FLORIANÓPOLIS
Retratos Culturais Açorianos 275 anos
Retratos Culturais Açorianos 275 anos
Açores Azores
A presença açoriana em Santa Catarina é significativa e de fundamental importância na constituição do perfil demográfico do estado. Do ponto de vista histórico, a emigração iniciada no final da década de 1740 foi a maior campanha organizada de vinda de pessoas para o Brasil durante o período colonial, cumprindo à risca o papel de fixar o domínio português no território que hoje compreende a região Sul do país.
Tão importante quanto isso foi a contribuição dada pelos emigrantes e o legado que deixaram na cultura, nas tradições, na religiosidade, na culinária, nos modos de brincar, dançar e vestir, nas artes de moldar e tecer, na engenhosidade de construir, na sabedoria de pescar e de plantar, visando sempre à melhor colheita. E mais, na capacidade de se adaptar ao clima e aos desafios da nova terra, tão diversa daquela que haviam deixado para trás.
Se levou para os lugares da diáspora, em diferentes partes do mundo, a sua alma, a sua fé e a sua força de trabalho, o açoriano também foi capaz de olhar para frente e projetar um futuro de conquistas. Hoje, a relação entre as nove ilhas do arquipélago açoriano e a ilha de Santa Catarina, onde está Florianópolis, ressalta e enaltece a colonização, mas também projeta parcerias que tendem a aproximar cada vez mais os dois extremos.
Durante quase um ano, de março de 2022 a fevereiro de 2023, o Grupo ND desenvolveu e executou o projeto “Viva Açores! – Conhecer é Viver”, que investiu nessa aproximação e mostrou, sobretudo para as novas gerações, os vínculos entre o arquipélago e Santa Catarina, que muitos desconheciam em toda a sua amplitude. É o que também faz este livro, com sua grande qualidade editorial e seu elevado padrão de acabamento. Boa leitura!
Marcello Corrêa Petrelli Presidente Executivo do Grupo NDThe noteworthy Azorean presence in Santa Catarina is fundamentally important for the state’s demographic profile constitution. From a historical point of view, the emigration initiated in the late 1740s was the largest organized campaign to bring people to Brazil during the colonial period, so as to fulfil the crucial role of establishing the Portuguese rule in the territory that nowadays comprises the southern region.
Equally relevant was the contribution and the legacy of the emigrants to culture, traditions, religiosity, cuisine, ways of playing, dancing and dressing, to the arts of molding and weaving, their ingenuity in building, the wisdom in fishing and planting, always aiming at the best crops. Moreover, in their ability to adapt to the climate and challenges of the new land, so different from the one they had left behind.
If they took their soul, faith and disposition to work to the diaspora places on many parts of the world, the Azoreans were also able to look ahead and envision a future of conquests. Today, the relationship between the nine islands of the Azorean archipelago and the island of Santa Catarina, where Florianópolis is located, emphasizes and praises colonization but also designs partnerships that tend to bring the two extremes closer and closer.
For almost a year, from March 2022 to February 2023, Grupo ND developed and implemented the “Viva Açores! – Knowing is Living” project, which invested in promoting this connection and, mainly for the new generations, showed the tight links between the archipelago and Santa Catarina whose full breadth many were unaware of. That is what this book also does, with its great editorial quality and high finishing standard. Good reading!
Marcello Corrêa Petrelli CEO, Grupo NDColaborar com o resgate e a preservação do patrimônio histórico de uma cidade, por si só, já é fascinante e prazeroso. Tratando-se de Florianópolis, cidade onde passei os melhores momentos da minha juventude, o meu entusiasmo foi ainda maior.
E quantas descobertas! Foram meses de pesquisa, de conversas de pé de ouvido e de muita observação para tentar, com as minhas imagens, retratar um pouco da enorme influência da cultura açoriana no cotidiano dos moradores desta cidade.
Não falarei aqui da riqueza e da importância desse legado, porque é disso que trata este livro, produzido em homenagem aos primeiros emigrantes que se despediram de suas terras e de sua gente em busca de novos horizontes. Despedida dolorosa e assustadora, porque não sabiam ao certo o que iriam encontrar do outro lado do Atlântico, se iriam chegar e se um dia poderiam retornar para reencontrar parentes, amigos e sua terra natal.
Pode-se imaginar a angústia que passaram, a coragem e a determinação que tiveram para, chegando à ilha de Nossa Senhora do Desterro, se estabelecerem e fazerem desta terra um local seguro onde criar a família.
Aos imigrantes açorianos todo o meu apreço e admiração. Que seus descendentes nunca se esqueçam da epopeia de seus antepassados e que nossa querida Florianópolis continue sempre agradecida a estas famílias, das quais herdamos muito do nosso jeito de falar, ser e viver.
Espero que gostem deste trabalho e que minhas imagens estejam à altura da merecida homenagem.
Guto Ambar FotógrafoCollaborating with the rescue and preservation of a city’s historical heritage is fascinating and pleasurable in itself. Being it about Florianópolis, the city where I spent the best moments of my youth, my enthusiasm was even greater.
And how many discoveries! It took months of research, close conversations and a lot of observation to try, through my images, to portray some of the powerful influences of the Azorean culture on the daily lives of city residents.
At this point, I will not talk about how rich and important this legacy is, because that is what this book is about. It was produced to honor the first emigrants who said goodbye to their lands and people in search of new horizons. A painful and frightening farewell this might have been, because they didn’t know for sure what they would find on the other side of the Atlantic, if they would arrive, and whether one day they would be able to return to see relatives, friends and their homeland once again.
One can imagine the anguish they went through, the courage and determination they had upon arriving at the island of Nossa Senhora do Desterro to settle down and make this land a safe place to raise their family.
To the Azorean immigrants, all my appreciation and admiration. May your descendants never forget the epic journey of their ancestors, and may our dear Florianópolis always remain grateful to those families from whom we inherited so much of our way of speaking, being and living.
I hope you like this work and that my images may measure up to the deserved tribute.
Ambar PhotographerCrises de alimentos, superpopulação, o vulcanismo e a própria proximidade com o oceano, que funcionaria “como um convite insistente e persistente à busca de aventura”, segundo palavras do historiador Walter Fernando Piazza, foram fatores que estimularam a emigração de açorianos para o sul do Brasil, a partir de 1748. A esses elementos se associou a intenção da Coroa Portuguesa de povoar pontos estratégicos do Brasil meridional, território também cobiçado pela Espanha.
Foi nesse cenário que o rei de Portugal, dom João V, decidiu disponibilizar meios de transporte e prometer terras, animais e ferramentas com o objetivo de aliciar colonos para atender à demanda por ocupação do território, e também aliviar as pressões vividas pelos ilhéus, que desejavam se livrar das ameaças naturais, particularmente na ilha do Pico, onde ocorreu, em 1718, a última grande erupção, que destruiu vilas inteiras e queimou casas e colheitas.
Assim, da primeira leva até 1756, chegaram cerca de 5.000 açorianos à vila de Nossa Senhora do Desterro, antigo nome de Florianópolis. Uma vez estabelecidos, eles se espalharam por quase todo o litoral catarinense, além de seguirem, em parte, para o território de Rio Grande de São Pedro, futuro estado do Rio Grande do Sul. Em todas as freguesias que fundaram ou ocuparam, deixaram marcas de sua cultura, tradições e extrema religiosidade.
As ilhas do grupo central – Terceira, Pico, Faial e São Jorge –foram as que mais enviaram casais para o Brasil. Nas últimas décadas, houve uma retomada desse contato, por meio de projetos que envolvem instituições públicas e privadas nas áreas da cultura, do turismo e do empreendedorismo.
Among the factors that stimulated the emigration of Azoreans to meridional Brazil, from 1748, were food crises, overpopulation, volcanism, and the very proximity to the ocean, which would work “as an insistent and persistent invitation to seek adventure,” in the words of historian Walter Fernando Piazza. These elements were associated with the Portuguese Crown desire to populate strategic points in southern Brazil, a territory also coveted by Spain.
It was in this scenario that the Portuguese king Dom João V decided to provide means of transportation and to promise land, animals and tools in order to entice settlers to come and meet the demand for the occupation of the territory, and also to alleviate the pressures of the islanders who wanted to get rid of natural threats, particularly on Pico island, where the last major volcano eruption of 1718 devastated entire villages and burned houses and crops.
Thus, from the first emigration wave and until 1756, about 5,000 Azoreans arrived at the village of Nossa Senhora do Desterro, as Florianópolis was called back then. Once established, they spread across almost the entire coast of Santa Catarina, in addition to also moving into the territory of Rio Grande de São Pedro, the future state of Rio Grande do Sul. In all the parishes they founded or settled in, the Azoreans left marks of their culture, traditions, and strong religious way of life.
The islands of the central group – Terceira, Pico, Faial and São Jorge –were the departure points for most couples who came to Brazil. In recent decades, the contact has been renewed by means of projects engaging public and private institutions operating in the culture, tourism and entrepreneurship segments.
Historicamente, a cerâmica utilitária foi o principal utensílio de uso doméstico nas casas de descendentes de açorianos no litoral catarinense. A fartura e a qualidade da argila facilitaram a produção de potes, panelas, pratos, xícaras e alguidares que as famílias utilizavam no dia a dia para fazer comida, servir à mesa, armazenar água e itens da culinária que pudessem ser guardados sem risco de deterioração. O município de São José, ao lado de Florianópolis, era o maior fornecedor dessas peças, vendidas especialmente no Mercado Público da capital. A localidade de Ponta de Baixo concentrava grande número de oleiros e olarias, a ponto de se tornar a cidade a “capital da louça de barro” no estado.
Sem alcançar escala industrial, no entanto, outros utensílios eram fabricados desde antes da chegada dos açorianos, mas ganharam expressão a partir dessa imigração. É o caso da cestaria, produzida a partir de fibras vegetais como o ticum, a taboa, o piri, o junco, o vime e a tiririca. Com esses e outros materiais também eram manufaturados chapéus, redes, tarrafas, cestas e bolsas para a roça e a pesca, além de colchões rudimentares.
Ainda eram de grande utilidade os pilões de madeira, que continuam comuns em comunidades mais afastadas, e as gamelas, que, entre outras, tinham uma função higiênica, sendo usadas para o banho de adultos e crianças.
Historically, useful pottery was the main utensil for domestic use by the Azorean descendants on the coast of Santa Catarina. The abundance and top quality of clay ensured the manufacturing of pots, pans, plates, cups and bowls that families used on a daily basis to make food, serve the table, and store water and culinary goods that could be stored without risking deterioration. The municipality of São José, alongside Florianópolis, was the largest supplier of these pieces, sold mainly at the Public Market of the capital. The Ponta de Baixo village concentrated such a large number of potters and potteries that the city was known as the “capital of clay pottery” around the state.
Without reaching an industrial scale, however, other utensils that were manufactured before the arrival of the Azoreans became more common after the immigrants came to Santa Catarina. This happened to basketry, using plant fibers such as ticum, cattail, piri, rush, wicker and sedge. With these and other materials, hammocks, nets, hats, baskets and bags for farming and fishing were also made, in addition to rudimentary mattresses.
Wooden pestles, still regularly seen today in more remote communities, were also very useful together with troughs, which among other things was used for hygienic purposes in bathing adults and children.
A ausência de indústrias e o comércio incipiente no século XVIII forçavam as pessoas a criar seus próprios instrumentos de trabalho e definir as vestimentas de uso cotidiano. Por muitas décadas, o couro de boi e trajes rudimentares cobriram o corpo de homens e mulheres que tinham vindo ocupar o território do Brasil meridional. Nesse cenário, os teares manuais tiveram papel preponderante, pois o equipamento era de fabricação relativamente fácil e a matéria-prima era obtida nas matas, com oferta generosa.
Santa Catarina tem um setor têxtil pujante, mas o primeiro passo foi a produção de tecidos grossos para vestir escravos e trabalhadores livres e para ensacar o açúcar e o café – este, um item essencial na pauta local de exportações até meados do século XX. Em 1755, ainda com o processo da imigração açoriana em curso, operavam 266 teares no estado, com a produção de cerca de 40 mil metros de tecidos de linho e algodão. Era o fruto de um sistema artesanal de manufatura que gerava mantas, tapetes e roupas rústicas e resistentes ao frio da região e à dureza das lides no campo.
A produção de tecidos em larga escala pela indústria, no mundo inteiro, arrefeceu a atividade artesanal, mas não teve força para extingui-la. No presente, artesãos ainda produzem peças utilitárias ou artísticas, ajudando a reconhecer e fortalecer a identidade da cultura regional. Muitos teares também utilizam como matériaprima as sobras das malharias de grande porte, às vezes com a supervisão de instituições públicas que qualificam artífices para atender às necessidades dos consumidores atuais.
The lack of industries and the incipient commerce in the 18th century forced people to create their own work tools and to define their everyday clothes. For many decades, ox leather and rudimentary clothing covered the bodies of men and women who came to occupy the southern Brazilian territory. In this scenario, manual looms played a leading role, being an equipment relatively easy to put up, and the raw material was obtained in the woods with their generous supply.
Santa Catarina has a thriving textile sector, but the first step was the production of thick fabrics to dress slaves and free workers, and to bag sugar and coffee, which was an essential item in the local export basket until mid-twentieth century. In 1755, while the Azorean emigration process was underway, 266 looms operated in the state, with the production of about 40 thousand meters of linen and cotton cloth. Such was the result of an artisanal manufacturing system that produced blankets, rugs and rustic garments that were resistant to the cold weather in the region and the hardships of working in the countryside.
The industrial textiles production on a large scale all over the world slowed down the artisanal activity but was not strong enough to extinguish it. Today, artisans still produce utilitarian or artistic pieces, helping to acknowledge and strengthen the identity of the regional culture. Many looms use leftovers from large knitting factories as their raw material, sometimes under the guidance of public institutions that qualify craftsmen to meet the needs of today’s consumers.
Os açorianos e seus descendentes em Santa Catarina usavam roupas simples no dia a dia, nos afazeres da roça e da pesca, e se esmeravam nos trajes festivos e folclóricos, utilizados em missas, danças e quermesses. A roupa de “ver a Deus” era aquela que homens e mulheres vestiam para ir ao culto dominical. Destaque para o terno masculino, traje que acompanhava o fiel durante toda a vida e era cuidadosamente guardado para não se deteriorar. As melhores peças eram vestidas nas festas do Divino Espírito Santo, o principal evento religioso dos açorianos.
A camisa de linho ou de algodão ia por baixo do terno. E, às vezes, uma camiseta ainda evitava o contato da roupa principal com a pele e com o mundo externo, e suas sujidades. O chapéu era um elemento importante, de feltro para quem tinha posses, de palha para os mais pobres. No mais, era indispensável nas rotinas do campo e do mar. “A roupa era um reflexo da condição social de cada pessoa”, diz a antropóloga e historiadora Ana Lúcia Coutinho, que pesquisou os usos e hábitos dos açorianos que ocuparam o litoral do estado.
No começo, os trajes eram confeccionados pelos moradores, em teares próprios ou de terceiros. As mulheres bordavam roupas para adultos e crianças, e era habitual tingir as vestes folclóricas com tinturas naturais para dar a elas um colorido especial. Nem todos tinham dinheiro para comprar calçados, e era normal sair de terno e descalço, ou usando tamancos de madeira com laços de couro na parte de cima. No luto, a regra social mandava usar roupas escuras por pelo menos seis meses.
The Azoreans and their descendants in Santa Catarina wore simple clothes on a daily basis to attend to the fields’ and fishing chores but they took great care with their festive and folkloric costumes, worn in religious dates, dances and fairs. The “seeing God” outfit was what men and women wore to go to Sunday worship. The men’s suit stood out, being a piece that was kept by the believer throughout his life and carefully stored so as not to deteriorate. The best clothes were worn at the Divine Holy Spirit festivals, the main religious event of the Azoreans.
A linen or cotton shirt went under the suit. Sometimes, a T-shirt still prevented the main garment from touching the skin and thus the outside world, with all its dirt. The hat was an important element, made of felt for those with a better financial standing, and from straw by the poorest. Moreover, a hat was indispensable in the work on the field and the sea. “Clothing was a reflection of the person’s social status,” says anthropologist and historian Ana Lúcia Coutinho, who researched the practices and habits of Azoreans living on the state coast.
In the beginning, all clothes were made by the residents on their own or third-party looms. Women embroidered garments for adults and children, and it was customary to dye folk garments with natural dyes to give them a special color. Not everyone had money to buy shoes, and it was a common usage to go out barefoot wearing a suit or in wooden clogs strapped with leather ties on top. In mourning, the social rule was to wear dark clothes for at least six months.
Muito do artesanato produzido nos Açores, em diferentes momentos da história das ilhas, tem relação com o mar. A cestaria feita de vime era muito utilizada na pesca, mas também tinha uso doméstico acentuado, dada a fartura de produtos vegetais no arquipélago. Essa arte chegou ao sul do Brasil com os açorianos, que também trouxeram a cerâmica figurativa e a utilitária, os bordados e as rendas.
A renda de bilro e o crivo permanecem vivos em algumas comunidades, graças à capacidade dos artífices de se adaptar aos novos tempos. Essas técnicas tiveram um papel importante porque, de um lado, ajudavam a vestir as mulheres e, de outro, permitiam um ganho extra para rendeiras e criveiras, que vendiam sua produção para nativos e turistas apreciadores do seu trabalho.
A renda de crivo, usada no passado também para vestir os nobres e o clero, reaparece aplicada em detalhes das roupas modernas. Essa técnica, que exibe a extrema habilidade de mulheres que a aprenderam com suas mães e avós, ainda é utilizada em alguns pontos do litoral, com destaque para o município de Governador Celso Ramos, próximo a Florianópolis.
A renda de bilro também aderiu a soluções criativas, migrando do enxoval para as roupas de praia e aumentando a receita de dezenas de artesãs do litoral catarinense.
At different times in the history of the islands, much of the handicraft produced in the Azores was related to the sea. Basketry made of wicker was widely used in fishing but also regularly used at home, due to the abundance of plant products in the archipelago. This art was brought to southern Brazil, where immigrants also came to with their figurative and utilitarian ceramic, embroidery techniques and all kinds of lace manufacturing.
The bobbin lace and the embroidering remain alive in some communities, thanks to the craftsman’s ability to adapt to the new times. These techniques played an important role because they helped to dress women and also meant an extra income for lace makers and other craftswomen who sold their production to natives and tourists who appreciated their work.
Screen lace, also used in the past to dress nobles and clergy, reappeared in details of modern clothing. This technique, which shows the extreme ability of women who learned from their mothers and grandmothers, is still used in some areas of the coast, especially in Governador Celso Ramos town, near Florianópolis.
Bobbin lace also incorporated creative solutions, migrating from trousseau to beachwear and increasing the income of uncountable artisans on the coast of Santa Catarina.
A fabricação de farinha de mandioca foi uma atividade importante no litoral catarinense e deu à região a fama de exportar um produto diferenciado, de qualidade, mais refinado que o de outros estados da federação. Era um trabalho artesanal que se associava ou complementava a atividade pesqueira e a agricultura de subsistência. Apenas a cidade de Florianópolis manteve, no território da ilha onde se localiza, mais de 400 engenhos, mas um levantamento realizado em 2019 apontou que apenas 18 permaneciam ativos.
A redução da área rural de 80% para 5% na ilha de Santa Catarina, as exigências legais e ambientais e a concorrência com produtores em maior escala abalaram a atividade de fabricação da farinha de mandioca, hoje desenvolvida por poucas famílias que fazem questão de se manter na produção, por respeito à tradição dos pais e avós e para ajudar a preservar um costume tradicional. Mulheres ainda raspam a mandioca e a vizinhança vem ajudar quando chega a época da farinhada.
A operação nos engenhos de farinha, originalmente de teto rústico e piso de chão batido, envolve o forno a lenha, o cevador e a prensa. A Farinhada, festa realizada todos os anos no bairro de Santo Antônio de Lisboa, difunde a prática em um evento mesclado com atividades culturais. A produção de farinha de mandioca foi tombada em 2022 como patrimônio imaterial de Florianópolis.
Os engenhos de produção de açúcar e aguardente, uma tradição ibérica que veio para o sul do Brasil com os açorianos, sempre foram menos numerosos do que os de farinha, mas resistem em alguns pontos do litoral de Santa Catarina.
From Manufacturing cassava flour was an important activity on the coast of Santa Catarina, and gave the state the reputation of exporting a differentiated, high-quality product, more refined than that from other states in the country. The artisanal work complemented or was associated with the fishing trade and the subsistence agriculture. In Florianópolis city alone, in the island territory where it is located, there were over 400 mills but a survey carried out in 2019 pointed out that only 18 remained active.
The reduction of the rural area from 80% to 5% on Santa Catarina’s island, as well as legal and environmental requirements together with the competition represented by larger-scale producers have impacted the activity, which today is carried out only by a few families who insist on keeping the production, out of respect for the tradition of their parents and grandparents, and to help preserve a centuries old lore. Women still scrape the cassava and the neighbors come to help when the manioc flour season begins.
The operation in flour mills with rustic ceilings and dirt floors depends on a wood oven, a feeder and a press. “Farinhada”, a festival held every year in Santo Antônio de Lisboa neighborhood, showcases the activity cycle in an event rich in cultural activities. In 2022, the cassava flour production was listed as intangible cultural heritage of Florianópolis.
Sugar and brandy manufacturing mills, an Iberian tradition that the Azoreans brought to southern Brazil, have always been less numerous than the flour mills but they can still be found in some parts of Santa Catarina’s coast.
Não há manifestação mais autêntica e representativa da alma açoriana do que o culto ao Divino Espírito Santo. Ele resume a fé e a extrema devoção do povo do arquipélago nos lugares da diáspora. A adoração à terceira pessoa da Santíssima Trindade tem características distintas nas ilhas açorianas, no sul do Brasil, na América do Norte e em outros lugares para onde houve emigração, mas sempre mobiliza as comunidades, lota as igrejas, emociona as pessoas nos cortejos, alegra as famílias nas festas e em cantigas que fazem parte dos rituais da celebração.
Na ilha de Santa Catarina, o ciclo do Divino abrange a maioria dos bairros e balneários, de maio a dezembro, mas os rituais também ocorrem na parte continental de Florianópolis, nas cidades vizinhas e em todos os municípios do litoral catarinense colonizados por açorianos. O Dia do Divino costuma ocorrer sete semanas após a Páscoa, festejando o Pentecostes e lembrando que o Espírito Santo desceu do céu sobre a Virgem Maria e os apóstolos na forma de línguas de fogo.
A religiosidade do açoriano, contudo, vai além e se manifesta na devoção a outros santos e padroeiros. Os Açores são um rico mosaico de cultos, romarias e procissões que movimentam as nove ilhas do arquipélago durante o ano inteiro. Não é diferente em Santa Catarina, onde os emigrantes chegaram com os olhos no céu e os pés na terra, na esperança de uma vida melhor para suas famílias.
Em Florianópolis, um evento religioso de grande envergadura é a procissão de Nosso Senhor dos Passos, realizada durante a Quaresma há 256 anos. O evento atrai multidões aos cortejos de traslado do santo, que sai da Capela Menino Deus e vai até a Catedral Metropolitana, e do seu retorno, no dia seguinte, para o local onde passa o restante do ano. O encontro das imagens do Cristo e de Nossa Senhora das Dores, em frente à Catedral, é o momento de maior emoção da procissão.
There is not a more authentic and representative manifestation of the Azorean soul than the cult of the Divine Holy Spirit, which sums up the faith and extreme devotion of the people from the archipelago in the diaspora places. The adoration of the third person of the Holy Trinity has distinct characteristics in the Azorean islands, in southern Brazil, in North America, and in other places where immigrants arrived but a common thread is that it always mobilizes communities, fills churches, moves people who go in processions, and brings joy to families in parties and songs that are part of the celebration rituals.
On Santa Catarina’s island, the Divine Cycle happens in most neighborhoods and resorts, from May to December, but the rituals also take place on Florianópolis mainland, in neighboring cities, and in all municipalities along the Santa Catarina coast that were colonized by Azoreans. The Divine Day is usually celebrated seven weeks after Easter, honoring Pentecost, and remembering that the Holy Spirit descended as fire tongues from heaven on the Virgin Mary and the apostles.
However, the Azorean religiosity goes further and is revealed in their devotion to other saints and patron saints. The Azores offer a rich mosaic of cults, pilgrimages and processions that stimulate the archipelago’s nine islands throughout the year. It is no different in Santa Catarina, where emigrants arrived with their eyes on heaven and their feet on earth, hoping for a better future for their families.
In Florianópolis, the procession of Nosso Senhor dos Passos is a religious event of great importance held during Lent for the last 256 years. The event attracts crowds to the processions that take the saint from the Menino Deus Chapel to the Metropolitan Cathedral and return the next day to the place where he remains for the rest of the year. The meeting of the images of Jesus Christ and Our Lady of Sorrows, in front of the Cathedral, is the most emotional moment of the procession.
Igreja Nossa Senhora das Necessidades
Nossa Senhora das Necessidades Church
Catedral Metropolitana de Florianópolis Metropolitan Cathedral of Florianopolis Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito (1750) Nossa Senhora do Rosário e São Benedito Church Igreja Nossa Senhora da Imaculada Conceição da Lagoa (1780) Nossa Senhora da Imaculada Conceição da Lagoa Church D. Pedro II presenteou a igreja com dois sinos em 1861 D. Pedro II presented the church with two bells in 1861Embora Santa Catarina seja um estado de muitas comemorações, com festas temáticas que se espalham por todas as regiões, em especial no mês de outubro, os festejos religiosos ainda são os mais tradicionais e trazem a marca da fé da população. As festas do Divino Espírito Santo, que ocorrem em muitos municípios, têm o DNA açoriano, uma vez que chegaram com os colonizadores em meados do século XVIII. O caráter profano do evento em outras regiões ganha aqui um tom fortemente religioso, embora os cortejos e demais rituais sejam acompanhados pela venda de comidas e bebidas, por feiras de produtos e pelo encontro informal de pessoas no decorrer das cerimônias.
Heranças dos colonizadores também são os ritos do terno de reis, que acontecem na primeira semana de janeiro, a cada ano, em homenagem aos Reis Magos, e do pau de fitas, dança de roda coreografada de origem ibérica, acompanhada de música.
De um mastro enfeitado saem as fitas multicoloridas tomadas pelos participantes, que se movimentam em ziguezague, trançandoas no mastro até que fique impossível prosseguir. Aí começa o movimento contrário, destrançando as fitas ao som de sanfona, violão ou pandeiro. As mulheres dançam com vestidos estampados e flores no cabelo, e os homens usam camisa quadriculada ou xadrez, chapéu na cabeça e sandália de sola.
Although Santa Catarina has many celebrations, with themed parties that spread across all over the state, especially during October, religious festivities are still the most traditional among them and bring to the foreground the population’s faith. The Divine Holy Spirit Feast, which takes place in many municipalities, has the Azorean DNA, since it arrived with the settlers by mid-18th century. Here the mundane nature of the event in other regions takes on a strongly religious tone, although the processions and other rituals accommodate the sale of food and drinks, handcraft products fairs, and informal gatherings of people during the ceremonies. Another legacy from the colonizers are the rites of the Suit of Kings, which every year takes place in the first week of January, in honor of the Magi Kings, and the ribbons pole, a choreographed circular dance of Iberian origin, with its own typical music. From a decorated pole come multicolored ribbons, taken by the participants one by one. They move in zigzag, braiding the pole ribbons until it becomes impossible to continue. Then the opposite movement begins, untwisting the ribbons to the track sound of an accordion, guitar or tambourine. Women dance in printed dresses and have flowers in the hair, while men wear checkered or plaid shirts, hats and sandals.
A chamarrita, dança que a linguagem coloquial também chama de “limpa-banco” porque alvoroça todo o salão, é uma herança notoriamente açoriana no litoral catarinense. Especula-se que o nome tenha derivado da expressão “chama a Rita!”, alusão a um suposto apelo feito a uma jovem que alguém queria convidar para um encontro ou dança. No Rio Grande do Sul, o bailado ensejou a criação da chimarrita, que está entre as manifestações mais autênticas e conhecidas do tradicionalismo regional. Se o tocador for bom e souber improvisar, a chamarrita é sinônimo de alegria e animação em bailes que atravessam a madrugada.
Outra dança muito conhecida é o pezinho, de origem praieira e antigamente comum nos botequins e casas de orgia de Portugal. Já a tirana é uma dança cantada, neste caso pelas mulheres, mas sem a coreografia que é comum nos Açores. Também há o quebra-quebra gabiroba, que a antropóloga catarinense Ana Lúcia Coutinho lembra de ter dançado na região de Tijuquinhas, em Biguaçu, na Grande Florianópolis, e que nunca observou nos Açores, nas inúmeras viagens que fez ao arquipélago.
Muito citada como herança açoriana, a ratoeira está mais para uma brincadeira de roda do que para uma peça de música e dança; é marcada por quadras cantadas sobre temas de amor ou provocação picante. Nesse ritual, as mulheres formam uma roda central e os homens ficam no lado de fora, como que observando as evoluções femininas.
The “chamarrita”, a dance that colloquial language also calls “bench cleaner”, since it stirs up the entire dance hall, is a notoriously Azorean heritage on the coast of Santa Catarina. It is speculated that the name derives from the expression “call Rita!”, an allusion to the supposed appeal made to a young woman whom someone wanted to invite for a date or a dance. In Rio Grande do Sul, the ball gave rise to the “chimarrita”, one of the most authentic and well-known expression of regional traditionalism. If the player is good enough and knows how to improvise, the “chamarrita” is synonymous with joy and excitement, and people dance until dawn.
Another well-known dance of beach origin is called “pezinho”. Back in the day, it was quite common in taverns and men’s clubs in Portugal. On the other hand, “tirana” is a dance sung by women but without the choreography that is common in the Azores. There is also the “gabiroba jigsaw”, which anthropologist Ana Lúcia Coutinho from Santa Catarina remembers having danced in the Tijuquinhas region, in Biguaçu, Greater Florianópolis, but which she never saw in the Azores, on the several trips she made to the archipelago.
Often referred to as an Azorean heritage, the “mousetrap” is more like a circular game than a piece of music and dance, defined by sung quatrains on themes of love or spicy provocations. In this ritual, women make up the inner circle while men remain outside, as observers of female movements.
Castanholas Castanets
Bumbo Bass Drum Viola de 15 cordas Brazilian fifteen-string guitarNo Brasil, é comum haver nomes diferentes para as mesmas brincadeiras infantis. De qualquer modo, nas comunidades onde permanecem os vestígios da colonização açoriana é comum brincar de pé de lata, perna de pau, ovo no saco, ovo na colher, taco, corrida, carroção (ou carretão) de madeira e morto-vivo. Também com a pandorga (ou pipa), que é universal e atrai tanto jovens como adultos, além do boi de mamão (uma variação do boi-bumbá), das cinco marias, das sete marias, do batizado de bonecas e do cozinhadinho – estas, brincadeiras das meninas.
No rol das diversões entram ainda o jogo de bola de gude, também universal, e a bola de sete capas. As crianças participam de algumas diversões de adultos, como a contação de história, comum nas antigas reuniões familiares em que todos se encontravam no fim da tarde ou à noite, após o jantar. Era a tradição oral, que tinha o poder de transmitir contos e histórias de uma geração a outra.
Parlendas, adivinhações e trava-línguas costumam envolver pessoas de diferentes gerações e também podem ser incluídas na categoria da literatura oral. Da mesma maneira, as festas juninas nunca foram voltadas só para adultos, contemplando as crianças nas escolas e nas brincadeiras promovidas por famílias e comunidades.
From In Brazil, it is common to have different names for the same children’s games. In any case, in communities where traces of Azorean colonization survive, common games are called “tin foot,” “wooden leg,” “egg in a bag,” “egg on a spoon,” “bat,” “race,” “wooden wagon (or cart),” and “living dead.” It is also common to fly pandorgas (or kites), which are universal and attract young people as much as adults. There also are the “boi de mamão” parade (as a kind of “boi-bumbá”). The popular games “five marys” or “seven marys,” “doll christening” and “little cooking” are mainly girls’ practices.
The list also includes playing with marbles, also universal, and the “ball of seven layers.” Children customarily participated in some of the adults’ games, such as storytelling, a regular activity in old family gatherings when everyone met late by the afternoon or at night after dinner. It was the oral tradition and its power to transmit tales and stories from one generation to the following.
Narrative rhymes, riddles and tongue twisters usually engaged people of different ages and also belong in the of oral literature category. June festivities were also never aimed only at adults, and were held for children in schools and in games promoted by families and communities.
A azulejaria que subsistiu no litoral de Santa Catarina, região que passou por grande expansão imobiliária nas últimas quatro décadas, é de inspiração lusitana. Foram os próprios portugueses que trouxeram o gosto pela arte estampada em azulejos que ajudaram a embelezar as ruas das cidades, criando paredes e fachadas de fundo predominantemente azul, bem ao gosto dos artífices de Lisboa.
Herança do período colonial em cidades como Salvador e Rio de Janeiro, por aqui, em vista da escala reduzida da emigração direta de Portugal, foram os açorianos que trouxeram essa arte, mas na forma de uma cerâmica vermelha, simples e sem desenhos.
Em Florianópolis, restam poucos exemplares de sobrados com azulejo nas fachadas. As noções de estética mudaram com o tempo, e o que se vê hoje em dia são alguns prédios públicos utilizando ladrilhos e azulejos como elementos de decoração, segundo projetos de artistas plásticos e arquitetos.
Na rua Conselheiro Mafra, no centro da capital catarinense, restaram apenas vestígios de azulejos em poucos sobrados. Nas ruas Francisco Tolentino e dos Ilhéus e na praça XV de Novembro, também há resquícios dessa arte, às vezes nas paredes, outras vezes na calçada. Em edifícios, os conceitos contemporâneos de estética e decoração levaram à substituição dos motivos florais e históricos por painéis. No entanto, há ateliês de cerâmica que produzem peças exclusivas a partir de encomendas de pessoas interessadas.
The tilework that has survived on Santa Catarina’s coast, an area that has undergone major real estate expansion over the last four decades, is of Lusitanian inspiration. The Portuguese themselves brought their own taste for the art printed on tiles used to decorate the streets of the cities with walls and facades with a predominantly blue background, much to the taste of Lisbon’s craftsmen.
Heritage from the colonial period seen in cities like Salvador and Rio de Janeiro, in Santa Catarina, in view of the small scale of direct emigration from Portugal, was kept by the Azoreans who brought this art but in the form of simple red ceramics, lacking drawings.
In Florianópolis, there are a few examples of houses with tiles on the facade. The aesthetic styles have changed over time, and now what can be seen are some public buildings using tiles as decorative elements, in plastic artists’ and architects’ projects.
On Conselheiro Mafra St, downtown Santa Catarinas capital, there are only traces of tiles left in some houses. On Francisco Tolentino St, Ilhéus St, and XV de Novembro Square there are also remnants of this art, sometimes on the walls but also on the sidewalks. Contemporary aesthetic and decorative trends have encouraged the replacement of floral and historical motifs by panels in buildings. However, there are ceramic workshops that produce studio pieces based on orders from their clients.
A edificação de moradias varia com o tempo, com as condições naturais e com a disponibilidade de materiais. Nos Açores, a abundância de pedra basáltica de origem vulcânica incentivou construções com a rocha escura que, em muitos casos, dispensava o uso de reboco. Em Santa Catarina, a madeira sempre foi farta, razão pela qual esse insumo, ao lado da pedra, foi largamente utilizado como matéria-prima. A argamassa de argila e óleo de baleia sustentou até edifícios públicos, alguns deles hoje ainda em pé.
Do ponto de vista construtivo, as antigas edificações apresentam aberturas com vergas retas e janelas de abrir em duas folhas, também chamadas de escuras ou postigos, sem esquadrias de vidro. Há casas com verga em arco abatido e janelas em guilhotina sobreposta ao postigo interno em duas folhas.
Muitos telhados apresentam caimento frontal atenuado por galbo, que se obtém pelo uso de uma peça de madeira, chamada contrafeito. A ligação da cobertura com a fachada se dá pela beira seveira ou por cimalha, e a fachada é composta de cunhais laterais. As casas tinham cobertura em duas águas, com caimento de frente para a rua e, nos fundos, para o quintal, evitando a necessidade de usar algum sistema de captação ou condução de águas pluviais.
A arquitetura luso-brasileira presente em Santa Catarina –em uma extensão que vai de Laguna a São Francisco do Sul –contempla ainda os cruzeiros (cruzes colocadas sobre pedra ou madeira na parte externa das igrejas) e os impérios do Divino. A influência construtiva dos imigrantes também se manifesta nos engenhos de farinha, açúcar e cachaça, de concepção simples e com foco na funcionalidade.
Em Santo Antônio de Lisboa, bairro de Florianópolis que já foi um importante entreposto comercial, está o calçamento mais antigo do estado, assentado no século XVIII e que conserva as características originais. Para sua instalação, foi utilizado um antigo sistema de piso chamado pé de moleque, com pedras justapostas, que foi a primeira forma de calçamento.
Housing construction changes with time, environment conditions, and the availability of materials. In the Azores, abundant basaltic stone of volcanic origin encouraged dark rock constructions that, in many cases, dispensed with the use of plaster. In Santa Catarina, wood has always been plentiful, which is why this input, alongside stone, was widely used as a raw material. Clay mortar and whale oil went into public buildings, some of them still standing nowadays.
From a constructive perspective, the old buildings have openings with straight lintels and windows that open in two leaves, also called dark or wickets, without glass frames. There are houses with a depressed arch lintel, and guillotine windows superimposed on the internal shutter in two leaves.
Many roofs have a front slope rounded below by a galbo, using a piece of wood called counterfeit. The connection between the roof and the facade is made by a sever edge or cymbal, and the facade is made up of side corners. The houses had a gabled roof, one facing the street and another the backyard, avoiding the need to use a rainwater collection piping or channeling system.
The Portuguese-Brazilian architecture seen in Santa Catarina—extending from Laguna to São Francisco do Sul—also includes a cross placed on a stone or wooden base next to a church (the so-called “cruzeiros”), and the Divine’s empires. The immigrants’ architectonic influence is also seen in the flour, sugar and liquor mills, with their simple design focused on functionality.
In Santo Antônio de Lisboa, a Florianópolis neighborhood that was an important trading post in the past, is the oldest pavement in the state, laid in the 18th century. It still retains its original features, being installed with an old flooring system called “pé de moleque” (boy’s foot) made of juxtaposed stones, which was the first form of paving.
O único farol ativo na região da Grande Florianópolis fica na ilha do Arvoredo, situada em uma das mais importantes reservas biológicas marinhas do litoral brasileiro. Com alcance de luz de 24 milhas náuticas, está localizado em área do município de Governador Celso Ramos, um dos pontos de afluência dos emigrantes açorianos na costa catarinense e onde são preservadas muitas tradições trazidas pelos ilhéus do arquipélago português no século XVIII.
A segurança da navegação nos canais que separam o continente da ilha de Santa Catarina, onde está Florianópolis, sempre foi uma preocupação das autoridades. As enseadas protegidas do mar aberto serviam de abrigo para expedições que vinham em direção ao sul do país desde o século XVI. Além das fortalezas, foram construídos faróis na ilha de Anhatomirim e na praia de Naufragados, nas entradas das baías norte e sul, respectivamente.
O farol do Arvoredo foi inaugurado em 1883, melhorando a capacidade de orientação no norte da ilha de Santa Catarina, principal entrada de embarcações desde os tempos do Brasil Colônia. Com três edifícios térreos anexos, conta com uma lanterna e uma galeria pintada com faixas horizontais brancas e vermelhas. Emite uma luz branca com quatro ocultações a cada sessenta segundos.
Desde 2007, há um sistema de fornecimento de energia ao farol por meio de painéis de células fotovoltaicas (energia solar).
The only active lighthouse in the Greater Florianópolis region is on Arvoredo island, in one of the most important marine biological reserves on the Brazilian coast. With a light range of 24 nautical miles, it is located in Governador Celso Ramos municipality. This was one of the main arrival points for Azorean immigrants on the coast of Santa Catarina, and where many traditions originally brought in by the Portuguese archipelago dwellers in the 18th century are preserved.
The safety of navigation through the channels that separate the mainland from Santa Catarina’s island, where Florianópolis is located, has always been a concern for the authorities. The coves protected from the open sea have been the shelter for expeditions that came towards the south of the country since the 16th century. In addition to fortresses, lighthouses were built on the Anhatomirim island and the Naufragados beach, at the entrance to the north and south bays, respectively.
The Arvoredo lighthouse was inaugurated in 1883, and improved ships guidance around the north of Santa Catarina’s island, which is the main sea entry point since colonial times in Brazil. With three attached single-storey buildings, it has a lantern and a gallery painted in white and red horizontal stripes. The lighthouse emits white light rays with four concealments every sixty seconds.
Since 2007, the lighthouse uses the energy from a supply system based on photovoltaic cell panels (solar energy).
As fortalezas foram construídas dentro e no entorno da ilha de Santa Catarina quando a Coroa Portuguesa percebeu que corria o risco de perder para a Espanha alguns territórios no Brasil meridional, na primeira metade do século XVIII. A região era considerada estratégica por sua localização e porque servia de ponto de reabastecimento e conserto para embarcações que rumavam ao rio da Prata e, dali, ao interior do continente sulamericano, pródigo em minérios e outras riquezas.
Compunham o núcleo do sistema defensivo os fortes de Santa Cruz de Anhatomirim, São José da Ponta Grossa e Santo Antônio de Ratones, um triângulo aparentemente intransponível na entrada norte das baías que separam a ilha do continente. Esse conjunto data do início da década de 1740 e foi erguido sob o comando do governador José da Silva Paes, que também solicitou aos reis de Portugal a colonização do litoral por imigrantes açorianos, no que foi atendido. Porém, o cuidado do governador não deu os resultados esperados, porque em 1777 uma esquadra espanhola entrou por terra e transformou a ilha em território sob o seu comando por um período de oito meses.
Depois dessas fortalezas centrais, outras foram edificadas na Lagoa da Conceição, na ilha de Araçatuba, na região central e na parte continental da cidade. Muitas dessas fortificações desapareceram ou deixaram ruínas esparsas, mas as de maior importância histórica – Anhatomirim, Ponta Grossa e Ratones – foram tombadas, restauradas e, sob o gerenciamento da Universidade Federal de Santa Catarina, estão entre as principais atrações turísticas da Grande Florianópolis na atualidade.
Fortresses were built in and around Santa Catarina’s island when the Portuguese Crown realized that it was in danger of losing territories in southern Brazil to Spain, in the first half of the 18th century. The region was deemed strategic due to its location and because it served as a refueling and repair spot for vessels heading to Rio de la Plata and, from there, deeper into the South American continent, rich in ores and other precious resources.
The core of the defensive system was made up of three forts—Santa Cruz de Anhatomirim, São José da Ponta Grossa and Santo Antônio de Ratones, an apparently impassable triangle at the north entrance of the bays that separate the island from the mainland. This set dates back to the early 1740s and was built by order of then governor José da Silva Paes, who also was granted a request he made to the kings of Portugal to send Azorean emigrants to colonize the coast. The brigadier’s care did not give the expected results though because in 1777 a Spanish squadron came by land, turning the island a territory under their command for a period of eight months.
After these central fortresses, others were built in Lagoa da Conceição, on Araçatuba island, in the central area, and on the mainland of the city. Many of these fortifications disappeared or just left scattered ruins, but those of greater historical importance — Anhatomirim, Ponta Grossa and Ratones — were listed, restored and, under the supervision of the Federal University of Santa Catarina, are among the main tourist attractions in Greater Florianópolis today.
Os açorianos que ocuparam o litoral sul-brasileiro deixaram um grande legado na região, mas em relação à arquitetura a herança não vem exatamente do arquipélago. Historiadores, arquitetos e urbanistas entram em consenso quando falam do assunto: o que se vê em casarios, igrejas, edifícios públicos e na configuração dos centros urbanos tem como gênese a tradição construtiva de Portugal continental. Por isso, esses especialistas chamam de “arquitetura de características luso-brasileiras” o estilo trazido pelos imigrantes, presente em todo o território nacional, inclusive em lugares que não receberam açorianos.
Os Açores foram ocupados prioritariamente por portugueses das regiões do Alentejo, do Algarve e da antiga Estremadura, que trouxeram seus modelos construtivos e os adaptaram às ilhas, ricas em pedra vulcânica. No arquipélago, usavam-se muros baixos de pedra, para melhor aproveitamento do terreno, e era comum a construção de chaminés.
No Brasil, no período colonial, as residências tinham cobertura em duas águas, com caimento de frente para a rua e, nos fundos, para o quintal. Nas casas térreas, a distribuição interna se dava por uma sala frontal, seguida das alcovas (cômodos fechados, sem janelas) e, nos fundos, a cozinha; a circulação ocorria em um corredor lateral ou central.
No centro de Florianópolis e nos núcleos do interior da ilha de Santa Catarina, muitas edificações eram geminadas, construídas umas junto às outras por razões de segurança.
As mudanças vieram com a modernidade e a transformação dos hábitos e das necessidades da população, mas no interior da ilha de Santa Catarina ainda há exemplares de casas –muitas delas em ruínas – que preservam os traços da arquitetura trazida pelos imigrantes.
The Azoreans who occupied the southern coast of Brazil left a great legacy in the region but as architecture is concerned the heritage does not exactly come from the archipelago. Historians, architects and urban planners come to a consensus when they talk about the subject. What is seen in houses, churches, public buildings, and in the laying out of urban centers is originated in the building tradition of mainland Portugal. Therefore, these experts consider the style brought by immigrants as “architecture with Portuguese-Brazilian features.” This is seen throughout the Brazilian territory, including places that did not get Azorean immigrants.
The Azores were primarily occupied by Portuguese from the Alentejo, Algarve and former Estremadura areas, who brought their building models and adapted them to the islands, rich in volcanic stone. In the archipelago, low stone walls were employed for better use of the land, and chimneys were common.
During the colonial period in Brazil, residences had gabled roofs, facing both the street and the backyard. In the single-storey houses, the inside distribution meant a front room, followed by the alcoves (closed rooms lacking windows), and a kitchen at the back; the circulation was carried out along a side or a central corridor.
In downtown Florianópolis and the inner settlements of Santa Catarina’s island, many buildings were twinned, built next to each other for safety reasons.
Changes came with modern times and the transformation of the population habits and needs but deep in Santa Catarina’s island there still are examples of houses—many of them mere ruins—that still display elements of the architecture brought by Azorean immigrants.
A A história da Alfândega começa quando Florianópolis ainda se chamava Nossa Senhora do Desterro e termina em 1964, ano em que o porto da cidade foi desativado. O primeiro edifício erguido com fins alfandegários ficava próximo à praça XV de Novembro, marco zero da capital catarinense, e foi destruído por um incêndio em 24 de abril de 1866. O então presidente da província de Santa Catarina, Alfredo d’Escragnolle Taunay, inaugurou o novo prédio, e as atividades oficiais tiveram início em fevereiro de 1877. Construída em estilo neoclássico, a Alfândega contava com dois armazéns e o segmento central, que era o local de registro de cargas e descargas e das atividades burocráticas. Com o Mercado Público Municipal, situado ao lado, foi durante muitas décadas o principal ponto de comercialização da cidade, formando um conjunto que incluía também o píer e alguns trapiches utilizados por embarcações de portes distintos.
Depois de uma década sem uso, o prédio foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em 1979, depois de reformado, foi cedido ao governo do estado, que instalou ali o Museu de Arte de Santa Catarina (em caráter provisório), a sede da Associação Catarinense dos Artistas Plásticos e depois uma galeria de artesanato – esta, em funcionamento até hoje. O andar superior do edifício abriga o escritório técnico do Iphan.
The history of the Customs House begins when Florianópolis was still called Nossa Senhora do Desterro, and it ends in 1964, when the city’s port was deactivated. The first building made for customs clearance purposes was close to XV de Novembro Square, ground zero of Santa Catarina’s capital, and it was destroyed by a fire on April 24, 1866. The Santa Catarina Province’s president at the time, Alfredo d’Escragnolle Taunay, opened the new building, and official activities began in February 1877.
Built in neoclassical style, the Customs House had two warehouses and a central segment where loading, unloading and bureaucratic activities were recorded. With the Municipal Public Market next door, it remained for many decades the main sale hub in town. The group of buildings also included the pier and some docks used by vessels of different sizes.
After a decade without being used, the building was listed by the National Historical and Artistic Heritage Institute (Iphan). In 1979, after remodeling it was given over to the state government for the installation of the Art Museum of Santa Catarina (on a provisional basis), the headquarters of the Associação Catarinense dos Artistas Plásticos [Santa Catarina Plastic Artists Association], and later a handicraft gallery, which is still open nowadays. In the upper floor of the building is Iphan’s technical office.
O primeiro Mercado Público de Florianópolis foi inaugurado em janeiro de 1851, entre o mar e a atual praça Fernando Machado, quando a cidade, ainda chamada de Nossa Senhora do Desterro, tinha em torno de 20 mil habitantes. Estava resolvido assim o problema da venda desordenada de víveres, em condições de higiene precárias. No entanto, a cidade e a demanda cresceram e um novo mercado foi entregue em fevereiro de 1899, já oferecendo armarinhos e produtos que iam além do peixe, da carne e de gêneros alimentícios de primeira necessidade.
Funcionando no mesmo local onde está até hoje, o Mercado Público era o principal ponto comercial da cidade. Mais uma vez, a expansão urbana forçou a construção de uma nova ala, o que ocorreu em 1931, em uma fase de investimentos públicos em infraestrutura, saneamento e energia elétrica, e logo após a construção da ponte Hercílio Luz, a primeira travessia física entre o continente e a ilha de Santa Catarina. A instalação de câmaras frigoríficas, nessa mesma época, pôs fim ao período de perdas de produtos perecíveis.
Durante décadas, o Mercado continuou recebendo produtos por mar e por terra, sendo o principal ponto comercial e de encontro de Florianópolis. A construção do aterro da baía sul interrompeu o contato da cidade – e do Mercado – com o mar, e a casa ganhou ares mais cosmopolitas, com a instalação de bares, restaurantes e empórios. Paralelamente, a cidade ganhou os primeiros shopping centers, e os bairros e balneários passaram a ter um comércio próprio, o que reduziu a importância do Mercado para os moradores.
Um grande incêndio, em agosto de 2005, destruiu a ala norte do Mercado, tomada por lojas de roupas, calçados e artigos de plástico. A reconstrução levou alguns anos; em 2015, o estabelecimento ganhou um novo mix, mais afinado com os mercados de outros estados e países. Hoje, mantém as antigas peixarias e lojas de preço popular, mas oferece outras opções a clientes mais exigentes da cidade e de fora dela.
The first Public Market in Florianópolis was opened in January 1851, between the beachfront and the current Fernando Machado Sq. when the city, still called Nossa Senhora do Desterro, had around 20,000 inhabitants. The place was designed to solve the problem of the disorderly sale of food in unfit hygienic conditions. However, both the city and the demand grew, and a new market was opened in February 1899, already offering haberdashery and products other than fish, meat and basic foodstuff.
Operating in the same place until today, the Public Market was the main commercial hub in town. Once again, urban expansion required the construction of a new wing, built in 1931. It was a time of public investments in infrastructure, sanitation and electricity. Shortly after, Hercílio Luz bridge was built, becoming the first physical crossing between the mainland and Santa Catarina’s island. At the same time, newly installed refrigerated chambers put an end to a time of losing perishable products.
For decades the Market kept receiving products by sea and land, and was the main commercial and meeting place in Florianópolis. The construction of the South Bank embankment interrupted the contact of the city, and the Market, with the sea, and the Market got more of a cosmopolitan air, with new bars, restaurants and shops. As the city opened its first shopping malls by then, and neighborhoods and beach resorts began to have their own shops, the Market lost its commercial relevance.
In August 2005, a big fire destroyed the north wing of the Market, where mainly clothing, footwear and plastic goods stores were. The reconstruction took a few years but in 2015 the establishment got a new mix, more in tune with the business trends of other states and countries. Today, the Public Market maintains the old fishmongers and low-price stores but it can also offer more refined options for demanding local as well as foreign customers.
A embarcação mais nobre do litoral catarinense é a canoa baleeira, utilizada até o final do século XIX na caça à baleia e, depois, na atividade dos pescadores artesanais para o cerco a cardumes em áreas protegidas e em mar aberto. Rústica, a baleeira tem o casco arredondado e uma aerodinâmica diferenciada que lhe confere uma agilidade que outras embarcações não têm.
A baleeira é inspirada em barcos americanos e ingleses que desenvolveram a indústria do óleo de baleia no hemisfério norte, a partir do século XIX.
Os construtores de baleeiras foram rareando até não subsistir praticamente nenhum nos municípios litorâneos. É uma arte que não tem escola: o ofício era passado de pai para filho ou aprendido por empenho individual dos construtores. Além da queda nos estoques de pescado, pesou para o fim da atividade a proibição da derrubada de árvores como a canela, a peroba, o cedro e a araucária, que forneciam a matéria-prima para os mestres artesãos.
Em 2022, a prefeitura de Florianópolis sancionou a lei que criou o Dia Municipal da Baleeira (18 de novembro), em homenagem ao dia de nascimento de Alécio Heidenreich (1929-2022), tradicional construtor que legou cerca de 80 baleeiras para a posteridade.
A região também usa muito as canoas bordadas, herança dos indígenas, os botes e as canoas de um pau só. Estas, ainda fabricadas manualmente, são de troncos de garapuvu caídos nas matas e se prestam à pesca em lagoas e baías de mar calmo.
The most distinguished vessel on the coast of Santa Catarina is the whaleboat, used until the end of the 19th century in whaling, and later on by artisanal fishermen to surround shoals in protected areas and in the open sea. This is a rustic vessel with a rounded hull and a special aerodynamics that gives the ship an agility other boats do not have. The whaleboat was inspired by American and English ships that first developed the whale oil industry in the northern hemisphere in the 19th century.
The whaleboat builders became increasingly scarce until practically none remained along our coastal towns. This was not an art taught in schools. The craft was passed down from father to son or learned through the individual effort of each builder. Together with diminishing fish stocks, the ban on felling trees such as cinnamon, peroba, cedar and araucaria, which provided the raw material for the master craftsmen, resulted in the end of the activity.
In 2022, the city of Florianópolis sanctioned the law that created the Municipal Whaling Day (November 18), as a tribute to Alécio Heidenreich (born on that date in 1929, he died in 2022), a traditional builder who left around 80 whaleboats for posterity.
The region also frequently uses embroidered canoes, a heritage from indigenous peoples, besides boats, and canoes carved from one trunk only. Still handmade nowadays, they are made from garapuvu trunks fallen in the woods, and are used for fishing in lakes and bays with calm waters.
Os açorianos que ocuparam a costa catarinense eram agricultores em suas ilhas de origem, mas cedo aprenderam a pescar, dada a fartura que o mar oferecia e a necessidade de garantir a subsistência diante dos desafios da nova terra. Com os indígenas da região, começaram a entender os segredos da atividade e a arte de construir e manobrar embarcações adaptadas aos rios, baías e enseadas do litoral.
A caça à baleia foi um período de fartura, porque envolveu um processo industrial complexo e lucrativo, mas depois disso a pesca artesanal, feita individualmente ou sob a coordenação de donos de ranchos de pesca, empregou um bom número de homens. Até hoje, a pesca sazonal da tainha e da anchova, por exemplo, mobiliza centenas de pessoas na ilha de Santa Catarina e na maioria dos municípios da orla catarinense. A tarrafa é a rede mais utilizada pelos pescadores artesanais ou por diletantes de fim de semana, que pescam por prazer em áreas de canais, rios e enseadas de águas mansas.
Também sempre foi muito ativa a cata de berbigões, ostras e mariscos. As mulheres eram parceiras nessa atividade, usando facas e cestas de cipó e bambu para extrair ostras das pedras, curvadas para frente, ou de cócoras, quando extraíam berbigões dos baixios de águas rasas.
De lenço na cabeça ou chapéu, quase todos iam descalços para as praias. Com o crescimento da pesca industrial e a redução dos estoques, a atividade foi perdendo espaço e praticantes. A maricultura, atividade recente e mais lucrativa, reempregou parte desse contingente de trabalhadores.
The Azoreans who occupied the coast of Santa Catarina were farmers on their islands of origin but they soon learned to fish, due to the abundance offered by the sea and the need to ensure subsistence in face of the challenges of the new land. With the native inhabitants of the land they began to understand the secrets of the activity and the art of building and maneuvering vessels adapted to navigate rivers, bays and coast coves.
Whale hunting was a period of abundance, because it involved a complex and lucrative industrial process and after that artisanal fishing, done individually or under the guidance of fishing ranch owners, employed a good number of men. Nowadays, the seasonal fishing of mullet and bluefish, for instance, engages hundreds of people on Santa Catarina’s island and in most municipalities along the state coast. The cast net is used by artisanal fishermen or weekend dilettantes who fish for pleasure in areas of calm waters in canals, rivers and coves.
Hunting for cockles, oysters and shellfish has always been quite dynamic. Women were partners in this activity, using knives, vine and bamboo baskets to remove oysters from the rocks, in a bent position or squatting; the posture is necessary to extract cockles in shallow waters.
Wearing a headscarf or a hat, almost everyone went barefoot to the beaches. Facing the expanding industrial fishing and the reduction of stocks, the activity was losing space and fishers. Mariculture, a recent and more lucrative activity, re-employed part of this group of workers.
A caça à baleia já foi uma atividade rentável, que envolvia uma mão de obra volumosa no litoral de Santa Catarina. A primeira armação baleeira foi construída em 1742 na localidade de Nossa Senhora da Piedade, hoje município de Governador Celso Ramos, na Grande Florianópolis. Depois disso, e até o final do século XVIII, vieram as unidades de beneficiamento da carne e do óleo de baleia na praia da Armação, no sul da ilha de Santa Catarina; em Itapocorói, entre as cidades de Penha e Piçarras, no norte do estado; na ilha da Graça, em São Francisco do Sul, também no litoral norte, e de Garopaba e Imbituba, estas no sul catarinense.
O produto mais nobre da baleia era o óleo, destinado à iluminação pública (uso que se manteve constante até meados do século XIX), à lubrificação e à fabricação da argamassa utilizada na edificação de igrejas e fortalezas, ainda hoje em pé por toda a região.
As baleias-francas tinham uma camada de gordura particularmente espessa e por isso eram as mais perseguidas.
A caça obedecia a um ritual cumprido por grupos de homens embarcados em baleeiras, barcos de grande mobilidade e impulsionados a remo e vela. Um arpão rudimentar de ferro batido com farpas e uma haste de madeira, preso à borda por um cabo, feria o animal, que resistia até cansar e ser atacado por uma lança que o sangrava até a morte.
A pesca da baleia não foi trazida ao Brasil meridional pelos açorianos, porque a atividade se desenvolveu no hemisfério norte depois da emigração, quando os americanos passaram a usar o óleo para iluminar suas cidades em expansão, no século XIX. A matança foi proibida e hoje o que ocorre é a observação de baleias como opção de turismo ecológico de cunho preservacionista.
In the past, whaling was a profitable activity that engaged a large number of workers on the coast of Santa Catarina. The first whaling rig was built in 1742 at Nossa Senhora da Piedade town, now called Governador Celso Ramos, in Greater Florianópolis. After that and until the end of the 18th century, there were processing units for whale meat and oil on Armação beach, in the south of Santa Catarina’s island; in Itapocorói, between Penha and Piçarras cities, by the north of the state; on Graça island, in São Francisco do Sul, also on the north coast; and in Garopaba and Imbituba, both in Santa Catarina’s southern area.
The most noble product obtained from whales was the oil, intended for public lighting (a very frequent usage until mid-nineteenth century) or as a lubricant, and for manufacturing mortar used to build churches and fortresses still standing nowadays throughout the region.
Right whales have a particularly thick layer of blubber and therefore were the most chased. Hunting them was a true ritual performed by fishermen on board of whaleboats, which were highly mobile vessels propelled by oars and sails. A rudimentary harpoon, made of wrought iron with barbs and a wooden rod, attached to the boat by a cable, hit the animal, which resisted until it got tired and was next hit by a spear that made it bleed to death.
Whale fishing was not brought to southern Brazil by the Azoreans, because the activity was developed in the northern hemisphere after emigration, when Americans began to use whale oil to light their evergrowing cities in the 19th century. The killing was finally prohibited, and today what remains is whale watching as an option of ecological tourism with a preservation in mind.
Os açorianos que se estabeleceram em Florianópolis no século XVIII trouxeram consigo técnicas agrícolas que lhes permitiam sobreviver em condições de subsistência. Naquela época, a principal atividade econômica da região era a agricultura, que consistia no cultivo de alimentos básicos para prover a família.
Eles plantavam principalmente milho, feijão, mandioca, batata, abóbora e outros vegetais que eram utilizados em suas refeições diárias. Além disso, criavam animais como galinhas, porcos e cabras para obter ovos, carne e leite.
A agricultura de subsistência dos açorianos era baseada em técnicas simples e sustentáveis, que utilizavam os recursos naturais disponíveis na região, como o clima, o solo e a água. Praticavam a rotatividade de culturas, que consiste em alternar o plantio de diferentes espécies em uma mesma área, ajudando a manter a fertilidade do solo e a evitar doenças e pragas.
Além disso, os açorianos empregavam técnicas de adubação natural, como a compostagem e o uso de esterco de animais, que ajudavam a melhorar a qualidade do solo e aumentar a produtividade das plantas.
Apesar de simples, a agricultura de subsistência dos açorianos foi fundamental para a sobrevivência das famílias na época, e deixou um legado importante na cultura e na economia de Florianópolis e de Santa Catarina como um todo.
The Azoreans who settled in Florianópolis in the 18th century mastered agricultural techniques that allowed them to survive at a subsistence level. At that time, the main economic activity in the island was agriculture, which consisted of growing basic foodstuffs to provide for the family.
They planted mainly corn, beans, cassava, potatoes, pumpkin and other vegetables that were used in their daily meals. They also raised animals such as chickens, pigs and goats to obtain eggs, meat and milk.
The Azorean subsistence agriculture was based on simple and sustainable techniques, which benefited of the region’s natural resources, namely the climate, the soil and the water. They practiced crop rotation, which consists in growing different species in the same area one after the other, thus helping to maintain soil fertility and prevent diseases and pests.
In addition, the Azoreans employed natural fertilization techniques, such as composting and the addition of animal manure to the soil, which helped to improve its quality and to increase the plants’ productivity.
Although simple, the subsistence agriculture of the Azoreans was crucial for the survival of families at the time, and left an important legacy in the culture and economy of Florianópolis and of Santa Catarina as a whole.
O cultivo de ostras se tornou uma atividade muito lucrativa no litoral catarinense e colocou o estado na liderança do segmento, com mais de 90% da produção nacional. Originalmente, a coleta era feita por moradores da beira-mar para complementar a dieta diária. Depois, com a importação de sementes da espécie Crassostrea giga, ou ostra-do- -Pacífico, e as pesquisas realizadas pela Universidade Federal de Santa Catarina a partir da década de 1970, o cultivo cresceu, aproveitando as águas cálidas das baías e enseadas abrigadas da orla.
Essa atividade levou ao surgimento de restaurantes especializados em ostras que oferecem o produto in natura ou gratinado, em rotas gastronômicas que têm os frutos do mar como reis do cardápio. A cadeia produtiva criou empregos atrelados ao processamento, à distribuição e à comercialização de ostras, incluindo o fornecimento para clientes de outras capitais do país. A atividade requer cuidado na seleção dos melhores locais de cultivo, na produção de sementes em laboratório, nas técnicas de manejo específicas e na atenção com a armazenagem e os aspectos sanitários. A produção de ostras em Santa Catarina é ecológica e sustentável.
Santa Catarina também produz mexilhões, que são moluscos bivalves fixados às rochas na beira do mar. Conhecido como vôngole ou ameijoa em outras regiões brasileiras, no Sul é chamado de marisco e não tem produção em escala industrial. Os mexilhões são retirados por catadores esparsos nos costões do litoral.
Oysters farms have become a very lucrative activity on Santa Catarina’s coast and have made the state the segment leader, representing more than 90% of the national production. Originally, the gathering was done by seaside dwellers to supplement their daily food intake. Then, with the imported seeds of Crassostrea giga, the Pacific oyster species, and the research carried out by the Federal University of Santa Catarina from the 1970s onwards, their cultivation grew, benefitted from the warm waters of sheltered bays and coves along the coast.
This activity encouraged restaurants specializing in oysters to open their doors. Nowadays, they offer the product in natura or gratin along gastronomic routes that have seafood as their menu’s main attraction. The production chain created jobs linked to processing, distribution, marketing, and supplying customers from other big cities in the country. Farming oysters requires a careful selection of the best cultivation sites, laboratory seed production, specific handling techniques, and carefully tended storage and sanitation issues. Oysters production in Santa Catarina is ecological and sustainable.
Santa Catarina also produces mussels, which are bivalve mollusks that live attached to rocks at the edge of the sea. Known as vongole or ameijoa in other places throughout Brazil, in the south they are called seafood and are not produced on an industrial scale, as they are harvested by scattered pickers along the coast.
Com 275 anos de intervalo entre o primeiro desembarque de açorianos na ilha de Santa Catarina e os dias de hoje, é compreensível que haja muitas diferenças entre a culinária das nove ilhas do Atlântico Norte e a do Brasil meridional. No entanto, com o mar a um passo e a fartura de matéria-prima, o que mais varia são a preparação e a diversidade dos pratos do que propriamente os insumos utilizados no seu preparo.
Nos Açores, atualmente, os mariscos (que para eles incluem tudo o que vem do mar, menos os peixes) são iguarias normalmente servidas como entrada, por exemplo, as lapas grelhadas na manteiga, com alho e molho de pimenta vermelha com limão. O queijo da ilha de São Jorge tem 500 anos de tradição; os enchidos (embutidos) são excepcionais, o peixe fresco é abundante e a caldeirada é uma referência do arquipélago. Há ainda os chicharros, os cozidos, os pratos à base de polvo, as carnes e doces deslumbrantes. Além do vinho, para o qual o solo vulcânico funciona como terroir perfeito.
Em Santa Catarina, os destaques do litoral são o pirão (de farinha de mandioca) com peixe, a tainha frita, recheada ou assada, o filé de peixe, a anchova grelhada ou escalada, o pastel de camarão, a casquinha de siri, e o camarão, servido de várias maneiras. Nas últimas décadas, a ostra (o estado é o maior produtor do país) foi incorporada ao cardápio gastronômico local e tem atraído a atenção de consumidores de todas as partes.
With a 275 years gap between the first arrival of Azoreans at Santa Catarina’s island and the present day, it is understandable why there are so many differences between the typical cuisine of the nine islands in the North Atlantic and that of southern Brazil. However, having the sea just a step away and the abundance of raw materials, the variation lies more in the preparation and the diversity of dishes than in the ingredients themselves.
Currently, for the Azoreans seafood is everything that comes from the sea, except fish. It includes delicacies normally served as starters, such as limpets grilled in butter, garlic and red pepper sauce with lemon. The cheese made in São Jorge island benefits from a 500-years-old tradition. The sausages of all kinds are exceptional, the fresh fish is plentiful, and the fish with seafood stew is a famous dish in the archipelago. Besides chicharros, there are also cooked options, octopus-based dishes, several meats and dazzling sweets. And let us not forget the wine, since the volcanic soil works as the perfect terroir.
Nowadays, in Santa Catarina the highlights of the beach cities restaurants are fish with pirão (a sort of soft mash made from manioc flour); fried, stuffed or roasted mullet; fish fillet; grilled anchovies; shrimp pastry; crab shell, and shrimp, cooked in multiple ways. In the last few decades, being Santa Catarina the main national oyster supplier, the product has been included in many local gastronomy menus and attracts consumers from everywhere.
A maior parte da cidade de Florianópolis está assentada sobre o que se convencionou chamar de “ilha da magia”. O nome decorre da crença dos manezinhos tradicionais em lendas e superstições que vêm de longo tempo, da época da colonização, e se consolidaram no imaginário popular. São bruxas, lobisomens, boitatás, assombrações e feitiçarias praticadas contra pessoas inocentes. Muito do fantástico que se descreveu e se preserva na região foi registrado e documentado pelo folclorista Franklin Cascaes, que conversava com pescadores e moradores do interior da ilha em uma época de pouca comunicação e estradas precárias ligando os bairros e os balneários da cidade.
De acordo com a crença dos nativos, as bruxas assustavam os pescadores, roubavam seus barcos, brincavam com suas tarrafas, davam nós nas crinas dos cavalos e chupavam o sangue de crianças pequenas. As famosas pedras no bairro Itaguaçu, que ornamentam uma parte da baía sul, seriam mulheres transformadas em rochas porque promoveram um encontro bruxólico e não convidaram o demônio para a festa.
Relatos de visões de lobisomem ainda são comuns entre pessoas de mais idade na ilha. O lobisomem seria sempre o sétimo filho homem de uma família numerosa, ao passo que a bruxa era a sétima mulher nascida dos mesmos pais.
A ilha ainda tem histórias de visagens, luzes que aparecem do nada nas noites escuras e o nascimento das lagoas da Conceição e do Peri. O amor proibido entre os dois indígenas fez com que Conceição chorasse tanto que suas lágrimas se transformaram em uma lagoa de águas salgadas. Já o padecimento de Peri gerou uma lagoa em forma de coração, que leva o seu nome no sul da ilha.
Most of the Florianópolis city is located on what is known as the “magic island.” The nickname stems from the belief of traditional inhabitants (“manezinhos”) in legends and superstitions that started to be orally transmitted a long time ago, since colonization, and were ingrained in the popular imagination. They talk about witches, werewolves, “boitatás” (fire snakes), hauntings and sorcery tricks against innocent people. Much of the fantastic world described and preserved in the region was recorded and documented by folklorist Franklin Cascaes, who talked to fishermen and residents of the island’s inland at a time of little communication and precarious roads connecting the city’s neighborhoods and resorts.
According to native belief, witches scared fishermen, stole their boats, played with their nets, tied horses’ manes in knots, and sucked the blood of small children. The famous stones in the Itaguaçu neighborhood, which play a main part in the South Bay’s beauty, are supposed to have been women turned into rocks because they organized a witchcraft meeting and did not invite the devil to the party.
Reports of werewolf sightings are still common among older people on the island. The werewolf would always be the seventh son of a large family, while the witch was the seventh woman born to the same parents.
The islanders also tell stories of mysterious sightins, lights that appear out of nowhere on dark nights, and the birth of the Conceição and Peri lagoons. The forbidden love between the two Indians made Conceição cry so hard that her tears turned into a pool of salt water. From Peri’s suffering a heart-shaped lagoon was born in the south of the island, bearing his name.
“It is necessary to pass over ruins like someone stepping on a floor of flowers!”Antero de Quental
Dona Luci Gaia - Benzedeira / Healer Timoteo Ferreira Filho (Timotinho) - Pescador / Fisherman Neri Andrade - Artísta Plástico / Artist“É preciso passar sobre ruínas, como quem vai pisando um chão de flores!” Antero de QuentalAldo Branco (Pombinha) - Pescador / Fisherman Newton Souza - Oleiro / Potter Iris Martins - Maricultor / Shellfisher Joel da Cunha - Maricultor / Shellfisher
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
A m b a r , G u t o
F l o r i a n ó p o l i s : r e t r a t o s c u l t u r a i s a ç o r i a n o s 2 7 5
a n o s / G u t o A m b a r . - - 1 . e d . - - S ã o P a u l o :
K m M a r k e t i n g C u l t u r a l , 2 0 2 3
I S B N 9 7 8 - 6 5 - 9 9 8 9 1 9 - 3 - 9
1 . A ç o r e s - H i s t ó r i a 2 . F l o r i a n ó p o l i s ( S C ) -
D e s c r i ç ã o - A s p e c t o s c u l t u r a i s 3 F l o r i a n ó p o l i s
( S C ) - F o t o gr a f i a s 4 F o t o g r a f i a - A s p e c t o s s o c i a i s
I T í t u l o
Índices para catálogo sistemático:
1 F l o r i a n ó p o l i s : S a n t a C a t a r i n a : E s t a d o :
F o t o g r a f i a s 7 7 9 9 9 8 1 6 4 1
H e n r i q u e R i b e i r o S o a r e s - B i b l i o t e c á r i o
Autor - Author
GUTO AMBAR
Editor - Editor
ANA LÚCIA F. DOS SANTOS MÁRCIO MASULINO ALVES
Textos - Texts
PAULO CLÓVIS SCHMITZ
Fotografia - Photography
GUTO AMBAR
Projeto Gráfico - Design MÁRCIO MASULINO ALVES
Revisão - Proofreading SILVIA MOURÃO
Tradução - Translation
SILVIA MOURÃO
Impressão - Printed by MAISTYPE
Créditos - credit
ACERVO MUSEU ETNOGRÁFICO CASA DOS AÇORESPAG 19, 27, 28, 29, 30, 31, 62, 63, 64, 65, 67
MINT_IMAGES - PAG 6 , 140
NERI ANDRADE - PAG 12, 41, 145
ACERVO DA ESCOLA OLARIA BEIRAMAR DE SÃO JOSÉ
- PAG 53, 56, 57, 60, 61
JESUS FERNANDES - PAG 68, 71, 72, 73
ACERVO DA ABRACADABRA - PAG 159
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