Tributação em Revista 60

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ributação T EM REVISTA

Ano 17

N° 60

jul–set 11

Distribuição Dirigida

Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional

ISSN 1809-3426

Entrevista Lucieni Pereira Críticas ao Projeto de Lei que regulamenta a Previdência Complementar do Servidor Público Páginas 6 a 12


Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifisco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifisconacional.org.br, no link publicações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: estudostecnicos@sindifisconacional.org.br. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interessados em publicar suas reflexões neste espaço devem remeter seus artigos para editor.revista@sindifisconacional.org.br. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.


sumário 5

EDITORIAL

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ENTREVISTA

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Lucieni Pereira

ARTIGO

Previdência Complementar do Regime Próprio de Previdência – Aspectos de Constitucionalidade Aline Teodoro de Moura, Almir Serra Martins Menezes Neto, André Stefani Bertuol, Guilherme Feliciano e Lucieni Pereira

ARTIGO

Previdência Complementar do Servidor Público: Análise do Projeto de Lei no 1.992/2007 Renata Machado de Araujo Machado, Áryna Martins Dias Rangel e Álvaro Luchiezi Jr.

ARTIGO

A Perversidade do PL 1992/2007 Vilson Antônio Romero

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ARTIGO

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ARTIGO

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ARTIGO

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QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO

A Revolução Previdenciária Brasileiras Floriano José Martins

Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais Leonardo Costa Schüler

O Abuso de Direito e a Norma Antielisiva

Eládio César da Silva, Maria Cristina Montezano, Marília Aparecida Silva do Carmo e Wilson Silva França Júnior

A concessão de aposentadoria por invalidez integral para portador de doença grave, incurável ou contagiosa


Tributação em Revista é uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional.

Diretoria executiva nacional (den) Presidente Pedro Delarue Tolentino Filho 1º Vice-Presidente Lupércio Machado Montenegro 2º Vice-Presidente Sergio Aurélio Velozo Diniz Secretário-Geral Claudio Marcio Oliveira Damasceno Diretor-Secretário Mauricio Gomes Zamboni Diretor de Finanças Gilberto Magalhães De Carvalho Diretor-Adjunto de Finanças Agnaldo Neri Diretora de Administração Ivone Marques Monte Diretor-Adjunto de Administração Eduardo Tanaka Diretor de Assuntos Jurídicos Sebastião Braz da Cunha Dos Reis 1º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos Wagner Teixeira Vaz 2º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos Luiz Henrique Behrens Franca Diretor de Defesa Profissional Gelson Myskovsky Santos 1ª Diretora-Adjunta de Defesa Profissional Maria Cândida Capozzoli de Carvalho

2º Diretor-Adjunto de Defesa Profissional Dagoberto da Silva Lemos Diretor de Estudos Técnicos Luiz Antonio Benedito Diretora-Adjunta de Estudos Técnicos Elizabeth de Jesus Maria Diretor de Comunicação Social Kurt Theodor Krause 1ª Diretora-Adjunta de Comunicação Social Cristina Barreto Taveira 2º Diretor-Adjunto de Comunicação Social Rafael Pillar Júnior Diretora de Assuntos de Aposentadoria, Proventos e Pensões Clotilde Guimarães Diretora-Adjunta de Assuntos de Aposentadoria, Proventos e Pensões Aparecida Bernadete Donadon Faria Diretor do Plano de Saúde Jesus Luiz Brandão Diretor-Adjunto do Plano de Saúde Eduardo Artur Neves Moreira Diretor de Assuntos Parlamentares João da Silva dos Santos Diretor-Adjunto de Assuntos Parlamentares Geraldo Marcio Secundino Diretor de Relações Intersindicais Carlos Eduardo Barcellos Dieguez

Diretor-Adjunto de Relações Intersindicais Luiz Gonçalves Bomtempo Diretor de Relações Internacionais João Cunha da Silva Diretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social Maria Amália Polotto Alves Diretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social Rogério Said Calil Diretor de Políticas Sociais e Assuntos Especiais José Devanir de Oliveira Diretores-Suplentes Kleber Cabral Conselho Fiscal Membros Titulares Ricardo Skaf Abdala Jose Benedito de Meira Maria Antonieta Figueiredo Rodrigues Membros Suplentes Iran Carlos Toneli Lima Norberto Antunes Sampaio José Yassuo Hashimoto

Tributação em revista

Conselho Editorial Lupércio Machado Montenegro, Elizabeth de Jesus Maria; Kurt Theodor Krause; Tarcízio Dinoá Medeiros; João Cunha da Silva; Hélio Socolik, Roberto Barbosa de Castro e Luiz Antonio Benedito. Coordenação Executiva Álvaro Luchiezi Jr. Edição Álvaro Luchiezi Jr.

Projeto Gráfico Erika Yoda

Tiragem desta edição 3.500 mil exemplares

Fotolito e Impressão Brasília Artes Gráficas

Produção Editorial Publicação Dirigida. Acesso livre no seguinte endereço eletrônico http://www.sindifisconacional.org.br, link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contato pelo email: estudostecnicos@sindifisconacional.org.br

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Redação e correspondência SDS, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 BrasíliaDF - CEP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255

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e DITORIAL A inscrição do regime previdência complementar para o servidor público em nossa Constituição foi posterior a 1988 como decorrência de emendas constitucionais que implementaram a reforma previdenciária. O advento do Projeto de Lei 1992 em 2007 suscitou firmes posicionamentos contrários das mais diversas correntes dos servidores públicos. São diversos os pontos de vista que argumentam contrariamente à aprovação do PL 1992/07. A presente edição de Tributação em Revista buscou reunir em seus artigos a maioria destes argumentos, aqui ecoando pela voz muitos servidores públicos, especialistas em suas áreas de atuação e exercendo cargos estratégicos na Administração Federal. O tema é relevante não apenas para o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, mas para os mais de quinhentos mil servidores públicos federais e para os inúmeros servidores estaduais e municipais, seus dependentes e pensionistas, dada a mudança na percepção das suas aposentadorias e pensões. São alterações quantitativas no benefício a ser recebido que repercutirão no próprio modo de vida dessas pessoas. Os atuais servidores ainda terão o benefício da opção, ou não opção, pela previdência complementar. Os novos servidores, não. As repercussões vão muito além do âmbito da vida individual e familiar dos servidores: atingirão, em última instância, a qualidade do serviço público pelo desinteresse que ela poderá exercer em futuros candidatos à cargos públicos. O objetivo desta edição é repercutir junto a nossos leitores, compostos em sua maioria por servidores públicos, as principais críticas à proposta de regulamentação da previdência complementar do servidor público que emana do PL 1992/07. Trouxemos, assim, a visão de diversos especialistas e estudiosos da matéria.

Em nossa entrevista habitual ouvimos Luciene Pereira, Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União e especialista na questão. Seu alerta tem o prisma da servidora pública do TCU, da militante sindical e da pesquisadora universitária. Enquanto acadêmica, uniu-se a outros professores universitários e igualmente servidores federais das mais destacadas carreiras para produzir um artigo em quem são discutidos diversos aspectos relativos à inconstitucionalidade da matéria. O artigo assinado pelos técnicos do Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional ressalta não somente alguns pontos de inconstitucionalidade do PL 1992/07 como também coloca em evidência algumas omissões e impropriedades, lançando dúvidas sobre a sua viabilidade e conclamando à maior discussão desta proposta com os maiores interessados: os servidores públicos. O artigo de Floriano Martins resulta do seu conhecimento na área atuarial e também de sua militância sindical, abordagem esta também presente nas reflexões de Vilson Romero que, como Auditor-Fiscal e jornalista, busca levar à Classe e à sociedade, num linguajar direto, as perversidades do 1992/07. As reflexões sobre o tema encerram-se com o artigo de Leonardo Schüler, consultor legislativo da Câmara dos Deputados especializado em Administração Pública. Seu olhar, como técnico do Poder Legislativo, alerta para os riscos, com a implantação do regime complementar, da redução de renda após a aposentadoria para as mulheres servidoras. Por fim, fugindo da tendência monotemática desta edição, Tributação em Revista traz ao leitor as reflexões acadêmicas, baseadas em sua experiência como Autoridades Fiscais de quatro Auditores-Fiscais, Eládio Silva, Maria Cristina Montezano, Marília Aparecida do Carmo e Wilson França Jr. sobre abuso de direito e normas antielisivas.

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e ntrevista Lucieni Pereira “Além de instaurar um cenário de insegurança jurídica, porque a União insiste em criar a previdência complementar do regime próprio sem que haja uma lei complementar específica que regulamente as peculiaridades do setor público, a medida aumentará o deficit previdenciário do setor público nos próximos anos”

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A

Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, desde 2004, Lucieni Pereira, tem uma vasta experiência profissional, acadêmica e sindical. Profissionalmente, na área de fiscalização e controle, desempenhou funções no Estado e no Município do Rio de Janeiro, tendo se especializado em controle externo pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro; no meio sindical é segunda Vice-Presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e Tribunal de Contas da União (Sindilegis); na área acadêmica, leciona no IMAG-DF, ESMPU, ESAF além de outras instituições. Conquistou, assim, credibilidade em todas estas áreas além de uma atuação marcante na crítica ao Projeto de Lei 10992/2007 que cria a FUNPRESP - Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público. Por todas as razões aqui expostas, Tributação em Revista foi ouvi-la na certeza de que suas ponderações poderão lançar muitos esclarecimentos sobre as dúvidas e incertezas que permeiam este Projeto de Lei que cria a Previdência Complementar do Servidor Público.

Tributação em Revista. O Governo aponta um

cia já aprovadas, constituindo fontes crescentes do de-

“deficit” previdenciário do regime próprio de pre-

ficit do setor público, sem que nada seja feito para so-

vidência dos servidores civis federais e membros

lucioná-lo. O resultado da previdência específica dos

de Poder (RPPS) que ultrapassa R$ 52 bilhões.

servidores civis federais e membros de Poder aponta

Esse resultado é uma das razões que se utiliza

um deficit de apenas R$ 30,2 bilhões, mas esse nú-

para justificar a implantação da previdência

mero não é revelado à população. Do montante de R$

complementar específica para os servidores civis

30,2 bilhões, 95% correspondem ao resultado previ-

federais e membros de Poder. Localize histórica e

denciário deficitário apurado no Poder Executivo; 5%

financeiramente a origem desse deficit.

referem-se à soma do deficits dos Poderes Legislativo

Luciene Pereira. Em 2010, a União apresentou um de-

e Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas

ficit previdenciário do setor público da ordem de R$

da União, o que não passou de R$ 1,5 bilhão em 2010.

52,7 bilhões. Porém, o Governo Federal não apresenta

Mas os servidores públicos civis do Poder Executivo

os números de forma transparente para a sociedade.

não são os vilões da previdência da União. O deficit

Os relatórios oficiais publicados na página eletrônica

apresentado no gráfico decorre da falta de ação da cú-

do Tesouro Nacional registram um deficit de R$ 22,5

pula dos Governos, que não adotaram - e permanece

bilhões com a manutenção da previdência dos milita-

sem adotar - as medidas operacionais que possibilitem

res federais e servidores do Distrito Federal custeados

o repasse ao regime próprio dos valores das contribui-

diretamente pela União, segmentos não alcançados

ções previdenciárias que mais de 540 mil funcionários

pelo PL 1.992, tampouco pelas Reformas da Previdên-

recolheram ao regime geral de previdência social até

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“os servidores públicos civis do Poder Executivo não são os vilões da previdência da União. O deficit apresentado no gráfico decorre da falta de ação da cúpula dos Governos.”

no serviço público. Essa falta de ação cria um cenário de desordem operacional, que impede o regime próprio de receber a compensação financeira referente aos celetistas que contribuíram durante anos para o regime geral de previdência social e que se aposentam por aquele regime. A inércia da União quanto à implantação do sistema nacional de compensação financeira entre os regimes próprios dos entes das esferas federal, estadual e municipal é outro fator que sobrecarrega o resultado previdenciário apurado pela União. A Lei que regulamenta a compensação financeira entre os regimes próprios foi aprovada em 1999, mas o Governo Federal não tomou nenhuma providência. Vigente há mais de uma década, se houvesse a compensação

5 de outubro de 1988, data em que milhares de cele-

financeira prevista no parágrafo § 9º do artigo 201 da

tistas do Poder Executivo da União foram incorpora-

Constituição, regulamentada pela Lei nº 9.796, certa-

dos ao regime jurídico único e passaram a ter direito

mente o deficit da previdência dos servidores civis não

à aposentadoria segundo as regras do regime próprio

chegaria a R$ 30,2 bilhões.

referido no artigo 40 da Constituição. O baixíssimo padrão de governança do regime próprio da União é

TR. A aprovação do PL 1.992/07, que institui a

um dos fatores que está na raiz do resultado previ-

Fundação de Previdência Complementar do Ser-

denciário apurado na esfera federal. Embora a União

vidor (FUNPRESP), para regulamentar o parágra-

disponha dos melhores especialistas em previdência

fo 15 do artigo 40 da Constituição Federal, resol-

no seu quadro de pessoal, falta vontade política para

veria o deficit apontado pelo Governo?

organizar o respectivo regime próprio, que sequer foi

LP. A criação da entidade fechada de previdência com-

instituído formalmente enquanto unidade gestora úni-

plementar, nos termos propostos pelo PL 1.992, não

ca, como determina a Constituição.

resolve o resultado previdenciário da União; pelo con-

Soma-se a isso o fato de os últimos Governos terem

trário, piora a situação atual.Além de instaurar um ce-

sido contaminados pela influência de colaboradores

nário de insegurança jurídica, porque a União insiste

de passagem, que trouxeram idéias equivocadas, que

em criar a previdência complementar do regime pró-

beiram o preconceito, de que a previdência do servi-

prio sem que haja uma lei complementar específica

dor deve-se equiparar à do trabalhador do setor priva-

que regulamente as peculiaridades do setor público,

do, porque na visão dessas pessoas, restrita ao regime

a medida aumentará o deficit previdenciário do setor

de contratação da iniciativa privada, é injusto o servi-

público nos próximos anos. Isso porque as aposen-

dor público efetivo e membro de Poder se aposentar

tadorias dos atuais servidores ativos serão custeadas

com um valor que pode chegar ao salário integral se

com recursos do Tesouro Nacional, já que as contribui-

forem cumpridos todos os requisitos de tempo de con-

ções previdenciárias dos servidores que ingressarem

tribuição e de efetivo exercício no cargo, na carreira e

a partir da criação da FUNPRESP passarão a formar

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poupança no mercado de capitais. Como os Governos no Brasil são extremamente imediatistas, a tendência é é que o resultado negativo usar o resultado negativo, decorrente da mudança drástica do atual regime de repartição simples para o regime de capitalização (poupança), seja usado para justificar novas reformas da previdência do servidor público e membros de Poder, de modo a reduzir direitos conquistados por esses profissionais que historicamente contribuem para a previdência com alíquota mínima de 11% que incide sobre o total de suas remunerações.

“A criação da entidade fechada de previdência complementar, nos termos propostos pelo PL 1.992, não resolve o resultado previdenciário da União; pelo contrário, piora a situação atual.”

TR. Se implementada a previdência complementar para o servidor haverá realmente redução de despesas para o governo? Desenvolva este ponto

novas reformas da previdência com vistas a reduzir di-

com mais detalhes.

reitos dos atuais servidores ativos e aposentados o que

LP. O governo alega que reduzirá as despesas, porque

certamente reduzirá os direitos dos atuais servidores

a alíquota de 22% da contribuição patronal incidirá

ativos e aposentados.

sobre o salário-teto de R$ 3.691,74. Em 2010, a União gastou R$ 107,6 bilhões com a folha de pessoal ati-

TR. Explique o mecanismo pelo qual a capitaliza-

vo, recolhendo cerca de R$ 12,2 bilhões a título de

ção das contribuições previdenciárias dos novos

contribuição patronal dos servidores ativos. No mes-

servidores poderá comprometer os limites de des-

mo período, os gastos com aposentadorias e pensões

pesa de pessoal fixados pela Lei de Responsabili-

civis e militares foram da ordem de R$ 75,4 bilhões,

dade Fiscal – LRF.

dos quais R$ 22,6 bilhões foram pagos com as con-

LP. Como vimos, a decisão política de poupar as con-

tribuições previdenciárias dos servidores e patronal,

tribuições dos novos servidores e membros de Poder

previstas para conferirem equilíbrio ao regime. Se de

no mercado de capitais aumenta o deficit da previdên-

um lado a União reduzirá de 22% para 7,5% a alíquota

cia do regime próprio dos atuais servidores públicos

incidente sobre a parcela do salário que exceder o teto

da União. Atualmente, mais de 80% das aposentado-

de R$ 3.691,74, o que certamente diminuirá os gastos

rias e pensões dos Tribunais do Judiciário, das Casas

com a contribuição patronal dos servidores civis ati-

Legislativas, do Ministério Público e do Tribunal de

vos; de outro aumentará, significativamente, a pressão

Contas da União são custeadas com os recursos das

sobre o Tesouro Nacional - ou sobre a carga tributá-

contribuições previdenciárias, que passarão a formar

ria - para cobertura das aposentadorias e pensões dos

poupança no mercado financeiro. Para custear arcar

atuais servidores e membros de Poder, aumentando,

com as aposentadorias dos atuais servidores será ne-

ainda mais, o atual deficit da previdência. O resultado

cessário um aporte maior de recursos do Tesouro Na-

disso será, sem dúvida alguma, o surgimento de pres-

cional, o que aumenta a despesa líquida com pessoal,

sões sociais e de futuros governos para a aprovação de

uma vez que somente as despesas com aposentadorias

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e pensões custeadas com as contribuições previden-

União. Na nossa visão, a previdência complementar,

ciárias podem ser deduzidas para fins de limite de

tal como delineada pelo Governo, alterará a compo-

pessoal. Os relatórios de gestão fiscal, referentes ao

sição da cúpula do Poder Judiciário. Na composição

1º quadrimestre de 2011, publicados por alguns ór-

atual do STF, 5 Ministros (45%) contribuíram durante

gãos do Poder Judiciário e Ministério Público da União

anos para o regime próprio dos Estados e se aposen-

mostram que o déficit deficit previdenciário dos ór-

tarão pelo regime próprio da União, sem que nenhu-

gãos do judiciário e do MPU variam de 1% (TSE) a

ma contribuição seja repassada pelos Estados. Cármen

29% (TST), considerando-se a diferença (contribui-

Lúcia, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e

ções previdenciárias menos pagamentos a aposentados

o Presidente do STF, Ministro Cezar Peluso, são exem-

e pensionistas) em relação ao pagamento de aposenta-

plos de magistrados que vieram da esfera estadual.

dorias e pensões. Com a capitalização das contribui-

Como eles, há vários setores da administração pública

ções previdenciárias dos novos servidores, aumentam

federal que são atraentes para servidores estaduais e

os deficits previdenciários dos órgãos autônomos, que

municipais. Eu mesma, já fui servidora do Município e

atualmente se encontram em níveis considerados bai-

do Estado do Rio de Janeiro, antes de ingressar no car-

xos. Em decorrência disso, eleva-se o risco de descum-

go de Auditora Federal de Controle Externo do TCU.

primento do limite de despesa com pessoal fixado pela

Esse é um dos principais pontos críticos do PL 1.992,

Lei de Responsabilidade Fiscal. Em 2009, a despesa

já que não há normas gerais nacionais que discipli-

líquida com pessoal do TRT-22ª Região ultrapassou o

nem a portabilidade das contribuições recolhidas aos

limite de alerta fixado pela Lei de Responsabilidade

regimes próprios dos servidores e membros de Poder

Fiscal pelo Estatuto Fiscal, correspondente a 90% do

dos Estados para a previdência complementar federal.

limite máximo, conforme Acórdão 2.917/2009-TCU/

Nessas bases juridicamente inseguras, nenhum magis-

Plenário. Nesse sentido, a aprovação do PL 1.992 pode

trado deixará o Tribunal de Justiça estadual, depois de

provocar uma crise fiscal em vários órgãos da União, o

contribuir durante anos sobre a integralidade de seu

que pode retirar o Brasil dos trilhos no que se refere à

salário, para ocupar o cargo de Ministro do STF ou do

condução da política macroeconômica. Em cenário de

Superior Tribunal de Justiça e se aposentar pelo regi-

crise internacional, esse impacto não pode ser negli-

me próprio da União com apenas R$ 3.691,74 men-

genciado pela equipe econômica.

sais. Os futuros Ministros terão de buscar a diferença salarial com a adesão ao fundo de previdência comple-

TR. Uma das críticas ao PL 1.992/07 é que ele

mentar de natureza privada que se pretende instituir.

prejudicaria a migração de servidores entre as es-

Como as contribuições recolhidas ao Estado não serão

feras de governo devido à falta da definição da

transferidas para o fundo federal, a reserva financei-

portabilidade entre os regimes próprio estaduais

ra que o magistrado conseguirá constituir na União

e municipais e a previdência complementar fede-

não será suficiente para assegurar uma aposentadoria

ral organizada pela FUNPRESP. Explique melhor

digna de um Ministro do STF ou STJ. Esse é um dos

como isso atingiria as carreiras, principalmente

exemplos de fragilização de áreas estratégicas do Es-

as federais, e quais seriam as mais prejudicadas.

tado. As carreiras de fiscalização e controle, Polícia

LP. A proposta abrange os membros do Poder Judiciá-

Federal, Ministério Público, magistério, entre outras,

rio, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da

serão consideravelmente fragilizadas.

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“não há normas gerais nacionais que disciplinem a portabilidade das contribuições recolhidas aos regimes próprios dos servidores e membros de Poder dos Estados para a previdência complementar federal..”

de 1988 foi construído de forma a dotar os servidores efetivos e membros de Poder para exercerem a defesa do Estado contra o poder econômico, impondo-lhes sacrifícios que podem custar suas próprias vidas, já os empregados da iniciativa privada servem, via de regra, à atividade econômica. A Constituição prevê que todos são iguais perante a lei, nos termos estabelecidos no seu próprio texto. E a própria Lei Fundamental prevê uma série de diferenças entre servidores públicos e empregados do setor privado. Aliás, a Constituição prevê uma série de diferenças, beneficiando alguns grupos em decorrência de suas atividades. É o caso dos professores, policiais, portadores de necessidades especiais que podem se aposentar com tempo reduzido de contribuição, sem prejuízo de suas remu-

TR. A instituição da FUNPRESP sugere uma iso-

nerações. O princípio constitucional da isonomia deve

nomia no tratamento entre os servidores públi-

ser aplicado com base em leitura sistemática da Lei

cos e trabalhadores do setor privado no que diz

Fundamental. Dificilmente será possível aplicar esse

respeito ao regime previdenciário. Comente esta

princípio sem dominar as peculiaridades constitucio-

questão do ponto de vista da atratividade da car-

nais.

reira pública, vis a vis a privada e da aplicação do Princípio da Isonomia previsto na Constituição

TR. A Constituição Federal determina que o re-

Federal.

gime previdência complementar do servidor será

LP. A Constituição prevê dois regimes de previdência

implementado por entidades fechadas de previ-

completamente distintos, próprio dos servidores pú-

dência complementar de natureza pública. En-

blicos civis e membros de Poder (artigo 40) e geral

tretanto, o PL 1.992/07 prevê que a FUNPRESP

de previdência social (artigo 201). Enquanto traba-

terá personalidade jurídica de direito privado,

lhadores do setor privado e empregados públicos das

mas natureza pública relativa a algumas normas,

estatais têm direito ao fundo de garantia por tempo de

como licitações, contratos, concursos, etc. Em

serviço, participação nos lucros, negociação coletiva

sua opinião o PL e a Constituição não estariam

que pode resultar em aumento de salário, servidores

dissonantes neste aspecto? A transparência na

públicos não dispõem desses direitos, além de ficarem

utilização dos recursos públicos e a própria su-

submetidos ao “teto” remuneratório constitucional,

premacia do interesse público estão garantidos

que na esfera federal corresponde ao subsídio mensal

com a natureza privada da FUNPRESP?

do ministro do Supremo Tribunal Federal.

LP. O que o PL 1992 propõe é uma fraude ao Direi-

Se por um lado o servidor público é meio para a le-

to Público. Tenta-se rotular de público algo que na

gislação administrativa, o trabalhador é o fim da le-

essência terá natureza privada, apenas revestido de

gislação trabalhista. O texto original da Constituição

um verniz publicístico. Se analisarmos detidamente

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Poder Judiciário, gerando insegurança jurídica para o

“Enquanto os servidores estaduais e municipais foram beneficiados com a criação de fundos de previdência do regime próprio e aporte de recursos dos royalties destinados à capitalização dos respectivos fundos, a União nada fez na última década.”

funcionamento do Fundo de Pensão. TR. Haveria uma alternativa ao PL 1992? LP. O primeiro passo deveria ser a organização da unidade gestora única do regime próprio da União, conforme estabelece o artigo 40, § 20 da Constituição. As bases jurídicas para essa organização foram ditadas em 1998, com a Emenda 20, mas o Governo Federal nada fez para instituir a entidade do regime próprio e dotá-la de recursos necessários à busca do equilíbrio, podendo recorrer, inclusive, aos meios previstos no artigo 249 do mesmo Diploma. Enquanto os servidores estaduais e municipais foram beneficiados com a criação de fundos de previdência do regime próprio e aporte de recursos dos royalties

o texto constitucional, os princípios da legalidade,

destinados à capitalização dos respectivos fundos, a

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência

União nada fez na última década, prejudicando, so-

são impostos a todas as entidades da administração

bremaneira, os servidores federais. A realização da

indireta, abrangendo autarquias e fundações, de na-

compensação financeira entre o regime geral de pre-

tureza pública, assim como as empresas públicas e

vidência social e o regime próprio federal, e entre os

sociedades de economia mista, essencialmente de na-

regimes próprios dos entes das três esferas de governo,

tureza privada. As reais intenções do Governo Federal

é outra medida que não pode mais postergar. A exi-

com a previsão do que convencionou a denominar de

gência dessa compensação, como dito, foi regulamen-

“fundação estatal de direito privado” estão expostas na

tada pela Lei nº 9.796, de 1999, e há mais de uma

fundamentação do projeto de Lei Complementar nº

década a União permanece inerte. Essa falta de ação

92, de 2007, formulado pari passu com o PL 1992. O

do Governo Federal precisa ser combatida e as entida-

objetivo é dispensar à FUNPRESP o mesmo tratamento

des sindicais e associativas devem exigir uma postura

previsto no artigo 173 da Constituição, previsto exclu-

firme dos titulares das pastas responsáveis pelo regime

sivamente para as empresas públicas e sociedades de

próprio da União, em especial os ministros da Previ-

economia mista que exploram atividade econômica,

dência Social e do Planejamento, Orçamento e Gestão.

a exemplo da Petrobrás, da Eletrobrás, entre outras

Com exceção de algumas passagens que merecem o

empresas estatais. Além de essa não ser a realidade da

aprofundamento do debate, o Projeto de Lei Comple-

FUNPRESP, o artigo 40, § 15 da Constituição prevê,

mentar nº 466, de 2009, de autoria do deputado fede-

explicitamente, para que não haja dúvida, que a na-

ral Paulo Pimenta (PT-RS), surge como alternativa para

tureza da entidade será pública. Qualquer aprovação

a organização do regime próprio federal, merecendo

diferente disso suscitará questionamentos junto ao

destaque na agenda do Congresso Nacional.

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TRIBUTAÇÃO em revista


a RTIGO Previdência Complementar do Regime Próprio de Previdência – Aspectos de Constitucionalidade1 Aline Teodoro de Moura 2 Almir Serra Martins Menezes Neto 3 André Stefani Bertuol 4 Guilherme Feliciano 5 Lucieni Pereira 6

1 - Introdução O propósito deste artigo certamente não é o de exaurir o tema relacionado à instituição da entidade fechada de previdência complementar do servidor público civil federal e membros de Poder na administração pública federal, denominada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (FUNPRESP), sob a forma de entidade da administração indireta da União, de natureza privada. O que se pretende é instigar um debate mais aprofundado e qualificado sobre os pressupostos constitucionais para que a União, os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios possam instituir a previdência complementar dos segurados do regime próprio de previdência de que trata o artigo 40 da Constituição de 1988, consideradas as reformas que lhe sucederam. O Projeto de Lei nº 1992 foi apresentado em 2007 com o propósito de instituir o regime de previdência complementar para os servidores públicos civis federais titulares de cargo efetivo, inclusive os membros do Poder Judiciário, Ministério Público (MPU) e Tribunal de Contas da União (TCU), além de fixar o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões pelo regime próprio de previdência referido no artigo 40 da Constituição

1. Artigo concluído em 17 out 2011 e submetido para publicação na Revista Anamatra – Revista da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho; Revista do Tribunal de Contas da União e Revista O Magistrado on line, Revista do Instituto dos Magistrados do Distrito Federal (IMAG-DF). 2. Professora de Direito Tributário da UFF e Advogada 3. Auditor Federal de Controle Externo do TCU e Professor de Filosofia 4. Procurador da República em Santa Catarina 5. Juiz do Trabalho e Professor de Direito e Seguridade Social da USP 6. Auditora Federal de Controle Externo do TCU

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O tema se insere em paisagem esparsa, controversa, natural e extremamente complexa, razão pela qual este artigo se limita a abordar a observância dos pressupostos do artigo 202 da Constituição quando da formulação da proposta em discussão. O ponto central do debate consiste na interpretação sistemática do § 15, do artigo 40, combinado com o artigo 202 da Constituição, que exigem lei complementar, a título de norma geral, para regulamentar como a União, os Estados, o Distrito Federal e mais de 5,5 mil Municípios poderão instituir a entidade fechada de previdência complementar do regime próprio de previdência dos servidores efetivos e membros de Poder detentores de cargo vitalício. O Brasil ainda padece da lei complementar que discipline a organização e o funcionamento das entidades fechadas de previdência complementar dos regimes próprios dos entes da Federação. Essa lei complementar, editada sob a forma de norma geral, deve disciplinar as especificidades do setor público, como, por exemplo, a possibilidade de migração dos servidores e membros de Poder entre os entes das três esferas de governo, garantida a contagem recíproca do tempo de contribuição prevista no artigo 40, § 9º da Constituição. Para tentar driblar a exigência constitucional do artigo 202 da Lei Maior, o Poder Executivo federal pretende instituir uma entidade fechada de previdência complementar dos segurados do regime próprio da União sob a forma de fundação estatal de direito privado, buscando como fundamento as Leis Complementares nº 108 e 109, de 2001. Esses normativos, porém, não se prestam a direcionar a previdência complementar dos regimes próprios de mais de 5,5 mil entes da Federação autônomos. Tais Leis Complementares foram editadas exclusivamente para regulamentar a previdência complementar dos segurados do regime geral de previdência social referido no artigo 201 da Constituição.

2 - Considerações Preliminares Apresentado nas bases mencionadas, o PL 1992 vem causando polêmica no Congresso Nacional. De um lado, os servidores públicos e membros de Poder contestam a proposta, sob alegação da existência de risco de fragilização do Estado brasileiro, impactos econômico-fiscais de difícil superação e o descumprimento de pressupostos constitucionais para a criação da previdência complementar dos regimes próprios. De outro lado, o Poder Executivo insiste na aprovação da sua proposta, que até agora não sofreu alterações significativas. Para seguir com o projeto original quase que intacto, os defensores da proposta do Governo adotam três linhas de argumentação, que consistem nos seguintes pontos: (i) existência de apenas três regimes no sistema previdenciário brasileiro: regime geral de previdência social, regime próprio de previdência dos servidores efetivos e membros de Poder e uma única previdência complementar, que se prestaria a atender os dois regimes-base; (ii) o uso do termo “servidor” no contexto do artigo 31 da Lei Complementar nº 1097, de 2001, seria a referência suficiente para que a referida norma pudesse ser a base de regulamentação da previdência complementar dos regimes próprios previstos para os servidores efetivos e membros de Poder da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, suas autarquias, fundações públicas; (iii) a alteração introduzida no § 15, do artigo 40, da Constituição, com redação dada pela Emenda nº 41, de 2003, teria abolido a necessidade de observar os pressupostos do artigo 202 para nortear a instituição da entidade fechada de previdência complementar dos regimes próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e de mais de 5,5 mil Municípios, todos com autonomia política e administrativa.

7. Lei Complementar nº 101, de 2001: “Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente: I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores;”

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Sob o aspecto jurídico, a análise empreendida neste artigo terá como foco esses três pontos que constituem a base de argumentação dos defensores da proposta do Governo, além da natureza jurídica da entidade fechada de previdência complementar. No plano previdenciário-operacional, a abordagem tem por finalidade chamar a atenção para alguns riscos da imponderabilidade atuarial. 3 - Sistema Previdenciário Brasileiro A Constituição de 1988 avançou, significativamente, no arcabouço do sistema previdenciário brasileiro. Na base do sistema, temos dois regimes, um para os ocupantes de cargo efetivo e membros de Poder detentores de cargo vitalício e outro para aqueles que não se enquadram nessas duas categorias. Cada dos regimes-base poderá, de acordo com a faculdade prevista constitucionalmente, instituir a previdência complementar, que deve ser organizada de forma autônoma ao respectivo regime-base.

A Emenda nº 20, de 1998, incluiu os artigos 249 e 250 da Constituição, para prever que tanto os regimes próprios, quanto o regime geral de previdência social poderão constituir fundos integrados pelos recursos provenientes de contribuições previdenciárias e por bens, direitos e ativos de qualquer natureza, com vistas a assegurar recursos para o pagamento de proventos de aposentadoria e pensões concedidas aos respectivos servidores e seus dependentes, em adição aos recursos dos respectivos tesouros. Ao longo da última década, Estados e Municípios foram incentivados a constituírem esses fundos, inclusive mediante o aporte de royalties pela compensação financeira decorrente da exploração de recursos naturais. Em 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal8 criou o fundo especial do regime geral de previdência social. Apenas o regime próprio da União permaneceu sob precário padrão de governança, o que constitui uma das principais causas para o deficit apurado na esfera federal.

Diagrama I – Sistema Previdenciário Brasileiro

Fonte: Autores

8. Lei Complementar nº 101, de 2000: “Art. 68. Na forma do art. 250 da Constituição, é criado o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social, com a finalidade de prover recursos para o pagamento dos benefícios do regime geral da previdência social.”

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Com o objetivo de solucionar o atual resultado previdenciário, o Governo Federal tenta instituir, de forma açodada, o fundo de previdência complementar do regime próprio federal, partindo da premissa equivocada de que a Constituição prevê uma única previdência complementar para dois regimes-base distintos na essência. Como dito, a Constituição prevê dois regimes de previdência completamente distintos, próprio dos servidores públicos civis e membros de Poder (artigo 40) e geral de previdência social (artigo 201), o que inviabiliza a normatização de uma única previdência complementar. Esse é um ponto de vista assentado na doutrina sem muitas digressões. De acordo com IBRAHIM (2008)9, a Lei Complementar nº 108, de 2001, dispõe sobre a relação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista e suas entidades fechadas de previdência complementar. O autor é claro ao afirmar que essa hi-

pótese “não se confunde com o patrocínio do Ente Público a sistema complementar do regime próprio de previdência”. E segue de forma ainda mais cristalizada: “A LC nº 108/01 trata, em regra, das relações de complementação quando o regime básico é o RGPS.” O autor, todavia, registra que a norma legal que regulará o regime complementar público dos RPPS ainda não existe, viabilizando a utilização subsidiária da normatização existente, o que não é consenso no campo doutrinário. Enquanto o regime geral de previdência social é pautado pela unicidade legislativa e organizacional, ou seja, apenas a União legisla para definir as contribuições dos segurados que são recolhidas a uma entidade centralizada na Federação - o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) -, no caso dos servidores públicos civis e membro de Poder, a previdência é fortemente marcada pelo pacto federativo, que confere autonomia política e administrativa a mais de 5,5 mil entes da Federação, nas três esferas de governo.

Diagrama II – Regime Geral de Previdência Social

Fonte: Autores

9. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 12ª Edição. Rio de Janeiro. Impetus, 2008. Pág. 681-682, .

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No regime administrativo que norteia a contratação de servidores efetivos e membros de Poder é completamente diferente. Cada ente da Federação legisla sobre o regime próprio de previdência de seus agentes, devendo, para tanto, seguir as normas constitucionais e gerais fixadas pelas Leis nºs 9.717, de 1998, e 10.887, de 2004. Nesse sentido, a arrecadação das contribuições previdenciárias dos servidores efetivos e membros de Poder é descentralizada, cada regime próprio estabelece a sua alíquota previdenciária, não podendo ser inferior à adotada pela União10, conforme definido pela Emenda nº 41, em 2003. O regime próprio de cada ente da Federação apresenta a seguinte configuração: Esquema I – Segurados do Regime Próprio dos Entes da Federação

Fonte: Autores

Os entes subnacionais podem ou não instituir a entidade fechada de previdência complementar, o que confere contornos complexos e grandes desafios ao regime de previdência complementar no setor público nas três esferas de governo, já que a própria Constituição assegura a contagem recíproca do tempo de contribuição.

O que a Lei Fundamental obriga é que os entes da Federação assegurem regime próprio de previdência para os servidores efetivos e membros de Poder. Essa garantia tem uma razão de ser. Segundo CASTRO (1999), o servidor público é meio para a legislação administrativa, enquanto o trabalhador é o fim da legislação trabalhista. O texto original da Constituição de 1988 foi formatado de modo a dotar os servidores efetivos e membros de Poder para exercerem a defesa do Estado contra o poder econômico, enquanto os empregados da iniciativa privada servem, via de regra, à atividade econômica. Na visão de BERTUOL et alii (2011), é notório que o regime celetista é incompatível com as características primordiais da administração pública. Para os autores, não é razoável que a Administração, pautada pela supremacia do interesse público e pelo poder de império, possa se valer da lógica que permeia o regime celetista para estabelecer a relação com os servidores efetivos e membros de Poder, em especial com aqueles que exercem atividades estratégicas reservadas ao Estado. Essa relação tornar-se-ia desnaturada, caso fosse instituída sobre as premissas do setor privado. A própria Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE)11 reconhece a necessidade de conferir tratamento diferenciado entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada, em especial no campo previdenciário. Isso porque as normas que regem a função pública diferem em tudo daquelas que regem as relações entre empregadores e empregados no setor privado. A situação dos servidores e membros de Poder é diferente dos trabalhadores da iniciativa privada, empregados públicos e alguns ocupantes de cargo temporário segurados do regime geral de previdência, na medida em que aquele grupo exerce autoridade pública com os sacrifícios e obrigações de lealdade que caracterizam essa função. O PL 1992,

10. Constituição: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.” 11. ANFIP, Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social. Previdência do Serviço Público Brasileiro: Fundamentos e Limites das Propostas de Reforma. ANFIP, Agosto 2003.

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todavia, ignora os pilares constitucionais da administração pública. A previdência complementar dos segurados do regime geral de previdência social está regulamentada pelas Leis Complementares nºs 108 e 109, de 2001, editadas com o nítido propósito de disciplinar o artigo 202 da Constituição. Há uma seqüência lógica entre os artigos 201 e 202 da Magna Carta que precisa ser respeitada, pois são dispositivos que se complementam e trazem, na essência, um elevado grau de interdependência. O artigo 202 trata de “regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar”. A redação desse dispositivo evidencia a sua clara interdependência com o artigo 201, razão pela qual as Leis Complementares nº 108 e 109, de 2001, só regulamentam a previdência complementar dos segurados do regime geral. Ao formular o § 15, do artigo 40, da Lei Fundamental, o reformador poderia ter reproduzido os pressupostos do artigo 202 aplicáveis à previdência complementar dos segurados do regime próprios. Mas o constituinte optou por adotar a técnica legislativa que determina a observância, no que couber, de pressupostos expressos em outro dispositivo (artigo 202). Nesse contexto, é igualmente nítida a conexão substancial entre os dois dispositivos constitucionais mencionados, os quais, embora espacialmente distantes, precisam ser interpretados de forma integrada para se lograr a correta dicção. Conforme as lições de ÁVILA (2011)12, os postulados normativos foram definidos como deveres estruturais, ou seja, como deveres que estabelecem a vinculação entre elementos e impõem determinada relação entre eles.

Nesse aspecto, podem ser considerados formais, pois dependem da conjugação de razões substanciais para sua aplicação. Para o autor, os postulados não funcionam todos da mesma forma. Alguns postulados são aplicáveis independentemente dos elementos que serão objeto de relacionamento, como é o caso da previsão de natureza pública para a entidade fechada de previdência complementar do regime próprio, não sendo aplicável, neste caso especificamente, a natureza privada referida no artigo 202. Ao determinar a observância do artigo 202, para fins de instituição da entidade fechada de previdência complementar do regime próprio, o legislador constituinte determina a edição de lei complementar para regulamentar o setor em toda Federação, pois sem essa medida poder-se-ia instaurar um quadro de total insegurança jurídica na Federação. Nada na ordem jurídica admitiria que a previdência complementar do regime geral, que é muito mais simples do ponto de vista da unicidade legislativa, tivesse de ser regulamentada por lei complementar, e a previdência complementar dos regimes próprios, pulverizada na Federação, pudesse operar sem uma norma geral que oriente mais de 5,5 mil entes da Federação autônomos. Para fazer essa interpretação sistemática, que não é simples, vale a pena recorrer, novamente, às lições de ÁVILA (2011)13: A concordância prática funciona de modo semelhante: exige-se a harmonização entre elementos, sem dizer qual a espécie desses elementos. Os elementos a serem objeto de harmonização são indeterminados. A proibição de excesso também estabelece que a realização de um elemento não pode resultar na aniquilação de outro. Os elementos a serem objeto de preservação mínima não são indicados. Da mesma forma, o postulado da otimização estabelece que determinados elementos devem ser maximizados, sem dizer quais, nem como.

12. ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios - da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos - 12ª Ed. Rio de Janeiro. Saraiva: 2011. Páginas 73-74 e 84-85. 13. ÁVILA, Humberto Bergmann. Op. Cit.

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A leitura dos artigos 40, § 15 e 202 da Constituição não é tarefa que possa ser solucionada com a interpretação puramente literal dos seus dispositivos, técnica esta que, por sinal, é considerada a forma mais rudimentar de exegese, nas palavras do Ministro Moreira Alves, do Supremo Tribunal Federal, ao relatar e negar provimento do Agravo nº 200.733-4, que trata de matéria sobre o artigo 7º, XXIX da Lei Maior (Clipping do Diário da Justiça, 14.11.1997). Essa leitura requer, fundamentalmente, que o intérprete se esforce e, de preferência, conheça esta importante lição MAXIMILIANO (1981)14: O intérprete não traduz em clara linguagem só o que o autor disse explícita e conscientemente; esforça-se por entender mais e melhor do que aquilo que se acha expresso, o que o autor inconscientemente estabeleceu, ou é de presumir ter querido instituir ou regular, e não haver feito nos devidos termos, por inadvertência, lapso, excessivo amor à concisão, impropriedade de vocabulário, conhecimento imperfeito de um instituto recente, ou por outro motivo semelhante.

Não se trata de acrescentar coisa alguma e, sim, de atribuir à letra o significado que lhe compete: mais amplo aqui, estrito acolá. Com a redação dada ao artigo 40, § 15 da Constituição pela Emenda 41, o constituinte deixa claro que somente o titular do Poder Executivo no âmbito de cada ente da Federação pode iniciar o processo legislativo para criar a entidade fechada de previdência complementar do regime próprio, entidade esta que deve ser de natureza pública e a sua instituição deve observar, no que couber, os pressupostos estabelecidos no artigo 202, cuja regulamentação requer uma lei complementar específica que guarde relação e coerência com o regime-base que se pretende complementar.

A interpretação extensiva não faz avançar as raias do preceito; ao contrário, como a aparência verbal leva ao recuo, a exegese impele os limites de regra até ao seu verdadeiro posto (MAXIMILIANO, 1996)15. 4 - Servidores Públicos no Contexto da Lei Complementar nº 109 A segunda linha de argumentação do Poder Executivo, no sentido de que o artigo 31 da Lei Complementar nº 109, de 2001, faz menção a “servidores” da União, e que por isso o artigo 202 trataria da previdência complementar dos segurados do regime próprio referido no artigo 40 da Carta Magna, é outra alegação que não tem como prosperar. Primeiramente, se a previdência dos servidores efetivos civis e membros de Poder fosse idêntica à previdência dos segurados do INSS, o artigo 40 da Constituição restaria sem qualquer efeito sob o ponto de vista jurídico. Em segundo lugar, e que talvez seja o mais importante, o artigo 31 da Lei Complementar nº 109, de 2001, ao fazer referência a “servidores”, visa contemplar, no modelo de entidade fechada de previdência complementar de natureza privada, os servidores da administração direta, autarquias e fundações públicas segurados do regime geral de previdência social (INSS), como, por exemplo, os ocupantes de cargo em comissão16 de livre nomeação e exoneração. Também estão inseridos nesse escopo os ocupantes de cargo temporário na administração pública, considerados os contratados por prazo determinado. A partir de uma visão mais alargada, pode-se entender que o dispositivo abrange, ainda, o exercente de cargo

14. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª Edição, 2ª tiragem, Forense, Rio de Janeiro, 1981, p. 167 15. MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16ª Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1996, p. 200-204 16. Lei nº 8.112, de 1990: “Art. 9o A nomeação far-se-á: (...) Parágrafo único. O servidor ocupante de cargo em comissão ou de natureza especial poderá ser nomeado para ter exercício, interinamente, em outro cargo de confiança, sem prejuízo das atribuições do que atualmente ocupa, hipótese em que deverá optar pela remuneração de um deles durante o período da interinidade.” (...) “Art. 41. Remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei. § 1º A remuneração do servidor investido em função ou cargo em comissão será paga na forma prevista no art. 62.” (...) “Art. 137. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art. 117, incisos IX e XI, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI.”

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eletivo17, igualmente segurado da previdência social (INSS), já que o regime próprio de que trata o artigo 40 da Constituição restringe-se aos ocupantes de cargo efetivo e membros de Poder detentores de cargo vitalício, incluindo aquelas categorias no rol de segurados do regime geral18. A Lei Complementar nº 109, de 2001, foi editada pouco mais de dois anos após a promulgação das Emendas 19 e 20, com as quais precisa ser analisada, sob pena de adotar linha de interpretação equivocada. Formuladas no contexto do Programa de Estabilidade Fiscal (PEF) da década de noventa e aprovadas quase que pari passu, as Emendas 19 e 20 disciplinam temas interdependentes, concebidos com o propósito de resolver os desajustes de ordem fiscal que marcaram a referida década. De um lado, a Emenda 19 flexibilizou o regime jurídico único, conferindo nova redação ao caput artigo 39 da Constituição, que passou a permitir a contratação de empregados públicos na administração direta, autarquias e fundações públicas das três esferas de governo. O comando, entretanto, foi alvo de ataque por vício formal em sede da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135, concedida, em agosto de 2007, a liminar pleiteada, por meio da qual foi restabelecida, com efeito ex nunc, a redação original do dispositivo em tela. Boa parte da Emenda 20 complementa as medidas inauguradas meses antes pela Emenda 19. Flexibilizado o regime jurídico único, os ocupantes de empregos públicos na administração direta, autarquias e fundações - e também os cargos temporários - foram incluídos explicitamente no rol de segurados do regime geral de que trata o artigo 201 da Magna Carta, inibindo pleitos e decisões infraconstitucionais que pudessem incluí-los como segurados do regime próprio dos servidores efetivos.

Mantendo a coerência com o eixo estruturante do PEF, a Emenda 20 também deu nova redação ao artigo 202, com vistas a possibilitar a instituição de previdência complementar de natureza privada para os segurados do regime geral, permitindo que a União (administração direta), suas autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista participem tão somente na condição de patrocinadores, nos termos e limites fixados constitucionalmente19. Esse é o escopo do PEF e das Reformas Administrativa e da Previdência promulgadas na década de noventa. As alterações dos artigos 39, 40, § 13, 201 e 202 da Lei Maior nada têm a ver com a relação administrativo-previdenciária que a União, suas autarquias e fundações públicas estabelecem com os servidores ocupantes de cargo efetivo e membros de Poder detentores de cargos vitalícios. Impende destacar que o artigo 202 da Constituição prevê as mesmas restrições para a administração direta dos entes das três esferas de governo, suas autarquias e fundações públicas (pessoas jurídicas de direito público) e respectivas empresas públicas e sociedades de economia mista e empresas por elas controladas (pessoas jurídicas de direito privado) se relacionarem com as entidades fechadas de previdência privada na condição de patrocinadoras. Isso ocorre porque ambos os blocos podem instituir previdência complementar de empregados públicos e servidores ocupantes dos cargos temporários previstos no § 13, do artigo 40, da Constituição, todos vinculados ao regime geral de previdência social centralizado (INSS), independentemente da esfera de governo. As referências que os §§ 3º e 4º, do artigo 202, da Constituição fazem à União, suas autarquias, fundações e empresas estatais (dependentes ou não-dependentes) não significam sujeitar a previdência complementar dos servi-

17. Lei 8.213, de 1991: “Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: I - como empregado: (...) h) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social” 18. Constituição: “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (...) § 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.” 19. Constituição: “Art. 202. (...) § 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”

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dores efetivos e membros de Poder às mesmas regras gerais norteadoras da previdência complementar de natureza privada que deve ser organizada de forma autônoma para os segurados do regime geral, sejam eles trabalhadores da iniciativa privada, servidores ocupantes de cargo em comissão ou temporário, assim como os empregados públicos da administração direta, autarquias, fundações e empresas estatais, contratados com amparo nas Emendas 19 e 51. Ao tentar instituir a previdência complementar dos servidores efetivos e membros de Poder a partir de bases delineadas especificamente para segurados contratados sob regimes completamente distintos, a proposta de previdência complementar formulada pelo Governo Federal gera enorme insegurança. Nada na ordem jurídica admitiria a confusão decorrente da tentativa de sujeitar a previdência complementar dos segurados do regime próprio às Leis Complementares nº 108 e 109, de 2001. O que se pode esperar da medida do Governo são discussões no Poder Judiciário, cujo resultado poderá gerar novos deficits da previdência do setor público.

5 - Interpretação Sistemática da Constituição A terceira linha de argumentação do Governo reflete interpretação equivocada do § 15, do artigo 40, da Constituição, com redação dada pela Emenda 41. De um lado, os defensores da proposta alegam que a nova redação dada ao dispositivo afasta a necessidade de lei complementar para a previdência do setor público. Por outro lado, diante da lacuna jurídica, o PL 1992 busca as Leis Complementares nº s 108 e 109, de 2001, como alicerces, já que a Constituição não estabelece algumas premissas essenciais para o funcionamento seguro da previdência complementar do setor público. Ora, se até mesmo a previdência complementar dos segurados do regime geral requer a regulamentação de normas gerais por lei complementar, de forma a conferir maior segurança e estabilidade jurídica ao regime, não há razão para a previdência complementar dos segurados do regime próprio ficar à deriva normativa. E não está. Eis a evolução da norma:

Diagrama III – Evolução Normativa

Fonte: Autores

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Desde a Emenda 20, a formulação do dispositivo que possibilitou a instituição da previdência complementar para os segurados do regime próprio exige a observância dos pressupostos fixados no artigo 202 da Lei Maior. Observar, no que couber, o artigo 202 implica replicar, para fins de regulamentação da previdência complementar dos servidores efetivos e membros de Poder, os pressupostos constitucionais explicitados no referido artigo, preocupando-se em harmonizá-los com as diretrizes maiores do artigo 40 da Lei Fundamental. Esses pressupostos do artigo 202 da Carta Magna devem ser assim interpretados: Os defensores da proposta em tramitação também se apegam ao fato de o § 3º, do artigo 202, da Constituição, mencionar os entes da Federação, suas autarquias e fundações públicas. Tal dispositivo visa, apenas, traçar as mesmas regras para segurados do regime geral (INSS), seja de agentes contratados pelas pessoas jurídicas de direito público, seja pelas pessoas jurídicas de direito privado, em consonância com as inovações introduzidas pelas Emendas 19 e 20.

Além disso, a administração direta, autarquias e fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios podem admitir, no âmbito do Sistema Único de Saúde, agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, sob a forma de empregado público, não se aplicando, neste caso específico, os efeitos da liminar concedida no âmbito da ADI nº 2.135. A previsão está consagrada nos §§ 4º a 6º, do artigo 198, da Lei Maior, segundo as inovações da Emenda 51. Tais dispositivos foram regulamentados pela Lei nº 11.350, de 2006, que elege o regime celetista para as referidas admissões. Formulado com o objetivo específico de instituir a previdência complementar para agentes segurados do regime geral de previdência social e que, via de regra, não gozam de nenhuma estabilidade funcional (empregados públicos e ocupantes de cargo em comissão ou temporário), os artigos 9º a 12 da Lei Complementar nº 108, de 2001, estabelecem a estrutura organizacional20 das entidades de previdência complementar dos segurados do INSS.

Quadro Esquemático – I – Pressupostos Constitucionais do Artigo 202 (continua...)

20. Lei Complementar nº 108, de 2001: “Art. 9º A estrutura organizacional das entidades de previdência complementar a que se refere esta Lei Complementar é constituída de conselho deliberativo, conselho fiscal e diretoria-executiva. Art. 10. O conselho deliberativo, órgão máximo da estrutura organizacional, é responsável pela definição da política geral de administração da entidade e de seus planos de benefícios. Art. 11. A composição do conselho deliberativo, integrado por no máximo seis membros, será paritária entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores, cabendo a estes a indicação do conselheiro presidente, que terá, além do seu, o voto de qualidade. § 1º A escolha dos representantes dos participantes e assistidos dar-se-á por meio de eleição direta entre seus pares. § 2º Caso o estatuto da entidade fechada, respeitado o número máximo de conselheiros de que trata o caput e a participação paritária entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores, preveja outra composição, que tenha sido aprovada na forma prevista no seu estatuto, esta poderá ser aplicada, mediante autorização do órgão regulador e fiscalizador. Art. 12. O mandato dos membros do conselho deliberativo será de quatro anos, com garantia de estabilidade, permitida uma recondução.”

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Quadro Esquemático – I – Pressupostos Constitucionais do Artigo 202 (continuação)

Fonte: Autores

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Na tentativa de aproveitar a estrutura desenhada na Lei Complementar nº 108, de 2001, o PL 1992 garante a participação, apenas, de representantes de alguns Poderes e órgãos autônomos da União, alijando o Tribunal de Contas da União do poder decisório, garantida a sua presença apenas no Conselho Fiscal do fundo de pensão. De forma a limitar o Conselho Deliberativo a 6 membros, conforme prevê o artigo 11 da referida Lei Complementar, o PL 1992 não garante a paridade dos servidores de alguns órgãos autônomos, tampouco para Estados e Municípios que aderirem à fundação estatal de direito privado federal, nos termos do artigo 23 da proposta em tela. Outra incongruência deve-se ao fato de que os servidores ocupantes de cargos efetivos e membros de Poder gozam de estabilidade constitucional, o que só reforça o entendimento de que a Lei Complementar nº 108, de 2001, foi delineada para nortear a previdência complementar de agentes não detentores de estabilidade no serviço público, em geral todos segurados do regime geral (INSS). A lei complementar exigida nos termos do § 15, do artigo 40, c/c artigo 202 da Constituição, para nortear as três esferas de governo, precisa definir aspectos específicos do setor público. Antes de instituir as entidades de previdência complementar, o Congresso Nacional deve regulamentar, por exemplo, os requisitos para a designação dos membros das diretorias, garantindo-se a participação dos Poderes e órgãos autônomos, a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão. Outro aspecto fundamental que precisa ser enfrentado pelo legislador complementar é a portabilidade das contribuições recolhidas aos regimes próprios da União, dos Estados e dos Municípios, em caso de contagem recíproca do tempo de contribuição, aspectos ainda indefinidos. Segundo o modelo proposto, a União garantirá 21. Fonte: Supremo Tribunal Federal

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aposentadoria pelo regime próprio no valor máximo de R$ 3.691,74 aos servidores federais e membros de Poder, inclusive aos futuros ministros do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça egressos dos Tribunais de Justiça e Ministério Público dos Estados que não instituírem a previdência complementar. Ainda que esses magistrados e membros do Ministério Público tenham contribuído para os regimes próprios dos Estados de origem, o PL 1992, por não constituir normas gerais, não prevê dispositivos que assegurem o recebimento das contribuições do segurado e patronal (do ente da Federação) recolhidas historicamente pelos membros de Poder sobre a integralidade da remuneração. Enquanto no setor privado o teto da contribuição previdenciária do segurado é de R$ 406,00, no setor público a contribuição mensal dos servidores e membros de Poder da União pode chegar a R$ 2.939,54, valor correspondente a 11% do teto remuneratório constitucional na União. Na hipótese de mudança de esfera, os servidores e membros de Poder serão prejudicados em seus direitos, em face da inexistência de normas gerais que garantam, em toda Federação, o recebimento das contribuições previdenciárias recolhidas aos regimes próprios estaduais e municipais, de forma a aportá-las no fundo de previdência complementar federal. A atual composição da Corte Suprema reflete essa migração com muita nitidez. São exemplos de membros egressos da esfera estadual os ministros Ayres Britto (ex-procurador do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe), Ricardo Lewandowski (ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo), Cármen Lúcia Antunes Rocha (ex-procuradora do Estado de Minas Gerais), Luiz Fux (ex-desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) e Cezar Peluso (ex-juiz de Direito e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) 21.


Essa composição demonstra o quanto é comum a migração dos servidores e membros da esfera estadual para a esfera federal, o que ficaria totalmente comprometida com a instituição da previdência complementar da União sem normas gerais que garantam a portabilidade das contribuições previdenciárias recolhidas aos regimes próprios dos Estados e Municípios. O PL 1992 não tem o condão de estabelecer normas gerais para toda a Federação e obrigar Estados e Municípios na condução de suas escolhas quanto à instituição ou não da previdência complementar dos servidores públicos e membros de Poder. Assim sendo, padece de lógica e razoabilidade jurídica a tentativa de nortear a previdência complementar dos regimes próprios pelas Leis Complementares nº s 108 e 109, de 2001, editadas com a finalidade específica de regular as entidades privadas de previdência complementar dos segurados do regime geral de previdência social (INSS). Tais normas gerais não se preocuparam em regulamentar as peculiaridades da previdência complementar que, de acordo com os §§ 14 e 15, do artigo 40, da Constituição, poderá vir a ser instituída no setor público, não constituindo necessariamente uma obrigação, como argumentam, equivocadamente, os defensores da proposta do Governo Federal. 6 - Natureza Jurídica da Entidade Fechada de Previdência Complementar do Regime Próprio dos Servidores Efetivos e Membros de Poder A administração pública realiza-se por meio de atividades do Estado exercidas por servidores públicos e membros de Poder que integram o quadro de pessoal dos Poderes e órgãos autônomos. Tem-se reforçado a idéia de que o Estado deveria se equiparar ao empregador do setor privado no que diz respeito ao regime a ser adotado para contratação de seus agentes públicos, em especial no que tange à previdência, tendo em vista o alegado deficit do setor

público. Nesse cenário, a administração pública vivencia momentos sem precedente, de descrença nos princípios e preceitos constitucionais e de desprestígio das normas de Direito Público, considerados por alguns como entraves ao bom funcionamento da máquina estatal e ao alcance da eficiência. Dito em outras palavras: para alguns operadores do Direito, o modelo privado seria o único capaz de produzir resultados positivos e eficiência na gestão. O PL 1992 segue nessa vertente. A despeito de o § 15, do artigo 40, da Constituição, estabelecer que a entidade fechada da previdência complementar dos ocupantes de cargo efetivo e membros de Poder deve possuir natureza pública, o projeto propõe a criação de fundação de natureza privada, seguindo na trilha do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 92, de 2007. Alegam os autores que a previsão constitucional dessa natureza pública não significa, necessariamente, que a entidade deve ser estruturada na forma de entidade de natureza pública (autarquia ou fundação pública). Na visão de BERTUOL et alii (2011), a proposta segue de encontro à pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que poderá criar confusão acerca da Justiça competente para processar e julgar as causas envolvendo a fundação federal que a Constituição determina explicitamente que deve ser de natureza pública. Eis algumas decisões do STF e do STJ que lançam luz ao conceito e à amplitude da natureza jurídica das fundações instituídas pelo poder público: Recurso Extraordinário nº 215.741-STF EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA FEDERAL E A JUSTIÇA COMUM. NATUREZA JURÍDICA DAS FUNDAÇÕES INSTITUÍDAS PELO PODER PÚBLICO. (...)

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1. A Fundação Nacional de Saúde, que é mantida por recursos orçamentários oficiais da União e por ela instituída, é entidade de direito público. 2. Conflito de competência entre a Justiça Comum e a Federal. Artigo 109, I da Constituição Federal. Compete à Justiça Federal processar e julgar ação em que figura como parte fundação pública, tendo em vista sua situação jurídica conceitual assemelhar- se, em sua origem, às autarquias. (...) 3. Ainda que o artigo 109, I da Constituição Federal, não se refira expressamente às fundações, o entendimento desta Corte é o de que a finalidade, a origem dos recursos e o regime administrativo de tutela absoluta a que, por lei, estão sujeitas, fazem delas espécie do gênero autarquia. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a competência da Justiça Federal.” STJ Súmula nº 324 - DJ 16.05.2006 Competência - Processo e Julgamento - Fundação Habitacional do Exército - Autárquica Federal - Ministério do Exército “Compete à Justiça Federal processar e julgar ações de que participa a Fundação Habitacional do Exército, equiparada à entidade autárquica federal, supervisionada pelo Ministério do Exército.”

Como se constata da jurisprudência, a natureza jurídica das fundações não se define pelo rótulo que a lei lhe atribui, mas pela sua essência. Para driblar o texto expresso no § 15, do artigo 40, da Constituição, os formuladores da proposta tentam restringir o conceito de natureza pública a submissão a normas de licitações e contratação de pessoal e publicação das informações, nos termos do artigo 8º do PL 1992, a saber: Art. 8º A natureza pública das entidades fechadas a que se refere o § 15 do art. 40 da Constituição consistirá na: I - submissão à legislação federal sobre licitação e contratos administrativos; II - realização de concurso público para a contratação de pessoal; III - publicação anual, na imprensa oficial ou em sítio oficial da administração pública certificado digitalmente por autoridade para esse fim credenciada no âmbito da Infra- Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, de seus demonstrativos contábeis, atuariais, financeiros e de benefícios, sem prejuízo do fornecimento de informações aos participantes e assistidos do

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plano de benefícios e ao órgão regulador e fiscalizador das entidades fechadas de previdência complementar, na forma das Leis Complementares nos 108 e 109, de 2001.

A submissão ao concurso público, à publicidade e à realização de procedimento licitatórios definido em lei própria para a administração pública não são quesitos que, por si só determinem a natureza jurídica das entidades da administração indireta. As empresas públicas e sociedades de economia mista são entidades de natureza privada, previstas constitucionalmente para a exploração de atividade econômica ou prestação de serviços públicos mediante tarifa, e mesmo assim sujeitam-se aos princípios constitucionais do concurso público, procedimento licitatório e publicidade. Tais entidades que poderão seguir um estatuto jurídico específico editado nos termos do artigo 173 da Lei Fundamental, ainda pendente de edição. Como se nota, a definição da natureza jurídica de uma entidade vai muito além dos pressupostos limitadores que o Poder Executivo pretende estabelecer com a aprovação do PL 1992. Essa é uma pretensão do projeto que não pode prosperar, pois afronta preceito expresso no texto constitucional e a jurisprudência das Cortes de Justiça e Suprema. 7 - Imponderabilidade Atuarial A par dos aspectos já enfrentados, releva apontar ainda outra aguda vulnerabilidade do PL 1992, nas dimensões técnica e jurídica (ambas relacionadas à monstruosa massa atuarial que o Governo Federal imagina poder constituir, de modo indiscriminado, a partir do modelo engendrado em 1997). Trata-se da imponderabilidade atuarial engendrada pelo paradigma em discussão. Abstraída a extensão que o projeto permite a outros entes federativos ou órgãos da Administração indireta não-federal (mediante ato de adesão “na qualidade de


patrocinadores”), é certo que o PL 1992 alberga originalmente todos os “servidores titulares de cargo efetivo da União, suas autarquias e fundações, inclusive os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União” (artigo 1º). Com semelhante abrangência, o fundo a constituir admitiria indistintamente a participação de servidores que hoje recebem pisos iniciais de R$ 4.708,07 (e.g., o técnico em regulação de aviação civil da ANAC, cfr. edital de 2009 22) ou de R$ 3.080,38 (e.g., servidores com ensino fundamental completo no âmbito da FUNAI, cfr. edital de 2010 23), por um lado, e daqueles que recebem valores iniciais próximos ao teto nacional do funcionalismo público (R$ 26,7 mil), como juízes federais substitutos e procuradores da República substitutos (FELICIANO, 2011). Sobre semelhantes bases, o fundo público perde credibilidade, como se verá a seguir; torna-se relativamente atraente para servidores de faixa remuneratória mais baixa, mas tende a afugentar os servidores de faixa remuneratória mais alta, o que instaura círculo vicioso de abstenções e desistências (mesmo porque, a teor do § 16, do artigo 40, da Constituição — nisso reproduzida pelo artigo 1º do PL —, os servidores só se vinculariam à FUNPRESP mediante “prévia e expressa opção”). Tal circunstância evidentemente compromete, a médio e longo prazos, a própria saúde financeira do fundo. Fenômeno semelhante verificou-se na Argentina, quando se buscou — mirando o exemplo do Chile — privatizar os sistemas públicos de previdência (processo instaurado em 1994 e que redundou em sucessivos deficits anuais, estimando-se um rombo de 30 milhões de pesos entre 1989 e 1999, no governo Carlos Menem 24). O desinteresse da população pelo novo modelo engendrou uma migração maciça dos sistemas públicos (gerais ou complementares) para os fundos

privados de previdência, resultando em uma descapitalização da previdência pública associada a uma atomização dos investimentos em previdência privada. Ademais, a taxa de evasão e inadimplemento em relação ao modelo inaugurado revelou-se ascendente, a significar, na prática, insegurança social para grande margem da população. Na exata dicção de CORREIA e CORREIA (2008), “[...], na própria Argentina, esperava-se um público de seis milhões de pessoas a serem incorporadas no novo regime. No entanto, por temos dos segurados e falta de interesse das seguradoras, o contingente abrangido não chegou sequer a alcançar o número de dois milhões de pessoas” 25.

Ademais, revela censurar, ainda quanto à imponderabilidade atuarial, a questão da dessegmentação alvitrada pelo projeto. Com efeito, tal condição inadequada — a saber, a excessiva amplitude da FUNPRESP — fere de morte uma das premissas fundamentais da avaliação atuarial, que é a uniformidade de perfis. E a consequência natural dessa condição é, na prática, um deficit de credibilidade com o qual já nasceria a FUNPRESP — o que, insista-se, é inoportuno e inconveniente, inclusive na perspectiva de capitalização dos fundos a que se vincula o PL 1992. É que, para efeito de cálculo atuarial, a fidedignidade das contas depende basicamente da correção e da uniformidade das informações cadastrais relativas aos segurados do regime. Nesse preciso sentido, estabelece o § 2º, do artigo 18, da Lei Complementar nº 109, de 2001, que, para os fins do artigo 202, caput, in fine, da Constituição, “[d]ispõe sobre o Regime Complementar de Previdência e dá outras providências” — e à qual deveria estar fielmente jungido o PL 1992, nos termos do seu próprio artigo 1º, com os vezos já apontados neste artigo:

22. Disponível em: www.cespe.unb.br/concursos/anac2009 23. Disponível em: www.institutocetro.org.br 24. Cf. Folha de São Paulo, Caderno Dinheiro, 11.02.2002, p.B-1. 25. CORREIA, Marcus Orione Gonçalves e CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de Direito da Seguridade Social. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.30.

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“§2º. Observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, o cálculo das reservas técnicas atenderá às peculiaridades de cada plano de benefícios e deverá estar expresso em nota técnica atuarial, de apresentação obrigatória, incluindo as hipóteses utilizadas, que deverão guardar relação com as características da massa e da atividade desenvolvida pelo patrocinador ou instituidor” (g.n.).

Da mesma forma, e com maior detalhamento, dispôs o Anexo da Resolução nº 18, de 2006 (“Bases Técnicas”), do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC), que “[e]stabelece parâmetros técnico-atuariais para estruturação de plano de benefícios de entidades fechadas de previdência complementar, e dá outras providências”: “1. As hipóteses biométricas, demográficas, econômicas e financeiras devem estar adequadas às características da massa de participantes e assistidos e ao regulamento do plano de benefícios de caráter previdenciário. “1.1. A EFPC 26 deverá solicitar do patrocinador ou, se for o caso, do instituidor do plano de benefícios manifestação por escrito sobre as hipóteses econômicas e financeiras que guardem relação com suas respectivas atividades, mediante declaração, que deverá estar devidamente fundamentada e que será arquivada na EFPC, ficando à disposição da Secretaria de Previdência Complementar. “1.2. As justificativas para as demais hipóteses adotadas na avaliação atuarial do plano de benefícios também deverão ser arquivadas na EFPC, ficando à disposição da Secretaria de Previdência Complementar. “2. A tábua biométrica utilizada para projeção da longevidade dos participantes e assistidos do plano de benefícios será sempre aquela mais adequada à respectiva massa, não se admitindo, exceto para a condição de inválidos, tábua biométrica que gere expectativas de vida completa inferiores às resultantes da aplicação da tábua AT- 83. “2.1. No plano de benefícios em que é utilizada tábua biométrica segregada por sexo, o critério definido neste item deverá basear-se na média da expectativa de vida completa ponderada entre

homens e mulheres. “2.2. Observado o disposto no item 2, caso a tábua biométrica adotada seja resultante de agravamento ou desagravamento, estes deverão ser uniformes ao longo de todas as idades. “2.3. [...] “2.4. A adoção da tábua mencionada no item anterior não exclui os responsáveis do ônus de demonstrar sua adequação ao perfil da massa de participantes e assistidos do plano de benefícios, nos termos do § 2º do art. 18 da Lei Complementar nº 109, de 2001” (g.n.).

Enfim, no mesmo sentido, e mais recentemente, o teor da Portaria MPS nº 403, de 2008 27 (artigo 5º), pela qual o ente federativo (“in casu”, a União), a unidade gestora do regime de previdência complementar (“in casu”, a FUNPRESP) e o serviço atuarial responsável pelas respectivas avaliações atuariais devem eleger conjuntamente as hipóteses biométricas (i.e., casuísticas de mortalidade, invalidez, morbidez, etc.), demográficas (i.e., números de ativos e inativos, composição familiar típica, índices de rotatividade e reposição, etc.) e econômico-financeiras (i.e., as taxas de juros, o crescimento real de rendimentos, as expectativas de compensação, etc.) mais adequadas às características específicas da massa de segurados e de seus dependentes, tudo para o correto dimensionamento dos compromissos econômico-financeiros futuros do modelo. Não será, todavia, possível fazê-lo, ao menos com a desejável segurança, à vista da heterogeneidade artificial que o PL 1992, a par das suas melhores intenções ideológicas, acabará por consumar. Como se percebe, os cálculos atuariais serão tanto mais fidedignos e confiáveis quanto mais uniforme for a massa de participantes e assistidos (inclusive porque deverá levar em consideração elementos como a expectativa média de vida, a sinistralidade típica, a capacidade contributiva a longo prazo, etc.). Nessa ordem de ideias, a amplitude demasiada do PL 1992

26. Entidades Fechadas de Previdência Complementar (como será a FUNPRESP). 27. Fulcrada no teor da Lei n. 9.717/98 (que “[d]ispõe sobre regras gerais para organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências”), a Portaria MPS n. 408/2008, de 11.12.2008, “[d]ispõe sobre as normas aplicáveis às avaliações e reavaliações atuariais dos Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, define parâmetros para a segregação da massa e dá outras providências”.

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põe em xeque a credibilidade da FUNPRESP, na medida em que é equívoco afirmar, por exemplo, que a expectativa média de vida de servidores públicos federais dos segmentos da saúde ou da segurança pública seja a mesma dos servidores públicos federais do segmento das auditorias fiscais; ou, ainda, que a sinistralidade típica de agentes da Polícia Federal seja a mesma de juízes do Trabalho. Não se pode, em síntese, trabalhar com um universo seguro de expectativas atuariais, uma vez que a dessegmentação artificial do serviço público federal, tal como procedida pelo PL 1992, não permite aferir, na massa de participantes e assistidos, “hipóteses econômicas e financeiras que guardem [específica] relação com suas respectivas atividades”. Uma das soluções técnicas, sob o ponto de vista da gestão da sinistralidade, seria a constituição de fundos de previdência complementar segmentados por serviço e categoria, nos termos de lei complementar própria, a permitir uma exata aferição das hipóteses atuariais endógenas, com uniformidade na massa de participantes e assistidos. Essa é, aliás, a única solução que parece atender literalmente ao texto constitucional (artigo 40, §15), pelo qual “[o] regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida” (g.n.).

Porém, a medida precisaria ser analisada sob outros ângulos, em especial o fiscal, o que não é matéria de fácil solução. Isso porque, segundo BERTUOL et alii (2011), a decisão política de instituir a previdência complementar, pautada na formação de poupança no mercado de capitais, tem implicações tributárias e fiscais de grande monta. Além de requerer o aporte de mais recursos do Tesouro Nacional para custear as

aposentadorias e pensões daqueles que já ingressaram no serviço público, há risco de descumprimento dos limites de pessoal fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal para os Poderes e órgãos federais. De acordo com os autores, as Casas do Poder Legislativo Federal, os Tribunais do Poder Judiciário, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União são os que apresentam maior risco de descumprimento dos respectivos limites fiscais, já que, historicamente, a maior parte de suas despesas com aposentados e pensionistas é custeada com recursos das contribuições previdenciárias, que passarão a ser destinadas à formação de poupança interna, exigindo maior esforço fiscal do Tesouro. Como é cediço, a lei — e tanto menos a Constituição — não detém palavras inúteis (MAXIMILIANO, 1981) 28. Para FELICIANO (2011), não foi ao acaso que o legislador constituinte derivado, por ocasião da Emenda 41, utilizou a expressão “entidades fechadas de previdência complementar” no seu plural. A rigor, a dicção constitucional curvou-se à boa técnica atuarial, admitindo a segmentação dos fundos complementares de previdência para o serviço público, não apenas por classes federativas (fundos federal, estaduais e municipais), mas também — e sobretudo — de acordo com as semelhanças e dessemelhanças das respectivas massas de participantes/assistidos. Quando não, ainda que única a entidade em um mesmo âmbito federativo, de rigor seria ao menos a segmentação interna dos planos, definidos por serviço e categoria, nos termos vazados em lei complementar própria. Mas essa possibilidade não é sequer aventada pelo PL 1992, o que revela, nesse particular aspecto, a relativa precariedade atuarial da FUNPRESP, a tornar o modelo temerário, já que o fundo complementar não poderá receber aportes de recursos da União, ainda que em situação de incontornável insustentabilidade econômico-financeira, diante do que dispõe o § 3º, do artigo 202, da Constituição.

28. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª Edição, 2ª tiragem, Forense, Rio de Janeiro, 1981.

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8 - Conclusão A proposta do Governo Federal para instituir o regime de previdência complementar do setor público está ancorada em duas premissas postas como verdades cristalizadas: primeiro, o Governo alega que a Constituição obriga a instituição da previdência complementar, conforme Emendas 20 e 41. Segundo, na visão do Poder Executivo da União, há necessidade de estabelecer um tratamento isonômico entre os servidores públicos efetivos e membros de Poder e os trabalhadores da iniciativa privada. A primeira premissa é falsa, pois os §§ 14 e 15 do artigo 40, da Constituição, prevêem a possibilidade, entendida no plano jurídico como uma faculdade, de a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituírem ou não o regime de previdência complementar do regime próprio. A segunda premissa também não se sustenta. O Governo Federal não considera, por exemplo, que a Constituição prevê regras completamente distintas para as duas categorias (servidores públicos e trabalhadores do setor privado), inclusive para fins previdenciários. O regime próprio de previdência dos servidores efetivos e membros de Poder difere-se em muitos aspectos do regime geral de previdência social. Essa diferença está consagrada no próprio texto constitucional e decore da previsão de regimes de contratação completamente distintos. Para servirem ao Estado, os servidores efetivos e membros de Poder são dotados de um regime de contratação de caráter administrativo, o qual lhes outorga um conjunto de obrigações, proteções e garantias específicas para o exercício da função pública, com riscos e sacrifícios que lhes são inerentes. Por um lado o Governo - preso à literalidade da primeira parte do § 15, do artigo 40, da Constituição - recusa a necessidade de lei complementar específica para nortear a instituição da previdência complemen-

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tar dos segurados do regime próprio da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Por outro lado, o Poder Executivo, paradoxalmente, apega-se às Leis Complementares nº s 108 e 109, de 2001, para direcionar o fundo de previdência que se pretende criar nos termos do PL 1992. Essa postura revela uma clara contradição do Governo, maculando o projeto que tramita na Câmara dos Deputados. Ademais, mesmo nos estritos lindes desta desatinada opção legislativa, a proposta claudica perigosamente, porque encampa um modelo massificado de dessegmentação de grupos e capitais que tende a comprometer a própria credibilidade atuarial dos fundos futuros, para o servidor e para os mercados. O fato é que não se pode admitir que a União, os Estados, o Distrito Federal e mais de 5,5 mil Municípios possam instituir a previdência complementar dos respectivos regimes próprios a seu bel-prazer, sem que haja uma norma geral de caráter nacional que estabeleça regras básicas de funcionamento. Essa é a conclusão que se pode chegar a partir da leitura sistemática da parte final do § 15, do artigo 40, da Constituição, quando exige a aplicação, no que couber, do artigo 202 do mesmo Diploma. Observar o artigo 202 não significa aproveitar as Leis Complementares nº s 108 e 109, de 2001, para fins de nortear a previdência complementar do servidor efetivo e membro de Poder. Tais normas não fixam os parâmetros essenciais para a previdência dos servidores, como, por exemplo, a portabilidade das contribuições recolhidas aos regimes próprios de outros entes da Federação para a previdência complementar, tema de extrema complexidade, seja no plano operacional, seja sob o ponto de vista político. O PL 1992 não tem o condão de estabelecer normas gerais para toda a Federação e obrigar Estados e Municípios na condução de suas escolhas quanto à instituição ou não da previdência complementar dos servidores públicos e membros de Poder. Assim sendo, padece de lógica e razoabilidade ju-


rídica a tentativa de nortear a previdência do servidor efetivo e membro de Poder pelas Leis Complementares em comento. Entendemos que se a União insistir na aprovação do PL 1992, qualquer fundo de previdência complementar criado com base nas Leis Complementares nº 108 e 109, de 2001, somente alcançará os servidores ocupantes de cargo em comissão dos três Poderes, os agentes de saúde contratados sob a forma de em-

pregados públicos pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), com base no § 4º, do artigo 198, da Constituição, além de outros ocupantes de cargos temporários no âmbito dos Poderes e órgãos da União. Enquanto não for editada uma lei complementar específica, que atenda aos pressupostos dos artigos 40 e 202 da Constituição, os futuros servidores efetivos e membros de Poder não poderão se sujeitar ao fundo de previdência que decorrer do PL 1992.

REFERÊNCIAS ANFIP, Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social. Previdência do Serviço Público Brasileiro: Fundamentos e Limites das Propostas de Reforma. ANFIP, Agosto 2003. Disponível em: http:// www.anfip.org.br/publicacoes/livros/includes/livros/ arqs-swfs/prev_serv_publico_brasileiro.swf. Acesso 16 out. 2011. ÁVILA, Humberto Bergmann. Sistema Constitucional Tributário - 4ª Ed. Rio de Janeiro. Saraiva: 2010. ________. Teoria dos Princípios: da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos - 12ª Ed. Rio de Janeiro. Saraiva: 2011. BERNARDO, Leandro Ferreira; FRACALOSSI, William. Direito Previdenciário na Visão dos Tribunais - Doutrina e Jurisprudência - 2ª ed. 2010. Editora: Método. BERTUOL, André Stefani; MOURA, Aline Teodoro; PEREIRA, Lucieni. Tema em Debate. Minuta de Anteprojeto de Lei Orgânica da Administração Pública & Projeto de Lei Complementar nº 92, de 2007. Entidade Estatal de Direito Privado na Administração Pública – Série Fundação Estatal. Brasília, 2010. Disponível em: http://www.sindilegis.org.br/edit/textos/arqupload/ano2010/mes6/ArtigoLucieni-2010622112710. pdf. Acesso 19 out. 2011. BERTUOL, André Stefani; MENEZES NETO, Almir Serra Martins; MOURA, Aline Teodoro; PEREIRA,

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a RTIGO Previdência Complementar do Servidor Público: Análise do Projeto de Lei no 1.992/20071 Renata Machado de Araujo Machado2 Áryna Martins Dias Rangel3 Álvaro Luchiezi Jr.4

1- Introdução O artigo 40 da Constituição Federal assegura aos servidores públicos titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídos os órgãos da Administração Indireta, um regime previdenciário de caráter contributivo e solidário, cuja manutenção contará com contribuições do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e, ainda, dos pensionistas, com a observância de critérios que preservem equilíbrio financeiro e atuarial. O parágrafo 14 do artigo 40 dispõe que os entes federativos supramencionados poderão fixar para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo Regime de Previdência Próprio dos Servidores Públicos – RPPS o mesmo teto estabelecido para os benefícios do Regime Geral de

Previdência Social – RGPS, desde que haja a criação de um fundo de previdência complementar do servidor público. O Projeto de Lei nº 1.992/2007 (PL 1.992/07) de autoria do Poder Executivo regulamenta o parágrafo 15, do artigo 40 que determina a criação do regime de previdência complementar do servidor público, aplicando no que couber, a previsão artigo 202 às entidades públicas de previdência complementar. Este artigo prevê a instituição de regime de previdência privada de caráter complementar e facultativo: Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

1. Versão modificada da Nota Técnica 22 do Sindifisco Nacional, Previdência Complementar do Servidor Público: Análise do Projeto de Lei no 1992/2007. 2. Advogada, Assessora de Diretoria, Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional 3. Advogada, Assessora de Diretoria, Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional 4. Economista e Mestre em Economia, Gerente de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional

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A Exposição de Motivos5 da aludida proposição legislativa destaca que o intuito da pretensa legislação é dar continuidade à reforma previdenciária iniciada pela Emenda Constitucional nº. 41/2003, viabilizar “a recomposição do equilíbrio da previdência pública” e garantir “sua solvência no longo prazo, isto é, a existência dos recursos necessários ao pagamento dos benefícios pactuados”. A Exposição de Motivos também afirma que a criação da Previdência Complementar dos Servidores Públicos “reduzirá a pressão sobre os recursos públicos crescentemente alocados à previdência, permitindo recompor a capacidade de gasto público em áreas essenciais à retomada do crescimento econômica e em programas sociais”. Outro argumento utilizado é que o PL 1.992/07 “viabiliza uma nova configuração dos dispêndios e obrigações futuras da União para com seus servidores e permite a construção de um modelo de previdência sustentável”. O Poder Executivo também sustenta que a criação do Regime de Previdência Complementar do Servidor Público “permitirá uma desoneração de obrigações da União de modo gradual, visto que os valores dos benefícios superiores ao teto do RGPS deverão advir do sistema complementar, e não mais do Tesouro”. Assim, um dos pilares da proposição em análise seria uma suposta desoneração das obrigações previdenciárias da União, posto que tal ente patrocinará as contribuições do Regime Próprio de Previdência Social - RPPS até o valor do teto do RGPS, criando também uma suposta isonomia entre os servidores públicos e os trabalhadores da iniciativa privada. O presente artigo identifica e discorre as ilegalidades, omissões e impropriedades contidas no bojo do PL 1.992/07, razões suficientes para não recomendar a sua aprovação.

5. Exposição de Motivos Interministerial EMI nº 00097/2007/MP/MPS/MF. 6. TANAKA, 2009, p. 49 7. MARTINEZ, 2010, p. 1.410

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2- A Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público – FUNPRESP Os planos de previdência complementar visam um acréscimo na renda do aposentado, com intuito de assegurar uma existência digna e à manutenção do padrão de vida para aqueles que não estão mais em pleno gozo de sua capacidade de trabalho, conforme ensina Eduardo Tanaka: Como o próprio nome diz, vem complementar os valores a serem recebidos no futuro. É como uma aplicação financeira na qual o dinheiro depositado vai sendo capitalizado, rendendo juros, e, no futuro, conforme a legislação, pode-se retirá-lo integralmente ou obtê-lo em forma de provento mensal vitalício, de modo a proporcionar um melhor padrão de vida e uma aposentadoria mais confortável6.

Existem três tipos de planos de previdência complementar: a) benefício definido, b) contribuição definida e c) híbridos. No Brasil, é mais comum a adoção dos tipos benefício definido e contribuição definida. Sobre as características dos planos de previdência complementar, Wladimir Novaes Martinez explicita: Em linhas gerais, no plano de benefício definido, antecipadamente sabe-se o valor das prestações, todavia, no de contribuição definida esta é conhecida, mas não o nível daquelas mensalidades. Só ao final do processo, o segurado tem conhecimento de quanto vai receber mensalmente7 .

A criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público – FUNPRESP, prevista no PL 1.992/07 surge para facultar aos servidores públicos titulares de cargos efetivos a complementação da renda de aposentadoria, caso os entes federados já mencionados equiparem o limite das aposentadorias e pensões dos referidos servidores ao teto do Regime Geral de Previdência Social – RGPS. Contudo o PL 1.992/07 está permeado de entraves para que a FUNPRESP alcance sua função precípua: ga-


rantir a complementação da aposentadoria. A seguir serão demonstradas algumas impropriedades contidas no PL 1.992/07 que acarretam total insegurança para os servidores públicos afetados pela criação da FUNPRESP. 2.1- Natureza Jurídica O principal ponto acerca da natureza jurídica da FUNPRESP resume-se na seguinte questão: a Constituição Federal8 determina que a previdência complementar dos servidores públicos seja gerida por entidades fechadas de previdência complementar de natureza pública. (grifos nossos) Entretanto o parágrafo único, do artigo 4º9, do PL 1.992/07 prevê que a FUNPRESP terá personalidade jurídica de Direito Privado. Numa tentativa de atender à exigência constitucional, o artigo 8º do PL 1.992/07 dispõe que a FUNPRESP deverá realizar concurso público para a contratação de pessoal; observar a Lei nº 8.666/1993 e publicar seus demonstrativos contábeis, atuariais, financeiros e de benefícios, na forma da Lei Complementar nº 108/2001, que trata das entidades privadas de previdência complementar, e da Lei Complementar nº 109/2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar. Contudo a mera submissão da FUNPRESP às normas de licitações, de contratação de pessoal e a publicação de dados financeiros, contábeis e atuariais não atende plenamente a exigência constitucional. O Poder Executivo alega que a opção pela instituição de uma fundação nos moldes acima citados não ofende a

previsão contida na Constituição Federal pois esta não implica na obrigatoriedade de criar uma autarquia lato sensu, mas apenas que a FUNPRESP deva se submeter às normas aplicáveis aos fundos de pensão já existentes. Assim, à Fundação aplicar-se-iam as mesmas normas de controle e o mesmo regime jurídico das empresas estatais. A criação de um fundo de pensão com natureza jurídica privada que apenas se submete a alguma das obrigações próprias das entidades públicas não respeita a clareza e a literalidade da disposição contida no parágrafo 15, supracitado. A Constituição Federal, ao determinar que a natureza jurídica da entidade fechada de previdência complementar prevista no parágrafo 14, do artigo 40, seja pública, objetivou garantir transparência e segurança na utilização dos recursos públicos em total observância ao princípio da supremacia do interesse público. A presença de entes públicos como patrocinadores obriga à observância integral de ditames legais que protegem o interesse público e delimitam o campo de atuação dos tomadores de decisões. Neste sentido, frisa-se que supremacia do interesse público é compreendida pela doutrina como o conjunto de prerrogativas e sujeições que vinculam a atividade administrativa do Estado. O ordenamento faculta a fruição de benesses, mas impõe limites com intuito de garantir que a atividade estatal não se desvie de sua finalidade precípua: promover o bem-estar social através da consecução de políticas públicas. Assim, a Administração Pública possui o dever-poder10 de desempenhar suas funções com estrita observância a preceitos jurídicos que traduzam a supremacia do interes-

8. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Artigo 40, § 15: Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. § 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida. 9. Art. 4o. Fica a União autorizada a criar, em ato do Poder Executivo, a entidade fechada de previdência complementar denominada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal - FUNPRESP, com a finalidade de administrar e executar plano de benefícios de caráter previdenciário, nos termos das Leis Complementares nos 108 e 109, de 29 de maio de 2001. Parágrafo único. A FUNPRESP será estruturada na forma de fundação com personalidade jurídica de direito privado, gozará de autonomia administrativa, financeira e gerencial e terá sede e foro no Distrito Federal. 10. MELLO, 2006, p. 61, acertadamente sustenta que “tendo em vista este caráter de assujeitamento do poder a uma finalidade instituída no interesse de todos – e não da pessoa exercente do poder-, as prerrogativas da Administração não devem ser vistas ou denominadas como “poderes” ou como “poderes-deveres”. Antes se qualificam e melhor se designam como “deveres-poderes”, pois nisto se ressalta sua índole própria e se atrai atenção para o aspecto subordinado do poder em relação ao dever, sobressaindo, então, o aspecto finalístico que as informa, do que decorrerão suas inerentes limitações”.

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se público. Tais preceitos se encontram balizados na Constituição Federal, destacando-se para a presente análise o artigo 37. Este artigo constitucional determina, entre outras previsões, que a atividade administrativa deverá observar o princípio da legalidade o qual determina a subsunção da Administração Pública às leis vigentes. Contudo, para que haja a presunção de legalidade e legitimidade da atuação administrativa, o processo legislativo – criador dos limites à atuação do Estado –, deve observar as disposições constitucionais sob pena, obviamente, de incorrer em vício de constitucionalidade. Ao eivar-se de vício decorrente da inobservância de preceito constitucional – no caso, instituir a FUNPRESP com personalidade jurídica de direito privado, afrontando o disposto no parágrafo 15, do artigo 39, da Constituição Federal –, o PL 1.992/07 já torna maculada a criação da referida Fundação. Todos os atos normativos devem obediência obrigatória à Constituição Federal. A vontade do poder constituinte derivado não pode, por conseguinte, ser modificada quando da edição de lei que regulamenta mandado constitucional. 2.2- Delegação de Funções à Entidade Privada (“Terceirização”) Além da já mencionada inconstitucionalidade na criação da FUNPRESP, o PL 1.992/07 também prevê, em seu artigo 15, outra questão controvertida no que tange à Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público: o repasse da administração dos recursos garantidores, provisões e fundos dos planos de benefícios a instituições autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM para o exercício da administração de carteira de valores mobiliários. O citado artigo determina a observância dos artigos 10 e 13, incisos I, III e IV, da Lei Complementar nº 108/2001. Segundo estes dispositivos, o Conselho Deliberativo da FUNPRESP permanecerá no comando da definição da política geral de administração da entidade e dos planos de benefícios, da gestão de investimentos e do plano de

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aplicação de recursos, bem como deverá autorizar investimentos que envolva valores iguais ou superiores a cinco por cento dos recursos garantidores. A este respeito, é imprescindível elucidar algumas disposições pertinentes à organização das entidades de previdência complementar contidas na Lei Complementar nº 109/2001, que regulamenta todo o Regime de Previdência Complementar. O artigo 31 da Lei Complementar nº 109/2001 define o que são as entidades fechadas de previdência complementar: Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente: I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e II - aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores. § 1o As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos. § 2o As entidades fechadas constituídas por instituidores referidos no inciso II do caput deste artigo deverão, cumulativamente: I - terceirizar a gestão dos recursos garantidores das reservas técnicas e provisões mediante a contratação de instituição especializada autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil ou outro órgão competente; II - ofertar exclusivamente planos de benefícios na modalidade contribuição definida, na forma do parágrafo único do art. 7o desta Lei Complementar.

Daí infere-se que as entidades fechadas de previdência complementar são compostas exclusivamente por determinado “nicho” de trabalhadores e empregadores. Se aprovado o PL 1.992/07, a FUNPRESP será inicialmente composta pelas carreiras federais e patrocinada, claro, pela União Federal. Encaixa-se, portanto, na hipótese prevista no inciso I do artigo transcrito, qual seja, entidade fechada de previdência complementar destinada a grupo específicos de trabalhadores. Assim sendo, a obrigatoriedade de terceirização da gestão dos recursos garantidores das reservas técnicas e provisões não se aplica à FUNPRESP, o que leva à conclusão


de que a previsão contida no artigo 15, do PL 1.992/07, é equivocada. A Reforma Previdenciária encabeçada pelas Emendas Constitucionais nº 20/1998 e nº 41/2003 determinou expressamente que a regulamentação das entidades de previdência complementar seria feita por Lei Complementar. Assim, em atendimento ao comando constitucional contido no artigo 202, foram elaboradas as Leis Complementares nº 108/2001 e 109/2001, que são as normas aptas a regulamentar o referido artigo da Constituição Federal. O PL 1.992/07 afronta o disposto no artigo 31 da Lei Complementar nº 109/2001 ao determinar a “terceirização” da gestão dos recursos garantidores das reservas técnicas e provisões. Desta forma, não poderia Lei Ordinária superveniente contrariar as disposições contidas em Lei Complementar, emanadas de previsão constitucional, como pretende o PL 1.992/07. Acerca de tal assunto, colacionam-se os ensinamentos de Gilmar Ferreira Mendes11: A lei ordinária que destoa da lei complementar é inconstitucional por invadir a âmbito normativo que lhe é alheio, e não por ferir o princípio de hierarquia das leis. Por outro lado, não será inconstitucional a lei ordinária que dispuser em sentido diverso do que estatui um dispositivo de lei complementar que não trata de assunto próprio de lei complementar. O dispositivo da lei complementar, no caso, vale como lei ordinária e pode-se ver revogado por regra inserida em lei ordinária. Nesse sentido é a jurisprudência do STF.

Este entendimento também é corroborado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: matéria reservada à Lei Complementar pelo texto constitucional não pode ser alterada por Lei Ordinária, sob pena de inconstitucionalidade12. Por previsão expressa do artigo 202 da Constituição Federal, cabe à Lei Complementar nº 109/2001 regula-

mentar a matéria prevista no artigo 15, do PL 1.992/07 o qual, por esta razão, incorre em grave inconstitucionalidade. 2.3- Deficiente Regulamentação da Composição dos Órgãos Deliberativos da FUNPRESP No que diz respeito à organização da FUNPRESP, o artigo 5º do PL 1.992/07 é reducionista em relação aos direitos estabelecidos na Lei Complementar nº 108/2001, pois não define com clareza: os critérios de escolha dos dirigentes; a forma de participação dos servidores públicos federais; a paridade essencial para a administração da Fundação. Da forma como está, o texto do PL 1.992/07 não garante segurança aos servidores públicos e também não leva em consideração o vasto rol de carreiras abarcadas pela proposição de instituição da FUNPRESP. A aplicação subsidiária da Lei Complementar nº 108/2001 não é suficiente para regular a relação entre a FUNPRESP e os servidores públicos federais, justamente em decorrência da natureza jurídica da relação tutelada. A Lei Complementar nº 108/2001 regula as entidades de previdência complementar de natureza privada e, por esta razão, não se presta para regular a previdência complementar dos servidores públicos. Sendo assim, os servidores correm o risco de não serem representados corretamente, pois a legislação que regeria essa relação – a Lei Complementar nº 108/2001 – é omissa a este respeito. 3- Adesão aos Planos de Benefícios da FUNPRESP. Outro ponto que merece destaque no PL 1.992/07 é o prazo para adesão ao regime de previdência complementar instituído pela FUNPRESP. O parágrafo 6º13, do artigo 3º, dispõe que o prazo para adesão ao Regime de Previdência Complementar

11. MENDES, COELHO e BRANCO, 2008. p. 883 12. STF, 2006. Em sentido análogo, STF, 2008. 13. § 6o O prazo para a opção de que trata o inciso II do caput deste artigo será de cento e oitenta dias, contados a partir da data do início do funcionamento da entidade de que trata o art. 4o desta Lei.

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será de 180 dias, contados a partir da data do início do funcionamento da FUNPRESP. Este prazo é demasiadamente exíguo para que o servidor analise a relação custo/benefício decorrente de sua adesão, pois ela poderá implicar em sérias limitações à manutenção do servidor quando da sua aposentadoria. Ademais, ela será irreversível e irrevogável nos termos do parágrafo 7º, do artigo 3º14. Há que se considerar, também, que a viabilidade do projeto é incerta e, por esta razão, a adesão não poderia implicar em renúncia irreversível e irrevogável aos direitos decorrentes das regras previdenciárias anteriores. Impor unilateralmente a obrigatoriedade de abrir mão de tudo aquilo que o servidor pagou acima do limite do RGPS, sem qualquer contraprestação, além de imoral, configura um verdadeiro enriquecimento sem causa ou enriquecimento ilícito do Estado, situação tantas vezes rechaçada por nossos Tribunais, como se verifica da leitura do acórdão abaixo transcrito: AÇÃO DE COBRANÇA. SAQUE INDEVIDO DE DEPÓSITO DE FGTS. AUSÊNCIA DE CONTROVERSIA A RESPEITO DO SAQUE INDEVIDO. RECURSO IMPROVIDO. 1. É imperioso que ocorra a devolução dos valores que a Apelante recebeu a maior indevidamente, sob pena de configurar verdadeiro enriquecimento sem causa. 2. Nessa matéria vigora o tradicional princípio de que todo enriquecimento sem causa jurídica e que acarrete como conseqüência o empobrecimento de outrem induz obrigação de restituir em favor de quem se prejudica com o pagamento 3. Apelo improvido. (grifos nossos)15

O entendimento jurisprudencial e doutrinário já sedimentado no País, mostra que, juridicamente, o Estado, não pode, sem sombra de dúvidas, apropriar-se de recursos dos administrados. Há, assim, grave imprecisão técnica contida no parágrafo 7º, do artigo 3º, do PL 1.992/07. Ainda cabe elucidar que, em decorrência da posição

de supremacia do Estado, os servidores públicos se encontram em situação de hipossuficiência, sujeitando-se às imposições unilaterais do Estado sem qualquer possibilidade de negociação, condição esta que decorre das particularidades que envolvem o regime jurídico administrativo. Maria Silvia Zanella Di Pietro16 disserta com precisão sobre o regime jurídico administrativo: O Direito Administrativo nasceu sob a égide do Estado liberal, em cujo seio se desenvolveram os princípios do individualismo em todos os aspectos, inclusive o jurídico; paradoxalmente, o regime administrativo traz em si traços de autoridade, de supremacia sobre o individuo, com vistas à consecução de fins de interesse geral. Garrido Falla (1962:44-45) acentua esse aspecto. Em suas palavras, “é curioso observar que fosse o próprio fenômeno histórico-político da Revolução Francesa o que tenha dado lugar simultaneamente a dois ordenamentos distintos entre si: a ordem jurídica individualista e o regime administrativo. O regime individualista foi se alojando no campo do direito civil, enquanto o regime administrativo formou a base do direito público administrativo”. Assim, o Direito Administrativo nasceu e desenvolveu-se baseado em duas idéias opostas: de um lado, a proteção aos direitos individuais frente ao Estado, que serve de fundamento ao princípio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito; de outro lado, a de necessidade de satisfação dos interesses coletivos, que conduz à outorga de prerrogativas e privilégios para a Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do bem-estar coletivo (poder de polícia), quer para a prestação de serviços públicos. Daí a bipolaridade do Direito Administrativo: liberdade do individuo e autoridade da Administração; restrições e prerrogativas. Para assegurar-se a liberdade, sujeita-se a Administração Pública à observância da lei e do direito (incluindo princípios e valores previstos explícita ou implicitamente na Constituição); é aplicação, ao direito público, do princípio da legalidade. Para assegurar-se a autoridade da Administração Pública, necessária à consecução de seus fins, são-lhe outorgados prerrogativas e privilégios que lhe permitem assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular. Isto significa que a Administração Pública possui

14. § 7o A opção a que se refere o inciso II deste artigo implica renúncia irrevogável e irretratável aos direitos decorrentes das regras previdenciárias anteriores, não sendo devida pela União, suas autarquias e fundações qualquer contrapartida referente ao valor dos descontos já efetuados sobre base de contribuição acima do limite previsto no caput deste artigo. 15. PARANÁ (Estado), 2007, apud GONÇALVES, 2004, p. 580 16. DI PIETRO, 2010. p. 63

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prerrogativas ou privilégios, desconhecidos na esfera do direito privado, tais como a autoexecutoriedade, a autotutela, o poder de expropriar, o de requisitar bens e serviços, o de ocupar temporariamente o imóvel alheio, o de instituir servidão, o de aplicar sanções administrativas, o de alterar e rescindir unilateralmente os contratos, o de impor medidas de polícia. Goza, ainda, de determinados privilégios como a imunidade tributária, prazos dilatados em juízo, juízo privativo, processo especial de execução, presunção de veracidade de seus atos. (grifos no original)

Observa-se, assim, que o servidor público também está subjugado à supremacia dos interesses do estado nas relações laborais e é, neste sentido, hipossuficiente. Ante esta peculiaridade, os interesses das classes afetadas deveriam ser levados em consideração para a elaboração e conclusão dos processos políticos decisórios implicantes em modificações substanciais nos regimes laborais estatais. Por meio de gestão política é possível alterar a tutela dos interesses coletivos para tutela de interesses setoriais. É fundamental para se chegar a este estado que os interessados sejam ouvidos, bem como participem dos processos decisórios que impliquem em alterações substanciais de direitos coletivos tendo em vista a posição suprema, pelo menos inicial, das decisões do Estado. A irreversibilidade e a irrevogabilidade da adesão, bem como a renúncia de direitos prevista no texto do PL 1.992/07 são temerárias. Aos servidores que desconhecem ou que possuem baixo domínio sobre assuntos vinculados aos regimes de aposentadoria, que e optarem por um dos planos oferecidos pela FUNPRESP, não é dada a possibilidade de arrependimento se esta opção pela se mostrar desvantajosa. Portanto, além de ser impositivo e arbitrário, o texto do PL 1.992/07 terá implicações concretas aferíveis apenas em longo prazo e, caso o optante conclua pela desvantagem na adesão, não terá como reverter sua decisão, o que inviabilizará qualquer possibilidade de o servidor adequar e vincular sua realidade econômica ao tempo de sua aposentadoria.

4- Diversidade de Carreiras Abarcadas pela FUNPRESP O artigo 2º do PL 1.992/07 classifica como participante da FUNPRESP o servidor público titular de cargo efetivo da União, suas autarquias e fundações, inclusive o membro do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União (artigo 1º, caput) e dos patrocinadores que manifestarem interesse em aderir à FUNPRESP (Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive autarquias e fundações). Tais disposições revelam que a FUNPRESP terá o caráter de um fundo multipatrocinado. Com isso, ela ficará na dependência de uma relação harmoniosa entre os diversos patrocinadores, tanto dos Poderes Federais (Executivo, Legislativo e Judiciário) quanto dos demais entes da federação. Não há garantia em relação aos possíveis conflitos de entendimento sobre a gestão da Fundação, que poderá colocar em risco os benefícios futuros dos participantes. Assim, a Fundação pretende abarcar servidores titulares efetivos de cargos e carreiras distintas com níveis diferenciados de atribuições e responsabilidades no serviço público que percebem remunerações distintas. Devido à complexidade e diferenças nas carreiras de servidores públicos e às matizes de interesses das corporações, o funcionamento de uma única instituição de previdência complementar enfrentará enormes dificuldades para conciliar as reivindicações afetas às carreiras abarcadas. O nível de complexidade aumenta ao colocar na mesma situação os servidores de todos os Poderes Federais e, ainda, permitir a inclusão de funcionários dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Até hoje, por exemplo, não há consenso para um tratamento isonômico entre as remunerações dos diferentes Poderes. Entretanto, a Exposição de Motivos que encaminha o PL 1.992/07 menciona o benefício da economia de escala para Estados, Distrito Federal e Munícipios que aderirem ao um dos planos de benefícios da FUNPRESP, posto que a criação de fundos próprios por estes entes seria ineficiente.

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A maior parte das carreiras públicas federais é estruturada com salários inferiores ao teto do RGPS, ou seja, gerariam um volume de recursos relativamente baixo para permitir uma gestão eficiente do ponto de vista financeiro, sem contar que a sua gestão geraria “custos adicionais decorrentes da necessidade de supervisão e controle17”. Esta assertiva é tão verdadeira quanto também é o fato de que a FUNPRESP assumiria tais ineficiências. Ressalte-se que os servidores, principalmente estaduais e municipais, com remunerações inferiores ao teto do RGPS, teriam estímulo muito maior para aderirem à FUNPRESP do que aqueles com remunerações superiores ao teto. Sendo este o caso, então, a entidade já nascerá com seu potencial reduzido do ponto de vista da administração financeira, o que poderá implicar em “gargalos” futuros. Destaque-se, ainda, que se o PL 1.992/07 for aprovado passarão a existir quatro regimes diferentes de aposentadoria. O primeiro, que contará com paridade e integralidade, é o regime de previdência destinado àqueles servidores que se aposentaram até o ano de 2003, antes, portanto, da vigência da Emenda Constitucional nº 41. O segundo regime, que não terá paridade nem integralidade, será fruído por aqueles que se aposentarem entre a edição da Emenda Constitucional nº. 41/2003 e a instituição do regime de previdência complementar. Os servidores aposentados por este regime contribuíram com onze por cento de seu salário integral e, mesmo assim, não fruirão de uma aposentadoria integral e paritária. Já o terceiro regime será aquele instituído após a criação da Previdência Complementar e contará com os servidores que contribuirão com o percentual de 11% de seus vencimentos até o limite do Regime Geral de Previdência Social, ou seja, serão os servidores que receberão, em regra, o valor da aposentadoria do regime geral.

O último regime de previdência do servidor público será criado com a aprovação do PL 1.992/07 e será composto pelos servidores que ingressarem no serviço público após o início da vigência da FUNPRESP e pelos servidores optantes pela adesão ao regime complementar. Assim, percebe-se nitidamente a criação de tratamentos diferenciados para os servidores das mesmas carreiras, afrontando a unicidade necessária à manutenção da coesão no desempenho das atividades federais, principalmente no que diz respeito à execução das atividades típicas de Estado. Não obstante a disposição contida na Constituição Federal e que extinguiu a isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores de um dos três Poderes, há que se considerar que o direito à isonomia previsto no artigo 5º, caput e inciso 1º da Constituição Federal ainda prevalece, razão pela qual se conclui pela viabilidade de pleitear igualdade nas regras previdenciárias. Por tal razão, considera-se que o PL 1.992/07 acarreta dificuldades na consecução e atendimento de anseios de todas as classes de servidores titulares de cargos efetivos, além de obstar a possibilidade de alcance da desejável isonomia. 5- Benefício Especial Para atrair os atuais servidores ao novo regime de previdência, os parágrafos 1º, 2º e 3º, do artigo 3º, do PL 1.992/07 asseguram o pagamento de um “benefício especial”. Este benefício especial será equivalente à diferença entre a média aritmética simples de até 65 remunerações devidamente atualizadas e anteriores à data de opção, consideradas as parcelas utilizadas como base de cálculo para as contribuições do servidor ao regime de previdência até então vigente e o limite do teto de benefícios do RGPS, multiplicado pelo fato de conversão.

17. BRASIL. Ministério do Planejamento, Ministério da Previdência Social, Ministério da Fazenda, 2011, § 20.

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O fator de conversão, cujo resultado é limitado ao máximo de 1, será calculado mediante a aplicação da seguinte fórmula:

Onde: FC = fator de conversão; Tc = quantidade de contribuições mensais efetuadas para o regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição, efetivamente pagas pelo servidor titular de cargo efetivo da União ou por membro do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, do Tribunal de Contas e do Ministério Público da União até a data de opção; Tt = 455, quando servidor titular de cargo efetivo da União ou membro do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, do Tribunal de Contas e do Ministério Público da União do sexo masculino, ou 390, quando servidor titular de cargo efetivo da União ou membro do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, do Tribunal de Contas e do Ministério Público da União do sexo feminino. A instituição desse fator é discriminador com as servidoras públicas, pois a contribuição das mulheres ao sistema de previdência em vigor é realizada por um período de 30 anos, nos termos da alínea “a”, inciso III, artigo 40 da Constituição Federal. O denominador na fórmula “FC” é resultante do cálculo do período de contribuições dos servidores do sexo masculino para o atual regime, pois 455/13 (quantidade de contribuições por ano) é igual a 35 anos. Assim, para que uma servidora consiga gozar o mesmo benefício especial do seu colega servidor (homem) terá que contribuir e, portanto, permanecer trabalhando, por mais cinco anos. A solução poderia ser a criação de uma regra específica que respeite a contribuição previdenciária da mulher prevista na Constituição Federal. A instituição de um benefício especial é a forma de assegurar a transição do modelo previdenciário (Regime Próprio de Previdência Social) para a aposentadoria via

fundo de previdência complementar, por meio do pagamento de um benefício proporcional ao tempo de contribuição e de remuneração dos servidores ativos. O pagamento do benefício especial será feito pelo órgão competente da União por ocasião da concessão da aposentadoria, atualizado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE, acabando com qualquer vinculação com a remuneração dos servidores ativos. Assim, os atuais servidores que fizerem a opção de migrar para a FUNPRESP terão direito, na sua aposentadoria, a três tipos de benefícios: um benefício equivalente ao teto do RGPS, um benefício especial e mais a renda. 6- Plano de Benefícios O plano de benefícios de caráter previdenciário na modalidade benefício definido é aquele cujos benefícios programados têm o seu valor ou nível previamente estabelecido, sendo o custeio determinado atuarialmente, de forma a assegurar sua concessão e manutenção, nos termos da Resolução CGPC nº. 16, de 22/11/200518. Ou seja, nesta modalidade o participante sabe a priori qual o valor futuro do seu benefício, devendo ajustar suas contribuições ao longo do período de forma a assegurar, com base em cálculos atuariais, a sua renda de aposentadoria. Trata-se de um patrimônio coletivo no plano de benefícios do fundo de pensão. No plano de benefícios de caráter previdenciário na modalidade de contribuição definida, os benefícios programados têm seu valor permanentemente ajustado ao saldo de conta mantido em favor do participante, inclusive na fase de percepção, considerando o resultado líquido de sua aplicação, os valores aportados e os benefícios pagos19. Portanto, nesta modalidade, o plano previdenciário é uma conta individual de cada participante no fundo de pensão, ficando indefinido o valor do benefício, que estará sujeito às oscilações dos mercados financeiros nos seus diferentes segmentos (renda fixa, variável, investimentos imobiliários e outros). Uma conseqüência deste tipo de plano de benefícios é a incerteza do período de recebimento dos benefícios

18. BRASIL. Ministério da Previdência Social, 2005 19. Id, ibd.

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programados, pois a aposentadoria não será mais vitalícia. Como se trata de uma conta individual, a qual o participante acumulou durante um determinado período do tempo, ele fará a opção pela quantidade de parcelas em que deseja receber seu benefício, quando se aposentar. Assim, por exemplo, se um servidor se aposentar com 65 anos fazendo a opção de receber sua aposentadoria em 130 parcelas (10 anos), de acordo com uma expectativa de vida de 75 anos, não mais terá direito ao recebimento de benefício caso permaneça vivo após esta idade, pois terá zerado sua conta de previdência complementar. Acerca das desvantagens de planos de previdência complementar na modalidade de contribuição definida, Wladimir Novaes Martinez20 explica: Na contribuição definida, a maior desvantagem para o titular é, quando de sua aposentação, a possibilidade de seu capital acumulado mais a rentabilidade do sistema não serem capazes de atendê-los, isto é, as contribuições pessoais e patronais e o resultado das inversões serem insuficientes para a manutenção do patamar das mensalidades de pagamentos continuado. O segurado só tem o pessoalmente poupado e o desembolsado pelo empregador, devendo servir-se de aportes de outros trabalhadores (mutualismo), quando sobreviver além do atuarialmente estimado.

A conseqüência será uma enorme incerteza para o futuro de milhares de servidores. Uma forma de atenuar essa incerteza será a contratação, durante a fase de percepção dos benefícios programados, de um plano de renda vitalícia. Para tanto, o artigo 19, do Projeto de Lei diz que “o assistido poderá transferir as reservas constituídas em seu nome para entidade de previdência complementar ou companhia seguradora autorizada a operar planos de previdência complementar, com o objetivo específico de contratar plano de renda vitalícia (...)”. A previsão em voga destaca eventuais instabilidades e prejuízos que o Regime de Previdência Complementar do Servidor Público poderá acarretar aos seus beneficiários, pois a incerteza na percepção da renda, quando da aposentadoria decorrente da modalidade de contribuição

20. MARTINEZ, 2010, p. 1413 21. BRASIL, Ministério da Previdência Social e Ministério da Fazenda, 2011.

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definida, faculta ao segurado a transferência de seus investimentos a um plano de previdência complementar que lhe assegure a fruição de sua aposentadoria em estrita conformidade com seu planejamento de vida. 7- Impossibilidade de Equiparação entre os Servidores Públicos e os Trabalhadores da Iniciativa Privada Os servidores que ingressarem no Serviço Público Federal após a instituição da FUNPRESP receberão da União apenas o benefício de aposentadoria limitado ao teto do Regime de Geral da Previdência Social (R$ R$ 3.691,74 a partir de janeiro de 201121). Com isso o governo tenta estabelecer uma isonomia entre os trabalhadores do setor público e do setor privado, apesar de todas as diferenciações existentes na Constituição Federal e na legislação trabalhista. Para receber um benefício acima do teto do RGPS, o servidor deverá aderir a um dos planos da FUNPRESP. A Previdência do setor público apresenta-se, na Constituição Federal, no capítulo que discorre sobre a organização do Estado e não no da Seguridade Social, como ocorre com os demais trabalhadores. Isso porque a carreira pública tem especificidades que a distinguem do setor privado. Ao servidor público cabe agir em nome do Estado, representando-o na aplicação das políticas sociais públicas e no atendimento à população. Seu regime de contratação não é trabalhista e sim administrativo e, como tal, tem regras fixadas em lei de forma unilateral. Entre as especificidades do regime jurídico do servidor público destacam-se: não se submete à legislação trabalhista; não tem direito ao FGTS; está sujeito às exigências de dedicação exclusiva ao serviço público e a códigos de conduta que transcendem a própria atividade e a aposentadoria é acessível mediante regras definidas também de forma unilateral, bem como tem características diferenciadas da do Regime Previdenciário Geral. Nesse sentido, o regime próprio dos servidores deve ser compreendido na lógica da manutenção da estrutura


do Estado, pois é interesse da sociedade preservar condições adequadas de funcionamento da máquina pública. 8- Conclusão A análise realizada no decorrer do presente estudo mostrou que há diversas lacunas e questionamentos de ordem legal envolvendo o Projeto de Lei nº. 1.992/2007, os quais geram dúvidas e insegurança aos servidores públicos. Primeiramente, destaca-se que o PL 1.992/2007 traz nítida incompatibilidade entre as motivações que levaram o Poder Executivo a apresentá-lo e o verdadeiro impacto econômico e social decorrente da instituição da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público – FUNPRESP. Em termos econômicos e financeiros não haverá redução de despesas para o governo a curto e médio prazos. Primeiramente porque, de acordo com o artigo 26 do PL 1.992/07, a União poderá aportar até cinquenta milhões de reais a título “adiantamento de contribuições futuras, necessário ao regular funcionamento inicial da Entidade”. Uma considerável despesa, sem retorno imediato. Em segundo lugar, porque a União deixaria de contar com a contribuição do servidor público no valor que excedesse ao teto do INSS e teria de obrigatoriamente aportar recursos equivalentes. Deste ponto de vista, a lógica que permeia a constituição da FUNPRESP é perversa. Senão, vejamos. O Governo Federal defronta-se com a administração de uma dívida pública crescente e, para honrar seus compromissos, paga altíssimos juros pelos títulos da dívida que emite. Em agosto de 2011 a dívida líquida total do Governo Federal atingiu a casa dos 1,1 trilhões de reais (28,1% do PIB), com um crescimento de 9,1% em doze meses e mediante o pagamento de uma taxa média de juros nominal acumulada em doze meses de 12,3%22. Os títulos da dívida pública são negociados no mercado

financeiro. Os recursos garantidores da FUNPRESP também serão aplicados no mercado financeiro, mais especificamente em fundos de investimento contratados por meio de licitações, de acordo com o parágrafo 1º do artigo 15. Assim, recursos públicos e dos servidores públicos serão direcionados para estes fundos de investimento, controlados por instituições do mercado financeiro, que investirão nos papéis seguros emitidos pelo próprio governo, os títulos da dívida pública. Recursos públicos e de servidores serão reemprestados ao próprio governo, o qual pagará juros altos por isso. Cabe, então, indagar: quais são os interesses que movem o governo a promover esta irracionalidade, transferindo a fundos de investimento privados recursos para especular com a dívida pública?; por quê a terceirização da administração dos recursos?; por quê a Fundação não poderá administrar os recursos com seu próprio quadro técnico, ao invés de contratar fundos de investimento privados?; e, por quê a necessidade de pagar “pedágio” (taxa administrativa) ao sistema financeiro na aplicação dos recursos? Esta terceirzação da gestão da FUNPRESP afronta o princípio constitucional da eficiência23 previsto no artigo 37, da Constituição Federal, preconizador da busca pela melhor atuação do agente público e da melhor organização da Administração Pública. Repassar a terceiros a gestão da entidade é incompatível com os princípios que norteiam o funcionamento das atividades administrativas do Estado. Também há de se considerar a discriminação que permeira a instituição do benefício diferido, pois sua fruição não possibilita paridade entre homens e mulheres titulares de cargo efetivo público federal. O cálculo do benefício diferido não deveria considerar o tempo para aposentadoria, mas sim estabelecer equidade entre homens e mulheres. Como dito, o PL 1.992/2007 também é permeado por lacunas que maculam por completo sua viabilidade jurídica como, por exemplo, a inobservância da obrigatoriedade

22. BRASIL. Banco Central do Brasil, 2011. 23. Na definição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “o princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público”. “Vale dizer que a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2010. p. 83 e 84)

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de criação da previdência complementar dos servidores públicos exclusivamente por intermédio de Lei Complementar e a alteração da natureza jurídica estipulada pelo Constituição Federal para a FUNPRESP. Os diversos questionamentos aqui formulados lançaram dúvidas substantivas sobre a viabilidade do modelo de previdência complementar para o servidor público baseado naquele no texto do PL 1.992/07.

A formulação de uma proposta legislativa de tal magnitude seja precedida de ampla consulta às partes interessadas, os servidores públicos. Apenas facultando a participação dos servidores nos debates é que será possível a preservação dos interesses dos entes mais frágeis e o alcance de normas justas e que protejam os interesses daqueles que trabalham pelo Estado brasileiro e seus cidadãos – o servidor público.

REFERÊNCIAS BRASIL. Banco Central do Brasil. Dívida Líquida e Necessidades de Financiamento do Setor Público. Brasília: Bacen, Set. 2011. Disponível em http://www.bcb.gov. br/?SERIETEMP Acesso em 26 out 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm> Acesso em 29.abr.2011 BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del4657.htm>. Acesso em 17.mai.2011 BRASIL. Lei Complementar nº108, de 29 de maio de 2001. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ LCP/Lcp108.htm>. Acesso em 13.mai.2011 (a) BRASIL. Lei Complementar nº109, de 29 de maio de 2001. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp109.htm>. Acesso em 13.mai.2011 (b) BRASIL. Ministério da Previdência Social. Conselho da Gestão da Previdência Complementar. Resolução CGPC, nº16, de 22/11/2005. Disponível em http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/72/MPS-CGPC/2005/16.htm. Acesso em 17.mai. BRASIL. Ministério do Planejamento, Ministério da Previdência Social, Ministério da Fazenda. Exposição de Motivos Interministerial EMI Nº00097/2007/MP/MPS/ MF de 16 de maio de 2007 Disponível em http://www. camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProp osicao=366851 . Acesso em 29. abr. 2011 BRASIL. Projeto de Lei nº. 1.992/2007. Disponível em

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/PL/2007/ msg664-070905.htm. Acesso em 29.abr.2011 BRASIL. Ministério da Previdência Social, Ministério da Fazenda. Portaria Interministerial /MPS/MF 407 de 14 de julho de 2011. Disponível em http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/65/MF-MPS/2011/407.htm Acesso em 24. out. 2011 Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2011. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 3.ed. – São Paulo: LTr, 2010. 1.487 p. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20. ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 2006. 1.032 p. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. – São Paulo: Saraiva, 2008. 1432 p. PARANÁ (Estado). AC 11367 PR 2003.04.01.011367-9, Relator: JAIRO GILBERTO SCHAFER, Data de Jugamento: 31/10/2007, QUARTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 12/11/2007. STF, 1ª Turma, Recurso Extraordinário nº. 419.629/DF, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 30.06.2006. STF, 2ª Turma, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº. 502.648/SC, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJ 30-28.11.2008. TANAKA, Eduardo. Direito previdenciário: atualizado até o Decreto 6.727 de 12/01/2009. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. 406 p.


a RTIGO A Perversidade do PL 1992/2007 Vilson Antônio Romero1

O governo de Fernando Henrique Cardoso, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), retirou do funcionalismo público, em especial do federal, dezenas de vantagens e conquistas obtidas a duras penas durante décadas de luta. O primeiro governo petista promoveu a mais contundente e perniciosa reforma no sistema de aposentadoria dos servidores, com a aprovação da Emenda Constitucional 41 que fixa limite de idade mínima e retira a integralidade e a paridade das garantias aos proventos e pensões. Ao mesmo tempo, fez, com esta mudança, que todos os ocupantes de cargos efetivos que ingressaram a

partir de janeiro de 2004 somente se aposentem pela média das 80% maiores remunerações, considerado o período de cálculo até o desempenhado na atividade privada, desde julho de 1994. Já o atual grupo mandatário do Palácio do Planalto e da Esplanada dos Ministérios movimenta as peças do xadrez de seu apoio político para a maior perversidade de todas: a privatização das aposentadorias dos funcionários públicos em geral. Com o pedido de urgência para a votação do Projeto de Lei (PL) n°. 1992/2007, o governo federal, se aprovado o texto, joga na vala comum do setor privado a parcela mais expressiva das aposentadorias dos servidores públicos de todas as esferas de governo e Poderes.

1. Jornalista, Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, diretor de Direitos Sociais e Imprensa Livre da Associação Riograndense de Imprensa, da Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social e presidente do Sindifisco Nacional em Porto Alegre.

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Apresentado através da Mensagem MSC 664, de 5 de setembro de 2007, o PL 1.992 regulamenta o parágrafo 15, do artigo 40, da Constituição Federal de 1988, redação dada pela Emenda Constitucional n°. 41/2003. O projeto institui o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, inclusive os membros dos órgãos que menciona, fixa a alíquota de contribuição de 7,5% e o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões pelo regime de previdência de que trata o artigo 40 da Constituição, autoriza a criação de entidade fechada de previdência complementar denominada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp) que será estruturada em forma de fundação com personalidade jurídica de direito privado.

2004, aos servidores e membros referidos no caput do art. 1o desta Lei que: I - ingressarem no serviço público a partir da data do início do funcionamento da entidade a que se refere o art. 4o desta Lei, independentemente de sua adesão ao plano de benefícios;

Explica-se: se acatada a criação do organismo denominado Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público (Funpresp), logo após a sua regulamentação e entrada em funcionamento, os governos federal, estaduais, distrital e municipais passam a garantir aposentadoria somente até o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) - cerca de R$ 3,6 mil, nos dias de hoje.

O complemento dos proventos de aposentadoria e pensões para os funcionários que ganham acima disso, sejam agentes administrativos, promotores, escriturários, auditores, escreventes ou desembargadores, será obtido, na hora do requerimento do benefício, com o rateio das quotas de um fundo administrado por esta entidade fechada de previdência complementar – a Funpresp. Após longa tramitação na Câmara dos Deputados, sem muito empenho do governo em razão das arestas que se criariam com o funcionalismo, o governo apertou o passo na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), nomeando relator da matéria o deputado federal Silvio Costa (PTB/PE) e em pouco tempo logrando a aprovação do texto que cria o fundo de pensão. Este fundo de pensão acumulará em carteira, com regras estabelecidas pelo organismo fiscalizador, regulador e gerenciador do sistema de previdência complementar – a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), o montante arrecadado de funcionários e seus empregadores públicos - 7,5% de cada, incidentes sobre o excedente ao teto do INSS. Desta forma, a contribuição total será de 15%, desde logo exígua para garantir valor real ao benefício, por melhor que seja o conjunto de aplicações ao longo da vida laboral do funcionário. Tecnicamente, a partir de então, a única rubrica definida na aposentadoria do servidor será a sua contribuição.

Art. 3o Aplica-se o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral deprevidência social às aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição, observado o disposto na Lei no 10.887, de 18 de junho de

“Art. 12. Os planos de benefícios da Funpresp serão estruturados na modalidade de contribuição definida, nos termos da regulamentação estabelecida pelo órgão regulador e fiscalizador das entidades fechadas de previdência complementar, e financiados de acordo com os planos de custeio

“Art. 4o Fica a União autorizada a criar, em ato do Poder Executivo, a entidade fechada de previdência complementar denominada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal - FUNPRESP, com a finalidade de administrar e executar plano de benefícios de caráter previdenciário, nos termos das Leis Complementares nos 108 e 109, de 29 de maio de 2001. Parágrafo único. A FUNPRESP será estruturada na forma de fundação com personalidade jurídica de direito privado, gozará de autonomia administrativa, financeira e gerencial e terá sede e foro no Distrito Federal.”

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definidos nos termos do art. 18 da Lei Complementar n.o 109, de 2001, observadas as demais disposições da Lei Complementar n.o 108, de 2001.”

O benefício será uma incógnita, pois as reservas da Funpresp serão administradas por uma instituição financeira avalizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), portanto privada e sujeita a todos os riscos nefastos da especulação comandada pelo Senhor Mercado. Art. 15. A administração dos recursos garantidores, provisões e fundos dos planos de benefícios, resultantes das receitas previstas no art. 10 desta Lei deverá ser realizada mediante a contratação de instituições autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM para o exercício da administração de carteira de valores mobiliários, observado o disposto no art. 10 e nos incisos I, III e IV do art. 13 da Lei Complementar n.o 108, de 2001. § 1o A aplicação dos recursos previstos no caput

deste artigo será feita exclusivamente por meio de fundos de investimento atrelados a índices de referência de mercado, observadas as diretrizes e limites prudenciais estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional para as entidades fechadas de previdência complementar.

A proposta, além de perniciosa, questionável juridicamente, gerará também a segregação do conjunto dos servidores, pois numa mesma repartição estarão desempenhando as mesmas atividades pessoas com direitos diversos, umas com direito à aposentadoria integral e paridade, outras com direito à aposentadoria somente pela média de seus salários desde 1994 – os que ingressaram desde janeiro de 2004 - e um novo segmento, com garantia somente de aposentadoria idêntica à paga pelo Regime Geral de Previdência Social, da iniciativa privada. É ou não é a privatização da aposentadoria do servidor?

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a RTIGO A Revolução Previdenciária Brasileira Floriano José Martins1

1- Introdução Tramita no Congresso Nacional, em regime de urgência, o projeto de lei que institui da previdência complementar do servidor público (PL 1992/07). Neste projeto é fixado para todos os servidores de cargo efetivo, e que for admitido no serviço público a partir de seu funcionamento, o teto do Regime Geral da Previdência Social (INSS), hoje no valor de R$ 3.691,74. De acordo com a Exposição de Motivos, o objetivo básico do PL nº 1992 é dar sequência à reforma da previdência iniciada com a aprovação da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003, além de estabelecer um tratamento que o governo considera isonômico entre trabalhadores do setor público e da iniciativa privada, exceto para militares das Forças Armadas, das polícias e corpo de bombeiros do Distrito Federal, todos organizados e mantidos pela União.

Pelo projeto, ficará instituído regime de previdência complementar aos servidores públicos titulares de cargo efetivo da União (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário), suas autarquias e fundações, inclusive para os “membros” do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União. A adesão ao novo regime dar-se-á (de forma facultativa) somente aos novos servidores que ingressarem no serviço público. Aos demais servidores, conforme determina o § 16 do art. 40 da Constituição Federal, fica aberta a possibilidade de aderirem ao regime de previdência complementar, submetendo-se, assim, ao referido limite. A entidade a ser criada (FUNPRESP) será estruturada, como dispõe o projeto, na forma de fundação com personalidade jurídica de direito privado, gozará de autonomia administrativa, financeira e gerencial e terá sede e foro no Distrito Federal.

1. Vice Presidente Executivo da ANFIP – Associação Nacional de Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil

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Para os benefícios programáveis –aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por idade– o plano de benefícios será de contribuição definida. Já os benefícios não programáveis serão definidos no regulamento do plano de benefícios, devendo ser assegurados, pelo menos, os benefícios decorrentes dos eventos de invalidez e morte. As contribuições do patrocinador e do participante incidirão sobre a parcela de remuneração que exceder o equivalente ao limite do INSS. As alíquotas de contribuição serão definidas no regulamento do plano de benefícios, não podendo a contribuição do patrocinador nem a do participante exceder a 7,5% (sete e meio por cento) sobre a base de remuneração deste último. Portanto, o regulamento irá apenas homologar o que determina a lei. O assistido poderá transferir as reservas constituídas em seu nome para outra entidade de previdência complementar ou seguradora para contratação de renda vitalícia, liberdade esta que o mercado agradece. A estrutura de governança prevê Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal e Diretoria, seguindo o disposto na Lei Complementar 108, de 2001. Uma vez participante da previdência complementar, o servidor terá que buscar incessantemente a chamada reserva para formação do patrimônio (ou acumulação de ativos reais), de onde sairá sua aposentadoria, e será fruto de diversas contingências, quais sejam: economia, mercado, governança e uma fiscalização intensa por parte do participante. O servidor deverá ter visão de futuro, com maior preocupação de sua reserva (poupança). Isto certamente mudará a cultura previdenciária do servidor pois uma das características de sua filiação ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) era a integralidade de seus vencimentos, com paridade de reajustes aos ativos (embora já não existisse para os que entraram no serviço público a partir de janeiro de 2004). Dentro de uma perspectiva de mercado, esta era a última cartada que faltava, principalmente para o mercado de capitais, pois os sistemas do RGPS e do RPPS terão

os mesmos tetos e praticamente as mesmas condições de concessões de benefícios a partir da entrada em vigor do novo sistema. Haverá mudança na cultura financeira, pois muitos irão analisar melhor o mercado de capitais e o mercado financeiro com vistas a identificar a melhor forma de prover seu futuro. Algumas hipóteses serão levadas em consideração: um lote de casas para aluguel; ou um lote de ações, requerendo maior conhecimento do mercado de capitais; ou renda fixa, com diversificação de novos fundos; ou mesmo um pouco de cada, para que as incertezas não deem um tombo de vez no investidor. E isso poderá criar dentro da cultura do setor público o que acontece na iniciativa privada, na qual o trabalhador, sem muito vínculo com o Estado, pensa tão somente em fazer, durante a vida laborativa, seu pé de meia, esquecendo o compromisso para com a sociedade. Até porque, caso venha a sair do serviço público, o servidor levará somente as verbas indenizatórias, já que não terá mais segurança de uma aposentadoria diferenciada, como acontece hoje. Feitas estas considerações, passamos a fazer algumas análises de conteúdo do projeto. 2- A Visão Fiscal e Não Previdenciária O regime de previdência dos servidores deve ter como premissa básica garantir direitos dos servidores e dos membros de Poder assegurados pelo art. 40 da Constituição, após a fase laborativa. O direito à aposentadoria pública, observados os princípios do equilíbrio financeiro e atuarial (art. 40, da CF), faz parte da cesta de benefícios de um regime administrativo delineado constitucionalmente para atrair, por meio de concurso público, profissionais preparados e comprometidos em servir e em proteger o Estado brasileiro. Para garantir o equilíbrio do sistema público, os servidores públicos civis e membros de Poder contribuem com elevada parcela de seus ganhos mensais, sujeitos a uma alíquota de 11% que incide sobre a remuneração integral, o que não ocorre com trabalhadores do setor privado, su-

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jeitos a uma contribuição mensal que não passa de 11% de R$ 3.691,74, teto do RGPS em outubro de 2011. No projeto apresentado não há garantia de aposentadoria vitalícia. O que o governo está oferecendo a seus servidores é um Programa Gerador de Benefício Livre - PGBL, um produto de características financeiras, uma poupança sem qualquer componente previdenciário. A ausência de previsão de mutualismo para os benefícios de risco (aposentadoria por invalidez e pensão) é outra artimanha do projeto. Quem financiará esse tipo de cobertura? Certamente os próprios servidores, com alíquota adicional, visto que as alíquotas já preestabelecidas não cobrem sequer o benefício de aposentadoria programada, ou seja, o projeto direciona para a compra dos referidos benefícios no mercado e evidencia a privatização. Quanto à estruturação da cobertura previdenciária que pretende impor, o PL n° 1992/2007 padece de lacunas inaceitáveis visto que não trata do plano de benefícios e de seu custeio com vistas ao equilíbrio financeiro e atuarial. Portanto, seu conteúdo passa ao largo do que seja um regime previdenciário. O referido projeto trouxe sérias restrições quanto à formação da poupança previdenciária ao limitar a contribuição da União em 7,5% sobre o valor excedente do teto de benefícios do RGPS, evidenciando total abandono das técnicas atuariais aplicáveis à matéria. Os custos previdenciários devem ser previamente levantados considerando-se os benefícios oferecidos pelo plano de benefícios, seus valores, tempo de cobertura, forma de reajuste e outros mais, a fim de se poder estruturar a forma de custeio no tempo para garantir a acumulação de poupança previdenciária suficiente. A poupança previdenciária acumulada deve ser suficiente para a manutenção de determinado benefício enquanto perdurar a incapacidade para o trabalho, por motivos de idade avançada, invalidez ou morte. Por outro lado, os defensores da privatização do sistema previdenciário, de modo geral, centram suas análises nos benefícios programáveis, em especial na aposentadoria por idade. Na verdade, buscam a privatização desse be-

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nefício, relegando as demais prestações ou simplesmente colocando-as como responsabilidade genérica do Estado. Logicamente, visam à parcela mais lucrativa do sistema em vistas ao longo período de cotização e perfeita previsibilidade do pagamento das contraprestações. Os demais benefícios como, por exemplo, a pensão devida ao cônjuge e/ou núcleo familiar, ficam de fora da cobertura. Tampouco há espaço para os chamados benefícios não programados decorrentes dos eventos de morte ou invalidez de segurados ativos. Interessante observar que a Constituição Brasileira não impõe a adoção do modelo de previdência complementar, mas tão somente o faculta. Países nossos vizinhos – Chile e Argentina – que optaram por este modelo foram impelidos a retroceder e a rever o malfadado arranjo previdenciário, diante dos problemas econômicos e sociais que lhes sobrevieram. 3- A Gestão Analisando o art. 15 do projeto, deparamo-nos com total engessamento na administração dos recursos garantidores das reservas que se acumularão e isto nos conduz diretamente para o que seja o foco central do projeto, embora pouco debatido, até agora. A exigência da terceirização da administração dos recursos garantidores, por meio de bancos e seguradoras, tirando o poder de gestão dos dirigentes da entidade e de sua decisão de como alocar recursos, é uma agressão à inteligência para quem conhece um pouco desse processo. Cabe indagar se os gestores ficarão mesmo proibidos de investir em renda variável, em ações de empresas e em outros ativos, ou mesmo de participar diretamente do leilão de títulos do Tesouro Nacional, pois o PL 1992/2007 manda que terceiros administrem os recursos, e estes, certamente, não o farão de graça. Trata-se da entrega de todos os recursos arrecadados para as mãos dos bancos e seguradoras, culminando assim na privatização da previdência do servidor, compulsoriamente, sem a busca de alternativas. Além disso, como podemos observar em seu § 5º, cada


instituição a ser contratada poderá administrar até 40% dos recursos garantidores, o que afronta o art. 44 da Resolução 3.456/07 do Conselho Monetário Nacional, além do grau de exposição altíssimo, comprometendo profundamente o patrimônio do fundo caso a entidade financeira venha a falir. Outro ponto a destacar é a retirada de patrocínio. Segundo a Lei Complementar 109, qualquer patrocinador poderá solicitar sua retirada da entidade. Caso a União use desse mecanismo, como algumas entidades privadas estão praticando, sem nenhum compromisso previdenciário com o empregado, será outro ponto de inconsistência do projeto, pois não consta em sua redação nenhuma proteção de salvaguarda. A reserva do servidor ficaria totalmente comprometida. Sabemos que historicamente, no sistema previdenciário, grandes somas de recursos foram desviadas, para outras ações, que não a sua atividade fim. Um outro destaque são as regras de serviço passado, vez que na sua definição considera-se somente o tempo efetivo da União, quando dever-se-ia consignar a contagem recíproca (art. 9º, da CF), inclusive com critérios de portabilidade do regime de origem que pudesse contemplar os servidores dos estados e dos municípios. A ausência dessa relação é extremamente casuística e perigosa, pois deixará um buraco negro entre os servidores dos três entes. Além disso, o índice de reajuste para o benefício especial, que será o IPCA, é diferente do índice praticado pelo RGPS, que é o INPC, não justificando essa diferenciação. 4- A Insegurança Jurídica do Produto Oferecido Diante de tanta responsabilidade para com a sociedade, é inquestionável que a previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos, hoje disciplinados por regras constitucionais, não poderá ser disciplinada pelo regulamento do plano de benefícios, gerido por uma Entidade Fechada de Previdência Complementar, sem a garantia de regras mínimas de funcionamento, de custeio e de concessão dos benefícios. Segundo o governo, no atual modelo, as contribuições dos servidores, estruturadas em regime de repartição

simples, mostram-se insuficientes ao pagamento das aposentadorias e pensões do servidor público, especialmente quando se considera que o seu valor equivale ao último salário recebido pelo servidor. Sabe-se, todavia, que os servidores ingressos no serviço público, a partir de janeiro de 2004, receberão aposentadoria calculada pela média de seus salários (regra idêntica à do RGPS) e não necessariamente o valor do último salário. Essa lógica é inconsistente, visto que se baseia em uma argumentação puramente contábil e orçamentária, sem considerar questões de interesse do Estado e relativas: ao ordenamento jurídico brasileiro; à possibilidade de adoção de regime financeiro alternativo à repartição simples; e ao contexto histórico em que os sistemas foram consolidados. A literatura internacional e a experiência do Brasil e da América Latina apontam para o sentido oposto à lógica dos reformistas. As estruturas demográfica e econômica do mercado de trabalho, a situação social, o universo cultural e os interesses dos países são distintos, não cabendo falar em modelo único ou em regras ideais. Ao verificar a evolução da legislação, é possível observar que a ausência de recursos é um fato recente. Quando da implantação do regime previdenciário do servidor, a arrecadação superava em muito as despesas com benefícios. Contudo, não houve, desde os anos 30, a preocupação em constituir um regime viável de reservas (jamais foram realizadas as contribuições do empregador) para consolidar mecanismos de contribuição que pudessem sustentar as despesas quando o sistema atingisse a sua maturidade etária. Se existe crise fiscal, o que é discutível, é ao Estado que cabe a responsabilidade, pois ele não adotou estrutura de acumulação de recursos em regime de capitalização e, aos governos, por terem utilizado os recursos arrecadados de maneira aleatória. A criação do Regime Jurídico Único-RJU, por meio da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, também teve como motivação reduzir os problemas financeiros da previdência social dos ex-celetistas federais perante o INSS, pois o recolhimento das contribuições devidas pelo Es-

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tado nunca foi regular. A mudança de regime serviu para que o INSS não mais tivesse a responsabilidade de pagar os benefícios da parcela conhecida como EPU (Encargos Previdenciários da União), visto que não recebia as contribuições do Estado enquanto empregador. Todos os que acreditam no papel estratégico do Estado e no processo de desenvolvimento sabem que este não poderá cumprir suas tarefas a contento se não possuir um quadro de servidores permanentes, exclusivos, dedicados e estáveis, por meio de concurso público, para o exercício de suas diretrizes fundamentais, conforme determinação soberana da sociedade que o regula e à qual ele se subordina Essa concepção de Estado é o que diferencia o servidor público dos demais trabalhadores do setor privado, inclusive no que diz respeito aos seus regimes próprios de aposentadorias. Esses regimes são vistos como uma extensão da remuneração dos servidores quando na ativa e um prolongamento de sua relação com o Estado, que se estende por toda a vida e não apenas na atividade. As regras que regem a função pública diferem, em tudo, daquelas que regem as relações entre empregadores e empregados no setor privado. A situação dos servidores é diferente de outros empregados na medida em que eles exercem a autoridade pública com os sacrifícios e obrigações de lealdade que caracterizam esta função, principalmente em carreiras de Estado. Então, é inconcebível que a política de proteção social dos servidores públicos participantes dos planos complementares que se pretende instituir traga- lhes incertezas em relação ao seu plano de benefícios. Portanto, cabe ao poder legislativo tratar dessa matéria, por meio de lei complementar e com todo o cuidado necessário. Reforçando esse entendimento, é necessário afirmar que a Previdência Complementar do Servidor Público tem autonomia em relação ao Regime de Previdência Complementar Geral. Esse fato não foi levado em conta pelo autor do Projeto, que não atentou que a Emenda Constitucional nº 41 introduziu essa autonomia ao modificar o § 15 do art. 40 da CF. Assim, as regras gerais da Previ-

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dência Complementar serão aplicadas ao Regime de Previdência Complementar do Servidor Público somente no que couber, isto é, as regras gerais previstas no art. 202 da Constituição, regulamentados pelas Leis Complementares 108 e 109, de 2001, são subsidiárias ao Projeto. Em nosso entendimento não são regras constitutivas para a formatação do regime complementar do servidor público de cargo efetivo. Pelo projeto em andamento, pretende-se a equiparação dos servidores públicos civis e membros de poder aos trabalhadores do setor privado apenas no setor previdenciário, sem direito a Fundo de Garantia por Tempo de Serviço-FGTS, participação nos resultados e outros direitos trabalhistas assegurados aos celetistas. Dessa forma, o serviço público se tornará pouco atraente para os bons profissionais do mercado, fragilizando carreiras essenciais ao funcionamento e à defesa do Estado, como as de delegado, policial, auditor-fiscal, procurador, promotor, magistrado, ministro da cúpula do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas da União. Também se retirará as garantias aos médicos, professores e demais categorias profissionais, cuja fragilização representa, em última instância, o desmonte do Estado brasileiro. 5- Proposta Alternativa É sabido que a situação vivida pelos Regimes Próprios de Previdência Social-RPPS, de um modo geral, é de diagnóstico muito mais complexo do que o que se costuma divulgar. Atentar apenas para o simples paradigma Receita x Despesa é, seguramente, insuficiente. É preciso incorporar outros elementos à análise; afinal de contas, são múltiplas as questões que envolvem a sustentabilidade dos RPPS. Não se pode perder de vista, por exemplo, que não houve uma capitalização dos recursos arrecadados no passado, posto que a lógica que regia a previdência do servidor público era outra, totalmente distinta de um regime por capitalização, e considerando ainda que os recursos arrecadados foram invariavelmente mal geridos e aplicados em objetivos estranhos à previdência social. Além disso, deve-se considerar o fato, já citado, de que a implantação


do Regime Jurídico Único-RJU transferiu quase 400 mil servidores, somente na esfera federal, do antigo INPS para o Regime Próprio, sem ônus para o Regime Geral. Uma vez cumprida a exigência legal da criação de um Fundo Previdenciário, de forma capitalizada, haverá também o fomento do mercado de capitais e sustentabilidade da cobertura previdenciária, de forma idêntica à previdência complementar fechada (fundo de pensão). Desde a Lei 9.717/98 e a edição da Emenda Complementar nº 20/98, o governo tem a possibilidade de formatar um fundo destinado ao custeio das obrigações previdenciárias para com seus servidores e dependentes, conforme expressa o art. 249 da Constituição Federal. Lamentavelmente, não o fez até agora, porém determinou que estados e municípios o fizessem. É impressionante a sanha em implantar a previdência complementar para os servidores, sem nenhum estudo sério e debate com os atores. Estudos do próprio governo apontam para um regime próprio capitalizado, no qual o custo-benefício é praticamente idêntico, sem grandes dispêndios na transição e sem os desgastes políticos necessários.

6- À Guisa de Conclusão Parece-nos que a motivação do autor do projeto é a criação e a expansão de um mercado cativo para as instituições financeiras, pois privilegia de modo assustador o mercado financeiro, sem nenhuma contrapartida ou segurança para o servidor quando da elegibilidade ao benefício. Assim sendo, sob o ponto de vista atuarial agregado às especificidades das atividades, o servidor público não carece de uma previdência complementar, conforme se apresenta no Projeto de Lei nº 1992/07. O encaminhamento de uma estrutura duradoura para o Regime Próprio de Previdência Social tem inúmeras hipóteses de soluções viáveis, inclusive por meio de fundos previdenciários capitalizados, conforme há muito previsto no art. 249 da Constituição Federal e na Lei nº 9.717/98. Como se vê, no PL 1992/07 há uma predominância da visão puramente financeira e não previdenciária, uma lógica de acumulação individual e combate ao mutualismo. Nenhum plano de previdência complementar, adotado em qualquer estatal, está formatado de maneira tão afastada dos ideais previdenciários, como este que está sendo oferecido pelo governo federal aos seus servidores.

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a RTIGO Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais1 Leonardo Costa Schüler2

O regime de previdência dos servidores públicos, ocupantes de cargos efetivos, difere sobremaneira do regime geral de previdência social. Essa profunda diferenciação, determinada em foro constitucional, foi atenuada pelas reformas promovidas por meio das Emendas Constitucionais nº 20, de 1998, e nº 41, de 2003, que alteraram, principalmente, os requisitos exigidos para aposentadoria. Persiste, entretanto, uma das principais diferenças entre esses regimes, a saber, o valor que benefícios como proventos de aposentadoria e pensões podem alcançar. No regime geral de previdência social, ao qual passamos a nos referir como RGPS e do qual são segurados

os trabalhadores da iniciativa privada, os empregados públicos e os que apenas ocupam cargo de livre nomeação e exoneração3, a alíquota de contribuição do segurado varia de 8% a 11%, conforme sua remuneração4, e tanto a base de cálculo dessa contribuição (salário de contribuição) quanto a considerada para se calcular o valor dos benefícios (salário de benefício) são limitadas a um valor máximo preestabelecido, atualmente de R$ 3.691,745. Esses benefícios não sofrem desconto de contribuição previdenciária6. A alíquota de contribuição do empregador é, em regra, de 20% sobre a folha de pagamento, incidindo, portanto, sobre a remuneração integral do empregado7.

1. Documento de Referência da Consultoria Legislativa, publicado originalmente em 15 ago 2011 no site da Câmara dos Deputados (http://www2.camara.gov.br/documentos-e-pesquisa/fiquePorDentro/temas/previdencia_complementar_servidor_publico/documento-de-referencia-da-consultoria-legislativa-1) 2. Graduado em Administração (UnB) e Direito (UNICEUB). Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, na Área VIII (Administração Pública). Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, na Área VIII (Administração Pública), desde 29/03/1994 3. Constituição Federal, art. 40, § 13. 4. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, art. 20, caput, e Portaria Interministerial MPS/MF nº 407, de 14 de julho de 2011, art. 7º e Anexo II. 5. Portaria Interministerial MPS/MF nº 407, de 14 de julho de 2011, art. 2º, com vigência retroativa a 1º de janeiro de 2011. 6. Constituição Federal, art. 195, II, in fine. 7. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, art. 22, I.

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No regime de previdência dos servidores públicos federais ocupantes de cargo efetivo, doravante referido como RPSPF, a alíquota de contribuição do servidor é sempre de 11%8 e, para o cálculo da contribuição previdenciária, bem como dos benefícios, considera-se o valor integral da remuneração percebida pelo servidor9. Portanto, os proventos de aposentadoria e as pensões pagos por esse regime podem alcançar o valor do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal10, que consiste no limite máximo da remuneração de servidores públicos11. Todavia, esses benefícios sofrerão desconto de contribuição previdenciária, incidente sobre a parcela que ultrapassar o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS ou, em se tratando de beneficiário portador de doença incapacitante, sobre o dobro desse limite12. A União contribui para o RPSP com o dobro da contribuição de cada servidor ativo13. No intuito de abrandar a apontada discrepância entre a situação em que se aposentam os servidores públicos e os segurados do RGPS, bem como a redução do volume de recursos financeiros destinados ao custeio da previdência pública, a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, inseriu na Lei Maior dispositivos que autorizam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a aplicarem o limite máximo de valor dos benefícios concedidos pelo RGPS ao valor dos proventos de aposentadoria de seus servidores e das pensões recebidas pelos respectivos dependentes, após seu falecimento. Condicionou essa medida, contudo, à instituição de regime de previdência complementar específico14. A previdência complementar integra o regime de previdência privada, organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social e aos regimes de

previdência de servidores públicos. Concebida para aumentar o valor dos benefícios previdenciários devidos nas hipóteses de doença, invalidez, morte ou idade avançada, baseia-se na constituição e acumulação de reservas financeiras suficientes para garantir a cobertura contratada. Sendo assim, deve oferecer adesão facultativa, motivada na confiança de uma boa gestão da entidade responsável pela administração dos planos de benefícios oferecidos a seus participantes e assistidos. Essa entidade de previdência complementar pode ser aberta ou fechada (fundo de pensão), de acordo com o público ao qual se destina. Respaldado na apontada permissão constitucional, o Poder Executivo federal submeteu ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1.992, de 2007, que “Institui o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, inclusive os membros dos órgãos que menciona, fixa o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões pelo regime de previdência de que trata o art. 40 da Constituição, autoriza a criação de entidade fechada de previdência complementar denominada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal - FUNPRESP, e dá outras providências.” Com a eventual transformação da proposição recém-citada em lei, o valor dos proventos de aposentadoria concedidos pelo regime de previdência dos servidores públicos federais passará a observar o limite máximo do RGPS. Isso alcançará, automaticamente, apenas os servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e os membros desse último (magistrados), do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público da União que ingressarem no serviço público após a instituição do regime de previdência complementar, independentemente de

8. Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, art. 4º. 9. Constituição Federal, art. 40, § 3º, e Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, art. 1º, caput. 10. A partir de 1º de fevereiro de 2010, por força do disposto no art. 1º da Lei nº 12.041, de 8 de outubro de 2009, combinado com o que estabelece o art. 3º da Lei nº 11.143, de 26 de julho de 2005, o valor do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal foi reajustado para R$ 26.723,13. O Projeto de Lei nº 7.749, de 2010, em tramitação na Câmara dos Deputados, prevê que o subsídio seja fixado, a partir de 1º de janeiro de 2011, em R$ 30.675,48. 11. Constituição Federal, art. 37, XI. 12. Constituição Federal, art. 40, §§ 18 e 21. 13. Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, arts. 4º e 8º, caput. 14. Constituição Federal, art. 40, §§ 14, 15 e 16.

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aderirem, ou não, a esse último. Para os que tiverem ingressado no serviço público antes da instituição do regime complementar, a sujeição ao limite do RGPS dependerá de prévia, expressa e irretratável opção pela adesão ao regime instituído. Nos termos da proposição anteriormente indicada, o regime de previdência complementar dos servidores públicos federais será instituído por intermédio de uma entidade denominada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal – FUNPRESP, criada especificamente para tal fim e que oferecerá, exclusivamente, planos de benefícios na modalidade contribuição definida. Nessa modalidade, o valor do benefício percebido a partir da aposentadoria (benefício programado) não é previamente estabelecido, mas sim determinado, à época da percepção, pelo montante de recursos acumulados em nome de cada segurado. Será diretamente proporcional, portanto, ao valor e ao número de contribuições recolhidas, bem como à rentabilidade auferida com a aplicação dos recursos acumulados. Consoante a proposta do Poder Executivo, as contribuições para o regime complementar incidirão apenas sobre a parcela da remuneração do servidor que exceder ao limite do RGPS. Cada servidor poderá fixar a alíquota de sua contribuição para o regime complementar e o patrocinador, ou seja, a própria União, sua autarquia ou fundação, ficará obrigado a recolher idêntico valor, até o limite de 7,5%. Mesmo sem se estimar o valor do benefício que um servidor perceberá pelo regime complementar, as diferenças entre esse, de capitalização, e o regime público, de repartição, permitem antecipar alguns aspectos relevantes. Tanto no âmbito do regime geral de previdência social quanto no do regime de previdência dos servidores públicos federais o cálculo dos proventos de aposentadoria toma por base a média das maiores remunerações, devidamente atualizadas, utilizadas como base para as contribui-

ções, correspondentes a 80% do período contributivo15. Por conseguinte, as menores remunerações, correspondentes a 20% do período contributivo, não afetam o valor dos proventos, como ocorre com o valor do benefício concedido pelo regime complementar, que será reduzido em função da menor acumulação de reservas. A Constituição assegura o direito do servidor a se aposentar, com proventos integrais, aos 60 anos de idade e 35 anos de contribuição, se homem, e aos 55 anos de idade e 30 anos de contribuição, se mulher16. Portanto, no regime de previdência dos servidores públicos a mulher não tem os proventos reduzidos por se aposentar mais cedo do que o homem. No regime complementar, contudo, a mulher receberá benefícios mensais com valores inferiores aos percebidos pelos homens, mesmo que ela se aposente com a mesma idade e tendo contribuído pelo mesmo tempo e com idênticos valores. Isso porque as mulheres têm maior expectativa de vida, de modo que as reservas constituídas devem ser distribuídas em um maior número de meses. A título de exemplo, ao chegar aos 60 anos de idade uma mulher tem expectativa de viver por mais 22,8 anos, enquanto um homem de mesma idade tem a sobrevida estimada em 19,5 anos17. Como a antecipação da aposentadoria em 5 anos não apenas abrevia a fase de acumulação de recursos como também estende a de percepção, o valor do benefício programado percebido por uma mulher aposentada aos 55 anos de idade, após 30 anos de contribuição, pode chegar a ser apenas ligeiramente superior à metade do valor do benefício recebido por um homem aposentado aos 60 anos de idade e 35 anos de contribuição. No âmbito do regime geral de previdência social a apontada discrepância é atenuada. Embora o cálculo do fator previdenciário leve em consideração o tempo de contribuição, a idade de aposentadoria e a expectativa de vida do segurado, esse último fator desconsidera a diferença entre os sexos. Além disso, a redução legal do tempo de

15. Lei nº 8.213/91, art. 29, I, e Lei nº 10.887/04, art. 1º. 16. Constituição Federal, art. 40, § 1º, III, “a”. 17. Tábuas Completas de Mortalidade – Homens e Mulheres – 2009, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE

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contribuição é compensada mediante acréscimo, a esse tempo, de cinco anos, em se tratando de mulher ou de professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, ou de dez anos, em se tratando de professora nessa última situação18. As compensações recém mencionadas podem gerar desequilíbrio entre contribuições e benefícios do RGPS, cujos eventuais déficits são suportados pela União. No âmbito de um regime de capitalização, contudo, desconsiderar, na fixação do valor do benefício, a diferença de expectativa de vida entre homens e mulheres ou a redução do período contributivo fará com que o segurado fique sem complementação de aposentadoria na fase final de sua vida. Nesse contexto, somente a elevação das alíquotas de contribuição pode compensar ou atenuar a redução do valor do benefício programado devido às mulheres e demais segurados que se aposentam em condições diferenciadas.

Portanto, os que mais sofrerão redução de renda após a aposentadoria, com a implantação do regime complementar, serão, dentre os que percebem remuneração superior ao limite do RPGS, aqueles para os quais a legislação estabelece requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria, ou seja, as mulheres18; os portadores de deficiência20; os que exercem atividades de risco20; os que trabalham sob condições prejudiciais à saúde ou à integridade física22; e os profissionais do magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio23. Como a redução do valor do benefício programado é mais do que proporcional à abreviação da fase de acumulação de recursos, já que implica ampliação da duração estimada para a fase de percepção de benefícios, os servidores enquadrados nas situações recém-indicadas tendem a se sentir compelidos a permanecer em atividade após terem atingido a idade e o tempo de contribuição exigidos para aposentadoria

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18. Lei nº 8.213/91, art. 29, § 9º. 19. Constituição Federal, art. 40, § 1º, III, “a”e “b”. 20. Constituição Federal, art. 40, § 4º, I. 21. Constituição Federal, art. 40, § 4º, II. 22. Constituição Federal, art. 40, § 4º, III. 23. Constituição Federal, art. 40, § 5º.

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a RTIGO O Abuso de Direito e a Norma Antielisiva1 Eládio César da Silva2 Maria Cristina Montezano3 Marília Aparecida Silva do Carmo4 Wilson Silva França Júnior5

1- Introdução Na relação tributária distinguem-se dois agentes: de um lado os contribuintes na busca por uma redução de custos fiscais, e de outro as Administrações Tributárias que, no cumprimento de suas funções institucionais, procuram garantir fontes de financiamento dos gastos públicos via arrecadação de tributos. Com vistas a alcançar uma diminuição de sua carga tributária, os contribuintes ora recorrem a uma legítima economia fiscal, pela utilização de uma norma legal disponível, caracterizada como “elisão”, ora incorrem em “práticas evasivas”, com o descumprimento direto de lei, ou ainda, exercem o que parte da doutrina denomi-

na como “ilícitos atípicos”, como é o caso do abuso de direito, da fraude à lei fiscal, do abuso de formas e do negócio jurídico indireto sem causa, os quais compõem as condutas “elusivas”. Paralelamente, as Administrações Tributárias procuram inserir, no ordenamento jurídico, dispositivos normativos que inibam as iniciativas tendentes a diminuir suas receitas e aparelham-se para combater não apenas a agressão direta de norma legal, mas também as condutas elusivas que, embora não afrontem diretamente uma regra específica, acabam por atacá-la indiretamente, quando ofendem o sistema jurídico como um todo. Na busca incessante de economia fiscal, muitas vezes

1. O presente artigo é adaptação da monografia aprovada em banca do Curso de Pós-Graduação em Gestão em Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas, Programa FGV Management. 2. Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, Graduado em História pela UFMG e pós-graduado em Gestão do Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. 3. Auditora Fiscal da Receita Federal do Brasil, Graduada em Administração pelo Instituto Cultural Newton de Paiva Ferreira e pós-graduado em Gestão do Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. 4. Procuradora da Fazenda Nacional, Graduada em Ciências Contábeis e Direito pela UFMG e pós-graduado em Gestão do Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. 5. Auditor Fiscal da Receita Federal, graduado em Engenharia e Direito pela UFMG e pós-graduado em Gestão do Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas.

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os contribuintes utilizam-se de determinados expedientes, caracterizados como elusão, porque sem nenhuma finalidade negocial, apenas visando a minimizar a carga de tributos. Excedem o uso das prerrogativas legais e concorrem para o financiamento das despesas públicas com um dispêndio muito aquém de sua real capacidade contributiva. Prejudicam, com isso, a própria sociedade, na medida em que subtraem receitas que seriam destinadas a projetos de governo, inclusive aqueles sociais e de investimento. Diante desse contexto, o objetivo do presente artigo é fazer um estudo das condutas elusivas com foco, principalmente, na teoria do abuso de direito, e sua aplicação na área tributária. Será analisada também a eficácia da norma prevista no parágrafo único do art. 116 do CTN e sua aplicação, combinada com o procedimento fiscal estabelecido pelo Decreto nº. 70.235/72 e alterações posteriores e pela Lei nº. 9.784/99. 2- Abuso de Direito 2.1- Conceito O conceito de abuso de direito não é uniforme na doutrina. No passado, seu reconhecimento estava muito preso à idéia de dolo e da intenção de causar prejuízo. Modernamente tem-se reconhecido a existência do abuso de direito sempre que o fim almejado desvirtua-se da finalidade reconhecida àquele direito. Desde os primórdios do direito, identificamos o repúdio ao abuso de direito. Já no direito romano, onde imperava a máxima nullus videtur dolo facere qui jure suo utitur6, verifica-se a reprovação ao exercício exacerbado de um direito, dando ensejo ao adágio summum ius summa iniuria7, o qual pode ser tomado como uma origem do conceito de abuso de direito. Das principais correntes modernas sobre o abuso do

direito filiamo-nos a objetiva, que admite o abuso de direito como categoria autônoma e justifica seu reconhecimento pela finalidade do direito e pelo motivo legítimo. Seguindo pela trilha da teoria objetiva, podemos dizer que o abuso de direito é todo uso anormal ou irregular de um direito subjetivo de seu titular. Douglas Yamashita afirma que “abusivo seria o exercício do direito em sentido contrário a sua destinação econômica e social”8. A definição do que é ou não normal e regular somente tem relevância à luz dos valores de determinada sociedade e de seus princípios constitucionais, que ditarão o alcance e a extensão do que seja anormal ou irregular dentro de uma determinada realidade e não se esgota no direito positivo, mas faz parte do que é reprovável em dada sociedade, tempo e contexto. 2.2- Justificativa do Reconhecimento do Abuso de Direito O reconhecimento do abuso de direito é uma reação ao absolutismo dos direitos individuais, pois introduziu a idéia de que se deve limitar não apenas o poder do Estado, mas também o direito individual, de modo a sujeitá-lo aos limites das regras de convívio social, aos princípios de justiça social, de solidariedade e de ética, no Brasil, especialmente a partir da Constituição Federal de 1988. Ricardo Lobo Tôrres9 afirma que o reconhecimento do abuso de direito tem sua base na jurisprudência dos valores, que marcaram a mudança da forma de ver o Estado, sua função e o imperativo da ponderação dos princípios que até então regiam o direito, especialmente nas relações Estado/Contribuinte, quais sejam, a legalidade, a propriedade e a segurança jurídica. O autor afirma também que, a partir da introdução da jurisprudência dos valores, passou-se a exigir do intérprete que,

6. Não age com dolo aquele que faz uso do seu direito. 7. Supremo direito, suprema injustiça. 8. YAMASHITA, 2005, p. 111, grifos do autor 9. Apud ROCHA, 2002.

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ao lado dos princípios tradicionais, ponderasse valores implícitos ou expressos na Constituição Federal, buscando o fim último do direito. Atos que têm aparência de conformarem-se à lei, mas são contrários ao ordenamento jurídico, porque agridem valores éticos da sociedade, passam a ser repudiados. Dessa forma, no abuso de direito, o ato praticado pelo indivíduo não é ilegal, mas sim ilícito, porque é praticado formalmente de acordo com o direito de seu titular, contudo contraria regras sociais. 2.3- Aplicação de Instituto do Direito Civil ao Direito Tributário O Código Civil de 2002 previu expressamente o abuso de direito em nosso ordenamento jurídico, no seu art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. O reconhecimento do abuso de direito é um imperativo se atentarmos para o fato de que o direito positivo não pode prever expressamente todas as condutas que o grupo social repudia, porque a realidade é dinâmica e é pressuposto do Direito sua adaptação ao tempo e ao espaço, observados os valores postos na Constituição Federal. Haja vista a aplicação da teoria do abuso de direito no direito civil brasileiro, vamos buscar respaldar seu emprego no campo tributário. Paulo de Barros Carvalho10 afirma que a chamada autonomia do direito tributário existe meramente para fins didáticos, porque é forçoso reconhecer o caráter absoluto da unidade do sistema jurídico. Bernardo Ribeiro de Moraes, citado por Yamashita cita, diz que “[...] o direito civil é um direito comum que supre as normas dos outros ramos jurídicos e preenche

10. CARVALHO, 2005. 11. YAMASHITA, 2005, p. 75 12. Idem, ibidem 13. BOGO, 2006, p.43 14. TÔRRES, 2003

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os seus vazios. Portanto, as relações entre esses dois ramos do direito – tributário e civil – são também estreitas”11 e, mais à frente, citando Miguel Reale, conclui que “nada mais errôneo do que pensar que as normas do Código Civil de 2002, principalmente em sua parte geral, sejam sempre e exclusivamente de Direito Civil”12, isto porque boa parte dessas normas são da teoria geral do direito, portanto, aplicável a qualquer ramo do direito, dentre eles o direito tributário. Contudo, não se pode deixar de admitir que existem certos princípios gerais do direito tributário que devem ser considerados, na interpretação da norma tributária, sem perder de vista o ordenamento jurídico e seus valores. Nessa trilha, Luciano Alaor Bogo13 afirma que não há autonomia científica do Direito Tributário, mas sim possibilidade de estabelecer, dentro desse ramo do direito, conceitos, categorias jurídicas e princípios específicos. 3- O Abuso de Direito no Campo da Tributação A aplicação do abuso de direito no direito tributário não é pacífica. Dentre aqueles que não admitem a aplicação do abuso de direito no direito tributário podemos citar Heleno Tôrres, Alfredo Augusto Becker e Alberto Xavier. De outro lado, encontramos juristas que reconhecem que o abuso de direito tem completa aplicação no direito tributário, como, por exemplo, Marco Aurélio Greco, Hermes Marcelo Huck e Douglas Yamashita. Heleno Tôrres foi o doutrinador que introduziu, no direito brasileiro, o conceito de elusão, que será desenvolvido na seção 4, cujo fundamento é a falta de causa do ato ou negócio jurídico. Contudo, o doutrinador praticamente nega a possibilidade de aplicação do abuso de direito no direito tributário14. Reconhecemos que não é possível o sujeito passivo da obrigação tributária abusar do direito de cumprir


essa obrigação. Não é possível abusar do dever de cumprir uma prestação, isto porque o cumprimento de uma obrigação não se insere no campo dos direitos subjetivos. Por outro lado, o contribuinte possui vários direitos privados que afetam ou que geram efeitos no direito tributário e nesse momento é possível ocorrer o abuso de direito. Adotando essa linha de pensamento encontramos Douglas Yamashita, quando afirma que a conclusão de Heleno Tôrres é equivocada, porque: “[...] ele não apenas se esquece de que certos direitos privados podem servir abusivamente contra o Estado tributante, mas também ignora que o Direito Tributário concede direitos subjetivos públicos, tais como: i) créditos escriturais (de ICMS, IPI, PIS ou Cofins); ii) direitos de opção (Lucro Real, Presumido ou Arbitrado, Simples, regime de caixa ou de competência); ou iii) isenções ou hipóteses de não-incidência, etc”15

mos: existe a chamada autonomia do direito tributário, em relação aos demais ramos do direito? Mais uma vez estamos convictos de que esta autonomia é meramente didática, como já demonstramos. Assim, é necessário concluir que o abuso de direito deve ser reconhecido no direito tributário. Admitir a aplicação do abuso de direito no direito tributário não implica autorizar que a tributação deva invadir o patrimônio do indivíduo sem limites. Defende-se apenas que esse limite seja a capacidade econômica ou contributiva do contribuinte. Essa capacidade deve ser o limite para o contribuinte e para o Estado.

O abuso de direito no direito tributário assenta-se basicamente no uso abusivo de direito privado ou de institutos do direito privado com vistas, exclusivamente, à economia de tributos. Atentando-se para tese da elusão defendida por Heleno Tôrres, constata-se que, embora esse autor não admita a aplicabilidade do abuso de direito no direito tributário, ao discorrer sobre a ilicitude do ato e negócio jurídico sem causa, traz os fundamentos para o reconhecimento do abuso de direito nas relações tributárias. Essa afirmativa pode ser constatada especialmente quando se refere a negócios lícitos16 que não se constituam

Aquele não pode, a pretexto de auto-organização ou de liberdade individual, utilizar-se de formulações canhestras e pré-fabricadas, empregadas com o único propósito de reduzir o montante de tributo a ser pago, independentemente de qualquer motivo que justifique essas formulações. O particular, ao aplicar o direito, da mesma forma que a Administração Pública, irá interpretá-lo e, nessa interpretação, deveria ter sempre em mente que a liberdade de iniciativa e a liberdade de contratar estão limitadas pelos fins e pela função social desses direitos. Desse modo, prestigia-se o princípio da autonomia privada, porque plenamente reconhecido em nosso ordenamento jurídico,17 condicionando o amparo do sistema normativo a que a finalidade que move o contribuinte não seja apenas a de evitar ou reduzir a incidência tributária utilizando atos ou negócios aparentemente lícitos, mas desprovidos de causa18 ou de fim econômico

em simulações, com o objetivo de contornar a norma tributária. Neste ponto devemos indagar: podemos ter certo que o abuso de direito tem aplicação ampla no direito privado e no direito público? Acreditamos que não há dúvida de que a resposta é afirmativa. Então questiona-

ou social. Atualmente em nosso direito podemos identificar vários direitos subjetivos sujeitos a abuso, dentre eles, o da personalidade jurídica, da propriedade, da liberdade de iniciativa, da liberdade de comércio e indústria, da liberdade de contratar, da liberdade de concorrência – sendo

15. YAMASHITA, 2005, p. 136. 16. TÔRRES, idem 17. Constituição Federal de 1988 – arts. 5o e 170. 18. TÔRRES, idem,

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que todos têm aplicação e afetam o direito tributário. Dessa forma, sempre que o titular do direito dele abusar, exercitando com irregularidade seu direito à economia fiscal, “[...] praticando ato válido perante o Direito Privado, mas com abuso do direito frente ao Direito Tributário”19 não haverá a anulação de tal ato perante o Direito Privado, contudo, haverá efeitos diversos no Direito Tributário, porque, ainda que válido no direito privado, no direito tributário o ato poderá gerar a desconsideração do negócio jurídico ou da relação jurídica. No dizer de Maria Luiza Mendonça, “não se justifica a anulação de tal ato porque ele é válido perante o Direito Privado, e deve-se prestigiar essa validade para a segurança do tráfico jurídico” (id.) 3.1- Abuso de Direito e Figuras Análogas: Fraude à Lei Fiscal, Abuso de Forma e Negócio Jurídico Indireto Diferentemente do abuso de direito, na fraude à lei fiscal há uma violação indireta da lei: por meio de aparente licitude impede-se a imposição legal, cometendo uma ilicitude. Adota-se um caminho indireto com a finalidade de se evitar a aplicação da norma tributária ou reduzir sua eficácia. Conforme Douglas Yamashita, “[...] o ato em fraude à lei atenta apenas indiretamente, mediante engenhosa e complicada combinação de meios, contra tal resultado” (2005, p. 295). Por meio de tipos negociais diferentes, voltados à obtenção de resultados vedados pela lei cogente, tenta-se contornar ou evitar uma norma, para atingir os mesmos objetivos econômicos que esta previu e proibiu, logrando, com isso, uma vantagem fiscal. Utiliza-se irregularmente a autonomia privada com o exercício de determinados atos jurídicos, cuja finalidade é afastar a incidência da norma jurídica, usando-se uma norma de cobertura para fazer-se sujeito a esta e não àquela que se evita.20 19. MENDONÇA, 1998, p. 150 20. TORRES, 2003 21. GALHARDO, SILVA e NETO apud ANAN JR. 2005, p. 223. 22. MARINS, 2002, p. 39

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A fraude à lei fiscal se enquadra no que a doutrina chama de ilícitos atípicos, quando existe uma conduta permitida, mas que pelo exercício desta, comete-se um dano. É que ela não ofende diretamente regra jurídica, mas atinge princípios que regem o sistema jurídico pátrio, ao “driblar” o espírito da lei imperativa. Qualifica-se ao lado do abuso de direito como componente destes ilícitos atípicos e sujeita-se à mesma sanção, ou seja, à desconsideração pelo Fisco. O abuso de forma acontece, quando for adotada uma forma anormal, atípica, com menor carga fiscal, para um negócio jurídico, cuja forma normal atingiria o mesmo objetivo, porém, mais oneroso do ponto de vista fiscal. Esta teoria foi desenvolvida para combater a utilização abusiva de formas jurídicas para a consecução dos negócios cuja finalidade é a economia tributária. É a situação em que determinado contribuinte, em vez de adotar uma forma mais simples e mais apropriada para o tipo de negócio pretendido, encadeia atos jurídicos, usando formas insólitas, inadequadas, cujo resultado atingido é o mesmo da forma normal, porém com menor carga tributária. A teoria do abuso de forma possibilita a desconsideração do negócio jurídico que demonstre desconformidade entre conteúdo e forma, ou que não corresponda àquele que a forma exibe, aparecendo travestido de uma forma inadequada21. James Marins, ao falar do abuso de formas, afirma: “Esta teoria insere-se num campo correlato ao do abuso de direito”22, pois são conceitos que se aproximam, sendo empregados, em certos casos, conjuntamente. No abuso de direito, se for adotada uma determinada forma para o negócio jurídico, e esta causar prejuízo a terceiros, recorrendo a um modelo inadequado, atípico, estará presente, também, o abuso de formas. Há negócio jurídico indireto quando, no exercício da autonomia privada, os agentes econômicos formatam


negócios jurídicos típicos (tipo de contrato que a lei disciplinou seus contornos básicos, formais e materiais), em que a vontade das partes é manifestada de modo claro, sem distorção, onde seus efeitos são os desejados e há disposição para suportá-los tais como se irradiam. Porém, visam a um fim indireto, já que apresentam objetivos diversos dos que lhe são próprios. É que seus fins são modificados, de modo a divergir daquele fim típico, porém, mantendo-se o tipo legal. Por meio do negócio indireto, os contribuintes buscam efetivamente seguir o caminho escolhido, de forma transparente e visando o mesmo resultado que seria obtido por outro tipo de negócio23. No entanto, ao mesmo tempo em que adotam um negócio típico, objetivam um fim atípico, distinto daquele que seria próprio do tipo24 e de modo a incorrer em menor carga de tributos. Marco Aurélio Greco assim conclui: “Em suma, o negócio indireto em si mesmo considerado tanto pode desembocar numa fraude à lei ou num abuso de direito e aí estará desprotegido pelo ordenamento, como poderá se dar sem que isto ocorra. Não é o simples fato de ser negócio indireto que protege ou não o contribuinte, é o caso concreto que vai determinar sua oponibilidade ou não ao Fisco”.25

Como visto, abuso de direito, fraude à lei fiscal, abuso de forma e negócio jurídico indireto sem causa se aproximam, já que não apresentam ilegalidade no ato jurídico propriamente dito, no entanto, desembocam numa conduta elusiva. 4- O Parágrafo Único do Artigo 116 do CTN e sua Aplicação Cumpre, de início, fazer a distinção entre elisão, evasão e elusão. Elisão e evasão são conceitos que se contrapõem. Enquanto a elisão caracteriza-se por ser um procedimento lícito, que corresponde a uma alternativa legal

disponível para realizar a operação pretendida, evitando a incidência tributária ou se sujeitando a regime tributário mais favorável, a evasão utiliza-se de meios ilícitos e fraudulentos, pela ação ou omissão, em ofensa a dispositivo legal, minorando ou eliminando a carga fiscal. Já a elusão, termo introduzido na doutrina pátria por Heleno Tôrres, fica a meio caminho entre os conceitos de elisão e evasão. Contempla condutas que não afrontam nenhuma regra tributária, entretanto são ilícitas por desrespeitarem princípios fundamentais do ordenamento jurídico. Não podem, assim, ser admitidas, ao contrário das práticas elisivas, que ocorrem no exercício regular da liberdade privada e são inatacáveis. O controle da elusão fundamenta-se no conceito de ilícito atípico: aquele que não se enquadra em nenhuma das ilegalidades tipificadas em lei, compõe um sistema aberto, sem uma definição predeterminada das ilegalidades e apresenta, por isso, uma infinidade de possibilidades de ocorrência. Em oposição, os ilícitos típicos são determinados, constantes de uma lista taxativa, num sistema fechado e com os modelos sancionatórios já definidos. Não raro, observam-se reorganizações societárias, constituições de empresas, transferências patrimoniais e diversos outros negócios jurídicos que, prima facie, são perfeitamente legais, mas que, ao final, identificadas as verdadeiras finalidades jurídicas dos atos, se revelam ilícitos por desrespeitarem o direito como um todo, caracterizando-se como condutas elusivas. Organizam-se negócios jurídicos lícitos, de forma transparente e no uso de legítima autonomia privada, entretanto, a estruturação destes negócios se dá sem um propósito negocial, em fraude à lei, com abuso de direito, com abuso de forma ou por meio de um negócio jurídico indireto, cujo objetivo é evitar a incidência da norma tributária, sendo apenas aparente a licitude do ato. Ou seja, adotam-se comportamentos elusivos e não apenas elisivos. Estes atos exigem mecanismos corretivos, sob pena de afron-

23. GRECO, 2004 24. Heleno Tôrres assim se manifesta: “[...] negócio indireto é aquele no qual as partes celebram um contrato usando um tipo-parâmetro, mas visando a um fim indireto, i.e., distinto daquele que seria próprio do tipo”. (TORRES, 2003, p. 162). 25. GRECO, 2004, p. 255.

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ta aos princípios da boa-fé, da capacidade contributiva e da igualdade. Desvenda-se a elusão, perquirindo-se, portanto, para além da forma, o resultado perseguido pelo negócio jurídico, sua verdadeira causa, sua idoneidade e a aptidão do instrumento utilizado para a concretização do fim objetivado pelas partes. E, uma vez caracterizado o comportamento elusivo do contribuinte, cabe a aplicação do parágrafo único do art. 116 do CTN (“A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”), norma geral, em matéria tributária, sancionatória de tais condutas. É certo que há doutrinadores que enxergam no dispositivo uma regra antievasiva, com fundamento em uma análise puramente semântica do termo “dissimular”, entendendo-a como uma regra anti-simulação, que seria, assim, inócua, visto que trataria de condutas já sancionadas por outras normas tributárias. Acompanhamos o pensamento daqueles que vislumbram no parágrafo único do art. 116 do CTN ferramenta de combate à elusão fiscal, por entendermos que não se deve, na interpretação do comando legal, resumir a análise ao sentido emprestado a um único signo do texto posto pelo legislador. Os conteúdos das expressões “ocorrência do fato gerador” e “natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária” não podem ser ignorados, sob risco de não se apreender o real alcance da norma, qual seja, dotar o ordenamento jurídico tributário de meios de correção de atos elusivos, desvendando a ocorrência do fato gerador, obstaculizada pelas práticas do contribuinte, e revelando a verdadeira natureza jurídica dos componentes da obrigação tributária, que o particular buscou omitir por meios que, quando vistos isoladamente, seriam autorizados pelas legislações tributárias ou privadas. Com o parágrafo único do art. 116 do CTN, o direito positivo tributário conta, hoje, com uma norma geral

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proibitiva de “ilícitos atípicos”, fórmula já comumente adotada no direito privado para sanção de ilícitos desta natureza. Logrou-se, com este preceito normativo, inserir, no direito positivo pátrio, instrumento de controle de condutas privadas que, sem descumprir frontalmente as normas tributárias, buscam ocultar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, resultando numa economia de tributos alcançada, unicamente, em decorrência das práticas elusivas. Instrumentalizou-se, assim, a Administração Fiscal para enfrentar as práticas elusivas que não encontram vedação em leis tributárias específicas. Os requisitos para evidenciação de tais condutas são dados por princípios e regras tanto do direito privado quanto do direito público, enquanto a sanção aplicável, pelos danos à Fazenda Pública, encontra-se no parágrafo único do art. 116 do CTN. A fundamentação jurídica, portanto, para qualificá-las como ilícitas e apená-las deve ser buscada não apenas nas normas tributárias. 4.1- Aplicação da Norma Geral Antielisiva Combinada com Dispositivos do Código Civil Como visto, o sistema jurídico é uno e deve, portanto, guardar uma coerência entre os dispositivos presentes nos seus diversos ramos que, indubitavelmente, se comunicam. E, repise-se, a unidade do sistema jurídico não prescinde de conceitos como “abuso de direito” e “fraude à lei” inseridos na órbita de uma teoria geral de direito. Respeitadas eventuais derrogações trazidas pelas leis fiscais especiais ou específicas, os significados que o direito privado empresta a tais categorias jurídicas são amplamente aplicáveis no campo tributário. Além disso, a legislação tributária pode prever conseqüências distintas das trazidas pelo direito privado, como efetivamente o faz, determinando, o parágrafo único do art. 116 do CTN, não a invalidade dos atos elusivos, mas a sua inoponibilidade perante a Fazenda Pública. Nestes moldes, compreendemos o conceito de “abuso de direito”, como dado pelo art. 187 do Código Civil de 2002, plenamente aplicável às questões tributárias,


com a ressalva de que a sua prática tem efeitos próprios no campo tributário, devendo-se conjugar o preceito do direito privado com o parágrafo único do art. 116 do CTN. Observados os requisitos materiais previstos no art. 187 do CC que acarretem a redução de tributo ou a obtenção de vantagens fiscais indevidas, pode o Fisco requalificar as práticas do particular, como determina o art. 116, parágrafo único, do CTN, e fazer incidir a norma tributária de regência. Aliás, deve ser ressaltado que, em nenhum de seus comandos normativos, o CTN elenca requisitos materiais para a caracterização de comportamentos elusivos, que deverão ser buscados em princípios e regras do ordenamento jurídico, sejam normas do direito privado ou do direito público. E de outra maneira não poderia ser, porquanto, em tais hipóteses, estaremos diante de ilícitos atípicos. Regularmente comprovada a ilicitude resultante de prática elusiva e que não seja atacável por norma tributária específica, a autoridade administrativa poderá lançar mão da norma geral antielusiva. É desnecessário que a Administração recorra ao Poder Judiciário para ver declarada a nulidade do ato, pois o negócio jurídico, no campo do direito tributário, não será nulo. Será, contudo, inoponível à Fazenda tal qual se apresenta, obviamente respeitado o devido processo legal. O sancionamento da elusão fiscal, nos termos do parágrafo único do art. 116 do CTN, faz-se, assim, pela desconsideração do negócio jurídico, ou melhor, por sua ineficácia perante o Fisco, não se imiscuindo o ato de desconsideração na validade do negócio jurídico. Ao proceder à recaracterização do negócio jurídico para revelação do fato gerador encoberto, a autoridade fiscal deve buscar trazer para o processo administrativo fiscal os elementos que comprovem a elusão, sendo necessária, no trabalho de concretização do comando abstrato previsto no parágrafo único do art. 116 do CTN, a evidenciação do objetivo efetivamente pretendido em contraposição à forma jurídica adotada e seu fim típico esperado.

4.2- Eficácia da Norma Geral Antielisiva O parágrafo único do art. 116 do CTN é exemplo de norma de eficácia contida. Nos ensinamentos de José Afonso da Silva: Algumas normas podem caracterizar-se como de eficácia contida, mas sempre de aplicabilidade direta e imediata, caso em que a previsão de lei não significa que desta dependem sua eficácia e aplicabilidade, visto que tal lei não se destina a integrar-lhes a eficácia (que já têm amplamente), mas visa restringir-lhes a plenitude desta, regulando os direitos subjetivos que delas decorrem para os indivíduos ou grupos. Enquanto o legislador, neste caso, não produzir a normatividade restritiva, sua eficácia será plena.26

Ricardo Lodi Ribeiro (2002, p.149) faz as seguintes considerações sobre a aplicação e a eficácia da norma geral antielisiva: No caso, há que considerar que ocorrendo o fato gerador, que é, no entanto, escamoteado por expedientes abusivos do contribuinte, é imperiosa a tributação com base no ato dissimulado, independentemente da lei prevista no parágrafo único do art. 116 do CTN, que regulará, por meio dos procedimentos a serem adotados, a forma pela qual a autoridade irá afastar a dissimulação, prevendo inclusive presunções de atos dissimulados. O dispositivo em tela é o típico caso de norma de eficácia contida, de aplicabilidade imediata e direta na clássica definição de José Afonso da Silva, que também se aplica aos dispositivos de lei complementar (grifos nossos).

Yamashita, igualmente, entende o parágrafo único do art. 116 do CTN como norma de eficácia contida. Argumenta que “entendimento diverso seria tolerar a ilicitude apenas por falta de um procedimento legal novo, uma vez que procedimento legal já existe”, devendo ser aplicada a legislação procedimental vigente: o Decreto nº 70.235/72, recepcionado pela CF/88 com status de lei ordinária, e, subsidiariamente, a Lei nº 9.784/99. Cabe ressaltar que a legislação de procedimentos administrativos em vigor respeita os princípios da ampla defesa e do direito ao contraditório, inclusive com possibilidade

26. SILVA, 1997, p. 260.

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de revisão das decisões em segunda instância por órgão colegiado paritário. De qualquer modo, tratando-se de uma lei de procedimentos, portanto matéria de direito processual, as hipóteses de dissimulação, presentes no direito material, independerão, evidentemente, da lei ordinária prevista no parágrafo único do art. 116 do CTN. 5- Conclusão Do estudo do abuso de direito em nosso atual direito positivo, conclui-se que estão superadas as discussões a respeito da antijuridicidade do instituto no âmbito dos negócios jurídicos privados, tendo em vista a disposição expressa da atual lei civil. Ao se adequar a uma conduta permitida, porém desvirtuando sua finalidade econômica e social, incorrer-se-á em ilicitude. E, assim como na hipótese de desrespeito a regras – que resultará em ilegalidade –, a afronta a princípios – acarretando ilicitude –, igualmente, não é admitida em nosso ordenamento. Apresentados pensamentos diversos a respeito da aplicabilidade do abuso de direito no campo da tributação, concluiu-se que o Código Civil, ao dispor sobre o instituto, traz regra geral aplicável aos mais diversos ramos de nosso ordenamento, aí inserido o direito tributário, dada a unidade do sistema jurídico, que como tal se caracteriza por ser um complexo organizado e coerente de princípios e regras, cabendo à autonomia dos ramos jurídicos fins meramente didáticos. Quanto ao abuso ao direito e as figuras análogas – abuso de forma, fraude à lei fiscal e negócio jurídico indireto sem causa –, conclui-se que a similitude entre eles reside no fato de não se caracterizarem como condutas ilegais, uma vez que não agridem frontalmente nenhuma regra imperativa, contudo apresentam uma legalidade apenas aparente, posto que são violadoras do conjunto de normas do ordenamento, ou seja, estão carregadas de ilicitude. A elusão fiscal tem como sua marca mais importante a distinção que faz do planejamento tributário lícito, exercido nos limites da legítima autonomia privada, do

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negócio jurídico apenas aparentemente lícito, visto que projetado exclusivamente para ocultar a ocorrência do fato gerador ou reduzir o quantum de tributo a pagar, sem qualquer propósito negocial, próprio do ato ou negócio praticado. A resposta dada ao abuso de direito pelo art. 187 do Código Civil de 2002 é plenamente aplicável às questões tributárias, em respeito à unicidade do sistema jurídico e observados os efeitos próprios no campo tributário, devendo-se conjugar o preceito do direito privado com o parágrafo único do art. 116 do CTN. Ainda com relação ao parágrafo único do art. 116 do CTN, em síntese, ele se constitui em norma geral sancionatória das condutas elusivas, entre elas as práticas abusivas, que têm como objetivo único escapar do cumprimento de obrigações tributárias e que são caracterizadas pela inexistência de causa ou propósito negocial. Também não se presta a coibir a elisão fiscal, economia lícita de tributos, nem visa a combater condutas evasivas, já proibidas por outros dispositivos do direito tributário. Vimos que ele exerce uma função instrumental, permitindo que a Administração Tributária declare ineficaz o negócio “dissimulado”, prescindindo da anulação do ato, pois trata-se de dispositivo de eficácia contida, visto que sua aplicação independe de futura lei ordinária de procedimentos que poderá, simplesmente, trazer exigências formais outras, ao lado das previstas na atual lei do processo administrativo fiscal, que garante plenamente ao contribuinte o direito à ampla defesa e ao contraditório, sendo desnecessária a intervenção do Poder Judiciário, posto que o negócio não será nulo, apenas inoponível ao Fisco. Assim, verificada a ação ou omissão do contribuinte, no uso de autonomia contratual, a qual foi exercida com elusão tributária, sem propósito negocial, visando a reduzir ou eliminar a carga fiscal, pode a Administração Tributária desconsiderá-la para efeitos exclusivamente fiscais, procedendo à lavratura do respectivo Auto de Infração, resguardando o direito de defesa na esfera administrativa, garantido pelo Decreto nº. 70.235/72 e pela Lei nº. 9.784/99.


REFERÊNCIAS Anais do Seminário Internacional sobre Elisão Fiscal, realizado pela Escola de Administração Fazendária – ESAF, em Brasília, no período de 06 a 08 de agosto de 2001. Brasília, 2002. ANAN JR., Pedro (Coord.). Planejamento Fiscal: Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: Quartier Latin, 2005. BOGO, Luciano Alaor. Elisão Tributária: Licitude e Abuso de Direito. Curitiba: Juruá Editora, 2006. ESTRELLA, André Luiz Carvalho. A Norma Antielisão Revisitada: Artigo 116, Parágrafo Único, CTN. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coord.). Planejamento Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. GALHARDO, Luciana Rosanova; SILVA, Priscila Stela Mariano da e GROSS NETO, Estevão. Planejamento Fiscal: Um Embate entre Princípios Constitucionais Tributários. In ANAN JR., Pedro (Coord.). Planejamento Fiscal: Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: Quartier Latin, 2005. GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004. MARINS, James. Elisão Tributária e sua Regulação. São Paulo: Dialética, 2002. MENDONÇA, Maria Luiza Vianna Pessoa de. O Abuso do Direito no Direito Tributário Brasileiro. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, nº. 73, p. 132-154, 1998. NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Livraria Almedina, 2004. PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coord.). Planejamento Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004.

PEREIRA, César A. Guimarães. A Elisão Tributária e a Lei Complementar nº. 104/2001. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, vol. I, nº. 8, 2001. Disponível em: http://www.direitopúblico.com.br. Acesso em: 30 mar 2006. PIZOLIO, Reinaldo. Norma Geral Antielisão e Possibilidades de Aplicação. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coord.). Planejamento Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Elisão Fiscal e a LC nº. 104/01. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, nº. 83, p. 141-149, 2002. ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Planejamento Fiscal: Teoria e Prática. v. 2. São Paulo: Dialética, 1998. ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002. TÔRRES, Heleno. Direito Tributário e Direito Privado: Autonomia Privada: Simulação: Elusão Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. TÔRRES, Ricardo Lobos. A Chamada “Interpretação Econômica do Direito Tributário”, a Lei Complementar 104 e os Limites Atuais do Planejamento Tributário. In.: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002. TÔRRES, Ricardo Lobos. Normas Gerais Antielisivas. Disponível em: http://www.rlobotorres.adv.br/htm/ antielisivas.htm. Acesso em: 31 mar 2006. YAMASHITA, Douglas. Elisão e Evasão de Tributos. Planejamento Tributário: Limites à Luz do Abuso de Direito e da Fraude à Lei. São Paulo: Lex Editor, 2005

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qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO A concessão de aposentadoria por invalidez integral para portador de doença grave, incurável ou contagiosa Natureza

Recurso Especial

Órgão julgador

Quarta Turma

Nº do Processo

REsp 942.530/RS

Relator

Ministro Jorge Mussi

Matéria

Aposentadoria por invalidez

Recorrente

Universidade Federal de Santa Maria

Recorrida/Interessado

Maria Olga do Couto Pacheco

Data de Publicação

07.06.2010

Ementa

DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DOENÇA INCURÁVEL. ART. 186 DA LEI N. 8.112/1990. ROL EXEMPLIFICATIVO. PROVENTOS INTEGRAIS. POSSIBILIDADE.

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Em alteração promovida pela Emenda Constitucional no 41/2003, a Carta Magna prevê em seu art. 40, §1º, inc. I 1, a concessão de aposentadoria integral aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, quando a invalidez decorrer de doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei. O art. 186, § 1º, da Lei n. 8.112/902 discrimina algumas das doenças consideradas graves, incuráveis ou contagiosas para fins de concessão integral da aposentadoria por invalidez, facultando a complementação do rol por outro diploma legal, ainda inexistente. Assim, as aposentadorias por invalidez concedidas com a fundamentação acima apenas serão deferidas se a moléstia estiver descrita no bojo legal, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade, conforme entendimento dominante na jurisprudência das Cortes do País, incluindo o Supremo Tribunal Federal 3, o Superior Tribunal de Justiça4 e o Tribunal de Contas da União5. Todavia a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ afirmou tratar-se de lista exemplificativa e não taxativa, por unanimidade, na análise do Recurso Especial – REsp no 942.530/RS, de Relatoria do Ministro Jorge Mussi. Muito embora a Administração Pública lato sensu esteja adstrita e vinculada à observância estritamente do princípio da legalidade, a aplicação deste primado não pode servir de fundamento para afastar a aplicação de direitos destinados à proteção do servidor público. Nestes termos, o rol descrito na Lei no 8.112/90 é apenas uma enumeração exemplificativa e negar-lhe

este caráter ofende a destinação da norma, uma vez que a vontade do legislador é garantir proteção aos servidores incapacitados em decorrência de doença incurável, contagiosa ou grave. O Ministro Relator também suscitou a incompetência técnica da Ciência Jurídica no que tange à definição e especificação taxativa de todas as doenças que podem levar à incapacidade laboral, sustentando brilhantemente a competência técnica privativa da Medicina para classificação das enfermidades, reafirmando que ao julgador, neste caso, compete apenas direcionar a solução da controvérsia baseando-se nos fins almejados pela norma e em prova técnica. Ainda destacou a afronta a princípios constitucionais, em especial o da isonomia, quando há a concessão de aposentadoria a servidor que sofre de um mal de idêntica gravidade àqueles mencionados no § 1º, e também insuscetível de cura, mas não contemplado pelo dispositivo de regência 6. Não obstante os entendimentos divergentes há de se reconhecer a plausibilidade dos argumentos acima mencionados. Negar ao servidor público o seu direito à aposentadoria com proventos integrais, apenas pela ausência de previsibilidade expressa da enfermidade que o incapacita no texto legal, implica na admissão deliberada de cerceamento à assistência previdenciária essencial para proteção da dignidade humana. O servidor público também é destinatário das normas relativas à proteção do trabalho e, claro, das normas tutelares dos direitos sociais. Assim, também deve fruir das normas destinadas à melhoria de sua condição social e, por conseguinte, possui direito cristalino

1. I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei; 2. § 1o Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada. 3. Por exemplo: RE n. 175.980/SP, RE 353.595/TO, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 767/931/RS 4. Precedentes citados no voto do Min. Jorge Mussi: AgRg no REsp 938.788/RS, AgRg no REsp 1.024.233/PR, MS 8.334/DF. 5. Acórdão 3741/2011 - Primeira Câmara; Decisão 259/2002 - Primeira Câmara 6. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/websecstj/decisoesmonocraticas/decisao.asp?registro=201000761506&dt_publicacao=13/12/2010

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e inafastável, como todos os cidadãos, à proteção da dignidade humana. A proteção social do trabalhador e o sistema previdenciário destinam-se à preservação da dignidade humana por meio de ações positivas e imposições estatais voltadas à concretização de um núcleo de direitos de cunho assistencialista e protecionista, garantidores de um mínimo de condições para o desenvolvimento da vida humana. Assim, considerar que o princípio da legalidade deve sobrepor-se ao direito constitucional de assegurar a assistência estatal para os cidadãos-servidores, impossibilitados de manter e prover seu sustento, contraria a própria ideologia da Constituição Federal. Os preceitos constitucionais constituem parâmetros basilares tanto para a elaboração quanto para a aplicação de outras normas, sendo sua observância obrigatória. A tarefa dos intérpretes consiste em obter a exata proporção entre legalismo e adequação da norma ao caso concreto, objetivando viabilizar a aplicação das disposições constitucionais e legais sem olvidar o sentido almejado pelo legislador. Nesta seara, a atividade interpretativa do julgador deve buscar valorar objetos externos à própria norma, uma vez que esta, quando de sua aplicação no mundo dos fatos, busca utilizar mecanismos capazes de aproximarem-na da realidade fática, sendo imprescindível a utilização de gradações valorativas para compatibilização entre anseios sociais e texto legal.

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A sobreposição do princípio da legalidade ao protecionismo essencial à vida humana e à preservação da dignidade do homem é posicionamento que afronta o próprio objetivo da Lei, que, como bem explicitou o Ministro relator, cinge-se em amparar de forma mais efetiva o servidor que é aposentado em virtude de grave enfermidade, garantindo-lhe o direito à vida, à saúde e à dignidade humana. Por uma questão de justiça, espera-se que o novo entendimento do STJ supere a interpretação dominante da questão, pois, com isso, haverá efetividade aos ditames constitucionais destinados à proteção dos servidores aposentados em decorrência de enfermidades.

Renata Machado de Araujo Machado Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional Áryna Martins Dias Rangel Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional




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