estatuída pelo Direito, em suas normas primárias, há de haver uma sanção correlata, para o caso de seu desrespeito, em uma norma secundária. Assim, a infração ou ilícito tem uma única raiz: o descumprimento, por ação ou omissão, de uma hipótese legal

12- Idem, p. 445. 13- Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I – à capitulação legal do fato; II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação. 14- AMARO. Luciano. Ob. cit., p. 446. 15- NOGUEIRA. Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14 ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 106-107.

60

TRIBUTAÇÃO em revista


prevista. Por conseguinte, nos dizeres de Edmar Oliveira Andrade Filho: “uma sanção representa sempre uma resposta do ordenamento jurídico para violações de normas que estabelecem um dever-ser”16. A sanção, pois, pode ser considerada como a conseqüência que irá surgir em caso de descumprimento da norma, ou seja, do preceito por ela estabelecido. Geraldo Ataliba defende que: “A norma tributária é absolutamente igual, em sua estrutura, às demais normas jurídicas. Nada há que a distinga de qualquer outra norma jurídica”17. Da mesma forma, Becker preceitua, em sua teoria geral do direito tributário, que “as leis tributárias são regras jurídicas com estrutura lógica e atuação dinâmica idênticas às das demais regras jurídicas”18. Verifica-se que, ontologicamente, não há diferença entre o ilícito civil, administrativo, tributário e o ilícito penal ou criminal. O que pode é: ser a sanção classificada de muitas maneiras, considerando-se os diferentes sistemas de referência ou pontos de vista, sem, contudo, modificar sua natureza. Ao concluir-se desta forma, a conseqüência é a indubitável aplicação de princípios constitucionais, referentes às penas (sanções), nas infrações tributárias. O que, por certo, também afastará a possibilidade de adoção da responsabilidade objetiva pelo art. 136 do CTN. Exatamente porque não existe diferença ontológica entre crime e infração administrativa ou entre sanção penal e sanção administrativa é que irrefutavelmente temos que concluir: todas as garantias do Direito Penal devem valer para as infrações administrativas. Princípios como os da legalidade, tipicidade, proibição da retroatividade, da analogia, do ‘ne bis in idem’, da proporcionalidade, da culpabilidade etc. valem integralmente inclusive no âmbito administrativo.19

Alguns autores, como o respeitável penalista Luiz Flávio Gomes20, chegam a defender que o art. 136 do CTN não foi recepcionado pela Constituição da República de 1988: A responsabilidade ‘objetiva’ tampouco deve encontrar espaço dentro do chamado ‘direito administrativo tributário’. Pensamos que é absolutamente inconstitucional (tecnicamente: não foi recepcionado) o art. 136 do CTN exatamente porque viola o princípio da responsabilidade – qualquer que seja – subjetiva. Referido artigo destoa das legislações modernas (Lei das infrações administrativas alemã, art. 10; italiana, art. 3º.; espanhola, art. 77 etc.) – e, por isso mesmo, contribui para a corrosão dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Após a demonstração da unidade ontológica das sanções, Edmar Oliveira Andrade Filho concluiu no mesmo sentido: Em face do exposto, é imperioso considerar que o mandamento do caput do art. 136 do CTN não reúne condições de validade. De fato, ele permite a edição de leis sem critérios individualizadores da pena quando o texto constitucional veda. Ele não foi recebido pelo texto constitucional de 1988, ou seja, foi revogado quando do advento daquele diploma normativo.

Com a devida vênia aos ilustres autores, tal conclusão é, por demais, extremista. O que deve ser considerado e realizado é a interpretação de tal dispositivo conforme a Constituição21, e, para isso, é necessário o abandono da tese da responsabilidade objetiva, pois essa ofende os princípios constitucionais que dispõem sobre as sanções (culpabilidade, presunção de inocência etc.). Para ilustrar, interessante observar ensinamento do próprio Edmar Oliveira Andrade22, em obra anterior à

16- ANDRADE FILHO. Edmar Oliveira. Limites Constitucionais da Responsabilidade Objetiva por Infrações Tributárias. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 77, São Paulo: Dialética, 2002, p. 18. 17- ATALIBA. Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6 ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 24. 18- BECKER. Augusto Alfredo. Teoria Geral do Direito Tributário. 3 ed., São Paulo: Lejus, 1998, p. 89. 19- In: ROCHA. Valdir de Oliveira [coord.]. Direito Penal empresarial. São Paulo: Dialética, 1995, p. 95-96. 20- Idem, ibidem. 21- “Esta espécie de interpretação é utilizada nos casos em que, não se mostrando evidente a inconstitucionalidade da norma, entre as várias interpretações possíveis, adota-se o critério de interpretação que se conforme à Constituição.” (In: CASSONE. Vittorio. Interpretação no Direito Tributário teoria e prática. São Paulo: Altas S.A., 2004, p. 90) 22- ANDRADE FILHO. Edmar Oliveira. Infrações e sanções tributárias. São Paulo: Dialética, 2003, p. 116-117

TRIBUTAÇÃO em revista

61


mencionada alhures, que possibilita a interpretação do dispositivo em debate conforme a Constituição, verbis: A responsabilidade sem culpa vulnera o princípio constitucional que consagra a ‘presunção de inocência’ que tem sede no inciso LVII, do art. 5º. da Constituição Federal, pelo qual ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória’. Esse mandamento está conectado com o princípio da boa-fé, isto é, presume-se que as pessoas em geral agem de boa-fé, salvo prova em contrário. (...) É possível, todavia, extrair outras interpretações do texto do art. 136 do CTN que possam afastar a referida suspeita de invalidade em face do texto constitucional. (...) Uma forma de atualização do sentido dos enunciados prescritivos do art. 136 do CTN é afirmar que ele não exclui – ao contrário, exige – o elemento subjetivo para validar a sanção por infração a normas tributárias. Assim, a responsabilidade poderia ser objetivamente imputada, mas o ‘tipo’ deveria conter elementos subjetivos.

Nesta esteira de pensamento, como defendido no tópico anterior, considerando a culpabilidade requisito essencial à incidência de toda norma repressiva, conclui-se, pelos argumentos ora expostos, que o art. 136 não adotou – nem poderia – a responsabilidade objetiva, mas sim a presunção relativa de culpa do infrator, invertendo-se o ônus da prova. Esse ponto de vista é defendido, também, por Hugo de Brito Machado, que afirma: “o art. 136 do CTN não estabelece responsabilidade objetiva em matéria de penalidades tributárias, mas a responsabilidade por culpa presumida”23. 5 Conclusões Por todo o exposto, pode-se concluir: A responsabilidade por infrações à legislação tributária, prevista no art. 136 do CTN, não adotou a modalidade

objetiva. Tal conclusão extrai-se da redação do artigo em confronto com os conceitos de dolo e culpa e, por conseguinte, das classificações da responsabilidade. Ou seja, quando o artigo diz “independe da intenção do agente ou do responsável”, afasta o dolo do elemento da responsabilidade e não a culpa. Não cabe ao intérprete dizer mais do que foi dito pelo legislador, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade e, ainda, das regras interpretativas previstas no art. 112 e incisos e art. 108, ambos do CTN. Ainda, ao verificar-se que ontologicamente a natureza de sanção é a mesma, isto é, que não há diferença entre o ilícito civil, administrativo, tributário e o ilícito penal ou criminal, mas o que se pode ter é a classificação da sanção de muitas maneiras, conclui-se pela aplicação de princípios constitucionais referentes às penas (sanções) às infrações tributárias. Isso leva a interpretar o art. 136 do CTN conforme a Constituição da República e, por conseguinte, ao abandono da tese da responsabilidade objetiva, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais que dispõem sobre as sanções (culpabilidade, presunção de inocência etc.). Portanto, pode-se concluir que o art. 136 é verdadeira adoção da teoria da culpa presumida, que tem como conseqüência a inversão do ônus da prova. Ou seja, em termos práticos: ocorrido o descumprimento da legislação tributária, presume-se que o agente ou responsável agiu com culpa, não cabendo ao Fisco fazer a prova desta. Mas pode o agente ou responsável alegar e provar a “escusabilidade do erro, a inevitabilidade da conduta infratora, a ausência de culpa”24 para levar à exclusão de penalidade. Tal conclusão é retirada da própria redação do artigo em estudo – repete-se – e da certeza de que não cabe ao Fisco fazer prova da existência da culpa nas infrações tributárias, até porque, demonstrado o simples não cumprimento da obrigação pelo sujeito passivo, presume-se que este agiu com falta de diligência.

23- MACHADO. Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25 ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 165. 24- AMARO. Luciano. Ob. cit., p. 446.

62

TRIBUTAÇÃO em revista


REFERÊNCIAS ACQUAVIVA. Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva.11 ed. ampl., rev. e atual., São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2000, p. 536. AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. ANDRADE FILHO. Edmar Oliveira. Limites Constitucionais da Responsabilidade Objetiva por Infrações Tributárias. Revista Dialética de Direito Tributário n. 77, São Paulo: Dialética, 2002. ANDRADE FILHO. Edmar Oliveira. Infrações e sanções tributárias. São Paulo: Dialética, 2003. AMARO. Luciano. Direito Tributário brasileiro. 12 ed., São Paulo: Saraiva, 2006. ATALIBA. Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6 ed., São Paulo: Malheiros, 1999 BECKER. Augusto Alfredo. Teoria Geral do Direito Tributário. 3 ed., São Paulo: Lejus, 1998

HARADA. Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 9 ed., São Paulo: Atlas, 2002. MACHADO. Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25 ed., São Paulo: Malheiros, 2004. MACHADO. Hugo de Brito [coord.]. Sanções Administrativas Tributárias. São Paulo: Dialética, 2004. MARTINS. Ives Gandra da Silva. Sanções Tributárias. 2 ed., São Paulo: Saraiva, 1998. NOGUEIRA. Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14 ed., São Paulo: Saraiva, 1995. PAES. P. R. Tavares. Comentários ao Código Tributário Nacional. 5 ed., São Paulo: RT, 1996. ROCHA. Valdir de Oliveira [coord.]. Direito Penal empresarial. São Paulo: Dialética, 1995. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil – responsabilidade civil. 32. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2002.

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000.

SILVA. Paulo Roberto Coimbra. Direito Tributário Sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

CASSONE. Vittorio. Interpretação no Direito Tributário teoria e prática. São Paulo: Altas S.A., 2004.

STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

COÊLHO. Sacha Calmon Navarro. Multas Fiscais. O art. 136 do CTN, a Responsabilidade Objetiva e suas Atenuações no Sistema Tributário Pátrio. Revista Dialética de Direito Tributário n. 138, São Paulo: Dialética, 2007. FALCÃO. Amílcar Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 6 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997. FREITAS. Vladimir Passos [coord.]. Código Tributário Nacional comentado. 2 ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2003.

STOCO, Rui. Responsabilidade civil. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 299. TORRES. Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Direito Tributário. 12 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2005. BRASIL. Lei nº. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 27 out. 1966. Disponível em <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm> Acesso em 17 fev. 2009.

TRIBUTAÇÃO em revista

63


qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO STF reafirma possibilidade de tributação progressiva do IPTU paulistano

Natureza:

Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida

Órgão julgador

Plenário

Nº do Processo

RE 586.693/SP

Relator

Ministro Marco Aurélio de Melo

Matéria

Progressividade do IPTU

Recorrente

Município de São Paulo

Recorrida/Interessado

Edison Maluf

Data de Publicação

22/06/2011

Ementa

NULIDADE – JULGAMENTO DE FUNDO – ARTIGO 249, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Quando for possível decidir a causa em favor da parte a quem beneficiaria a declaração de nulidade, cumpre fazê-lo, em atenção ao disposto no artigo 249, § 2º, do Código de Processo Civil, homenageandose a economia e a celeridade processuais, ou seja, alcançar-se o máximo de eficácia da lei com o mínimo de atividade judicante, sobrepondo-se à forma a realidade. IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – PROGRESSIVIDADE – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000 – LEI POSTERIOR. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas, presentes imóveis residenciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº. 29/2000.

64

TRIBUTAÇÃO em revista


O presente artigo visa esposar sinteticamente as razões que sustentam a reafirmação da possibilidade de tributação progressiva do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU questionada no Recurso Extraordinário nº. 586.693/SP perante o Supremo Tribunal Federal. O aludido recurso foi interposto contra a Lei paulistana nº. 13.250/2001, sustentando sua incompatibilidade com a Constituição Federal, bem como a inconstitucionalidade da progressividade instituída no Texto Federativo pela Emenda Constitucional nº. 29/2000. A Constituição Federal determinou que a tributação deve obedecer a parâmetros principiológicos gerais que se coadunam aos preceitos encabeçadores dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, quais sejam: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.1 Para o alcance dos objetivos fundamentais supramencionados, foi estabelecido que a tributação brasileira deve garantir a aplicação, dentre outros, dos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva. O caráter pessoal significa que contribuinte seja tributado em conformidade com suas características pessoais (capacidade contributiva)2. Sacha Calmon3 define que a capacidade contributiva é a possibilidade econômica de pagar tributos, que pode ser subjetiva ou objetiva. Será subjetiva quando levar em conta a pessoa, ou seja, sua capacidade econômica real. Será objetiva quando considerar manifestação objetiva das pessoas, como, por exemplo, ter carro, ter casa etc. Trata-se, portanto, de materialização do princípio da igualdade.

A capacidade contributiva pode ser alcançada por meio da aplicação de quatro princípios distintos: progressividade, proporcionalidade, personalização e seletividade. Para efetivar a cobrança do IPTU de acordo com a capacidade contributiva, a Constituição Federal, após a edição da Emenda Constitucional nº. 29/2000, permitiu que este imposto fosse cobrado de forma progressiva em razão do valor do imóvel e com alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso, sem prejuízo da progressividade no tempo prevista no art. 182, § 4º, inciso II, da Carta Magna. A Lei Municipal nº. 13.250/2001 alterou a Lei Municipal nº. 6.989/1966 para compatibilizar a cobrança do IPTU no município de São Paulo com os ditames constitucionais, garantindo a concretização da política tributária e social almejada pelo constituinte. Assim, o IPTU do município de São Paulo será calculado progressivamente levando-se em consideração o valor venal do imóvel e a sua destinação (se residencial ou não). Quando da análise do RE, o STF decidiu que a mencionada Emenda Constitucional regulamentou pontualmente previsão já contida no texto primário da Constituição Federal, sem que isso implicasse, de forma alguma, em inovação a afastar algo que pudesse ser tido como integrado a patrimônio4, afastando a alegação de que a instituição do IPTU progressivo afrontava direito ou garantia individual. Ainda, o STF refutou a alegação de que a progressividade não seria aplicável aos tributos de natureza real sustentando que, na tributação dos impostos de natureza real, como é o caso do IPTU, a capacidade contributiva se revela quando da análise do valor venal do imóvel e sua destinação, sendo plenamente possível sua tributação progressiva cumulada com a aplicação dos

1- BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Artigo 3º. 2- COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 71 3- Ibidem 4- Trecho do voto do Min. Marco Aurélio p. 133

TRIBUTAÇÃO em revista

65


princípios da pessoalidade e da capacidade econômica. Igualmente, há de se considerar que a progressividade do IPTU prevista na legislação paulistana, além de realizar uma tributação justa, permite também o alcance da finalidade extrafiscal na cobrança do aludido tributo, qual seja, obrigar aos proprietários darem a correta destinação aos seus imóveis urbanos, em atendimento à função social da sociedade. No caso do IPTU, pode-se dizer que a sua utilização extrafiscal permite a melhor ordenação da cidade, impõe ao proprietário a utilização mais adequada de seu imóvel em vista das necessidades da cidade, impede a especulação imobiliária, evita o espraiamento aleatório da cidade, que é nocivo è eficiência e racionalidade dos serviços públicos etc5. O legislador constitucional buscou consolidar a função social da propriedade por meio da tributação progressiva do IPTU, almejando realizar ações essenciais à construção de uma sociedade que conglobe os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

5- Ibidem p. 225

66

TRIBUTAÇÃO em revista

Na senda destas razões, o STF reafirmou a possibilidade de tributação progressiva do IPTU, pois a Constituição Federal prevê a progressividade em conformidade com os princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (interpretação sistemática dos artigos 145 e 156, da Constituição Federal), além progressividade prevista no artigo 182, § 4º, do Texto Federativo, o que torna irrefutável a legalidade e constitucionalidade da cobrança instituída pela Lei paulistana, a qual objetivou uma tributação justa para colaborar com a construção de uma sociedade com menos desigualdades.

Renata Machado de Araujo Machado Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional Áryna Martins Dias Rangel Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.