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Tratamento de fratura de ângulo mandibular com utilização de placa grade: relato de caso
FELIPPE ALMEIDA COSTA1 | ROGÉRIO ALMEIDA DA SILVA1 | FÁBIO RICARDO LOUREIRO SATO1 | LUCAS MARTINS DE CASTRO E SILVA1
RESUMO
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Introdução: As fraturas na região do ângulo mandibular apresentam um maior índice de complicações, quando comparadas às outras fraturas mandibulares. Entre os motivos para o alto índice de complicações estão a anatomia da região, localização e dificuldade de fixação desse tipo de fratura. Existem diversas modalidades para o tratamento desse tipo de fratura. Objetivo: O objetivo do presente trabalho é relatar um caso de fratura de ângulo mandibular tratado por meio da placa grade e discutir as vantagens desse tipo de fixação no tratamento dessas fraturas. Relato de caso: O paciente compareceu ao pronto-socorro com história de agressão física e apresentava como queixa principal dor e alteração oclusal, sendo diagnosticado com fratura bilateral de mandíbula. Foi proposta redução e fixação interna estável da fratura por acesso intrabucal, sob anestesia geral. Resultados e Conclusão: O paciente se encontra em acompanhamento ambulatorial com pós-operatório há três anos, período no qual não foi observada qualquer complicação com o uso da fixação com a placa grade. A placa grade mostrou ser uma alternativa eficaz para o tratamento de fraturas de ângulo mandibular sem deslocamento e apresenta como principais vantagens a fácil manipulação e adaptação da placa, menor morbidade ao paciente, menor tempo cirúrgico e menor índice de complicações.
Palavras-chave: Fixação interna de fraturas. Placas ósseas. Mandíbula.
1 Hospital Geral “Dr. José Pagela” de Vila Penteado, Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (São Paulo/SP, Brasil).
» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.
» O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias. Como citar: Costa FA, Silva RA, Sato FRL, Castro e Silva LM. Treatment of mandibular angle fracture with grid plate: case report. J Braz Coll Oral Maxillofac Surg. 2020 May-Aug;6(2):39-43. DOI: https://doi.org/10.14436/2358-2782.6.2.039-043.oar
Enviado em: 18/02/2019 - Revisado e aceito: 09/08/2019
Endereço para correspondência: Felippe Almeida Costa Av. Min. Petrônio Portela, 1800, Jardim Iracema – São Paulo/SP – CEP: 02.802-120 E-mail: felippealmeida@usp.br
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, diversos métodos para o tratamento das fraturas mandibulares foram propostos. O tratamento aberto dessas fraturas por meio da redução e fixação interna estável pode ser realizado com uma grande variedade de sistemas de placas, tanto por acesso extrabucal quanto intrabucal. A maioria das fraturas simples, sem deslocamento ou com o mínimo deslocamento, pode ser adequadamente tratada com uso de uma ou duas placas1 .
Entre as fraturas de mandibulares, a fratura de ângulo é a mais comum, compreendendo em média 30% dos casos. Devido à sua localização e biomecânica, a fratura de ângulo mandibular torna-se, muitas vezes, um tratamento desafiador e apresenta um maior índice de complicações, se comparada a outros tipos de fratura mandibular. Isso também se deve ao fato de essas fraturas apresentarem um menor contato ósseo na linha de fratura e, por consequência, problemas de vascularização na região1,2 .
Um grande número de métodos de fixação tem sido relatado na literatura para o tratamento de fraturas de ângulo mandibular. Isso reflete o fato de que há diversas possibilidades quanto ao método ideal de fixação. Alguns métodos descritos incluem uma única placa do sistema 2.0 na borda superior, uma única placa do sistema 2.4, duas placas, sendo uma na borda superior e outra na inferior, placas grade e lag screw2 .
Entre as opções para o tratamento das fraturas de ângulo mandibular, há a placa grade, que é formada pela junção de duas placas conectadas por barras, sendo utilizadas tanto em fraturas faciais quanto em cirurgia ortognática. As vantagens dessa placa são a estabilidade óssea, fácil adaptação, tanto na porção superior quanto inferior, maleabilidade, menor tempo cirúrgico e baixo índice de complicações2,4,5 .
De acordo com Gear et al.3, somente 6% dos instrutores da AO/ASIF americanos e europeus utilizaram placas grade para o tratamento de fraturas do ângulo mandibular. Esse dado reflete o desconhecimento do uso da placa grade para o tratamento desse tipo de fratura.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo relatar um caso de fratura de ângulo mandibular tratado por meio da placa grade e discutir as vantagens desse tipo de fixação no tratamento dessas fraturas.
RELATO DE CASO
Paciente com 20 anos de idade, sexo masculino, foi atendido na emergência de um hospital público da zona norte de São Paulo pela equipe de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, após trauma de face. O paciente relatava ter sofrido agressão física e apresentava ao exame físico limitação de abertura bucal de 20mm, má oclusão, dor (EVA: 7) e mobilidade de cotos ósseos durante manipulação na região de parassínfise esquerda e ângulo mandibular direito. Ao exame de imagem, apresentava solução de continuidade na região de parassínfise esquerda e ângulo mandibular direito (Fig. 1). O diagnóstico foi de fratura de parassínfise esquerda com deslocamento e fratura de ângulo mandibular direito sem deslocamento. Como planejamento cirúrgico, foi proposta a redução cirúrgica por acesso intrabucal de ambas as fraturas, com a utilização de uma placa do sistema 2.0mm na zona de tensão, uma placa do sistema 2.3mm na zona de compressão da fratura de parassínfise e uma placa grade do sistema 2.0 na fratura de ângulo mandibular.
O procedimento foi realizado em ambiente hospitalar sob anestesia geral. Infiltrou-se lidocaína 2% com epinefrina 1:200.000 na região das fraturas, para favorecer uma hemostasia adequada durante o transoperatório, e uma analgesia no pós-operatório imediato. Foi utilizada barra de Erich e bloqueio maxilomandibular com fio de aço nº 1 no transoperatório. Após abordagem intrabucal de ambas as fraturas, realizou-se a redução e fixação da fratura de parassínfise, por meio de uma placa do sistema 2.0 mm com parafusos monocorticais em zona da tensão, e uma placa 2.3 mm com parafusos bicorticais em zona de compressão (Stryker® Michigan, EUA). A fratura do ângulo mandibular foi reduzida e fixada com uma placa grade do sistema 2.0 mm com parafusos monocorticais (Stryker® Michigan, EUA). Essa placa foi colocada na zona neutra da mandíbula, que facilita a redução e estabilidade da fratura (Fig. 2). Para evitar um acesso transbucal para instalação dos parafusos, nessa placa utilizou-se perfuração e chave de inserção de 90º (Stryker® Michigan, EUA), o que evita incisões extrabucais e permite uma instalação adequada e perpendicular do parafuso à placa. Após a fixação das fraturas e tomografia pós-operatória de controle imediato (Fig. 3), a barra de Erich foi removida. O paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial de três anos, período no qual não foi observada qualquer complicação com a utilização da fixação com a placa grade (Fig. 4 e 5).
Figura 1: Exame radiográfico (posteroanterior de mandíbula) pré-operatório, evidenciando as fraturas.
Figura 2: Placa grade fixada na zona neutra da mandíbula.
Figura 3: Reconstrução 3D do exame tomográfico no pós-operatório imediato.
Figura 4: Tomografia computadorizada no corte coronal, após três anos de acompanhamento.
Figura 5: Tomografia computadorizada no corte sagital, após três anos de acompanhamento.
DISCUSSÃO
Com o surgimento da fixação interna estável, diminui-se bastante o período de bloqueio maxilomandibular, facilitando o retorno à função6. O objetivo principal do tratamento das fraturas mandibulares preconizado pela AO/ASIF é a restauração da função, permitindo mobilização rápida, ativa e livre de dor durante o período de reparo da fratura7 .
Guimond et al.8 avaliaram a ocorrência de complicações após o tratamento de 37 fraturas de ângulo mandibular com a utilização de placa grade e de sistemas convencionais. Tiveram como resultado uma taxa menor de complicações (5,4%) utilizando a placa grade, quando comparada aos sistemas tradicionais (7,5%).
Hochuli-Vieira et al.4 avaliaram a porcentagem de infecção das fraturas de ângulo mandibular tratadas com diversos sistemas de fixação. As placas trapezoidais apresentaram um índice de 4,4%, enquanto os pacientes tratados com sistemas convencionais apresentaram uma taxa de 32%. Os sistemas de fixação Locking apresentaram taxa de infecção muito similar ao índice encontrado nas placas trapezoidais (3,6%).
Entre os fatores que justificam o menor índice de complicações está o design estrutural da placa grade. Com a união de duas placas unidas por barras verticais, promove-se uma maior rigidez estrutural, diminuindo a ocorrência de gaps na borda inferior da mandíbula e a mobilidade óssea, quando comparada com uma fixação única do sistema 2.0 na linha oblíqua externa ou na borda superolateral. Outro fator importante é o menor descolamento mucoperiosteal necessário para fixação da placa, aumentando a vascularização da área, diminuindo, assim, a chance de complicações4,8 .
Um estudo realizado por Hoffer et al.5 comparou a fixação interna estável em sessenta pacientes com fraturas de ângulo mandibular, sendo trinta pacientes tratados com uma placa na linha oblíqua externa do sistema 2.0 mm e trinta tratados com placa grade. Os autores concluíram que o tempo médio da cirurgia, da intubação até a extubação, foi de 81,07 minutos em pacientes que foram tratados com placa grade, enquanto pacientes tratados com a placa na linha oblíqua externa apresentaram um tempo médio de 89,3 minutos.
O menor tempo cirúrgico é justificado pela necessidade de instalação de uma única placa em zona neutra, com mínima necessidade de adaptação e curvatura adicional9 .
Estudos biomecânicos envolvendo placa grade para o tratamento de fraturas mandibulares foram publicados, demonstrando resultados similares aos encontrados com a utilização de miniplacas e parafusos monocorticais dispostos de acordo com a filosofia Champy e AO/ASIF10. Observa-se, ainda, que as placas grade apresentam resistência adequada para suportar cargas mastigatórias, como sugerem os estudos biomecânicos realizados por Wittenberg et al.10 e Zix et al.1 , que apresentaram deformação da placa com 230N quando submetida a um carga mecânica, um número muito além das forças mastigatórias durante o processo cicatricial após um fratura de ângulo mandibular, variando entre 25N e 66N.
Dessa forma, tornam-se necessários mais estudos avaliando esse tipo de fixação interna estável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se concluir que, para as fraturas de ângulo mandibular sem deslocamento, o tratamento com a placa grade mostrou ser uma alternativa eficaz, apresentando como principais vantagens: fácil adaptação na região, menor morbidade ao paciente, menor tempo cirúrgico e menor índice de complicações.
ABSTRACT Treatment of mandibular angle fracture with grid plate: case report
Introduction: The mandibular angle fractures have a higher rate of complications when compared to other types of mandibular fractures. The reasons for the high rate of complications are: anatomy of the region, location and difficulty to fixation of this type of fracture. There are several modalities for the treatment of this type of fracture. Objective: The objective of this study is to report a case of mandibular angle fracture treated with grid plate and to discuss the advantages of this type of fixation for the treatment of this fracture.
Case report: Patient came to the emergency complaining of physical aggression on face. He related occlusal alteration and was diagnosed with bilateral mandibular fracture. It was proposed the reduction and fixation of the fracture by intraoral access, under general anesthesia. Results and Conclusion: The patient was in postoperative follow-up for three years, without complications. The grid plate showed to be an effective alternative for the treatment of mandibular angle fractures without displacement, presenting as main advantages of this treatment: easy manipulation and adaptation of the plate, less morbidity, shorter surgical time and lowest complication rate. Keywords: Bone plates. Fracture fixation. Mandibular fractures.
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