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Ameloblastoma desmoplásico em mandíbula: relato de caso
MAYLSON NOGUEIRA BARROS1 | VITOR BRUNO TESLENCO1 | DIOGO HENRIQUE MARQUES1 | HERBERT DE ABREU CAVALCANTI1 | GUILHERME NUCCI REIS1 | EVERTON FLORIANO PANCINI1
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RESUMO
Introdução: Os ameloblastomas são tumores benignos de origem de epitélio odontogênico. Eles acontecem em três diferentes situações e se apresentam com aspectos clínicos e radiográficos distintos, separados devido às considerações histológicas, terapêuticas e aos prognósticos diferentes: convencional, unicístico e periférico (extraósseo). O ameloblastoma convencional apresenta alguns subtipos microscópicos nos quais o tipo folicular e plexiforme são mais comumente encontrados; outros, menos comuns, são os de células basais, desmoplásico, acantomatoso e de células granulares. Objetivo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar um relato de caso de tratamento de um ameloblastoma desmoplásico em mandíbula. Relato de caso: Paciente leucoderma, 36 anos de idade, com queixa de aumento de volume mandibular direito, dor espontânea e dormência na região do lábio inferior. O tratamento proposto foi duas enucleações e curetagens associadas a osteotomia periférica. Durante acompanhamento clínico e radiográfico, observou-se neoformação óssea após as abordagens. O tratamento conservador proposto evitou uma abordagem mais invasiva/radical, prevenindo mutilações e sequelas. Conclusão: Foi constatado êxito até a finalização desse artigo, devido ao fato de a paciente apresentar-se assintomática, com um acompanhamento clínico e tomográfico de seis anos.
Palavras-chave: Ameloblastoma. Patologia bucal. Cirurgia bucal.
1 Associação Beneficente Santa Casa de Campo Grande, Serviço de Cirurgia e Traumatologia
Bucomaxilofacial (Campo Grande/MS, Brasil).
» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.
» O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias faciais e intrabucais, e/ou radiografias. Como citar: Barros MN, Teslenco VB, Marques DH, Cavalcanti HA, Reis GN, Pancini EF. Desmoplastic ameloblastoma in mandible: case report J Braz Coll Oral Maxillofac Surg. 2020 May-Aug;6(2):32-8. DOI: https://doi.org/10.14436/2358-2782.6.2.032-038.oar
Enviado em: 13/02/2019 - Revisado e aceito: 09/08/2019
Endereço para correspondência: Maylson Nogueira Barros Rua Rui Barbosa, 4744, apto 71, Centro – Campo Grande/MS E-mail: maylson.bucomaxilofacial@gmail.com
INTRODUÇÃO
Os ameloblastomas são tumores benignos de origem de epitélio odontogênico. Surgem dos restos da lâmina dental do esmalte, restos de Malassez, restos de Serres e revestimentos císticos; entretanto, o mecanismo de transformação neoplásica é desconhecido. Eles acontecem em três diferentes situações, com aspectos clínicos e radiográficos diferentes, que são separados devido às considerações histológicas, terapêuticas e aos prognósticos diferentes: convencional, unicístico e periférico (extraósseo)1,2 .
O ameloblastoma convencional apresenta alguns subtipos microscópicos nos quais os tipos folicular e plexiforme são os mais comumente encontrados. Outros, menos comuns, são os de células basais, desmoplásico, acantomatoso e de células granulares1,2,3. Apresenta crescimento lento e invasão tecidual local, devido à superexpressão do TNF-a, proteínas antiapoptóticas (Bcl2 e Bclx), proteínas de interface (fator de crescimento fibroblástico -FGF) e metaloproteinases de Matriz (MMPs)1,2,4, alastrando-se pelos espaços medulares. Quando localizados nas regiões posteriores da maxila, podem causar obliteração do seio maxilar, são frequentemente assintomáticos, mas podem se apresentar como tumefação indolor. Entretanto, recidivas e reabsorções radiculares são comuns1,2 .
O ameloblastoma desmoplásico contém pequenas ilhas e cordões de epitélio odontogênico em um estroma densamente colagenizado1,3,5. O diagnóstico diferencial inclui cistos odontogênicos, mixomas e patologias ósseas1,3,4 .
O tratamento para ameloblastoma é variável e inclui: marsupialização; enucleação associada por curetagem, com auxílio de osteotomia periférica; crioterapia ou aplicação solução de Carnoy; e ressecção, com margem de 1,5 a 2 cm1,5,6 .
Assim, o presente trabalho tem como objetivo apresentar um relato de caso de tratamento de um ameloblastoma desmoplásico em mandíbula.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, leucoderma, 36 anos de idade, foi encaminhada ao ambulatório do serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial devido a queixa de aumento de volume mandibular direito, dor espontânea e dormência na região do lábio inferior direito. À anamnese, a paciente negou alergias ou comorbidades prévias. Ao exame clínico extrabucal, observou-se assimetria facial e aumento de volume envolvendo região mandibular direita. À oroscopia, foi constatado abaulamento das corticais ósseas e discreta mobilidade do dente #46. O exame tomográfico apresentava uma imagem hipodensa, expansiva, localizada no ramo da mandíbula envolvendo o dente #46, com aspecto insuflativo, apresentando ruptura da cortical medial (Fig. 1 e 2). Foi realizada uma biópsia incisional, intrabucal, sob anestesia local, na qual se obteve confirmação histopatológica de ameloblastoma desmoplásico. Foi proposta uma abordagem conservadora, através da qual se realizou a enucleação com curetagem, associada a uma osteotomia periférica sob anestesia geral.
Foi realizada uma incisão utilizando bisturi elétrico monopolar na região retromandibular direita, com extensão, desde o ramo ascendente até o corpo mandibular, medindo aproximadamente 8 cm, e descolamento mucoperiosteal com exposição das corticais ósseas, sendo confeccionado um acesso à lesão com broca esférica. Na sequência, realizou-se a enucleação e curetagem da lesão, associadas à exodontia do #46 (Fig. 2). A osteotomia periférica se deu com broca carbide esférica e irrigação copiosa com soro fisiológico 0,9%. Realizou-se sutura da mucosa, com pontos contínuos, sem ancoragem com fio reabsorvível, e aplicação de ácido poliglicólico 4-0.
Após um ano de acompanhamento, constatou-se a recidiva da lesão. Seguindo a linha do primeiro tratamento, optou-se por realizar uma reabordagem semelhante ao tempo cirúrgico anterior. A paciente permanece em acompanhamento clínico e tomográfico até o atual momento (Fig. 3).
Figura 1: Fotografias iniciais da paciente (frontal, perfil e intrabucal) e radiografia panorâmica inicial.
Figura 2: Tomografia de face inicial (reconstrução 3D, cortes coronal e axial) e imagem transoperatória da loja patológica.
Figura 3: Tomografias de face (cortes axiais e reconstruções 3D), radiografia panorâmica de controle de seis anos e fotografias atuais (frontal e de perfil).
Figura 4: Lâminas histológicas: ilhas e cordões de epitélio odontogênico ameloblástico e estroma de tecido conjuntivo fibroso.
DISCUSSÃO
O ameloblastoma desmoplásico apresenta uma predileção relevante para acometer as regiões anteriores dos ossos gnáticos, especialmente na mandíbula, com características radiográficas diferentes do ameloblastoma convecional1,3 . Entretanto, no caso aqui apresentado, o acometimento foi a região posterior direita da mandíbula, apresentando-se no exame radiográfico como uma lesão multilocular, com aspecto de bolhas de sabão, diferindo do padrão de lesão mista com imagem radiolúcida e radiopaca.
Para o tratamento dessas lesões, vários fatores devem ser considerados para escolha do tipo de abordagem, entre eles as regiões anatômicas envolvidas da lesão, idade, comportamento clínico, tamanho, estruturas envolvidas e doenças sistêmicas graves limitantes do paciente5,6,7,9 . É primordial que a abordagem escolhida tenha indicação e abarcamento suficiente para equilíbrio de custo-benefício, obtendo resultado final da extinção da lesão, sendo o mais conservador possível, tendo em conta as recorrências e as transformações maligna da lesão1,3,6,8 .
Em seu estudo, Hammarfjord et al.9 observaram uma alta taxa de recidiva naqueles pacientes tratados de forma conservadora, necessitando de novas reabordagens conservadoras. A recidiva, em geral, pode demorar muitos anos para se tornar clinicamente evidente, e os períodos de cinco anos livres de doença não indicam uma cura1,3-7 .
Remover o tumor através de uma enucleação associada à curetagem pode deixar pequenas ilhas de células tumorais, o que pode aumentar significativamente a taxa de recidiva em até 90%1,4,5,9. Entretanto, a literatura demonstra que a associação de técnicas coadjuvantes cirúrgicas, como a osteotomia periférica e a aplicação de soluções, diminui os quadros de recidiva4,5,6 .
A ressecção apresenta menores taxas de recidiva; entretanto, mutilações, deformações e alterações estéticas são complicações esperadas dessa abordagem. O tratamento radical é indicado para casos de tumores com comportamento destrutivo, crescimento rápido, múltiplas recidivas após tratamento conservador e lesões próximas a estruturas vitais1,6-9 .
A radioterapia é controversa, sendo reservada para casos inoperáveis, impossibilidade de definir margens da lesão e crescimento excessivamente rápido1,6,7,8,10 .
A escolha de uma abordagem mais conservadora, neste caso, foi proposta por se tratar de uma paciente jovem, com uma lesão extensa envolvendo estruturas nobres, sendo o principal fator considerado a possibilidade de se evitar sequelas pós-cirúrgicas, mesmo levando em consideração as altas taxas de recidiva e possibilidades de novas cirurgias. Após a recidiva da lesão, foi proposta, novamente, uma enucleação e curetagem, associadas à osteotomia periférica, para se evitar o tratamento radical, levando em consideração os mesmos fatores já expostos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tratamento conservador instituído evitou uma abordagem mais invasiva, radical ou de radioterapia, bem como mutilações e sequelas. Durante um período de acompanhamento de seis anos, foi observada apenas uma recidiva, que foi tratada novamente com uma abordagem conservadora, constatando-se, assim, êxito até presente momento. Apesar do aparente sucesso do tratamento, e mesmo a paciente apresentando-se assintomática, são necessários mais estudos, a fim de se obter maior previsibilidade no plano de tratamento e um acompanhamento por longos anos, pois recidivas são possíveis.
ABSTRACT Desmoplastic ameloblastoma in mandible: case report
Introduction: Ameloblastomas are classified as benign tumors of odontogenic epithelium origin. They are subdivided into three different classifications, presenting different clinical and radiographic aspects, separated due to different therapeutic, in: conventional, unicystic and peripheral (extraosseous). Its appearance comes from the remains of the dental blade of the enamel, remains of Malassez, remains of
Serres and cystic coatings. Desmoplastic ameloblastoma is one of the rare histopathological subtypes of ameloblastoma, and may present different radiographic characteristics of the other ameloblastomas. Objective: to report to the academic community the conservative treatment of an odontogenic tumor. Case report: 36-years-old patient, leucoderma, complaining of right mandibular volume increase, spontaneous pain and paresthesia in the lower lip region, with diagnosis of desmoplastic ameloblastoma. Treatment involved two enucleations and curettage associated with peripheral osteotomy. During clinical and radiographic follow-up, bone neoformation was observed after the approaches. Conclusion:
It was observed that conservative treatment proposed avoided a more invasive/radical approach, avoiding mutilations and sequels. It was found successful until now due to the absence of clinical and radiographic signs of recurrence, during a follow-up period of six years. Keywords: Ameloblastoma.
Surgery, oral. Pathology, oral.
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