Mitos e lendas africanas

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Moremi derrota os inimigos lenda do povo iorubá

Um príncipe de Ilê Ifé se casou com uma bela mulher chamada Moremi, que lhe deu um filho muito formoso. Naquela época, o país estava em guerra com uma tribo de guerreiros terríveis chamados igbos, de aparência tão feroz que os habitantes de Ifé acreditavam que não se tratavam de humanos, e sim de espíritos enviados contra eles pelos deuses como castigo por alguma falta cometida. De nada adiantavam as oferendas que os sacerdotes faziam aos deuses: nada continha ou diminuía os ataques, e a população vivia apavorada. Como último recurso, o nobre príncipe resolveu deixar-se capturar pelo inimigo, de forma a ser levado como escravo para a terra dos igbos, com a intenção de descobrir o segredo de sua força descomunal. Moremi, sabendo dos planos do marido, dirigiu-se ao rio que passava perto da cidade e lá, na companhia de seu filho, prometeu que daria ao espírito do rio aquilo que tivesse de mais precioso, caso seu marido retornasse vivo da perigosa missão. Mas ocorreu que, no primeiro ataque dos inimigos, em vez de o príncipe ser capturado, foi Moremi quem foi feita escrava. Por sua beleza, Moremi foi entregue ao rei dos igbos. Inteligente e bondosa, a princesa conquistou o coração do rei inimigo e o respeito de toda a sua corte. Assim, pôde observar que os igbos eram homens comuns que se preparavam para os combates envolvendo o corpo e a cabeça com varas de bambu e muitas fibras vegetais, o que lhes dava a aparência terrível que possuíam.

e muitas fibras vegetais, o que lhes dava a aparência terrível que possuíam. Descobriu também que, por estarem envolvidos em folhas secas, os inimigos temiam o fogo que podia incendiar-lhes as vestes. Na primeira oportunidade, Moremi fugiu do palácio do rei igbo, voltando ao seu país com as informações preciosas que conseguira. De volta, mandou que os guerreiros de Ifé preparassem flechas incendiárias que, ao primeiro ataque, foram atiradas contras os inimigos, levando o fogo às suas vestes de folhas secas e derrotando-os definitivamente. Tudo aconteceu da forma prevista. Vencidos, os igbos se renderam e foi feito um tratado de paz entre as duas tribos. Moremi foi então ao rio e lhe ofereceu carneiros, cabras, pombos e frangos, mas o Espírito do Rio não aceitou nada, devolvendo inteiras todas as coisas oferecidas. Consultado o adivinho da cidade, ficaram sabendo que a coisa mais preciosa que Moremi possuía era seu filho, e o Espírito exigiu que a bela criança fosse lançada às suas águas. Sem escolha, Moremi e o príncipe foram obrigados a lançar seu bebê às águas. Mas ficaram surpresos ao verem sair do rio uma corda trançada com folhas, que levantou a criança, conduzindo-a ao céu, de onde, todos tinham certeza, voltaria um dia para reinar em Ilê Ifé. Assim, o sacrifício da nobre Moremi foi recompensado duplamente.

MARTINS, Adilson. Erinlé, o caçador: e outros contos africanos. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

A árvore de iroco lenda do povo iorubá

Nas florestas africanas existe uma árvore gigantesca conhecida pelo nome de iroco. Os nativos evitam de todas as formas chegar perto dessa árvore porque, segundo acreditam, nela mora o espírito de um homem muito velho que anda ao seu redor durante a noite, carregando nas mãos uma tocha acessa para assustar os viajantes. A lenda conta que qualquer pessoa que olhar o rosto de Loko, o espírito do velho, enlouquece e morre rapidamente. Por ser uma árvore imensa, de galhos enormes, o iroco atrai os lenhadores, que se sentem tentados a derrubá-lo para que obtenham boa madeira. Isso é considerado garantia de má sorte, pois o lenhador que ousar cortar o iroco será perseguido, assim como toda a sua família, pelo espírito que habita a árvore. Dizem os mais velhos que, em qualquer casa onde existem móveis ou objetos feitos com a madeira do iroco, ouvem-se, durante a noite, gemidos e ruídos estranhos, feitos pelo espírito que, preso à madeira, reclama por não poder vagar pela floresta carregando a sua tocha. MARTINS, Adilson. Erinlé, o caçador: e outros contos africanos. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.


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Oxum e o ouro lenda do povo iorubá

De todas as filhas do rei Obatalá, Oxum era a mais bonita. Sendo a preferida do pai, foi criada cheia de vontades e sabia muito bem tirar proveito de seu charme. Além de bonita, Oxum era muito ambiciosa. Adorava joias – e sua preferência era pelas feitas de ouro puro. Um dia, a bela princesa, cheia de doçura, aproximou-se do pai e lhe disse: __Pai, posso lhe pedir uma coisa? __Claro que sim! – respondeu o velho rei carinhosamente. – O que deseja, minha filha querida? __Uma coisa simples, que só vai depender da sua boa vontade – respondeu a jovem. __E que coisa é essa? – perguntou o rei. __Eu queria que o senhor desse para mim todo o ouro existente no mundo – disse a princesa, olhando para o chão. __Todo o ouro do mundo? – espantou-se o rei. – Não está pedindo muito? Com todo o ouro do mundo, você se tornaria a mais rica e poderosa pessoa da terra. Não posso lhe dar tal poder! Não seria justo com seus irmãos! Triste, Oxum beijou as mãos do pai e, sem dizer mais nada, retirou-se para seu próprio palácio, que ficava em um rio de águas transparentes onde havia uma cachoeira branca como espuma. Oxum não desistia facilmente de seus desejos e logo imaginou um plano para obter o que mais desejava: todo o ouro do mundo.

Na manhã seguinte, mal nascera o dia, lá estava Oxum deitada na praia, diante do palácio real. Alterando seus hábitos, vestira-se com trapos e não colocara uma única joia. Parecia mais uma mendiga que uma princesa. Logo que as pessoas começaram a passar por ali, Oxum começou a chorar e a se lamentar em voz alta, para que todos ouvissem as suas queixas: __Sou muito infeliz! Sou desprezada por meu próprio pai que, ignorando as minhas necessidades, me nega o único pedido que lhe fiz em toda a minha vida! As pessoas, penalizadas e reconhecendo nela a princesa real, começaram a se juntar ao seu redor e, em pouco tempo, formou-se uma pequena multidão. E Oxum continuava com seu plano, chorando e gritando bem alto: __Meu pai é um avarento e perverso, que não atende sequer um simples pedido de sua filha desprezada! Em pouco tempo, a multidão começou a gritar revoltada: __Abaixo o rei! Abaixo o rei! O tumulto estava formado... Ouvindo o alarido, o chefe da guarda, depois de tomar conhecimento do que estava acontecendo, foi comunicar a Obatalá. O rei, que na verdade era muito bondoso, para evitar uma revolução por parte de seus súditos, mandou que a filha fosse levada à sua presença e, para que se acalmasse, concedeu-lhe a posse de todo o ouro do mundo.

É por isso que Oxum, a mais bela de todas as princesas do reino de Obatalá, vive enfeitada com braceletes, pulseiras, colares e todos os tipos de joias feitas com o mais puro ouro, e em sua cabeça sempre se pode ver uma rica coroa do mesmo metal. MARTINS, Adilson. Erinlé, o caçador: e outros contos africanos. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.


Por que as mulheres têm cabelos longos? Houve um tempo em que as mulheres usavam os cabelos muito curtos, iguais aos dos homens. Um dia, ninguém sabe por que, duas delas se desentenderam e brigaram de rolar no chão. A que levou a pior na briga resolveu se vingar e, para isso, cavou um buraco bem fundo no caminho por onde sua inimiga passava diariamente quando ia buscar água no poço. Com muito cuidado, cobriu o buraco com galhos e folhas, para que sua abertura não fosse vista. No dia seguinte, a outra mulher foi buscar água, equilibrando uma grande jarra sobre a cabeça. Sem ver a armadilha que lhe havia sido preparada, caiu no buraco, pondo-se a chorar e a gritar desesperada. Com a gritaria, os homens da aldeia correram em seu socorro e, deitados no chão, conseguiram segurar os cabelos curtos da mulher. Sem ter outro recurso, trataram de puxá-la pelos cabelos e, à medida que puxavam, os cabelos cresciam de forma assustadora. Quando finalmente conseguiram tirá-la do buraco, seus cabelos já estavam tão grandes que chegavam à cintura. Envergonhada, a mulher fugiu, indo se esconder de todos no interior da floresta. Longe de casa e sem meios de cortar os

cabelos, a mulher tratou de lavá-los cuidadosamente e, então, vendo seu rosto refletido nas águas da lagoa, notou que os cabelos grandes e bem arrumados a tornavam mais bela. Sentindo-se segura da própria beleza, resolveu voltar à aldeia, onde foi recebida por todos. Tornara-se a mulher mais bonita da tribo. Tão logo perceberam que cabelos grandes faziam com que ficassem mais belas, todas as outras mulheres deixaram que os seus crescessem também. Desde esse dia, as mulheres usam cabelos compridos e diferenciam-se dos homens por suas longas e vistosas cabeleiras. MARTINS, Adilson. Erinlé, o caçador: e outros contos africanos. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

A lenda de Oraniã lenda do povo iorubá

Conta a lenda que Odudua, o rei dos iorubás, teve muitos filhos e netos para quem deixou todas as suas propriedades. O mais novo dos netos, Oraniã, estava caçando longe de casa quando o velho rei morreu; só ao voltar, muito tempo depois, recebeu a notícia da morte do avô. Foi então que soube que seus primos tinham tomado conta de tudo o que o avô deixara. Para ele tinham restado apenas um galo, 21 varas de ferro e um punhado de terra guardado dentro de uma trouxinha de pano. Mesmo sabendo que havia sido enganado, Oraniã guardou o que lhe deram como lembrança do avô querido. Algum tempo depois, uma chuva torrencial caiu sobre o país. Choveu tanto que toda a terra ficou coberta pelas águas. Sem ter onde viver, as pessoas subiam em árvores para não serem arrastadas pelas correntezas que se formavam. Foi então que Oraniã teve uma ideia. Primeiro, espetou as 21 varas de ferro no solo, embaixo d’água, de forma que suas pontas ficassem acima da superfície. Depois, abriu a trouxinha e estendeu o pano sobre as varas, com a terra por cima. Pegando o galo, Oraniã colocou-o em cima do monte de terra. Imediatamente o galo começou a ciscar e, desta forma, jogou a terra para fora do pano. A terra foi se espalhando, indo cada vez mais longe, e as águas foram sendo afastadas, dando lugar a solo firme.


Como um milagre, a terra cresceu e, se espalhando, formou os continentes que existem até hoje. As águas, empurradas para os lados, juntaram-se formando os oceanos. As varas de ferro foram transformadas em riquezas minerais, escondidas embaixo da terra. Agora Oraniã era rico, dono de toda a terra firme existente no mundo, e seus primos, que roubaram sua parte na herança, não tinham onde viver. Com pena de quem o havia roubado, Oraniã deixou que viessem habitar na terra firme e todos lhe pagavam tributo por isso. Assim, Oraniã, descendente direto de Odudua, tornou-se rico e poderoso, sendo aclamado rei dos iorubás. MARTINS, Adilson. Erinlé, o caçador: e outros contos africanos. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

A princesa que não falava lenda do povo iorubá

Essa é a história de Aditi Bolá, filha do rei iorubá, que nasceu muda. O rei tentou de tudo para fazer com que sua filha falasse – remédios, encantamentos, nada adiantou. A menina permanecia muda. Cansado de tentativas inúteis, o rei resolveu estabelecer um prêmio para quem conseguisse livrar sua filhinha da mudez: daria a metade do seu tesouro para quem curasse a princesa Aditi Bolá. Ajapá, a tartaruga, que era muito esperta, resolveu ganhar o prêmio. Exigiu, primeiro, que a princesa fosse viver longe de vilarejo, sozinha, em uma cabana dentro da floresta, bem perto de sua própria casa. Poucos dias depois da mudança, Ajapá pegou uma cabaça cheia de mel e colocou na porta da casa da menina, escondendo-se em seguida. Vendo aquilo, e pensando ser um presente de seu pai, a menina pegou a cabaça e começou a saborear o mel. Neste momento, Ajapá saiu de seu esconderijo e, dando um tapa nas costas da criança, gritou: __Ladra! Então é você quem rouba e come o meu mel? E assim falando, amarrou a menina com uma corda, e atou a cabaça às suas mãos. A menina, assustada, gritou: __Eu não roubei nada! Eu não roubei nada!

Sem lhe dar atenção, Ajapá saiu arrastando a princesa, enquanto cantava: Bolá roubou e comeu o meu mel! Kayin, kayin! Bolá é astuta e desonesta! Kayin, kayin! Bolá é uma ladra sem-vergonha! Kayin, kayin! Amarrada e puxada pela tartaruga, a princesa só podia se defender cantando assim:

Na terra do elefante eu agi como o elefante! Kayin, kayin! Na terra do búfalo, eu agi como um búfalo! Kayin, kayin! Na terra da tartaruga, fui acusada de roubar! Kayin, kayin! Ajapá me acusou de roubar e comer seu mel! Kayin, kayin! Assim seguiram até o povoado. Ajapá cantando uma canção de acusação e Aditi Bolá cantando a sua canção de defesa. Avisado do que se passava, o rei veio correndo até a praça e, chorando de alegria, cantou: Minha filha que nunca falou está falando hoje! Kayin, kayin! Ajapá curou a mudez de Bolá! Kayin, kayin! O plano foi revelado e Aditi Bolá entendeu que a acusação da tartaruga era o remédio que fez com que falasse. O rei dividiu seu reino com Ajapá e ela prosperou em tudo por sua esperteza. MARTINS, Adilson. Erinlé, o caçador: e outros contos africanos. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.


Xangô e os camundongos lenda do povo iorubá

Xangô, rei dos iorubás, foi capturado por seus inimigos, que o prenderam em um casebre sem nenhuma abertura, para que ali morresse de fome e sede. Sentado no chão, o rei observou a presença de um camundongo e pensou: __Pegando este animal, poderei comê-lo e, dessa maneira, adiar a minha morte. Com um movimento rápido, conseguiu pegar o animalzinho com suas mãos. O rei já se preparava para matar o pequenino, quando refletiu: __Por que sacrificar este bichinho inocente se, de qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, vou morrer de fome? E assim pensando, libertou o assustado camundongo que, correndo, desapareceu em um pequeno buraco no canto da parede. Momentos depois, o rato estava de volta e, para surpresa do rei, falou as seguintes palavras: __Nobre rei de bondoso coração! Meu nome é Larinká e eu lhe presto homenagem por sua bondade e por seu bom caráter! Por ter poupado minha vida, eu, um pobre rato, vou ajudar a conservar a sua! Mal acabara de falar essas palavras e, pelo mesmo buraco, começaram a entrar muitos camundongos, cada um trazendo na boca uma pequena fruta, um pedaço de pão, um grão ou qualquer coisa que servisse para matar a fome do prisioneiro. A cena se repetiu durante muitos dias.

Muitos alimentos e pedaços de algodão encharcados em água, trazidos pelos ratos, mantiveram vivo o bondoso rei. Depois de muitos dias, certos de que o prisioneiro já estava morto de fome e de sede, seus inimigos abriram a porta. Qual não foi o seu espanto ao encontrarem Xangô vivo e forte, descansando no chão de terra batida! __Este homem possui uma grande magia – disse o chefe deles. – Como alguém pode sobreviver tanto tempo sem água e comida? __Não podemos matar um homem que tem tantos poderes! – disse um outro. __Devemos soltá-lo imediatamente, antes que use seus poderes contra nós... – disse um terceiro. Imediatamente, abriram por completo a porta, para que o rei saísse em liberdade, e ofereceram-lhe uma canoa para que pudesse seguir rumo ao seu país, que ficava rio abaixo. Foi assim que Xangô, rei de Oió, ficou em débito com Larinká, o pequeno camundongo. MARTINS, Adilson. Erinlé, o caçador: e outros contos africanos. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

O esquilo e a realeza lenda do povo angolano

Uma vez prometeram ao esquilo a realeza e ele respondeu: __Que seja hoje mesmo. __Estamos à procura da insígnia. __De qualquer forma, desde que seja imediatamente. Como represália, as pessoas decidiram: __Quem não pode esperar pela insígnia para ser proclamado rei, também não será capaz de governar condignamente o povo. Portanto, não o queremos! Pelo que ficou dito prova-se que expressão imediatamente privou o esquilo de ser rei. AZEVEDO, Gislane; SERIACOPI, Reinaldo. História em movimento: dos primeiros humanos ao Estado moderno. São Paulo: Ática, 2011. p.180.


O cão e a realeza lenda do povo angolano

Uma vez resolveram dar ao cão o privilégio da realeza e pensaram em todas as insígnias: a coroa, o bastão, os anéis, a pele de mukaka, etc. Quando já estava tudo pronto marcaram o dia da coroação. Não faltaram as festas com tocadores de tambor e marimba e uma infinidade de pessoas de categoria. Para o soberano se sentar ofereceram-lhe amavelmente tapetes e esteiras. Depois, principiaram a distribuir as insígnias. Nessa altura, o cão avistou um peito de galinha. Com sofreguidão agarrou-o e correu para o mato. A multidão comentou o fato e se dispersou. O roubo praticado pelo cão fê-lo perder a realeza. AZEVEDO, Gislane; SERIACOPI, Reinaldo. História em movimento: dos primeiros humanos ao Estado moderno. São Paulo: Ática, 2011. p.180.

A origem do homem e da mulher lenda do povo nigeriano

Muluku, o deus supremo, cavou dois buracos na superfície da terra e deles tirou duas criaturas vivas, que examinou com atenção. Ambas tinham pele nua e lisa, erguiam-se sobre os membros inferiores e olhavam seu criador como se esperassem ordens. __Eis o homem e a mulher! – exclamou Muluku, satisfeito. Pensando ter dado a vida a seres inteligentíssimos e capazes de utilizar ferramentas, resolveu colocá-los à prova imediatamente: __Homem e mulher, ouçam com atenção! Aqui está uma enxada. Quero que vocês a usem para cavar a terra. Depois, semeiem metade dos grãos de milho contidos neste saco. Em seguida, cortem com este machado alguns galhos de árvore e construam uma cabana onde possam se abrigar. Quando quiserem comer, cozinhem nesta panela um punhado de grãos que ficaram no saco. Também estou deixando algumas brasas. Tratem de manter o fogo aceso! Com essas palavras, Muluku deixou a Terra, pois tinha outras tarefas. Após algum tempo, voltou e quis ver o trabalho do casal. Por mais que procurasse, não achou nenhuma cabana. O fogo se apagara, e a panela estava quebrada e suja. A alguns passos dali, viu o saco de grãos rasgado e a enxada largada no meio do mato.

Logo descobriu os humanos na floresta. Desobedecendo às ordens de Muluku, recusavam-se a trabalhar e preferiam viver como animais selvagens! O deus ficou furioso. Chamou o macaco e a macaca e deu-lhes as mesmas ferramentas e as mesmas instruções. Os animais obedeceram perfeitamente. Então, Muluku cortou seus rabos e disse: __De hoje em diante, vocês serão os homens... Depois pegou o homem e a mulher, grudou em cada um deles os rabos dos macacos e disse, com voz severa: __Vocês são, agora, macacos! É só o que merecem! RODRIGUE, Joelza Ester. História em documento: imagem e texto. São Paulo: FTD, 2001. v.1. p.38.

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Abdu, o cego e o crocodilo lenda do povo Uolof (Senegal)

Um dia Abdu preparou uma armadilha na beira do rio para pegar um crocodilo. Que sorte! Pegou um logo em seguida! Mas em vez de levar a presa para o terreno onde sua grande família tinhas as casas, resolveu fazer uma senhora marotagem. Catou uma pedra bem grande e arrebentou a cabeça do crocodilo. Depois escondeu o bicho num arbusto. Feito isso, voltou tranquilamente para casa. Abdu esperou um tempinho e foi convencer o chefe da aldeia a organizar uma caçada de crocodilos. E propôs: __Quem chegar primeiro com um crocodilo morto ganha uma gorda recompensa. O chefe pensou um pouco e respondeu: __Abdu, gostei da ideia! Vamos organizar logo essa caçada! Naquela mesma tarde, os homens saíram para caçar crocodilo. Abdu sabia que eles praticamente não tinham chance de pegar um antes dele. Voltou correndo para sua cabana, enquanto os caçadores se espalhavam pela beira do rio, com arcos e flechas envenenadas. Abdu sabia que eles voltariam provavelmente de mãos abanando. Estava feliz da vida com a situação: ele seria o único a trazer um crocodilo! Estava tão feliz que correu para a casa de sua doce amada pra lhe contar o segredo. A bela Fatu compreenderia a alegria dele... Encontrou Fatu na soleira de casa. A moça ouviu tudo. Abdu contou como tinha matado o crocodilo, onde tinha escondido, que dali a pouco iria buscá-lo e, como seria o primeiro, ele é que ganharia o prêmio. Enquanto Abdu, com o rosto iluminado de contentamento, revelava sua molecagem à bela amada, um cego passou em silêncio e ouviu a história toda.

“Desta vez eu pego esse espertalhão”, disse consigo mesmo o ceguinho, que foi direto para o lugar em que Abdu tinha escondido o crocodilo. Chegando lá, deixou-se cair no barro. Sujou de propósito a roupa e aguardou perto do crocodilo, morto desde a manhã. Nesse meio tempo, Abdu voltou para casa, vestiu sua túnica azul, finamente bordada, e passou de novo pela casa de Fatu. __Está na hora – disse à namorada. – A caçada já começou, vou capturar meu crocodilo! E partiu rindo sozinho na direção do rio, com um enorme bastão na mão. As mulheres que cruzaram com ele se espantaram ao vê-lo tão bem vestido assim, quando todos os homens estavam quase nus na beira do rio, com suas flechas e zagaias. Abdu explicava a elas: __Sou tão bom caçador, que vou matar um crocodilo com a maior facilidade e nem vou me sujar! Não tenham dúvida, eu é que vou ganhar a competição! Nenhum dos caçadores da aldeia tinha conseguido caçar crocodilo algum, quando Abdu chegou no lugar onde tinha escondido sua caça de manhã. Deu com o ceguinho, sentado junto do arbusto. Sem se perturbar, Abdu pegou sua caça e disse ao ceguinho: __Acabo de matar um crocodilo. O cego lhe pediu licença para avaliar o peso e o tamanho do bicho. Abdu concordou e colocou o bicho nos ombros do cego. Este deixou o crocodilo cair no barro, e então pôs de novo nos ombros o bichão todo enlameado. Abdu, que agora começava a ficar com pressa, pediu-lhe para devolver o fardo. Mas este, de repente, pôsse a berrar, pedindo socorro! Abdu entendeu na hora que o ceguinho queria lhe pregar uma peça. Os outros caçadores chegaram correndo.

Abdu quis explicar a situação. __Chega de conversa! Chega de mentira! – responderam os caçadores, que já tinham sido vítimas das malandragens de Abdu bem mais de uma vez. Como Abdu continuava a protestar, os caçadores decidiram que cabia ao chefe resolver o assunto. Foram para a casa do chefe, que todos respeitavam. Lá, primeiro um, depois o outro disseram ter matado o crocodilo. O chefe, que os ouviu e observou atentamente, declarou: __Abdu mentiu muitas vezes para a gente. Está sempre querendo nos tapear. Sempre quer ser mais esperto que os outros. É um vigarista, um impostor! Como Abdu, tão bem vestido com sua túnica bordada, pode dizer que está voltando da caça? Olhem só para o ceguinho. Está tão enlameado quanto o crocodilo. Com certeza foi ele que matou o bicho. Abdu não pôde dizer nada. E o que diria diante daquele raciocínio tão lógico do chefe? Foi-se embora cabisbaixo. O ceguinho recebeu o prêmio prometido. É verdade, todo espertalhão sempre acaba encontrando outro mais esperto que ele. PINGUILLY, Yves; MILLET, Cathy. Contos e lendas da África. São Paulo: Cia. das Letras, 2005. (adaptado).


Noz-de-cola lenda do povo Senufo (Costa do Marfim)

Naquele dia, Noz-de-Cola cultivava o pedaço de terra que ele havia limpado. Preparava o solo para plantar inhame, afofando-0 com sua enxada. Não muito longe dali, havia uns gênios dos campos. Mal ouviram o barulho da enxada revolvendo o solo, perguntaram: __Quem está trabalhando este roçado? Noz-de-Cola respondeu: __Sou eu! Desmatei, limpei e agora estou preparando a terra para plantar inhame. Os gênios chamaram imediatamente seus filhos e foram ajudar Noz-de-Cola. Antes que o sol estivesse alto no céu, o trabalho tinha terminado. Era meio-dia em ponto quando Noz-de-Cola, feliz da vida, voltou para a aldeia. Depois, quando Noz-de-Cola foi plantar seu inhame, a mesma coisa aconteceu: os gênios dos campos e seus filhos vieram acudi-lo. Depois, quando Noz-de-Cola voltou à sua roça para capinar em torno dos pés de inhame, os gênios, que continuavam por lá, perguntaram: __Quem está trabalhando este roçado? __Sou eu, Noz-de-Cola, capinando em torno dos meus pés de inhame. No mesmo instante, os gênios vieram ajudar Noz-de-Cola e capinaram rapidinho em torno dos inhames. Agora Noz-de-Cola podia esperar o tempo passar até que chegasse a hora de colher seus

inhames. Por isso, ele viajou ao sul e ao leste para visitar o povo da água e o povo da floresta, deixando a roça aos cuidados da sua mulher. Um dia, quando ela vigiava a roça com o filhinho nas costas e apanhava lenha, o menino começou a chorar. Para acalmá-lo, ela quis catar um pequeno inhame, um inhame miudinho que ainda não tinha tido tempo de crescer. Quando desenterrava esse pequeno inhame para dar ao neném, os gênios dos campos perguntaram: __Quem está cavando aí? Ela respondeu: __Sou eu, a mulher de Noz-de-Cola. Estou desenterrando um inhamezinho para acalmar meu bebê. No mesmo instante, os gênios e seus filhos vieram ajudar a mulher de Noz-de-Cola e logo tiraram do chão todos os inhames miúdos, amontoando-os na beira do campo. A mulher de Noz-de-Cola, ao ver aquele desastre, pôs-se a chorar. E ainda chorava quando Noz-de-Cola voltou da viagem. Ele perguntou: __Está chorando por quê? Ela explicou. Fulo da vida, ele lhe deu uma bofetada. Os gênios dos campos, que continuavam por lá, ouviram o barulho da bofetada e perguntaram: __Quem está batendo assim? __Sou eu, Noz-de-Cola, esbofeteando minha mulher. No mesmo instante, os gênios e seus filhos vieram ajudar Noz-de-Cola. Eles bateram tanto, que mataram a mulher. Noz-de-Cola nem precisou interrogar o cadáver para entender de que ela tinha morrido! Desatou a chorar. Foi então que um mosquito veio picá-lo no braço. Para defender-se, ele deu

um tapa com toda a força no lugar da picada, mas sem acertar o inseto. Os gênios do campos, que continuavam por lá, perguntaram: __Quem está batendo assim? __Sou eu, Noz-de-Cola, tentando matar um mosquito que veio me picar. No mesmo instante, os gênios e seus filhos vieram ajudar Noz-de-Cola, desferindo-lhe uma saraivada de tapas. Ainda bem que Noz-de-Cola era rápido na corrida. Conseguiu chegar à aldeia em disparada e refugiar-se no bolso de um velho. É por isso que, desde então, sempre tem uma noz-de-cola no bolso dos velhos. É assim que acaba o meu conto. PINGUILLY, Yves; MILLET, Cathy. Contos e lendas da África. São Paulo: Cia. das Letras, 2005. (adaptado).


O vento, a hiena e a tartaruga lenda do povo Senufo (Costa do Marfim)

Todas as criaturas do campo tinham cultivado um mesmo terreno enorme, com seu senhor, o leão. Fô, a serpente, tinha cultivado, o grande calau tinha cultivado, a galinha-d’angola tinha cultivado, a tartaruga, que sabe falar com os gênios das águas, tinha cultivado, o pequeno crocodilo e a gazela também tinha cultivado. Até a hiena tinham cultivado um pouco. Quando o milhete amadureceu no campo, todos foram juntos colher. Mas, que azar, não soprava um só ventinho! E sem vento, como bater e peneirar o milhete? Ninguém vai guardar na tulha um milhete que não foi batido nem peneirado! As criaturas do campo que haviam cultivado aquela roça pegaram um boi bem grande e o amarraram firmemente ao tronco de um baobá. O leão fez o anúncio: __Quem for capaz de ir até a deusa Kutielo, nossa velha mãe, deusa do céu, que separou as águas da terra, para lhe pedir que nos mande o vento, poderá comer o boi! Os bichos do campo responderam a uma só voz: __A lebre é a mais esperta de todos. Ela que vá buscar o vento! __Eu vou – prontificou-se a lebre, pondo-se imediatamente a caminho. Quando chegou lá onde estava Kutielo, disse “bom dia, Kutielo”, pois era de manhã. __Queria que você me desse o vento – pediu. – Na aldeia, estamos à espera dele para bater o milhete e peneirá-lo. __Lebre, eu te dou o vento, com prazer, mas por acaso você é mais veloz que o vento?

I __Claro que sou! Sou uma lebre, sou mais veloz que o vento. Kutielo deu o vento à lebre, mas avisou: __Abra caminho para o vento. Ele vai correr atrás de você. Se ele te alcançar, em vez de passar na sua frente, vai voltar para cá. A lebre entendeu e pediu uma vantagem: sair um pouco antes do vento. Kutielo concordou. A lebre disparou pelo caminho. Suas patas até pareciam querer ultrapassar as orelhas compridas. Pouco depois, o vento começou a soprar: flá, flá, flá... E a lebre, surpresa, logo o sentiu nos seus calcanhares. Bem no instante em que ia ultrapassar a lebre, o vento deu meia-volta e retornou para lá de onde tinha vindo. Voltando para junto dos bichos, a lebre teve de confessar: __Corri o mais rápido que pude, mas não consegui trazer o vento. Os animais se perguntavam quem seria mais veloz do que o vento, quando a hiena tão voraz quanto estúpida, disse em voz bem alta: __Eu vou buscar o vento, e aquele boi amarrado ali vai ser meu. Partiu e chegou onde estava Kutielo. Disse “boa tarde, Kutielo” porque era pouco mais de meio-dia. __Você tem de me dar o vento – disse. – Estamos à espera dele para bater o milhete e peneirá-lo. __Hiena, eu te dou o vento com prazer, mas por acaso você é mais veloz do que ele? __Sim, sou mais veloz, porque essa é a minha vontade. Kutielo lhe deu o vento, mas avisou: __Abra caminho para o vento. Ele vai correr atrás de você. Se te alcançar, em vez de passar na sua frente, vai voltar para cá. Saia antes, ele só vai partir daqui a pouco.

Sem dizer nada, a hiena começou a correr. Corria tão depressa que até parecia que suas patas traseiras queriam ficar tão grandes quanto as dianteiras. Pouco depois, o vento começou a soprar: flá, flá, flá... E a hiena logo sentiu o sopro em seus calcanhares. Bem no instante em que ia ultrapassar a hiena, o vento deu meia-volta e retornou para lá de onde tinha vindo. Depois da lebre e da hiena, todas as criaturas do campo tentaram trazer o vento, mas ninguém conseguiu. Ninguém pôde chegar antes dele. O milhete continuava ali, no terreiro, esperando para ser batido, e os bichos estavam todos muito tristes. Foi então que a tartaruga, em quem ninguém havia pensado, falou: __Vou falar com Kutielo. Vou tentar trazer o vento. E foi. Lá chegando, dirigiu à deusa o cumprimento da noite: “boa noite, Kutielo”. Pediu-lhe o vento. __Tartaruga, todos os bichos dos campos tentaram e não conseguiram. Você acha que pode fazer melhor que eles, logo você que é tão medrosa? Você acha que é mais veloz do que o vento? __Kutielo, é você que decide tudo, é você que escolhe quem deve ser vitorioso. Quero tentar. Preciso tentar. Lá, sem o vento, faz calor demais e o milhete está largado na frente das tulhas. A tartaruga, assim como os outros, teve o direito de sair um pouco antes, bem mais que os outros até, porque ela era apenas uma pobre tartaruga. Mais tarde, o vento começou a soprar: flá, flá, flá... O vento corria mais depressa que podia, mas a tartaruga estava muito na frente dele. Certo da vitória, o vento tinha dado vantagem demais à tartaruga. Quando ela chegou junto das criaturas dos campos, o vento


mal roçava sua carapaça, apesar de vir agitando os galhos das árvores, para andar mais rápido. Os bichos, vendo aquilo, exclamaram: __A tartaruga voltou com o vento! A tartaruga nos trouxe o vento! A tartaruga tinha conseguido. A hiena foi logo lhe propondo: __O boi agora é seu. Vou matá-lo e até cortálo em pedaços, se você quiser. __Não. Nós, tartarugas, somos capazes de mata-lo sozinhas. Sem dizer mais nada, a tartaruga subiu no baobá. O boi, ainda amarrado no tronco, não se mexia. A hiena observava, e os olhos atentos de cada tartaruga do clã também observavam, enquanto os outros animais batiam e peneiravam o milhete. Para matar o boi, a tartaruga despencou do galho mais alto da árvore bem em cima dele. Mas só quicou no boi e caiu no chão. Tornou a subir no baobá e a pular assim várias vezes para matar o boi, mas nem sequer arranhou o animal. As outras tartarugas e imitaram mas também não conseguiram nada. A hiena disse bem alto: __Deixe comigo! Sem esperar licença, arreganhou os dentes e saltou no pescoço do boi, matando-o na hora! A hiena esfolou e cortou o boi em pedaços, diante das tartarugas. Feito isso, foi buscar sua mulher (pois era uma hiena macho): __Venha rápido, mulher, vamos ter uma boa carne de boi para comer. __Que carne? Que boi? __Venha rápido, estou dizendo, mas antes vista um bonito vestido de algodão, para que ninguém te reconheça. Você sabe que, quando um estrangeiro chega, oferecem sempre o melhor pedaço a ele. A mulher da hiena vestiu um belo vestido e

assim apareceu, toda faceira, diante das tartarugas. __Como esta forasteira é bonita – exclamaram as tartarugas. Como manda a tradição, ofereceram a ela o melhor pedaço do boi. A mulher da hiena agradeceu e foi embora. Quando chegou em casa, guardou o pedaço de carne e trocou depressa de roupa, pondo dessa vez um lindo vestido feito com o melhor tecido. Assim transformada, voltou até as tartarugas. __Como esta forasteira é bonita – exclamaram as tartarugas quando ela se aproximou. E é claro que, por educação e conforme o costume, ofereceram-lhe outro bom pedaço. A mulher da hiena repetiu sua artimanha mais de dez vezes... Conseguiu assim os melhores pedaços, e mais uns outros. Quando parou suas idas e vindas, só as tripas e o fígado do boi tinham sobrado para as tartarugas. A hiena, bicho safado, tinha assistido à encenação da sua mulher, saboreando antecipadamente cada novo pedaço que davam a ela. Quando viu que sobravam as tripas e o fígado, disse: __Não precisam me dar nada em agradecimento por ter matado o boi; podem ficar com tudo para vocês. As tartarugas não disseram nada. Assaram o fígado na frente da hiena, que esperou um pouco ali. A mais velha das tartarugas começou a comer e, quase no mesmo instante, rolou no chão, de patas abertas para o ar. Seus olhos arregalados reviraram-se e ela parou de respirar. Suas irmãzinhas tartarugas debruçaram-se sobre ela e exclamaram: __Ela morreu, ela morreu! Ela comeu carne de boi e morreu! A hiena não quis saber de mais nada, disparou

para casa e foi logo gritando para a mulher: __Depressa, mulher, vista uma camisola, um lenço, pegue toda a carne e leve-a de volta. Diga que não quer e que ninguém em casa quer! A tartaruga comeu um pedaço e morreu na hora. Esta carne não presta, um espírito botou mauolhado nela! As tartarugas receberam a carne de volta. Comeram-na... hum!... saborearam-na... hum!... Inclusive a irmã mais velha, que tinha se fingindo de morta. Boa noite. Contei-lhes um conto, o conto acabou. PINGUILLY, Yves; MILLET, Cathy. Contos e lendas da África. São Paulo: Cia. das Letras, 2005. (adaptado).


Erinlé, o caçador lenda do povo iorubá

Erinlé era um caçador e guerreiro poderoso que, por sua força e coragem, era considerado mais forte que qualquer outro homem ou animal. Sua fama não era em vão. Erinlé já tinha derrotado um leão, uma hiena e uma serpente enorme, além de um homem gigantesco que saqueava as aldeias próximas. Por esses feitos, reivindicou para si mesmo o título de Rei da Floresta, no que foi apoiado por todos de sua tribo. Onde quer que fosse, todos o homenageavam cantando canções que falavam de suas vitórias. Mas Erinlé, cego de vaidade, esquecerase de um animal com o qual jamais se confrontara: o elefante! Todos sabem que, além de ter uma força descomunal, o elefante é um animal muito sábio e possuidor de muitos encantos e magias. E Erinlé esquecera-se dele! Foi assim que Ajanaku, o elefante, cansado da prepotência do caçador, resolveu desafiá-lo, por se considerar o verdadeiro Rei da Floresta e por pensar que este título não podia pertencer a um simples ser humano. Se o caçador conseguisse derrotá-lo, aí sim, poderia usar o título de Obá Igbo (Rei da Floresta), mas não antes disso. O dia do combate foi marcado e, sob o olhar assustado de todos os habitantes do local, animais e seres humanos, os dois se confrontaram.

Ao sinal de combate, Erinlé arremessou a sua lança de ponta afiada contra o grande elefante, mas Ajanaku, usando uma de suas magias, fez com que a arma resvalasse em seu corpo sem produzir nem mesmo um pequeno arranhão. O caçador, então pegou seu arco e com ele atirou flechas envenenadas contra o adversário, mas a magia de Ajanaku tornarao invulnerável. As flechas batiam em seu corpo e caíam ao solo inutilizadas. Corajoso, Erinlé investiu com sua faca de caça que, ao primeiro choque contra a couraça, quebrou e caiu aos seus pés. Foi então que o caçador resolveu lançar mão de seus amuletos e fazer uso de suas magias. Derramando sobre a própria cabeça um pó que levava dentro de uma pequena cabaça, transformou-se em Kiniún, o leão, e, sob esta forma, pulou em cima do inimigo. Com um violento golpe de sua tromba, Ajanaku jogou o leão à distância. O caçador se transformou então em uma enorme serpente píton, enrolando-se no corpo do elefante, na tentativa de sufocá-lo. Mas seu esforço foi inútil, arrancado dali pela poderosa tromba, foi novamente atirado longe. Desesperado, o homem se transformou em Agbon, o marimbondo: era seu último recurso! Voando sem ser percebido, o caçador transformado em marimbondo entrou pela tromba do elefante e seguiu até seus pulmões, de onde passou para o coração e ali, usando

seu ferrão, feriu-o mortalmente. Derrotado o grande animal, Erinlé saiu de dentro do seu corpo e, retomando a forma humana, pôde ser aclamado por todos os presentes como o verdadeiro e único Obá Igbo, o Rei da Floresta! MARTINS, Adilson. Erinlé, o caçador: e outros contos africanos. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.



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